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Colóquios Garcia de Orta, Volume 2, 2015: 4 Página 1 de 5 RELATO DE CASO Doença de Kikuchi-Fujimoto. Caso clínico Kikuchi-Fujimoto disease. Case report 1 2 2 1 Pedro Correia Azevedo , Joana Silva , Ricardo Macau , Francisca Delerue , João Namora 1 1. Serviço de Medicina Interna, Hospital Garcia de Orta, Almada 2. Serviço de Nefrologia, Hospital Garcia de Orta, Almada Recebido 15.01.2015; Aceite 19.03.2015; Publicado 07.04.2015 Resumo Abstract Uma mulher de 31 anos, com nódulos e desconforto na região cervical direita e emagrecimento foi referenciada à consulta de Medicina Interna por suspeita de doença linfoproliferativa. Apresentava adenomegalias cervicais posteriores esquerdas sem sinais inflamatórios, sem outras organomegalias. A biópsia ganglionar revelou aspectos de linfadenopatia de Kikuchi. A avaliação laboratorial permitiu excluir causas infecciosas e imunológicas. O mielograma e a tomografia computorizada corporal não mostraram alterações. Dado a escassa sintomatologia foi apenas medicada com anti-inflamatório não esteróide. Assistiu-se a melhoria clínica e desaparecimento das adenomegalias. A doença de Kikuchi é uma causa rara de adenomegalias cervicais em mulheres jovens cursando com febre e emagrecimento. A etiologia é desconhecida. Habitualmente os sintomas resolvem espontaneamente em um a quatro meses; em casos mais graves podem ser iniciados glucocorticóides. Alguns doentes desenvolvem lupus eritematoso sistémico. A 31 year-old woman, with nodules and discomfort in the right cervical region and weight loss was referred to Internal Medicine outpatient clinics on suspicion of lymphoproliferative disease. She had left posterior cervical lymphadenopathy without inflammation, nor other enlarged organs. The lymph node biopsy revealed aspects of Kikuchi lymphadenopathy. Laboratory evaluation allowed to exclude infectious and immunological causes. The myelogram and body CT scan showed no abnormalities. Given the limited pain she was only treated with non-steroidal antiinflammatory drug. There has been clinical improvement and disappearance of lymphadenopathy. Kikuchi's disease is a rare cause of cervical lymphadenopathy in young women complaining with fever and weight loss. The etiology is unknown. Usually the symptoms resolve spontaneously in one to four months; in more severe cases may be used glucocorticoids. Some patients develop systemic lupus erythematosus. Palavras chave: Adenomegalias, doença de Kikuchi. Index terms: Kikuchi disease, lymphadenopathies. http://www.hgo.pt/revista/index.php/coloquiosgo/article/view/68/75 Correspondência: Pedro Correia Azevedo, Serviço de Medicina Interna, Hospital Garcia de Orta, Av. Prof. Professor Torrado da Silva, 2801-951 Almada, Portugal, [email protected] Página 2 de 5 Colóquios Garcia de Orta, Volume 2, 2015: 4 ————————————————————————————————————– INTRODUÇÃO A ocorrência de adenomegalias regionais é mais frequente na região cervical, sendo estas geralmente secundárias a infecções da cavidade oral ou de origem dentária. Podem, no entanto, ser expressão de doenças infecciosas como a mononucleose infecciosa, a infecção por citomegalovirus, a toxoplasmose e, por vezes, a tuberculose 1 ganglionar. As adenomegalias cervicais da criança e do adulto jovem são frequentemente devidas a doenças benignas. Pelo contrário, acima dos 50 anos predominam adenomegalias provocadas por doenças malignas, como as neoplasias da cabeça e do pescoço, da mama, do pulmão e da glândula 1 tiroideia, além das doenças linfoproliferativas. As adenomegalias generalizadas, além das etiologias já referidas, podem ser devidas à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), das hepatites virais, a bartonella, entre outras doenças infecciosas. Por outro lado, são manifestações frequentes de doenças do foro hematológico, nomeadamente leucemia linfocítica crónica, da 1,2 doença de Hodgkin e dos linfomas não-Hodgkin. Entre as inúmeras etiologias possíveis das adenomegalias generalizadas incluem-se ainda doenças granulomatosas como a Sarcoidose e doenças do tecido conjuntivo, como a artrite reumatóide, o lupus eritematoso 1 sistémico (LES) ou a conectivite indiferenciada. RELATO DE CASO Uma doente do sexo feminino com 31 anos de idade, caucasiana, doméstica, anteriormente saudável e sem queixas prévias, notou, desde o início de 2013, o aparecimento de tumefações nodulares na região cervical direita, ligeiramente dolorosas, emagrecimento de seis quilos em seis meses, sem febre ou outros sintomas acompanhantes. Recorreu à consulta de Medicina Geral e Familiar, onde foram constatadas adenomegalias na região cervical direita, tendo a ecografia de partes moles do pescoço confirmado os referidos focos ganglionares. Não havia repercussão significativa no estado geral, nem os exames laboratoriais entretanto efectuados mostravam alterações relevantes. Por suspeita de doença linfoproliferativa foi enviada à consulta de Medicina Interna hospitalar. Foi observada nesta consulta cerca de um ano após o início das queixas, altura em que referia dor tipo moinha nas regiões latero-cervicais, sem exacerbação com os movimentos do pescoço. Tinha também notado aumento de peso de cerca de dois quilos, mantinha-se apirética e sem quaisquer outras queixas. Nos antecedentes pessoais nada havia a salientar, nomeadamente negando tuberculose pulmonar, diabetes mellitus, artralgias, infecção respiratória a preceder as queixas, mordedura de animais, hábitos toxifílicos ou hábitos sexuais de risco. Na primeira observação em consulta estava apirética, TA 107/69mmHg, pulso 60/min rítmico, peso 56,7kg, altura 1,50m 2 (IMC 22kg/m ). Palpavam-se duas adenomegalias laterocervicais posteriores à esquerda com dimensões de 2x1cm, ligeiramente dolorosas à palpação, móveis em relação com os planos superficiais e profundos. Não foram detectadas adenomegalias nas restantes cadeias ganglionares. Não havia alterações da orofaringe, a auscultação cardiopulmonar era normal, o abdómen era depressível e indolor, sem organomegalias ou massas palpáveis, não foram detectados edemas dos membros inferiores e não se constataram alterações cutâneas ou sinais inflamatórios articulares. Foram pedidos vários exames complementares, dos 3 quais se salientaram eritrócitos 3900000/mm , hemoglobina 11,8 g/dL, hematócrito 35%, volume globular médio 90,7 fL, 3 leucócitos 4400/mm (neutrófilos 47,5%, eosinófilos 2,6%, basófilos 0,4%, linfócitos 36,5%, monócitos 13%), velocidade de sedimentação 13 mm na 1ª hora, proteína C-reactiva 0,2 mg/dL, glucose 86 mg/dL, ureia 41 mg/dL, creatinina 0,6mg/dL, ionograma com sódio 141 mmol/L, potássio 3,7 mmol/L e cloro 108 mmol/L. Para investigação de eventual etiologia infecciosa foram pedidos RPR e serologia para VIH 1 e 2 que foram negativas. As serologias para parvovírus B19, toxoplasma gondii, herpes simplex e bartonella também foram negativas. As serologias para citomegalovírus e vírus de Epstein-Barr apresentaram valores negativos de IgM e valores baixos de IgG sugestivos de cicatriz serológica. A serologia para vírus da Hepatite C era negativa e a serologia para o vírus de Hepatite B apenas revelou anticorpo anti-HBs positivo (compatível com vacinação). Foram pedidos marcadores neoplásicos, todos dentro na normalidade (CEA 1,6 ng/mL, alfa-fetoproteína 0,6 ng/mL, Ca125 12,7 U/mL, Ca19.9 43,6 UI/mL, Ca15.3 17,6 UI/mL), excepto beta-2 microglobulina de 2,7 mg/dL (intervalo de referência: [0,8-2,2 mg/dL). O doseamento do enzima conversor da angiotensina era normal (37 UI/L). Foi efectuada biópsia ganglionar de adenomegalia cervical que revelou “gânglio linfático aumentado, com perda parcial da arquitectura; vêem-se extensas áreas de necrose de padrão apoptótico com macrófagos de corpos tingíveis, sem neutrófilos; são positivas para CD30; a cápsula e os sinusóides estão preservados; os aspectos são sugestivos de linfadenopatia de Kikuchi, a correlacionar com os dados clínicos e exames complementares; a pesquisa de EBV-CISH no gânglio foi negativa; é necessária a exclusão de LES como diagnóstico clínico diferencial” (Figura 1). Neste sentido foram pedidas serologias para doenças do tecido conjuntivo com resultados todos negativos, nomeadamente ANA, anticorpos anti-dsDNA e anti-Sm. Dada a suspeita inicial de doença linfoproliferativa foi concomitantemente efectuada tomografia computorizada (TC) Colóquios Garcia de Orta, Volume 2, 2015: 4 Página 3 de 5 ————————————–————————————————————————– A B Figura 1. Histologia de adenomegalias excisada revelando extensas áreas de necrose de padrão apoptótico com macrófagos de corpos tingíveis, sem neutrófilos; a cápsula e os sinusóides estão preservados. A - Coloração por hematoxilina-eosina (HE), ampliação 5 vezes. B - HE, ampliação 40 vezes cervico-toraco-abdomino-pélvica que não revelou outras alterações para além das descritas em ecografia cervical, nomeadamente não havendo envolvimento adenopático das cadeias profundas torácicas e abdominais, ou noutras topografias (Figura 2). Também foi realizado mielograma o qual revelou “medula óssea com celularidade normal, relação mielóide/eritróide conservada; não se observa aumento relativo dos linfócitos nem alterações da sua morfologia”. Em face do diagnóstico de doença de Kikuchi-Fujimoto com escassos sintomas, a doente foi medicada com naproxeno, omeprazol e paracetamol durante cerca de dois meses. Assistiu-se ao desaparecimento completo das adenomegalias, o que foi confirmado com nova TC-corporal. Seis meses após suspensão da terapêutica encontrava-se completamente assintomática, mantendo-se no entanto em vigilância clínica e laboratorial periódica na consulta externa. Figura 2. Imagens de reconstrução coronal de tomografia computorizada cervico-torácica em que se detectam adenomegalias cervicais laterais Página 4 de 5 Colóquios Garcia de Orta, Volume 2, 2015: 4 ————————————————————————————————————– DISCUSSÃO A doença de Kikuchi, também denominada doença de Kikuchi-Fujimoto, é uma doença rara, de evolução benigna, de causa desconhecida e que se caracteriza pelo aparecimento 3,4 de adenomegalias cervicais e febre. O exame histológico das adenomegalias permite identificar a doença e diferenciá-la de outras patologias mais graves, como as doenças linfoproliferativas, que se podem 5-7 apresentar de modo idêntico. Foi, na realidade, a suspeita inicial do caso clínico que levou a que a doente fosse referenciada ao hospital e justificou os exames complementares de diagnóstico efectuados. Embora a patogénese desta doença seja desconhecida, as manifestações clínicas e as alterações histológicas sugerem uma resposta imune das células T e histiócitos a um 8,9 eventual agente infecioso. Esta doença, inicialmente descrita em jovens mulheres de origem asiática, também ocorre em homens e em doentes de outros grupos étnicos. Na maioria dos casos os doentes têm menos de 40 anos de idade e encontravam-se previamente 3,4 saudáveis. A manifestação clínica mais frequente é a febrícula associada a adenomegalias cervicais. Podem ainda ocorrer cansaço, artralgias, artrite, eritema cutâneo, hepatoesplenomegalia, sudação nocturna, náuseas, vómitos, diarreia 3,4,9,10 e perda de peso. No caso descrito ocorreu febre baixa e emagrecimento apenas na fase inicial da doença. Pensamos mesmo que as adenomegalias já se encontravam menos evidentes e a doença provavelmente já estaria numa fase de regressão. Com efeito, a doente deveria ter tido acesso à consulta de Medicina Interna hospitalar mais cedo, dado a necessidade de um rápido diagnóstico diferencial com doença linfoproliferativa. O diagnóstico de doença de Kikuchi é estabelecido por exame histológico de gânglio linfático, preferencialmente por 11 biopsia excisional . O exame histológico em regra revela focos paracorticais, geralmente com necrose, e infiltrado 3-7 histiocitário. No presente caso, a expressão clínica e laboratorial frustre e a rapidez de execução da biopsia ganglionar permitiram estabelecer o diagnóstico em ambulatório, sem necessidade de internamento. Em todos os doentes deve ser efectuada serologia para investigação de LES, já que se trata da doença que pode originar as mesmas alterações histológicas a nível 12,13 ganglionar. Na marcha diagnóstica efectuada no caso relatado, a serologia para doenças do tecido conjuntivo, em particular para LES, foi negativa. Não se encontra estabelecido tratamento específico para a doença de Kikuchi. A sintomatologia geralmente desaparece em cerca de quatro meses. Podem ser utilizados antiinflamatórios não-esteróides para alívio de sintomas locais relacionados com as adenomegalias, assim como em caso de febre. Nas situações mais graves, com sintomas severos ou persistentes, tem havido boa resposta à corticoterapia, podendo ser necessário recorrer a pulsos de metilprednisolona. Entre as situações mais graves identificaram-se casos de meningite asséptica, ataxia cerebelosa, envolvimento hepático grave e, mesmo, 13-16 síndromas “lupus-like”. Estão descritos casos de 17 recorrência e recaída da doença. No presente caso, dada a escassez de sintomas, optouse por não recorrer à terapêutica mais agressiva, tendo a evolução clínica sido excelente. A doente mantém-se sob vigilância periódica. Em conclusão, o presente caso reveste-se de importância clínica, já que a doença de Kikuchi-Fujimoto é uma patologia relativamente rara mas que deve sempre ser equacionada na abordagem diagnóstica nos doentes com poliadenomegalias. No diagnóstico diferencial deve existir uma especial atenção para a investigação de doenças linfoproliferativas. O diagnóstico definitivo desta patologia é histológico. Apesar de um prognóstico geralmente favorável, a monitorização destes doentes é importante pela possível evolução para LES. REFERÊNCIAS 1. Henry PH, Longo DL. Lymphadenopathy and Splenomegaly. In Harrison’s Principles of Internal Medicine. 18th Ed. 2012; 50 (10): 278-83. 2. Hudnall SD. Kikuchi-Fujimoto Disease. Is the Epstein-Barr virus the culprit?. Am J Clin Pathol 2000; 113 (6): 761-4. 3. Fujimoto Y, Kozima Y, Hamaguchi K. Cervical necrotizing lymphadenitis: a new clinicopathological agent. Naika 1972. 20: 920-7. 4. Kikuchi M. 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