Movimento Pendular
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Movimento Pendular
Movimento Pendular DELFIM NETTO, Antônio. “Movimento Pendular”. Valor Econômico. São Paulo, 26 de janeiro de 2010. Talvez a prova mais convincente de que não existe uma verdadeira "ciência monetária" é verificar que a regulação do sistema financeiro é um movimento pendular: segue o "espírito do tempo" e os interesses dos banqueiros. Não o bem-estar da sociedade. O Federal Reserve System (o banco central dos EUA, conhecido como Fed) foi criado em 1913 para corrigir a alta frequência de quebras bancárias no país, que espoliavam os depositantes. Tinha como objetivo prover o fornecimento de "uma moeda elástica" para dar socorro aos bancos comerciais em condições de emergência. Devia provê-los dos fundos necessários para evitar sua insolvência e a consequente falência. Essa função de "moeda elástica" é hoje conhecida como "emprestador de última instância". Que o objetivo dos legisladores não foi atendido é prova o fato que entre 1930 e 1933, durante a fase mais aguda da Grande Depressão, faliram mais de 8.000 bancos nos EUA! Quando Roosevelt assumiu, em 1933, sua resposta imediata foi um feriado bancário de um mês durante o qual o Congresso aprovou o famoso Glass-Steagall Act (GSA) e criou-se, provisoriamente, a Federal Insurance Deposit Company (FDCI), destinada a oferecer seguro a todo pequeno depositante, o que evitaria uma corrida na reabertura dos bancos. Em 1935 o Banking Act tornou a FDCI permanente. A lei Glass-Steagall separou claramente os bancos comerciais dos bancos de investimento e estabeleceu limites para as taxas de juros (a famosa Regulation Q) e eliminou os juros pagos aos depósitos à vista. No fim dos anos 70 do século passado, o sistema bancário americano foi submetido a um enorme estresse, criado pelos petrodólares, pela maior liberdade de movimento de capitais, pelas "inovações" financeiras e, principalmente, pela maior flexibilidade do sistema bancário inglês. Iniciou-se, então, a desregulação do sistema com o Depository Institutions Desregulation and Monetary Control Act (DIDMCA), de 1980. Eliminou-se o monopólio dos bancos comerciais nos depósitos sacáveis com cheques, acabou-se com a separação entre bancos comerciais e de investimentos, estabeleceuse a eliminação progressiva dos controles das taxas de juros (Regulation Q), estabeleceu-se depósitos compulsórios uniformes, eliminou-se as leis de usura e aumentou-se os seguros dos depósitos bancários para US$ 100.000. Depois da lenta desmontagem dos controles e limites estabelecidos na lei GlassSteagall foi editado, em 1999, o Gramm-Leach-Bliley Act (GLBA) que, finalmente, sepultou os últimos resíduos que ainda restavam do velho GSA de 1933. Em 2005 o seguro dos depósitos foi aumentado para US$ 250.000. Hoje é corrigido quinquenalmente pela taxa acumulada de inflação. O fim glorioso da desregulação foi o quase inacreditável Emergency Economic and Stabilization Act (EESA), de 2008, que autorizou o Tesouro Americano a colocar quase US$ 800 bilhões para comprar os ativos "tóxicos" criados pela liberação geral de 1999... Essa breve e precária história dos eventos de quase um século (de 1913 a 2008) promovidos pelo movimento pendular "regulação" x "desregulação" deve levar até os espíritos mais crentes à dúvida sobre a existência da tal "ciência" de que se supõem portadores os Bancos Centrais. Ela não sugere, entretanto, a extinção dessas instituições. A política monetária seria certamente muito pior se fosse entregue à sanha dos políticos e burocratas gulosos que infestam todos os governos do mundo. Ela sugere, apenas, que a sociedade precisa de um Banco Central operacionalmente autônomo que construa a sua credibilidade. É preciso aceitar que sua ação, às vezes, requer manobras arriscadas que podem ter custo social significativo no curto prazo (e no limite no longo) que será pago nas urnas pelo poder incumbente. É por isso que a "autonomia operacional" deve ser condicionada à mais completa transparência e ao uso das poucas coisas que se conhece com relativa certeza sobre a resposta da economia às variações da taxa de juros real. Não se deve esquecer a lei de Goodhart: quando não se sabe bem o que se está fazendo, é melhor fazer devagar! Os efeitos da política monetária são mesmo duvidosos exatamente porque não são resultado de um conhecimento realmente científico. Aliás, nem sequer é possível afirmar que um dia isso será possível, dada à natureza do comportamento humano e sua resposta às instituições que tentam normatizá-lo. O assunto é muito controverso. O "The Wall Street Journal" fez a poucos dias uma "pesquisa" que ouviu a opinião de 27 economistas "especializados" em problemas monetários. A pergunta foi: "A política monetária excessivamente frouxa do Fed na segunda parte da primeira década deste século ajudou a criar uma bolha nos preços das habitações?" As respostas foram: "sim" para 13 deles (52%) e "não" para 12 (48%). Como não parece plausível atribuir qualquer interesse escuso à Academia, o resultado revela a precariedade da "pseudociência" que informa a política monetária dos Bancos Centrais. O fato interessante é que a mesma pesquisa foi feita junto a 54 economistas (todos trabalham em Wall Street) que respondem a um inquérito mensal do mesmo jornal. As respostas foram 42 (78%) "sim" e 12 (22%) "não". É provável que as respostas do "mercado" tenham um viés que é seu interesse de eximir-se da tragédia que provocaram e despejam toda a culpa no próprio governo (que os salvou!) isto é, no Fed. Antonio Delfim Nettoé professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras