Leia a quarta edição da revista mandinga

Transcrição

Leia a quarta edição da revista mandinga
revista eletrônica de poesia & fotografia
ano 2, nº4, outono de 2015 pelotas, rs, brasil
coordenação editorial
daniel moreira
valder valeirão
ideias e sacações
vicente botti
junelise pequeno martino
ano 2, nº4 -outono de 2015
pelotas, rs, brasil
jornalista reponsável
ediane oliveira
ilustrações
jairo tx
a revista eletrônica mandinga é uma publicação
trimestral de poesia & fotografia, editada
pelo grupo mandinga.
fotografias
geovani corrêa
poesia & fotograa
revisão
mariana heineck
contatos
www.mandinga.art.br
[email protected]
cc
creative
commons
conselho editorial
daniel moreira
duda keiber
ediane oliveira
jairo tx
ju blasina
junelise pequeno martino
valder valeirão
vicente botti
design editorial
valder valeirão
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O poeta é um ser à margem de suas próprias palavras.Transgride versos e
ecoa num mundo onde a única coisa que o pertence é a sua poesia. Se Basílio
Conceição estivesse vivo, neste tempo escasso de amores, seguiria amando
torto e ouviria a voz de Jorge Passos como um grito aos poetas loucos de um
tempo proibido. Num lugar vazio entre a coragem e o medo - é lá também que
a poesia está. Carlos Badia se procura, sem véus nem segredo, num lugar
nenhum, como ausente de si. O poema fere os nós dos dedos e se desnuda
nas palavras de Vanessa Regina. Transpõe paredes e pedras. E aponta
caminhos como no olhar de Geovani Corrêa. A poesia é também o outro. Num
mundo cão em que se sonha com versos de um poema sonhado por loucos de
rua, a poesia de Márcio Ezequiel renasce sobre seu próprio ser. É prato do dia,
ao despertar e quando a noite vem - alimento para a fome de Fred Caju. E é
folha pintada com nanquim derramado, escrita por Janete Flores. Poesia não
se define. Existe para ser transada às traças do seu gozo urgente. Poesia é
necessidade e se remexe no estômago de quem a devora todo o dia. A poesia,
dilatada em cada poro desta pele, denuncia os nossos olhos
Fotografias
Geovani Corrêa possui graduação em Artes Visuais (Bacharelado) pela Universidade Federal de
Pelotas (UFPEL); Atualmente, é mestrando em Processos de Criação e Poéticas do Cotidiano na mesma
Universidade. Atuou como bolsista pelo Programa de Educação Tutorial (PET Artes Visuais)
entre 2010 e 2013. Possui experiência profissional em design, fotografia, música, e também, em direção,
sonoplastia e montagem de produções audiovisuais, áreas em que desenvolve sua produção artística.
Sua pesquisa e poética transitam entre o campo da arte, da literatura e da filosofia, abordando questões
referentes a percepção, a experiência, a escuta, ao olhar, ao cotidiano, a temporalidade e espacialidade,
as novas mídias e formatos de produção e exibição fora do circuito instaurado pelo sistema da Arte.
Desenvolve, então, pesquisas norteadas por estas questões com o auxilio e incentivo da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior; FAPERGS/CAPES.
Poesias
Márcio Ezequiel é historiador, escritor e poeta. Em sua produção na história tenta não produzir
mentiras. Na produção ficcional evita repetir verdades. E na poesia, admite que tudo na vida é uma
grande farsa. Mestre em história pela UFRGS, tem livros publicados na área de memória institucional e
coletâneas de crônicas, como Leia antes de jogar fora (2011) e Agenda, o livro dos dias (2013). Criou
o poemacast Terapia Literária, veiculado pela Radiocom FM, de Pelotas/RS, cidade em que reside
desde 2010. Blog do autor: www.marcioezequiel.com.br
Carlos Badia é pelotense e começou a compor e tocar profissionalmente em meados dos anos
80, em pleno "boom" do rock nacional. Badia, que fazia MPB e música instrumental, sem espaço e
perspectiva resolveu enfiar a viola no saco e sair de cena. "Ma non troppo", pois jamais deixou de
compor e tocar, e foi fazer musicoterapia, trabalhar com música para publicidade, cinema, não sem
antes integrar a banda do Nei Lisboa por um bom tempo e montar o grupo Delicatessen mais
recentemente. Depois de tantos anos e shows esporádicos aqui e ali, Badia largou os estúdios e
tudo mais para agora se dedicar exclusivamente a sua carreira. Este ano sai seu primeiro disco solo
( o álbum duplo ZEROS) além de dois livros de poesias e outros textos. "Sílabas Ciladas " resgata
poemas de uma produção antiga dos anos 80 e 90. O outro livro, uma produção recente, traz
poesias e outros textos. Tudo a seu tempo, tudo gestação. E agora o parto. Partindo para colheitas e
novas semeaduras. Carlos Badia zerando e gerando novos zeros.
Jorge Passos é fronteiriço, nascido em Jaguarão e criado no Rio Branco, do lado uruguaio.
Servidor público, dedica-se nas horas vagas ao ativismo cultural. Xadrez, teatro, música, cinema,
literatura, fotografia, política, são algumas das artes onde se intromete. Administra o blog da
Confraria dos Poetas de Jaguarão e também a Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira
Meridional.
Vanessa Regina nasceu em Alegrete, Rio Grande do Sul. Atualmente reside em Rio Grande,
onde cursa Mestrado em História da Literatura pela FURG. Edita o blog Há quem diga que não era
aquela música. Não tem livro publicado.
Fred Caju é poeta. Editor do Castanha Mecânica (http://castanhamecanica.com.br/). Curador do
Cronisias (http://cronisias.blogspot.com.br/). Ambos os poemas fazem parte do livro “Arremessos
de um dado viciado” (2013).
Janete Flores é natural de Porto Alegre, radicada em Pelotas, 47 anos. Graduada em Artes,
habilitação em música, compositora, artista plástica, escritora e produtora cultural, idealizadora do I
Encontro Nacional de Mulheres da MPB, integrou o musical Mulheres que dizem som que reuniu
mulheres compositoras e instrumentistas do Brasil em turnê realizada no Teatro da Caixa Federal no
estado do Paraná, Curitiba, projeto Caixa Cultural com lei de incentivo federal. Com três livros
independente lançados nas feiras de livros do Rio Grande do Sul, é hoje, idealizadora do projeto
Sarau Itinerante que percorre municípios da zona sul do RS. Também participou da 1ª Jornada
Poética Fronteiriça Unipampa/Rio Branco quando do lançamento do livro Lavoura de Visitas.
Proponente do Projeto “CD Pra Ti!” realizado pelo Procultura Pelotas 2011.
Pegue uma folha
e escreva bem no meio
4 letrinhas de chapéu
Poema sobre o outro lírico
ou como tirei o chapéu diante da poesia
Márcio Ezequiel
V-O-C-Ê
Agora olhe de novo
Quem está no poema
Já não é você, mas...
OUTRO
Sonhei com versos
de um poema sonhado por um louco de rua,
dormindo num beco escuro e fedorento.
E no sonho eu era o cachorro deitado ao seu lado,
numa cama de papelão e cimento.
O homem, em sono agitado,
dava socos no ar e chutes ao vento,
sonhando que poesia era coisa
de um cão velho e sarnento.
Mas eu, que no sonho era o cão,
que dormia ao lado do louco de rua,
que sonhava com o poema animal, nada entendi.
Afinal, poesia era coisa
pra um bicho dito irracional?
Na manhã seguinte, saímos cedo, que era dia de feira.
E sempre sobra um versinho, uma estrofe, um refrão.
Pra alimentar ao menos mais um dia,
desse nosso mundo de cão.
Mundo cão
Márcio Ezequiel
Há um lugar vazio
Carlos Badia
Um lugar vazio entre a coragem e o medo
Entre o tarde e o cedo
Entre a descrença e o credo
Há um lugar vazio
Um vácuo que de quando em vez habitamos
...em suspensão
Entre o sim e o não
Entre a luz e a escuridão
Entre o ínfimo e a vastidão
(e para além das meras dualidades)
Vacuidades em que transito em trânsito
Entre o longe e o perto
Entre o errado e o certo
Entre o fechado e o aberto
Um lugar vazio entre o mal e o bem
Entre o afeto e o desdém
Entre o que vai e o que vem
Como um jardim suspenso em vacuidade Zen
Um vazio lugar nesse ser que habito
Entre o que calo e o que é dito
Entre o explícito e o implícito
Entre "pertos" e lonjuras no que fito
Um lugar nenhum
Entre o acontecendo e o acontecido
Entre o acordado e o adormecido
Entre o que é e o que poderia ter sido
Há um lugar vazio onde me procuro
Essencial, visceral, sem véus nem segredos.
Em que busco o equilíbrio neste eu investigado
Não o equilíbrio da imóvel balança
Mas aquele do movimento de um balanço de criança
Ou do bailarino quando dança
Lá - nesse lugar nenhum - me reinvento.
Cenas em fluido pó
Carlos Badia
pensamentos em órbitas
como pó suspenso revelados por um rasgo de sol
neste oceano de pranas, ares/moléculas
mirando o observador que observa
em fio de luzes que descortinam milhões de pensares/memórias,
centelhas de pó em dança
que levitam e pairam e caem e sobem e descem e se escondem
em velocidades da luz, do som, do ultra som/luz sem tempo.
pensamentos que pairam fora do Ser
campo de visões e forças que se cruzam
quase sem pretensão, embora perplexos.
pouso o cansaço no silêncio
e mesmo atordoado de espantos non-sense, viro pó.
à quem pergunto por Fante, por Dante, por Quixote, por Cervantes.
zunindo num Cante Gitano
fumaça do cachimbo de um Pajé ou preto-velho - Velho-Pajé
tudo ar, brasa, terra, líquidos que fluem à tábua de Hermes
que balbucia: pergunte ao pó....
por um instante, pairando, olho vidrado.
Como ausente de mim - e isto nem importa - fluo.
Num Tempo escasso de aventuras
Pássaro cativo, voastes
Proclamando a pampa livre
Ébria e louca
Conquistada verso a verso
Nos trovões de Ana Luz
Ao Basílio Conceição
Jorge Passos
Num tempo escasso de amores
Só tu soubestes como amar
Torto
Transgredindo normas
Vertendo acordes
Bob Dylan de bombacha,
Gaita de boca e violão.
Violastes, Basílio
Concebestes,
Vagastes!
Andas por aí
Na Groenlândia ou em qualquer lugar
Feito a sombra do bem vindo
Trazendo a luz em tuas mãos
Aranhame
Jorge Passos
Nas diagonais,
tecendo tua teia sobre mim,
obliquamente, te amo ,
verticalmente, me submeto ,
retilíneo, te acalmo ,
esférico, me aninho ,
agudo te penetro,
pendulares, gozamos,
paralelos, rimos,
superpostos,
dormes e durmo em ti.
é preciso que te movas
um grão que seja
neste teu olho de prata
cabedal de raízes
Vanessa Regina
- são tantas as inundações
que não carregam nada é preciso, sim
ferir os nós dos dedos
e desnudar os pés
para que colham a última chuva
Vanessa Regina
há quem diga que o vermelho cobrirá meus pés
e as manhãs tão serenas
- aquelas de um silêncio desastroso permanecerão mínimas
sobre o assoalho pálido da cozinha
eu digo que não
Prato do dia
Fred Caju
Terás comida
ao despertar:
leite, café,
frutas, queijos,
o que quiser.
Pode comer,
é tudo seu;
meu tempero
é sob medida
e não tem erro.
Janta sem pressa
tua refeição,
a noite vem
e a mesa espera
como convém.
Pra todo dia
Fred Caju
Serás comida
ao se deitar:
da nuca ao pé,
toques, beijos,
como quiser.
Pode comer
sou todo seu;
meu chamego
é pra tua vida
gozar sossego.
Junta sem pressa
tua sedução,
vamos além
que a cama espera
como convém.
Janete Flores
Sábado de Aleluia
Descobria eu num dia de vento
que descoberta eu ia sem amor,
e que precisava eu dele para seguir viva...
O que eu entendia naquele dia de aleluia era tão obvio
quanto era imperdoável ainda não saber,
e eu não sabia andar sozinha de amor...
E quando vi o vento levando a folha caída,
entendi o abraço dos tempos,
e o carinho natural que passava bem na minha frente
e que antes eu era incapaz de ver.
O vento dando colo à folha...
O chão dando a ela onde cair...
A terra dando a ela onde dormir,
para acordar-se depois, bem depois!
E eu acordada via então a vida voando pra mim!
Aquilo era amor...
Janete Flores
Daquilo que eu nem sabia (Temporais)
Hoje, que é um dia de “já faz tanto tempo”,
sim eu li os trechos que recebi e joguei de canto.
Aliás, no meu canto tem muitos trechos daquelas conversas longas.
Tá, eu concordo que há também coisas tão boas de lembrar
e de se manter em segredo, e de...
Sei lá, melhor parar.
São coisas leves que fazem bem até agora...
Deixe que elas sobrevivam...
Mas que fique bem claro que elas só poderão ficar se não fizerem alarde!
Algumas coisas mudaram por aqui,
enquanto outras continuam fazendo o mesmo ruído amoroso!
E tenho dito!
arte literatura