Alma serena e língua solta
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Alma serena e língua solta
Alma serena e língua solta 03/08/2012 - Valor Econômico - Como prefere ser tratado? Governador, ministro, deputado? - Pode me chamar de Ciro. E me tratar de você. Ciro Ferreira Gomes está no restaurante Marcel, frente ao mar ensolarado. Aqui se servem, com inspiração francesa e contribuição do tempero nordestino, suflês de camarão, de bacalhau, de foie gras, ou carnes variadas e frutos do mar. O restaurante, anexo ao Holliday Inn, é o predileto de Patrícia Pillar quando a atriz está em Fortaleza. O convite do Valor foi para saber o que anda fazendo Ciro Gomes, conversar de política e, é claro, abordar, sem grandes mergulhos na intimidade, alguns temas da vida privada. Como esta última parte pode interessar a certos leitores, vamos logo a ela: Ciro e Patricia estiveram juntos 16 anos e se separaram em novembro do ano passado. Conheceram-se em Fortaleza mesmo, pois ela tem uma irmã na cidade. - E agora, como você está? Comportado? - Estou em fase de desintoxicação e longitude. O que me importa hoje é esta aqui. A tela do celular exibe a foto da neta, Maria Clara, três meses e meio. Ciro tem três filhos com outra Patrícia, a ex-senadora Saboya Gomes, hoje deputada estadual pelo PDT, a quem conheceu nos tempos da universidade. Ele estudava direito e era próximo ao PCB. Ela, militante do PC do B e presidente do centro acadêmico da Faculdade de Psicologia. "Discutíamos tanto que acabamos apaixonados." O casamento durou 12 anos. Depois de "16 anos de viajante compulsivo", pelo Brasil todo, "do Chuí ao Acre e do Acre àquela parte do Hemisfério Norte, acima de Macapá, além do Oiapoque", Ciro parece mais calmo. Fixou-se aqui perto, num apartamento que diz ser seu único patrimônio, com vista para a líquida esmeralda da praia de Iracema, inspiradora de José de Alencar. O ex-governador vive momentos de frugalidade. Pede "kadgery aux fruits de mer", despretensioso risoto. Para beber, uma jarra de suco de peroba - "adoro esse suco". O repórter opta por "Le bar en goujonette Murat", que o cardápio traduz por "sirigado em argolas grelhado na manteiga de escargot, palmito, champignon, tomate cassé, alcaparras, gomos de limão, batata em cubos". Faltou traduzir sirigado: badejo. O Real estava bichado, a inflação voltava, havia filas, ágio nos automóveis. Baixei as tarifas de importação Há dois anos, Ciro deixou de fumar. E a política, pelo menos a política nacional, o deixou em 2009, quando não pôde concorrer a presidente e esfumaram-se os planos de fazê-lo candidato ao governo de São Paulo. Se a abstenção do tabaco resultou em dez quilos a mais, que combate com esteira e musculação, não se percebe que decepções na política nacional o tenham deixado amargo. Não se exalta ao falar - bem ou mal, ou as duas coisas ao mesmo tempo - de amigos e adversários. O tom de voz é tranquilo, mas a língua continua solta. Depõe, como se verá, sobre as circunstâncias que o levaram ao Ministério da Fazenda logo após a criação do Plano Real, em 1994. E diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi quem o convenceu a transferir o domicílio eleitoral para São Paulo em 2009, com planos de candidatar-se a governador numa improvável aliança PT-PSB. "Com domicílio em São Paulo, você pode manter a candidatura à Presidência, e vamos ver como se desenha o quadro eleitoral no Estado. A alternativa pode ser sua candidatura a governador", teria dito Lula a Ciro num jantar no Palácio da Alvorada. "Nasci em Pindamonhanga, mas não tenho a menor aptidão para ser governador de São Paulo. Eu queria mesmo era ser presidente", diz Ciro hoje. - Você era contra a candidatura da Dilma? - Não, de forma nenhuma. Ela tinha e tem todos os dotes e talentos para ser presidente. Eu achava que poderíamos ter um candidato do PT e outro do PSB. Quem ficasse em terceiro lugar apoiaria o outro no segundo turno, como fiz em duas ocasiões. A candidatura solitária de Dilma me parecia empreitada de alto risco. Lula me disse muitas vezes, na frente de outras pessoas, que eu era o seu candidato à sucessão. E eu dizia: "Sei que você é sincero, tem bem-querer comigo, mas não tem condições de bancar isso porque eu não sou do PT". - Tem conversado com Dilma? - Fomos muito próximos no primeiro governo Lula. Agora ela está muito ocupada e quase não nos vemos. Recentemente, quando esteve no Ceará, houve um minuto de descanso em sua agenda, ela me viu, abriu uma porta e me disse "entra aqui". Batemos um papo rápido e simpático. Ao falar de Dilma, o olhar se ilumina - já declarou que apoia sua candidatura à reeleição. A emoção some à próxima pergunta: - E com Lula? - Faz tempo que não o vejo. Acho que se acanhou comigo um pouco. Acanhado não significa "zangado". Acanhado é "sem jeito". O desconforto certamente tem a ver com a transferência do título, que resultou em dupla frustração para Ciro. O PSB desistiu de candidato a presidente - Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do nacional do PSB, comandou a desistência - e, como previsto, Ciro não era do PT e foi descartado em favor de Aloízio Mercadante para o governo de São Paulo. O título de eleitor está de volta a Fortaleza e Ciro ajuda o irmão, Cid, a governar o Ceará. Não tem cargos, mas o PSB o transformou numa espécie de quadro profissional. Articula - ou desarticula - alianças, traça estratégias. E faz palestras: "Não cobro de estudantes e sindicatos, só de pessoa jurídica. O preço é socialista, varia conforme a potência de quem contrata". Mas ainda não voltou a dar aulas de direito constitucional e direito tributário na Faculdade de Direito da Universidade do Ceará. Nos últimos meses envolveu-se na escolha do candidato do PSB a prefeito de Fortaleza e dissolveu a aliança com a prefeita Luizianne Lins por não aprovar o candidato petista. - Há anos você é um leal aliado do PT no plano federal. Nas questões importantes, no atacado, apoia o PT, mas está sempre de ponta no varejo. - No atacado, o PT é um avanço extraordinário. No varejo, são chocantes o desvio moral, o vazio ideológico, a voracidade patrimonialista. - Concorda com o deputado Garotinho, para quem o PT é o "partido da boquinha"? - Não. Primeiro, o modelo de trabalho de Anthony Garotinho não o autoriza a dizer isso. Segundo, não é justo que se diga isso de todo o PT. Há gente muito séria no partido. Quer só um exemplo? O deputado Marco Maia, presidente da Câmara. Em Fortaleza, a gestão da prefeita é um desastre. Com oito anos de mandato, conseguiu que a educação pública da capital caísse para o lugar 183 entre os 184 municípios do Estado. A partir de Sobral, a 270 quilômetros de Fortaleza e hoje com pouco menos de 200 mil habitantes, os Gomes são importantes na política estadual. O pai, José Euclides, foi prefeito da cidade. Dos cinco filhos, três entraram para a política. Cid, 49 anos, também foi prefeito e hoje é o governador do Estado. Ivo, 44, é deputado estadual pelo PSB. Fez mestrado em Harvard, e Ciro diz que o irmão "tem o mesmo título que Barack Obama, estudou com os mesmos professores, uma turma depois". Ciro, o mais velho, 54, nega que os Gomes sejam uma oligarquia. "Meu pai é advogado e professor, não um coronel. Foi prefeito de um só mandato, 1977 a 1982. Cid se elegeu e reelegeu prefeito em disputa normal, democrática. Sobral não tem dono." O avô paterno tinha pequena fazenda em Sobral, "umas 150 reses", quando a seca acabou com tudo, e os filhos homens foram obrigados a migrar. Um foi para o Acre, outro para o Maranhão e José Euclides para o Rio, onde morou em pensão, estudou direito, geografia e história e fez concurso para o magistério público federal. Aprovado, mandaram-no para Adamantina, interior de São Paulo. O advogado Euclides foi fazer um júri em Lucélia, cidade próxima. Ali conheceu Maria José, a mãe de Ciro, que vivia em outra cidade da região, Marília. Casaram-se. E Ciro nasceu em Pindamonhangaba porque era lá que morava a avó materna. Esta era viúva, o marido morrera quando Maria José tinha 10 anos. A filha fez o curso normal e era professora do Estado. Quando Ciro tinha quatro anos, o pai levou a família para Sobral. "Como todo nordestino, achou que tinha feito o pé de meia e voltou." "Em Sobral, meu pai se junta com alguns padres da cidade, advogados, médicos, e criam um pequeno grupo de intelectuais, hostis à mediocridade da política vigente, ao sertanejismo. Fundaram, primeiro, uma faculdade ligada à igreja e, depois, a Universidade de Sobral. Na época, mandavam lá os Prado e os Barreto. Um dia, um dos Prado teve a esperteza de propor aliança com o grupinho dos doutores, que tinham 10%, 12% dos votos, o suficiente para derrotar os Barreto. E assim meu pai virou prefeito". - Seu perfil na Wikipedia não lhe é muito simpático. - Tem um escritório em São Paulo que você contrata para fazer difamação eletrônica. Vai no Google e encontra lá: "Ciro forja câncer de Patrícia Pillar para ganhar voto". [ela teve câncer de mama em 2001 e está curada]. - No Google, dizem também que você era da direita no movimento estudantil. - Disputei a vice-presidência da UNE em oposição ao PC do B. Nunca fui de direita, apenas não concordava com a linha albanesa do PC do B. Estava mais próximo do PCB e até gostava do Trótski. Todo cara que não concordava com o PC do B era tachado de direitista. Ciro já não tinha ligações com o PCB quando nasceu seu terceiro filho, Iúri, "homenagem ao astronauta soviético", que hoje tem 23 anos e está para terminar o curso de publicidade. A neta Maria Clara é filha de Lívia, 28, formada em moda e editora do site "nopátio". Ciro Jr., 27, "também é artista, videomaker, trabalha com cinema, fotografia". - Na política, sua vida foi uma peregrinação por partidos... - Sempre fui rebelde e meio metido a besta. - Começou na Arena... - Tempos de Geisel, em Sobral só existia o PDS, antiga Arena, partido do governo. E havia as famosas sublegendas; em Sobral eram três. Fui candidato a deputado estadual por uma delas. Toda Sobral sabia do meu compromisso: cumpro a formalidade da eleição e daí vou para onde quiser. Os votos foram suficientes para uma segunda suplência, mas o governador escolheu dois deputados para o secretariado e Ciro assumiu já no primeiro dia da legislatura. E entrou para o PMDB, onde estavam políticos que admirava: Ulisses Guimarães, Tasso Jereissati, Mário Covas. Em 1988, foi para o PSDB, com Jereissati, Covas, Fernando Henrique Cardoso, e se elegeu prefeito de Fortaleza. Em 1990, sucedeu Jereissati no Palácio da Abolição. Aos 33 anos, era o mais jovem governador do país. Jereissati se elegeu senador e, no ano seguinte, é presidente nacional do PSDB, num esquema para levá-lo ao Palácio do Planalto em 1994. Ciro diz que ajudou Jereissati a montar uma equipe de economistas que estudavam os problemas do país e logo depois seriam os autores do Plano Real. Alguns deles prestaram consultoria ao governo do Ceará. - De repente, você vira ministro da Fazenda de Itamar Franco e surpreende todo mundo. Inunda o país com importações. - O Plano Real, em vigor havia apenas três meses, estava bichado, fazendo água, a inflação voltava, ágio para comprar automóveis, filas, desabastecimento, havia uma explosão de demanda. Com as revelações de Rubens Ricupero, de que "o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde", a candidatura do Fernando Henrique caíra dez pontos. Tomei posse em Brasília, peguei um avião da FAB e fui ao Rio falar com Itamar no Hotel Glória. A providência urgente a tomar era só uma, não havia duas: reduzir a alíquota de importação dos setores desabastecidos. Itamar disse "perfeitamente, pode fazer". A resistência foi das montadoras. Sou amigo do Paulinho, da Força Sindical, mas ele e a Anfavea fizeram um acordo de reindexação de salários que acabaria com o Real. Chamei isso de pacto inflacionário. Fui duro com eles. Mandei até fotografar o Paulinho chegando num jatinho com a diretoria da Anfavea para uma reunião comigo no Rio. Mas o acordo foi desfeito. E acabou o ágio. - Mas como virou ministro? - No confusão da parabólica, ligo de Fortaleza para Itamar. Era sexta-feira, e ele diz que aceitara a demissão do Ricupero. Sugeri que, já na segunda-feira, o país teria que ter um novo ministro. Ele concorda e diz que tinha de ser alguém de sua confiança e afinado com o Plano Real. "Permite-me algumas sugestões?" perguntei. "Sim, claro". "Três pessoas podem dar sequência ao trabalho, Edmar Bacha, Pércio Arida e Pedro Malan". Itamar disse: "São excelentes pessoas, mas estava pensando em convocar o governador do Ceará". Não entendi direito: "Como, presidente?". "É isso mesmo. Ia ligar para convocá-lo." Tentei dissuadí-lo, eu já tinha algumas arestas na política. O Orestes Quércia, por exemplo, que mandava no PMDB, estava me processando porque eu o chamara de ladrão; os bancos me odiavam. Além disso, desde que Fernando Henrique saíra candidato a presidente, com uma rasteira no Tasso, eu estava muito aborrecido e decidido a sair da política, aceitar o convite para ser "visiting schollar" em Harvard. Itamar só respondia: "Não tem problema". Ciro prometeu consultar o pai em Sobral e Tasso Jereissati em Fortaleza - a primeira reação dos consultados foi a de recusar agradecido, e continuar governador. No domingo pela manhã, Ciro assistia à final de um campeonato de vôlei na Praia do Futuro - "Ceará é celeiro de campeões mundiais de vôlei de praia" - e o chefe da Casa Militar avisa que Tasso precisava falar com ele. O governador foi para a casa de Tasso, ali perto, mas o ex-governador estava na missa". "Liguei pro celular dele, ao fundo ouvia-se a ladainha do padre, e Tasso só dizia 'grave, muito grave, fica aí' ". Quando Tasso voltou para casa, disse que, se Ciro não aceitasse, Itamar ia nomear fulano de tal - Ciro não informa quem era o fulano - e a equipe toda estava demissionária: Pérsio, André Lara Resende, Bacha, Winston Fritsch, Malan, Gustavo Franco. "Só ficam se for você." E disse que Fernando Henrique, em campanha para presidente no Rio Grande do Sul, queria falar com ele. Ligou para Porto Alegre, FHC disse que tentara convencer Itamar a nomear o empresário Luiz Fernando Furlan ou o economista Pérsio Arida. Itamar estava irredutível: Ciro ou fulano de tal. "Aceite, Ciro, estou te fazendo um apelo por mim, pelo partido, pelo país", teria dito Fernando Henrique. Ciro ligou para Itamar, voltou a falar das ressalvas anteriores, "não vou aí para lhe criar problemas". "O senhor vem para fazer o que sabe e deve", disse o presidente. "Aí, lá fui eu. Assumi domingo à noite mesmo." - Que aborrecimento foi esse com FHC? - Foi a forma como nos levou ao constrangimento de aceitar a candidatura dele a presidente. Uma noite, em Brasília, o Plano Real às vésperas de ser lançado oficialmente, Fernando Henrique sugeriu um jantar a quatro: FHC, Mário Covas, Jereissati e Ciro. "Foi num restaurante caro do Lago Norte. Fernando Henrique começou com a seguinte conversa: 'Somos bons companheiros, somos de tempos idos, talvez por isso evitamos tratar de um assunto delicado, a eleição presidencial... Mas o partido precisa de um presidente da República e eu gostaria de dizer que pretendo a candidatura'. Olho para ele, surpreso. Ele vira para o outro lado, a mão esquerda pega no braço do Tasso, e diz 'o que você acha, Tasso?'. O Tasso disse 'por mim tudo bem'. Aí eu fuzilo o Tasso e ele abaixa a cabeça. O Fernando Henrique continua: 'E você, Covas?'. Covas disse: 'Você sabe que pretendo ser candidato a governador em São Paulo". Fernando Henrique: 'E o Ciro?". Eu não queria ser candidato, não tinha nem idade. Então falei: 'O que está acontecendo aqui é uma grande sacanagem'. 'O que é isso, Ciro? Palavras tão duras!' Continuei: 'É sacanagem porque você sabe que o candidato natural a presidente é o Tasso'. O jantar acabou nesse constrangimento. Foi a única vez que briguei com o Tasso seriamente, porque abriu mão de o Ceará, de o Nordeste, ter um presidente. O FHC virou candidato e foi procurar apoio do PFL, o que também contribuiu para meu afastamento." Segundo Ciro, começaram aí as desilusões com a cúpula do PSDB. Com José Serra já tinha rompido, "por sinal, para defender o Fernando Henrique, que negociava em Washington o apoio do FMI ao Plano Real, e Serra, líder do governo na Câmara, dava entrevistas aqui sabotando o plano. Ele era contra o Plano Real." Durante os quatro meses de Ciro na Fazenda foi criada a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), para balizar os financiamentos do BNDES. E foi causa de mais um atrito com os tucanos, desta vez com o secretárioexecutivo do ministério, Clóvis Carvalho. Pérsio Arida, presidente do BNDES, elaborou a fórmula de cálculo da TJLP. Mas não apareceu na reunião em Brasília para apresentar o resultado do trabalho. Ciro foi pessoalmente ao BNDES, no Rio, saber o que tinha acontecido. Pérsio estava inibido. " 'Está aqui, pronto, mas...' Percebi que havia mais uma das colisões graves e frequentes de conceitos e vaidades na equipe do Real. 'Me dá aqui que eu vou levar.' Saí de lá e pedi emprestado o estúdio de TV da campanha do Marcelo Alencar, então candidato do PSDB ao governo do Rio. Pedi à Radiobrás a requisição de uma rede nacional. E gravei de improviso: 'Senhoras e senhores, por ordem do presidente Itamar Franco estamos anunciando a criação da Taxa de Juros de Longo Prazo para estimular a produção, patati, patatá, boa noite'. Itamar autorizara". No dia seguinte, em Brasília, Ciro cobra de Clóvis Carvalho a Medida Provisória (MP) da TJLP para a assinatura de Itamar. "O texto demorava, demorava." Reclamou de Carvalho pelo telefone interno. "'Está errado demorar tanto'. E ele me disse: 'Errado é o ministro anunciar as coisas sem consultar a equipe'. Foi a única vez na vida que gritei com um auxiliar meu: 'Traz a p... desse papel agora, ou traz o pedido de demissão'. Resposta dele: 'Se o senhor coloca as coisas nesses termos, estou levando' ". Levou, e Itamar assinou logo depois. No ano seguinte, vai para Harvard. De volta, 18 meses depois, entra no PPS, partido pelo qual se candidata a presidente, em 1998. "Foi uma campanha 'muito democrática' [as aspas, Ciro desenha com os dedos]. Fernando Henrique não quis participar de debates e nenhuma TV, nenhum jornal, promoveu debates. Eu não esqueço." FHC se reelegeu e Lula ficou em segundo. Ciro, em terceiro. Em 2002, é novamente candidato pelo PPS. Durante a campanha diz ter percebido que o presidente do partido, Roberto Freire, trabalhava por Serra. Ciro ficou desta vez em quarto lugar - Garotinho foi o terceiro -, mas anunciou apoio a Lula no segundo turno. Roberto Freire, então, anulou as fichas de Ciro e Patrícia Saboya no PPS do Ceará. Patrícia, eleita senadora, foi para o PDT. Ciro, para o Ministério da Integração Nacional, com Lula. E entrou no PSB, uma sigla a perigo por causa da cláusula de barreira, o dispositivo que exigia que os partidos tivessem nacionalmente 5% do total de votos para deputado federal. Para salvar o PSB, saiu candidato a deputado federal pelo Ceará, e alcançou 667.830 votos, num eleitorado de 5,8 milhões. O despreendimento foi inútil, pois o STF acabou com a restrição. Ciro não gostou da vida de deputado federal: "Uma decepção profunda. O palavrório vazio da Câmara sufoca a inteligência. Tive o azar de ser deputado sob a hegemonia da coalizão PT-PMDB, assentada no clientelismo, quando não na safadeza pura. A duras penas, consegui ser relator de uma matéria importante, a criação do SuperCade, que entrou em vigor só agora. E acho que foi o Lula que pediu, se não não seria relator." Ciro sorve com prazer mais um copo de "suco de peroba". O repórter quer saber do que se trata. E tem mais um mistério cearense revelado: é maracujá. - Como estão suas relações com o ex-senador Jereissati? - Somos amigos e pretendo continuar assim por toda a vida. Discrepamos na política desde aquele jantar com FHC. Em 1998, eu candidato a presidente, ele candidato a governador, Tasso me disse: "Não vou poder votar em você". Brinquei: "Tire o espinho do seu coração, você vota no FHC, eu voto em você e o povo vota em mim". Com irmão governador, Ciro, pela lei, só pode hoje ser candidato a presidente ou vice. Nas duas vezes em que concorreu à Presidência foi o mais votado no Nordeste. Paulo Totti