Leia a decisão do STJ

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Leia a decisão do STJ
Superior Tribunal de Justiça
RE nos EDcl no AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 739.762 - PR
(2015/0163808-9)
RELATORA
RECORRENTE
ADVOGADOS
RECORRIDO
PROCURADOR
RECORRIDO
RECORRIDO
ADVOGADOS
RECORRIDO
ADVOGADO
INTERES.
: MINISTRA LAURITA VAZ
: LUIZ FERNANDO RIBAS CARLI FILHO
: RENÊ ARIEL DOTTI
TICIANO FIGUEIREDO DE OLIVEIRA
PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO
FERNANDA REIS CARVALHO E OUTRO(S)
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
: FRANCISCO RODRIGUES DOS SANTOS SOBRINHO
: GILMAR YARED - ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO
: CHRISTIANE DE SOUZA YARED - ASSISTENTE DE
ACUSAÇÃO
: ELIAS MATTAR ASSAD E OUTRO(S)
VICENTE BOMFIM
: VERA LÚCIA DE CARVALHO ALMEIDA - ASSISTENTE DE
ACUSAÇÃO
: JUAREZ XAVIER KUSTER E OUTRO(S)
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de recurso extraordinário interposto por LUIZ FERNANDO RIBAS
CARLI FILHO, com fundamento no art. 102, inciso III, alínea a, da Constituição da
República, em face de acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo
Ministro Sebastião Reis Júnior e ementado nos seguintes termos:
"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
DIREITO PENAL E LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. ART. 121 DO CP.
ART. 307 DA LEI N. 9.503/1997. HOMICÍDIO DOLOSO NA CONDUÇÃO
DE VEÍCULO AUTOMOTOR E CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
COM CARTEIRA DE HABILITAÇÃO SUSPENSA. DECISÃO DE
PRONÚNCIA.
DOLO
EVENTUAL.
INDÍCIOS
SUFICIENTES.
DESCLASSIFICAÇÃO
PARA
MODALIDADE
CULPOSA.
INADMISSIBILIDADE. ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA DE OMISSÃO.
SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA. SÚMULA 7/STJ. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. STF.
1. A violação de preceitos, dispositivos ou princípios constitucionais
revela-se quaestio afeta à competência do Supremo Tribunal Federal,
provocado pela via do extraordinário; motivo pelo qual não se pode conhecer
do recurso especial nesse aspecto, em função do disposto no art. 105, III, da
Constituição Federal.
2. O fato de a matéria ter sido reconhecida como de repercussão
geral pelo Supremo Tribunal Federal não impede o julgamento do recurso
especial, principalmente quando a decisão agravada tiver se limitado a
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apreciar óbices processuais.
3. Pode o Ministério Público, titular da ação penal pública
incondicionada, proceder a investigações de cunho penal com o fim de colher
elementos de prova para eventual oferecimento de denúncia (arts. 129, VI e
XIII, da CF e 8º, II e IV, § 2º, da LC n. 75/1993).
4. A decisão que desclassifica o delito doloso contra a vida,
modificando a competência do juízo natural do Júri, somente deverá ser
proferida em caso certeza jurídica - o que não ocorreu no caso dos autos -,
sob pena de ofensa à soberania dos veredictos e à competência constitucional
do júri para apreciar os crimes dolosos contra a vida.
5. Tratando-se de crime contra a vida, presentes indícios da autoria e
materialidade, deve o acusado ser pronunciado, em homenagem ao princípio
do in dubio pro societate, cabendo ao Tribunal do Júri respectivo proferir o
juízo de mérito aplicável ao caso. Precedente recente do Supremo Tribunal
Federal.
6. Deve o agravante ser pronunciado - em razão da sua embriaguez,
verificada por diversas testemunhas, e da alta velocidade de seu automóvel no
momento dos fatos, comprovada em laudo pericial -, em atenção ao princípio
do in dubio pro societate, cabendo ao Tribunal do Júri respectivo proferir o
juízo de mérito aplicável ao caso.
7. A aferição da existência ou da ausência do elemento subjetivo da
infração - para a desclassificação do delito de homicídio qualificado para
duplo homicídio culposo na direção de veículo automotor, art. 302 da Lei n.
9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) - demanda o revolvimento da
prova produzida, o que não é possível em recurso especial, em razão do óbice
contido na Súmula 7/STJ.
8. A incidência da Lei n. 12.971/2014 faz-se incabível, sobretudo
porque o agravante desconsidera que está sendo acusado por homicídio com
dolo eventual, e não mais por infração ao art. 306 da Lei n. 9.503/1997 (CTB),
este, sim, exige exame de dosagem alcoólica para configuração do tipo.
9. O acórdão a quo ratificou a pronúncia em desfavor do agravante à
luz do exame do conjunto de circunstâncias dispostas nos autos (laudo
atestando excesso de velocidade e relatos de testemunhas sobre o estado de
embriaguez), que, somadas, configuram elementos suficientes para a remessa
ao Tribunal do Júri para que o Conselho de Sentença dirima a controvérsia
sobre o elemento subjetivo dos homicídios imputados, bem assim quanto à
configuração do crime conexo.
10. A autoridade constituída nomeou, de forma fundamentada, pessoa
para figurar como perito ad hoc, inexistindo nos autos notícias de que não
seria idônea, como determinado pela lei, o que impede o reconhecimento do
vício aventado no inconformismo.
11. O princípio da taxatividade, em matéria penal, não autoriza o
exegeta a sacrificar primárias regras de hermenêutica, como, por exemplo, a
que considera inválida uma interpretação que conduza ao absurdo, quando é
perfeitamente possível se chegar a conclusão razoável.
12. Desnecessária a decretação de nulidade da denúncia, da
pronúncia e do acórdão a quo e seu consequente desentranhamento, quando a
simples supressão das referências ao laudo já atende plenamente às
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finalidades inerentes do reconhecimento da invalidade da prova.
13. A instância a quo limitou-se a demonstrar, de forma comedida, a
justa causa para submeter o ora agravante a julgamento pelo Tribunal do
Júri, sem incorrer no vício do excesso de linguagem.
14. O Tribunal de origem empregou fundamentação adequada e
suficiente para dirimir a controvérsia, portanto é de se afastar a alegada
violação do art. 619 do Código de Processo Penal.
15. O recurso não pode ser provido, outrossim, sob o fundamento da
alínea c, porque não realizou a parte o necessário cotejo analítico. Em outros
termos, in casu, não foram demonstradas suficientemente as circunstâncias
identificadoras da divergência com o caso confrontado, conforme dispõem os
arts. 541 do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
16. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões
reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado
na decisão agravada.
17. Agravo regimental improvido. " (fls. 5446/5448)
Os subsequentes embargos de declaração foram rejeitados mediante o acórdão
de fls. 5530/5531, considerado publicado no DJe em 12/04/2016.
Nas razões do apelo extremo, a parte Recorrente alega, preliminarmente, a
existência de repercussão geral da matéria. No mérito, sustenta a ocorrência de contrariedade
ao disposto no art. 5.º, incisos XXXV, XL, LIV, LV e LVI; e no art. 93, inciso IX, da
Constituição Federal, por negativa de prestação jurisdicional e pela não aplicação da lei penal
mais benéfica ao acusado, tendo em vista que não foram apreciadas as alegações defensivas
referentes à aplicabilidade da Lei n.º 12.971/2014, bem assim porque não foi declarada a
nulidade e nem determinado o desentranhamento das peças processuais que mencionam a
prova obtida por meios ilícitos (laudo de exame de sangue), de modo que a referida prova
ainda poderá influir no julgamento dos jurados, ocasionando eventual ofensa ao princípio
constitucional da plenitude de defesa.
As contrarrazões foram acostadas às fls. 5601/5616 e 5621/5624.
É o relatório.
Passo a decidir.
A propósito da alegada ausência de fundamentação do acórdão recorrido – arts.
5.º, inciso XXXV, e 93, inciso IX, da Constituição da República –, anoto que o Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem no AI 791.292/PE-RG, Relator
Ministro GILMAR MENDES, conferiu repercussão geral à matéria, nos seguintes termos:
"Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso
extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°).
2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LV do art. 5º e ao inciso IX
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do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência.
3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou
decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar,
contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem
que sejam corretos os fundamentos da decisão .
4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral,
reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e
autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral."
(grifo nosso) (QO no AI 791.292/PE-RG, Rel. Ministro GILMAR MENDES,
DJe de 13/8/2010; sem grifos no original.)
Consoante a jurisprudência firmada pelo Pretório Excelso, o atendimento ao
comando normativo contido no inciso IX do art. 93 da Carta da República exige que as
decisões judiciais estejam alicerçadas, ainda que de maneira sucinta, em fundamentação apta
à solução da controvérsia, embora a consecução de tal desiderato não imponha ao órgão
julgador o exame minudente de todas as alegações veiculadas pelas partes.
Com efeito, é condição inarredável à análise da suposta afronta aos citados
dispositivos constitucionais verificar se o aresto atacado contém motivação bastante à
resolução da controvérsia posta ao crivo do Poder Judiciário; ou se, à míngua da satisfação
desse requisito, restou caracterizada, de fato, afronta ao princípio constitucional da
inafastabilidade de jurisdição.
Nesse sentido, os seguintes precedentes da Suprema Corte:
"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO
CRIMINAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL SOBRE OS
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSOS DE CORTES
DIVERSAS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XXXV, LIV, LV E 93, IX, DA
CONSTITUIÇÃO.
MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL.
OFENSA
INDIRETA. CONTRARIEDADE AO ART. 93, IX, DA LEI FUNDAMENTAL.
ACÓRDÃO
SUFICIENTEMENTE
FUNDAMENTADO.
AGRAVO
IMPROVIDO.
[...]
IV – A exigência do art. 93, IX, da Constituição, não impõe seja a
decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador
informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento.
V – Agravo regimental improvido. " (AI 819.102 AgR/RS, Rel.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJe 11/4/2011; sem
grifos no original.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE. OFENSA REFLEXA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 636 DO
STF. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. OFENSA REFLEXA.
ARGUIÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REPERCUSSÃO
GERAL RECONHECIDA PARA REAFIRMAR A JURISPRUDÊNCIA DA
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CORTE. COMPETÊNCIA
PARA JULGAMENTO
DE RECURSOS
INTERPOSTOS NO BOJO DE AÇÕES JUDICIAIS CONTRA ATOS
DISCIPLINARES MILITARES. A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
ESTADUAL DEVE SER FIXADA NO ÂMBITO DOS ESTADOS.
INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. FALTA
RESIDUAL. SÚMULA 18 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
3. A matéria relativa à nulidade por negativa de prestação
jurisdicional por ausência de fundamentação teve repercussão geral
reconhecida pelo Plenário, no julgamento do AI 791.292 QO-RG, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJe de 12/08/2010. Naquela assentada, reafirmou-se a
jurisprudência desta Suprema Corte, no sentido de que o art. 93, IX, da
Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados,
ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado
de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os
fundamentos da decisão .
[...]
9. Agravo regimental desprovido. " (ARE 664.930, AgR, Rel. Ministro
LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 09/11/2012; sem grifos no original.)
Importante consignar também que a questão constitucional em comento está
adstrita à aferição da existência, ou não, de fundamentação suficiente para lastrear o acórdão
recorrido. Por conseguinte, a verificação do acerto ou desacerto da motivação adotada no
provimento judicial atacado extrapola os limites da cognição inerente ao juízo de
admissibilidade exercido por esta Vice-Presidência.
Fixadas essas premissas, passo ao exame de admissibilidade do recurso
extraordinário propriamente dito. Pois bem, o acórdão recorrido, na parte que interessa,
possui os seguintes fundamentos:
"(...)
Por seu turno, desarrazoada a alegação que o acórdão a quo violou o
art. 619 do Código de Processo Penal, porque, segundo o agravante, o
Tribunal de origem não se pronunciou sobre a possibilidade de aplicação de lei
nova mais favorável (fl. 5.402).
Em outros termos, ao compulsar os autos, observo que a tese de
aplicação de lei nova mais favorável nem sequer foi ventilada oportunamente
pelo ora agravante na origem; consequentemente, o Tribunal de Justiça do
Paraná não pode ser omisso em relação a controvérsia que não tomou
conhecimento. Assim, aplicável, in casu, a Súmula 211/STJ, em razão da
ausência de prequestionamento.
Ademais, mesmo que se analisasse a pretensão da incidência da Lei
n. 12.971/2014, esta seria incabível, sobretudo porque o agravante
desconsidera que está sendo acusado por homicídio com dolo eventual, e não
mais por infração ao art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro , este, sim,
exige exame de dosagem alcoólica para configuração do tipo.
Ressalto que o acórdão a quo ratificou a pronúncia em desfavor do
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agravante à luz do exame do conjunto de circunstâncias dispostas nos autos –
laudo atestando excesso de velocidade e relatos de testemunhas sobre o estado
de embriaguez do ora agravante –, que, somadas, configuram elementos
suficientes para a remessa ao Tribunal do Júri para que o Conselho de
Sentença dirima a controvérsia sobre o elemento subjetivo dos homicídios
imputados, bem assim quanto à configuração do crime conexo (art. 78, I, do
CPP) – fl. 4.473.
(...)
Para o agravante, o acórdão estadual negou vigência ao art. 157, §
1º, do Código de Processo Penal, porquanto não determinou que as menções
nos autos à prova ilícita fossem suprimidas (fl. 5.410). No entanto, nesse
aspecto, não merece provimento o recurso.
Ao compulsar os autos, denota-se que foram suprimidas as menções à
prova ilícita (laudo de exame de sangue). Impende assinalar que a
mencionada nulidade não alcançou a essência da fundamentação da sentença
de pronúncia, abrangeu tão somente uma referência ao exame de alcoolemia,
cujo procedimento de coleta foi considerado ilícito pelo Tribunal a quo (fls.
4.472/4.496).
Oportuna a transcrição do voto condutor do acórdão estadual sobre
a exclusão do laudo pericial (fl. 4.565 – grifo nosso):
[...] Nenhuma lacuna haveria de se preencher nesse ponto,
tampouco acerca do desentranhamento das perícias de f. 233 e 278
- providência determinada pelo Dr. Juiz (f. 1167) - nem com
relação à enunciada embriaguez do Acusado na ocasião do episódio,
constatada por sérios e graves indícios, certo, ainda, que o exame de
sangue ou o etilômetro - meios de prova considerados idôneos à
tipicidade objetiva do crime previsto no art. 306 do Código de
Trânsito Brasileiro (redação da Lei n° 11.705/2008) - não são exigidos
para a admissão da acusação pelos crimes dolosos contra a vida. [...]
Por via de consequência, desnecessária a decretação de nulidade da
denúncia, da pronúncia e do acórdão e seu consequente desentranhamento,
quando a simples supressão das referências ao laudo já atendia plenamente às
finalidades inerentes do reconhecimento da invalidade da prova.
Nessa perspectiva , repita-se: faz-se suficiente, a meu ver, a exclusão
do resultado do laudo pericial relativo à dosagem alcoólica ; logo, consoante
considerações do acórdão a quo, mostra-se suficiente e adequada a supressão
na denúncia, na pronúncia e no acórdão embargado das menções a esse laudo
pericial e ao seu resultado, sem necessidade de anulação ab initio do feito,
medida extrema que importaria em afronta aos princípios da razoabilidade e da
economia processual (fls. 4.567 e 4.568).
Adequada a transcrição de mais um trecho do voto condutor do
acórdão a quo, o qual ratificou o afastamento do aludido exame da pronúncia
(fls. 4.480 e 4.481 – grifo nosso):
[...] Conquanto o exame de dosagem alcóolica tenha sido
autorizado judicialmente, a coleta do material hematológico ocorreu
quando o réu se encontrava hospitalizado e inconsciente, incapaz de
se autodeterminar.
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Essa circunstância desaconselha a reinclusão da perícia
nos autos, máxime porque 'o entendimento adotado pelo Excelso
Pretório, e encampado pela doutrina, reconhece que o indivíduo não
pode ser compelido a colaborar com os testes do 'bafômetro' ou do
exame de sangue, em respeito ao princípio segundo o qual ninguém é
obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere). Em todas
essas situações prevaleceu, para o STF, o direito fundamental sobre a
necessidade da persecução estatal '.
A respeito do alcance da garantia constitucional contra a
autoincriminação (art. 5°-LXIII), está assentado pela SUPREMA
CORTE: 'aquele contra quem foi instaurada persecução penal tem,
dentre outras prerrogativas básicas, o direito de permanecer em
silêncio..., o direito de não produzir elementos de incriminação
contra si próprio, o direito de não ser compelido a apresentar provas
que lhe comprometam a defesa nem constrangido a participar, ativa
ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam
afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento
delituoso... e o fornecimento de padrões gráficos... ou de padrões
vocais... para efeito de perícia criminal '.
Assim é que, com esteio no princípio nemo tenetur se ipsum
accusare , nossos TRIBUNAIS SUPERIORES têm conferido extenso
âmbito de proteção àqueles que se expõem a atos de persecução penal.
Na doutrina, observa MARIA ELIZABETH QUEIJO que o
'nemo tenetur se detegere ' não se esgota no direito ao silêncio.
Compreende direito mais amplo, que é o de não se autoincriminar.
MARCOS ZILLI, de sua vez, alude a que 'não pode o acusado ser
compelido a prestar colaboração à formação do material probatório,
até mesmo porque há muito foi superada a postura de considerá-lo
como simples objeto de prova '.
Diante, pois, da amplitude de que se reveste a garantia
constitucional em pauta, a autorização judicial para realização da
perícia não afastaria a ilicitude dessa prova, nada alterando essa
conclusão a alegação de que a amostra sanguínea já se encontrava
armazenada em instituição hospitalar, porquanto extraída do
Acusado quando não dispunha ele de condições de exercer livremente - o direito de não produzir elementos de incriminação
contra si. [...]
Desse modo, contravindo os argumentos recursais, não foram
violados in casu nem a soberania dos veredictos, assegurada à instituição do
júri, firmada no art. 472, parágrafo único, do Código de Processo Penal, nem
o art. 155, caput, do Código de Processo Penal, ao consagrar o princípio do
livre convencimento motivado.
(...)" (fls. 5459/5470; grifos no original)
Na hipótese dos autos, o exame percuciente das razões de decidir expendidas
no aresto atacado revela a adoção de fundamentação satisfatória ao deslinde da causa, pois a
Turma julgadora, como se vê da transcrição acima, manifestou-se expressamente sobre as
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teses defensivas supostamente não apreciadas – aplicação de lei nova mais favorável e
supressão das menções à prova considerada ilícita –, decidindo a matéria com base na
legislação, doutrina e jurisprudência pátrias aplicáveis ao caso.
Assim, a prolação do citado provimento judicial, ao contrário do que pretende
fazer crer a parte Recorrente, observou de forma escorreita, conforme preconizado pelo
Pretório Excelso, a entrega da devida prestação jurisdicional, não restando configurada, por
conseguinte, ofensa à Constituição Federal, nos termos em que veiculada nas razões recursais.
No tocante à alegada violação ao art. 5.º, incisos LIV e LV, da Constituição da
República, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 748.371/MT-RG, Rel. Ministro
GILMAR MENDES, reconheceu a inexistência de repercussão geral no tema referente à
violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos
limites da coisa julgada, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da
adequada aplicação de normas infraconstitucionais, como ocorre na espécie.
Confira-se a ementa do aludido julgado:
"Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à
suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites
da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente
de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais.
Rejeição da repercussão geral. " (ARE 748.371/MT-RG, Rel. Ministro
GILMAR MENDES, julgado em 06/06/2013, DJe 01/08/2013.)
Nessa linha de entendimento, os fundamentos do aresto atacado não são
passíveis de revisão pela Suprema Corte, por ausência de repercussão geral sobre a matéria.
No mais, as questões jurídicas suscitadas nas razões do apelo extremo foram
resolvidas pelo Tribunal de origem no julgamento do recurso em sentido estrito. Assim, a
matéria encontra-se prejudicada pela preclusão, tendo em vista que a parte Recorrente já
combateu o respectivo acórdão, no momento oportuno, por meio do recurso extraordinário
interposto às fls. 4645/4706 e ratificado às fls. 4883/4906.
Sobre o tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no
sentido de que a matéria constitucional impugnável via recurso extraordinário deve surgir,
originariamente, no julgamento do recurso interposto perante o Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, confira-se:
"DIREITO TRIBUTÁRIO
E PROCESSUAL
CIVIL. ICMS.
LEGITIMIDADE ATIVA. CONTROVÉRSIA SURGIDA NO JULGAMENTO
DA APELAÇÃO. APELO EXTREMO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECLUSÃO DAS QUESTÕES
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CONSTITUCIONAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 11.3.2013.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de não admitir recurso
extraordinário em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, quando a
questão constitucional haja surgido no julgamento do recurso do segundo
grau. Pretendesse impugnar a matéria perante o Supremo Tribunal Federal,
deveria o agravante interpor, juntamente com o recurso especial, recurso
extraordinário contra o acórdão proferido em sede de apelação. As razões do
agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que
lastrearam a decisão agravada, a inviabilizar o trânsito do recurso
extraordinário. Agravo regimental conhecido e não provido. " (RE 753.610
AgR, Rel. Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 05/08/2014,
DJe-163 de 25/08/2014.)
Ante o exposto:
a) no tocante à pretensa contrariedade aos arts. 5.º, inciso XXXV, e 93, inciso
IX, da Constituição da República, NEGO SEGUIMENTO ao recurso extraordinário,
julgando-o prejudicado, com amparo no art. 1.030, inciso I, alínea a, segunda parte, do
Código de Processo Civil de 2015;
b) em relação à suposta violação ao art. 5.º, incisos LIV e LV, da Carta Magna,
NEGO SEGUIMENTO ao recurso extraordinário, indeferindo-o liminarmente, com fulcro
no art. 1.030, inciso I, alínea a, primeira parte, do Código de Processo Civil de 2015; e
c) quanto às demais alegações, NÃO ADMITO o recurso extraordinário.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 12 de agosto de 2016.
MINISTRA LAURITA VAZ
Vice-Presidente
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