Um espetáculo Uma plateia Um único espaço Por Jean –Guy Lecat
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Um espetáculo Uma plateia Um único espaço Por Jean –Guy Lecat
Um espetáculo Uma plateia Um único espaço Por Jean –Guy Lecat Tradução para o português: Fausto Viana 2010 1 “O edifício em si é inútil E necessário ao mesmo tempo. Inútil , já que é com freqüência arranjado de um modo que não dá ao espetáculo justiça. Necessário, já que um bem construído espaço permite que o público se junte e fique unido e permite ao ator meditar” Peter Brook 2 Introdução 04 Construindo um teatro 05 O espaço, o teatro, o local 07 Participação 09 Para abrir os olhos de alguém 11 O Teatro Bouffes du Nord em Paris 12 Arco do proscênio 14 Restaurando 15 O imaginário 18 Excursionando 21 Visitando e reconhecendo um espaço 22 Caracas, Nova York, Roma, Zurique, etc... 24 Figurinos, Luz, Cenários, Espaço 28 Tinta 31 Em que escala? 32 Acústica 33 Um novo teatro em Lisboa 35 Ecologia 36 Já no século 18 37 3 INTRODUÇÃO A ideia desse livro nasceu em Seul em uma manhã de novembro durante o café da manhã, quando nós reconhecemos que muitos poucos livros sobre cenografia são facilmente acessíveis com o orçamento de um estudante. Os que estão disponíveis são quase sempre livros grandes de alta qualidade recheado de imagens, como o que eu fiz com o arquiteto Andrew Todd1 sobre meu trabalho com Peter Brook, mas eles são muito caros. Eu espero que este livro corresponda à nossa preocupação original e que ele seja o primeiro de uma longa série. É forçoso admitir que um local ideal de apresentação (edifício teatral) não existe e seria fútil conceber um, já que este sem dúvida conduziria a uma nova ditadura e à uma nova estagnação indesejável. A surpreendente diversidade de locais de apresentação ao redor do mundo ilustra a extraordinária saúde das diferentes formas inspiradas pelo teatro. No entanto, há um paradoxo, de que em um lado do todas as formas artísticas, a arquitetura é ao mesmo tempo a mais materialista e também a mais idealista, ainda que por outro lado os espaços teatrais de hoje sejam monumentais, pesados e distópicos. Há duas correntes que alimentam a evolução do teatro. Por um lado, encontramos o chamado teatro de entretenimento, (O Teatro de Boulevard de Paris, a Broadway em Nova York, etc.) que está bastante satisfeito com o formato do palco existente, frequentemente chamado de palco italiano (proscênio). Por outro lado, há um teatro mais “participativo”, que é mais “comunicativo”, procurando unir o palco ao espaço como um todo. Já no início do século 20, Edward Gordon Craig notou que cada peça precisava atingir o seu próprio layout de palco e auditório, e Merce Cunningham chamaria cada espaço de um espaço performático, e cada ponto no espaço um ponto significativo. Eu poucas vezes trabalhei em um teatro em estilo italiano, com sua forma rígida e tradicional. Eu na maioria das vezes cruzei meus caminhos com criadores que acreditavam que era o drama e não a arquitetura o responsável pela criação do design do palco e do espaço, de maneira a intensificar a relação entre a plateia e os atores. Um desses diretores foi Peter Brook, (ver Foto I) que eu acompanhei por quase vinte e cinco anos, e com quem eu transformei teatros e espaços encontrados – alguns dos quais infelizmente perderam seu caráter efêmero para se tornarem teatros permanentes. Juntos, nós transformamos aproximadamente 200 espaços em mais de 150 cidades diferentes, sendo que metade desses eram teatros e a outra metade espaços encontrados. Muitas destas transformações ou adaptações, às vezes eram espaços destinados a serem demolidos, foram preservados e têm sido usados de forma permanente, por muitos tipos diferentes de performances. Nós sem dúvida rompemos fronteiras, e abrimos caminhos para uma nova forma que é mais simples, mais eficiente e, talvez, mais universal. 1 TODD, Andrew e LECAT, Jean-Guy. O círculo aberto. Londres: Faber and Faber, 2003. 4 CONSTRUINDO UM TEATRO O edifico teatral foi padronizado pelo teatro italiano da Renascença, com seus códigos, suas tradições e suas plateias; nós ainda estamos enjaulados por este método hoje. Louis Jouvet conta duas anedotas maravilhosas sobre este tema. O cenógrafo Paulic Tchehlchew disse para ele que ficou chocado uma vez quando viu a mãe de Hamlet vestida de azul numa determinada performance: “O designer que fez isso não pode ter sido um homem de teatro; no teatro, nós podemos morrer usando cinza, preto ou vermelho, mas não azul. O azul é uma cor que sobe, que atinge o céu”. Este mesmo designer tinha vestido uma vez bailarinas como anjos com suas asas penduradas na frente dos figurinos. A alguém que comentou que anjos com asas brotando dos seus peitos não eram “reais”, ele respondeu: “Porque você deve ter encontrado alguns anjos de verdade!” Hoje, asas são mais uma vez penduradas nas costas dos anjos, o azul é uma cor reservada para o céu e os arquitetos constroem seus teatros baseados em modelos daqueles construídos há três séculos. Construir um teatro é inegavelmente uma tarefa difícil. O teatro não é uma ciência. A geometria e a matemática não podem sozinhas dar uma forma justa ao teatro. Hoje, todas as facetas do teatro devem ser fluidas, rápidas e as regras devem ser flexíveis. Com muita frequência, quando o projeto de construção de um teatro se inicia, nenhuma mudança adicional pode ser acrescentada quando, na verdade, o teatro em si nunca para de mudar. Há quase sempre um intervalo de uma década entre o plano original de edificação de um novo teatro e a sua construção; a abertura do teatro normalmente acontece com uma equipe diferente daquela que originalmente o desejou. A construção do novo Picollo Teatro levou dezoito anos e foi inaugurado sem o seu diretor, que morreu alguns meses antes. Por outro lado, os teatros não têm mais que ser monumentos (a média de duração de um teatro tem sido calculada por volta de 150 anos, pouco atrás de igrejas e antes das prisões, hospitais e prefeituras), mas muito pelo contrário, devem ser espaços que possam ser renovados, questionados e depois desaparecerem. Em uma conferência sobre teatro acontecida depois da guerra, Le Corbusier falou de “proporções áureas” e “proporções humanas” considerando a construção de novos espaços cênicos. Ele também mencionou, referindo-se aos teatros construídos no passado e sobre suas proporções corretas, que a arquitetura, mesmo então, era na escala humana. A diferença entre um espaço verdadeiro e o que não é reside em critérios que favorecem ou desfavorecem a vida. A única diferença entre teatro e vida é que o teatro é vida de uma forma mais concentrada. Aquilo que favorece esta concentração é, portanto, legítimo enquanto que aquilo que tenta se esquivar dela não é. Para que se tenha esta concentração, nós devemos ter uma relação verdadeira com os atores na forma teatral, tendo a visibilidade como um elemento chave. (ver Foto 2). O que nós chamamos de presença (a sensação de estar muito próximo a alguém que está na verdade muito longe de nós) é em grande parte um fenômeno de acústica. 5 Finalmente, um espaço teatral não pode ter uma definição pré-concebida. Se o espaço for definido, a performance como um todo já incorpora uma ideologia particular. O que é indispensável é que o local escolhido não narre simplesmente uma anedota, mas sim que ele favoreça a concentração e tenha acústica apropriada enquanto permanece neutro- não estéril, mas neutro. Além disso, se nós colocarmos atores em frente a um cenário rebuscado ou complicado, o mundo criado terá distrações demais e a concentração do público não vai ficar onde deveria estar. As proporções teatrais devem vir de uma apreciação viva do ser humano- da relação entre os seres humanos que atuam e os seres humanos que assistem. Peter Brook uma vez notou que se começa na sujeira da vida cotidiana e, se tiver sorte, pode-se ficar acima dela por um momento. Do mesmo modo a casa que deve lembrálo do que está além da vida humana normal começa com proporções. No teatro, no entanto- e os teatros elisabetanos sempre me lembram disso- está-se lidando não apenas com os céus, mas também com o mercado vivo onde tudo pode acontecer. A luta com a “encenação italiana” e especialmente com o arco do proscênio não é nova. Trazer a arte para mais perto do espectador, juntar o público e a ação dramática é feito através da supressão do arco do proscênio, e através da busca por outros espaços e outros formatos. Para muitos criadores, a encenação italiana é uma arte que está morrendo e que não corresponde mais às nossas necessidades atuais. Nos teatros da era Shakespeariana, os populares ficavam no fosso, bem perto dos atores; a burguesia ficava atrás, nas bancadas. Os intelectuais, estudantes, os filósofos e as mentes mais críticas sentariam diretamente em cada lado do palco. Uma nação inteira assistiria e se juntaria. O arquiteto Hugh Hardy, com quem eu fiz dois projetos no Brooklyn, pensava nos anos 70 que os teatros deveriam ser construídos para definir e intensificar a ligação entre o público e os atores. O espaço pertence ao público e deve ter uma ambientação agradável e encantadora; o palco é o local de trabalho. Para ele, colocar o palco no espaço exige que ele abrigue a grande quantidade de instrumentos de iluminação e todo o equipamento de palco. Muitos arquitetos frequentemente decidem por uma camuflagem como solução, investindo grande quantidade de massa cinzenta e dinheiro. Teria sido muito melhor aceitar o conflito entre as necessidades da plateia e as dos atores e transformá-lo em material bruto para uma solução arquitetônica. 6 O ESPAÇO, O TEATRO, O LOCAL “Nós removemos o palco e o auditório e os substituímos com um lugar novo, único, que não tem partições ou barreiras de nenhum tipo, que se torna o espaço onde a ação acontece- o teatro” (Antonin Artaud) Teatro: a palavra em si indistintamente significa um espaço, suas paredes e a apresentação (em grego, theatron, derivado de théa é a ação de olhar). Hoje, nós com frequência ligamos a palavra espaço à ela (spatium: arena, espaço livre), para sugerir que o espaço e o teatro poderiam ser duas coisas diferentes. Meu encontro com o teatro começou nos anos 60, precisamente quando os espaços–teatrais estavam sendo separados do dramático da produção. Estes novos teatros, as “novas catedrais”, de acordo com o escritor francês André Malraux, tinham uma função dupla: ser uma imagem emblemática para a cidade, e um “abrigo” para os artistas. Como a arquitetura não tinha encontrado uma direção dramatúrgica precisa, a questão de se a forma arquitetônica deveria preceder a forma dramática surgiu. Bastaria então simplesmente construir novas ferramentas para que a forma dramática mudasse. Nós consequentemente testemunhamos muitos diferentes teatros que eram mais ou menos transformáveis, mais ou menos flexíveis, e onde os aspectos técnicos tinham que acomodar tudo; eram conchas monumentais pesadas às quais faltava espírito. Muitos diretores estavam permitindo que seu projeto arquitetônico viesse antes do projeto dramático. O dramaturgo Donal O’Kelly disse: “Os teatros agora são pequenos e arriscados ou grandes e precavidos. Isso não é bom para a arte.” Uma nova dramaturgia não nasceu destas catedrais do futuro. Alguns teatros, no entanto, de fato apareceram, fora do que era conhecido, criados em locais distintos. Os mais famosos destes são a Cartoucherie de Vincennes em Paris, a Performing Garage e o La Mama de Nova York (foto 3), a Round House de Londres, o Micker e alguns outros... Não significava a condenação definitiva da arquitetura teatral ou da tecnologia avançada, mas sim que, naquela época, os trabalhadores de teatro não conseguiam dominar os aspectos técnicos enquanto ainda buscavam seus requisitos artísticos. Mas desde aquela época, quantos destes porões, hangares, depósitos, fábricas, estações e outros locais que investiram em jovens companhias na busca pela liberdade e de espaços com vida, se transformaram em caixas pretas permanentemente fixas pelos seus aspectos técnicos? Em uma conferência em maio de 2005, o diretor do “Performance Space 122” de Nova York, Vallejo Gantner, disse que “A infra-estrutura em torno da performance cria uma papel crítico; no PS122 nós acabamos de fazer a opção de desmontar nosso teatro de caixa preta. O espaço é uma antiga sala de aula, usada como um local de extraordinário desenvolvimento artístico durante os anos 80 e 90. Em termos típicos está longe do ideal com tetos de três ou quatro metros, duas pilastras que não são móveis de aço no meio do palco, alcovas e janelas, e é um espaço largo mas sem profundidade. É uma sala de aula onde coisas incríveis aconteceram, apesar de, ou talvez por isso, das limitações físicas. Alguns anos atrás, ela foi pintada de preto e uma arquibancada permanente foi instalada. De um 7 extraordinário- mas absolutamente determinista- espaço que exigia criatividade tanto dos artistas como da plateia, ela se transformou em uma sala opressiva e previsívelnem particularmente um bom teatro e nem mais um em que qualquer coisa e tudo poderia acontecer, nossa relação com o palco pré-definido... Vir ao PS 122 se tornou uma medida conhecida- a questão acima com o espaço sintomático de um mal-estar artístico mais amplo de pregar para os convertidos, mostrando-nos o que nós já sabemos. Mesmo os convertidos pararam de vir depois de algum tempo. Jean-Guy Lecat, o designer de Peter Brook, e eu acreditamos que a arquitetura da renovação do Bouffes du Nord em Paris e do Harvey Theater na BAM no Brooklyn 2 falam da ilusão da neutralidade de qualquer caixa preta, e ainda assim da liberdade permitida por um determinado espaço. Então nós vamos arrancar a masonita preta, remover a arquibancada fixa, descascar a tinta preta. Vamos torcer para que isto force nossos artistas a tomarem decisões sobre como lidar com a sala, e ao fazer isso, abrir de novo este campo de possibilidades...”3 Agora sim, esta é uma decisão inteligente! Eu recentemente vi uma foto em um dos meus jornais diários que me leva de volta há trinta anos. Esta foto mostrava um prédio bombardeado no Afeganistão, suas paredes e o teto sumiram, ficaram apenas seus pilares e uma estrutura enegrecida que sobraram. Dentro da estrutura, meninas jovens que esperavam pelo mestre escolar estavam sentadas no chão com seus cadernos no colo, agrupadas o máximo possível ao que parecia ser a parede que apoiava o quadro negro, o que curiosamente não deixava espaço para o professor delas. Elas podiam muito bem estar sentadas no meio de qualquer lugar, mas não, para elas, o conhecimento estava entre as peças de ferro distorcido, em mais nenhum lugar. De volta àquele tempo, como um jovem stage manager, eu estava envolvido na transformação de velhos hangares onde todos “participavam” da construção. Apesar do fato de que nos comíamos apenas cachorros-quentes no almoço e no jantar e dormíamos no próprio local, nós éramos motivados por um energia e um entusiasmo notáveis. Finalmente, depois de meses nos dedicando a conseguir gesso, madeira e tinta para o lugar, o local estava terminado e a questão essencial finalmente surgiu: o que nós íamos fazer lá? Como as jovens meninas do Afeganistão, nós tínhamos o espaço, mas o essencial estava faltando: um projeto! Hoje é relativamente mais fácil encontrar o dinheiro para construir um teatro do que encontrar dinheiro para fazê-lo funcionar adequadamente e ser criativo. A construção de um teatro é carregada de política, mas suas operações não. Aqui, de novo, nós temos o espaço, mas não o projeto. Mas não é sempre este o caso. Eu estive recentemente em Pittsburgh na Carnegie Mellon University onde visitei o Allegheny Theater, um teatro com uma história significativa. Em 1974, dois arquitetos forma contratados para reestruturar uma pequena sala de concertos e reuniões em um prédio, a Biblioteca Carnegie 2 3 Com o arquiteto Hugh Hardy, NDLA. Palestra de Vallejo Gantner: Inspirando a imaginação do público (07 de maio de 2005) 8 Mellon, que data do ano 1889. No entanto, o projeto deles para um teatro de 300 lugares não deixou espaço para um palco e para os atores e assim nunca veio a ser usufruído. O Pittsburg Public Theater foi criado em 1975 por Joan Apt, Margaret Rieck e Bem Shaktman que convidaram Peter Wexler para dirigir três espetáculos. Apesar de o espaço ser ainda bastante pequeno e vazio, e a companhia ser pobre, ele encontrou o local, fez tudo inteiramente de tijolos e com grandes arcos, para ser fascinante. Sua ideia era que tudo iria ser temporário e removível. Ele decidiu não alterar as paredes, colocar o palco no centro e rodeá-lo com uma plataforma de três níveis (a mais alta delas seria reservada para trabalhos técnicos) bem como quatro filas em formato de U na plateia. Foi construído em três semanas com a ajuda da juventude local e abriu em setembro de 1975. O arquiteto Claude Perset e eu construímos um teatro para Jean-Louis Barrault na Estação Orsay em cinco meses, o palco planejado incluído. Quando nós não tínhamos tempo de fazer as plantas, nós desenhávamos as paredes diretamente no chão. No outono de 1974, Peter Brook conseguiu abrir seu teatro depois de apenas três meses de trabalho. PARTICIPAÇÃO A palavra “participação”, que esteve muito na moda nos anos 60, muito frequentemente significava “expressar com o próprio corpo”. Naquele tempo, seguindo a ideia de John Cage, nós pensávamos que era mais importante fazer as pessoas perceberem que elas fazem suas próprias experiências e que elas não as recebem feitas para elas. Foi principalmente durante o tempo em que eu fui stage manager do Living Theater no Festival de Avignon que eu fui iniciado na abordagem bastante na moda da “participação”. A companhia era conhecida por ser uma das primeiras a se apresentar em locais não-convencionais, incluindo prisões e subúrbios, eliminando os cenários totalmente. Foi, para mim, uma chance de abordar esta trupe mítica. No Festival onde o protesto parisiense de maio de 1968 aconteceu, só duas montagens haviam sobrevivido ao levante: o Centro do Living Theater e o de Maurice Béjart. O Living, que já vinha se apresentando na Europa há alguns anos, estava apresentando Mistérios, Antígona e Paradise Now, sua última criação. Em Antígona, o palco simbolizava Tebas, o auditório Argos e a platéia (que estava regularmente envolvida na performance) representava os argivos. Durante as performances de Paradise Now, o público que não tinha conseguido entrada protestava em alto volume do lado de fora da já lotada Cloître des Carmes. A companhia, ouvindo os protestos, interrompia o espetáculo algumas vezes e aparecia nas janelas. Em pé com seus figurinos (quase despidos), eles se atiravam na multidão até que eles descobriram que não seriam pagos se não terminassem a performance4. Julian Beck e sua companhia voltariam então ao palco e este jogo continuaria todas as noites até tarde da noite. 4 De acordo com Julian Beck, a necessidade de produtos de consumo é uma máscara social que nos separa da realidade verdadeira, um refúgio contra o medo que surge das nossas frustrações físicassexuais. Se, através de todos os meios físicos usados em exercício, nós conseguirmos nos expressar na totalidade, nós nos desmascaramos e estamos libertos. 9 Por volta deste mesmo tempo, em um “happening”, Ben, um artista francês, imaginou se livrar dos atores completamente, ficando em um palco vazio com apenas alguns alto-falantes nele. Assim que os espectadores começavam a entrar no espaço, os alto-falantes anunciavam o que estava acontecendo: “um espectador entrou no palco”, “cinco assentos estão ocupados”, “o espectador da direita está olhando na direção dos alto-falantes”, “um homem de terno está saindo da sala”, “o público está vaiando”, etc. até que todos tinham ido embora. Fim do show! O público eventualmente cansou destas performances participativas, como declarou o crítico H.Flender no jornal Variety em 1970: “Se o teatro não me deixar em paz, sou eu que vou abandonar o teatro. Já tive o suficiente de ter que levantar, subir no palco e dançar com um ator que quer sentar nos meus joelhos e me dar carinho, ou que quer gritar comigo. Houve um tempo em que íamos ao teatro para relaxar, felizes por ver o que ia acontecer ao ator e não com nós mesmos.” No entanto, estas experiências de participação do público (ou falta de), estas tentativas de renovar o teatro deram, àqueles que souberam olhar para elas, pontos importantes de referência para que se imaginassem novas formas possíveis. Um destes indivíduos foi Jean-Marie Serreau. Até então, na minha cabeça, estas novas formas pareciam algo teóricas, para serem estudadas em livros, como o famoso Teatro Total de Piscator, que nunca foi construído. Em 1971, o diretor do Festival de Avignon me apresentou ao diretor e arquiteto Jean-Marie Serreau, que tinha que encenar uma peça de Aimé Césaire em um dos espaços ao ar livre do Festival e que tinha que converter seu espaço novo, o Thêátre de la Tempête, na Cartoucherie de Vincennes em frente ao Théâtre du Soleil, sob a direção de Ariane Mnouchkine. Junto a este cenógrafo e construtor de arquibancadas, nós imaginamos um material que pudesse nos servir em Avignon nos verões e em Paris nos invernos. O projeto era um teatro sem paredes onde cada elemento seria transportável por uma pessoa. Este material teria que se transformar para todos os tipos de performance, não importando qual tipo de performance estivesse sendo apresentada, com o público sentado em cadeiras giratórias, precisando estar sempre o mais próximo possível da “performance”. Havia instrumentos de luz motorizados do tipo cinematográfico montados perto do palco sobre esteiras, cujas configurações poderiam ser modificadas durante a performance – mesmo o som poderia ser rotacionado- e as imagens poderiam também serem projetadas. Era uma inovação verdadeira que contradizia a arquitetura “oficial”. As arquibancadas e o palco serviriam por uma década até que os gerentes das duas companhias romperam relações. Mas a ideia da transformação dos espaços com material leve tinha nascido. 10 PARA ABRIR OS OLHOS DE ALGUÉM Eu comecei minha carreira no Teatro Vieux-Colombier em Paris. É um lugar com uma história forte: uma sala pequena para trezentas pessoas, um teatro de espaçoúnico originalmente aberto por Jacques Copeau, que também tinha aberto um Teatro Vieux-Colombier em Nova York durante a Primeira Guerra Mundial, no começo do século passado. Como eu era o único técnico lá, eu acabei conhecendo todos os aspectos do espaço, a qualidade das relações que criava e como todas as disciplinas teatrais interagiam para formar o todo. O La Mama em Nova York estava apresentando quatro espetáculos, incluindo Renard de Stravinsky e a ópera Carmilla, baseada em uma história irlandesa que criou uma agitação considerável. A diretora da companhia, Ellen Stewart, propôs que eu fosse trabalhar no teatro dela em Nova York. No ano seguinte, eu fui contratado pelo Festival de Avignon. Durante o Festival, eu consegui me enfiar dentro do hangar da mostra paralela do Festival fazendo de conta que eu era um dos atores, para que eu pudesse ver um dos maiores sucessos do festival, Medéia, dirigido por Andreï Serban, que estava sendo encenado pela Companhia La Mama. Um ano depois, a pedido de Jean-Louis Barrault, o diretor do Théâtre des Nations, eu fui stage manager do La Mama de Nova York em Bordeaux. Andreï Serban ia dirigir Electra em galpões abandonados, o Entrepôts Lainé, e eu tinha que convertê-los. Um dia, eu li uma entrevista de Peter Brook: “Raramente o mundo teatral conheceu crise tão grave. Nós podemos dividi-la em duas categorias: aqueles que permanecem fiéis às tradições nas quais perderam a confiança e aqueles que desejam criar um teatro novo e revolucionário, mas não possuem os meios necessários.” Até então, eu tinha me permitido ser guiado por eventos e contratos, não me perguntando nenhuma questão. Assim eu decidi ir para Nova York para ver o que estava acontecendo lá, e estava fascinado pelas experimentações e dinamismo deles. Ellen Stewart me abrigou em um loft, e deu a mim e ao seu técnico japonês a responsabilidade de converter o espaço novo dela, o La Mama Annex, onde Andreï Serban iria criar, três meses depois, o fim da sua trilogia, As Mulheres Troianas (foto 05). Eu não era muito rico em Nova York, mas tinha tempo e pernas, que eu usava para visitar os teatros da cidade e para conhecer a maioria das companhias. Nós excursionamos com a trilogia de Andreï Serban por um ano. Durante um longo tour, nós fizemos As Mulheres Troianas no Bouffes du Nord e Electra e Medéia nos dois espaços da Saint-Chapelle como parte do Festival d’Automne em Paris. Peter Brook estava procurando alguém para organizar o tour de The Ik, de Colin Turnbull nos Estados Unidos e encontrar os espaços para a performance: a companhia estava sendo enviada como um presente do governo francês pelo bicentenário americano. Eu fui encontrar com ele e Micheline Rozan, falei da minha experiência como stage manager e diretor técnico de diretores como Jean-Louis Barrault (que foi o responsável em primeiro lugar por trazer Peter à Paris). Naquele tempo, como ainda não estava super familiarizado com seu trabalho, pedi alguns conselhos e regras a Peter que pudessem 11 me guiar na minha pesquisa. Ele simplesmente me disse: “Eu não posso dizer nada que fosse ajudá-lo. Você vai ver por si mesmo, você vai reconhecer os espaços. O que é mais importante é que estes espaços sejam cheios de vida”; tudo que eu tinha a fazer era abrir meus olhos; fui contratado por seis meses e nós estamos trabalhando juntos por quase vinte e cinco anos. O TEATRO BOUFFES DU NORD EM PARIS O que é verdadeiro para os cenários também é verdadeiro para o espaço em que uma performance vai acontecer; não podemos pensar que o espaço em que o espetáculo é montado não tem significado, mas muito pelo contrário, especialmente em um teatro como o que Peter Brook escolheu em Paris, já que ele se tornou um espaço neutro permanente muito eficiente. O teatro Bouffes du Nord foi construído na metade do século 19 (1876) baseado em modelos de outros teatros da era. Foi concebido por Louis-Marie Leménil, um arquiteto pouco conhecido que também construiu toda a vizinhança. Em certos aspectos, o Bouffes vem de um precedente muito bem estabelecido: a decoração, os boxes em camarotes e balcões no primeiro nível e o gesso moldado que foi usado para preencher o espaço entre os arcos superiores que unem as colunas fundidas em ferro ao domo são todos semelhantes em parisienses. Planta do “Teatro The Rose” de 1587 e a do Bouffes du Nord de 1876 por cima estilo a outros teatros Mas há algo não usual no Bouffes du Nord, que é o formato real de onde a platéia senta. A ferradura/ elipse dos palcos de estilo italiano tem o seu eixo longo no mesmo eixo que o palco por razões visuais e acústicas (ele prolonga o palco). No Bouffes du Nord , o eixo da elipse foi girado em noventa graus. O Bouffes du Nord esteve a ponto de ver o encerramento da sua história de cem anos quando Peter Brook se deparou com ele. Seu proprietário estava preparando para demoli-lo parte a parte para ser usado como estacionamento de carros (três balcões=três níveis de carros).Por sorte, uma petição da vizinhança deteve o processo e o teatro foi fechado por tempo indeterminado pelos quartéis generais da polícia de Paris. O fogo tinha danificado as frisas e também tinha destruído os assentos dos camarotes; um teto com goteiras tinha ampliado o processo de degeneração a partir de cima. No entanto, ele permaneceu carregado de sua vida do passado, mas sua pele cultural, que fez com que ele parecesse como qualquer outro teatro burguês em Paris, foi arrancada, mostrando suas paredes nuas. Peter Brook disse que quando visitou o Bouffes pela primeira vez com Micheline Rozan, viu de imediato que era um bom espaço. 12 Até meu primeiro encontro com Peter Brook, eu não tinha me perguntado “o que é um bom espaço?” Um bom espaço deve ser quente, como o Bouffes é por conta das suas paredes, que sustentam as cicatrizes e rugas de tudo por que ele passou em mais de cem anos de altos e baixos. Um bom espaço não pode ser neutro, porque uma esterilidade impessoal não dá alimento para a imaginação. O Bouffes tem a magia e a poesia da ruína. Um bom espaço é íntimo: é uma sala em que a plateia senta com os atores e os vê em close-up, mostrando o que é verdadeiro na interpretação e revelando sem piedade o que é falso. O Bouffes du Nord tem as proporções corretas (baseadas no formato quadrado), está em harmonia com os seres humanos e ele é ao mesmo tempo íntimo e épico. (fotos 6, 7,8) O teatro dá a possibilidade de a plateia estar mais perto dos atores em determinados momentos da peça, similar a uma câmera dando o zoom em cinema. Sua relação com o círculo de espectadores envolvendo os atores é próxima e agradável. Nós podemos fazer a cena de maneira íntima no interior do prédio e imediatamente estar do lado de fora. Quando concebi o design para a peça Don Juan, de Molière, eu tinha coberto o piso do Bouffes com 17.000 tijolos para ter uma espécie de piso neutro. Em um determinado momento, com um chandelier vindo do alto do teto, uma cadeira do século 18 e murais desenhados nas paredes com giz, nós nos encontramos no palácio de Don Juan. Na cena seguinte, O teatro em 1876 com algumas folhas no chão, um pequeno laguinho e luz apropriada, nos encontramos na floresta. Mesmo antes de Peter Brook decidir usá-lo, este teatro já tinha sido visitado por outros diretores conhecidos e desconhecidos. Todos ficaram assustados com o estado de decadência (a caixa do palco e o palco tinham desaparecido e chovia dentro do teatro) e para eles, estava fora de questão utilizá-lo antes de ser restaurado. Todos os diretores potenciais quiseram primeiro recuperar o molde cultural estabelecido do espaço, mesmo que o trabalho deles mostrasse que em algum momento eles queriam se desviar dele. Mas restaurações são custosas e ninguém naquele período tinha levantado os fundos necessários. Peter Brook, no entanto, escolheu não construir um palco, de forma que pudesse encontrar uma intimidade real com o público O teatro em 1974 realizando a performance no mesmo espaço. Ele estava voltando ao teatro circular elisabetano. Ao retornar ao círculo, ele radicalmente transformou duas coisas neste teatro: o contato com a plateia e com a acústica. Uma das coisas que seduziu Peter Brook durante sua primeira visita foi a qualidade da acústica, porque para ele, a presença acústica do ator no palco é o aspecto mais importante. Ao dividir o mesmo 13 espaço com o público, a totalidade das vozes dos atores chega ao público com todas as suas nuances. Ao fazer a performance na frente do arco do proscênio, Peter Brook libertou-se de uma vez do que tinha se tornado uma obsessão para um grande número de diretores desde o início do século, que era sair do arco do proscênio. ARCO DO PROSCÊNIO Neste tópico do arco do proscênio, eu gostaria de contar uma história. Em 1926, na cidade de Cambridge, na Inglaterra, Terence Grey reinaugurou um velho teatro que ele chamaria de “The Festival Theater”. Uma das primeiras coisas a serem feitas foi remover o proscênio, seguindo o movimento que estava sendo visto aqui e ali na Europa, mas pela primeira vez na Inglaterra. Ele comprou equipamento de luz- o primeiro equipamento alemão de luz da Siemens - e o instalou sobre o palco para iluminar um ciclorama que ele tinha instalado. Ele então construiu uma parede suspensa de tijolos entre o auditório e o palco para esconder todo o equipamento de luz. Na sequencia, ele percebeu que precisaria esconder os atores que esperavam nos dois lados do palco antes de entrarem em cena; decidiu então que seria inteligente colocar duas telas sob a parede de tijolos, no mesmo local exato do velho proscênio. Foi a primeira tentativa de eliminar o arco do proscênio na Inglaterra. Nós precisamos do proscênio ou nós simplesmente precisamos esconder o equipamento técnico e os atores? Nesta situação, o arco do proscênio é a melhor solução? Porque o equipamento técnico ainda é colocado no palco hoje em dia, concentrado junto, confinando os atores atrás do proscênio? No Teatro Bouffes du Nord, eu tinha percebido que a presença dos atores era menos considerável assim que eles atingiam o ponto de cerca de dois metros e meio atrás do arco. Um dia, enquanto estávamos instalando uma cerca para montar a peça africana L’Os, eu confirmei essa sensação. Peter Brook pediu que nós movêssemos o cenário ao longo do palco para encontrar o lugar ideal dele. Nós naturalmente começamos pelo lugar que os atores tinham usado para ensaiar. No entanto, assim que os atores estavam atrás da cerca, eles pareciam estar mais longe do que os ensaios. Peter Brook então pediu-nos que retirássemos o cenário e imediatamente os atores pareciam estar mais perto. Depois de uma hora de tentativas, nós finalmente decidimos trazer os atores e a cerca para a frente do palco. No dia seguinte, eu tentei compreender o que tinha acontecido: ao olhar na nossa frente, o olho, ou melhor, o cérebro, é incapaz de medir uma distância sem um ponto de referência (as nuvens no céu, por exemplo). Assim que olhamos para um ator, nossa percepção da presença dele pode mudar se um objeto intervém com o nosso campo de visão dando-nos um novo ponto de referência. O arco do proscênio é um destes pontos, e desde então, eu tenho regularmente checado isto em todos os teatros que tenho visitado. Este fenômeno é enfatizado se outro objeto- mesa, 14 cadeira, suporte para casacos- intervém. Então não se surpreenda se os diretores estiverem olhando para trazer os atores mais perto do público ou se livrarem do arco do proscênio. Só uma vez, na remontagem de Dias Felizes, de Beckett, nós trouxemos uma escada para frente, para o centro do espaço e dirigimos a ação à aproximadamente quatro ou cinco metros atrás do arco do proscênio. Ficou muito bonito, mas a performance não transmitia nenhuma energia; o ator estava em um mundo e a platéia em outro. (Foto 9) Nos anos 70, Peter Brook mencionou em entrevista depois de ter aberto o Bouffes du Nord que o teatro elisabetano é como mergulhar no mar, uma experiência, uma descoberta e que quando nós mergulhamos, nós nos misturamos com correntes que opõem a vida e, de maneira similar, quando montamos uma peça elisabetana, o critério artístico já não é mais suficiente já que o objetivo agora e servir os eventos e as ações que permitem que a vida exploda em suas múltiplas formas. O palco elisabetano é o formato verdadeiro para o teatro perfeitamente livre, aquele que ignora todas as limitações. Esta liberdade, o poder de evocar pessoas, como Shakespeare faz em Júlio César ou o exército em Henrique V, é a habilidade de passar de uma cena de coro para a mais íntima introspecção. É por isso que nós conseguimos conectar a tradicional “caixa do palco” (tradição italiana) e a forma elisabetana de palco com avanço no Teatro Bouffes du Nord. A conexão resulta em algo muito especial e único, que é aquela na estrutura natural do espaço, a profundidade é articulada (foto 10). Há um novo princípio que pode ser usado, que é aquele da dupla profundidade do espaço teatral, como desenvolvido com Peter Brook em Paris, Nova York e outras cidades. Hoje, muitas cidades usam nossas transformações, que originalmente eram para serem temporárias, de forma permanente. RESTAURANDO “Uma era magnífica onde as artes floresceram sem os artistas se encontrarem na presença de teorias artísticas completas” (Nietzche) Deveríamos estar restaurando teatros dilapidados, abandonados ou inteiramente destruídos pelo fogo? O teatro Bouffes du Nord em Paris e o New York Harveys/Majestic vão ser restaurados um dia? Em longo prazo, a distância entre o mundo contemporâneo e a estéticas destes teatros de eras passadas ficam cada vez mais longe; um dia, eles não vão ser nada além de museus. Deveríamos colocar a estética antes da funcionalidade e da praticidade? Em 2002 em Paris, em um escritório do quartel da Polícia, dois policiais interrogavam um homem que havia matado oito representantes eleitos e ferido dezenove em poucos segundos em um subúrbio de Paris. Ele estava calmamente narrando seu depoimento quando correu até a janela, abriu-a e se jogou para fora, a cabeça primeiro, no espaço 15 vazio. Os dois oficiais se jogaram contra ele, e um deles agarrou o sapato do homem, mas os cadarços tinham sido retirados como medida preventiva e ele ficou nas mãos do oficial. O outro quase tombou no vazio. O assassino bateu no pavimento do pátio e o tão aguardado julgamento não aconteceu. Para aqueles que ficaram confusos com o fato de as janelas não terem grades, o diretor da divisão criminal afirmou que o arquiteto do prédio francês tinha dito a ele que as grades teriam desfigurado o local. Recentemente, o diretor de um teatro, assombrado com o atraso do trabalho de restauração no seu teatro, ouviu do arquiteto responsável pelo monumento”que antes de mais nada, era um monumento histórico que ele estava restaurando e que se ele tivesse que encenar um pouco no monumento, não haveria problema!” Em um subúrbio de Moscou, um pequeno teatro do século 18 foi restaurado e as bordas do palco corroídas foram guardadas sob o pretexto de que eram peças originais. Anedotas como essa são muitas e estão aí para lembrarmos que os tempos mudaram. No passado, quando um teatro queimava (aproximadamente dois ou mais por século), ele era reconstruído de acordo com as tendências da era, enquanto hoje, ele é restaurado para manter seções da história do edifício, mesmo que a restauração prévia tivesse sido considerada terrível. Hoje, nosso repertório cresceu consideravelmente, das tragédias gregas ao teatro contemporâneo. Alguns dos teatros em que estes espetáculos são encenados têm 2.500 anos, mas a maioria deles tem mais de 150 anos. Quando eu procurava um espaço para montar Ubu aux Bouffes em San José, na Costa Rica, nós passávamos pelo teatro/ópera da cidade várias vezes ao longo do dia. Nós não podíamos vista-lo, já que ele tinha sido destruído pelo fogo que se seguiu a um terremoto se me lembro corretamente. Eu finalmente encontrei uma tenda de circo que seria muito interessante para o nosso projeto. (Foto 11) Naquele mesmo dia, eu fui convidado a visitar o Teatro Nacional. O teatro era intimista e tinha uma pátina que todos os monumentos destruídos pelo fogo compartilham.Era um irmão do Bouffes du Nord em Paris, era muito bonito e teria sido perfeito para Ubu. A pessoa que me acompanhava perguntou: “Você gosta desse teatro? –simSe pudesse, teria escolhido este teatro?- simE a performance teria sido perfeita neste espaço?- simE teria sido muito bonito, como foi no seu teatro em Paris? – simEntão, se você pudesse encenar aqui, como nós poderíamos então ser capazes de explicar para o público que era necessário restaurar o teatro?” Eu finalmente entendi porque eu não tinha podido visitar o teatro antes! Nós sabemos que ao contrário do que acontecia no passado, a maioria dos teatros existentes, especialmente teatros “históricos”, não vão ser demolidos ou transformados tão rapidamente hoje. Ainda, alguns exemplos recentes, como o trabalho de Jean Nuvel em Lyon ou Minneapolis mostram que é possível modernizar um local antigo com inteligência e gosto. Um teatro como o National Theater em Londres é um bloco de concreto indestrutível e não transformável por um longo tempo ainda por vir e então devemos trabalhar com ele. A primeira questão para nós é 16 determinar se a estética desses teatros é útil “como está” para um projeto particular, ou se nós precisaríamos transformá-los temporariamente. Nós desenvolvemos, desde 1976, tipos diferentes de adaptação que são hoje usadas aqui e ali como sistemas que são mais ou menos recorrentes: Desça até a área da platéia na altura das primeiras fileiras de cadeiras e cubra as paredes laterais do teatro (madeira, cortinas, tules, etc.). Cubra o espaço completamente, sem remover os assentos, feche o palco e encene no centro do espaço. Reduza o tamanho total do espaço elevando o nível do palco ao mesmo nível do primeiro balcão, que é mais econômico e, tecnicamente falando, mais fácil de executar do que baixar o teto. Esta solução é chamada de “O sistema do Majestic Theater” por alguns arquitetos e está sendo usada atualmente em um ou dois teatros em Londres. Junte o palco e o balcão com uma arquibancada. Esta solução tem sido adotada de forma quase permanente no Théâtre National de Strasbourg e no Abbey Theater em Dublin, ou por um período temporário no Teatro Espanol em Madri, entre outros. Em eventos em que o palco é largo o suficiente e tem personalidade, coloque tanto o público como a performance no palco, fechando ou não o arco do proscênio e permitindo que o público entre pela via do auditório. Foi isso que eu recomendei para o novo Teatro Almada em Lisboa. Este tipo de transformação pode parecer radical, difícil e onerosa para uma adaptação temporária, mas na verdade ela tem se mostrado mais simples e econômica do que o transporte e a montagem de cenários. Em Roma, no Teatro Argentina, cobrir o espaço com um piso e areia só exigiu três dias de trabalho; em Hamburgo, o mesmo cenário sem a areia e com duas bacias cheias de água foi feito em vinte e quatro horas. No seu famoso livro5, o escultor Auguste Rodin relembra suas visitas a algumas das catedrais mais famosas da França. Quando ele chegou a Reims, onde os reis da França eram consagrados, ele ficou chocado com a restauração pela qual ela tinha passado. “Eu estou chocado com as restaurações. Elas são do século XIX, mas não enganam. Estas ineptidões gostariam de se instalar sobre todas as obras de arte! Todas as restaurações são cópias e é por isso que elas estão condenadas previamente, já que só se pode copiar a natureza; as cópias de obras de arte são proibidas pelo próprio princípio da arte. As restaurações são sempre suaves e rígidas ao mesmo tempo, você vai reconhecê-las por este sinal. Reparar estas figuras e ornamentos que foram brutalizados por séculos como se isso fosse possível! Tal ideia só poderia ter nascido nas mentes daqueles que são estranhos à natureza, à arte e à todas as verdades. Como mais se pode explicar o declínio da inteligência destes que se clamam artistas – arquitetos, escultores, vitralistas – que fazem estas restaurações com as maravilhas que preenchem estas catedrais bem abaixo dos seus olhos?” 5 RODIN, Auguste. As catedrais da França. Paris: ___________, 1914. 17 O IMAGINÁRIO Peter Brook nos diz que “o teatro é vida de forma mais concentrada”. Esta frase ilustra perfeitamente nosso trabalho de pesquisa no Teatro Bouffes du Nord desde 1974. Quando nós criamos um espetáculo, há um ser humano no centro do palco. Como membros da plateia, nós assistimos este ator no palco e vemos um ser humano. Tudo em volta a este ator deve estar em harmonia, em proporção e em escala humana, e o contato entre cada ser requer uma intimidade real. No seu processo criativo, Peter Brook opta por não ter um cenário, ou melhor, apenas cenários sugeridos. Ele deixa, portanto, liberdade aos atores para encontrarem elementos que vão ser seu ponto de início e a fundação das imagens que os membros da plateia vão ter que construírem eles mesmos com sua imaginação. O vazio no teatro estimula a imaginação. Este imaginário está tão presente na mente da plateia que os adereços usados pelos atores podem ser desviados de sua função original. Um exemplo disso foi o uso de tijolos em uma encenação de Ubu Rei em 1980. Boggerlas, com sua mãe nos braços, escapa do castelo usando uma escadaria secreta e túneis subterrâneos enquanto é seguido pelo Pai Ubu. Ele continua andando, se equilibrando sobre tijolos que ele vai jogando na frente dele mesmo. Em um instante, a natureza precária da situação é marcada pela encenação; a plateia revive a vivacidade de suas experiências no Guignol. Neste momento preciso, a necessidade de cenários desaparece. A plateia só fica preocupada se ele vai ser pego por seus perseguidores. Em outra cena desta produção específica de Ubu, um ator, desejando escapar de seus seguidores, sobe em outro tijolo. Esta única ação indica para o público que ele está alto o suficiente para escapar de seus inimigos. A necessidade de cenários desaparece de novo neste segundo exemplo. Nesta encenação, nós havíamos usado grandes carretéis de cabos elétricos. Além do seu uso como parte do cenário, eles também se transformavam em uma mesa ou no trono do Pai Ubu. Colocados um em cima do outro, eles se tornavam a masmorra do castelo na qual os capangas do Pai Ubu corriam perseguindo o pobre Boggerlas. Em uma farsa, como Ubu Rei, as cenas onde a ação acontece mudam muito rapidamente. Cenários elaborados e mudanças de cenário são excluídos, já que carregariam consideravelmente o espetáculo e aumentariam o tempo. (foto 12) Em 1983, em O Mahabharata, um ator perdido na vastidão das montanhas do Himalaia instantaneamente se encontra no fundo de um lago. Ao lado do rio, seus inimigos o observam, olhando por cima de um simples pedaço de plástico colocado por outros dois atores, representando a superfície da água; nenhum adereço complexo poderia competir com esta liberdade e leveza. Só a ópera, tão firmemente agarrada às tradições e ao peso pelo qual é conhecida, ousou mostrar o Himalaia, o lago, a água, a neve, os bancos de areia e os inimigos nestes bancos de areia. Mas que tal mostrar-nos o cantor no fundo do lago? 18 Shakespeare, que raramente usava cenários, fazia todas as peças com trajes contemporâneos- com a exceção de alguns trajes históricos ou fantasias – e freqüentemente voltava à questão do imaginário no teatro: “faça o poder imaginário”. Tome por exemplo, o coro do início de A Vida de Henrique V: Oh, por uma musa do fogo, que ascenderia Ao mais alto céu da invenção Um reino por um palco, príncipes para atuar E monarcas para assistirem à cena que cresce... Mas perdoem, gentis espectadores, Os espíritos rasos que ousaram Neste cadafalso sem valor trazer à tona Um tão grande objeto: pode este pequeno espaço abrigar Os vastos campos da França? Ou podemos nós amontoar Sobre este madeiramento todos os próprios cascos Que efetivamente assombraram o ar em Agincourt? Oh, perdoai! Já que uma figura torta pode Representar em pouco espaço um milhão! E deixai que nós, cifras neste grande montante, Sobre suas forças imaginárias trabalhemos... Ampliai nossas imperfeições com vossos pensamentos; Em mil partes dividi um homem, E fazei poder imaginário; Pensai que quando falarmos de cavalos, que vós os vedes Gravando os seus cascos orgulhosos na terra receptora; Porque são agora os seus pensamentos que agora devem ancorar nossos reis, carregá-los aqui e acolá; saltando sobre os tempos, Fazendo a conquista de muitos anos Surgir no tempo de uma hora: para isso complemente... Em O Sonho de uma noite de verão, os operários que estavam escolhendo os personagens para as suas participações disseram: Quince: “... Depois, há outra coisa: nós devemos ter um muro na grande câmara, para Píramo e Tisbe, pois, conta a história, conversavam pela abertura de um muro” Snug: “Você nunca vai poder trazer um muro.- O que diz você, Novelo?” Bottom: “Um homem ou outro deverá representar o Muro; e deixem que ele tenha sobre ele gesso, ou argamassa, ou argila, para significar uma parede; e deixem que ele segure seus dedos assim, e através da fenda devem Píramo e Tisbe sussurrar.” Imagine! Imagine!Que cada ator representa mil soldados e que você tem um exército no palco. Imagine que quando você fala em cavalos, você pode ver um aparecer. O poder da imaginação e a eficiência da simplicidade reunidos. Através de Quince, Shakespeare faz uma pergunta simples: nós precisamos construir uma parede quando só o que nós precisamos é um buraco para que dois atores, que não devem se ver ou se juntarem, possam falar um com o outro? Independentemente, eu regularmente vejo paredes inteiras inúteis no palco. Somos um pouco como Quince ou Sganarello e agimos rapidamente sobre a primeira ideia que vem à cabeça. Shakespeare, no entanto, vagueia pelo espaço e tempo com a liberdade do poeta. Na vida cotidiana, nós nunca vemos apenas uma parte do todo (o universo, o globo, montanhas, o horizonte, casas, cidades, etc.) e nós temos o hábito de reestabelecer coisas baseados em um elemento da imagem na sua totalidade. Quando 19 trabalhando e pensando neste contexto, onde o imaginário tem um papel tão importante, a mera intervenção do material, de uma cor, um adereço ou um traje tem significância e deve ser escolhido com cuidado. Não é suficiente simplesmente encontrar “um bom objeto” para a performance, mas o objeto que vai ter o maior poder de sugestão naquele momento particular. O espaço em que um espetáculo é realizado pode ser significativo e também estimular a imaginação. A partir do momento em que o palco está vazio, uma convenção com o público rapidamente se estabelece. Se um ator atua sobre um carpete, como em A conferência dos pássaros, de Udin Attar, nós entendemos que os limites do espaço, o céu naquele momento específico, são aqueles do carpete, e naturalmente, as paredes do teatro desaparecem da visão da platéia. (Foto 13) Mas se um ator, por um curto momento, sair do tapete, ficar mais perto das paredes do palco e atuar, por exemplo, com uma porta, todo o espaço da ação se torna o cenário. Se neste teatro não houver diferenças estéticas entre o palco e o espaço do público, então o teatro todo se torna o cenário e o público é imediatamente incluído no espaço de encenação. Na ópera A Tragédia de Carmen, de George Bizet, a ação no café de Lilas Pastia começa com Carmen sobre um pequeno tapete; então, quando Don José entra mais tarde seguido por seu oficial, a atuação se espalha por todo o palco. Em um momento , Lilas Pastia escolhe uma mulher na platéia para dá-la a Don José, que vai sair com ela quando o toureador parecer. Em um segundo, o espaço teatral todo se torna o café e quando o toureador entra, o público está incluído na ação. Mas isso só é possível, como em A conferência dos pássaros, se o teatro tiver a mesma estética em geral. É mais difícil, mesmo impossível se, como vemos mais e mais constantemente hoje, o palco estiver pintado de preto e o auditório decorado. Esta é a razão exata para termos escolhido construir os assentos e o cenário (só um carpete e uma cama) para The Costume no palco do Teatro Schiller; com isso, nós tínhamos um ambiente completamente unido. Eu não encontrei nenhum outro espaço ou teatro similar em Berlim naquele tempo. Nós encontramos as mesmas qualidades de liberdade no Bouffes du Nord como no teatro elisabetano. O espaço é simples, íntimo e sem limites; possui o sentido de verticalidade elisabetano com a altura dramática das colunas, que infelizmente faz falta em muitos teatros modernos. Nós também criamos uma grande fenda no palco, abrindo buracos nas paredes laterais para Timão e Atenas; usando suportes de ferro nas paredes de The Ik, para que os atores pudessem subir de uma montanha à outra; e no O Mahabharata, outros suportes faziam movimentos para cima o mais próximo possível de todos os ganchos horizontais. Esta liberdade de se mover no espaço e tempo à vontade, evocar vastos exércitos e introspecção íntima, torna-se possível com a plataforma aberta simples em que a ação acontece. Não há barreiras, nem partições: estes mundos estão abertos um ao outro. O público brinca com estas convenções com prazer. 20 Para Titus Andronicus em Dublin, eu instalei a platéia frente a frente e construí entradas para os atores em cada extremidade do palco; de um lado estava uma porta metálica e do outro, propileus de madeira. Este cenário não estava conectado a nada e os espectadores “construíam” um espaço imaginário ao redor deles mesmos que os incluía naturalmente no espaço teatral. (Foto 14) A Imaginação é a moeda corrente do teatro vivo. Se ela se perde, o teatro vivo perde seu sangue vital. EXCURSIONANDO A maioria dos espetáculos de Peter Brook teve longas temporadas em Paris e no mundo todo, em francês e depois em inglês: aproximadamente oitocentas apresentações de A tragédia de Carmen, das quais quinhentas foram fora de Paris, seiscentas apresentações de L’homme Qui, e quase dois anos de temporada de O Mahabharata. No Bouffes du Nord as paredes são realistas e abstratas ao mesmo tempo. Em turnê, o meu trabalho não foi somente adaptar diferentes espaços da forma que a palavra sugere, mas sim modificá-los de dentro através do processo criativo e de trabalho. O que importa com um espaço é que ele sirva às necessidades da história sendo contada. Além disso, ele tem que se tornar um espaço vital e brilhante na performance. Quando nós saímos em turnê com Carmen, por exemplo, eu construí paredes no fundo do palco, usualmente feitas com pranchas de madeira que tinham um caráter não figurativo, e tentei ficar o mais próximo possível ao mundo rústico das palavras tomando forma no palco. Mas quando fizemos O Mahabharata, o que era importante era a relação íntima que tinha sido construída por mais de dez anos com a proposta real de todo o trabalho que nós estávamos fazendo com Peter Brook, levando ao entendimento interior dele do que O Mahabharata necessitava. Eu trabalhei para Jean-Louis Barrault no Théâtre dês Nations e participei do design e construção de um teatro na Gare d’Orsay que levou cinco meses, um espaço alugado da companhia francesa de ferrovias. Tivemos que confrontar alguns dos mais absurdos problemas que continuamente surgem quando se trabalho em espaços “encontrados”: tivemos que convencer a Companhia de Trens Francesa a mudar as plataformas de certos trens, para que não houvesse nenhum barulho quando Madeleine Renaud estava falando. Nós tivemos que ler a peça alto nas plataformas com um cronômetro para determinar quando precisávamos mover um trem sob a rua. Isto mais tarde me fez pensar que Peter Brook e eu podíamos convencer pessoas a mudarem suas atividades para que uma peça pudesse vir à vida em um dado espaço – mesmo que isso envolvesse parar carros, aviões, trens ou o que mais fosse necessário. 21 A turnê de Ubu foi uma lição crucial sobre como improvisar com espaços. Por causa do tempo, nós simplesmente não podíamos bancar nenhum erro: se algo não funcionasse, outra solução tinha que ser encontrada em poucas horas. A turnê incluía uma cidade a cada um ou dois dias, por dois meses. Eu viajava um dia antes dos atores, encontrando e transformando espaços que seriam habitados pelos atores. As tardes eram usadas para ensaios no espaço, com a apresentação à noite. Em Istre, no sul da França, nosso contato tinha proposto uma garagem de trens, que eu rejeitei porque era perto dos trilhos e não seria silencioso o suficiente. Eles me asseguraram que isso não aconteceria, quando um trem enorme passou levando quase meia hora. O prédio vizinho era um depósito refrigerado de vegetais, que era muito bem protegido do barulho externo por conta do seu isolamento térmico, mas infelizmente era muito branco e puro. Fora do depósito, eu encontrei centenas de caixotes de maçã. Nós jogamos todos para dentro e construímos uma parede sólida. Isso criou uma área de coxias; os atores poderiam olhar por entre as maçãs para a plateia. As caixas pesadas mudaram a acústica e a atmosfera do espaço, e também deram um cheiro adorável. Eu não acho que poderíamos ter feito uma turnê assim com The Ik. The Ik e Ubu eram encenadas em estilo semelhante com o mínimo décor construído pelos próprios atores, mas Ubu tinha a grande vantagem de que os atores podiam manipular o público, improvisando suas posições durante o espetáculo se alguma coisa não estivesse certa. The Ik era muito menos físico e exigia equilíbrio estável que o espaço tinha que estabelecer sozinho. VISITANDO E RECONHECENDO UM ESPAÇO Quando eu visito um novo espaço, eu vou com um projeto. É este projeto que vai estar como base da minha visita inteira, para que eu não me torne rapidamente prisioneiro de uma forma ou seja muito conduzido pela arquitetura real. “Reconhecer” (como estamos usando espaços que já existem) e “estar vivo” (ou seja, que tem uma história) são os dois predicados que Peter Brook me deu no dia do nosso primeiro encontro e que permanecem comigo aonde quer que eu vá. Quando eu comecei a trabalhar com stage management, me disseram eu um espetáculo em turnê tinha que ser adaptado a novos espaços. Ainda hoje, eu vejo stage managers jovens (e nem tão jovens) irem a uma locação e adaptarem seu espetáculo ao espaço quando em turnê. O espaço do ator é ditado pelo posicionamento do equipamento de luz, não importando se a plateia está longe ou não, se a acústica do espaço exige que a ação esteja mais próxima ou se as relações do espetáculo estão desalinhadas. Com Peter Brook, eu aprendi a fazer exatamente o contrário. Descobrir um espaço significa, em primeiro lugar e acima de tudo, encontrar um local e o ser humano que o concebeu e o construiu. A primeira coisa a fazer é tentar reconhecer qual era o objetivo, já que ele foi feito por outra pessoa, em outro período e em outro contexto. Quando eu visito um espaço, eu sento em silêncio e espero, eu gasto o tempo que for necessário até que entenda o espaço e tenha a intuição de como transformá-lo. É sempre desejável compreender. 22 Eu me lembro de uma conferência extraordinária do grande arquiteto Louis Khan para estudantes em uma universidade na Filadélfia. Ele disse que se devia questionar os próprios materiais, já que cada material, pedra, concreto, tijolos, etc., tem sua forma própria associada a ele. Se me lembro bem, ele de forma geral declarou o seguinte: “Expressar-se é funcionar. Quando nós queremos presença, nós temos que consultar a natureza que intervém no design. Se você está pensando em tijolos, por exemplo, você deve perguntar ao tijolo: “O que é que você quer, tijolo? “ E o tijolo responde: “Eu quero um arco.” Você replica: “Arcos são caros e eu vou colocar uma viga de concreto acima de você. Que você acha disso, tijolo?” Ele responde, “Eu quero um arco!” É importante entender que o material que está sendo usado tem que ser honrado. Nós não o desperdiçamos, como se a dizer: há muitos materiais! Nós podemos fazer como bem entendermos. Isso não é verdade; nós só podemos prosseguir se o tijolo for respeitado. Glorifique o tijolo ao invés de lográ-lo”. The Ik foi a primeira produção com a qual fizemos uma turnê internacional séria, viajando a Londres, Berlim, Viena, Veneza, Belgrado e os Estados Unidos; eu entrei na companhia para esta turnê em 1976. Quando entrei para a companhia, não conhecia adequadamente o espaço do teatro Bouffes du Nord para ser influenciado por sua arquitetura na minha pesquisa. Durante as minhas visitas, eu na maioria das vezes confiava no próprio espetáculo: sua forma, suas cores, suas proporções, o número de atores e das pessoas na plateia, seu som particular, sua atmosfera particular e os detalhes técnicos necessários ou importantes. Eu determinava o centro da peça, o que me dava exatamente o local do público e deste ponto, a qualidade da acústica como um todo, para o público e para os atores. Era apenas no final desse processo que eu me interessava pelo piso, pelo teto, a localização das paredes e a sua qualidade, bem como nas proporções de tudo que era colocado junto. Eu muito rapidamente percebi como seria difícil encontrar em outro lugar a qualidade e eficiência das paredes do nosso teatro em Paris- a dureza delas, sua vida e sua natureza indeterminada ao mesmo tempo. Muito rapidamente, eu tive que aprender a mudar de ideia, de maneira de pensar e o fato de que nós estávamos em um mundo de imaginação onde um carretel de fio podia ser um tanque; eu tive que aprender um outro ponto de vista. No passado, como cenógrafo, eu senti a necessidade de fazer um cenário em completa unidade; se uma coisa é realista, então tudo tem que ser realista. O aspecto mais difícil desta empreitada foi não me deixar ficar preso a um único sistema. Eu por sorte aprendi com Peter Brook a não acreditar em princípios que criaram relações artificiais, já que eles são com frequência precursores de espaços mortos. Para não cometer erros na minha seleção de novos espaços, eu tinha que prestar muita atenção a muitos aspectos diferentes durante as minhas visitas, mas mais particularmente, à harmonia, à acústica e à vida passada do espaço, já que um espaço sempre tem em sua história uma pessoa que desejou que ele fosse ali, um arquiteto que o construiu e pessoas que o usaram. 23 Eu também tenho duas outras palavras-chave: “simplicidade” e “leveza”, já que a coisa mais difícil da vida teatral é manter as coisas simples. Alguns anos atrás, o arquiteto Renzo Piano (que eu conheci quando ele construiu em Beauburg o centro G. Pompidou) disse, sobre este tema leveza, que quando ele tinha por volta de trinta e cinco anos, trabalhando com Ítalo Calvino, ele percebeu que a leveza também era uma qualidade da inteligência. Ele sempre trabalhou intuitivamente com esta inteligência leve, que sabe como estar consciente de suas experiências e dos outros, ao contrário da inteligência pesada, que fica feliz em atingir apenas um objetivo pessoal. Mas mais uma vez, não há um bom espaço sem um bom projeto ou uma boa ideia por trás dele que subentenda a ação. Caso contrário nós criamos um espaço lindo sem razão nenhuma, sem ideia, sem sentido e no final das contas, temos um espaço que não é bom para ninguém. Criar o espaço não é um objetivo em si. Um novo espaço deve em primeiro lugar ter sido desejado por alguém, e é isso que endossa com significância. Eu tenho passado bastante tempo viajando para conhecer espaços (talvez mais de dois mil ao longo dos anos) e então alguém pode achar que eu tenho muita experiência, já tendo me acostumado a fazer isso. Mas cada visita tem características únicas. CARACAS, NOVA YORK, ROMA, ZURIQUE, ETC... Durante as turnês dos espetáculos de Peter Brook, nós transformamos cerca de duzentos espaços, alguns de forma bastante simples e outros de maneira mais complexa e radical. Ubu aux Bouffes em Caracas (Foto 15): Para as produções da turnê de Ubu, eu estava procurando um espaço em Caracas. Depois de quatro dias de vistas intensas, nós descobrimos um velho teatro que estava sendo usado como garagem. Eu tinha um dia para ir ao México e a San José na Costa Rica e durante este tempo, o Ministério da Cultura negociou para fechar a garagem. O Ministério da Cultura comprou o prédio, e o Festival de Caracas tirou os carros e reconstruiu a parede de entrada. Uma parede de blocos de concreto fechou os buracos que tinham sido abertos para os carros, com aberturas para a saída durante Ubu. A produção arrastou um público entusiasmado de trabalhadores da vizinhança próxima e mais além. Com frequência, havia mais gente do lado de fora da porta do que a arquibancada simples podia acomodar; foi permitido que os espectadores extras se acomodassem em até cinco fileiras sentadas no chão do palco. A tragédia de Carmen em Roma (fotos 16 e 17): Depois da longa turnê do Mahabaratha em francês e inglês, nós excursionamos com A tragédia de Carmen mais uma vez. Em Roma, o Teatro di Roma convidou a companhia para se apresentar no Teatro Argentina, que tem sido um dos locais mais importantes de 24 Roma há bastante tempo. Desenhado por G.Teodoli em 1730, era um descendente direto do Teatro Olímpico de Palladio e do Teatro di Sabbionetta, concebido por Scamozzi, assistente de Palladio. Este era uma dos teatros tradicionais que escolhemos para a turnê de Carmen e a dificuldade foi manter o que tínhamos em Paris – um espaço que liberta a imaginação, onde você preenche um cenário que é só areia no chão com todos os tipos de imagens. A ideia de transformar este espaço resultou de dois fatores. Por um lado, o espaço tinha uma presença muito forte e a relação palco/espaço era horrível, enquanto que por outro lado a configuração do espaço nos permitia colocar Carmen no centro da sala como se ela fosse prisioneira da sociedade local e do mundo de um homem. Nós queríamos ter apenas um espaço, não dois (palco e plateia). Teatro Argentina A plateia dele não era muito mais larga do que a do Bouffes du Nord, apesar de rotacionada noventa graus. Um dos fatores determinantes da sua transformação foi a necessidade de fazê-la rápido: apenas cinco dias foram reservados para fazer a instalação da nova estrutura, dos elementos cênicos, da iluminação e os ensaios. Além disso, as fileiras de cadeiras não podiam ser removidas para uma temporada tão curta: o novo palco teve que ser cuidadosamente posicionado sobre suportes entre as filas, e tinha que corresponder ao nível dos assentos embaixo. Este último problema foi superado ao fazermos a nova fileira de bancos integralmente na superfície de atuação, subindo pouco antes que ela tocasse nãos assentos. A nova arquibancada foi formada por degraus de trinta centímetros com uma almofada de dez centímetros de espessura colocada ao longo da fileira. O declive foi planejado para chegar ao nível do primeiro balcão, as cabeças dos espectadores nestes assentos formando uma linha contínua com aquela dos novos bancos. Este último nível na verdade correspondia ao do foyer, dando a plateia que caminhava sobre a areia para chegar aos seus assentos uma sensação forte de que era uma continuidade sem interrupção com o mundo “real” da rua. O sucesso da transformação dependia da sua simplicidade e da sua validação do espaço existente: havia uma emoção do teatro, como se ele estivesse sendo experimentado de uma forma inteiramente nova, mas foi a ancoragem desta emoção às demandas do drama e à integridade do espaço que deu a ele sua força real. Alguns críticos notaram isso. Paolo Cervone escreveu que “Nesta platéia dos reis, com tantos nomes ilustres amontoados praticamente uns em cima dos outros como se em um orgia, felizes por estarem empoleirados sobre colchões improvisados, tem-se a sensação quase religiosa de assistir não só a uma simples performnace, mas um evento que não vai ter repetição.” 25 O Mahabharata em Nova York (fotos 18, 19, 20): O Mahabharata foi testemunha da conclusão da minha busca de treze anos por uma base adequada em Nova York. Assim como com Carmen e A conferência dos pássaros, houve uma busca frenética por toda a acidade para olhar possíveis espaços. Isso elevou o número de espaços que eu tinha visitado lá ao longo dos anos para mais de duzentos. O Majestic Theater, encontrado por Harvey Lichstentein, diretor da Brooklyn Academy of Music, estava abandonado desde 1968. Tinha dois O teatro em 1870 balcões, recebendo uma plateia de até O teatro em 1987 1.800 pessoas, muitas das quais só viam um pequeno pedaço do palco. A BAM não conseguiu encontrar as chaves do teatro, então nós entramos por uma janela do segundo andar. Quando eu e Peter Brook estávamos dentro, tivemos uma estranha sensação de déjà vu. O teatro parecia o Bouffes du Nord antes de ser reaberto por Peter Brook. Havia cadeiras quebradas por toda parte, pedaços de gesso caídos, o cheiro da madeira estragada e do carpete mas nós ficamos completamente encantados. A cortina de segurança de amianto não podia ser levantada, o que significava que nós só vimos metade do espaço por vez: nós tínhamos que estar em um lado do espaço para ver alternadamente o que estava acontecendo no palco e no auditório para poder ter uma ideia completa. Nós tivemos que pegar o voo da tarde para voltar à Paris; tínhamos que tomar uma decisão. Eu trabalhei por uma hora no horário do almoço e desenhei um esquema para que nós pudéssemos decidir se conseguiríamos encenar O Mahabharata e Jardim das Cerejeiras em Nova York na nossa reunião da tarde. A vedação à prova d’água que ficava ao redor do telhado tinha caído, e sempre havia rios de água escorrendo pelas paredes internas sempre que chovia. Isso tinha danificado e desalojado a decoração de gesso, e começado a destruir a madeira dos boxes e dos assentos da plateia. O projeto rapidamente ficou mais elaborado e consistia em elevar o palco um metro e meio, colocando o proscênio acima da plateia e conectando o palco e balcão com uma arquibancada. O segundo balcão foi reduzido pela metade para liberar a vista do público do primeiro balcão, reduzindo o espaço geral para novecentos espectadores. Os arquitetos Hardy Holzman Pfeiffer & Associados receberam a tarefa de executar estas modificações básicas na configuração do auditório. A O Harvey Theater, Teatro da Brooklyn Academy of Music 26 cidade desejava usar o teatro de forma permanente, então o palco original e a plateia foram restaurados antes da construção do palco temporário de O Mahabharata. As paredes do palco foram pintadas com base nas cores já presentes no teatro para assim unificar o espaço. Nós finalmente abrimos o teatro em outubro de 1987 com o O Mahabharata seguido pela criação de Jardim das cerejeiras. Desde então, o palco temporário tem sido conservado e o teatro tem sido usado de forma permanente na mesma configuração. A tragédia de Carmen em Copenhague (fotos 21 e22): O Ostre Gasvaerk, um tanque de acúmulo de gás abandonado está situado na periferia da cidade. O arquiteto escondeu o contêiner de metal para gás dentro de um cilindro de tijolos que suporta um domo de metal e madeira, baseado livremente no Panteão de Roma. Não mais em uso, tinha se tornado um depósito ilegal de lixo. O problema principal era a acústica: as Gasvaerk curvas das paredes e do domo ecoavam o som, dando espaço para um eco de dez segundos. O design do espaço para Carmen, que pegou um pouco mais da metade do espaço disponível, foi orientado em direção a uma secção na parede. A cidade ofereceu alguns reparos no teto e providenciou duas toneladas de terra para terminar o piso. Uma empresa de marcenaria e seus funcionários se voluntariaram para construir a estrutura todos os dias depois do seu horário de trabalho. De forma a simplificar o projeto, os camarins foram colocados diretamente dentro das arquibancadas de madeira. A área de atuação, cercada por paredes laterais de madeira, foi posicionada longe do centro geométrico do espaço, para evitar o problema de sons retornando imediatamente às suas fontes em um eco fortemente potencializado pelo domo. Uma lona pesada foi presa em uma moldura sobre o palco e forrada com fibra de vidro; o som foi refletido para a plateia e morria atrás dela antes de conseguir reverberar em volta do domo. Qualquer barulho “perdido” era capturado por cortinas pretas pesadas penduradas ao longo da parte de trás dos assentos. O tempo de reverberação foi reduzido a três segundos- acima do limite máximo de aceitação para óperas. Este espaço, que foi transformado para um período de um mês, tem sido um espaço permanente desde 1983. O Mahabharata em Avignon (foto 23): Para a criação de O Mahabharata em Avignon, nós tínhamos visitado espaços existentes e trinta pedreiras, e finalmente escolhemos a Pedreira de Boulbon, que era a mais próxima de Avignon (doze quilômetros) e a mais protegida do vento. Tinha boas proporções gerais: 135 metros de comprimento e uma média de 50 metros de largura, em um ambiente em um volume fechada incrivelmente intimista. A entrada estava orientada para o sul – por sorte afastada dos ventos mistrais de 100 quilômetros por hora que tinham seu pico nos meses de verão. Esta questão do vento foi completamente nova para nós. De volta à Paris, eu fiz uma maquete para ver como funcionava. Eu 27 descobri que se nós estivéssemos protegidos por uma parede muito alta no lado norte (de onde o vento vinha), uma depressão seria criada dentro do espaço e outro vento soprando no sentido oposto seria criado. Uma elevação foi construída para parar o vento e também serviu para manter o som dentro, para manter sons do vale do lado de fora, para esconder a arquibancada e para dirigir o sentido da plateia para um lado só. Havia muitos toques de acabamento. O nível do piso de pedras quebradas foi elevado com uma camada de cascalho, que permitiu que o espaço secasse em algumas horas depois das chuvas frequentes no fim da tarde. Esta camada era coberta com uma camada de calcário em pedaços, que endurecia formando uma crosta quando molhado. Aí terra foi espalhada por cima disso tudo para dar uma boa combinação de cores com a faceta da pedreira e para uma superfície de interpretação mais suave. A Força Aérea Francesa de cinco aeroportos mudou o horário e a locação dos seus exercícios para preservar o silêncio da pedreira. A plateia ou foi de carro à pedreira adjacente ou pegou um serviço de barco especialmente organizado de Avignon pelo Rio Ródano, que parava a um quilômetro do teatro, o que permitia uma caminhada de um quilômetro por uma colina suave sob a luz dourada antes do pôr do sol. Nós começávamos a apresentação em hora precisa para poder terminar a peça onze horas depois no nascer do sol e então a escuridão não tinha chegado completamente, permitindo que a luz elétrica lentamente substituísse o sol. É interessante reconhecer que quando nós fazemos uma apresentação ao ar livre, os espaços só são naturais até o momento em que se seleciona uma parte da natureza. Seja em Avignon, Atenas, Calgary ou em Perth (foto 24), nós apresentamos em pedreiras e reconhecemos que assim que nós escolhemos o centro da apresentação, escolhendo um panorama específico ( que seria o cenário com o plano de fundo), a natureza no espaço não parecia tão natural quanto antes. Um parte dos arbustos, das pedras, da terra, das suas texturas e cores não estavam em seus lugares naturais. Não tinha nada a ver com a performance em si, mas uma nova harmonia que iria integrar a presença humana tinha que ser encontrada dentro daquele recorte selecionado. Selecionar uma parte da natureza foi como trapacear uma moldura em que elementos “naturais” tinham que ser recolocados (como fazem certos pintores) dado o fato que os seres humanos tinham sido introduzidos nesta moldura e estava mudando os pontos de referência. Isto posto, quando nosso trabalho de adaptação terminou e nós já tínhamos feito o espetáculo, nós não podíamos mais imaginar fazer o espetáculo em mais nenhum outro lugar. FIGURINOS, LUZ, CENÁRIOS, ESPAÇO Para que o teatro exista, nós devemos começar com a “ideia”, ou, como sugerido pelo poeta francês Paul Claudel, “o comando”. Imediatamente na sequencia vem o texto. Aí vêm, todos juntos, os atores e o público, os figurinos, a luz, o cenário e o espaço. O teatro, como todas as artes, primeiramente e acima de tudo existe por causa daqueles que o fazem, mas o público é indispensável para ele: sem público, sem teatro. Peter Brook diz sem eu livro O espaço vazio: “Eu posso pegar qualquer espaço 28 vazio e chamá-lo de palco. Porque andar através deste espaço enquanto outro assiste é suficiente para um ato teatral começar”. FIGURINOS A entrada, o surgimento de qualquer ser humano em um espaço, nunca é insignificante. No momento em que o ator entra em cena, há uma fricção intensificada no ar. O palco é um espaço com papel duplo: por um lado, como vimos, ele pode aumentar o corpo, mas também pode, em função da sua escala, absorvê-lo e roubar uma boa parte de seu brilho. Os figurinos deveriam ser elemento fundamental da reflexão estética do teatro, já que nós sempre vamos ter um ator no palco mesmo se tirássemos todo o resto. O figurino deveria ajudar a tornar o corpo do ator mais visível (o que não significa mais perceptível) e mais denso. Por esta razão, um figurino de teatro não poder ser simplesmente um traje, e a busca por trajes neutros contém muitas armadilhas já que tudo chama a atenção; tudo ganha sentido e nada é sem sentido. Um ator nu não passa sem significado e, portanto, não dá para passar sem os figurinos. Um figurino pode (ou poderia) expressar coisas não ditas por uma personagem, como o “onde”, “quando” (em que época) e “quem” (a disposição e a qualidade da personagem). É por isso que com frequência eu vejo universidades ensinando a arte do figurino através de figurinos do passado. É obviamente muito mais fácil, apesar de o corpo humano e sua mobilidade serem restritivas, vestir um rei ou um camponês em uma época em que cada classe social de cada país tinha um traje específico. O figurino pode igualmente manter sua distância de dados que são únicos para a personagem, como a psicologia, posição social, função, etc., e conseguir sua inspiração da natureza poética do texto, seus ritmos, suas cores, sua vitalidade, suas trocas, portanto se tornando uma ponte visual para alguns de seus bem guardados segredos. Mas acima de tudo, o figurino veste o ator, e nesta pele, que é ligação entre o ator e a personagem, nós devemos encontrar propriedade e até mesmo graça. Sempre que possível, um figurino não deveria ser criado sem ter sido concebido pelo ator que vai vesti-lo; esta poderia constituir uma das únicas regras aceitáveis do teatro. LUZ A luz que é indispensável para que se possa ver os atores também pode sugerir um ambiente, um espaço e pode até mesmo ser o cenário. Eu recentemente li que no seu teatro novinho no começo do século 20, Adolphe Appia teria usado aproximadamente 7.000 lâmpadas por trás de painéis brancos que cobriam as paredes. Ele queria criar a luz do dia. No mesmo período, Craig usaria a luz para substituir um cenário. Hoje, com a interrupção planejada do uso de lâmpadas incandescentes na Europa, entre outros lugares, ao redor de 2010, nós vamos testemunhar o nascimento de uma revolução cultural na iluminação. Nos anos 60, os LEDs (diodo emissor de luz, composto de semicondutores, como arsenieto de gálio ou o índio) estavam 29 começando a aparecer e nos últimos dez anos, LEDs orgânicos acabaram com todas as nossas concepções de luz (especialmente quando a luz branca se tornou uma possibilidade). Já adotada para uso na iluminação pública, iluminação de monumentos, na agricultura e nos automóveis, estes diodos não necessariamente atingem grande performance; no entanto, com um período de vida entre cinquenta mil e cem mil horas e com sua dimensão (menos de 1mm para o OLED, que usa átomos de carbono colocados sobre vidro ou um polímero), eles vão ser usados de diversas formas. Quando o cenário vai ter diodos integrados na pintura ou no papel de parede? Quando o ciclorama vai ser auto-iluminado pelos OLEDs? Quando os diodos vão estar nos figurinos dos atores? CENÁRIOS A indústria do cinema, televisão, vídeo e fotografia já encontraram seu lugar perfeitamente hoje. Não faz muito tempo que havia confusão entre teatro, vídeo e filme. Mas as coisas estão mais claras hoje, apesar de o teatro, roubado em parte de sua herança (a ilusão que possuía no século 19), emprestar material de outras disciplinas, como o cinema. O teatro pode, mas não é obrigado, receber qualquer coisa no palco – todas as formas de arte, incluindo cinema, podem ser apresentadas no palco em qualquer momento, sendo a única condição que não ameace a presença dos atores. Paradoxalmente, o que é visto hoje como menos natural no palco é “stage design”. Eu mesmo tento no meu trabalho sugerir mais do que mostrar e mostrar apenas o absolutamente necessário, seguindo o que Michael Ange diria, “os únicos trabalhos bons são aqueles que podiam ter sido jogados do alto de uma montanha e nada ter se quebrado”. Tudo que poderia ser quebrado em uma descida assim era supérfluo – que evidentemente não é uma regra mas é algo que me conduz. Assim que o efeito desejado é atingido, acrescentar detalhes para agradar aos outros ou a si próprio é inútil. O cenário está lá para trazer ritmo e fluidez; a cenografia não está lá para trazer respostas para as fraquezas da dramaturgia. A criação de um cenário não é interessante nela mesmo ou sobre ela; ela deve ser entrecruzada por uma ação. (Fotos 25 e 26) No começo do século 20, Jacques Copeau já estava questionando a importância dos cenários tradicionais. “Nós não queremos dar importância em encenar o que é concebido para cenários e adereços. Hoje, os executores de teatro na Europa concordam plenamente em um ponto: condenar cenários realistas que tendam a dar a ilusão de coisas reais enquanto valorizam desenhos sintéticos e esquemáticos que objetivam apenas sugerir. “Nós temos que admitir que as ideias dos mestres podem às vezes surpreender-nos com sua academicidade pesada. Nós encontramos nestas idéias uma simplicidade exagerada que nem sempre corresponde a uma simplicidade autêntica, e uma ampliação das intenções do escritor através de materiais de leitura inocentes. O espectador acostumado ao teatro gosta de descobrir isso, de distingui-las de uma 30 abordagem mais sutil. Pode-se ficar preocupado que abordagens desta natureza, esta constante – e sempre deficiente - busca por efeito, vai progressivamente aumentar uma performance teatral quase bárbara, falsa e rudimentar quando adicionada ao contexto dramático... Ser apaixonado por invenções elétricas ou de engenharia é sempre atribuir muita importância aos telões, aos cenários pintados, a natureza das luzes; é sempre se render a estes truques, de alguma maneira, forma ou formato. “Nossa intenção é negar a importância do maquinário, sejam eles bons ou ruins. Isto porque temos uma crença profunda que é desastrosa para as artes dramáticas abrigar tamanho número de complexidades externas. Nós não acreditamos que para “representar um homem por toda sua vida” nós precisemos de um teatro onde “cenários aparecem por debaixo sem mudanças instantâneas”, nem queremos acreditar que o futuro do formato artístico está conectado ao maquinário. Nós não devemos confundir convenções usadas para o cenário com as dramáticas. Destruir um tipo não significa liberar todas as outras. Muito ao contrário! O servilismo do palco e seus artifícios não refinados forçam-nos a ficar concentrados na verdade das emoções bem como nas ações das nossas personagens. Possa esse prestígio se dissolver e possamos nós encontrar um novo cavalete para uma nova obra de arte”6 O ESPAÇO O espaço também é importante, mas não necessariamente para expressar alguma coisa. Seu primeiro propósito é como um endereço postal, similar à estrutura da escola das jovens garotas do Afeganistão, onde o público sabe que eles podem se juntar para ver uma apresentação. Então, ele deve conter e “ambientar” os artistas e seu público, enquanto também vai protegendo e providenciando abrigo (barulho, chuva, perigo). As paredes e o teto de um teatro não são indispensáveis para a apresentação. O teatro de rua, por exemplo, se dá muito bem sem eles, e favorece a concentração e o relacionamento do público com a performance. TINTA Pintar ou não o cenário é uma questão extremamente importante. O que promove vida na arquitetura é a qualidade dos materiais empregados e suas texturas. Se nós fossemos cobri-los com tinta, nós estaríamos fazendo a opção de perder sua qualidade. Materiais como madeira, tijolo, pedra, concreto e couro naturalmente adquirem um bom brilho com o tempo, enquanto a tinta envelhece mal, fica suja e deteriora. Quando eu tenho que pintar um teatro ou um cenário, eu tenho em mente a técnica do afresco, para que a transparência preserve a qualidade da parede. Eu uso cores que são muito vivas em pigmentos ou matizes, e aí as misturo com colas ou secantes que eu diluo (água, gasolina, álcool, dependendo da situação) suficientemente para que a cor entre no material. Quando eu crio um cenário, eu gosto de pintá-lo eu mesmo, para ter a liberdade de mudar de ideia. Isso me dá a 6 Trecho do ensaio Um essai de renovation dramatique, de Jacques Copeau. 31 oportunidade de responder às perguntas dos pintores e se alguém me diz: “o que você pede não é possível”, eu posso responder: “Me dê um pincel!” (Foto 27) EM QUE ESCALA? Nós com alguma frequência vemos um cenário ser entregue ao palco muito cedo no processo, o que significa que ele foi desenhado e construído muito antes do trabalho com os atores, e funciona como outra personagem no palco. Sempre que possível, é desejável que o cenário seja desenvolvido no meio dos ensaios com os atores. Ao mesmo tempo, a vantagem do cenário que já existe antes dos ensaios, desde que ele tenha uma “mente aberta”, é que ele se torna um objeto tão familiar na performance que todos o habitam com intimidade, não mais um simples cenário mas sim um parque de diversões. Quando o cenógrafo tem que antecipar seu trabalho, ele faz maquetes para ficar bem certo de estar alinhado com o que nós estamos procurando. A chegada da maquete é sempre um exercício interessante de ser observado, pois vemos o diretor fazer todos os tipos de movimentos contorcionistas, tentando no final se imaginar no cenário. Esse exercício pode provar ser bem difícil até mesmo para os melhores visionários. A conferência dos pássaros foi criada no Cloître des Dames em Avignon. No começo dos ensaios, nós tínhamos um cenógrafo que apresentou uma pequena maquete. Peter Brook mostrou que ele não “via” o espaço ou as transformações sugeridas. De onde ele estava em pé olhando para a maquete, ele já estava muito fora dos limites do teatro, ele já estava na rua; eu o avisei disso e eu trouxe a maquete para mais perto dele de forma que ela ficou a alguns centímetros dos seus olhos. Evidentemente, ele nos disse que naquela distância ele não podia ver nada e que queria outra maquete maior. Ele solicitou uma maquete de 1:33, a escala usualmente empregada para cenários, mas eu pensei que seria melhor ter uma escala mais adaptada aos olhos de Peter Brook. Nós estabelecemos que o melhor ponto de vista para ver o cenário seria na quinta fileira da plateia, portanto a sete ou oito metros da ação. Nós então dividimos esta distância pela distância que Peter Brook tinha escolhido naturalmente para visualizar a maquete, que era de aproximadamente quarenta centímetros. Eu construí uma maquete maior na escala de cinco centímetros para um metro, ou 1:20. Uma maquete não serve para tirar medidas mas para mostrar o futuro cenário na teoria, e eu acho que é um ganho manter em mente o olho de cada diretor para descobrir qual escala corresponde a ele. 32 ACÚSTICA Há exatos quarenta e um anos, eu larguei meu emprego como desenhista industrial para me tornar assistente administrativo do Festival du Marais em Paris. Eu colocava cadeiras em igrejas para concertos, pegava artistas em estações, recolhia os ingressos que seriam vendidos e protegia músicos com os guarda sóis trazidos para emergência. Na verdade, meu trabalho era cobrir a falta de pessoal, já que a maioria deles eram voluntários que não apareciam na maior parte do tempo. Eu achava isso tudo excitante. Um dia, como eu sabia desenhar, me pediram para trabalhar por uns dias com o arquiteto teatral Claude Perset já que ele estava muito atrasado em certos desenvolvimentos finais (a partir daí eu trabalhei com ele regularmente por dez anos). Um dia, ele me pediu para numerar os assentos em um dos espaços – 2.500 etiquetas para grudar embaixo de sol! No final da tarde, uma orquestra de cordas chegou para ensaiar no palco. Nas primeiras notas do violino, eu parei meu trabalho, fascinado pela beleza do momento; eu estava sozinho no centro de 2.500 assentos vazios, circundado por paredes cobertas de rádica, no meio de um palacete do século 17. A acústica era extraordinária e a harmonia visual tão balanceada – as cores da madeira, as árvores, a pedra, os músicos vestidos de preto. Aí a cantora começou a cantar as primeiras notas das Bachianas Brasileiras de Villa Lobos; eu tremi porque nunca tinha experimentado nada como aquilo. Foi um momento mágico que eu nunca esqueci. Alguns dias depois, eu tinha que entrar no fosso da orquestra para ver os pés dos músicos porque eles tinham dito que se o balé terminasse quinze minutos mais tarde ou depois da meia-noite, que eles teriam que receber hora-extra. Também, na primeira noite, eles tinham começado a desligar as luzes dos stands de partitura com os pés, ganhando alguns minutos extras com o processo. Foi isso que aconteceu para que no dia seguinte eu estivesse lá olhando para os pés deles antes do início da performance. Como não havia jeito de sair, eu fiquei preso ao lado do regente durante a performance toda. Era um lugar extraordinário onde eu não conseguia para de pensar no que tinha ouvido alguns dias antes no meio do espaço vazio. Para o regente da orquestra, que me perguntou o que eu achei da experiência, eu respondi que ele tinha muita sorte. Ele e então acrescentou que “Sim, o poço da orquestra é metade de um violino e o auditório com o público é a outra metade, e eu estou bem no meio”. Desde então, eu tenho visto e ouvido que a maioria dos espaços lamentavelmente não compartilha a outra metade do violino a que o regente se referia. Quando um ator reclama para um diretor sobre a acústica, a resposta é quase sempre “Sim, lamentavelmente nós sabemos”, e nada é feito para mudar isso. Quando em turnê, eu com frequência tenho que adicionar painéis acima dos atores, chapas de 05 milímetros de compensado com fibra de vidro do lado interno, ou colar painéis feitos de madeira ou outros materiais ou o local do cenário. Eu vi de novo recentemente, um cenário da Opera de Madri que enchia o palco com blocos de poliestireno até uma grande altura! Coitados dos cantores! 33 Quando nós encenamos O Mahabharata em Glascow em uma garagem de bondes em processo de destruição, eu tinha adicionado tiras finas de madeira que ficavam mais pesadas com tiras de fibra de vidro em metade das janelas da garagem para refletir as vozes dos atores e absorver a má reflexão das janelas. Este espaço foi finalmente salvo e a cada vez que voltamos com um novo espetáculo, eu reinstalo estas tiras de madeira que são retiradas para facilitar a manutenção das luzes. Na minha última volta a este espaço, o diretor técnico me disse, “Você vai ficar contente que nós reinstalamos a madeira antes da sua chegada”. Eu salientei que tudo bem, mas que era ruim para as outras companhias, especificamente as que tinham menos experiência, que não teriam a chance de ter uma acústica apropriada. Me entristece pensar que alguns profissionais não deixam os atores aprenderem com seu conhecimento, e isso em oposição a ajudar os que não sabem, fazem coisas apressadas e corridas, como a resposta que um diretor em um teatro do norte da França me deu uma vez: “Seus atores simplesmente têm que falar mais alto!” Um espetáculo precisa de espaço com boa acústica associada com boa visibilidade, já que quem consegue ver melhor também ouve melhor. Isso traz a performance para mais próximo do público e a ação ganha refinamento e riqueza quando nós ouvimos e vemos com mais clareza. A má acústica pode prejudicar severamente uma performance ao empurrar o público embora e dar a impressão de que o espetáculo foi mal produzido. Quando assistimos à um show, nós não gostamos que um dos nossos sentidos nos seja roubado, ao menos que não haja outra alternativa, e neste caso outros sentidos se desenvolvem de maneira notável para compensar o que falta. O teatro nos dá algo para ouvir e ver e nós queremos ouvir e ver. Nós solicitamos que todos os nossos sentidos estejam em sinergia para ter uma boa percepção de cada um. Eu acabei de ler o resultado de um estudo interessante: jovens crianças que passavam mais de uma hora em frente à televisão tinham mais dificuldade de desenhar personagens com braços e pernas no lugar correto. Isso se deve simplesmente ao fato de que para desenvolver seus sentidos, a criança precisa de todas as dimensões juntas e não apenas de imagens achatadas. 34 UM NOVO TEATRO EM LISBOA Se nós olharmos no passado no que muitos ainda chamam de tradição teatral de desenho de palco, nós vemos que os arquitetos eram também com frequência os cenógrafos. Eles eram capazes de transformar tanto o palco como eram de construir um teatro. A separação gradual da arquitetura e cenografia começou recentemente, mas hoje não só é raro encontrar um arquiteto/cenógrafo, mas consultores que devem agora atuar como mediadores entre os trabalhadores do teatro e os arquitetos durante a construção de um teatro. Quando eu trabalho como consultor, eu tento desenvolver alguns novos caminhos com os arquitetos com quem estou colaborando: Fazer um local de apresentação como uma ilha no meio do edifício, isolado acusticamente dos outros espaços através de um corredor ou um pátio ao redor do espaço. Desenvolver uma estrutura que seja leve, para permitir ampliação ou diminuição do espaço de atuação sem que seja necessário destruir o prédio inteiro, nas próximas décadas. Quando possível, criar um espaço de ensaios que seja idêntico ao de atuação para que ambos possam acomodar público. Cada espaço pode alternadamente se tornar de ensaio ou de atuação. Fazer um palco que seja grande o suficiente para permitir espetáculos que exijam um formato de trabalho especial sobre ele, bem como ter acesso direto do público ao palco, completando este arranjo. Um espaço experimental com uma arquibancada retrátil para permitir que o espaço se transforme de espaço de atuação para espaço de ensaio em apenas alguns minutos. Jose Luiz Gomes recentemente me lembrou que quando ele me fez visitar seu futuro teatro em Madri, ele me mostrou um espaço dizendo: “Esta vai ser a sala de ensaios!”, ao que eu repliquei: “Um espaço só de ensaios, não! Outro espaço de atuação que você também vai poder usar para ensaiar.” Isso foi o que ele finalmente fez e está funcionando muito bem. Uma atitude ecológica para com o projeto para economizar energia. Eu acabo de participar da construção de um novo teatro em Lisboa com arquitetos que tinham concordado em modificar seu projeto. Em 1999, no escritório de Joaquin Benite, diretor do Teatro Almada em Lisboa, eu tinha visto as plantas do futuro teatro. Eu achei que o projeto apresentava erros graves que comprometiam o funcionamento apropriado do espaço. Joaquim me propôs discuti-los com os arquitetos. Juntos, nós visitamos os espaços, um por vez, explorando os problemas ligados à acústica, mais precisamente sobre o isolamento das salas uma em relação á outra; a visibilidade; o conforto do público, artistas e técnicos, etc., que eram questões prioritárias para mim. Para mim, o que tinha conduzido as escolhas dos arquitetos tinha sido focado exclusivamente na estética. Portanto, nós tivemos que mudar a proposta de praticamente todos os espaços. 35 Este teatro tinha que poder acomodar espetáculos tradicionais, ópera e companhias experimentais, todas que requerem tipos particulares de espaços. Nós decidimos construir um auditório fixo e um palco com boa visibilidade e acústica que poderiam acomodar em boas condições, espetáculos que aconteciam em relação frontal, em mais de 90% dos casos. Para espetáculos que precisavam de um formato diferente, o espaço do auditório poderia ser transformado em espaço de encenação- o público tendo acesso direto a ela- concebido dentro da mesma estética do auditório. Isso veio de uma ideia recorrente de Peter Brook, que nós já provamos várias vezes ter um potencial benéfico; o palco e o auditório formam um só espaço, uma só estética, uma só acústica. Para dar uma maior sensação de intimidade, a sala quadrada fica mais larga no meio e as filas laterais são empurradas para trás das paredes da sala. Estas paredes são painéis largos feitos de madeira vermelha até o teto, e com espaçamento de um metro. Nós separamos completamente a sala principal, as salas de ensaio e a sala experimental em dois prédios distintos conectados pelos camarins e um jardim que isolava acusticamente o espaço entre eles. Na verdade, eu acho que a barreira acústica mais barata e melhor é a construção de dois prédios separados, sempre que possível; o espaço experimental está localizado sobre o espaço de ensaio no nível da entrada do público, e o espaço de ensaio conecta-se com o grande palco. Este esquema ajuda a não ter que enfrentar o que Peter Brook encontrou durante as apresentações de Le Phénomène no Schaumburg de Berlim. O horário do espetáculo foi determinado em função da poluição sonora que vinha dos outros espaços! ECOLOGIA Eu acho que os teatros, especialmente os novos teatros, devem absolutamente conservar energia. Algumas soluções já existem e novas estarão disponíveis logo: Economize energia através do uso de tipos diferentes de lâmpada que consumam menos energia onde for possível. O que quer que aconteça, o desaparecimento da lâmpada incandescente está planejado: na Europa – em 2008 para ruas e escritórios e em 2009 para casas particulares; 2012 na Califórnia e 2010 na Austrália, etc. Quando vai ser com a luz de teatro? Inventadas em 1878 por J.W.Swan, as lâmpadas incandescentes transformam apenas 5% da energia que consomem e tem um período de vida muito curto de aproximadamente 1.200 horas (em comparação, a lâmpada fluorescente tem desempenho duas ou três vezes maior- 60/80lm/W com um período de vida de 6.000 a 15.00 horas ). Os outros 95% da energia consumida são perdidos em calor, portanto, 100 aparelhos de iluminação de 1.000W equivalem a 100.000 watts, liberando 95% da sua energia, que é um aquecedor significativo, e quando isto é acrescentado ao calor emitido pelo público, que libera 100W por pessoa, também exige refrigeração considerável. 36 Deixe entrar a luz natural, sempre que possível, incluindo os espaços de encenação. Recicle água (um exemplo disso é o National Theater de Londres). Use energia solar (fotovoltaica ou térmica) dos telhados e janelas. Manufature eletricidade a partir dos telhados ou das janelas. Use amplas alturas o máximo possível para criar circulação natural de ar. Isole os espaços o máximo possível para ficar protegido do frio e do calor e evitar aquecimento excessivo. Estes pequenos procedimentos são apenas lembretes de soluções que já estão em uso aqui e acolá, mas novas técnicas estão sendo desenvolvidas muito rapidamente. JÁ NO SÉCULO 18 Aqui estão algumas considerações e conselhos de arquitetos em uma época onde a aventura arquitetônica estava se desenvolvendo sob as suas primeiras formas mais importantes, e onde vemos que alguns dos conselhos deles ainda são relevantes. De M. de le Chevalier de Chaumont, que aparece em um pequeno caderno depois do primeiro incêndio no Ópera de Paris em 1763: “Nós podemos verdadeiramente atribuir a falta de sucesso dos espaços de encenação contemporâneos à ignorância da acústica e de princípios óticos por parte daqueles que estão encarregados de desenhá-los”. Le Chevalier de Jancourt em 1776: “Como as apresentações em tempos antigos eram feitas em ocasiões celebrativas e triunfais, elas exigiam teatros enormes e círculos abertos, mas similarmente aos teatros modernos, suas plateias são medíocres, seus teatros pequenos e os edifícios são mesquinhos, com portas que parecem portas de uma prisão, na frente das quais nós colocamos guardas. Colocado de maneira simplista, nossos teatros são tão mal construídos, tão mal localizados, tão negligenciados que fica meio evidente que o governo os protege menos do que os tolera”. Por volta de 1767 por M. le Comte Algarotti: “Apesar de estarmos conscientes das faltas dos nossos espaços teatrais há bastante tempo, foi apenas há cerca de vinte e cinco anos que nós nos comprometemos a fazer algo sobre eles”. M. le Comte Algarotti foi um dos primeiros a falar sobre isso- ele queria que os arquitetos que estavam envolvidos na construção soubessem que eles estavam enganados quanto ao uso destes edifícios e seus propósitos. Um trecho da Essai sur l’Architecture Théâtrale escrito pelo arquiteto Patte em 1782: “A proposta do proscênio é preparar para a abertura da apresentação. Em muitos espaços teatrais, como o de Parme e Manheim, o teatro está separado simplesmente por uma parede para que quando o ator falar, ele se encontre frente a frente com a primeira fila, e isso, para quem não tema intenção de ficar o tempo todo na beira do palco, corre o risco de que sua voz se perca na moldura do cenário. Nós 37 remediamos esta falta, em teatros de Nápoles, Milão e Roma, trazendo a borda do palco mais para a frente na sala, mas isso faz com que o ator párea estar muito isolado no meio dos espectadores e falta ilusão teatral. “Foi para evitar estes dois inconvenientes que nós criamos o arco do proscênio e o palco avançado na plateia que é um espaço que combina espaço e palco”. “Apesar de o teatro e os atores terem uma relação com a organização do espaço de apresentação apenas com relação à sua abertura, nós, no entanto, acreditamos que devemos expor o que pensamos com relação à sua distribuição. A área do palco depende mais ou menos do tipo de apresentação que se deseja fazer nele. Um espaço de ópera deve obviamente ser maior do que o da comédia. Sua distribuição está mais nas mãos do contrarregra ou do pintor/cenógrafo do que nas do arquiteto”. “A arte em geral está em coordenar todas as entradas e saídas do palco para que os atores nunca parem de ter uma relação com o prédio e a arquitetura que os rodeiam”. “Nós acreditamos que seremos bem sucedidos graças à iluminação de rua à gás em nos livramos da fila de lanternas colocadas na frente do palco para iluminá-lo. Nós sabemos o quanto elas são inconvenientes; como incomodam o olho do espectador; como cegam os atores, dependendo da posição deles; que elas enchem a sala de fumaça infinitamente... e que elas provocam uma espécie de neblina entre palco e a plateia”. “Seria sair da nossa área de especialização lidar apenas com a distribuição geral do espaço, porque não é o que os arquitetos entendam o mínimo. Nós sabemos que precisamos de um grande corredor de entrada antes do espaço que conduza às escadas dos camarins, um foyer público, algumas entradas e muitas saídas notando que chegamos para o espetáculo um atrás do outro, mas que todos querem sair ao mesmo tempo; que os camarins para os atores se vestirem são necessários, junto com largos estúdios, uma sala para guardar e pintar os cenários, um café, uma sala de guarda, uma sala para concierge, escritórios, uma sala de montagem para os diretores; e que não se deve esquecer de distribuir caixas de água em abundância para que se possa parar o avanço de um incêndio em tal caso”. 38 FOTOS 39 1-Peter Brook e Jean-Guy Lecat 2- Improvisações da Companhia de Peter Brook em Veneza 3- Cartoucherie de Vincennes em Paris 40 4- O Teatro Oficina em São Paulo 5- O La Mama em Nova York 6- O Bouffes du Nord – as paredes em 1976 41 7- O Teatro Bouffes du Nord. O cenário de Don Juan, de Molière, em 1983. 8- A plateia do Bouffes du Nord 9- O Teatro Bouffes du Nord- transformação para Dias Felizes, de Beckett 42 10- O Teatro Bouffes du Nord- O Mahabarata 11-Ubu aux Bouffes em um circo 12- Ubu aux Bouffes no Teatro Bouffes du Nord 43 13-A conferência dos pássaros, em Lisboa 14- Titus Andronicus, de Shakespeare, em Dublin 15-Ubu aux Bouffes em Caracas 44 16-A tragédia de Carmen, no Teatro Argentina, construído em 1730 em Roma. 17- A tragédia de Carmen, em Roma, depois das transformações no Teatro Argentina 18- O Teatro Majestic – a primeira visita 45 19- O Teatro Majestic / Harvey, da Brooklyn Academy of Music, depois das transformações para O Mahabharata 20- O Teatro Majestic / Harvey, da BAM, depois das transformações para O Mahabharata 21- A Ostre Gasvaerk em Copenhague 46 22- A tragédia de Carmen em Copenhague, depois das transformações na Ostre Gasvaerk Pode-se ver o teto acústico. 23-O Mahabharata em Avignon 24- O Mahabharata em Perth 47 25- Cenário de Jean-Guy Lecat para A Tempestade, de Shakespeare 26- Cenário de Jean-Guy Lecat para o balé Himalaya. O cenário é de papel. 27- O Mahabharata em Barcelona- novas paredes vermelhas 48 28-O Teatro de Almada, em Lisboa 29- O Teatro de Almada, em Lisboa 49