9 REDUÇÃO DIRETA (Redutor Gasoso)

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9 REDUÇÃO DIRETA (Redutor Gasoso)
ENG06632-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos II-A
Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS
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9 REDUÇÃO DIRETA (Redutor Gasoso)
9.1 INTRODUÇÃO
É o tratamento químico de redução de uma substância mineral (normalmente um
óxido) para a produção de um metal, por meio de um agente redutor que não inclua os metais
e o carbono sólido. Não há, nesse processo, fusão de nenhum material, seja da carga, seja o
próprio metal produzido.
As temperaturas são, portanto, de um modo geral, mais baixas do que aquelas da
redução carbotérmica (que ocorre sob fusão do metal). Ultrapassar o ponto de fusão (ou de
amolecimento) de algum dos componentes da carga significa, para alguns reatores, dificultar
ou, até mesmo, interromper o fluxo de massa do processo. Em certos casos, simplesmente
ultrapassar a temperatura de sublimação de um óxido (ou sub-óxido) já prejudica seriamente a
operação pois isto causa a perda do metal de valor.
Uma conseqüência importante do uso de temperaturas baixas é a impossibilidade de se
usar a separação líquido-líquido entre o metal e a escória; assim, é conveniente o uso de
matérias primas tão ‘puras’ quando possível. A fusão do metal à posteriori pode sanar esse
inconveniente, realizando o coalecimento da massa metálica – pois, na redução direta o metal
produzido aparece na forma de grânulos sólidos interligados. A tentativa de se reduzir
simultaneamente o restante do óxido do metal de valor, contudo, pode ter um custo elevado,
principalmente quando a fusão se dá em um forno elétrico a arco – como é o caso do ferro.
O nome redução direta 1 provém da possibilidade de produção de aço 2 ‘diretamente’
do minério de ferro, sem a produção do produto intermediário ferro-gusa.
Além do hidrogênio ‘puro’ outro agente redutor empregado é o gás constituído pela
mistura entre o CO e o H2 obtido da reforma do gás natural (praticamente CH4) com vapor
d’água segundo:
CH4 + H2O = 3 H2 + CO .
Essa reação, endotérmica, conjuntamente com a reação seguinte:
CH4 + CO2 = 2 H2 + 2 CO ,
também são usadas para explicar, também, a regeneração de parte do gás já utilizado.
O hidrogênio ‘puro’ só é economicamente viável como redutor quando o preço do
metal compensar o seu alto custo; o gás natural já tem emprego garantido na indústria e, por
isto, só é usado como insumo na redução direta quando se dispõe dele em abundância3.
As limitações de disponibilidade de carvão coqueificável, a possibilidade de
aproveitamento de outros tipos de agentes redutores, o desejo de se trabalhar com
flexibilidade e escalas reduzidas de produção são aspectos tecnológicos e econômicos que
contribuíram para o desenvolvimento deste processo – principalmente no caso do ferro.
Além do Fe, outros metais produzido industrialmente via redução direta a partir dos
seus óxidos são: o Mo e o W. O Fe é produzido usando-se misturas dos gases CO e H2 como
redutores; o W e o Mo – metais com ponto de fusão muito elevado – são produzidos pela
redução com hidrogênio.
Os reatores industriais mais comuns são: o forno rotativo (associado ao uso de carvão
mineral) e o forno de cuba (mistura CO-H2).
1
Não confundir com a reação denominada redução direta da redução carbotérmica, nem com a tecnologia de
redução direta – que pode ser feita com a presença de carbono sólido.
2
Liga Fe-C com baixo teor de carbono – normalmente até ~1% – produzida tipicamente pelo refino do ‘ferrogusa’ – ferro líquido que contém cerca de 4% de carbono dissolvido.
3
Esse é o caso dos países Venezuela e Argentina.
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9.2 TERMODINÂMICA DA REDUÇÃO DIRETA
O hidrogênio é praticamente inútil como agente redutor dos sulfetos de Cu, Ni, Co e
Fe, pois a constante de equilíbrio da reação do tipo:
MeS + H2 = Me + H2S
é tipicamente da ordem de 2 x 10-3 a 6 x 10-3. O PbS, contudo, é um sulfeto que pode ser
reduzido a chumbo; mas, à temperatura de redução, também ocorre a volatilização de uma
parte considerável do sulfeto. A redução dos sulfetos, no entanto, permanece como uma
técnica potencial importante, uma vez que se constitui numa rota ‘direta’ e vantajosa (sem a
necessidade da produção de um óxido intermediário via ustulação). O uso simultâneo da cal –
uma substância ávida por H2S (venenoso) – tende a facilitar o processo; termodinamicamente
isso pode ser comprovado pois, uma reação do tipo:
MeS + H2 + CaO = Me + CaS + H2O,
possui uma constante de equilíbrio com o valor próximo ao da unidade.
Os haletos são reduzidos com dificuldade pelo H2 pelas mesmas limitações de ordem
termodinâmica; o maior interesse provém da possibilidade de deposição de filmes metálicos
diretamente sobre peças a partir da redução direta de seus haletos no estado gasoso.
Os óxidos, ao contrário – com algumas exceções –, são reduzidos com facilidade pelo
hidrogênio. À semelhança da reação de redução dos óxidos pelo monóxido de carbono,
também pode-se definir um quociente pH2O/pH2 para o equilíbrio da reação de redução
genérica pelo hidrogênio:
MeO + H2 = Me + H2O.
A ordem de grandeza desta razão é a mesma daquela (veja a Figura 9.1); aqui, contudo, não
existe a reação de Boudouard. Por conseqüência, a redução de óxidos de metais muito
reativos como Mn, Cr, etc., é muito difícil, pois requer, no gás redutor, razões pH2O/pH2 que
significam praticamente a isenção de qualquer traço de H2O – atmosfera muito difícil de ser
mantida!
A temperatura mínima da operação de redução direta com o uso de hidrogênio ‘puro’
é, por isso, determinada exclusivamente pela cinética química.
A redução direta também pode ser realizada com misturas gasosas de CO e H2. Sem a
presença de carbono sólido, a curva correspondente à reação de Boudouard está ausente e,
consequentemente – como no caso do H2 –, também não existe uma temperatura
termodinâmica mínima de redução.
Para o caso das misturas gasosas, o diagrama que melhor se aplicaria seria semelhante
a uma ‘mistura’ entre as figura correspondentes à redução carbotérmica e à redução direta
pelo hidrogênio – mais para um lado ou outro em função das quantidades relativas de H2 e de
CO.
9.3 CINÉTICA DA REDUÇÃO DIRETA
Sabe-se que a taxa de conversão de muitas reações químicas decresce com a
diminuição da temperatura. Esse fato demonstra a grande importância do conhecimento dos
fatores que influenciam a cinética química para a operação de redução direta e,
simultaneamente, o pequeno papel desses fatores na redução carbotérmica.
Pelo processo de redução direta, normalmente são obtidos produtos no estado sólido,
que formam uma camada entre o sólido não-reagido – no interior da partícula mineral – e a
fase gasosa – seja em um nível microscópio ou macroscópico (diz-se então que a reação é
topoquímica). Se o metal possui vários estados de oxidação, a ‘camada produto’ é múltipla e
as diversas fases se superpõem, desde a fase metálica (Me°) – em contato com o gás – até o
óxido com a maior valência (Me+n) – ao centro. Uma vez formadas, para que a reação possa
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prosseguir, ao menos parte dos reagentes e produtos têm que ser transportados através delas
por difusão. A difusão pode se dar de duas maneiras, em conjunto ou separadamente:
(i) através da rede cristalina do sólido, ou (ii) através dos poros do material. O caso da difusão
gasosa através dos poros ocorre usualmente quando o volume do produto sólido é menor do
que o volume do sólido reagente – caso comum na redução direta dos óxidos, que dá origem à
porosidades e trincas. Um exemplo típico é o ferro, obtido sob a forma de um produto de
aspecto ‘poroso’, denominado ‘ferro-esponja’.
Fig.9.1 Quociente pH2O /pH2 de quilíbrio para a redução de alguns óxidos de metais
comuns em função do inverso da temperatura (Rosenqvist, T.: Princ. of Extr.
Metall., McGraw-Hill, 1972, Figura 9-2, p. 269)
Usando-se uma analogia elétrica, em que o fluxo de massa é comparado a um fluxo de
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corrente elétrica, o processo pode ser imaginado como sendo composto por resistências que
representam a difusão e as taxas de conversão das reações químicas de redução. A taxa
líquida do processo é o resultado da combinação dos dois efeitos (para o caso da difusão, o
comprimento do caminho a ser percorrido pelo material é muito importante!). Dentro de uma
certa faixa de valores de temperatura e de espessura das camadas de produtos, no entanto,
uma das duas ‘etapas’ pode ser significativamente menor do que a outra e – assume-se –
controla o processo. Quando a difusão é insignificante, uma série de expressões podem
descrever a cinética das reações heterogêneas como, por exemplo, a parabólica, de primeira e
de segunda ordem. Uma das mais conhecidas (denominada de lei esférica) tem a seguinte
forma:
t/τ = 1 - (1 - X)1/3,
onde t é o tempo de reação; τ é o tempo necessário para uma partícula reagir completamente,
e X é o grau da conversão.
Por fim, entre os fenômenos que podem afetar a taxa de redução, ainda se deve incluir
a transferência de calor tanto no interior do sólido – poroso ou não – quanto na interface entre
o sólido e a fase gasosa (em laboratório as condições são tais, que normalmente o suprimento
de calor não se constitui num sério obstáculo ao progresso da reação – isto pode, contudo,
mascarar a real importância deste fator).
Uma comparação entre cinética dos dois sistemas: Me-O-C e Me-O-H mostra um
resultado interessante! Pelo fato de uma reação de redução pelo hidrogênio ser mais
endotérmica do que uma equivalente pelo CO, verifica-se que a inclinação das retas
log(pH2O/pH2) e log(pCO2/pCO) em função do inverso da temperatura é diferente para um
mesmo metal! O significado disso é que – para um mesmo logaritmo do quociente entre gás
redutor e gás oxidado –, em comparação com o CO, o H2 é um agente redutor mais favorável
em temperaturas elevadas (por resultar num gás com maior ‘potencial’ redutor 4) – fato que,
ao mesmo tempo, lhe tira essa vantagem em temperaturas baixas. Surpreendentemente,
contudo, nesse caso – por causa da cinética química e por causa dos valores da difusividade
dos reagentes – esta última previsão se inverte e, na prática, pode se dizer que o ‘poder
redutor’ do H2 é freqüentemente superior ao do CO também para temperaturas abaixo dos
800oC.
Para atmosferas que contêm CO, a nucleação de uma fase sólida – a ‘fuligem’ – a
partir da atmosfera é lenta; assim, certas misturas gasosas podem se tornar supersaturadas
com respeito à grafita (correspondendo a uma atividade muito maior do que a unidade!). Para
o caso da redução direta de ferro, o gás pode reagir com o metal formando a cementita, Fe3C,
na superfície (embora a cementita seja termodinamicamente instável em relação à grafita, ela
forma-se com muito mais facilidade!).
4
A cinética é incentivada, primeiramente, pelo maior afastamento entre o estado de equilíbrio (final) e o inicial –
fator que tem origem unicamente na termodinâmica!