A problemática da Mutilação Genital Feminina
Transcrição
A problemática da Mutilação Genital Feminina
CENTRO UNIVERSITÁRIO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA – IESB CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS KADIJA KALASSA SILVA LUCENA DIREITOS HUMANOS A Problemática da Mutilação Genital Feminina Brasília - DF 2016 KADIJA KALASSA SILVA LUCENA DIREITOS HUMANOS A Problemática da Mutilação Genital Feminina Trabalho de Conclusão apresentado ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. MSc. Fabrício Lopes Paula Brasília – DF 2016 KADIJA KALASSA SILVA LUCENA - 1221090019 – DIREITOS HUMANOS A Problemática da Mutilação Genital Feminina Trabalho de Conclusão apresentado ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais. Brasília, 16 de maio de 2016. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Professor Orientador MSc. Fabrício Lopes Paula (Orientador) ________________________________________ Prof. MSc. (Membro) ________________________________________ Prof. MSc. (Membro) DEDICATÓRIA A Deus por me conceder uma família maravilhosa, que sempre me apoia e me incentiva nas escolhas da vida. Aos meus pais, que estão sempre comigo, mesmo distante, com um exemplo de força, coragem e determinação. Ao meu namorado, que teve muito paciência comigo em épocas de provas, aturando meus estresses. E ao meu orientador, que acreditou na minha capacidade de projetar esse trabalho de conclusão de curso, sempre sendo muito crítico e sábio em suas palavras. AGRADECIMENTOS Quero agradecer, em primeiro lugar, а Deus, pela força е coragem durante toda esta longa caminhada. Aos professores е coordenador do curso, pelo convívio, pelo apoio, pela compreensão е pela amizade. Ao professor Fabrício Lopes, por seus ensinamentos, paciência е confiança ao longo das supervisões das minhas atividades para a conclusão desse trabalho. É um prazer tê-lo na banca examinadora. À minha família, por sua capacidade de acreditar em mim е investir em mim. Mãe, seu cuidado е dedicação foi que deram, em alguns momentos, а esperança para seguir. Pai, seu incentivo significou segurança е certeza de que não estava sozinha nessa caminhada. A todos aqueles que de alguma forma estiveram е estão próximos de mim, fazendo esta vida valer cada vez mais а pena. EPÍGRAFE “Never let the fear of striking out keep you from playing the game.” Hilary Duff RESUMO A saúde, considerada um direito inerente do ser humano, busca atender as exigências físicas e psicológicas do homem, com o intuito de sobrevivência e de seu bem-estar. Dessa forma, a violação dos direitos humanos, acarretada pela violência, torturas e agressões, é um grande desafio nos dias atuais. Buscando atender as necessidades das mulheres que sofrem violência, levando em consideração a importância de se enfrentar o preconceito e estigmas da exclusão das mulheres, o presente Trabalho de Conclusão de Curso busca avaliar as agressões sofridas pelas mulheres em tribos e comunidades orientais em que a prática da Mutilação Genital Feminina é corriqueira. O objetivo geral da pesquisa visa identificar como é realizado esse procedimento, porque é realizado e como as mulheres que são submetidas a esse processo se sentem perante a imposição dos homens, com o foco nos direitos humanos, direitos das mulheres, o direito a saúde e o empoderamento das mulheres. A pesquisa também abordou os direitos das mulheres no Oriente Médio, principalmente as mulheres mulçumanas. Para a obtenção dos resultados, utilizouse o método de pesquisa qualitativa, por meio de pesquisas bibliográficas, englobando a pesquisa de livros e sites, relacionados aos direitos das mulheres, mutilação genital feminina e tratados internacionais sobre saúde. Espera-se que este trabalho venha contribuir, mesmo de forma singela, para o entendimento das motivações da prática da mutilação genital feminina, reforçando a importância de se incluir as mulheres no campo social, dando a elas o empoderamento que necessitam para governarem suas vidas. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Mutilação Genital Feminina. Saúde. Empoderamento. RESUMEN La salud es considerada como un derecho inherente al ser humano, busca satisfacer las necesidades físicas y psicológicas del hombre con el fin de supervivencia y bienestar. Por lo tanto, la violación de los derechos humanos provocada por la violencia, tortura y agresión, últimamente, es un reto importante. Buscando satisfacer las necesidades de las mujeres que sufren violencia, teniendo en cuenta la importancia de la lucha contra los prejuicios y el estigma de la exclusión de las mujeres, este proyecto, es la evaluación de las agresiones que sufren las mujeres en las tribus orientales donde la práctica de La Mutilación Genital Femenina es un lugar común. El objetivo general de este trabajo es identificar cómo se realiza este procedimiento, porque es realizado y cómo las mujeres que son objeto de este proceso se sienten con la imposición de los hombres, con un enfoque en los derechos humanos, derechos de la mujer, el derecho a la salud y potenciación de la mujer. El estudio también se dirigió a los derechos de las mujeres en el Oriente Medio, en especial las mujeres musulmanas. Para obtener los resultados, se utilizó el método de investigación cualitativa, a través de la investigación bibliográfica, que abarca los libros de investigación y sitios web relacionados con los derechos de las mujeres, la mutilación genital femenina y los tratados internacionales sobre la salud. Se espera que este trabajo contribuye, de alguna manera que se pueda entender la práctica de las motivaciones de la mutilación genital de la mujer, lo que refuerza la importancia de incluir a las mujeres en el ámbito social, dándoles la autonomía que necesitan para gobernar sus vidas. PALABRAS CLAVE: Derechos Humanos, La Mutilación Genital Femenina, Salud, Potenciación. ABSTRACT Our health condition, which is considered an inherent right of human being, looks forward to attend to the physical and psychological needs of the humanity, focusing on its survival and welfare. With that said, the violation of human’s rights, caused by violence, torture and aggressions, becomes a huge challenge in nowadays. In order to attend basic needs of women under violence situation, considering how important is to fight the prejudice and social stigma of women exclusion, this essay aims to assess the aggressions against women in eastern communities, where female genital mutilation is very common. The general objective is to identify how these acts proceed, why it happens and how women that have to go through this process feel about men enforcement, focusing in human rights, women rights, the right to be healthy and the empowerment of women. This research also featured Middle East women rights, especially Muslim women. To get to these results, we applied a qualitative method, using bibliographical research as source, going from books to website texts related to our main goal. We hope that this essay contributes, even as a simple vehicle of information, to the understanding about female genital mutilation process and motivations, enhancing how important is to integrate women in society and give them equality when it comes to the freedom of choice to conduce their lives in their own way. KEY WORDS: Empowerment. Human Rights, Female Genital Mutilation, Health, LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa dos países onde a mutilação genital feminina é praticada. Figura 2: Navalha utilizada em uma tribo, no Quênia, em um ritual de Mutilação Genital Feminina. Figura 3: Tipos de Mutilação Genital Feminina. LISTA DE ABREVIATURAS DAW - Divisão para o Avanço das Mulheres INSTRAW - Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para o Progresso da Mulher MGF - Mutilação Genital Feminina OMS - Organização Mundial da Saúde OSAGI - Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a População UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO GLOBAL ............................................. 16 2.1 O contexto Ocidental da questão dos direitos humanos ............................... 18 2.2 A construção dos direitos humanos no mundo Árabe .................................. 22 2.3 Teorias do universalismo e relativismo em face à cultura ............................. 24 3 AUTONOMIA DA MULHER NA SOCIEDADE ATUAL ....................................... 26 3.1 A mulher como sujeito de direito ................................................................... 27 3.2 O status quo da mulher na cultura oriental ................................................... 29 3.3 Políticas internacionais de empoderamento da mulher ................................ 31 4 DIREITO À SAÚDE DA MULHER E A PROBLEMÁTICA DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA.............................................................................................. 34 4.1 A Mutilação Genital Feminina a luz das terorias relativista e universalista ... 36 4.2 Tratados internacionais sobre saúde ............................................................ 41 4.3 Atuação da OMS nos casos de Mutilação Genital Feminina ....................... 42 5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 44 6 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 47 13 1 INTRODUÇÃO Os Direitos Humanos são intitulados direitos inerentes à condição humana, sendo assim, são direitos e liberdades básicas dos indivíduos. A sua influência e enfoque permite abordar conteúdos e argumentos relevantes nas Relações Internacionais, como a intervenção em países que violam os Direitos Humanos, que por sua vez, podem ser adeptos a práticas que depreciam a dignidade da pessoa humana. Nesse significado, o presente trabalho de conclusão de curso terá como fundamentação, a conjuntura das mulheres e meninas que são mutiladas por questões culturais. A violação dos Direitos Humanos origina uma discussão importante no plano internacional. Apesar disso, temas relacionados com essa discussão não tem a merecida atenção, como as comunidades onde a Mutilação Genital Feminina (MGF) ainda é um procedimento “normal” frente aos seus moradores, e meninas e mulheres ainda são subjugadas e obrigadas a obedecer aos homens, que nessas comunidades são detentores do poder. O termo “mutilação” é utilizado para enfatizar a gravidade do ato. Nos primeiros anos em que a prática foi discutida, era reconhecida como “circuncisão feminina”, mas essa expressão faz uma analogia com a circuncisão masculina, que é legalmente aceita e em alguns casos benéfica. Quando a expressão “mutilação” é utilizada se pode identificar o viés a ser estudado e analisado. A problemática deste trabalho respalda-se na falta ou quase inexistência de importância que países do Oriente Médio, onde essa prática é mais usual, conferem a essa temática, afirmando a ausência de ascensão cultural e a dificuldade de respeitar a opção de escolha das mulheres e crianças que, nesse sentido, são obrigadas a participarem do ritual. Nesse estudo de caso serão abordados, principalmente, países que são adeptos a religião mulçumana, no entanto, essa abordagem não simboliza que apenas países que seguem essa religião são praticantes da Mutilação Genital Feminina. A prática desse procedimento não tem ligação apenas religiosa, como também cultural. Diversos conceitos são envolvidos nessa discussão, que cada vez se torna mais amplo, fomentando a busca pelo amparo dos Direitos Humanos às mulheres vítimas da MGF. Em contrapartida, a definição de cada conceito tem disparidades circunstanciais, a consonância possui mais complexidade, gerando entraves para a 14 resolução de um desenvolvimento de proteção para essas mulheres. É nessa constatação que a hipótese desta pesquisa se respalda, indicando que a erradicação da Mutilação Genital Feminina, está no diálogo universalista, estabelecendo regras de conduta para tratar dessa discussão, pois os direitos conquistados são inerentes a todos os seres humanos, e a mutilação fere direitos garantidos às mulheres e crianças. Nessa conjuntura, esta pesquisa tem como objetivo geral, inserido no campo das Relações Internacionais, cooperar para a compreensão por parte da comunidade internacional da abundante exigência de reavaliar, atualizar e criar propostas que possibilitem auxílio a essa minoria. Ela também tem como objetivos específicos discutir a situação das mulheres e crianças que são submetidas a MGF, frente aos Direitos Humanos, considerando o surgimento das feministas dentro de uma nova categoria no cenário internacional, que buscam igualdade de gênero e empoderamento; analisar como essa prática é maléfica a saúde das mulheres e uma possível erradicação do procedimento e identificar a atuação da Organização Mundial da Saúde (OMS) frente a essa perspectiva. Para tal fim, no primeiro capítulo serão debatidos e apresentados os importantes instrumentos que deram origem aos Direitos Humanos, considerando a época em que emergiu todas as revoluções que auxiliaram na conquista dos direitos que até a atualidade ainda são inerentes a todos os indivíduos; como os Direitos Humanos influenciaram culturalmente o Ocidente e o Oriente e como a cultura árabe se comporta frente aos Direitos Humanos. No último segmento do capítulo serão apresentadas duas teorias (relativismo e universalismo) que estudam como analisar técnicas culturais, relativizando ou universalizando normas de conduta. No segundo capítulo, será destacada a relevância que a mulher desempenha na sociedade atual, evidenciando a autonomia que foi conquistada ao longo do tempo, mostrando como elas executam o papel de sujeito de direito, buscando espaço em diversos níveis sociais e econômicos; como as mulheres orientais podem ser comparadas as mulheres ocidentais, avaliando os direitos que foram conquistados pelas feministas orientais, mesmo aquelas que são seguidoras da religião mulçumana. Destaca também como o empoderamento das mulheres propicia uma melhor interação das mulheres no campo econômico e político, 15 destacando como as políticas públicas são importantes para esse processo e como a ONU Mulheres influencia na concretização dos direitos adquiridos. O terceiro capítulo, por fim, tratará do direito à saúde da mulher e como a problemática da Mutilação Genital Feminina causa problemas tanto psicológicos como físicos, evidenciando a violência contra a mulher e abordando questões como o imperialismo cultural. Será analisado também como a questão da MGF é abordada pelas teorias relativistas e universalistas, entendendo o viés de cada teoria e suas objeções. Nas duas últimas seções serão apresentados tratados internacionais sobre saúde que visam erradicar toda violência que ainda é praticada contra mulheres e crianças e também analisará a atuação dos organismos das Nações Unidas, como a OMS, frente a essa problemática. A metodologia de pesquisa aplicada neste trabalho se deu por meios bibliográficos, que englobam a leitura de livros, artigos e revistas que mencionam os temas de Direitos Humanos, conquistas das mulheres no plano internacional, direitos das mulheres na cultura oriental, tratados internacionais sobre saúde, Mutilação Genital Feminina no oriente e estudo da teoria relativista e universalista dos Direitos Humanos, bem como a leitura de documentos legais internacionais relacionados aos temas. Para explanar antecipadamente, é reconhecida nesse trabalho a expressão “mutilação”, no entanto, a utilização desta não significa a interpretação do viés da autora, ao contrário do que aparece na maioria dos textos sobre esse tema, também cita os sujeitos tratados nessa análise e implica em um prisma embasado na busca por uma proteção mais adequada para essa minoria. O termo “mutilação” será utilizado conforme sentido afirmado na Declaração conjunta sobre a Mutilação Genital Feminina da Organização Mundial da Saúde, Fundo das Nações Unidas para a Infância e Fundo de População das Nações Unidas (1997), exprimindo a posição dos movimentos feministas e de defesa dos Direitos Humanos, que consideram a expressão “circuncisão” como uma aceitação do procedimento. 16 2 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO GLOBAL Direitos e liberdades básicas dos indivíduos são denominados Direitos Humanos. Esses direitos não podem ser negados pelo fato de serem direitos inerentes à condição humana. Essa ideia também está associada ao conceito de liberdade de pensamento, de expressão, igualdade perante a lei, direito à vida, à cidadania, à saúde, à educação, ao trabalho, o direito de defesa e, até mesmo, de não sermos tratados de forma cruel ou degradante. Os Direitos Humanos visam preservar a integridade física e psicológica do indivíduo perante seus semelhantes e perante o Estado em geral. Para entender o contexto de formação do que compreendemos ser os Direitos Humanos, deve-se conhecer os momentos marcantes na história de vários povos da idade antiga e média. A Carta Magna, de 1215, é um dos mais importantes instrumentos políticos medievais. Protestos da nobreza e do clero contra arbitrariedades da monarquia inglesa foram os motivos pelo qual ela foi escrita, para garantir ao indivíduo inglês, direitos como liberdade, limitação do poder do rei e legitimação do Conselho do rei. Comparato (2010, p. 91) afirma que, mais do que isso, a Carta Magna deixa implícito pela primeira vez, na história medieval, que o rei se acha naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita. A legitimidade dos direitos fundamentais que existiam na época medieval não deve ser levada em consideração, uma vez que, eram conferidos por uma autoridade real (Rei) e num contexto sócio econômico marcado pela desigualdade, onde eram estimados os direitos de cunho estamental. Nesse contexto de injustiças, o primeiro direito fundamental, surgido no início da idade moderna, ainda no século XVI, foi o de liberdade religiosa, em que a Reforma Protestante foi de suma importância para a evolução do nascimento dos direitos fundamentais. Para Sarlet (2007, p. 48), também se pode ressaltar os documentos firmados por ocasião da Paz de Augsburgo, em 1555, e da Paz de Westfália, em 1648, que marcou o final da Guerra dos Trinta Anos. Com a chegada do Renascimento, as ideias jusfilosóficas acerca da ética e do direito civil se afloraram e os indivíduos começaram a buscar a realização da justiça social e da liberdade, através de direitos. 17 As convicções Iluministas ajudaram na construção de um novo ideal, onde o indivíduo pôde libertasse do tirânico (Rei), para que vivesse com autonomia para decidir questões da vida privada. No entanto, somente em 1789, com a Revolução Francesa, esses direitos propagaram-se em todo o mundo. Para Comparato (2013, p. 144): [...] a Revolução Francesa, desde logo, apresentou-se não como a sucessora de um regime que desaparecia por morte natural, mas como a destruidora voluntária do regime antigo por morte violenta. E essa violência, doravante ligada quase que indissoluvelmente à ideia de revolução, representou, sob muitos aspectos, ao longo da história, a negação dos direitos humanos e da soberania popular, em cujo nome se abrira o movimento revolucionário. Fruto da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789, influenciou as constituições do século XIX. Segundo Guerra (2014, p. 54) a Declaração promoveu o princípio da igualdade, da liberdade, da legalidade, a presunção de inocência, a livre manifestação de pensamento. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, assegurou uma nova ordem jurídico-política, anulando a velha monarquia e inaugurando a república. “A consciência de que a Revolução Francesa inaugurava um mundo novo tomou conta dos espíritos desde as primeiras jornadas revolucionárias” (COMPARATO, 2010, p. 142). Um novo mundo se erguia, pois, através dessa revolução, os cidadãos conquistaram inúmeros direitos que antes não eram reconhecidos, intitulados Direitos Humanos, direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos individuais, liberdades fundamentais e direitos humanos fundamentais, entre outras expressões, essas são apenas as mais coloquiais. Em contraponto, as mulheres não eram reconhecidas como sujeitos de direito, momento no qual apenas os homens eram detentores de garantias e reconhecimento de suas liberdades individuais. Sarlet (2007, p. 34) afirma que a doutrina tem alertado para a heterogeneidade, ambiguidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica, inclusive no que se diz com o significado e conteúdo de cada termo utilizado. Independente da circunstância, diretos fundamentais são também Direitos Humanos, pois sempre terá um ser humano envolvido, mesmo que seja representando grupos, nações ou Estados. 18 No entanto, para Sarlet (2007, p. 35) Direitos Humanos e direitos fundamentais mesmo sendo sinônimos, cada um têm a sua distinção, ou seja, direitos fundamentais se aplicam para aqueles direitos do ser humano reconhecido e positivado na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, no entanto a expressão Direitos Humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por se tratar de posições jurídicas. Cabe salientar que a história dos direitos fundamentais deu origem ao surgimento ao Estado moderno constitucional, onde houve o reconhecimento da importância da proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais do homem. Sarlet (2007, p. 43) nos alerta para a problemática das chamadas gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, pois estas devem ser reconhecidas pelas Constituições, uma vez que, esses direitos estão ligados às novas necessidades básicas do ser humano. Segundo Sarlet (2007, p. 43) a primeira geração ou dimensão dos direitos fundamentais é justamente aquela que marcou o reconhecimento de seu status constitucional material e formal. No entanto, a constitucionalização dos direitos fundamentais só foi estabelecida em 1789, com a Revolução Francesa, pois o que foi conquistado com a Reforma protestante na época medieval foi uma argumentação dos direitos fundamentais. Nesse mundo construído sob a autoridade masculina, as mulheres tentavam buscar igualdade nos direitos adquiridos. Conquanto as mulheres lutassem por todos os direitos que lhes eram inerentes, de acordo com Almeida (2000, p. 6) as mulheres acreditavam que tendo acesso à educação e ao conhecimento era o caminho correto e sem tardar para alcançar a libertação feminista. 2.1 O contexto ocidental da evolução dos direitos humanos Os direitos adquiridos após a Revolução Francesa representam a primeira dimensão dos Direitos Humanos e retratam a existência dos direitos fundamentais dos cidadãos. Para Bonavides (2008, p. 562) o lema revolucionário do século XVIII, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais: liberdade, igualdade e fraternidade. 19 Reportando-se a 1789, Bobbio (2004, p. 79) afirma que: Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que este ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na história do gênero humano. Esses direitos adquiridos foram conquistados em consequência do pensamento liberal-burguês do século XVIII, onde sua base está na doutrina iluminista. Piovesan (2011, p. 196) acredita que o discurso liberal se originou no seio do movimento pelo constitucionalismo e da emergência do modelo de Estado liberal, sob a atuação das ideias de Locke, Montesquieu e Rousseau. Esses pensadores acreditavam na ideia de que os homens pudessem participar da vida política e terem acesso a direitos como à vida, liberdade e bens materiais. Apesar disso, Lafer (1988, apud SARLET, 2008, p. 54) afirma que esse pensamento liberal burguês é marcado pelo cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao estado, ou seja, como direitos de defesa, demarcando a não intervenção do Estado e uma autonomia individual em face de seu poder. Os direitos de primeira dimensão são direitos de liberdade, os diretos à vida, à igualdade perante a lei e à propriedade, que para Bonavides (2008, p. 563) são os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, isto é, direitos civis e políticos, que correspondem à fase inaugural do constitucionalismo ocidental. Entretanto, esse progresso conduzido pela liberdade, provocou um novo conflito social, que antes era constituído por súdito-soberano e nesse momento passou a ser operário-patrão; quanto à mulher, permanecia subjugada à submissão do homem, não tendo alcançado nesse momento histórico sua liberdade e autonomia. Tendo como força base a classe operária, o movimento comunista foi uma das principais manifestações de revolta contra o Estado, pois a desigualdade motivou uma nova reivindicação. Segundo Sarlet (2007, p. 55): O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. 20 Nesse período de conflito, marcado pela atuação do proletariado, os indivíduos buscavam que o Estado interferisse nas relações privadas, garantindo-se então proteção ao trabalhador. Segundo Sarlet (2007, p. 55) há uma transferência das liberdades formais abstratas (direitos de primeira dimensão) para as liberdades materiais concretas (direitos de segunda dimensão), que são caracterizados como assistência social, saúde, educação, trabalho, entre outros. Diante da necessidade de uma maior atuação estatal, em face da constatação de que não bastam apenas igualdades e liberdades formais se não forem implementados tais direitos, a fim de possibilitar a liberdade material, surgiram os direitos de segunda dimensão, representados pelos direitos sociais, culturais, econômicos. No entanto, esses direitos de segunda dimensão só foram empregados nas constituições do segundo pós-guerra, no século XX e também foram motivos de pactos internacionais. Segundo Bonavides (2008, p. 564) os direitos de segunda dimensão nasceram abraçados ao princípio da igualdade, onde os direitos de primeira dimensão marcaram o século XIX e os direitos de segunda dimensão dominam o século XX, portanto tendo origem na igualdade, não podem se separar, pois este é o argumento que ampara e estimula os direitos de segunda dimensão. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) com a finalidade de promover e manter a paz mundial, além da cooperação entre os povos, do desenvolvimento econômico e social e da promoção dos Direitos Humanos em todo o mundo. Uma nova consciência internacional surge, a de que todo ser humano é igual e que, independente de crença, nacionalidade, língua, posição política, cultura, raça ou qualquer outra diferença, deve ser tratado com respeito, através da garantia de direitos básicos, inalienáveis e universais. Essa nova consciência internacional, como o professor Fabrício Lopes deixa explícito em suas aulas sobre Direitos Humanos, tem o propósito de aconselhar os Estados em relação à forma de tratamento aos seus cidadãos, para que não se repetissem as atrocidades ocorridas durante a guerra. De acordo com Bonavides (2008, p. 518): [...] uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da socialdemocracia, dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra. 21 Para Bonavides (2008, p. 522) após a Segunda Guerra Mundial o mundo estava partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, busca-se então outra dimensão dos direitos fundamentais, um direito que não almeja apenas a proteção dos interesses de um indivíduo, mas que se caracteriza pela busca do desenvolvimento e da paz, e tem temas relacionados ao meio ambiente, patrimônio comum da humanidade, entre outros. Apresenta-se na terceira dimensão dos direitos humanos, a necessidade de proteção coletiva, visto que surgem direitos resultantes da fraternidade e da solidariedade, destacando-se o também o direito à autodeterminação dos povos. Direitos decorrentes de uma sociedade já modernamente organizada, relacionados à vida em comunidade. Mbaya (inédito apud BONAVIDES, 2008, p. 523) ressalta que, o direito ao desenvolvimento é inerente tanto para Estados como para indivíduos, sendo assim, os indivíduos têm direito à uma pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada. A Declaração Universal dos Direitos Humanos1 possui 30 artigos e abordam vários assuntos, todos considerados essenciais à humanidade. Segundo o professor Fabricio Lopes, em suas aulas sobre Direitos Humanos do curso de Relações Internacionais, a Declaração foi responsável por organizar e sistematizar o regime dos Direitos Humanos e foi instrumento essencial após a Segunda Guerra Mundial, pois foi símbolo dos movimentos de proteção jusinternacionais de Direitos Humanos. Da globalização econômica extrai-se a globalização neoliberal, que para Bonavides (2008, p. 524) caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores, porém não significa que não seja nítido o seu status quo de dominação. Segundo Bonavides (2008, p. 525): São direitos de quarta dimensão o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. Para Bonavides (2008, p. 572) os direitos de quarta geração alcançam a concretização dos direitos adquiridos anteriormente, podendo atingir o grau máximo 1 Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948. 22 da eficácia normativa. Esses direitos norteiam o futuro da cidadania e o horizonte da liberdade de todos os povos. 2.2 A construção dos direitos humanos no mundo Árabe A Declaração dos Direitos do Homem de 1948 marca o início da universalização dos direitos humanos, no entanto, a declaração é de adesão voluntária e, portanto, apenas cinquenta e seis Estados Ocidentais a adotaram. Apesar de ser considerada universal é conhecida como produto do Ocidente. “A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, inaugurou a fase de positivação e universalização dos direitos humanos” (AMARAL JR, 2011, p. 480). A marca ocidental pode ser apontada claramente na declaração de 1948, uma vez que foi formulada sem a maioria dos povos do mundo. “O fato é que tais direitos humanos desagradavam, de um lado, os Estados Socialistas, pelo direito de propriedade, os Estados Islâmicos, pelos direitos de igualdade, etc.” (LIMA, 2013). Contudo, a Conferência de Viena, em 1993 marca a universalidade dos Direitos Humanos, já que contava com a participação da maioria dos Estados do mundo, debatendo sobre questões que abrangem diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas. Lima (2013) diz que a Conferência de Viena “Normatizou”, então, no plano internacional, o caráter universal, indivisível e interdependente dos humanos. A teoria deve ser colocada em prática, porém a afirmação da universalidade dos direitos humanos traz um novo desafio, que é harmonizar os Direitos Humanos com as diversidades culturais, sociais, econômicas e políticas existentes no mundo. De acordo com Lima (2013): [...] com o passar do tempo, a dificuldade de colocar em prática direitos advindos da cultura judaica-cristã-ocidental levou-se ao questionamento sobre a verdadeira universalidade desses direitos, face ao multiculturalismo existente no mundo, mesmo ante a globalização”. O Oriente Médio é multicultural. Existem três principais religiões monoteístas, o Islamismo, o Cristianismo e o Judaísmo, e 90% da população são islâmicas. Os seguidores do islamismo são chamados de muçulmanos. O Direito Muçulmano é diferente de tudo estudado até agora. Segundo David (1996, p. 409) constitui apenas uma das faces da religião do islã, que por um 23 lado é uma teologia que define em que o muçulmano deve crer, e por outro o chamado char’2 que designa o que os crentes devem ou não fazer. O Islã é a religião da lei. David (1996, p. 411) explica que o Corão é o fundamento do direito muçulmano e é considerado a primeira fonte do direito. O corão é um livro sagrado que contém revelações de Alá sobre o profeta Maomé. No direito muçulmano não se identifica a legitimidade, pois segundo David (1996, p. 412) não é preciso que um aglomerado de crentes represente o sentimento geral dos membros da sociedade para que uma regra do direito seja admitida, basta apenas a uniformidade das ideias das pessoas competentes, da qual a função é destacar e revelar o direito, essas pessoas são os chamados jurisconsultos do islã. Até o Século IV foram feitos grandes esforços para analisar a lei divina muçulmana, no entanto essas possibilidades de análise foram sendo vetadas, a legitimidade de novas pesquisas é negada. Então, a lei divina estava elaborada. Para David (1996, p. 414) o muçulmano deve identificar a autoridade dos doutores antigos; novas interpretações e desenvolvimentos não são permitidos, por isso há séculos que as mesmas obras são referências para o direito muçulmano. O Oriente Médio é marcado por guerras civis e conflitos étnicos, e esses são fatores graves que põem em risco a dignidade humana e consequentemente os Direitos Humanos. Sendo a dignidade humana um valor intrínseco ao ser humano, a delimitação da violação dos Direitos Humanos pode propiciar conflitos, abrindo diálogo para as teorias relativistas e universalistas dos direitos humanos, que serão temas do próximo capítulo. De acordo com Esse (2013), no Oriente Médio a criação de um sistema de Direitos Humanos eficaz é um projeto que ainda não está materializado. Todavia, países dessa região já estabeleceram entre si acordos internacionais para que a criação desse sistema seja efetivo, duradouro e vantajoso para essa população que necessita em tão alto grau. Em 19 de setembro de 1981, foi proclamada a Declaração Islâmica dos Direitos Humanos, pelo conselho islâmico em Paris. Para Esse (2013), essa declaração tem grande semelhança com a declaração de 1948, no entanto constata- 2 “O caminho a seguir”, constitui o que se chama o Direito Muçulmano. 24 se que a declaração islâmica tende a preconizar os princípios da fé-islâmica, pois há de ser de grande valia os moldes culturais, históricos e econômicos da região. A Declaração Islâmica de Direitos Humanos não inclui a mulher como um todo na sociedade, tanto é que na declaração é firmado o compromisso de defender os direitos das mulheres casadas, que são considerados invioláveis e inalienáveis, todos ordenados pelo Islã. Barlas (2002, p. 130) afirma que há a urgência de um tratamento imparcial entre homens e mulheres, pois no Corão, ou seja, perante Deus, homens e mulheres são diferentes e a diferença não é sinônimo de desigualdade, como prega os muçulmanos misóginos. 2.3 Teorias do Universalismo e Relativismo em face à cultura Há duas aplicações de Direitos Humanos que encadeiam um debate polêmico. O relativismo cultural compreende que não há normas universais de Direitos Humanos, pois cada cultura, cada sociedade, cada povo ou civilização designam os seus valores culturais e práticas sociais. Em contraponto, o universalismo conceitua-se na teoria do direito natural, ou seja, as leis naturais garantem aos indivíduos direitos inerentes, que como visto nesse capítulo, foram conquistados e são heranças de todos os povos. De acordo com Baldi (2004, p. 128) o debate entre universalistas e relativistas é acirrado visto que o parecer universalista tenciona universalizar valores e culturas; por outro lado na configuração do conceito relativista as diferenças são absolutas e o risco de legitimar regimes totalitários aumenta. Direitos humanos universais são direitos inerentes a todos os povos, independente de raça, religião, sexo, nacionalidade ou qualquer outro estereótipo, contudo para os relativistas tudo é relativo, ou seja, cada sociedade ou civilização tem a sua cultura enraizada e essas diferenças tem que ser levadas em consideração. Pérez (2011, apud GUERRA, 2014, p. 292) deixa claro que os Direitos Humanos devem ser configurados de acordo com os valores de cada Estado e não podem ser estabelecidos em escala global. A teoria relativista busca, de inúmeras formas, salientar que não se podem determinar padrões de costumes sociais universais, porém pode-se constatar 25 necessidades que são universais. Todavia há diferentes interpretações de tradições culturais, que geram críticas a vários procedimentos culturais realizados em sociedades patriarcais. Para Piacentini (2007, p. 46) vários grupos excluídos invocam os direitos humanos para lutar contra intolerâncias. Pode-se mencionar o caso da circuncisão genital feminina, que ocorre em diversos países da África e Ásia, e que também há casos na cultura muçulmana. A dimensão do descontentamento dessas mulheres e crianças é desmedida, pois várias delas fogem para não se sujeitarem a tal conduta cultural. Esse procedimento é enraizado na rotina desses povos, mas fere o direito humano considerado inerente a todos os povos, o direito a integridade física. De acordo com Piacentini (2007, p. 47) o comportamento relativista pode perder a legitimidade para contrapor-se a certas formas de injustiças que tem explicações e pretextos em práticas culturais específicas, como na casa da mutilação, a mulher sendo considerado um ser inferior. Em suma, os Direitos Humanos são universais, mas é fato que a diversidade cultural tem sua magnitude. Não obstante, nem todas as práticas culturais, como a Mutilação Genital Feminina, são legalmente aceitas, ou seja, ferem a liberdade e dignidade humana. Mesmo que as mulheres tenham conquistado espaço no mundo globalizado, ainda existe preconceito. O próximo capítulo abordará justamente a autonomia da mulher na sociedade atual. 26 3 AUTONOMIA DA MULHER NA SOCIEDADE ATUAL A mulher exerce cada vez mais o papel de protagonista na sociedade atual, contudo ainda existem resquícios do sistema social patriarcal no cotidiano. Na medida em que a mulher conquista seu espaço na sociedade, com o auxílio das lutas feministas, ela deixa de ser o sexo frágil e passa a ser exemplo de personalidade e persistência. Considerava-se, ainda na fase de desenvolvimento dos direitos fundamentais, que a mulher era uma espectadora e pessoa admirada pelos homens apenas como objeto de reprodução. Após muitos anos de luta, o feminismo surge para batalhar pelos direitos das mulheres. Segundo Pinto (2010, p. 15) a chamada primeira onda do feminismo eclodiu a partir das últimas décadas do século XIX, quando na Inglaterra, mulheres se estruturaram para lutar por seus direitos, que a princípio era o direito ao voto. Para Gurgel (2010, p. 1) o feminismo desde a primeira expressão, em 1979, na França, vem se fortalecendo como movimento social que se potencializa para romper as desigualdades sociais e as condições de controle patriarcal capitalista na contemporaneidade. Pinto (2010, p 16) afirma que: O feminismo aparece como um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher – no trabalho, na vida pública, na educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade e autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. Existem muitos anos de avanços a serem conquistados pelas mulheres. Uma das adversidades que ainda é discussão no campo social é o constante crescimento da violência contra a mulher. Segundo Pinto (2010, p. 17) a partir do século XX, uma das principais questões abordadas pelas feministas, era a luta contra a violência, especialmente a violência doméstica. Embora as leis estejam favorecendo cada vez mais essa classe, as atrocidades contra o sexo feminino estão cada vez mais evidentes. A cultura machista, enraizada no corpo social, é considerada uma das causas dessa violência. Gurgel (2010, p, 3) afirma que o feminismo do século XIX é marcado pelo fortalecimento do capitalismo e o recente progresso da industrialização que causou transformações na ordem social, política e econômica, e afetaram diretamente os 27 indivíduos, no entanto as mulheres permaneceram privadas de praticar seus direitos civis e políticos. “A partir de meados da década de 1980 houve uma forte inciativa dos governos na incorporação da categoria das relações sociais de gênero, como base ou como tema transversal nas políticas públicas”. (GURGEL, 2010, p, 7) Provêm dessa ordem a formação das organizações não governamentais e a integração política dos movimentos sociais, que para Gurgel (2010, p. 7) indica o momento do apetecimento da autonomia feminista. As mulheres sempre foram consideradas frágeis, contudo, com todas essas conquistas ao longo do tempo, essa ideia de mulher fraca e incapaz foi alterada. Para Guerra (2014, p. 232) é fato que as conquistas das mulheres se formularam de forma gradativa, todavia, atualmente é indiscutível a relevância do seu papel na sociedade. 3.1 A mulher como sujeito de direito No âmago da luta das mulheres por seus direitos, a primeira denotação da mulher como sujeito de direito foi na Revolução Francesa, que para Gurgel (2010, p, 1) além do esforço para manter o poder popular acima do poder burguês, as mulheres começaram um debate histórico objetivando participação na vida pública social. No V Encontro Internacional da Marcha Mundial de Mulheres3 foi divulgado a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, onde deixa claro todos os objetivos do movimento A Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Propomos construir um outro mundo onde a exploração, a opressão, a intolerância e a exclusão não existem mais; onde a integridade, a diversidade, os direitos e as liberdades de todas e de todos são respeitadas. Esta carta baseia-se nos valores da igualdade, de liberdade, de solidariedade, de justiça e de paz. (Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, 2004) A mulher se torna sujeito de direito quando ela começa a usufruir de todos os direitos fundamentais que foram conquistados. Anteriormente ao êxito conquistado nas lutas feministas, a conjuntura jurídica da mulher era deplorável e essa condição ainda é vista em alguns países, 3 Realizado em 10 de dezembro de 2004, em Ruanda. 28 como por exemplo, países do Oriente Médio e na maior parte deles os que seguem a religião islâmica. Guerra (2014, p. 231) afirma que em alguns países orientais a mulher era apenas instrumento de deleite dos homens e que mesmo com a intervenção das Nações Unidas, vários desses problemas antigos ainda perduram nessa região. Segundo (SELEM; RODRIGUES, 2006) a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o período de 1975 a 1985 como a década da mulher. Durante essa época maiores esforços foram percebidos de várias partes do mundo, visto que feministas se organizaram para articular propostas para instituições e organizações não governamentais, almejando inserir temas relacionados à mulher. Conforme (SELEM; RODRIGUES, 2006): Nessa época foram realizadas grandes conferências promovidas pela ONU, entre elas a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena, no ano de 1993 e a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994. Essas Conferências contaram com a participação de mulheres organizadas em suas reivindicações e resultaram em alguns avanços, como a explicitação da Conferência de Viena, em seu parágrafo 18, que “os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais”. A respeito da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher4, Guerra (2014, p. 231) é preciso ao indagar que se tratou de um importante reconhecimento de valorização da dignidade da mulher e que essa Convenção Internacional assinalou a inquietação sobre a insistência de a mulher ser vítima de abusos e discriminações. Piovesan (2011, p. 256) afirma que até março de 2010, a Convenção tinha adesão de 186 Estados-partes. Henkin (1999, apud PIOVESAN, 2011, p. 257) reitera que alguns países, como por exemplo, Bangladesh e Egito, responsabilizaram o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher a exercer “imperialismo cultural e intolerância religiosa”, ao estabelecer um viés de igualdade entre os gêneros, assim como na família. A conduta dos países do Oriente Médio enfatiza que os direitos das mulheres ou das minorias, apesar de estarem sendo cada vez mais disseminados pelo mundo, ainda tem resistência, tanto cultural como religiosa. 4 “Adotada em 1979, essa Convenção estabelece que a discriminação à mulher viola princípios de igualdade de direitos e a dignidade humana” (SELEM; RODRIGUES, 2006). 29 3.2 O status quo da mulher na cultura oriental As mulheres sempre sofreram discriminações em diversas áreas de suas vidas e as que fazem parte da cultura oriental não são diferentes, no entanto, esse processo de luta no Oriente Médio aconteceu de forma tardia. Para Hajjami (2008, p, 107) a conjuntura inferior e precária em que a mulher oriental está inserida, evidencia o predomínio de uma sociedade patriarcal que utiliza a compreensão da religião islâmica para ratificar cenários de dominação e violência contra as mulheres. Aja visto no Capítulo I deste trabalho, “a Declaração dos Direitos Humanos afirma que os seres humanos nascem iguais em direitos e igualdade, mas sabe-se que de fato não é assim que vivem” (ESPINOLA, 2000, p. 2). Em algumas culturas, as mulheres necessitam de informação, assim como outros grupos minoritários. Segundo Espinola (2000, p. 2) na Arábia Saudita, mulheres ainda são obrigadas pelos homens a cobrir o copo inteiro e são proibidas de dirigir. No Egito a prática da MGF é proibida desde 2008, no entanto esse procedimento ainda é realizado no país. Boros (2013) afirma que após a Primavera Árabe, o assédio sexual, altas taxas de corte genital feminino e uma onda de violência e sentimento islâmico se afloraram, fazendo com que o Egito se tornasse o pior país árabe para mulheres, levando em conta o direito das mulheres no mundo árabe. Leis discriminatórias e o crescente número de casos de tráfico de mulheres também influenciaram para o aumento dessa estatística. Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância5 (UNICEF) (2013, p. 26) pesquisas recentes demonstram que no Egito práticas que denigrem a imagem da mulher, como a Mutilação Genital Feminina, é uma prática quase universal, com prevalência de 90%. Mulheres árabes também são exemplos de determinação e persistência. Segundo Fachin et al. (2012, p. 223) Waris Dirie está entre as milhares de mulheres africanas que foram submetidas à prática da Mutilação Genital Feminina. Dirie foi mutilada e aos treze anos conseguiu fugir de um casamento arranjado. Waris Dirie luta contra a circuncisão genital e é embaixadora da ONU contra a mutilação. 5 Criado em 1946, a UNICEF tem a missão de assegurar que cada criança e cada adolescente tenham seus direitos humanos integralmente cumpridos, respeitados e protegidos. 30 Autores feministas afirmam que segundo o Alcorão a mulher não é considerada submissa. Para Hajjami (2008, p. 113) o profeta Maomé utiliza de suas palavras e realidade habitual, para reiterar as relações entre os gêneros, contrapondo-os igualmente: “as mulheres são as irmãs uterinas dos homens diante das leis” afirma o profeta num hadith6. Em muitas tribos árabes a fidelidade da mulher era que determinava a honra do homem. O próprio profeta Maomé, disseminador do Islã, não nega no Alcorão a importância de suas mulheres, principalmente Khadija7, em sua vida e na formulação dessa religião. Segundo Espinola (2000, p. 12) escrituras deixadas por Maomé descrevem que homens e mulheres devem usufruir do casamento. Sendo a submissão uma questão cultural, algumas mulheres se sentem bem e acreditam que estão fazendo o que deve ser feito, obedecendo a seus pais e maridos, e se submetendo a torturas e agressões, por entenderem que mulheres não têm os mesmos direitos que os homens. No caso da Mutilação Genital Feminina, quem realiza o procedimento nas crianças e jovens são as mulheres mais velhas das comunidades, com o consentimento das próprias mães. Para os ocidentais, essas mulheres que são subalternas dos homens são alienadas, no entanto, elas estão apenas fazendo o que acham certo, o que aprenderam desde crianças, o que suas mães e avós lhe ensinaram. Elas devem ser respeitadas e deveriam ter a liberdade de escolha, pois algumas delas, tanto crianças como também jovens, com a globalização e as mudanças ocorridas no mundo, querem ter o direito de controlar o que pode ou não ser determinado para suas vidas. Conforme Espinola (2000, p. 2): Portanto o mundo ocidental com todos os seus pressupostos, de igualdade, liberdade e democracia também não resolveu seus problemas de pobreza e mazelas sociais. A violência, corrupção, tráfico e a violência e opressão femininas não são privilégios das mulheres dos países pobres ou das mulheres muçulmanas, tão evidenciadas pela mídia: a violação dos direitos humanos está em todos os lugares. Segundo Piacentini (2004, p. 144) na atualidade se tem um conhecimento que nossos pais não tinham, e no caso particular da circuncisão genital feminina, provavelmente era normal a mulher se submeter a certos procedimentos culturais. 6 O Hadith é o registro dos preceitos do profeta Maomé, ações de vida. Khadija foi a primeira mulher do profeta. Era uma viúva rica de 40 anos, e seu apoio foi indispensável para que Maomé lograsse êxito na sua investidura. 7 31 Contudo, a questão cultural é um argumento ineficaz, pois as culturais não são intactas, elas podem mudar com o tempo. 3.3 Políticas internacionais de empoderamento da mulher No plano internacional, a mulher vem desenvolvendo passo a passo a sua importância. Desde o segundo pós-guerra, se pôde enxergar na história pequenas medidas para o enquadramento da mulher na sociedade e conquista de seus direitos. Para Lisboa (2008, p. 3-4) para que o empoderamento seja realizado de forma eficaz devem-se criar políticas públicas que façam a inserção dessas classes minoritárias, como as mulheres, formalizando seus direitos legais. Após a criação do dia Internacional da Mulher8, acreditava-se que a mulher teria uma maior participação social, no entanto, essa data não teve um significado esperado para o direito da mulher. Elas ainda eram discriminadas por serem mulheres, por isso ao longo do tempo políticas internacionais foram sendo elaboradas. “As políticas macroeconômicas e o estabelecimento de políticas públicas podem resultar em impulso à igualdade de género” (ONU Mulheres, 2013). Segundo a ONU Mulheres (2013) existem inúmeros obstáculos que dificultam o acesso das mulheres as atividades socioeconômicas. A discriminação limita o acesso das mulheres a bens econômicos, particularmente terra e empréstimos, e estreita a participação delas na resolução das políticas econômicas e sociais. A ONU tem uma função eficaz nesse processo de inserção da mulher no plano internacional. A Divisão para o Avanço das Mulheres (DAW) foi criada em 1946; o Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para a Promoção da Mulher (INSTRAW) foi desenvolvido no mesmo ano que o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) em 1976; e o Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero (OSAGI) foi formulado em 1997. Segundo a ONU BR (2010) a unificação dessas entidades resultou na criação da ONU Mulheres9. 8 Em 1911, quando mais de 100 operárias morreram em um incêndio na Triangle Shirtwaist, em Nova Iorque, foi estabelecido que 8 de março seria o dia internacional da mulher. 9 Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres. 32 Atrelado a ONU Mulheres foi criado também o chamado “Princípios de empoderamento das mulheres”. São sete princípios que apresentam para as empresas e as comunidades como é importante à imagem da mulher na sociedade. A ONU Mulheres destaque a relevância desse projeto: Os Princípios são um conjunto de considerações que ajudam a comunidade empresarial a incorporar em seus negócios valores e práticas que visem à equidade de gênero e ao empoderamento de mulheres. Para a ONU Mulheres (2010) empoderar as mulheres, conduz a economia para o crescimento, incentivando a produtividade. No entanto, as mulheres necessitam de diversos outros planos de inserção e a ONU mulheres entende que além de introduzir a mulher no plano econômico mundial, ela também objetiva saúde e educação, bem como assistência contra a violência e a discriminação. A igualdade de gênero é uma das formas de empoderar as mulheres e fazer com que a sociedade inclua as mulheres nas atividades políticas e sociais, tendo em vista o desenvolvimento social e sustentável. A agenda 2030 de desenvolvimento sustentável10 da ONU visa transformar o mundo em nome dos povos e dos planetas. Essa agenda é bem definida e conta com dezessete objetivos, sendo um deles voltado para a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres. Segundo a ONU (2015) esses dezessete objetivos foram formulados com a intenção de garantir as necessidades básicas das pessoas, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Para a ONU (2015): Os Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis (ODS) foram pensados a partir do sucesso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), entre 2000 e 2015, e pretendem ir mais longe para acabar com todas as formas de pobreza. Dos dezessete objetivos formulados, o quinto tem a função de desenvolver e alcançar à igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres. Segundo a ONU (2015) esses objetivos devem ser concretizadas até 2030 e visam acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas; eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos; eliminar todas as 10 Essa agenda aborda várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económico, ambiental) e que promove a paz, a justiça e instituições eficazes. 33 práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e envolvendo crianças, bem como as Mutilações Genitais Femininas; aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres; entre outras. A ONU conta com a ajuda e o empenho de órgãos para a concretização desses objetivos, como a ONU mulheres, que também tem a finalidade de empoderar as mulheres e diminuir todas as formas de violência, inclusive a MGF. 34 4 DIREITO À SAÚDE DA MULHER E A PROBLEMÁTICA DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA Na declaração de Direitos Humanos de 1948 está nítido que o direito a saúde é inerente a todos os seres humanos, pois o direito à saúde é a forma de objetivar uma melhor qualidade de vida, e não exclusivamente pela inexistência de doenças, o direito a saúde designa-se como um bem-estar físico, mental e social. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e à sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (Artigo XXV da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948) Quando a prática de algum tipo de violência é realizada sob qualquer ser humano, essa prática fere o seu direito a saúde e a vida. Para os Direitos Humanos a violência é considerada uma questão social. Práticas culturais e tradicionais são utilizadas como justificativa para a violação dos Direitos Humanos, como por exemplo, a Mutilação Genital Feminina, que é realizada em alguns países do oriente e também muçulmanos, prática essa que fere o direito á saúde de mulheres e crianças. Conforme OMS (2011, p, 3) existem condições de saúde que somente as mulheres vivenciam, pois elas passam por situações diferentes quando comparadas aos homens. A violência contra a mulher é visível em várias partes do mundo. A violência retratada não é apenas física. As mulheres ainda sofrem preconceito e também não tem direito de escolha, em alguns países nem mesmo sobre o próprio corpo, como por exemplo, que roupas vestir, quando sair de casa e até mesmo a escolha do seu futuro. Em algumas culturas, meninas se submetem a práticas desumanas para serem consideradas mulheres e conseguirem ingressar na sociedade ou ter a chance de se casar e ter uma família. A Mutilação Genital Feminina é uma dessas práticas citadas, que para Piacentini (2007, p. 137) é uma pratica cultural, utilizada pelo homem, provavelmente detentor do poder, para manter a mulher sob sua dominação. 35 Conforme Palhares e Squinca (2013, p. 433): Essa prática é apenas um modelo de atitude, dentre vários outros, que as sociedades em geral impõem contra os direitos das mulheres na saúde, educação, trabalho e salários... A MGF viola os direitos das mulheres e também viola a maioria dos direitos delineados na Declaração Universal de Direitos Humanos, como o direito das crianças, pois elas têm em média seis anos quando são submetidas a essa prática, o direito à saúde, o direito de escolha, entre outros. O direito de escolha também é violado, pois as mulheres têm a competência de decidir e controlar o que deve ou não ser feito no seu corpo, e a mutilação muitas vezes é um método imposto por uma sociedade patriarcal, tradicional e antiga. O imperialismo cultural se difunde à medida que sociedades que não aprovam a mutilação genital interferem na cultura oriental onde essa prática é realizada, pelo fato de serem executadas com o consentimento dos pais e dos familiares a mutilação não era considerada um tema a ser discutido pelos direitos humanos, e também por ser uma realidade na maioria das culturas orientais. A mudança cultural tem que partir de dentro para fora. O direito à saúde da mulher tem construído um componente fundamental para os direitos humanos, visão retratada em documentos elaborados nas conferências internacionais das Nações Unidas, como a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher em 197911 e a criação da ONU Mulheres em 2010. A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979) afirma que: Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (Parte I, Artigo 1º) 11 Adotada pela Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18.12.1979 - ratificada pelo Brasil em 01.02.1984. 36 4.1 A Mutilação Genital Feminina a luz das teorias relativista e universalista A prática de mutilar a genitália feminina é muito antiga. Vale ressaltar que não se trata de um ritual religioso. As culturas aderem a essa prática, usando a justificativa que só assim a mulher irá ser purificada ou aceita em determinados grupos, sendo considerada a identidade da criança. De acordo com OMS (2006) embora não haja uma opinião harmônica sobre o começo da execução deste procedimento, existem informações que asseguram a sua execução há 5000 mil anos atrás na antiga civilização Egípcia, ocorrendo antes da ascensão da religião Islâmica. A dignidade humana é um dos pontos principais a serem discutidos quando falamos de Mutilação Genital Feminina. A MGF viola integralmente a dignidade da mulher, pois tira parte do seu corpo, fazendo com que ela sinta dor para o resto de sua vida, no parto ou no ato sexual. Segundo a BBC Brasil (2016) não se sabe ao certo como as sobreviventes que são submetidas à MGF encaram as sequelas deixadas pelo procedimento, pois os prognósticos não são abordados livremente. Segundo Piacentini (2007, p. 125): Considerando o contexto em que se dá a MGF, isto é, aquele das sociedades patriarcais, onde a mulher tem de subjugar-se ao domínio do homem, é fácil perceber que ainda mais características suas constituintes da dignidade humana deixarão de se desenvolver, como é o caso de sua capacidade de escolha, uma vez que normalmente os homens da família é que escolherão o destino das mulheres. A MGF é praticada principalmente em sociedades patriarcais, onda há desigualdades de gênero e as mulheres não tem voz ativa. Desde cedo as crianças são ensinadas a obedecer aos homens e a se submeter a humilhações para agradar ao pai, irmãos ou marido. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008, p. 1) estima-se que entre 100 e 140 milhões de meninas e mulheres em todo o mundo tenham sido sujeitadas a circuncisão e que, anualmente, três milhões de meninas corram o risco de sofrer uma mutilação genital. Para a OMS (2008, p. 1) a prática de mutilar a genitália é comum em países da África e em alguns países do Oriente Médio, além de acontecer em comunidades de imigrantes em regiões da Ásia, Pacífico, Europa e América. 37 Figura1: Mapa dos países onde a mutilação genital feminina é praticada Fonte: Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/mutilacao-genital-feminina-conhecaa-origem-dessa-pratica-brutal/ Acesso em: 04 maio 2016. Países onde essa prática não é comum e abrigam um grande número de imigrantes dos países praticantes do ato, tiveram um choque de cultura. Segundo Smith (1995, apud SOW, 2004, p. 3), a Itália, pela magnitude das comunidades originárias, sobretudo da Somália, Etiópia, Sudão e Senegal, aceitou que a mutilação fosse praticada em hospitais, a fim de evitar os riscos à saúde. Contudo, os efeitos causados na mulher quando ela é submetida a esse processo varia de acordo com as características de como a prática foi realizada. Segundo Piacentini (2007, p. 118) na maioria das vezes o órgão genital feminino é cortado parcial ou totalmente, com um vidro quebrado, navalhas ou tesouras. No entanto, o procedimento varia de acordo com a cultura do país. Em algumas, são usadas técnicas para adormecer a genitália, como sentar em água gelada ou aplicar um anestésico, porém o mais comum é que essas técnicas não sejam executadas. 38 Figura 2: Navalha utilizada em uma tribo, no Quênia, em um ritual de Mutilação Genital Feminina. Fonte: Disponível em: http://noticias.r7.com/internacional/fotos/fotografo-registra-dor-e-lagrimas-demeninas-em-cerimonia-de-mutilacao-genital-feminina-no-quenia-26122014#!/foto/5 Acesso em: 04 maio 2016. A Mutilação Genital Feminina pode ser praticada de diversas formas, contudo os organismos internacionais dividiram esse conjunto de práticas em quatro tipos, que para Piacentini (2007, p. 119) o primeiro, classificado como tipo I, consiste na remoção parcial ou total do clitóris; a segunda classificação baseia-se na remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios, podendo haver um corte dos grandes lábios (também chamado ‘excisão’); a terceira, ou tipo III, se fundamenta no estreitamento do orifício vaginal com uma membrana selante, pelo corte e suturação dos pequenos e/ou grandes lábios, com ou sem excisão do clitóris (também chamado ‘infibulação); o tipo IV se resume em outras intervenções sobre os órgãos genitais femininos por razões não médicas. 39 Figura 3: Tipos de Mutilação Genital Feminina Fonte: Disponível em: http://www.youthkiawaaz.com/2016/02/female-genital-mutilation-consequences/ Acesso em: 04 maio 2016. Piacentini (2007, p. 118) afirma que o exercício dessa prática causa efeitos físicos e psicológicos, como por exemplo, dor, hemorragia, infecções, infertilidade, trauma e a lembrança de ter sido torturada. Em algumas comunidades, mulheres que se recusam a serem mutiladas são discriminadas e rejeitadas pelos homens, não se casam e são excluídas e desprezadas por seus grupos sociais. A religião, a cultura, questões de gênero, entre outros motivos, são apresentados como “justificativa” para tal procedimento. Segundo Piacentini (2007, p. 118) a mutilação determina quem pertence ao grupo, sendo assim, parte da identidade. “Em algumas sociedades, consideram-se as mulheres não-mutiladas como pouco limpas e não lhes é permitido manipular alimentos ou água” (PIACENTINI, 2007, p. 120). 40 Piacentini (2007, p. 130) afirma que por ser fruto de tradição e cultura, para o relativismo a MGF é uma prática indiscutível, pois o relativismo cultural prega que cada sociedade institui seus valores e princípios. No entanto, há a ameaça de aceitação de diversas formas de violência contra a humanidade, como sacrifícios, torturas e trabalhos escravos. Com o contato frequente que as culturas têm na atualidade, elas sofrem um constante processo de desconstrução e reconstrução. Apesar disso, esses povos antigos são muito ligados e obedientes aos seus antepassados. Acreditam que os costumes são um dos bens mais preciosos deixados pelos ancestrais. Segundo Piacentini (2007, p. 49) a teoria universalista ao querer transformar os universais de uma cultura iguais para todos, acaba distanciando a diversidade cultural. A MGF fere todas as dimensões dos Direitos Humanos, abordados no Capitulo I. A liberdade é lesada quando essas mulheres são coagidas para a realização do procedimento. Nesse caso os direitos civis e políticos, considerados de primeira dimensão são abalados. A má higienização durante o procedimento fere o direito de segunda geração, o direito à saúde, trazendo danos à vitalidade da mulher. Panikkar (1996, apud PIACENTINI, 2007, p. 144) menciona que os seres humanos têm a consciência de que certas culturas ferem a dignidade da pessoa humana, e que essa consciência pode até obrigar-nos a combatê-las, no entanto não podemos distinguir culturas como certas ou erradas, e elevar a “certa” ao nível de padrão universal. De acordo com Piacentini (2007, p. 144) a premissa a ser feita sobre a Mutilação Genital Feminina deve ser a de respeito cultural, pois somente assim o diálogo poderá ser incorporado nessa cultura. E com esse diálogo pode ser que os praticantes desse procedimento entendam que a mutilação pode até ter sido comum quando seus antepassados a faziam, mas nos últimos anos os Direitos Humanos estão cada vez mais empenhados em garantir a igualdade de gênero e os direitos inerentes aos seres humanos. Para que esses direitos sejam assegurados a todos os indivíduos, após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU, também surgiram os tratados internacionais de Direitos Humanos, dando responsabilidades e obrigações para os 41 Estados. Tratados internacionais de Direitos Humanos foram formulados como solução frente às atrocidades acorridas na Segunda Guerra Mundial. 4.2 Tratados internacionais sobre saúde Os tratados internacionais de Direitos Humanos têm como procedência o Direito Internacional de Direitos Humanos, que para Piovesan (2011, p. 131) é o Direito do pós-guerra, nascido como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos pelo nazismo. Segundo Piovesan (2011, p. 132) com o consentimento da Declaração Universal de 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos fortaleceu-se através da adesão de tratados internacionais para a proteção dos direitos fundamentais. Em 1969, foi celebrada na cidade de Viena, na Áustria, A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Segundo (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2011, p. 215): A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) aponta o “papel fundamenta dos tratados, na história das relações internacionais”, reconhece a importância, cada vez maior, dos tratados, como fonte de direito internacional, e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam os seus sistemas constitucionais e sociais. Para a OMS (2008, p. 36) os principais tratados internacionais de Direitos Humanos sobre saúde, que protegem e salvaguardam contra a mutilação genital feminina são: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres; Convenção contra a Tortura e outras penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes; Convenção sobre os Direitos da Criança; Comitê para Eliminação da Discriminação contra as Mulheres; Comitê dos Direitos do Homem, entre outros. Os tratados internacionais são articulados entre Estados. Antes da inserção de um tratado, os Estados analisam o que pretendem de uma organização internacional e quais propósitos desejam alcançar. O objetivo das organizações internacionais é harmonizar interesses universais entre os Estados. 42 A OMS é uma dessas organizações internacionais, com sede em Genebra. A OMS foi criada após a segunda guerra mundial. No entanto, essa organização deu continuidade ao trabalho do Escritório Internacional de Higiene Pública, criado em Roma, em 1907. Seitenfus (2006, p. 116) afirma que o propósito da OMS é empenhar-se para que todos os povos obtenham o mais alto grau de saúde. O fato de estar à legislação a favor das mulheres em relação à proteção dos seus direitos, não exprime que os praticantes da Mutilação Genital não o façam. É o que deixa claro Piacentini (2007, p. 145): Como mencionado anteriormente, importantes mudanças nas legislações nacional e internacional em prol da erradicação desta prática cruel têm acontecido. Por certo, este é apenas um dos primeiros passos e a alteração na lei não garante o sucesso do feito. 4.3 Atuação da OMS nos casos de Mutilação Genital Feminina Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008), quando a prática da Mutilação Genital foi analisada nos primeiros anos nas sociedades praticantes, era usualmente nomeada como “circuncisão genital”, no entanto, essa locução faz uma analogia com o termo “circuncisão masculina”, que é uma prática legal e benéfica. A expressão “mutilação” foi adotada durante a terceira conferência do Comitê Inter-Africano sobre Práticas Prejudiciais a Saúde das Mulheres e Crianças12. A adoção do termo “mutilação” reforça que essa prática viola os direitos das meninas e mulheres que são submetidas a tal procedimento. A OMS juntamente com outras agências das Nações Unidas, como por exemplo, O Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), formularam uma declaração conjunta 13, quando, a partir de então, aumentou-se a preocupação com a eliminação da prática da mutilação genital feminina. 12 Comitê realizado em 1990, em Addis-Abeba, Etiópia, onde o termo Mutilação Genital Feminina foi amplamente adotado. 13 A Declaração Conjunta sobre a Mutilação Genital Feminina foi emitida em 1997 e apresenta as consequências da prática da mutilação genital feminina para a saúde, declarando o repúdio ao seu exercício. 43 Posteriormente, uma nova declaração conjunta14, foi desenvolvida por um grupo maior de organismos das Nações Unidas, visto que, o apoio para a eliminação da prática era necessário. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008), essa declaração se fundamenta em novos indícios e na experiência acumulada ao longo da última década. O Relatório Mundial sobre violência e saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), evidencia que a cultura e as tradições são usadas como justificativas para que práticas de coação contra minorias, como mulheres e crianças, perdurem, no entanto, aconselha os profissionais da saúde a não praticarem a Mutilação Genital Feminina. Na última década muitos esforços foram realizados pela OMS e também por agências não governamentais, como a criação da Organização Sinim Mira Nasseque (SMN)15, para a erradicação da mutilação feminina; no entanto, ainda é preciso ampliar as informações e potencializar políticas que permitam clarificar as sociedades praticantes, para que tenham o entendimento que essa prática cultural é maléfica as mulheres e crianças. Segundo OMS (2008, p. 24): A experiência demonstra que é particularmente importante garantir que governos e organizações não governamentais trabalhem em cooperação com as comunidades praticantes na formulação e implementação dos programas. Isso aplica-se tanto aos países de origem como naqueles em que a mutilação genital feminina é praticada por comunidades imigrantes. Desde 1970, a OMS se esforça para eliminar a Mutilação Genital Feminina. A atuação da OMS juntamente com outros organismos das Nações Unidas e também organizações não governamentais, inclui reunir informação sobre o procedimento, como por exemplo, seus malefícios ou benefícios â saúde, desenvolver políticas relevantes, estratégias e programas que conduzam a erradicação. 14 A nova Declaração Conjunta sobre a Mutilação Genital Feminina foi emitida em 2008, e é um apelo a todos os Estados, organizações nacionais e internacionais, à sociedade civil e às comunidades para que defendam os direitos de meninas e mulheres. 15 Organização não governamental guineense que combate as práticas nefastas que afetam as mulheres e as crianças da Guiné-Bissau. 44 5 CONCLUSÃO Lamentavelmente as mulheres e crianças que sofrem com a prática da Mutilação Genital não tem uma legislação específica que as resguardem ou protejam quanto a esse assunto. No entanto, inúmeros documentos e convenções das Nações Unidas abordam essa temática para tentar erradicar esse procedimento cultural, como a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979). Isso pode ser explicado pela falta de denúncias que deveriam partir principalmente das mulheres sujeitadas a essa prática cultural, porém pelo motivo da mutilação ser imposta e habitual, essas mulheres acreditam que não tem os mesmos direitos que os homens e se submeter a torturas e agressões são a forma de obediência aos seus pais e maridos. O problema da violação dos Direitos Humanos não fica restrito ao meio em que ocorrem; não é um problema específico. Ele passa a envolver outras pessoas, grupos, Estados e a comunidade internacional. Com a ausência de instrumentos jurídicos específicos sobre a MGF, os Estados onde essa prática ocorre não atuam de forma eficaz para a erradicação do ato e quando outros Estados se envolvem nesse processo, eles os acusam de exercer o imperialismo cultural. Uma solução identificada para essa problemática aponta para a direção de um diálogo cultural, tendo em vista que a prática da Mutilação Genital Feminina, que viola os direitos das mulheres e meninas que são muitas vezes obrigadas a realizarem o procedimento, é cultural, no entanto não se pode utilizar esse argumento como uma justificativa para realizá-lo. Nessa circunstância, percebe-se a urgência de sistematizar uma regulamentação internacional específica que possibilite a assistência às mulheres vítimas da Mutilação Genital. Nesse sentido considera-se a hipótese como falsa, ao considerar que o diálogo intercultural será o caminho mais apropriado para a erradicação da Mutilação Genital Feminina, incitando os organismos internacionais a promoveram políticas públicas que estampem nesses países que a mulher também é um sujeito de direito e que ela também tem poder de escolha. Considerando que o imperialismo cultural não deve prevalecer sobre culturas e tradições, que a mudança desses atos culturais e religiosos deve partir “de dentro para fora”, ou seja, essas comunidades praticantes precisam reconhecer que esses procedimentos que agridem a saúde da 45 mulher, não são benéficos. Deve-se considerar também que, a teoria universalista ao acreditar na universalidade dos direitos humanos prega o imperialismo cultural. Os objetivos específicos desse trabalho foram alcançados, na medida em que foi discutida a situação das mulheres e crianças que são submetidas ao procedimento da Mutilação Genital Feminina, o surgimento de feministas que lutam pelos direitos das mulheres, principalmente, o direito de escolha e o empoderamento, visto que as mulheres têm direitos assegurados frente aos Direitos Humanos. A partir da análise da atuação feita pela Organização Mundial da Saúde, verificou-se a possibilidade de criação de uma normativa específica voltada para mulheres mutiladas. Diante disso, o objetivo geral proposto por este trabalho foi alcançado e se deu pela busca de contribuir para a compreensão do motivo pelo qual ocorre a Mutilação Genital Feminina, e dos desafios, em diversos âmbitos, enfrentados pelas feministas e outros grupos, que buscam fazer com que os Direitos Humanos sejam garantidos para essa minoria, apontando para a premissa de criação de instrumentos legais que possibilitem o auxilio para esse grupo. O caso estudado no segundo capítulo caracteriza que a alguns casos de mutilação genital realizada, principalmente em mulheres do oriente médio, é com o consenso das mesmas, pois a submissão sendo uma questão cultural dessa região, faz com que as mulheres se sintam bem e acreditam que estão fazendo o “certo”, conformando-se com as agressões a seus corpos e também obedecendo aos homens (maridos, pais e até mesmo filhos), visto que foram ensinadas que as mulheres não têm os mesmo direitos que os homens. Tanto é que, as mães e as avós são quem solicitam o ritual de “purificação” e que quem as mutila são as mulheres mais velhas das comunidades. As mulheres, principalmente as mulheres orientais, já enfrentam muitos desafios nos âmbitos sociais, econômicos e políticos. Muitos desses desafios estão ligados às ameaças de violação de Direitos Humanos, como a violência contra as mulheres, inclusive o estigma de que a mulher é frágil, delicada e temerosa, colocando a prova a questão da confiabilidade da mulher e também a sua capacidade de interação na área econômica e de negócios. Por essas razões, vê-se a necessidade de empoderar as mulheres, fazer com que elas sejam peças de suma importância na macroeconomia. 46 A exclusão da mulher como sujeito de direito e seu tênue papel na sociedade civil não afetam apenas a elas mesmas, mas também aos que estão ao seu redor, maridos, filhos; afeta o desempenho no trabalho, o relacionamento com as pessoas. Essa adversidade gera a depreciação da mulher. No entanto, as mulheres foram se introduzindo no corpo social, com a colaboração e o esforço das feministas, que sempre lutaram para garantir direitos, que antes lhes eram negados. No presente trabalho, portanto, enfatizou-se a necessidade de incluir as mulheres nos campos sociais, para que elas constatem que podem ser independentes, que não precisam fazer o que os outros (homens) querem, que elas têm o direito de escolher o que fazer e quando fazer, sem ter que obedecer aos homens, que acham que são detentores do poder. Empoderar as mulheres é dar a elas essa autonomia. Se as mulheres, depois de entenderem que a mutilação genital provoca inúmeras fraquezas, distúrbios e problemas para o corpo, ainda acharem que devem ser mutiladas, que sejam. As mulheres têm que ter a autonomia de decidirem o que deve ou não ser feito em suas vidas. Um dos maiores desafios dos organismos das Nações Unidas no século 21 será criar uma Convenção nesses termos, que trate especificamente a questão das mulheres mutiladas, reconhecendo seus desejos e motivações. Tudo isso em consonância com os direitos universais das mulheres. Afinal, o problema maior não é proibir que essas mulheres fôsseis mutiladas, pois como já exemplificado, algumas delas acreditam que esse procedimento deve ser realizado, e sim prestar assistência e proteger as mulheres que se submetem ao ato devido a fatores culturais, fazendo o uso de políticas que lidam com todas as verdadeiras causas da mutilação. Esse é um dos caminhos para alcançar a erradicação dessa prática. Espera-se por fim, que este trabalho possa contribuir para a identificação da legislação existente que faz referência às mulheres e para direcionar o olhar a uma perspectiva de busca e afirmação de princípios e normas que possam garantir o direito dessas mulheres e crianças que são mutiladas, no que se diz respeito o direito das mulheres. 47 6 BIBLIOGRAFIA ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E.; DO NASCIMENTO, CASELLA. Paulo Borba. Manual de direito internacional público. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. ALMEIDA, Jane. “As lutas femininas por educação, igualdade e cidadania”. In Revista brasileira de estudos pedagógicos, Brasília, v. 81, n. 197, p. 5-13, jan./abr. 2000. AMARAL JR, Alberto. Curso de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2011. BBC BRASIL. A dor de urinar, menstruar e dar à luz após a Mutilação Genital Feminina, 2016. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional/2016/05/160426_mutilacao_genital_de poimento_fn. Acesso em: 14 maio 2016. BALDI, Cesar A. “Os Direitos Humanos e as Concepções Não-ocidentais: O que o Islã tem a ver com isto?”. In Revista da Procuradoria-Geral do Estado, Porto Alegre, v. 28, n. 59, p. 117-136, jun. 2004. BARLAS, Asma. “Believing Women” in Islam: Unreading Interpretations of the Qur’an. 1 ed. University of Texas Press, 2002. Patriarchal BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed., atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. BOROS, Crina. Egypt is worst Arab state for women, Comoros best. Thomson Reuters Foundation, 2013. Disponível em: <http://news.trust.org/item/20131108170910-qacvu/?source=spotlight-writaw> Acesso em: 05 abr. 2016. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8. ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2013. COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996. ESPINOLA, Claudia V. A mulher no Islã - gênero, violência e direitos humanos. In: X Jornadas sobre Alternativas religiosas - sociedad y religion en el Tercer Milenio, 2000, Buenos Aires. Cd - room, 2000. ESSE, Luis Gustavo. Aspectos gerais sobre o sistema árabe de proteção aos direitos humanos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 116, set 2013. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13606&revista_cadern o=29>. Acesso em 03 abr. 2016. 48 FACHIN, Melina G. et al. “Flor do Deserto”: Ponderações sobre Arte, Direitos Humanos e Cultura. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, v. 17, 222-224, 2012. GUERRA, Sidney. Direitos humanos: curso elementar. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2014. GURGEL, Telma. Feminismo e luta de classe: história, movimento e desafios teórico-políticos do feminismo na contemporaneidade. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 9, 2010, Florianópolis. Fazendo Gênero 9, 2010. LIMA, Carolina Arantes Neuber. A fundamentação dos direitos humanos. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 25 jun. 2013. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.44061&seo=1>. Acesso em: 31 mar. 2016. LISBOA, T. K.. O empoderamento como estratégia de inclusão das mulheres nas políticas sociais. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 8, 2008, Florianópolis. Seminário Internacional fazendo Gênero 8. Florianópolis, 2008. OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. World report on violence and health. Genebra, Suíça. 2002. Disponível em: <http://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/summary_e n.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016. OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Eliminação da Mutilação Genital Feminina: Declaração conjunta OHCHR, ONUSIDA, PNUD, UNECA, UNESCO, UNFPA, ACNUR, UNICEF, UNIFEM, OMS. Genebra, Suíça. 2008. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241596442_por.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016. WHO (2006). Progress newsletters: Female Genital Mutilation – new knowlegde spurs optimism. Department of Reproductive Health and Research, World Health Organization, Geneva. Disponível em: <http://www.who.int/reproductive-health/fgm/> Acesso em: 04 maio 2016. ONU BR: UNIFEM apresenta ONU Mulheres para ministras da América Latina e Caribe, 2010. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/unifem-apresenta-amanha147-onu-mulheres-para-ministras-da-america-latina-e-caribe/>. Acesso em: 04 maio 2016. ONU Mulheres: Empoderamento econômico. 2013. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/areas-tematicas/empoderamento-economico/>. Acesso em: 05 maio 2016. ONU Mulheres: Princípios de empoderamento das mulheres, 2013. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/programasemdestaque/onu-mulheres-e-pactoglobal-das-nacoes-unidas/>. Acesso em: 07 abr. 2016. ONU Mulheres: Sobre a ONU Mulheres, 2010. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/onu-mulheres/sobre-a-onu-mulheres/>. Acesso em: 07 abr. 2016. 49 ONU, Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discrimulhe r.htm.> Acesso em: 04 maio 2016. ONU: Guia sobre desenvolvimento sustentável: 17 objetivos para transformar o nosso mundo, 2015. Disponível em: <https://www.unric.org/pt/images/stories/2016/ods_2edicao_web_pages.pdf.> Acesso em: 04 maio 2016. PALHARES, Dario; SQUINCA, Flávia. "Os desafios éticos da mutilação genital feminina e da circuncisão masculina." 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n3/a07v21n3.pdf. Acesso em: 07 abr 2016. PIACENTINI, D. Q. Direitos Humanos e Interculturalismo: análise da prática cultural da mutilação genital feminina. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007. PIEDADE, Sandra M. Mutilação Genital Feminina em Portugal. Dissertação de mestrado em Psicologia Social e das Organizações apresentado no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. 2008 PINTO, Celi Regina J. Feminismo, História e poder. Revista de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), v. 18, p. 15-23, 2010. PIOVESAN, Flávia. Tratados internacionais de direitos humanos: jurisprudência do STF. In: Sidney Guerra e Lilian Balmant Emerique (org.). (Org.). Perspectivas Constitucionais Contemporâneas. 1. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, v. 1, p. 131-156. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12. ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2011. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed., revista e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. SELEM, Maria Célia O.; RODRIGUES, M. L. A. Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos, 2006. (Desenvolvimento de material didático ou instrucional - Material didático). SOW, Fatou. "As mutilações genitais femininas: estado atual na África.” Revista eletrônica Labrys Estudos Feministas, Brasília, Montreal, Paris 5 (2004). UNICEF: Female Genital Mutilation/Cutting: A statistical overview and exploration of the dynamics of change. New York, 2013. Disponível em: <http://www.apav.pt/apav_v3/images/pdf/UN_Report_FGM.pdf.> Acesso em 03 de maio de 2016.