Cartilha Biodversidade - Centro Acadêmico de Biologia UEL
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Cartilha Biodversidade - Centro Acadêmico de Biologia UEL
1 2 3 Sumário As mudas romperam o silêncio ................................................................................... 4 Elogio do Aprendizado ................................................................................................ 6 Cartas de Amor — Nº 170: À dialética do futebol ..................................................... 7 I – As mudanças no mundo e os desafios civilizatórios ............................................. 8 II – Olhando para a esquerda .................................................................................... 11 III – A organização e a emancipação de classe ......................................................... 34 IV – A luta pelo poder ............................................................................................... 50 V – A história de um país que quer existir ................................................................ 58 VI – A Bolivia, Honduras e o resto do Mundo: ........................................................ 61 VII – Sementes, terra e água: os idos de março ....................................................... 63 VIII – Concentração da indústria mundial de sementes - 2005 ............................... 65 IX – Oligopóio S. A. 2005: Concentração do Poder Corporativo ........................... 78 X – Elementos para um balanço de conjuntura nacional ......................................... 97 XI – Noticias da economia e da sociedade brasileira ............................................. 106 XII – No Brasil, número de ricos cresce mais que no mundo ............................... 115 XIII – Construir um projeto nacional, popular, unitário entre todas as forças sociais do Brasil ........................................................................... 117 XIV – Plataforma política para uma agricultura soberana e popular ..................... 124 4 As mudas romperam o silêncio Manifesto de homens e mulheres em solidariedade às mulherescamponesas da Via Campesina I Havia um silêncio sepulcral sobre dezoito mil hectares roubados dos povos tupi-guarani sobre dez mil famílias quilombolas expulsas de seus territórios sobre milhões de litros de herbicidas derramados nas plantações Havia um silêncio promíscuo sobre o cloro utilizado no branqueamento do papel a produzir toxinas cancerígenas que agridem plantas, bichos e gentes sobre o desaparecimento de mais de quatrocentas espécies de aves e quarenta de mamíferos do norte do Espírito Santo Havia um silêncio intransponível sobre a natureza de uma planta que consome trinta litros de água-dia e não dá flores nem sementes sobre uma plantação que produzia bilhões e mais bilhões de dólares para apenas meia dúzia de senhores Havia um silêncio espesso sobre milhares de hectares acumulados no Espírito Santo, Minas, Bahia e no Rio Grande do Sul Havia um silêncio cúmplice sobre a destruição da Mata Atlântica e dos pampas pelo cultivo homogêneo de uma só árvore: o eucalipto. Havia um silêncio comprado sobre a volúpia do lucro Sim, havia um silêncio global sobre os capitais suecos sobre as empresas norueguesas sobre a grande banca nacional Por fim havia um imenso deserto verde em concerto com o silêncio. II De repente milhares de mulheres se juntaram e destruíram mudas a opressão e a mentira 5 As mudas gritaram de repente e não mais que de repente o riso da burguesia fez-se espanto tornou-se esgar, desconcerto. III A ordem levantou-se incrédula clamando progresso e ciência imprecando em termos chulos obscenidades e calão Jornais, rádios, revistas, a internet e a TV, as empresas anunciantes executivos bem-falantes assessores rastejantes técnicos bem-pensantes os governos vacilantes a direita vociferante e todos os extremistas de centro fizeram coro, eco, comício e declarações defendendo o capital: “Elas não podem romper o silêncio!” E clamaram por degola. IV De repente não mais que de repente milhares de mulheres destruíram o silêncio. V Naquele dia as terras ditas da Aracruz as mulheres da Via Campesina foram o nosso gesto foram a nossa fala. 17 abril de 2006 Dia internacional da luta camponesa 6 Elogio do Aprendizado Bertolt Brecht Aprenda o mais simples! Para aqueles cuja hora chegou Nunca é tarde demais! Aprenda o ABC; não basta, mas aprenda! Não desanime! Comece! É preciso saber tudo! Você tem que assumir o comando! Aprenda, homem no asilo! Aprenda, homem na prisão! Aprenda, mulher na cozinha! Aprenda, ancião! Você tem que assumir o comando! Freqüente a escola, você que não tem casa! Adquira conhecimento, você que sente frio! Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma. Você tem que assumir o comando. Não se envergonhe de perguntar, camarada! Não se deixe convencer! Veja com seus próprios olhos! O que não sabe por conta própria, não sabe. Verifique a conta É você que vai pagar. Ponha o dedo sobre cada item Pergunte: o que é isso? Você tem que assumir o comando. “Elogio do Aprendizado”, Poemas 1913-1956. 7 Cartas de Amor — Nº 170 À dialética do futebol Ademar Bogo Bendito seja o futebol que une a humanidade sob o sol. Que transforma os povos em torcidas, que as diferenças, entre eles, são em campo resolvidas e os ataques são para forjar a alegria. O gol é a utopia, onde as nações almejam a todo instante. É um lugar próximo e às vezes tão distante, que os atletas, para chegar, gastam todas as energias. O futebol é um divertimento tenso. Mas é uma aposta de bom senso, onde a luta dos contrários é necessária. A bola é adversária e ao mesmo tempo companheira. As torcidas, inimigas, são de brincadeira, que empurram seus times para frente; gritam e festejam alegremente, quando as vitórias chegam por inteiras. A bola está em todos os lugares. Habita nossos lares e brinca com as crianças. Mas nos jogos, avança, ataca e deixa as torcidas até sem fala; depois da investida, cala, realizando um golaço, como se mostrasse o seu cansaço, deixa-se pegar novamente com as mãos; ela se aquieta, enquanto a multidão; festeja, gagueja e ergue os braços. A torcida parece enfurecida, tudo o que pensa diz. Xinga a mãe do juiz, mas briga se alguém ofende a sua. A bola, como uma fêmea nua, quer sempre se esquivar do adversário; desperta a euforia e o imaginário, com os seus movimentos mais sutis. Quanto mais humilha, mais deixa feliz, quem sempre vai, em sentido contrário. A bola então rola, rola, rebola, por diversas vezes; se parece com o traseiro das rezes em movimento. Como no acasalamento, chama o atleta que tem habilidade; com ele tem fidelidade, como a comida que sacia a fome; nesse gingar não importa o nome, podem ser Pelés ou Manés, no futebol se ama com os pés, e não há força que esta fúria dome. O futebol é uma janela, aberta na parede da favela. De lá, ainda pequenino, o menino se põe a sonhar, em um dia poder viajar, jogar em estádios lotados. E sentir por instantes silenciados os representantes da classe dominante, que na política são tão arrogantes, mas no esporte se dobram diante, de quem sempre consideraram ignorantes. O futebol provoca fortes emoções, faz bem aos corações. Reúne as multidões e as faz sonhar com um degrau acima; ele também resgata a auto-estima daqueles que por vezes se sentem derrotados. O esporte coletivo é indicado, para combater os individualistas; nele não entram os pessimistas, pois a derrota, de imediato, vira coisa do passado. Hoje, mesmo no capitalismo, o futebol move o internacionalismo. Atletas de línguas diferentes, em campo se entendem facilmente. Se as guerras fratricidas, que, a cada ano ceifam milhares de vidas, destroem áreas construídas, igrejas, pontes e escolas, se tornassem disputas esportivas, a humanidade tornarse-ia uma irmandade viva, pois ao invés de balas, produziria bolas. No futuro, quando os governantes deixarem de ser tão burros, ao invés de presídios cada vez mais seguros, construirão campos e estádios iluminados. Farão leis, onde será obrigado, praticar esporte todo o dia. E a sociedade que hoje é uma utopia, estará ao alcance das mãos; e viveremos como irmãos, pois estará derrotada a burguesia. Mas ainda não estaremos satisfeitos, para que se mantenha o respeito e cada qual saiba a sua função; o esporte não será mais profissão e passará a ser parte da cultura. Assim a gentileza e a ternura, serão comuns como os pratos e os talheres. E então, alcançaremos o desejo mais profundo, de termos em cada ano uma copa do mundo; uma de homens e outra de mulheres. 8 I. As mudanças no mundo e os desafios civilizatórios Anotações pessoais, copiadas da palestra do Pe. Inácio Neutzling (jesuíta, professor da Unisinos e diretor do Instituto Humanitas Unisinos - IHU) durante a Convenção Internacional da Ordem dos Capuchinhos, sobre Ecologia, Justiça e Paz- Porto alegre, 13 de março de 2006. Pe. Inácio Neutzling 1. Houveram mudanças profundas no mundo do domínio do capital e no trabalho. Estamos numa nova etapa do capitalismo. A humanidade entrou numa fase de transitoriedade. Como em outras raras ocasiões históricas. mércio. 6. E quando há crises desse mercado, todo fundamento do pensamento econômico ocidental, capitalista é que se deve resolver com guerras. A guerra é a maneira de obter vitória impondo o medo. Subjugando as pessoas. 2. Agora, o capital transforma tudo em mercadoria. E procura explorar tudo na pessoa, não apenas o trabalho (como era na fase do capitalismo industrial). Até a crença e a religiosidade das pessoas são transformados em mercadoria, para obter lucro. 7. Vivemos uma ideologia da abundancia de bens, mas apenas para poucos. Que não tem limites éticos de consumo. E aos que passam até fome, é um problema político, de distribuição, não de falta de comida. Pela primeira vez na história da humanidade as pessoas passam fome, por razões políticas e não por escassez. 3. Há uma transição na sociedade. Passamos do capitalismo industrial por uma situação de liberdade econômica total. A economia moderna explora e se baseia na escassez. Já não busca atender as necessidades das pessoas. 8. A abundancia não está sob signo da igualdade de condições. Por tanto a nível institucional, das leis, renunciouse à condição de que as pessoas são todas iguais, como estava previsto na Republica. Agora, as leis, o estado, o poder econômico, assume explicitamente que somos todos “diferentes” perante o mercado e os direitos. 4. Não existe mais sociedade, no sentido que as pessoas são sócias, parceiras comuns de uma sociedade. Agora só existe mercado. Onde se compra e vendem coisas. 5. A tese principal do capital é combater a pobreza e a desigualdade pelas forças naturais do mercado, pelo livre co- 9. O capital consegue acumular e se reproduzir sem que as pessoas necessi- 9 tem trabalhar, ser exploradas. É uma ruptura com a essência do capitalismo. seu individualismo. Eles pensam acumular apenas para que uma parte minoritária da classe viva melhor. É o fim do sentido de solidariedade. E é o fim do compromisso de uma geração de trabalhadores com a outra. Há uma ruptura do contrato social que havia na sociedade industrial, que os trabalhadores sabiam que seu ganho dependia da produção. Agora vai depender da especulação. Em diversos países, inclusive os fundos de pensão realizaram investimentos especulativos que aumentaram o desemprego, por tanto foram investidos contra a própria classe social. 10. As pessoas estão sendo treinadas ideologicamente para viverem apenas intensamente o momento presente. Excluem da vida, o passado e o futuro. Agora o tempo tem apenas o sentido do presente, e isso é uma ruptura com o sentido da história, da humanidade, da civilização. 11.A sociedade capitalista industrial havia herdado e foi construída sobre a base dos princípios filosóficos cristãosjudaicos baseado na necessidade do trabalho, de medir o tempo entre passado e presente e planejar o futuro. As pessoas eram induzidas a acumular para melhorar as condições de vida no futuro. O atual modo de acumular rompe com essa tradição judaica-cristão. 14.O combate a pobreza, vai depender de um novo contrato social, que ainda não está no horizonte da luta de classes. 15.Na sociedade moderna do capitalismo industrial houve uma substituição do mundo religioso, da fé (da idade média) pelo sentido do contrato social, da existência do estado. Agora, há uma nova substituição do social, da sociedade, do estado, pelo hiper-individualismo, que é representado na ideologia de que o sujeito só é feliz e se realiza consumindo. E consumindo muito. Mas são soluções individuais, para si apenas. 12.Numa sociedade agora dominada pelo capital financeiro, o dinheiro virou o bem material invisível, é a nova forma de dominação, de exploração. Basta saber que existem hoje 1,5 trilhões de dólares que circulam diariamente explorando e se reproduzindo no mundo. Mas ele não representa, não tem mais nenhuma contrapartida na produção real. 16.Como então combater a pobreza e a desigualdade, que é o maior flagelo da sociedade, se mesmo os pobres sonham apenas com uma saída individual representada na oportunidade deles também poderem consumir, individualmente. E como não podem consumir, se iludem com as fantasias. 13.Há mudanças também no comportamento da antiga classe operária. Agora há uma elite que se formou ao redor dos fundos de pensão. Esses fundos representam um rompimento com a classe. Eles são a financeirização da classe trabalhadora. É supra sumo de 10 17.Como combater a violência social presente nas cidades, se ela é apenas conseqüência dessa vontade do consumismo? Ela é anti-tese do valor da solidariedade que estava presente em todas as outras etapas da sociedade. Não é por acaso, que a violência é praticada com mais freqüência de pobres, marginais contra outros pobres. seqüências ambientais. 21.Como pensar um novo modo de vida de novas relações solidárias entre as pessoas, que não se baseia no consumismo, no individualismo, no oportunismo pessoal? Esse é o verdadeiro dilema da sociedade nesse quadrante de nossa historia. E para isso enfrentará a ordem dominante que prega apenas o direito a lucros, juros, consumo. E o resto salve-se quem puder! 18.Há uma situação em que temos uma máquina estrutural, do capital, que gera cada vez mais pobres, mais desiguais. E no máximo que o estado é impelido a fazer é colocar um bandaid/ um esparadrapo nessa chaga social. Será que as congregações religiosas que tiveram um papel importante na luta contra a desigualdade agora também querem apenas colocar o esparadrapo? 22.A Nova ordem devera estar baseada necessariamente nos valores da igualdade, da solidariedade e da justiça social. 23.A sociedade capitalista neoliberal é uma sociedade post-cristianismo. Não tem nada a ver com os princípios do cristianismo. Os cristãos não podem e não devem ser apenas bombeiros do capital. Nós precisamos nos perguntar para as organizações dos pobres, como devemos lutar para combater a pobreza e a desigualdade, e não apenas querer ensinar... 19.Essa lógica econômica produz uma crise ideológica profunda, porque há uma ruptura entre a esfera da acumulação financeira e as necessidades dos indivíduos. 20.O Movimento ambientalista, ecológico nesse sentido é vanguardista porque ele denuncia e chama atenção de que é impossível seguir acumulando destruindo o meio ambiente que coloca em risco a sobrevivência. Pode-se combater a pobreza também denunciando os resultados da super-exploração. (Talvez seja por essa razão que o capital e seus asseclas reagiram com tanta virulência contra a denuncia que a manifestação das mulheres campesinas fizeram no dia 8 de março.) No fundo elas denunciaram o super-consumismo que não mede con- 24.Nosso compromisso deve ser buscar “um outro mundo necessário”! E isso se constrói dialeticamente entre as mudanças sociais e as mudanças pessoais e vice-versa, para construir uma nova sociedade sobre a base de novos parâmetros. 25.As religiões e as pessoas religiosas podem contribuir para encontrar as saídas para esses desafios. E mudar a sociedade, com base em novos valores e princípios éticos. Há tempo e disposição para isso? 11 II – Olhando para a esquerda 1 Jose Luís Fiori “De nada serve partir das coisas boas de sempre, mas sim das coisas novas e ruins” (Bertold Brecht) RESUMO Neste início do Século XXI, uma sucessão de vitórias eleitorais coloca a esquerda latino-americana frente ao desafio de governar democraticamente, como os europeus fizeram, sobretudo na segunda metade do século XX. Mas nesta hora, a esquerda européia está vivendo uma crise de identidade, depois de uma sucessão de derrotas eleitorais e de divisões internas, cada vez mais profundas. Mesmo assim, a experiência européia segue sendo uma referencia decisiva, para repensar o que seja uma “gestão socialista” de uma sociedade nacional e de um capitalismo periférico, que vive na sombra imediata do poder norte americano? Para desbloquear seus caminhos, entretanto, a esquerda precisa recolocar-se o problema histórico e teórico das relações entre os processos de globalização do poder e do capital, com as lutas políticas dos povos, e o crescimento desigual da riqueza das nações. 1. O mapa conjuntural da esquerda. “convergência” que aumentou ainda mais, depois da II Guerra Mundial, com a ajuda da política externa dos Estados Unidos de combate sistemático a todos os partidos e governos que fossem ou tivessem qualquer tipo de inclinação de esquerda. Neste início do Século XXI, está acontecendo algo inédito na América Latina, um continente que se move de forma sempre sincrônica, apesar de sua enorme heterogeneidade interna. Basta olhar para trás para perceber as notáveis convergências de sua história, durante suas “guerras de formação”, na primeira metade do século XIX; na hora de sua integração “primário-exportadora” à economia industrial européia, depois de 1870; ou mesmo, no momento de sua reação defensiva e “desenvolvimentista”, frente à crise mundial, da década de 1930. Uma Logo depois do início da Guerra Fria, ainda nos anos 40, quase todos os países do continente colocaram na ilegalidade, simultaneamente, os seus Partidos Comunistas. Apesar de que só em alguns casos a perseguição aos comunistas tenha chegado ao extremo do Chile, que os prendeu e confinou em campos de concentração, nas regiões mais frias e desérticas do país. Na década de 50, esta mesma “convergência latino-americana” reapareceu na derrubada simultânea de vários governos 1 Este artigo foi escrito originariamente para a revista alemã “International Journal of Action Research”. 12 eleitos democraticamente, como no caso da Guatemala, do Brasil, da Argentina e da Colômbia. Apesar de que só no caso da Guatemala houve uma intervenção norte-americana direta e a repressão e o assassinato de mais de 200 mil pessoas. Muito mais do que na Colômbia do ditador Perez Jimenez, na Nicarágua e Cuba dos ditadores Anastázio Somoza e Fulgêncio Batista, apoiados igualmente pelos Estados Unidos. Logo em seguida, nas décadas de 1960 e 1970, esta velha sintonia continental aumentou ainda mais depois da frustrada invasão de Cuba, em 1961, seguida de uma série de golpes militares que instalaram regimes ditatoriais em quase toda a América Latina. Apesar de que nem todas as ditaduras tenham tido o mesmo nível de violência do Chile, onde se estima que tenham morrido mais de 20 mil pessoas, e da Argentina, onde foram assassinados ou desapareceram cerca de 35 mil pessoas. Na década de 80, a redemocratização simultânea do continente ocorreu no mesmo momento em que a violência da “2ª. Guerra Fria” (1982-1985) do presidente Ronald Reagan atingiu a América Central e o Caribe, como se fosse um tufão. Mesmo quando ela não tenha atingido a todos com a mesma intensidade que El Salvador, onde foram mortos ou assassinadas, em poucos anos, mais de 75.000 salvadorenhos. de políticas e reformas liberais que abriu, desregulou e privatizou suas economias nacionais, “clonificando” os governos neoliberais de Carlos Salinas, no México, Andrés Perez, na Venezuela, Carlos Menem, na Argentina, Fernando H. Cardoso, no Brasil e Alberto Fujimori, no Peru, entre outros. Com o passar do tempo, entretanto, o novo modelo econômico instalado pelas políticas liberais não cumpriu sua promessa de crescimento econômico sustentado e diminuição das desigualdades sociais. Na virada do novo milênio, a frustração destas expectativas contribuiu, decisivamente, para a nova inflexão sincrônica do continente que está em pleno curso: uma virada democrática e à esquerda, dos governos de quase todos os países da América do Sul, e talvez, em breve, do México. A eleição para presidente do líder indígena e socialista Evo Morales, na Bolívia, no final de 2005, e da militante socialista Michele Bachelet, no Chile, no início de 2006, foram apenas dois pontos de uma trajetória vitoriosa que começou, no Brasil, em 2002 e que seguiu na Argentina, Venezuela e Uruguai, podendo chegar ao Peru, Equador e México, ainda em 2006. Uma verdadeira revolução político-eleitoral, sem precedentes na história latinoamericana e que coloca a esquerda frente ao desafio de governar democraticamente, convivendo – em geral – com a má vontade dos “mercados” e a hostilidade permanente da grande imprensa. Um desafio que foi vivido pela esquerda européia no século XX, mas que só foi experimentado tangencialmente pela esquerda latino-americana no século passado. Com o fim da Guerra Fria, na década de 1990, a “indução” norte-americana e a convergência dos “latinos” se deslocaram para o campo das políticas econômicas. Como parte da renegociação de suas dívidas externas, quase todos os governos da região adotaram um programa comum 13 O grande paradoxo é que estas vitórias e novos desafios latino-americanos surgem no momento em que as esquerdas européias vêm sofrendo sucessivas revezes eleitorais e divisões políticos. As derrotas começaram na Itália e na França, em 2001 e 2002, e se repetiram, mais recentemente, na Alemanha e Portugal, em 2005 e 2006. Mas a divisão e perda de rumo ficaram muito mais claras no Referendo sobre a Constituição européia, rejeitada pelos franceses e holandeses em 2005, e no caso da revolta dos jovens da periferia das grandes cidades francesas, no final do mesmo ano. Para não falar da decisão da social-democracia alemã de participar de um governo de coalizão com seus adversários da União Democrata Cristã e da União Social Cristã. É verdade que neste mesmo período os socialistas espanhóis venceram as eleições gerais de 2004, mas isto aconteceu com a ajuda indiscutível de uma tragédia “externa” que reverteu as expectativas eleitorais favoráveis aos conservadores, até a véspera das eleições. E também é verdade que os ingleses reelegeram o primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, em março de 2005, mas seu governo e seu partido têm se mostrado cada vez mais frágeis e divididos sobre todos os temas da agenda política britânica e européia. Mais ao leste, entretanto, na Europa Central os resultados eleitorais e as tendências da opinião pública tem sido igualmente negativos para as forças de esquerda. Na Polônia, a aliança Social-Democrata, que teve 41% dos votos nas eleições de 2001, acaba de ser derrotada por uma coalizão de extrema-direita. Na República Tcheca já houve três mudanças de primeiro-ministro desde a sua entrada na EU, mas seu governo está cada vez mais dividido e os social-democratas, que tiveram 2/3 dos eleitores, agora estão com apenas 11% dos votos prováveis. O mesmo vem acontecendo na Hungria e começa a se anunciar em outros países da região. Nesse contexto, os latino-americanos estão obrigados a discutir seus novos caminhos numa hora em que a esquerda européia perdeu o seu rumo e vive uma profunda crise de identidade. Ninguém duvida que o “mundo das idéias” de esquerda tem estado na defensiva e não existe, neste momento, em lugar algum, novas “sínteses teóricas”, “utopias empacotadas”, ou projetos acabados, como gostariam de ter alguns intelectuais. Talvez por isso, na América Latina, quem está agora abrindo ou tentando abrir novos caminhos são homens que não pertencem às elites intelectualizadas e que não estão em geral familiarizados com os debates clássicos da esquerda socialista ou marxista européia. São homens que defendem valores éticos, sociais e políticos populares, nacionais e igualitários, e que criticam as políticas neoliberais (pelo menos no plano retórico) e o intervencionismo imperial dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, defendem um projeto político e econômico sulamericanista. Mas assim mesmo, a experiência européia do século XIX e XX segue sendo uma referência decisiva para quem queira repensar – no início do século XXI – o que seja ou deva ser um governo democrático e de esquerda, ou uma “gestão socialista” do capitalismo, 14 uma vez excluída a possibilidade de ruptura revolucionária de contratos e instituições? Mais ainda, numa sociedade extremamente desigual e numa economia periférica, num momento de auge da globalização financeira e do poder norteamericano? isto propunha sua coletivização. Mas, ao mesmo tempo, ele propunha uma tese que ia muito além da questão da terra, e que se transformou de fato, a partir de então, na aporia fundamental da esquerda e de todo e qualquer socialismo, em qualquer tempo ou lugar. No século seguinte, os franceses Meslier, Mably, Morelly, Marechal e Babeuf repetiram, em distintas claves, o mesmo argumento e a mesma proposta de Gerrard Winstanley: só poderia haver igualdade social com o fim da propriedade privada da terra. Rousseau, entretanto, abriu um novo caminho “programático”, ao defender que o Estado assumisse a propriedade coletiva das terras, no seu “Projeto de Constituição para a Córsega”. Uma sugestão que foi retomada por Marx, no seu programa mínimo de governo, no fim do Manifesto Comunista, de 1848, onde ele propõe a estatização progressiva da propriedade privada e se separa definitivamente dos “socialista utópicos” que permaneceram fiéis ao “comunismo agrário” de Winstanley. 2. O debate e a experiência governamental da esquerda européia. Do ponto de vista propositivo, o ponto de partida da esquerda européia foi, sem dúvida alguma, o debate dos “democratas populares”, do exército revolucionário de Oliver Cromwell, de 1648. De um lado, estavam as propostas políticas e jurídicas dos “niveladores”, de John Lilburne e Richard Overton, que estão na origem do “liberalismo revolucionário” e da “democracia radical” dos séculos XVIII e XIX, e do outro, o projeto econômico dos “cavadores”, de Gerrard Westanley, que está na origem de todos os “socialismos utópicos” da história moderna. Os primeiros, reivindicando reformas que garantissem a igualdade jurídica e política de todos os indivíduos da nação inglesa. E o segundo, propondo um “comunismo agrário” que se transformou no primeiro programa revolucionário, feito para um governo parlamentar e republicano. Para Gerrard Westanley, não era possível conceber a existência de liberdade e igualdade política sem que houvesse igualdade econômica, e não haveria igualdade econômica enquanto existisse a propriedade privada. Ele estava falando da propriedade privada da terra e dos seus frutos e por Os “utópicos” não se colocavam o problema da conquista do poder, porque eles sempre foram favoráveis às experiências econômicas comunitárias, cooperativas ou solidárias, e às experiências políticas locais de democracia direta ou participativa. Por razões distintas, o problema da gestão estatal e socialista do capitalismo tampouco se colocou para as revoluções comunistas do século XX, que coletivizaram a propriedade privada e construíram economias de planejamento central. A crise recente dessas experiên- 15 cias eliminou-as do debate da esquerda, apesar de que até hoje ainda não tenha sido feita uma avaliação rigorosa dos seus resultados. De qualquer maneira, elas não se propuseram nem enfrentaram o problema da “gestão socialista” do capitalismo. Depois de Marx, este tema só foi discutido, efetivamente, pelos partidos socialistas, social-democratas e comunistas europeus, que participaram dos governos de “unidade nacional’ e das” frentes populares “, constituídos durante a I Guerra Mundial e na crise dos anos 1920/ 30, antes que se formassem os primeiros governos de maioria socialista, quase todos depois da II Guerra Mundial. três momentos fundamentais a partir das três grandes “revisões” a que foi submetida a matriz marxista, que havia se transformado na ideologia oficial do partido social-democrata alemão, o mais forte e bem sucedido da Europa, até o início da 1º Guerra Mundial. O primeiro e mais conhecido dos “revisionismos” - liderado por Eduard Bernstein – propôs em 1894, um primeiro “ajuste” das idéias de Marx às “novas formas” assumidas pelo capitalismo, no final do século XIX, e um ajuste dos objetivos programáticos dos social-democratas às exigências democráticas da competição eleitoral e da luta parlamentar. Segundo Bernstein, o progresso técnico e a internacionalização do capital haviam mudado a natureza da classe operária e do sistema capitalista, cujo desenvolvimento histórico concreto não estaria mais apontando na direção prevista por Marx, da “pauperização crescente” e da “crise final”. Como conseqüência, Bernstein propunha o abandono do socialismo como objetivo final e a opção por uma transformação permanente e sem fim, de dentro do próprio capitalismo. O essencial, neste primeiro momento, foi a opção pela via eleitoral, com todas as suas conseqüências estratégicas e programáticas, como ficou cada vez mais claro, através do século XX, e em particular, nos novos “ciclos revisionistas”, das décadas de 1950/ 60 e de 1980/90 Para reconstruir a história deste debate sobre estratégias eleitorais e programas de governo dos partidos de esquerda europeus, é melhor separar as experiências de governo, propriamente ditas, dos debates doutrinários. Foi em 1917, durante a 1ª. Guerra Mundial, que os social-democratas participaram, pela primeira vez, de um governo de coalizão, na Dinamarca. Depois, durante todo o Século XX, a experiência de governo dos partidos de esquerda pode ser aglutinada em três grandes períodos: i) de 1917 a 1938, entre as duas Grandes Guerras Mundiais, durante a “era da catástrofe”; ii) de 1964 a 1983, em plena Guerra Fria, durante a “era de ouro” do capitalismo; e, finalmente, iii) de 1992 a 2005, depois da queda do Muro de Berlim, durante o apogeu da utopia da globalização e das políticas neoliberais. Por outro lado, o debate doutrinário e estratégico dos partidos de esquerda europeus também pode ser organizado em Entre as duas grandes Guerras Mundiais, e durante a crise econômica da década de 30, os partidos social-democratas e socialistas europeus participaram de alguns governos de “união nacional”, na 16 década de 20, e de “frente popular”, na década de 30. Sempre em situações de emergência nacional ou internacional em que os partidos de esquerda tiveram que responder ao desafio imediato e abrir mão dos seus projetos reformistas. Os grandes problemas que estavam colocados sobre a mesma pelas guerras e pela crise, eram o colapso econômico, o desemprego e a inflação e os socialistas, social-democratas e comunistas não tinham uma posição própria sobre o assunto, nem sabiam rigorosamente o que fazer numa situação que não estava prevista em suas discussões teóricas e doutrinárias. Por isso acabaram acompanhando, invariavelmente, as idéias, propostas e políticas dos próprios conservadores, inclusive suas experiências pioneiras de planejamento de guerra. Com a grande exceção dos social-democratas suecos, que responderam à crise econômica de 30 com uma proposta original e ousada de incentivo ao crescimento econômico e pleno emprego, através de políticas anticíclicas desenvolvidas por Wicksell e os economistas da Escola de Estocolmo, e implementadas pelo seu ministro da fazenda, Ernst Wigforss. Com o uso combinado e simultâneo de “acordos sociais” entre empresários e sindicalistas, para o controle da evolução dos preços e dos salários. Mas este foi um caso raro de sucesso, no meio de um sem numero de fracassos dos social-democratas no comando da política econômica da Alemanha, entre 1928-30; da Grã Bretanha, entre 1929-31; da Espanha, entre 1928-30; e da França, entre 1936-37. mento de guerra foram aproveitadas pelo primeiro governo trabalhista inglês do imediato pós-guerra, entre 1945 e 1950, e pelos vários governos social-democratas dos pequenos países europeus, como Áustria, Bélgica, Holanda, e os próprios países nórdicos que seguiram sendo governados pelos social-democratas, depois da guerra. Mas além disto, estas idéias e experiências influenciaram decisivamente as duas grandes estratégias e propostas de governo que foram experimentadas pela esquerda, depois da II Guerra Mundial. A primeira e mais bem sucedida, foi a do “estado de bem estar social”, adotado por todos os governos socialdemocratas e trabalhistas, no período entre 1964 e 1983. Combinava políticas econômicas keynesianas pró-crescimento e pleno emprego com uma política fiscal de construção de redes estatais de infra-estrutura e proteção social universal. E a segunda proposta, foi a de “capitalismo de estado” adotada pelo Partido Comunista Francês, mas que teve uma influência difusa sobre a esquerda em vários lugares do mundo. Partia do conceito de “capitalismo organizado” formulado por Hilferding - e de sua hipótese de que a centralização do capital, que havia se acelerado a partir do final do século XIX, facilitava uma gestão planejada do capitalismo, desde que o estado contasse com um “núcleo econômico estratégico” de propriedade estatal. A opção majoritária dos social-democratas europeus pelo projeto do estado de bem estar social, ocorreu na década de 50, junto com uma segunda As “políticas anticíclicas”, os “pactos sociais” e a experiência do planeja- 17 grande “rodada revisionista” que culminou no Congresso da social-democracia alemã, em Bad Godesberg, em 1959. Foi nesta segunda “revisão”, que uma parte significativa da esquerda européia abandonou definitivamente as propostas clássicas – que às vezes ainda reapareciam no plano retórico – da revolução socialista e da eliminação da propriedade privada e do estado. O mais importante, entretanto, foi o giro de 180 graus que se completou naquele momento, dentro do pensamento socialista. Como vimos, o pensamento da esquerda moderna começa com uma tese e uma proposta muito claras, ainda que a equação pudesse ser utópica: “liberdade política = igualdade econômica = fim ou diminuição do peso da propriedade privada”. Deste ponto de vista, o que passou de essencial na década de 50, foi a transformação desta proposta originária, numa nova equação, que pode ser resumida de forma muito simples: “liberdade política = igualdade social = crescimento econômico = sucesso capitalista”. Foi a hora em que os socialistas e social-democratas deixaram de esperar ou apostar numa “crise final” do capitalismo, e passaram a lutar pelo sucesso do próprio capitalismo, o maior sucesso possível, como forma de criar empregos e financiar políticas distributivistas. É neste exato momento que uma parte significativa da esquerda européia abandona o “objetivo final socialista”, mesmo no plano retórico, e assume uma posição definitivamente “pró-capital”. Na primeira equação, formulada por Gerrard Winstanley, a liberdade socialista só existiria quando houvesse igual- dade econômica entre as pessoas, e isto só ocorreria quando se eliminasse ou diminuísse o peso da propriedade privada. Mas a partir da revisão da década de 50, só haveria aumento da liberdade e da igualdade se houvesse mais empregos e mais recursos fiscais e, portanto, mais crescimento econômico ou desenvolvimento acelerado do capitalismo. E portanto – em termos estritamente lógicos - o sucesso do capitalismo passou a ser uma condição indispensável do sucesso da própria esquerda. O que estava suposto e legitimava esta grande mudança de posição era a hipótese de no médio prazo, pelo menos, as políticas “pró-capital” teriam conseqüências “prótrabalho” e “pró-igualdade”. Essa talvez tenha sido a mudança teórica e doutrinária que teve efeitos mais radicais, em toda a história da esquerda, desde o debate entre “democratas populares” e os “comunistas utópicos”, dos exércitos de Cromwell. Neste novo contexto, as “estatizações” de grandes empresas – comuns na Inglaterra e na França do pósguerra - perderam importância e só foram recomendadas, nos casos indispensáveis, em nome da “eficiência econômica” e não da criação de um núcleo estratégico estatal “, como no caso do” capitalismo de estado” dos comunistas franceses. Três décadas depois, iniciava-se mais uma “rodada revisionista”, na hora em que os socialistas e social-democratas europeus abandonam o keynesianismo e a própria defesa do estado de bem estar social, e adotam as novas teses, reformas e políticas neoliberais, propostas, inicialmente, pelos governos conservado18 res dos países anglo-saxões. Quase ao mesmo tempo em que a União Soviética e os países da Europa Central viviam a crise final do seu “socialismo real”, de origem revolucionária. Esta nova “revisão” doutrinária foi menos surpreendente e disruptiva do que as duas anteriores. Afinal, agora se tratava apenas de seguir a opção dos anos 50, de acompanhar e estimular os “caminhos do capital”. Por isto Tony Blair pode declarar com legítimo orgulho numa entrevista para o Financial Times de janeiro de 1997, que o Labour “havia se transformado num partido ‘pró-business’ ”. Esta nova mudança de rumo se deu de forma quase contínua, a partir de 80, na Espanha de Felipe Gonzalez e na França de François Mitterand, e também na Itália de Bettino Craxi, e na Grécia de Andreas Papandreu. Na década de 90, entretanto, todos os ventos sopravam numa só direção liberalizante, e todos já repetiam como algo absolutamente óbvio o mantra da “necessidade das reformas” neoliberais para aumentar a competitividade internacional da Europa. E uma boa parte da esquerda já não se sentia mais na obrigação de qualificar as reformas ou discutir quem eram seus principais beneficiários e perdedores. Como se elas fossem neutras ou completamente voltadas para o “bem comum”. Foi a hora em que nasceu a “terceira via”, uma sistematização inglesa das novas teses, propostas e programas justificados com argumentos muito parecidos aos de Eduard Bernstein, no final do século XIX: segundo os trabalhistas ingleses da terceira via, de novo estão em curso mudanças globais que estão alterando a estrutura de classes e a capacidade de ação dos estados nacionais, o que exige uma adaptação das idéias e programas de esquerda a este novo mundo globalizado e desproletarizado, como explica Anthony Giddens, no seu livro, “The Third Way”, uma pequena introdução ao novo revisionismo. Nesta virada neoliberal dos anos 80/ 90, o “caso” espanhol foi o que teve maior repercussão e influência sobre a esquerda latino-americana, transformandose numa espécie de paradigma do “novo socialismo europeu”. González foi eleito com um programa de governo de tipo keynesiano, junto com um plano negociado de estabilização e crescimento econômico voltado para o pleno emprego e a eqüidade social. Mas logo no início do seu governo abandonou o seu programa keynesiano e trocou a “concertação social” - como forma de coordenação de preços e salários – pelo rigor fiscal e o desemprego, como preconizava o modelo neoliberal. No final do século XX, entretanto, foi ficando cada vez mais claro que as novas políticas e reformas tinham diminuído a participação dos salários na renda nacional, restringido e condicionado os gastos sociais, diminuído a segurança do trabalhador e tinham promovido uma concentração/centralização de capital e renda em todos os países europeus. Ficou claro tratarse de um conjunto de reformas e políticas “pró-capital” que não produziam os mesmos efeitos de médio prazo a favor do trabalho e pleno emprego, como no caso das políticas keynesianas do período 18641983. Não é de estranhar, portanto, que a esquerda européia venha sofrendo sucessi- 19 3. Caminhos e paradoxos vas derrotas eleitorais, e revezes políticos ainda mais graves, depois de 2001. Apesar de sua enorme diversidade, é possível identificar uma certa recorrência, em todos estes casos europeus: são partidos e governos socialistas, social-democratas, comunistas ou verdes, que sozinhos ou coligados, adotaram a agenda e as políticas neoliberais, na década de 80 ou 90, e agora vem sendo derrotados pelo seu próprio eleitorado tradicional. O mais perturbador, entretanto, é que a esquerda vem sendo derrotada por partidos conservadores de diferentes matizes, mas que defendem as mesmas políticas neoliberais, às vezes de forma ainda mais radical, como no caso recente da democracia cristã alemã, o que reforça a convergência ideológica e perda de identidade, como se a velha esquerda européia tivesse chegado a um “beco sem saída”, neste início do século XXI. Mas quando se olha a sua história de uma perspectiva de longo prazo, se percebe que a esquerda não está vivendo apenas uma crise conjuntural e circunstancial, ela está vivendo o limite lógico de um projeto que foi nascendo de sucessivas decisões estratégicas e que esgotou completamente sua capacidade “projetual”. De “revisão” em “revisão”, os partidos de esquerda europeus abriram mão, primeiro, da idéia da revolução socialista e depois do próprio socialismo como objetivo ou “estado-final” a ser alcançado no longo prazo. Mais à frente, deixaram de lado o projeto de socialização da propriedade privada, e no final do século XX, abriram mão, inclusive, das políticas de crescimento, pleno emprego e proteção social universal que foi a sua principal contribuição ao século XX. Não é impossível identificar algumas tendências e paradoxos na história da esquerda européia, que devem estar no ponto de partida de qualquer discussão sobre o futuro do socialismo, no XXI, e que são também uma lição para a esquerda latino-americana que começa a governar quase um século depois dos europeus: i) a unidade e identidade da esquerda européia foi desmontada, no século XX, pelas sucessivas revisões doutrinárias e estratégicas de sua matriz originária, de inspiração marxista. Depois da “desconstrução” do materialismo histórico, não surgiu nenhuma outra teoria com a mesma capacidade lógica de definir atores, interesses e estratégias, a partir de um diagnóstico conjuntural das tendências críticas do capitalismo Muito menos ainda, no caso da combinação contemporânea da teoria da “globalização econômica”, da “sociedade em redes” e da “governança progressiva” é uma verdadeira geléia, amorfa do ponto de vista teórico e inconclusiva do ponto de vista político. ii) com a progressiva erosão da unidade teórica e lógica do materialismo histórico, aumentou cada vez mais a divisão interna da esquerda. Suas discussões doutrinárias sobre a sua própria identidade, e o seu juízo sobre a “correção” de suas posições e políticas conjunturais, transformaram-se num verdadeiro “jogo de cabra-cega”. Uma polêmica permanente e 20 inconclusiva, e um consenso impossível devido à ausência de qualquer tipo de baliza ou ponto de referencia unânime, do ponto de vista ético ou teórico. A definição das “posições oficiais” dos partidos ou organizações de esquerda ficou cada vez mais fechada e autoritária e foi cada vez mais contestada pelos militantes e pela intelectualidade, até 1991, e depois disto, a esquerda se transformou definitivamente numa “torre de Babel”. lista, diferente do capitalismo. De tal maneira que a terceira revisão neoliberal dos anos 90, acabou sendo apenas uma conseqüência inevitável das decisões anteriores, em particular da decisão de promover ativamente o desenvolvimento capitalista e ajustar-se permanentemente às “inovações do Capital”. iv) talvez por isto mesmo, nunca existiu uma originalidade total, nas três grandes experiências de governo da esquerda européia. E ficou cada vez mais difícil definir o que o fosse um programa de governo ou uma política específica econômica ou internacional de esquerda. Na verdade, existiu um “diálogo” permanente e uma mútua influência, durante todo o século XX, entre as idéias, projetos e governos conservadores e de esquerda, como no caso da relação entre as idéias social-democratas da Escola Econômica de Estocolmo, e as idéias liberais do Lord Keynes, ou mesmo, da relação entre a idéia e a estratégia de planejamento soviético com as experiências de planejamento de guerra das economias “ocidentais”.Num primeiro momento, no período do “entre-guerras”, a esquerda participou de governos de emergência ou unidade nacional e praticamente acompanhou ou replicou as políticas dos conservadores. Mas depois da II Guerra Mundial, esta relação foi mais complexa e criativa, porque a disputa se deu dentro de um campo comum e de um pensamento hegemônico mais à esquerda, na hora em que também os conservadores defendiam políticas iii) as sucessivas revisões doutrinárias foram criando – durante o século XX - um verdadeiro “Frankstein” teórico, um remendo de decisões e convicções pragmáticas, cada vez mais contraditórias, que se transformaram numa camisa-de-força que hoje aprisiona e paralisa a esquerda do século XXI. A primeira revisão, do final do século XIX, foi uma opção estratégica e de longo prazo pela “via eleitoral”, com todas as suas conseqüências, do ponto de vista da organização partidária, da competição política e das alianças parlamentares e de governo. Mas ao mesmo tempo, e inevitavelmente, significou o abandono do projeto ou da hipótese de ruptura revolucionária dos contratos e instituições responsáveis pelo funcionamento desigual do capitalismo, e portando, a desistência de tocar na propriedade privada. A segunda revisão, da década de 1950, do ponto de vista imediato, foi uma mera mudança programática, mas do ponto de vista de longo prazo, representou o abandono definitivo da idéia, do projeto e do objetivo de uma sociedade socia21 keynesianas de pleno emprego e proteção social universal. E, em alguns casos, como na Alemanha, também apoiavam a idéia da “pactação social”, entre o capital e o trabalho. Mas a verdade é que depois de 1991, no período áureo da hegemonia neoliberal, os governos de esquerda voltaram a repetir ou replicar apenas, sem nenhuma inventividade, as políticas e reformas preconizadas pelos conservadores. democrata feita na contramão da ortodoxia do seu tempo. vi) o mesmo pode se dizer com relação à política externa dos governos de esquerda europeus do século XX, que nunca foi homogênea nem inovadora. Como se sabe, sua primeira grande divisão interna já começou com a votação dos orçamentos de guerra, em 1914. Mas depois, na década de 30, as coalizões de governo com participação socialista ou social-democrata, também se dividiram frente à Guerra Civil Espanhola e aos primeiros passos da escalada nazista. E voltaram a se dividir durante a Guerra Fria, como agora de novo, na discussão das relações da União Européia com os Estados Unidos e com a Rússia, depois do fim da União Soviética. Em todo o século XX, uma das raras iniciativas realmente originais e autônomas da esquerda no campo da política internacional, afora sua solidariedade genérica com o “terceiro mundo”, foi a Ostpolitik do governo social-democrata de Willy Brandt, em 1969, que viabilizou os acordos de desarmamento, da década de 70 em 80 e iniciou o grande movimento “ao leste” da Alemanha, que segue ainda hoje. v) esta relação fica muito visível nos campos da política econômica e das relações internacionais. No campo macroeconômico, os governos de esquerda foram quase sempre conservadores e ortodoxos, como no caso clássico de Rudolf Hilferding, ao assumir o Ministério da Fazenda da Alemanha, em 1928. Mas também no caso do Partido Laborista inglês que optou em 1929 pela “visão do Tesouro”, contra a opinião liberal de John Keynes e David George, a mesma opção feita pelo governo socialdemocrata de Leon Blum, na França, em 1936. Mesmo depois da II Guerra Mundial, os social-democratas e socialistas seguiram ortodoxos, e só se “converteram” às políticas keynesianas na década de 60. Mas assim mesmo, nas crises monetárias de 1966 e 1972, os governos de Harold Wilson e Helmut Schmid voltaram rapidamente ao trilho conservador da ortodoxia monetarista. A experiência sueca da década de 1930, foi uma exceção dentro desta história, uma verdadeira inovação social- vii) esta falta de iniciativa ou originalidade – na maioria dos casos - com relação às políticas dos conservadores explica o fato que tenha sido durante seus governos que a esquerda tenha se dividido de forma mais profunda e radical. Foi aí que se cristalizou, de forma definitiva e irreversível, a divisão “funcional”, dentro da esquerda, 22 entre a) a “crítica intelectual”, b) a “mobilização social”, e a c) e a “gestão de governo”. Uma divisão que chegou no limite da ruptura definitiva, depois da “virada revisionista” dos anos 50, e durante os governos social-democratas que começam na década de 60. Foi o período das grandes revoltas sociais e sindicais que questionaram a estratégia e a organização da “velha esquerda” e criaram as bases dos novos movimentos sociais com sua proposta de volta às raízes anárquicas e comunitárias do “socialismo utópico”, e sua recusa da política partidária e da participação em governos. Mas apesar de todas as críticas e divisões, e da pouca originalidade experimental da maioria dos governos socialistas e social-democratas da segunda metade do século XX, eles deram uma contribuição absolutamente decisiva e definitiva ao avanço mais democrático e igualitário das sociedades européias. Este talvez tenha sido o grande paradoxo de toda esta história da esquerda européia: suas políticas e iniciativas parciais tiveram sempre uma forte componente conservadora, mas no final, o conjunto da obra, foi criativo e contribuiu decisivamente para o aumento da igualdade econômica e o aprofundamento da democracia política européia. pamentos e governos nacionais, tomados individualmente, e só existiam na percepção e no movimento do seu conjunto e de sua inserção mundial. Os governos socialistas e social-democratas eram cada vez mais criticados nacionalmente, mas seguiam sendo considerados pelos “estrangeiros” como partes constitutivas e importantes - em alguns casos – da esquerda européia e mundial. Nesse sentido, radicalizando o argumento, se pode dizer que estes partidos e governos social-democratas só conseguiam manter sua identidade de esquerda, do ponto de vista do conjunto do movimento global. Isto é, enquanto existiram partidos comunistas que não haviam governado e que seguiam sendo os portadores do “catastrofismo utópico” do socialismo e do marxismo originário. E enquanto existiram também, no “terceiro mundo”, movimentos de libertação nacional vitoriosos, em quase todas as ex-colônias européias. E por fim, o que é mais paradoxal, enquanto existiu a União Soviética, que durante todo este tempo cumpriu o papel de “caso limite”, o único europeu que levou até as últimas conseqüências as propostas originárias de Gerrard Winstanley e Karl Marx, de abolição da propriedade privada e estatização da economia, incluindo a cláusula marxista, da ditadura do proletariado. De tal maneira que, apesar das críticas generalizadas, seguiu sendo a baliza de referência das demais experiências e governos de esquerda, no imaginário coletivo europeu e mundial. viii) talvez por isto mesmo, depois da década de 60, a esquerda européia se transformou num fenômeno cada vez mais facetado e global. Sua identidade e sua força já não se encontravam mais em nenhuma de suas facções ou agru23 ix) neste sentido, se pode fazer uma leitura complementar das crises atuais dos socialistas, social-democratas, comunistas e verdes europeus. Do ponto de vista estritamente programático, não estão numa situação muito diferente, desde a década de 60. Mas agora não contam mais com a “parceria oculta” do “socialismo real’, dos velhos partidos comunistas e dos movimentos de libertação nacional dos países do Terceiro Mundo, que sempre contribuíram para a preservação de sua identidade coletiva de esquerda. E, neste sentido, sua falta de identidade atual é também, em grande medida, um sub-produto da desmontagem, depois de 1991, de uma arquitetura político-ideológica ”global”, extremamente complexa, que foi responsável pela preservação da vitalidade da esquerda internacional, entre 1968 e 1991. Mas não é impossível que esta arquitetura possa ser refeita, lentamente, começando pelas novas experiência de governo de esquerda da América Latina. comunidade dos índios e camponeses mexicanos. Zapata foi derrotado e morto, mas seu programa agrário foi retomado alguns anos depois, pelo presidente Lázaro Cardenas, um militar que governou o México na década de 1930 e criou o Partido Revolucionário Institucional (PRI). O governo de Cárdenas foi nacionalista; fez a reforma agrária; estatizou as empresas estrangeiras produtoras de petróleo; criou os primeiros bancos estatais de desenvolvimento industrial e de comercio exterior da América Latina; investiu em infra-estrutura; fez políticas de industrialização e proteção do mercado interno mexicano; criou uma legislação trabalhista e tomou medidas de proteção social; e manteve uma política externa independente e antiimperialista. Em grandes linhas, e com pequenas variações, este programa se transformou no denominador comum de vários governos latino-americanos “nacional-populares” ou “nacional-desenvolvimentistas”, como no caso de Perón, na Argentina, de Vargas, no Brasil, de Velasco Ibarra, no Equador e de Paz Estenssoro, na Bolívia. Nenhum deles foi socialista, comunista ou socialdemocrata, mas suas propostas, políticas e posições internacionais se transformaram também no programa básico de governo apoiado por quase toda a esquerda reformista latino-americana, pelo menos até 1980. Foi este mesmo programa que inspirou a revolução camponesa boliviana, de 1952; o governo democrático de esquerda de Jacobo Arbenz, na Guatemala, entre 1951 e 1954; a primeira fase da revolução cubana, entre 1959 e 1962; o governo militar e reformista do general Velasco Alvarado, no 4. O debate e a experiência da esquerda latino-americana O Plano Ayala, proposto em 1911, pelo líder camponês da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata, pode ser considerado o equivalente latino-americano do “comunismo agrário”, de Gerrard Winstanley, o líder “democrata popular” da Revolução Inglesa de 1648. O Plano de Zapata propunha a coletivização da propriedade da terra e sua devolução à 24 Peru, entre 1968 e 1975, e o próprio governo de Salvador Allende, no Chile, entre 1970 e 1973.. No caso de Cuba, entretanto, a invasão de 1961 e as pressões americanas apressaram uma opção socialista mais radical, pela coletivização da terra e a estatização e planejamento central da economia. Modelo que orientou também as primeiras iniciativas da revolução sandinista da Nicarágua, de 1979. nistas, permitiu também um diálogo fecundo com as idéias convergentes da “economia política” da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), organismo das Nações Unidas, criado em 1949, e sediado em Santiago do Chile. A CEPAL propunha para a América Latina, desde o início da década de 1950, um projeto nacional de industrialização e desenvolvimento, liderado pelo estado, mas com apoio do capital privado estrangeiro. E defendia, ao mesmo tempo, a necessidade do planejamento estratégico de longo prazo, dos investimentos em infra-estrutura, e das políticas de apoio à industrialização. Uma versão mais elaborada tecnicamente do “modelo mexicano”, apesar de não ter o seu mesmo teor antiimperialista. Apesar de sua fragilidade, na maioria dos países, os Partidos Comunistas foram a principal organização e referência doutrinária da esquerda latino-americana, entre 1920 e 1960. Eles foram uma espécie de “primos pobres” dos comunistas europeus e asiáticos, e nunca tiveram uma estratégia autônoma da Internacional Comunista. Sua criação teórica foi pouco inovadora, e em geral se mantiveram dentro dos limites estreitos da teoria militante do imperialismo, de Lênin, e da teoria da “revolução democráticoburguesa”, de Kautski. Mas foi exatamente esta visão “etapista” do desenvolvimento capitalista e da revolução socialista que permitiu e legitimou a estratégia democrática e a adesão precoce dos comunistas à lógica do projeto desenvolvimentista, que os europeus aceitaram e adotaram só depois de 1950. Isto é, desde cedo, na América Latina, a equação foi a mesma: transição ao socialismo e igualdade = crescimento econômico e desenvolvimento capitalista. Com a diferença, com relação aos europeus, que a esquerda latino-americana considerava o pleno desenvolvimento das forças produtivas capitalistas como caminho de transição para o socialismo que seguia sendo o objetivo final. Esta visão estratégica dos comu- Esta relação intelectual e política, dos comunistas com o “nacionaldesenvolvimentismo”, existiu em quase todos os países da região, mas foi no Brasil e no Chile que ela foi mais original, fecunda e duradoura. No Brasil, esta relação ficou marcada, desde o início, por dois acontecimentos fundamentais, da década de 1930. O primeiro, foi o desaparecimento precoce da Aliança Nacional Libertadora (ANL) - uma espécie de embrião das Frentes Populares espanhola, francesa e chilena – que foi dissolvida depois do fracasso de uma rebelião militar comunista, em 1935. E o segundo, foi o golpe de estado de 1937, que deu origem ao regime ditatorial do Estado Novo e transferiu para os conservadores a liderança no Brasil do projeto de industrialização desenvolvimentista, e das primeiras políticas sociais e trabalhistas de corte urbano. Talvez por isto mesmo, o Partido Comu25 nista Brasileiro (PCB) só tenha abandonado sua estratégia revolucionária, da “Frente Democrática de Libertação Nacional”, na década de 50, quando aderiu ao reformismo democrático e à estratégia da “revolução democrático-burguesa”, que já havia sido adotada por quase todos os partidos comunistas do continente. Foi neste momento que os comunistas brasileiros começaram sua aproximação “programática” do “desenvolvimentismo conservador” de Getulio Vargas. Mais a frente, no início da década de 60, esta vertente de esquerda do desenvolvimentismo propôs um programa de reformas que acelerassem a democratização da terra, da riqueza, do sistema educacional e do sistema político que foi sintetizado, em parte, no Plano Econômico Trienal, formulado pelo economista Celso Furtado, em 1963, e abortado pelo golpe militar de 1964. Antes do golpe militar, entretanto, e do aparecimento da “esquerda armada”, a aliança e o programa “nacional-desenvolvimentista” apoiado pelo PCB foram objeto de uma crítica teórica sistemática, por parte de um grupo de intelectuais marxistas, da Universidade de São Paulo. Esta crítica teórica, entretanto, não produziu imediatamente nenhum tipo de programa alternativo ao desenvolvimentismo. E para complicar ainda mais o quadro, o regime militar, instalado em 1964, apesar do seu radicalismo anticomunista e de sua primeira opção liberal, acabou adotando na década de 70 uma estratégia nacionaldesenvolvimentista, o que aumentou ainda mais o embaraço da esquerda desenvolvimentista. Talvez por isto mesmo, quando a esquerda brasileira volta à cena política democrática, na década de 80, a maior parte de sua militância jovem tinha um forte viés antiestatal, antinacionalista e antidesenvolvimentista. Só um pequeno grupo minoritário de intelectuais propôs naquele momento uma nova versão do desenvolvimentismo, que era de fato uma combinação do “capitalismo organizado de estado”, da esquerda francesa, com o projeto de “estado de bem estar social”, do resto da social-democracia européia. Mas a grande maioria dos novos militantes, movimentos e partidos de esquerda tomaram outro rumo. Uma parte importante foi para os movimentos sociais e as “comunidades de base” que retomaram a trilha do socialismo utópico e sua crítica cada vez mais dura da esquerda tradicional e de sua opção estatista. E outra parte tomou o caminho da socialdemocracia, mantendo-se no campo da luta política tradicional pelo poder do estado, e propondo o abandono das políticas desenvolvimentistas e a implementação imediata das reformas e políticas neoliberais. Este projeto se materializou no Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), criado no final dos anos 80 e liderado por alguns intelectuais marxistas que haviam participado do movimento de crítica ao nacionaldesenvolvimentismo, da década de 60. Mas suas idéias influenciaram também uma boa parte da intelectualidade mais jovem do Partido dos Trabalhadores (PT), que também nasceu na década de 80, liderado por um grupo de sindicalistas de São Paulo. No Chile, esta relação entre a esquerda e o desenvolvimentismo foi completamente diferente e ocupou um lugar único na história latino-americana. Na década de 26 1930, os socialistas e comunistas chilenos formaram uma Frente Popular com o Partido Radical, que ganhou as eleições presidenciais de 1938, e foi reeleita três vezes, antes de ser desfeita em 1947, pela pressão americana, no início da Guerra Fria. Os governos da Frente Popular chilena seguiram basicamente o mesmo figurino mexicano, sobretudo no planejamento e financiamento das políticas de industrialização, proteção do mercado interno e construção de infra-estrutura, além da legislação trabalhista e dos programas de universalização da educação e da saúde publica. Em 1970, esta coalizão política renasceu no Chile com o nome de Unidade Popular, agora sob a hegemonia dos socialistas e comunistas, e com uma nova proposta de “transição democrática para o socialismo”. Na prática, entretanto, o programa de governo de Salvador Allende radicalizou o “modelo mexicano” na direção do “capitalismo de estado”, concebido pelos comunistas franceses. Allende acelerou a reforma agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras produtoras de cobre, mas ao mesmo tempo, se propôs criar um “núcleo industrial estratégico”, de propriedade estatal, que deveria ter sido o embrião de uma futura economia socialista. Este foi, aliás, o pomo de discórdia que dividiu a esquerda durante todo o governo da Unidade Popular, chegando até o ponto da ruptura, entre os que queriam limitar as estatizações industriais aos setores estratégicos da economia, e os que queriam estendê-las, até originar um novo “modo de produção”, sob controle estatal. A “transição democrática para o socialismo”, de Salvador Allende, foi interrompida pela intervenção norte-ameri- cana e o golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet. E o debate da esquerda chilena sobre o “capitalismo organizado de estado” como forma de transição para o socialismo ficou sem uma conclusão. Em 1989, o Partido Socialista do Chile voltou ao governo, aliado com os democrata-cristãos mas, naquele momento, já havia mudado sua posição e aceito as novas teses e políticas neoliberais que eram dominantes entre os socialistas e social-democratas europeus. Seu objetivo já não era mais “transitar” para o socialismo, era administrar com eficiência o capitalismo e um conjunto de políticas sociais “focalizadas”, segundo o modelo neoliberal. Em maio de 1995, o Financial Times saudou esta conversão das elites intelectuais, políticas e econômicas latino-americanas - em particular as de esquerda ao novo consenso que se difundia pelo mundo, desde a década anterior. A verdade, entretanto, é que o Chile do General Pinochet, havia sido – depois de 1973 - o primeiro laboratório mundial de experimentação do novo modelo econômico, que Paul Samuelson chamou de “fascismo de mercado”. Mas não há dúvida que foi na segunda metade dos anos 80, e durante a década de 90, que se generalizaram no continente as novas políticas preconizadas pelo “Consenso de Washington”, e induzidas pela renegociação das dívidas externas dos principais países da região. Um programa ortodoxo de estabilização monetária acompanhado por um pacote de reformas estruturais ou institucionais voltadas para a abertura, desregulação e privatização das economias nacionais da região. No caso do Méxi27 co, a mudança neoliberal ocorreu na década de 80, e foi liderada pelo PRI, o partido criado por Lázaro Cardenas, o “pai” do nacionaldesenvolvimentismo. No caso da Argentina, a mudança se deu no início dos anos 90, liderada pelos peronistas de Carlos Menem. No caso do Chile, foram os próprios socialistas que, aliados com os democrata-cristãos, assumiram o governo em 88 e mantiveram, em grandes linhas, a política de corte liberal que vinha do período militar. Por fim, no caso brasileiro, a desmontagem do desenvolvimentismo foi liderada por uma coalizão de centrodireita, liderada pelos social-democratas do PSDB. Em todos os casos, as novas políticas foram justificadas com os mesmos argumentos usados pela social-democracia européia: a globalização era um fato novo, promissor e irrecusável que impunha uma política de abertura e interdependência irrestrita, como único caminho de defesa dos interesses nacionais, num mundo onde já não existiam mais as fronteiras nacionais, nem se justificavam portanto ideologias ou políticas nacionalistas. Com a diferença que, na Europa, a esquerda neoliberal governou sociedades que seguem sendo ricas e homogêneas, apesar do desemprego, e que já possuíam excelentes redes de proteção social universal, no início do processo de desregulação e/ou privatização de suas economias e de parte de seus sistemas de proteção social. Ao contrário da América Latina, onde as mesmas políticas foram aplicadas em sociedades extremamente heterogêneas e desiguais, com gigantescos bolsões de miséria e com redes de proteção social muito limitadas. década de 90, se pode dizer que a esquerda latino-americana também havia feito um giro de 180º graus com relação ao seu projeto originário que propunha a reforma agrária e políticas estatais de infra-estrutura e industrialização, substituídas pelas políticas de desregulação, privatização e abertura dos mercados. No campo teórico, também na América Latina, uma boa parte da esquerda substituiu o conceito de “sociedade de classes”, pelo da “sociedade em redes”; e trocou a crítica ao imperialismo, pela defesa do “desenvolvimento associado”. Depois de uma década de experimentação neoliberal o balanço global é negativo, e em alguns casos, como na Argentina, os efeitos foram catastróficos. Em quase todos os países, os resultados foram os mesmos, apontando na direção do baixo crescimento econômico, e do aprofundamento das desigualdades sociais. A frustração das expectativas criadas nos anos 90, pela utopia da globalização e pelas novas políticas neoliberais, contribuiu para a multiplicação e fortalecimento dos movimentos sociais antiestatistas que se recusam, cada vez mais, a tarefa de governar. Mas ao mesmo tempo, também contribuiu para as vitórias eleitorais de líderes que se propõe governar e inovar a esquerda latinoamericana. Apesar de que ainda não se consiga ver com nitidez o que será este novo caminho “pós-neoliberal”. 5. Os projetos e a fronteira teórica. Na América Latina, a teoria da “revolução democrático-burguesa”, perdeu credibilidade histórica a partir da década De qualquer maneira, no fim da 28 de 60, e as “teorias da dependência” nunca ”decantaram” uma estratégia política e democrática consensual, e em alguns casos, inclusive, atuaram como “guardachuva” teórico da luta armada. Por isso, na hora da crise de 1991, e da hegemonia neoliberal, a esquerda latino-americana estava desguarnecida, e foi presa fácil das novas idéias. E hoje, existe um denominador comum, entre as posições da “esquerda neoliberal” e da “esquerda pósmoderna”: o conformismo com os desígnios da globalização. Os argumentos são diferentes, mas os dois interpretam a “mundialização” capitalista de maneira análoga: como um produto necessário e incontornável da expansão dos mercados, ou do “capital em geral”, e os dois se recusam a entender ou incorporar no seu cálculo político, o papel do poder das Grandes Potências - sobretudo da Grã Bretanha e dos Estados Unidos – na abertura das fronteiras econômicas e na aceleração da globalização financeira, no final dos séculos XIX e XX. Uma leitura dos fatos que poderia ser apenas um ponto de vista teórico entre outros, se não escondesse um passe de mágica muito mais complicado. Ao eliminar o papel do poder político no processo de globalização econômica, esta visão líberomarxista da história despolitiza as mudanças recentes do capitalismo e, com isto, transforma muitas coisas que são decisões ou imposições políticas das Grandes Potências, num imperativo inapelável dos Mercados. Como conseqüência, todos os atos de submissão política dos governos periféricos passam ser considerados uma manifestação de realismo e sensatez com relação aos desíg- nios dos Mercados ou do Capital; e todos os atos de resistência dos povos menos favorecidos, se transformam automaticamente em sinais de irresponsabilidade e “populismo econômico”. Esta foi e segue sendo a posição da “esquerda neoliberal’, que foi hegemônica na década de 90, e que ainda ocupa uma posição importante nos debates acadêmicos e políticos da América Latina, apesar dos resultados medíocres e, em muitos casos, catastróficos, das políticas liberais na América Latina. Mas aquela mesma posição reaparece – de outra forma, e com outros argumentos - dentro dos movimentos sociais e das “organizações não governamentais” que se multiplicaram a partir da década de 80. E entre vários intelectuais que criticam a “globalização neoliberal” e propõem uma “democracia cosmopolita” – como é o caso, por exemplo, do sociólogo norte-americano, Immanuel Wallerstein e do filósofo italiano, Antonio Negri – mas de fato também consideram que a globalização eliminou as fronteiras econômicas e o poder dos estados nacionais. Neste sentido, repetem quase as mesmas teses e argumentos de Rosa de Luxemburgo, em 1908, a propósito da irrelevância das lutas políticas nacionais, para os movimentos de esquerda. Rosa de Luxemburgo falava de um “estado supranacional”, na era imperialista, e Antonio Negri fala de um “império pós-nacional”, na era da globalização. Negri ainda vai mais longe e considera que “a construção do Império é um passo a frente para se desembaraçar de toda nostalgia com relação às velhas estruturas de poder que o precederam, e para recusar toda estratégia po29 lítica que implique no retorno aos velhos dispositivos de poder, como seria o caso dos que se propõem ressuscitar o Estado-Nação, para se proteger contra o capital mundial.” ( Hardt e Negri, 2000, p: 73). O argumento de Wallerstein é diferente: ele supõe que esteja em curso uma crise terminal do “sistema mundial moderno” e uma “transição” para um novo um novo mundo ou “universo” pósmoderno, que ele prevê para 2050. Como conseqüência, quem quiser “influir de maneira efetiva nesta transição geral do sistema mundial, para que ela avance em certa direção e não em outra, o Estado não é o principal veículo de ação. Na verdade, ele é um grande obstáculo. Por isso, o objetivo não deve ser mais a tomada do poder estatal, é assegurar a criação de um novo sistema histórico, agindo ao mesmo tempo no nível local e global” ( Wallerstein, 1995 p: 6 e 7). Em síntese, os argumentos variam mas a conclusão é uma só: todos consideram inútil a luta política da esquerda, pelo controle do poder dos estados nacionais. rio, ela tem sido uma grande multiplicadora dos próprios estados. No início do século XX, os estados nacionais não passavam de 30 ou 40 e hoje são cerca de 190 gerados na forma de três grandes ondas: a primeira, logo depois da 1º GM, quando se dissolvem os impérios austro-húngaro e otomano; a segunda, depois da 2 º GM, quando se dissolvem os impérios europeus na Ásia e na África e a terceira, finalmente, quando se desintegra o espaço territorial do velho império russo, logo depois do fim da URSS. Neste sentido, se os estados nacionais originários nasceram na Europa do século XVI, e não eram mais do que sete ou oito, foi no século vinte que eles se transformaram num fenômeno universal ou global. Fica difícil, nesse sentido, anunciar a “morte dos estados” na hora exata em que eles se multiplicam e intensificam a sua competição, sobretudo se tivermos em conta que a maioria dos quase duzentos estados nacionais existentes nasceram durante o período áureo da globalização, ou seja na segunda metade do século vinte ? (Fiori, 1997, p: 133) Talvez por isto mesmo, apesar da retórica globalista, a luta pela democratização das sociedades capitalistas e pela conquista da cidadania, segue se dando no espaço de poder dos estados nacionais. Ou seja, existem ‘causas’ e reivindicações que são internacionalistas, mas as lutas e conquistas fundamentais seguem sendo travadas território por território, estado por estado, onde os pobres e “excluídos” da terra são ‘estocados’, e onde se geram e acumulam os recursos capazes de alterar a distribuição desigual da riqueza e do poder entre os grupos sociais. Além disto, não há indícios de que a globalização econômica e as Do ponto de vista estritamente político e programático, esta proposta antiestatal e de recusa do governo se enfrenta com a mesma dificuldade de todos os “internacionalismos” anteriores: ela reúne um número muito grande e heterogêneo de reivindicações que só podem avançar quando são confrontadas com algum poder capaz de resistir ou de atendê-las. E este poder segue organizado de forma territorial e nacional, os estados ainda não desapareceram, pelo contrário, seguem se multiplicando. Como se pode sustentar a tese de que globalização está acabando com os estados nacionais se pelo contrá30 novas tecnologias de comunicação consigam por si só viabilizar algum tipo de ‘democracia cosmopolita’, que segue sendo uma hipótese muito longínqua e improvável, uma verdadeira utopia, quase metafísica. Por fim, a globalização não alterou algumas condições e contradições básicas do capitalismo, por isso, no plano retórico se pode falar de uma “globalização solidária” porque é uma forma de protestar. Mas na verdade é impossível pensar numa globalização capitalista que seja “fraterna”, porque afinal, a ‘globalização’ é apenas um novo nome de uma tendência secular do desenvolvimento desigual do capitalismo, da mesma forma que a polarização da riqueza entre as nações e as classes sociais. Às vezes, parece que algumas idéias e polêmicas ficam congeladas e esquecidas por longos períodos, e depois reaparecem, de tempos em tempos, quase idênticas, deixando claro que o problema persiste e não foi resolvido teoricamente. Como no caso desta discussão sobre os processos históricos de globalização do poder e do capital, e suas relações com as lutas políticas nacionais dos povos. A Internacional Socialista, em 1896 e a social-democracia russa, em 1903, incluíram nos seus programas, pela primeira vez, o direito universal à autodeterminação das nações. Mas ao mesmo tempo, Rosa de Luxemburgo, Karl Rádek, Joseph Strasser e vários outros membros da chamada “oposição de esquerda”, minoritária dentro da Internacional, se negaram a reconhecer este direito, ou a participar da luta pela autonomia das nações, que segundo eles se encontrava na contra-mão do movimento geral do capitalismo e do internacionalismo proletário. Eles também achavam – no início do século XX - que o “tempo” dos movimentos nacionais havia terminado, e que os povos oprimidos não tinham mais soluções econômicas e políticas nacionais. Este conflito tem raízes teóricas antigas, e no caso dos marxistas, talvez remonte ao próprio Marx e sua teoria da acumulação do capital e da globalização do “modo de produção burguês”, onde não aparece o poder político e os estados nacionais, que viriam a ser o tema central da teoria “marxista” do imperialismo. Mas assim mesmo, a ambigüidade se mantém, na teoria do “capital financeiro” e da “economia mundial” de Rudolf Hilferding e Nicolai Bukarin. Ambos falam de uma Por outro lado, do ponto de vista do argumento e da proposta econômica da “esquerda globalista”, deve-se reconhecer que existem muitos estados e economias nacionais que não tem soberania real e têm enorme dificuldade de levar à frente o seu desenvolvimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, existem outros países que devido às suas dimensões, não têm outro caminho senão lutar pelo seu próprio desenvolvimento. E nestes casos, a pergunta que fica é sobre o que pode propor este novo socialismo utópico e esta esquerda globalista, no caso destas economias e estados nacionais que não tendem, nem podem desaparecer? A simples multiplicação de experiências econômicas locais de tipo solidário ou do “terceiro setor” não acabaria se transformando num projeto permanente de criação de “ilhas de felicidade solidária”, numa espécie de “micro-tribos” ou seitas urbanas e rurais, a espera do fim do capitalismo? 31 tendência do desenvolvimento capitalista que aponta na direção do “império global” do capital financeiro. e ao mesmo tempo reconhecem o papel decisivo do poder político e dos Estados Nacionais, para o sucesso “global” dos seus capitais financeiros. (Fiori, 1997, p:141 e 142) Logo depois, veio o debate do marxismo “austríaco” sobre a importância da “questão nacional” e, mais à frente, a defesa soviética dos movimentos de “libertação nacional”, na Ásia e na África, mas a questão teórica e histórica fundamental seguiu sem uma resposta definitiva. Portanto, não é de se estranhar que o tema das relações entre a luta política da esquerda, com os estados nacionais, os impérios e a globalização do capitalismo tenha reaparecido com tamanha intensidade, depois da derrocada de 1991. Mais do que isto, do nosso ponto de vista, esta é a verdadeira fronteira teórica que divide hoje a esquerda internacional, impondo-se, portanto, uma retomada histórica e teórica do problema, como condição para o desbloqueio dos caminhos do futuro. ímpeto de moldar, dentro do continente, estados nacionais relativamente poderosos, centralizados e homogeneizados, enquanto as potências européias passavam a lutar entre si nessas zonas imperiais”. (Tilly, 1996 p:244). Este fato histórico permite falar da existência de um verdadeiro paradoxo na origem do sistema estatal: “ao nascerem, seus primeiros estados se expandiram imediatamente para fora de seus próprios territórios transformando-se em seres híbridos, uma espécie de “minotauros”, meio estadomeio império. Enquanto lutavam para impor seu poder e sua soberania interna, já estavam se expandindo para fora dos seus territórios e construindo seus domínios coloniais. E, nesse sentido, se pode dizer que o “império” foi uma dimensão essencial destes primeiros estados nacionais europeus” que se transformaram no “núcleo central” competitivo do sistema estatal europeu, o núcleo dos “estadosimpérios ou das Grandes Potências”. (Fiori, 2004, p: 38). Ao pesquisar este mesmo processo de formação, Max Weber identificou um tipo de relacionamento indissolúvel entre esta competição política dos estados e o processo simultâneo de acumulação do capital: “os estados nacionais concorrentes viviam numa situação de luta perpétua pelo poder, na paz ou na guerra, mas essa luta competitiva criou as mais amplas oportunidades para o moderno capitalismo ocidental... (neste sentido) foi o Estado nacional bem delimitado que proporcionou ao capitalismo sua oportunidade de desenvolvimento...”. (Weber, 1961: 249). Os ganhadores desta competição foram, sempre, os que conseguiram chegar mais Charles Tilly, sociólogo norte-americano que fez longa pesquisa sobre a formação dos estados europeus, fornece uma pista histórica importante para repensar a origem e a ambigüidade permanente destas relações entre o capitalismo e o sistema interestatal. No final de sua pesquisa, Tilly conclui que “no momento em que os impérios se estavam desfazendo dentro da Europa, os principais estados europeus criavam impérios fora da Europa, nas Américas, na África, na Ásia e no Pacífico. E portanto, a construção destes novos impérios externos propiciou alguns dos meios e parte do 32 longe e garantir o controle de “territórios políticos e econômicos” supranacionais mais amplos do que o de seus concorrentes, seja na forma de colônias, domínios ou de periferias independentes. “E neste sentido, se pode entender melhor porque a “expansão e universalização do sistema capitalista não foi uma obra apenas , foi e será sempre o resultado da competição entre “estados-economias nacionais” que conseguem impor a sua moeda, a sua “dívida pública”, o seu sistema de crédito” e o seu sistema de “tributação”, como lastro monetário do seu capital financeiro dentro destes territórios econômicos supranacionais em expansão contínua” (Fiori, 2004, p:46) político territorial, através do mundo. Além disto, do nosso ponto de vista, o sistema mundial não existiria na sua forma atual caso não tivesse ocorrido, na Europa, o casamento entre os estados e as economias nacionais. E, a partir deste momento, o que se chama muitas vezes de globalização, é o processo e o resultado de uma competição secular entre estes estados-economias nacionais. A hierarquia, a competição e a guerra, dentro do núcleo central do Sistema Mundial, marcaram o ritmo e a tendência do conjunto, na direção de um império ou estado universal, e de uma economia global. Mas este movimento não tem nada a ver com o avanço de uma espécie de “razão hegeliana” de natureza global e convergente. Pelo contrário, é um movimento que avança sempre liderado por algum estado e economia nacional em particular. E, por isto mesmo, nunca se completa, porque acaba se encontrando com a resistência das demais “vocações imperiais” do sistema. Os ganhadores transitórios, desta competição, foram sempre os que conseguiram chegar mais longe e garantir de forma mais permanente o controle de “territórios políticos e econômicos” supra-nacionais, mantidos na forma de colônias, domínios ou de periferias independentes, mas pouco soberanas. Você já disse isto um pouquinho à frente, portanto, retome de outro jeito. Mas só duas das Grandes Potências lograram impor o seu poder e expandir as fronteiras de suas economias nacionais, até quase o limite da constituição de um império mundial: a Inglaterra e os Estados Unidos. Esse processo deu um passo enorme, depois da generalização do padrão Resumindo nosso ponto de vista: o sistema político e econômico mundial, não é o produto de uma somatória simples e progressiva de territórios, mercados, países e regiões. Do ponto de vista histórico, o sistema mundial foi uma criação do poder, do poder expansivo e conquistador de alguns estados e economias nacionais européias, que se constituíram e se transformaram, durante o século XVII, no pequeno grupo das Grandes Potências. Até o século XIX, o sistema político mundial se restringia quase exclusivamente aos estados europeus, aos que se agregaram, no século XIX, os novos estados independentes americanos. Mas foi só na primeira metade do século XX que o Sistema incorporou, no seu núcleo central, duas potências “expansivas” e extra-européias, os Estados Unidos e o Japão, um pouco antes que se generalizasse, na segunda metade do século XX, o estado nacional como a forma dominante de organização do poder 33 ouro e da desregulação financeira, promovida pela Inglaterra, na década de 1870. E deu outro passo gigantesco depois da generalização do padrão “dólarflexível” e da desregulação financeira, promovida pelos Estados Unidos, a partir da década de 1970. (Fiori, 2005) desregulados produzem, no longo prazo, no mundo do trabalho, da terra, do dinheiro e da própria capacidade produtiva das nações. Segundo Polanyi, foi isto que ocorreu na Europa, entre os séculos XIX e o XX, quando nasce e se expande um movimento simultâneo de defesa nacional e social contra o “moinho satânico” dos mercados desregulados, o movimento que está na origem macro-histórica dos grandes progressos democráticos, sociais e políticos, do pós II Guerra Mundial. Em 1944, Karl Polanyi formulou uma tese original e provocadora a respeito desta contradição do sistema mundial e do seu impacto dentro das sociedades nacionais. Polanyi identifica um “duplo movimento” na história do capitalismo, provocado pela ação de dois princípios universais do sistema. Um, seria o “princípio do liberalismo” econômico que move a globalização ou universalização permanente dos mercados auto-regulados. E o outro, seria o princípio da “autoproteção social” que aparece como uma reação defensiva e nacional das “substâncias sociais ameaçadas pelos mercados”. (Polanyi [1944], 1980: 164). Muitos interpretam o “duplo movimento” de Polanyi como se fosse uma seqüência no tempo ou como se tratasse de um movimento pendular ao longo da história. Do nosso ponto de vista , entretanto, se trata, uma vez mais, de uma relação dialética entre o nacional e o internacional, o econômico e o político, entre o curto prazo das lutas sociais e o longo prazo das grandes transformações mundiais. (Fiori, 1999, p:63) As resistências que acabam paralisando e corrigindo a expansão entrópica dos mercados autoregulados nascem de dentro da própria expansão mercantil, se manifestam nos interstícios do mundo liberal, e se fortalecem com a destruição que os mercados Polanyi não previu o retorno, no final do século XX, do “princípio do liberalismo” e da crença cega nos mercados auto-regulados. Do nosso ponto de vista, entretanto, não é impossível que a América Latina esteja vivendo o início de uma nova etapa de convergência entre as lutas nacionais e sociais dos povos menos favorecidos. A euforia liberal arrefeceu depois de 2000 e a guerra e o “poder das armas” voltaram ao epicentro do Sistema Mundial, ao mesmo tempo em que se multiplicam as novas formas de protecionismo das Grandes Potências econômicas. Mas à sombra imediata do poder global dos Estados Unidos, pode estar se abrindo um novo espaço e uma grande oportunidade para uma convergência “virtuosa” entre a ação “autoprotetora”, nacional ou regional, dos novos governos de esquerda latino-americanos, e a ação reivindicativa e mobilizadora dos movimentos sociais e partidos de esquerda que lutam na região, contra a desigualdade e a polarização da riqueza e da propriedade privada. Pelo menos, esta é a esperança que circula nas “veias abertas” deste continente, neste início do Século XXI. 34 III – A organização e a emancipação de classe Ademar Bogo Março 2006 Não há dúvidas de que a organização é a forma universal de reunir em um mesmo contingente as idéias e a força para alcançar as mudanças pretendidas. Também é universal que, a classe trabalhadora é a classe em ascenção na luta pelo poder, para organizar o socialismo e isto se torna cada vez mais evidente quanto mais o capital procura invadir todos os espaços mundiais; e faz as forças contrarevolucionárias também se organizarem. procuram destruí-la a partir dos aspectos mais frágeis que esta estrutura possui. Neste sentido, a estrutura ganha qualidade quanto maior for a intensidade de golpes do inimigo, isto porque ela jamais pode se deixar destruir. É a força contrária que “qualifica” a força a favor. Ou ela se qualifica ou desaparece. Estabelecida a estrutura básica, a organização pensa e elabora os métodos de ação. Neste item reside a esperteza, tanto para derrotar o inimigo, quanto para cativar as forças externas que devem, concretamente, ou psicologicamente, colocarem-se a favor. Esta relação de elementos contraditórios ganha forma e conteúdo quando estabelece a sua estrutura de funcionamento e elabora os métodos para colocar em movimento as forças e as idéias. O método, ou a colocação dos meios para a construção do caminho, para chegar ao determinado fim ( por isso a importância da definição estratégica, sem ela não se sabe para onde ir), utiliza-se das circunstâncias históricas e da estrutura orgânica para desencadear as ações táticas. Na estrutura está o perfil da organização, ou seja, ela tem o papel de dar suporte a imagem organizativa que, dependendo das circunstâncias históricas e do tipo de táticas que deve desenvolver para alcançar o objetivo final, pode ser mais centralizada ou mais participativa. Há nisso tudo a possibilidade da variação de momentos diferenciados. Ou seja, as forças em confronto podem, por pressão social ou por audácia estratégica, reformular as táticas, e por isso, a estrutura da organização ampliar-se ou encolher-se para qualificar-se. O desencadear das táticas, cria e articula cenários. É a dinâmica do movimento das forças que provoca estas modificações permanentes. Ganha terreno a força que conseguir enfraquecer a outra. O objetivo da organização não é a tática ( luta, produção, escola...) estas servem de meio. O objetivo é ir até o fim. Para isto é que se torna fundamen- O fato é que, se a organização avança para táticas mais radicais, os inimigos 35 tal o uso da inteligência, pois, dependendo da capacidade, há avanços que se pode conseguir com o uso variado de táticas combinadas. As ações táticas podem ser de massa, mas também de outra natureza. O inimigo tem que ser levado a ceder e a derrota. contrária, e, principalmente dentro da legalidade, pode visar mais a derrota da tática escolhida e menos o aniquilamento da organização. Neste caso, se o movimento social é maior, mais vigoroso, que a tática que utiliza naquele local de enfrentamento, tem maiores garantias de sobrevivência, mesmo que aquela parte da força localizada tenha sido aniquilada. A continuidade dos enfrentamentos estratégicos depende dos meios utilizados e dos resultados dos enfrentamentos táticos. Logo, a organização precisa estar preparada para agir em diferentes cenários. A distribuição de tarefas, dependendo do avanço, necessita cada vez mais preparação. Há tarefas para grandes contingentes de massas, mas também para pequenos grupos. Como essas forças se movem, depende da capacidade de planejamento, colocação e direção das mesmas. O que buscamos com uma organização é a emancipação da classe trabalhadora. Não é somente a luta e o enfrentamento tático e estratégico, mas a construção da consciência que sustenta a conquista estratégica, e elevar o ser humano a uma nova condição social e política. Então, ninguém luta para os outros, cada qual deve participar por si próprio, representar-se e tornar-se a própria revolução. Em qualquer circunstância histórica o papel de quem dirige é ser parte de um coletivo. Depender dele e não ao contrário. Este coletivo é que avalia os avanços e os recuos no planejamento. Estabelece a política de alianças com outras forças e tem a capacidade de redifinir às táticas, sempre em função da estratégia; elaborar os métodos de ação, garantindo os meios e a qualificação dos executores, e orientar a colocação das forças, seja a nível de produção de uma opinião favorável ou a participação direta nas ações. O caminho para isto é rápido com pequenos grupos, mas longo para grandes contingentes de massas. O que mais devemos considerar neste ordenamento lógico dos elementos? Vamos relacionar três aspectos que nos ajudam a ir além do que a simples força e a inteligência: 1) O Fetiche da Propriedade 2) A Alienação da Organização; 3) A Emancipação dos direitos. Embora não se deva separá-los, pela sua interligação concreta, mas por recurso metodológico, aqui o faremos. A natureza das táticas determina os meios que devem ser usados. Quando duas forças se enfrentam, uma sempre pretende derrotar a outra. O alcance desta vontade é que obriga o uso de certos meios. Quando se trata de uma luta social, articulada por um movimento, a força 36 I – O fetiche da propriedade ocultar as características do trabalho empregado para produzi-la, ela adquire uma força que determina as próprias relações sociais. Esta palavra é pouco usada nas discussões políticas, mas está muito freqüente na vida cotidiana, onde é conhecida como “feitiço”. Marx procurou interpretar através da “teoria do valor”, onde percebeu que, um objeto tem duplo valor: de uso e de troca. Se buscarmos em qualquer dicionário, vamos encontrar o básico desta definição. Fetiche: “Objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta culto”. Ao ir para o mercado, o objeto perde o valor de uso e adquire um valor de troca. Este valor a princípio é calculado pelo “tempo social” gasto para produzilo. Como por exemplo, uma blusa de lã feita manualmente e um armário que um artesão faz, preparando ele mesmo a madeira. Se o armário levou 10 dias para ser feito e a blusa 8 dias, significa que, ao se comparar os objetos, os valores são diferentes, então, um dos dois merece um complemento no pagamento. De forma simplificada, podemos dizer que, o fetiche é uma invenção humana, ou criado por força da natureza que, pelo poder da imaginação, acrescenta-se aos objetos um poder que estes não tinham, a partir disso, passam a dominar as relações sociais. Esta relação com o objeto se dá de múltiplas formas. Ao tratar do assunto, (ao contrário de Feurbach que tomou Deus como invenção humana, como produto de sua imaginação ou objetivação), Marx, identificou nos produtos do trabalho, a mercadoria, como referência, para demonstrar que nela se esconde algo “misterioso”, pois ela é “cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas.”1 Com o passar do tempo ocorreram duas grandes mudanças: a) os produtos deixaram de ser produzidos individualmente e muitos objetos foram feitos com a matéria prima produzida por outras pessoas, sendo também vendidos por outras tantas, e ficou difícil calcular o tempo social gasto para produzir; b) Surgiu o dinheiro, e com isso um dos lados da troca antiga, deixou de ser produto concreto. O dinheiro tem um valor abstrato, pois não se sabe quanto tempo social existe em uma nota de R$ 1 real. Significa então, que a mercadoria, contém em si uma força “estranha”, criada pelo trabalho e pela capacidade humana. A partir da sua constituição, a mercadoria torna-se “misteriosa” simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho, diz Marx, logo, ao Mas o dinheiro também é uma mercadoria, porém com um poder “mágico” abstrato. Ele comanda as relações entre as pessoas. Qualquer coisa que não seja para uso próprio, ao ser produzida, tem o objetivo de ser trocada por dinheiro, 1 Karl Marx. O Capital. Vol. 1. pg 79 37 porque somente através dele é que se pode adquirir outro objeto que está na vitrine da loja, que faz as pessoas dialogarem sobre ele; pensarem intensamente como se estivessem apaixonadas, modificarem até mesmo os hábitos de comportamento e de consumo se preciso for, para economizar e adquirir aquela mercadoria que tem um valor de troca estabelecido em preço. Embora ela não seja paga em dinheiro pelo beneficiário da reforma agrária, mas este emprega um tempo social determinado para conquistá-la que lhes dá o direito a ser dono. Embora a terra seja um bem da natureza, está no mercado como qualquer outro objeto, e o título de propriedade é a autorização para trocá-la por dinheiro, ou mesmo que não seja colocada à venda, o proprietário tem nela o objeto do fetiche, criado pela imaginação na diversidade de planos que faz. Então se forma o fetiche. Ao vermos o objeto na vitrine, seja um tênis ou uma camisa, vemos a mercadoria e não o processo de sua produção. Por isso as relações no mercado vão se dar entre as coisas e não entre as pessoas. Se não vejamos, quando alguém vai à loja onde está a mercadoria exposta, dirige-se diretamente à vitrine e não ao dono, ou ao vendedor. O comprador quer encontrar-se com o produto e não com as pessoas. Essas, pouco interessa, servem de meio para o encontro. O vendedor, tem nome, problemas pessoais etc. mas isto tudo some. Tanto o vendedor quanto o comprador estão ali por causa das mercadorias, sem elas não haveria aquele encontro. Um tem o tênis para vender, o outro tem o dinheiro para comprar. De onde vieram? Não importa. Atribui-se à propriedade individual um poder sobrenatural. Inicialmente o latifundiário mobiliza todos os poderes humanos para garantir que a propriedade continue intacta. Depois de conquistada e dividida, para que “ninguém pise” sobre ela, o pequeno proprietário, cerca-a com arame e passa a vê-la como valor de troca, ou reserva de valor, herança etc. Este poder sagrado dado à propriedade é que atrai o acampado. Dizer que ele não tem direito a seu lote, é como alguém pregar, em uma Igreja, que Deus não existe! De imediato, os que pensam diferente, vão para outro local, onde se confirme o seu imaginário. Como este fetiche ocorre em nossa organização? Vejamos alguns dos diferentes aspectos. a) Na propriedade individual da terra. A propriedade da terra é um direito constituído pela moral e garantido pela lei. E por fim, o fetiche do valor de troca da propriedade da terra, 38 baseado no preço de mercado está sempre presente. Cada um calcula quanto deve valer o seu lote se quiser trocar por dinheiro. letivo. Deixa-se não só de perceber o tempo social gasto para produzir aquelas mercadorias adquiridas, como também, há muita rejeição para fazer um novo bem de uso com tempo social ou trabalho coletivo. Esta contradição é oriunda do modelo de reforma agrária instituído pelo Estado e o mercado no capitalismo. Não é permitida a estatização da terra, fundamentalmente porque a propriedade dela tornou-se simples mercadoria. Então ela adquire um valor de troca regional, que não se apega à quantidade de benfeitorias, fruto do trabalho, mas ao preço estabelecido por medidas, hectare, alqueire etc. c) Na produção e venda da produção. A produção agrícola também, ao ser trocada por dinheiro, vira mercadoria. Perde com isso o poder de competição moral como alimento, que não deveria ser mercadoria. Quem produz o alimento não o vê como tal, mas como uma mercadoria que deve ser trocada por dinheiro, que possibilitará a aquisição de outra mercadoria sonhada. b) No recebimento dos créditos O crédito é dinheiro, e como tal tem um valor abstrato. Mas ele, a partir do recebimento, tem valor de troca absoluto. A produção então não é vista como um meio de combate e enfrentamento, mas apenas como uma possibilidade de ir e conseguir espaço no mercado. Logo, a escolha do que plantar se fundamenta primeiramente na potencialidade de lucro. Neste sentido, o uso dos mesmos insumos e da matriz tecnológica do agronegócio, é a perda da noção do significado do alimento como relação social e política. Por que em primeiro lugar, induz a desconfianças e a desavenças internas a partir de sua liberação? Porque as mercadorias (o dinheiro e o objeto sonhado, roupa, colchão etc) “querem se encontrar” e, cada “credor”, ( assentado) precisa levar a sua parte ( o dinheiro) para o mercado. Então, com a mercadoria dinheiro na mão, o imaginário dá vida aos objetos que passam a influir nas relações sociais e políticas e perde-se a oportunidade do planejamento e do crescimento co- Isto influi diretamente nas relações sociais. Ou seja, a sociedade que compra não diferencia, nem percebe que benefícios a 39 reforma agrária lhes traz. terra, é vista como ameaça aos planos individuais e não como meio para diminuir os sacrifícios e aumentar as facilidades. d) No desejo e o prazer individual da compra O desejo de liberdade diz respeito a negação de aplicar coletivamente o tempo social para produzir novas mercadorias ou bens de uso. Contrariamente ao operário que produz lado a lado com outro operário, onde a sua obrigação diária está determinada pelas horas trabalhadas, o restante está livre para visitar as mercadorias que pretende comprar no fim do mês com o salário que receberá. O camponês cooperado tem outras obrigações, com reuniões, planejamentos, trabalho voluntário etc. que ocupa seu tempo e o impede de exercer a sua “liberdade”. Como as relações se dão entre as mercadorias e não entre as pessoas, ou seja, as pessoas são intermediárias para levar as mercadorias ao mercado, as relações humanas “perdem” a importância, e, a relação entre mercadoria e dinheiro, ganha força. Em uma sociedade de consumo exacerbado, fazer pelos outros no coletivo ( compras por exemplo) ou impedir que alguém se coloque como intermediário, para, ir ao mercado trocar mercadorias, é tirar dele o direito sagrado de se relacionar com a “divindade” que há nas mercadorias. Fazer compras no capitalismo é um prazer, e cada um quer ter o seu. Então se revolta toda vez que a coletividade limita seus interesses particulares e por isso, busca sempre alternativas de individualizar-se e isolar-se cada vez mais. Podemos então concluir este tópico, chamando a atenção para a necessidade da mudança da finalidade do trabalho. Se ele está voltado para a produção de mercadorias, as relações sociais estarão sempre revestidas do fetiche da troca material por dinheiro. Isto ocorre porque, para o capital, antes de ser uma sociedade de pessoas, há uma sociedade de mercadorias que precisam se relacionar para gerar lucro. Daí vem um dos aspectos da resistência em relação à cooperação. Se ele for visto como meio de transformação da sociedade, as ações sejam elas no campo da produção, na educação nas escolas ou no esforço da preservação ambiental, ganham o signifi- e) Na perda do espírito da convivência social. A cooperação no sentido mais primário frente a propriedade da 40 II – A alienação da organização cado de meios de combate ao poder da classe dominante. A palavra “Alienação”deriva do latim “ALIUS” que significa, “outro”. Separar-se do outro (pessoa ou objeto produzido), é perder o controle sobre si próprio, deixar de ser sujeito do resultado de seu próprio esforço. É neste sentido que aqui é empregado o conceito. A superação do fetiche ou deste poder que as coisas tem sobre as pessoas, como se tivessem uma força sagrada que as domina, somente virá pelo avanço da consciência da inutilidade desta relação. Como bem disse Marx: Se Marx utilizou o conceito ligado ao trabalho, não significa que tenha desconsiderado a mesma aplicação no resultado de qualquer outro tipo de esforço humano. “...O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer, quando as condições práticas das atividades cotidianas do homem representem, normalmente, relações racionais claras entre os homens e entre este e a natureza...”2 Em nossa reflexão, e por necessidade, teremos que empregar o conceito de alienação nas relações sociais e políticas, quando o “outro” é a própria organização, fruto do esforço de “militância”, e os que arriscam a vida neste objetivo comum. Ou seja, somente no dia em que as pessoas conseguirem livremente estabelecer, através da cooperação e da convivência, o controle do que fazem e, planejarem conscientemente a sua utilidade, estarão em condições de superar o fetiche e deixar de ser dominados pelas mercadorias. Podemos então aqui relacionar três aspectos básicos que caracterizam esta alienação na organização: 1o – Não se reconhecer no objeto que produz. Somente se conseguirá retirar o fetiche da mercadoria quando ela deixar de ser um objeto de troca e passar a ser um bem de uso, neste caso, a produção de alimentos para uso benéfico da sociedade é o primeiro passo. O objeto aqui é a organização que integra quem tem necessidades concretas para resolver. Estes empenham o tempo, investem a si mesmos e suas famílias, e submetem-se a todos os “contratos” ou acordos necessários para a boa condução da produção do resultado proposto. Ao chegar a este resultado estabelecido pelo objetivo inicial, o “contrato” é desfeito ou pelo menos sofre mudanças no seu conteúdo, porque até então não havia a propriedade como intermediadora. 2 Karl Marx. O Capital. Vol.1. pg 88 41 Ao conquistar a propriedade ( com baixo nível de consciência) o acampado vira assentado, adquire nova natureza e passa a se relacionar com outro objeto, (a propriedade), e se aliena da causa que vinha produzindo na organização política para conquistar a propriedade, mas também outros direitos até então abstratos. tância, e em muitos casos, não eleva a sua auto-estima. Submete-se, por interesse e não participa por consciência e afinidade política. Tanto que a grande maioria dos acampamentos funciona com um coordenador geral, ele ( embora tenha coordenação, setores e comissões) faz o papel de direção, de regimento interno, pois aplica as normas feitas ou as cria instantaneamente pelo poder que tem, e cria uma dependência de si, de sua presença, de sua palavra etc. A partir deste momento, há uma “ruptura”. O “sujeito” deparara-se com o velho dilema: “ser ou não ser”. Ou seja, ser, significa submeter-se a certas restrições, normas e obrigações, como por exemplo, um dia de trabalho coletivo por semana. Não ser, significa risco de perda de benefícios etc. de modo que, o que interessa não é o aperfeiçoamento do objeto inicial ( a organização), mas a satisfação de seus próprios interesses enraizados no fetiche da propriedade. Ela era um meio ( descartável) para chegar a um fim ( a propriedade) definitivo. Esta prática não sobrevive no assentamento. Lá as atividades cotidianas são mais dispersas. Cada família tem informalmente o seu planejamento, a sua autonomia e seus desejos futuros. Significa que este ser acampado, deixa de existir ao ser assentado, lá é um novo aprendizado com uma nova estrutura de relações sociais, com uma dispersão política maior. O aprendizado anterior nem sempre se sustenta, pois mudaram as condições materiais; elas passam a determinar o tipo de comportamento. 2o – Não reconhecer as mudanças em si. O processo de convivência social cria mudanças na cnsciência e no comportamento social. Quando este processo não é consciente, o “sujeito”tem dificuldades em reconhecer o seu crescimento, desconhece que a nova identidade lhes trouxe um novo conhecimento. É neste contexto que se percebe o confronto teórico com a prática dos valores. Afloram os valores burgueses, pois estes são determinantes na sociedade concreta, e se chocam com a moral imaginária de uma outra sociedade abstrata. O resultado é medido pelo alcance do objetivo material. Se conquistou a terra então houve avanços, se não, perdeu seu tempo. 3o – Não reconhecer os outros como companheiros e companheiras. Nem sempre o vizinho é um aliado, às vezes é um competidor. A perda do referencial político leva a ver os “iguais” como diferentes. Aqueles que junto lutaram receberam separadamente sua re- Como não consegue se perceber como o agente fundamental da luta política pela reforma agrária, este acampado desconsidera a sua força e a sua impor42 compensa. balho, feito em tal fábrica. Ao contrário, a alienação ( a separação entre ele e o objeto) o impede até de ter orgulho do que fez. Os projetos e anseios são diferentes, por isso as pessoas não se enxergam enquanto classe, mas apenas como proprietários isolados. Na organização, que leva as pessoas a participarem, mais por necessidade do que por ideologia e consciência, a relação é semelhante. O operário precisa da fábrica para ganhar o seu salário, o camponês do movimento para conquistar a sua terra. Mas após conquistá-la a organização perde a importância como acontece com o operário no dia que se aposenta. Agora são outros objetivos que nem sempre ele concorda. Organizar para ocupar é diferente do que organizar-se para produzir, morar etc. Isto tudo nos traz, a princípio, três conseqüências desastrosas, que é importante partir delas para reconstruir as formas organizativas. a) O produto produzido ( a organização) pela prática militante, lhes é estranho. A alienação, ou seja, a separação do outro, leva a desconsideração daquilo que foi edificado. A organização tem importância relativa; os bens particulares, importância absoluta. A organização não tem importância, a não ser nos momentos de precisão como ocorre com a divindade; só é interessante nas horas de aperto, no resto do tempo a consideram uma força temerária, que, não devem provocá-la, mas podem ignorála. A organização para o alienado é um estorvo, um impedimento para realizar seus interesses, é quem impõe restrições, e por isso não lhes trás satisfação alguma em participar dela. Ela foi importante para gerar o objeto da propriedade, mas já não é mais. b) As conquistas alcançadas coletivamente não orgulham os conquistadores, nem ligam o resultado ao meio para consegui-lo. c) Perda do interesse da sociabilidade. A quilo que tende para o individualismo é mais atrativo. Neste campo nada é estranho ao indivíduo. Compreende as decisões que toma, faz de seu jeito, ganha tempo, evita discussões e conflitos, sente-se mais livre etc. Quando um operário que produz carros sai às ruas e se depara com os carros estacionados, dificilmente sai a procura daquele que ajudou a produzir, nem tampouco divulga aos que passam que, aquele carro é fruto de seu tra- Há por outro lado que verificar o 43 conteúdo do conceito de sociabilidade. Na maioria das vezes damos a este conceito o conteúdo de vida em “comunidade”, onde tudo é regulado, programado e a individualidade dilui-se neste ser social coletivo insuportável. É claro que temos limitações nisto que estamos chamando de “reforma agrária popular”3, como período de transição do capitalismo para o socialismo. Mas podemos estabelecer alguns requisitos fundamentais para orientar o que produzir, como circular esta produção e o que consumir, seja a nível de insumos, tecnologias e máquinas, e a função do trabalho, do trabalhador e da trabalhadora neste conviver, para edificar novas relações. Destacamos três relações como fundamentais: Esta prática, mais do que uma concepção, inibe a realização de muitas vontades e, em lugares de forças produtivas atrasadas, hábitos culturais contraditórios, a tendência é a experiência não sobreviver. a) A produção da renda e a cultura não se separam Na sociabilidade verdadeira, as pessoas tem função social. Elas são o projeto e não os investimentos. Ou seja, as pessoas não estão a serviço das estruturas que constroem, estas servem de meio para as pessoas desempenhem sua função social. Planificar a produção também é cultura, mas há outros aspectos que estão associados, como o morar, o conviver, o lazer, o conhecer (escolar ou não), o participar, o reconhecimento e projeção, a emulação, a confraternização, o bem estar familiar, a luta política e de classes, e outros aspectos. Possibilidades de superação b) A satisfação dos desejos com a elevação da consciência A superação é possível se houver a construção coletiva e consciente do objeto que neste caso é o projeto de produção e a organização política para novos fins. Quando alguém vai para a ocupação, tem um fim interesseiro que é ter a sua terra, e, a organização serve para isto. A vida social também é a realização individual. Há desejos a serem alcançados Como, metas imaginárias que nem sempre estão sintonizadas com as metas sociais. Eliminase os excessos e desvios as ve- Então o tempo de trabalho empregado individualmente pode ser diferenciado na sua forma e lugar, mas o produto a ser produzido, a circulação e o consumo, e a transformação da sociedade pela revolução, estão interligados no mesmo processo consciente. 3 Conceito referenciado por João Pedro Stédile no es- tudo sobre os tipos de reforma agrária. 44 zes pelas normas, mas é mais eficiente a eliminação quando a consciência compreende por que faz ou porque deve deixar de fazer. formação para formar, da revolução para transformar e do socialismo para edificar a nova sociedade. Sem eles, corre-se o risco de errar. Como disse Ho Chi Minh: “Um erro de uma polegada pode provocar um desvio de uma légua”.4 Uma sociedade livre é uma sociedade culta. Sem elevar a consciência em suas diferentes formas é impossível construir o novo durável. Se o assentamento é uma escola, há que ter aula todos os dias no sentido da construção do ser humano e na elevação da consciência. III - A emancipação humana Marx ao tratar da questão da emancipação, diferenciou aquilo que chamou de “emancipação política”, ou seja, a conquista dos direitos políticos e sociais, e a “emancipação humana” que significa a eliminação de todas as imposições e submissões, morais, nas relações de produção, sociais, ao capital e ao Estado. Trata-se portanto, da elevação da sociedade ao nível de igualdade e liberdade em todos os sentidos. c) A construção da organização orientada por princípios e métodos participativos. Ninguém se apaixona por aquilo que não o satisfaz. A organização é o resultado daquilo que pensamos e fazemos. Mas este pensar e fazer, devem ter fundamentos que são os princípios que orientam os métodos do fazer específico. Descreveu ele como exemplificação a passagem do feudalismo para o capitalismo. É claro que representou um avanço para a sociedade civil; mas significou emancipação para os trabalhadores? É claro que não. O que mudou de um modo de produção para outro, foram as formas de dominação e subordinação das pessoas. Então afirmou Marx: Estudar, planejar e realizar, são três partes da ação que andam juntas. Se apenas uma pequena porcentagem de pessoas domina o todo, e a maioria só aparece na hora da ação, é “massa de manobra”, que tanto faz estar ali ou em qualquer outro lugar, como vemos às vezes peões ( sem-terra) participando das mobilizações dos latifundiários. “Por conseguinte, o homem não se libertou da religião; obteve liberdade religiosa. Não se libertou da propriedade, obteve a liberdade de propriedade. Então, partir sempre dos princípios, da cooperação para cooperar, da educação para educar, da 4 Ho Chi Minh. Política. Pg 175 45 Não se libertou do egoísmo da indústria, obteve liberdade industrial”.5 deixa intacto o modo de produção. Continua a dominação a partir daí pela conivência. A luta de classes é o estágio superior da luta política, porque enfrenta o poder coletivo da classe, onde, disputase o projeto e não apenas direitos. Logo, podemos atualizar a reflexão e dizer que, a conquista dos direitos que a República trouxe para as sociedades burguesas ocorreu da seguinte forma: o ser humano não se libertou da ignorância, obteve direito à escola, escola, as mulheres no se libertaram da discriminação, obtiveram direito ao voto; nem a população de baixa renda conquistou direito à saúde, mas obteve o direito a consultas mais baratas; posteriormente os direitos trabalhistas ( férias, décimo terceiro salário e aposentadoria); e para nós atualmente, terra, créditos, ensino gratuito etc. não significou emancipação, mas como disse o próprio Marx – levou a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral. Ou seja, bem comportada. A conquista dos direitos, da “cidadania”, é chegar ao nível de cidadão que alcança a condição de pagar pelos seus benefícios ou que tem os requisitos básicos, para tentar buscá-los na democracia da ordem burguesa. Não significa que não se deva lutar pelos direitos estabelecidos. O errado não é lutar por eles, e nem esforçar-se para conquistá-los, (eles são o ponto de partida para as lutas de massas), mas sim acreditar que isto seja suficiente e que, através disto chega-se à emancipação, isto porque, o próprio Estado que, em certas épocas reconhece esses direitos, em outras, os tira, em sintonia com o capital para favorecê-lo. É a inclusão na sociedade burguesa das pessoas por ela rejeitadas para se equipararem ao grau conformador de cidadãos. Agora temos todos os documentos, propriedade, conta bancária, pagamos impostos, votamos nas eleições etc. Alcança-se a emancipação segundo as palavras do próprio Marx, quando, “... o homem individual real recuperar em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas próprias forças como forças sociais e quando, portanto, já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana”6 Como pouco se discute este assunto nos meios políticos, de esquerda, confunde-se a conquista de direitos com transformações políticas revolucionárias. A luta política permanecendo na esfera dos direitos favorece o capital, o mercado, o Estado e a moral burguesa, e 5 Karl Marx. A Questão Judaica. 6 Karl Marx. A Questão Judaica. 46 Se considerarmos do ponto de vista concreto, o cidadão está um passo a cima do indigente destituído de todos os direitos. Emancipa-se quando se torna sujeito coletivo, com determinação de organizar conscientemente as próprias relações sem distinção entre social e política, essa sociedade foi elevada ao nível superior da esfera de dominação. “A reforma agrária é dever do Estado”. É meia verdade. Como sabemos, o Estado capitalista não tem interesse nenhum em fazer a reforma agrária, nem pela ótica do desenvolvimento das forças produtivas, nem para a solução dos problemas sociais. Já sabemos que sem a ocupação o Estado não age. Voltemos a idéia de transição, colocada acima através da “reforma agrária popular”. Transição significa negociar, mas não pode significar submissão, acomodação, ao contrário, deve haver muito esforço e autonomia para passar de um estágio para outro. Então podemos formular novas questões: Neste sentido as palavras de ordem precisam ir além do “direito nosso, dever do Estado”, pois a emancipação completa exige também a tomada do Estado e a sua destruição. A luta de classes é responsável pela mudança de cenários, em busca sempre da superação das relações de dependência, seja do capital ou do Estado. Ela é o caminho da construção da verdadeira autônima onde não haja nem fetiche, nem alienação, mas emancipação completa das pessoas e da sociedade. a) Como exigir educação de quem não quer educar? Se observarmos no campo da educação, vinculada à origem do conceito, “EDUCERE”, que significa tirar de dentro. A realidade, o ser humano, a convivência, o trabalho etc, nos leva a crer que, não podemos “tirar de dentro” das políticas do Estado aquilo que deve ir além da simples conquista do direito. Neste sentido é que podemos formular em três questões para verificar a relação dos movimentos sociais do campo com o Estado e dele criam dependência, como é o caso dos créditos, assistência técnica, convênios na área de educação e capacitação, reprodução de mudas e sementes, a transformação social e a emancipação dos seres humanos. Isto porque, a Escola tem uma dupla definição; “lugar onde se educa” e “corpo de idéias”. Costumeiramente o Estado oferece e impõe ambas as coisas. O lugar, construindo o prédio escolar, e as ideais que são estabelecidas no currículo, onde os agentes executores não abrem mão de suas ementas e propostas, basta verificar as discussões 1o – Qual é o papel do Estado e dos movimentos que fazem a luta de classes. Até onde deve ir o papel do Estado e quais são as tarefas políticas que ultrapassam os limites e as barreiras colocadas por ele, que impede o avanço para construção da autonomia? 47 feitas com os departamentos de agronomia nas universidades, ou nas Secretarias de Educação, nos municípios, para entendermos o que significa o poder de dominação do Estado. como meio para a luta de classes, contra o agronegócio e o Estado, ao mesmo tempo, como a assistência técnica integrada e continuada, como a educação, a mudanças de hábitos, consumo de insumos orgânicos, feitos pelo próprio trabalho local, a transformação dos produtos, a comercialização e o consumo, com a agitação e a propaganda. Nisso está o nosso papel e não o papel do Estado. Mas acomodar-se dentro destes limites é concordar com a dominação do Estado que está a serviço da classe dominante, logo, nosso papel é ir além. No que diz respeito ao corpo das idéias, é avançarmos mais e mais, para “tirar de dentro” da terra, da resistência, do cultivo tradicional das sementes, da prática da cooperação, da convivência social, o conteúdo da educação. É utilizar de todos os recursos para fortalecer a luta de classes em qualquer atividade. c) Como dar função social à propriedade se a referência imposta é o módulo familiar, se os cadastros e créditos são individualizados? Na luta de classes as responsabilidades são coletivas, mas a luta pela terra reduz a classe em relação individual com o Estado. Embora se encaminhem as negociações de forma coletiva, mas esta não persiste como prática da cooperação e da planificação ampliada. b) Como exigir assistência técnica de quem não quer produzir alimentos? Os convênios de assistência técnica temporários, reproduzem apenas o modelo do “extencionista” que não se integra ao projeto e sim reproduz os interesses de sua matriz. Pode-se decidir investir os créditos coletivamente, mas o valor total não são as necessidades dos investimentos ou dos projetos, mas a parcela de cada família. Porque não há um plano de produção que o Estado tenha interesse que seja levado à frente. Ficar no limite dos convênios para a assistência técnica é satisfazer-se com a matriz tecnológica dominante e cumprir o papel de extencionista do Estado, e em muitos casos, de fiscais dos Bancos financiadores. 2o – Qual é o papel dos movimentos sociais na destruição do Estado? O Estado aqui é visto com dupla constituição: a) Pela estrutura de poder, A produção precisa ser vista 48 “sociedade política” e b) Pela estrutura das classes sociais em confronto permanente. Os camponeses e os indígenas hoje, inicialmente cumprem o papel da classe operária de ontem que mantinha o capital em estado de alerta. A luta de classes mais acirrada na atualidade desloca-se para o campo, onde está a água doce, os minérios, as florestas e a biodiversidade; as terras férteis e a reprodução das sementes. O capital precisa deste espaço para revigorar-se. Negociar como Estado não significa preservá-lo da destruição. Ele é o referencial do poder da classe dominante que tem responsabilidades sociais no período em que o poder está com a classe dominante, neste caso a burguesia. Os movimentos sociais estão imersos na luta de classes, embora muitas vezes acreditem que apenas lutam por conquistas imediatas. Os interesses são de classes e os movimentos também são de classes. Os trabalhadores tem os seus aparelhos, assim como os dominadores tem os seus. Falar em reforma agrária hoje, é provocativo, quase como no período da década de 1960 falar em comunismo, incomoda demais o capital financeiro. Logo, a luta reinvindicatória, a luta econômica ou qualquer outro tipo de luta, tende a chocar-se com interesses de grupos e não mais de indivíduos separados. Por isso, tudo o que fizermos é luta de classes. Os interesses da classe dominante articulam-se através de seus instrumentos de poder, ora por dentro do Estado, ora por fora. O que não impede de que estes utilizem o Estado como estrutura legal de poder para reprimir os movimentos sociais. Neste sentido a classe e o Estado estão juntos no mesmo projeto de dominação. Lutar contra um é enfrentar a reação dos dois. Por isso a revolta da classe dominante quando Lula colocou o boné do MST. Foi como se o centro avante do time tivesse feito um gol contra. É uma coisa inexplicável. A luta de classes, é luta continuada e cada vez mais acirrada. Neste período de “baixo perfil” repressivo, devido ao enfraquecimento da luta sindical que conflitava com o capital e, os partidos políticos aceitaram o desafio de gerenciar o Estado em troca da legalidade, os movimentos sentiram que se desfez o “bloco histórico” anterior e devem pensar em reconstruí-lo em outro patamar. Então a luta de classes deve atingir a essência da consciência das massas. Não pode estar apenas na cabeça do círculo dirigente. Cada ação, por mais pequena que seja, deve ser combustível para esta grande luta pela destruição do Estado atual e o controle do capital. Os camponeses deste século estão convidados a construírem com solidez as suas organizações, com quadros e a estrutura organizativa capaz de enfrentar os grandes inimigos de sua existência. Devem a partir disso virarem-se para fora Então coube aos movimentos mais avançados o dever da convocação para a elaboração do projeto político, da classe trabalhadora, com as forças sociais interessadas. 49 da propriedade. Olharem para o horizonte onde está a sociedade e o restante da luta de classes. A aliança entre as forças a nível nacional e internacional nunca foi tão importante. Que tipo de estrutura social, costumamos edificar nos assentamentos? Que tipos de invenções são “adoradas” como nossa própria criação? A bodega e outros tipos de sub-exploração, não seriam o fetiche que precisaria de algo material para se reproduzir? A diversidade de cultos e seitas, não seriam criações adaptadas de divindades coniventes? Como emancipar-se se o fetiche da propriedade atenta para as ilusões do progresso individual e não coletivo? 3o – A Luta é pela construção da emancipação social ou para reproduzir o imaginário anterior? Destruído o Estado e a dominado o capital, resta modificar as relações sociais e de produção. Estas últimas talvez sejam as tarefas mais difíceis. Constata-se então que somente a luta, a mobilização não é suficiente para elevar a consciência. Ao terminar a luta, os velhos hábitos renascem e os mesmos comportamentos anteriores se revelam, como, venda ou aluguel da terra, transporte escolar como fonte de renda, pequenas vendas de comercialização de objetos supérfluos etc. A emancipação é mais do que conquistar direitos que são legitimados pela sociedade, como o de cada um ser livre para constituir o seu lar e ter a sua propriedade. Isto é apenas a redução do ser humano a cidadão obediente e cumpridor de normas imposta pela moral burguesa. Mas há um perigo ainda maior que é tentar reproduzir aquilo que deveria ser um espaço diferenciador, o imaginário anterior, como se a repulsa tivesse sido convertida em atração. A abertura de pequenas vendas de comércio ou de bares individuais, o aluguel da terra, o transporte das crianças para as escolas da cidade, a não participação das atividades regularmente, a exclusão da mulher das decisões, são resquícios do que se vivenciou na fase anterior ao assentamento. O assentamento é um mundo que se reduz no mapa da pequena propriedade. Fazer ver além é nossa tarefa se quisermos que este esforço anterior seja aproveitado. Emancipar é de fato construir novas relações sem se deixar alienar e nem dominar pelo fetiche da propriedade e do poder individual ou de grupos menores dentro da classe e da organização. A emancipação se alcança quando conseguimos relacionar as idéias e as práticas diversas. O particular, na área do conhecimento e na execução de tarefas, nos setores, existe apenas para efeito metodológico. A linha política e as diretrizes do programa estratégico sempre são as referências para os planejamentos e as práticas concretas. Se retomarmos o raciocínio de Marx, quando fala que a mercadoria “é cheia de mistérios, sutilezas e argúcias teológicas” vemos que há uma relação intima entre dinheiro, propriedade e religião. São meios que orientam a edificação dos assentamentos e determinam as relações internas. Se não vejamos: 50 IV – A luta pelo poder 1 Ademar Bogo A história da humanidade é marcada por intensas lutas pelo poder. Pessoas, grupos e classes sociais buscaram na organização das forças, o caminho para fazer valer os seus interesses, contra interesses contrários. Para melhor conduzir a discussão vamso nos orientar por quatro questões: funcionamento da sociedade urbana do município é muito pequena. Isto porque, aquela está articulada com o poder mais amplo da sociedade instituída. E, um segundo exemplo, pode ser um país ou uma região que ascende para o socialismo, mas que, pela insuficiência de sua força, permite que o modo de produção capitalista continue determinando a as relações sociais e econômicas da maior parte do território oposto. Sobrevive por um certo tempo, mas tende a ser derrotado como foi o caso dos países socialistas do Leste Europeu, desconstruidos do sistema na década de 1990. 1 - O que é o poder? Se pararmos para observar o que significa esta grande cobiça humana, onde se mata e se morre para realiza-la, iremos perceber que é difícil defini-la de uma só vez. Então, numa segunda tentativa podemos dizer que o poder é uma organização, política e militar que controla, decide e dirige o destino de outras pessoas. Mas neste caso seria uma ditadura, onde haveria total falta de liberdade. As ditaduras e os partidos autoritários e centralizadores também não se sustentam por muito tempo. Iniciamos dizendo que é um lugar na sociedade, um território, controlado por uma força política organizada. Mas a resposta é insuficiente. No “território” existem muitas forças e classes que se movem e se articulam com outras forças e classes mais amplas, por isso, o particular do território é superado pelas contradições do território mais amplo. Poderíamos dizer, para nos aproximar mais da definição de poder, de que ele é um projeto. Um projeto que se constitui de três capacidades: a) capacidade de pensar; b) capacidade de organizar; c) capacidade de agir. Mas isto poderia nos levar a pensar que somente a capacidade democrática de um grupo poderia ser suficiente para construir e manter o poder. Podemos dar dois exemplos a esse respeito. A nível de território particular, um assentamento em um município. Embora haja organização e controle do espaço, mas sua força de influência no 1 Palestra proferida em Cascavel no Paraná, na IV se- mana de Agroecologia promovida pela Via Campesina., em 9 de junho de 2006. Na história das sociedades, podemos 51 perceber que o poder, tradicionalmente, se constituiu de três elementos: a) Uma força dominante b) Uma força dominada c) Um programa, que estabeleceu as normas nas relações sociais e de produção. po social e desconsiderar as relações de produção, ou seja, com a propriedade dos meios de produção que gera a miséria, é orientar-se apenas pela moral e não pela política. O filósofo, Isaac Rousseau, nascido em Genebra, na Suíça em 1712, foi quem nos alertou para esta questão quando estudou a origem da sociedade. Disse: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: “Isto é meu”, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.” 2 - Por que o poder se constituiu desta forma? Simplesmente porque a sociedade viveu a maior parte de sua existência dividida em classes. Significa que ela sempre abrigou em si, diferentes interesses, por isso é que este poder maior, superior, exercido por grupos minoritários, ramificou-se em outras formas de poder menores, mas que são de grande valor para se manter a dominação. Vejamos como exemplo: Podemos perceber que, a origem do poder está na propriedade privada. Dela se origina as diferenças sociais e o surgimento das classes que por sua vez deu origem ao Estado, mais tarde chamada de “sociedade política”, ou a estrutura institucional, política e jurídica, para fazer com que as relações sociais e de produção funcionem a partir dos interesses de um grupo ou de uma classe. Temos na família patriarcal o poder do pai sobre a mãe e os filhos. Na escola, o poder do professor sobre os estudantes. No sistema de saúde, o poder do médico sobre o doente. No trabalho, o poder do patrão sobre os trabalhadores e na sociedade, o poder das instituições sobre os cidadãos. Então, se olharmos ao redor, vamos perceber que, em tudo com que nos relacionamos, há poder. Até no ônibus quando viajamos, o poder está com o motorista e com o cobrador da passagem. Significa dizer que, na sociedade capitalista o poder sempre está com um grupo ou com uma classe; no nosso caso, com a classe burguesa, que controla os meios de produção e por isso elabora as leis civis e morais para ordenar as relações sociais. Mas tudo isso, embora seja importante, está submetido a centralidade do poder que articula três domínios: a) Do capital; b) Do Estado; c) Das relações na sociedade civil. Controlar um e não os outros, não leva ao domínio do poder pela classe dos explorados. Preocupar-se com as relações pessoais, na família ou no gru- Resumindo, a centralidade do poder está na força do capital, no Estado, nas relações sociais e de produção. Sem modificar estes três campos conjuntamente, por mais que se conquiste pequenos “territórios” no espaço social e na vida política, jamais se conseguirá derrotar a classe dominante capitalista. É com esta 52 1o – Elaboração de idéias e propostas. visão que entendemos que o poder pertence a uma classe, e, pelo menos enquanto existirem as classes será assim. As idéias políticas da classe são mais do que intenções e vontades descritas, são revelações e propósitos que convocam e convencem as forças políticas e sociais a percorrerem o mesmo trajeto. Não é por nada que os capitalistas temem tanto a revolução e não temem as eleições. Porque a revolução desestrutura o poder de propriedade dos meios de produção, juntamente com o poder político, e, assim, modifica as relações sociais. As idéias dominantes de uma época, sempre são as idéias da classe dominante, disse Karl Marx. Significa que, as idéias principais que circulam na sociedade, são as idéias de quem detém o poder do capital, do Estado e controla as relações sociais. Isto posto, não significa dizer que não devemos lutar por conquistas localizadas que aumentem o poder popular. Todas as lutas que fazemos vão construindo o poder da classe trabalhadora e explorada, modificando hábitos e criando novo conteúdo para os valores, que contribuirão para dar qualidade ao poder quando conquistado na totalidade. Mas, se no espaço territorial não houver de fato ascenso da luta de classes, para confrontar-se com o capital, o poder, apenas na esfera da disputa política, será uma eterna utopia. Estas idéias estão nos livros, nos meios de comunicação, nas escolas, nas religiões, nos princípios, na ética, na moral, nos valores e também nas conversas cotidianas. É através delas que circulam as propostas, as intenções políticas e as decisões tomadas. As idéias têm muita força na organização e no controle político da sociedade; quem produz idéias comanda as reflexões coletivas e, através delas estabelece o consenso e a consciência coletiva. 3 – Que características tem o poder dos explorados? É bem verdade que as idéias não surgem do nada. São as ações que ajudam a produzi-las. Por esta razão é que uma revolução é fruto da prática de idéias e da reflexão sobre a mesma evitar erros e desvios. A luta pelo poder entre exploradores e explorados, exige que ele (sobre os mesmos sustentáculos), adquira características e conteúdo diferentes. No caso dos explorados há um antagonismo pois o seu poder está na continuidade dialética da revolução. A classe explorada precisa produzir as suas próprias idéias. Elas representam o conteúdo da luta de classes que ajuda a organizar as formas para derrotar os inimigos. Sem idéias próprias a luta pelo poder não tem juízo. Vamos, para efeito de compreensão, relacionar algumas características que deve ter o poder da classe explorada, para que possamos situar como ele aparece na sociedade. 53 2o – A organização política dos explorados. cas muito bem controladas. Quem se organiza tem poder. Quanto mais gente mobilizada, mais força tem para alcançar as mudanças. Por isso devemos utilizar todas as formas de organização, sejam elas através de categorias, por território ou por necessidades específicas. As pessoas se organizam na sociedade de acordo com seus interesses, mas também coordenadas por interesses alheios. Há momentos em que vemos peões de fazendas, empregados e demais trabalhadores da agricultura comercial, participando das mobilizações dos fazendeiros e latifundiários. Isto significa que, embora os interesses não sejam seus propriamente, mas foram convencidos a lutarem por seus patrões. Assumiram a posição de classe de seus dominadores. Assim ocorre com o voto que leva ao governo políticos profissionais que, que embora oriundos da classe trabalhadora, eleitos, assumem a posição de classe dos exploradores.. 3o – A colocação das forças Poder também é saber colocar as forças para agirem na sociedade. A classe dominante coloca suas forças na estrutura do Estado, como, as polícias, as forças armadas, os meios de comunicação, os políticos etc. e na sociedade civil, através de associações, sindicatos, Organizações Não Governamentais ( ONGs) e tantas outras, para enraizar o poder na sociedade civil. Há infinitas formas de organização da sociedade, mas na sua grande maioria, todas elas subordinadas às leis estabelecidas. Os movimentos sociais são os que mais livremente atuam porque não estão presos às limitações legais e, por estarem apegados a coisas concretas e visíveis, facilmente distinguem quem são aliados e inimigos. Mas como vimos anteriormente, pouco pode ajudar a luta se não temos claro quem devemos derrotar para construir outro poder com novas relações sociais e de produção. No meio popular há infinitas formas de colocação das forças, mas nem sempre estão voltadas para enfrentar as forças dominantes de forma articulada. O grande desafio atual é organizar as forças sociais para extrair delas a força dirigente que deverá orientar a construção do poder. Esta força pode ser de uma classe ou um ajuntamento de militantes conscientes e comprometidos com a revolução. É na colocação correta das forças que saberemos quais são as tarefas que cada qual tem a cumprir. Os capitalistas sabem muito bem quais são as tarefas dos banqueiros, dos latifundiários, dos meios de comunicação, da polícia, dos políticos e das empresas. Ao organizar a luta pelo poder, precisamos estabelecer quais são as tarefas cotidianas de todas A classe dominante sabe como é importante a organização política, por isso sempre que pode procura impedir a organização dos trabalhadores. Embora na atualidade os partidos políticos estejam desmoralizados, não significa que esta mesma classe esteja desarticulada. Ela mantém as estruturas políticas e jurídi54 as forças populares e políticas da revolução brasileira. tra a propriedade é considerada crime. Em qualquer situação e nível da luta de classes, a democratização da propriedade privada deve ser o alvo principal. Quem tem maior capacidade de colocar as forças leva vantagem na disputa pelo poder. b) As leis A classe dominante coloca as suas forças para produzir produtos de exportação, nós precisamos organizar as nossas forças para produzir alimentos. Eles impõe a tecnologia que modifica as sementes; nós precisamos defender as sementes e desenvolver a agricultura orgânica. Eles impõe o que devemos consumir, nós devemos protestar e não comprar. E assim são colocadas as forças para disputar o poder tanto no campo quanto na cidade. O conjunto das leis elaboradas é que garantem a ordem capitalista. Quando falha uma lei, logo é elaborada outra. Assim estrutura-se o poder jurídico. A conseqüência para quem não respeita a lei, é a punição. Devido ao dinamismo das lutas sociais, parte das leis rapidamente se tornam ineficientes, então a burguesia precisa manter um grupo, selecionado no parlamento, permanentemente para fazer leis contra aqueles que lutam para mudar a ordem. 4o – Controle da ordem pública. Os capitalistas se apegam a ordem de direito. Significa que eles elaboram as leis para proteger os seus interesses e depois usam a força para garantir que as leis sejam respeitadas. c) A Moral A desobediência civil é uma forma que a sociedade tem para se defender das imposições feitas pelos governantes e pela classe dominante. Na luta contra a ordem os explorados edificam a sua ordem. A moral também é constituída de normas que estão em acordo com os dois primeiros elementos. Ela induz para se respeitar à propriedade: “Não cobiçar as coisas alheias”. É claro que as “coisas” são as propriedades que cada capitalista pode ter quantas quiser. Há três aspectos que afirmam a ordem capitalista: a) Direito de propriedade. A classe dominante só é dominante porque a ela é garantida o direito de ter a propriedade privada sobre os meios de produção. No dia em que ela perder esta condição, perderá também o poder político e jurídico. Por isso é que, qualquer ameaça con- Pela moral, a propriedade se torna intocável com a concordância pacífica daqueles que não a tem. A luta social e política devem ir estabelecendo uma nova moral que ajudem a sociedade ser ver- 55 4 – Quais são as tarefas atuais da luta pelo poder? dadeiramente livre. Através disso edifica-se também uma nova cultura, eliminando dela todos os preconceitos e discriminações entre os explorados. Sabemos que as tarefas são muitas, mesmo porque, elas são extraídas dos problemas colocados pela classe dominante. Vejamos então algumas delas. 5o- A cultura Os poderosos acham que existe somente a sua cultura. Tudo aquilo que os explorados fazem para elite não é cultura, tanto assim que consideram “culto” somente quem estudou em universidades. 1a – Construir o poder com todas as forças da classe. Muitas vezes temos a tendência de nos organizar por movimentos ou categorias. É importante porque as pessoas não começam a lutar se não for para resolver seus problemas concretos. Ocorre que, isso tem nos levado a cada um cuidar do seu problema e então as categorias nunca se transformam em classe, porque lutam por interesses isolados. A classe trabalhadora precisa derrotar a cultura de dominação da classe dominante e desenvolver uma nova cultura. A cultura dominante é um lixo dominante. Está presa ao consumo, porque para ela tudo passa pelo mercado. Nós acreditamos que a cultura é tudo aquilo que fazemos para aperfeiçoar a vida social e não para gerar lucro. Por isso precisamos lançar mão de todos os recursos culturais para enfrentar e derrotar a classe dominante. Precisamos compreender que somos parte da mesma classe, mas se estas partes ficarem isoladas, a classe não se constitui e não terá força nenhuma. A luta é dos pobres contra os ricos, ou dos dominados contra os dominadores. No final nenhum dos dois lados poderá existir; ou seja, nem os pobres continuarão pobres, nem os ricos continuarão ricos. As riquezas serão democratizadas. As relações sociais e humanas se tornam cultura, assim como o preconceito e a discriminação. É na organização popular e política que vamos exercitado maneiras de eliminar o lixo cultural imposto e criando a verdadeira cultura da igualdade e da democracia participativa. A nossa tarefa é constituir o “bloco histórico” onde todas as forças se unem em uma só direção. Somente assim conseguiremos derrotar os inimigos comuns. Então estas são algumas características do poder. É através dela que o poder se enraíza na vida da sociedade e mantém os privilégios de grupos minoritários. A Via Campesina é o instrumento que temos para a unificação das várias lutas no campo. Precisamos de uma organização política que nos ligue com as lutas urbanas. Diante disso que vimos, resta a nós algumas tarefas imediatas que precisamos desenvolver para desencadear a luta pelo poder. 56 2a – Estabelecer o projeto comum na luta de classes. derivavam os quadros e as finanças. Com isso também, quando elas se equivocavam levam todos a se equivocarem. Os planos tem que ser amplos que sirvam para todas as pessoas da classe. O nosso projeto de agricultura considera todos os pequenos agricultores, Sem Terra, Atingidos por Barragens, Mulheres Agricultoras e Comunidades Indígenas. A realidade e o desenvolvimento histórico levou-nos ao amadurecimento das análises, por isso compreendemos que os quadros devem ser formados a partir da realidade onde atuam e cada organização deve ter seus militantes embora o conteúdo filosófico, político e metodológico pode ser unificado. O capital quando se instala num território finge ser a favor de todos, com a falsa idéia de desenvolvimento e mente que “gerará empregos”. Na verdade ele é contra todos mesmo que alguns consigam emprego. Quem não é capaz de andar com as próprias pernas, não pode apostar corrida com ninguém. O vigor da luta está na capacidade de independência que cada movimento tem das forças externa à classe. A solidariedade quando se torna mendicância deixa de ser solidariedade e é rebaixada para caridade. A luta de classes embora precise de todas as energias, jamais será vitoriosa com mendicância e caridade. Então os planos precisam ser dos pequenos agricultores, da classe; das Mulheres Agricultoras, da classe; dos jovens, da classe; dos índios, da classe. E assim os operários e os favelados, todos compõe a classe trabalhadora, mesmo aqueles que estão desempregados devem ser articulados para lutar e compor a classe. Desta forma se estrutura o projeto comum que nos leva ao poder da classe explorada. 4a – Defender a Soberania Soberania é não se subordinar a ninguém. Soberania se conquista na política. Soberano é alguém livre de todas as limitações que o impede de ser livre. 3o – Construir a autonomia. Autonomia significa não depender de ninguém para fazer o que queremos. Os movimentos do campo precisam saber que em si está a solução, e é através de seu próprio esforço que virá a emancipação. O território é a referência para a soberania política. Nele está o potencial de desenvolvimento. Ninguém pode impor a sua vontade se alguém é soberano. Esta autonomia precisa se dar através de militantes próprios, finanças próprias e idéias próprias. A nossa tarefa é fazer com que o povo brasileiro tenha soberania alimentar, tecnológica e territorial. Esta idéia nos remete a lutar contra todas as forças do imperialismo em qualquer lugar que estas se manifestem. No passado os movimentos sociais ancoravam-se nos partidos ou nas igrejas. Destas instituições saiam as diretrizes para as lutas táticas. Delas também 5a) Cultivar a mística 57 É difícil vencer, mas não é impossível. Quando duvidamos das possibilidades estamos duvidando de nós mesmos e, de outra forma, estamos dizendo que estamos desistindo. com águas muito limpas, rasgando a terra e desviando as pedras com muito esforço, avistou, já perto de chegar ao mar, um pântano de água suja e temeu chegar até ele. Revoltado protestou contra a montanha que o havia incentivado a descer. Tudo aquilo que não se cultiva morre. A mística é esta força que precisa ser cultivada com exercícios práticos, mesmo quando a vontade aponte para o lado inverso. — Eu sou um riacho limpo e você me obrigará a misturar-me a àquele pântano sujo? De que valeu todo meu esforço para manter-me limpo até aqui? Por que esse castigo agora? Olhar para o horizonte e perceber, antecipadamente, onde vamos nos colocar nele. Acreditar na possibilidade de vencer as distâncias. Para isto precisamos encontrar o caminho que nos leve ao topo apesar de todos os desafios. A montanha que tudo presenciava respondeu: — Depende da maneira como você vai encarar o pântano. Se ficar com medo, vai diminuir o ritmo de sua descida, dará voltas, e inevitavelmente, sem forças, acabará se misturando com as águas sujas do pântano e será para sempre parte dele. Mas se você enfrenta-lo com velocidade, força e determinação, vai atravessá-lo ao meio e jogará toda a sujeira para as margens, que, com o tempo, será absorvida pela terra tornando-se coisa do passado. Você, como prêmio pelo esforço, permanecerá como rio, chegará ao mar e participará de sua grandeza. Confúcio, um sábio chinês, perguntou a um curioso: “Você me considera um homem instruído?”. – “Claro que sim!”- respondeu o outro. –“Engano seu” – disse Confúcio – “apenas descobri o fio da meada”. Quem descobre o fio da meada vai até o fim. Quem não descobre está sempre em dúvida e jamais chega ao topo da montanha. Quem perde o ânimo, perdeu apenas o fio da meada, é preciso ajudar a encontra-lo. Na luta pelo poder as duas coisas nos esperam: o pântano e o mar. Se entrarmos indecisos, nos misturaremos ao pântano da política burguesa e pereceremos afogados na lama dos desvios; mas, se atacarmos com força e determinação, abriremos os velhos hábitos e vícios ao meio, afastando-os para as margens da prática política e chegaremos ao outro lado onde estará o mar que tem o poder de jamais deixar-se dominar. É a emancipação que sonhamos. O poder popular, da classe explorada, é uma construção coletiva e consciente. Constrói-se como qualquer outra construção, para que não caia. O poder não tem proprietário individual, por isso ele somente vigora se for democrático. Podemos encerrar esta reflexão com uma pequena história do rio e o pântano sujo. Um riacho que descia das montanhas 58 V – A história de um país que quer existir A tragédia se repete, girando como um peão: há cinco séculos, a fabulosa riqueza da Bolívia amaldiçoa os bolivianos, que são os pobres mais pobres da América do Sul. "A Bolívia não existe": não existe para seus filhos. Eduardo Galeano Uma imensa explosão de gás: esse foi o desfecho popular que sacudiu toda a Bolívia e culminou com a renúncia do presidente Sánchez de Lozada, que fugiu deixando atrás de si um rastro de mortos. chicha, uma bebida nacional feita de raiz fermentada; o diplomata agradeceu, mas disse que preferia chocolate. Melgarejo, com sua habitual delicadeza, obrigou-o a beber uma enorme tigela quente de chocolate e depois o fez passear em um burro, montado ao contrário, pelas ruas de La Paz. Quando a rainha Victória, em Londres, tomou conhecimento do assunto, mandou trazer um mapa, colocou uma cruz de tinta sobre o país e sentenciou: “A Bolívia não existe!”. O gás iria ser enviado para a Califórnia, a preço ruim e a troco de mesquinhas regalias, através de terras chilenas que em outros tempos haviam sido bolivianas. A saída do gás por um porto do Chile colocou sal na ferida, em um país que há mais de um século vem exigindo, em vão, a recuperação do caminho para o mar que perdeu em 1883, na guerra vencida pelo Chile. Várias vezes ouvi esta história. Ocorreu assim? Pode ser que sim, pode ser que não. A rota do gás, no entanto, não foi o motivo mais importante da fúria que ardeu por todas as partes. Outra fonte essencial foi a indignação popular, que o governo respondeu a balas, como de costume, regando de mortos ruas e caminhos. As pessoas se indignaram porque se negaram a aceitar que ocorra com o gás o que antes ocorreu com a prata, o salitre, o estanho e todo o resto. Mas a frase, atribuída à arrogância imperial, se pode ler também como uma involuntária síntese da atormentada história do povo boliviano. A tragédia se repete, girando como um peão: há cinco séculos, a fabulosa riqueza da Bolívia amaldiçoa os bolivianos, que são os pobres mais pobres da América do Sul. “A Bolívia não existe”: não existe para seus filhos. A memória dói, mas ensina: os recursos naturais não renováveis se vão sem dizer adeus, e jamais regressam. .. Na época colônia, a prata de Potosi foi, durante mais de dois séculos, o principal alimento do desenvolvimento capitalista da Europa. “Vale um Potosi” se dizia para elogiar algo que não tinha preço. Por volta de 1870, um diplomata inglês sofreu, na Bolívia, um desagradável incidente. O ditador Mariano Melgarejo lhe ofereceu uma taça de Em meados do século 16, a cidade mais populosa, mais cara e mais deca59 dente do mundo brotou e cresceu aos pés da montanha da qual provinha a prata. Essa montanha, a chamada Cerro Rico, tragava os índios. das terras da Europa. “Estavam os caminhos cobertos, que parecia que se mudava o reino” escreveu um rico mineiro de Potosi: as comunidades se esvaziavam de homens, que de todas as partes marchavam, prisioneiros, rumo à boca que conduzia às escavações. Do lado de fora, temperatura de inverno. Dentro, o inferno. De cada dez homens que entravam, somente três saíam vivos. Mas os condenados à mina, que pouco duravam, geravam a fortuna dos banqueiros flamencos, genoveses e alemães, credores da coroa espanhola, e eram esses índios que possibilitaram a acumulação de capitais que converteu a Europa no que a Europa é. As latas de sopa, que deram fama a Andy Warhol, provinham das minas que produziam estanho e viúvas. Nas profundidades das escavações, o implacável pó de silício matava por asfixia. Os operários apodreciam seus pulmões para que o mundo pudesse consumir estanho barato. No século 20, a Bolívia foi o principal abastecedor de estanho do mercado internacional. Durante a segunda Guerra Mundial, a Bolívia contribuiu para a causa aliada vendendo seu mineral a um preço dez vezes mais baixo do que o baixo preço de sempre. Os salários dos operários se reduziram a nada, houve greve, as metralhadoras cuspiram fogo. Simon Patiño, dono do negócio e senhor do país, não teve que pagar indenizações porque a matança por metralhadas não é acidente de trabalho. O que obteve a Bolívia com tudo isso? Uma montanha oca, uma incontável quantidade de índios assassinados pelo cansaço, e uns tantos palácios habitados por fantasmas. À época, o senhor Simon pagava 50 dólares de imposto de renda, mas pagava muito mais para o presidente da nação e a todo seu gabinete. Ele havia sido um morto de fome tocado pela varinha mágica da fortuna. Suas netas e netos ingressaram na nobreza européia; casaram-se com condes, marqueses e parentes de reis. No século 19, quando a Bolívia foi derrotada na chamada Guerra do Pacífico, não só perdeu sua saída para o mar e ficou encurralada no coração da América do Sul. Perdeu, também, seu salitre. A história oficial, que é a história militar, conta que o Chile ganhou essa guerra. Mas a história real comprova que o vencedor foi o empresário britânico John Thomas North. Sem disparar um tiro ou gastar um centavo, North conquistou territórios que haviam sido da Bolívia e do Peru e se converteu no rei do salitre, que era à época o fertilizante imprescindível para alimentar as cansa- Quando a revolução de 1952 destronou Patiño e nacionalizou o estanho, restava pouco mineral, não mais que restos de meio século de desaforada exploração a serviço do mercado mundial. Há mais de 100 anos, o historiador Gabriel René Moreno descobriu que o povo boliviano era “cerebralmente incapaz”. Ele havia posto na balança um cérebro indíge60 na e outro mestiço e havia comprovado que pesavam entre cinco e dez onças a menos que o cérebro da raça branca. O governo não teve outro remédio a não ser anular o imposto aos salários, que o FMI havia mandado aplicar. Com o passar do tempo, o país que não existe segue enfermo de racismo. Mas o país que quer existir, onde a maioria indígena não tem vergonha de ser o que é, não culpa o espelho. Agora, é a guerra do gás. A Bolívia dispõe de enormes reservas de gás natural. Sanches de Lozada havia chamado de “capitalização” à sua privatização mal dissimulada, mas o país que quer existir acaba de demonstrar que não tem memória fraca. Outra vez a velha história de riqueza que se evapora em mãos alheias? “O gás é nosso direito” proclamam os panfletos e as manifestações. O povo exigia e seguirá exigindo, uma vez mais, que o gás seja posto a serviço da Bolívia, em lugar de a Bolívia se submeter, novamente, à ditadura de seu subsolo. O direito à autodeterminação, que tanto se invoca e tão pouco se respeita, começa por aí. Essa Bolívia, farta de viver em função do progresso alheio, é o país de verdade. Sua história, ignorada, abunda em derrotas e traições, mas também em milagres dos quais são capazes de fazer os desapreciados, quando deixam de desapreciar a si mesmos e quando deixam de brigar entre si. No ano 2000 ocorreu um caso único no mundo: uma população desprivatizou a água. A chamada “guerra da água” ocorreu em Cochabamba. Os camponeses marcharam desde os vales e bloquearam a cidade. A população apoiou. Foram atacados com balas e gases, o governo decretou estado de sítio. No entanto, a rebelião coletiva continuou, sem recuar, até que na investida final a água foi arrancada das mãos da empresa Bechtel. (A empresa, com sede na Califórnia, recebe agora um consolo do presidente Bush, que a premia com contratos milionários no Iraque.). A desobediência popular fez a corporação Pacific LNG, integrada pela Repsol, British Gás e Panamericana Gas (que se supõe ser sócia da empresa Enron, famosa por seus virtuosos costumes) perder um valioso negócio. Tudo indica que a corporação viera com intenção de ganhar US$ 10 para cada dólar investido. Por sua parte, o fugitivo Sánchez de Lozada perdeu a presidência. Seguramente, não perdeu o sono. Sobre sua consciência pesa o crime de mais de 80 manifestantes, mas essa não foi sua primeira carnificina e este porta-voz da modernização não se atormenta por nada que não seja rentável. Afinal, ele pensa e fala em inglês, mas não é o inglês de Shakespeare: é o de Bush. Faz alguns meses, outra explosão popular em toda Bolívia venceu nada menos que o Fundo Monetário Internacional. No entanto, o FMI vendeu caro sua derrota, cobrou mais de 30 vidas assassinadas pelas chamadas forças da ordem, mas o povo cumpriu sua façanha. El país que quiere existir”, de Eduardo Galeano, foi publicado originalmente nos jornais Pagina 12 (Argentina), El Mundo (Espanha), e Bolpress (Bolivia).Tradução: Norian Segatto 61 VI – A Bolivia, Honduras e o resto do Mundo 1 Jose Luís Fiori Primeiro foi a Bolívia, mas duas semanas depois, o novo presidente de Honduras, Manuel Zelaya Rosales, também anunciou sua intenção de renegociar contratos e “preços justos”, com as empresas petroleiras, instaladas no seu país (O Globo, 13/5/06). Um fenômeno que vem se repetindo em quase todos os países exportadores de recursos energéticos, que nacionalizam suas empresas ou refazem seus contratos, desde que os preços do petróleo dispararam no mercado internacional. O caso mais importante foi sem duvida o da re-estatização da empresa Gazprom, em 2004/2005, que recolocou a Rússia na condição de “gigante mundial da energia”. Mas este também foi o caminho tomado pelos governos da Nigéria e do Kazakhstan, e pela própria Grã Bretanha, que aumentou em 10%, seus impostos sobre o petróleo do Mar do Norte, no início de 2006. A mesma política que agora está sendo discutida dentro da União Européia, e que já foi aprovada pelo Congresso norte-americano, que decidiu recentemente “punir as empresas que rejeitem uma mudança nos seus contratos de operação que dará ao governo uma fatia maior dos lucros com o petróleo”( Valor, 22/5/06). Uma decisão que já havia sido tomada pela Venezuela, e que está sendo negociada, neste momento, pelo Equador. Portanto, o que se vê, por todo lado, é uma tendência geral, que o New York Times identificou como uma “ressurgência mundial das políticas nacionalistas” (NYT. 6/5/06). Confirmando esta hipótese, faz algumas semanas, o ministro japonês Shinzo Abe provável sucessor de Junichiro Koizume – denunciou numa entrevista ao jornal Financial Times, o “renascimento do nacionalismo asiático” (F.T.28/4/06), em particular na China e na Coréia, exatamente nos dois países onde mais se tem criticado – na direção inversa – a volta do “nacionalismo japonês”. Quase ao mesmo tempo em que o vice-presidente norte-americano, Dick Cheney acusava a Russia, no último dia 5 de maio, de usar seus recursos energéticos com objetivos nacionalistas e expansionistas. Enquanto o ministro da defesa polonês, Radek Sikorski criticava a Alemanha e a Rússia por estarem construindo uma gasoduto entre os dois países, através do Mar Báltico, que exclui a Europa Central e que segundo ele, relembra o acordo de 1938, entre Moltov e Ribbentrof.(F.T. 4/5/ 06) Por outro lado, dentro da própria União Européia, multiplicaram-se recentemente as políticas defensivas e as intervenções dos governos para impedir aquisições e fusões empresariais que possam desnacionalizar suas empresas energéticas, como no caso mais surpreendente, do veto inglês à compra pela Gazprom, da Centric PLC, a maior distribuidora de energia do Reino Unido. Por isto, num artigo recente, Matthew Lynn, do Bloomber News, fala explicitamente, da “volta do nacionalismo europeu”, e denuncia o fato das “economias européias estarem se conservado obstinadamente nacionais” (Valor, 4/4/06). Como explicar esta inflexão nacionalista, tão rápida e universal? Parece 62 tratar-se de um fenômeno de mais longo prazo e que não tem uma causa única. Mas de forma mais imediata, no curto prazo, não há dúvida que esta “onda” vem sendo alimentada pelo problema da “segurança energética” da nova “máquina de crescimento mundial”, liderada pelo eixo entre os Estados Unidos e a China/Índia. apesar disto, seguem atuando de maneira ofensiva e “nacionalista”, em todo mundo, buscando um acordo estratégico de longo prazo com a Rússia, e tentando garantir o controle dos novos territórios petrolíferos da África sub-sahariana, e da Ásia Central. Nesta luta, a Europa entra como “primo pobre” depois que a Grã-Bretanha voltou a sua condição de importadora de petróleo, enquanto o resto da União importa da Rússia, hoje, 49% do seu gás, e deverá estar importando da mesma Rússia, algo em torno de 80%, por volta de 2030. Por isto, em compensação, a Rússia vem ressurgindo como potência, com mais rapidez do que era esperado, não apenas por deter o segundo maior arsenal nuclear do mundo, mas também ser a fornecedora de energia , também, da China, Índia e Estados Unidos. Em conjunto, a China e a Índia, detém um terço da população mundial, e vêm crescendo nas duas últimas décadas a uma taxa média de 6 a 10% ao ano, e a previsão é que até 2020, a China deverá aumentar em 150%, o seu consumo energético, e a Índia em 100%, se forem mantidas suas atuais taxas de crescimento econômico. A China já foi exportadora de petróleo, mas hoje, já é a segunda maior importadora do mundo, para atender um terço de suas necessidades internas. No caso da Índia, sua dependência do fornecimento externo de petróleo é ainda maior do que a da China, e nestes últimos 15 anos, passou de 70 para 85% do seu consumo interno. Ao mesmo tempo, o Japão e a Coréia seguem sendo grandes importadores de energia, o que explica sua corrida conjunta e competitiva em direção à Ásia Central, África e até mesmo, à América Latina. O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres atribui a esta mesma disputa energética, a recente reestruturação naval e a presença militar crescente dos chineses e indianos no Mar da Índia e no Oriente Médio. Olhando desta forma para a Bolívia e Honduras, o que se vê, em última instancia, é que a globalização do capital acabou globalizando a demanda e a disputa pelos recursos energéticos, e provocou um aumento de preços que pode e deve se sustentar por muito tempo, o que fortalece a posição econômica e estratégica dos países exportadores de recursos energéticos. É esta tensão que está por trás da nova “onda nacionalista”, e tudo indica que veio para ficar por um bom tempo, empurrando as Grandes Potências na direção da sua velha luta pela conquista e monopolização de novos “territórios econômicos” supra-nacionais. Este tufão está recém no início, mas já paralisou a União Européia, atropelou o Mercosul, e deve enterrar brevemente os sonhos liberalizantes da Rodada Doha. Apesar de tudo isto, a “idiotia conservadora” segue falando de “populismo latino-americano”. No outro lado do “eixo”, os Estados Unidos seguem sendo os maiores consumidores de energia do mundo, e vem deslocando seu fornecimento para dentro de sua zona de segurança estratégica, no México e no Canadá, ou mesmo na Venezuela. Mas 63 VII – Sementes, terra e água: os idos de março Silvia Ribeiro Investigadora do Grupo ETC, professora e cientista Curitiba, Brasil. O sul do Brasil, confluência de vários movimentos sociais mais fortes desse país e da América Latina, foi durante março, o cenário do confronto entre os movimentos camponeses e as transnacionais, tendo como pano de fundo a Organização das Nações Unidos. Entre 5 a 31 de março ocorreram, uma após a outra, a Conferência das Nações Unidas sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, a terceira Reunião das Partes do Protocolo Internacional de Cartagena sobre Biossegurança e a oitava Conferência das Partes do Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas. Enquanto isso, no México, se reunia o quarto Fórum Mundial da Água. do mundo – lembrando eles que o mundo real está fora das mesas de negociação – e furiosos os diretores das transnacionais. Na marcha final convocada pela Via Campesina em 31 de março, em frente ao centro de convenções de Curitiba, mais de cinco mil camponeses e integrantes do MST colocaram uma enorme faixa que resumiu o que está em jogo: “A natureza e a biodiversidade são dos povos, não dos governos nem das transnacionais”. No Brasil, a Via Campesina marcou o campo de jogo desde o início: em 8 de março, as mulheres do movimento ocuparam um laboratório e viveiro de eucaliptos clonados da empresa Aracruz, em protesto contra o deserto verde e a expulsão de indígenas e camponeses pelos monocultivos florestais. Em seguida, marcharam e fecharam por quatro horas o acesso a Conferência de Reforma Agrária. Dois dias depois, conseguiram que a declaração do fórum paralelo Terra, Território e Dignidade fosse incluída como documento da conferência oficial de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. Sem pedir permissão, os “condenados da terra” na voz de milhares de camponeses, trabalhadores rurais sem-terra, atingidos por barragens, vítimas da monocultura de árvores e dos transgênicos do Brasil e do mundo, interromperam a cena das conferências das Nações Unidas que ocorreram em Porto Alegre e Curitiba, enquanto dezenas de milhares marcharam no México em defesa da água e contra a sua privatização. A reunião do Protocolo de Biossegurança começou com marchas e a ocupação feita pela Via Campesina em um terreno onde a empresa Syngenta estava plantando milho e soja transgênicos Com a calma e a firmeza dos motivos justos, armados de sementes, bandeiras e canções, mulheres, crianças e homens deixaram atônitos os diplomatas 64 ilegalmente, em uma zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, onde ficam as famosas cataratas com o mesmo nome. A ocupação continua. governamentais e movimentos sociais, conseguiram, finalmente, que fossem revertidos os textos vindos de Granada, para desespero das transnacionais e dos delegados dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, principais governos que queriam romper a moratória. Os delegados do México, até o último momento, também trabalharam para convencer os outros governos para quebrar a moratória, seguindo o costume vergonhoso que tiveram em todas as conferências de março, onde defenderam as transnacionais. Na semana seguinte, em uma vitória contundente da sociedade civil internacional, o Convênio de Diversidade Biológica (CDB) manteve e reafirmou a moratória contra a tecnologia Terminator, que faz sementes suicidas. Moratória que existia dentro do CDB desde 2000, mas que as transnacionais dos transgênicos tentaram minar meses antes, em uma reunião preparatória do CDB em Granada, na Espanha. O momento mais forte e simbólico do CDB foi a entrada das mulheres da Via Campesina no plenário de negociações: com a bandeira verde dos movimentos e velas, abriram diante dos delegado oficiais dezenas de cartazes escritos em vários idiomas exigindo a proibição da Terminator.O presidente da sessão anunciou que levaria em conta essa “intervenção”, e diante da frustração do diretor da Delta & Pine, que pediu que a segurança entrasse na sala, a maioria do plenário se levantou e aplaudiu. As transnacionais chegaram contentes ao Brasil: pelos corredores do CDB passavam sem pudores em frente aos diretores globais da Monsanto, Syngenta e Delta & Pine, proprietários da maioria do mercado de transgênicos e patentes de Terminator. A vitória em Granada e seu sentimento de superioridade sobre os burocratas governamentais, a quem se acostumaram a instruir pelo meio do suborno e outros similares, lhes dava ânimo. Receberam uma bofetada em plena cara. O arco-íris dos protestos diários da Via Campesina nas ruas e dentro do centro de conferências, a coordenação de centenas de organizações da sociedade civil na Campanha Internacional contra Terminator, com ações simultâneas no Brasil e em outros países, as intervenções de jovens e indígenas, incluindo delegados especialmente enviados do povo huichol de Jalisco e do povo guambiano da Colômbia, as atividades paralelas com o Fórum Brasileiro das organizações não Manter a moratória contra a Terminator é um feito importante e relevante para milhares de camponeses e indígenas, assim como para as possibilidades de todos decidirem o que comemos para que as transnacionais não o façam. Mas talvez a mensagem principal seja outra, que não fica em papel e não se apaga: os condenados da terra não aceitam sua condenação, nem seus algozes nem aqueles que, mediante as leis nacionais e internacionais, legalizaram os privilégios dos poderosos. 65 VIII – Concentração da indústria mundial de sementes - 2005 ASSUNTO: Em 2004 e parte de 2005 presenciamos um auge nas fusões da indústria de sementes e uma reacomodação de seus lugares de importância no mercado mundial. Hoje, 10 das mais importantes companhias do mundo controlam a metade das vendas de sementes. Com um mercado mundial com valor total de aproximadamente 21 bilhões de dólares por ano, o comércio de sementes é relativamente pequeno se comparado com o mercado mundial de pesticidas (35,4 bilhões de dólares) e muito frágil se comparado com as vendas da indústria farmacêutica (466 bilhões de dólares). Entretanto, o controle corporativo e a propriedade sobre sementes – primeiro elo da cadeia alimentar – tem implicações de grande alcance para a segurança alimentar mundial. IMPACTO: Estando em poucas mãos o controle de sementes e investigação agrícola, o fornecimento de alimentos do planeta torna-se muito vulnerável aos caprichos dos artífices do mercado. As corporações tomam decisões que servem a seus interesses e assegurem os lucros dos intervencionistas, além de não garantir a segurança alimentar. Por fim, a existência de um monopólio na indústria de sementes implica na diminuição de opções para os agricultores. Um novo estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos examina o impacto da concentração da indústria de sementes sobre a investigação agrícola. O estudo conclui que a redução da competência associa-se com a redução da investigação e desenvolvimento. Mesmo com a indústria de sementes afirmando o contrário, a concentração no ramo resulta em menor inovação. JOGADORES: Um punhado de empresas transnacionais - os gigantes genéticos - dominam as vendas mundiais. Monsanto, Dupont, Syngenta – que se encontram também entre as maiores empresas de agrotóxicos do mundo – estão na liderança. POLÍTICAS: A concentração da indústria de sementes é um ponto culminante nas agendas das organizações da sociedade civil e de agricultores que trabalham para manter sistemas de sementes controlados pelos camponeses e contra as políticas tecnológicas que buscam privatizá-las ainda mais. Concentração da indústria mundial de sementes – 2005 O grupo ETC publicará Oligopólio, S.A. 2005 no final deste ano, possibilitando examinar a concentração no poder corporativo em outros setores como agroquímicos, biotecnologia, farmacêutica, veterinária, distribuição e processamento de alimentos e bebidas. Qual é o valor do mercado mundial de sementes? Oligopólio – Substantivo: estado de competência limitada, onde o mercado repartese entre um pequeno número de produtores e vendedores. (Fonte: Askoxford.com) As opiniões dos especialistas são diversificadas. Segundo a Federação Internacional de Sementes, o valor estima- 66 do do mercado mundial de sementes e outros materiais cultiváveis em 56 países selecionados em 2005, foi de mais de 25 bilhões de dólares. A ETC considera que subestimam esse valor, pois a Federação contempla ‘outros materiais cultiváveis’ não definidos. seus lugares de importância. O líder constante, Pioneer Hi-Bred International de Dupont, foi destronado quando a Monsanto adquiriu a Seminis em janeiro de 2005 por 1,4 bilhões de dólares, convertendo-se na líder mundial da indústria sementeira e maior companhia de sementes do mundo. Um relatório de julho de 2005, feito por Philips McDougall, uma empresa de analistas industriais com sede no Reino Unido, considera que o valor do mercado de sementes é de 19 bilhões de dólares e estima-se que 10 companhias controlam 51% do total do mercado. Dado a velocidade das fusões e aquisições, achamos que as 10 primeiras posições voltarão a se modificar em breve. Apesar da controvérsia e da falta de aceitação pública, as sementes transgênicas estão ganhando valor de mercado. Segundo Phillips McDougall, elas constituem um quarto do comércio mundial de sementes. O comércio das características biotecnológicas das sementes (tolerância a herbicidas e resistência a insetos) disparou de 280 milhões de dólares em 1996 para 4,7 bilhões de dólares em 2004, um incremento de 17 vezes nos últimos nove anos. Em 2004, Pioneer/Dupont obteve 50% de seu lucro com sementes de variedade que incluem um caráter transgênico. Em 2005, Dupont vende esses produtos ao mercado americano: Dada esta disparidade, o grupo ETC pensa que o mercado comercial de sementes tem um valor intermediário. Algo em torno de 21 bilhões de dólares em vendas no mundo, o que, conservadoramente, seria dizer que as 10 maiores empresas controlam 49% do mercado mundial. China 5% Outros 4% Brasil 6% Canadá 6% Pioneer/Dupont oferta de produtos para os EUA, 2005. Argentina 20% USA 59% O crescimento no mercado de sementes transgênicas é sobre saliente, especialmente porque têm sido aceitas em poucos países relativamente e continuam no meio da controvérsia no resto do Durante 2005 vimos um auge nas fusões e aquisições da indústria de sementes e uma forte reacomodação em 67 mundo. A lição? Quando empresas gigantes decidem quais as marcas entrarão no mercado de sementes transgênicas, não é necessário ter um produto superior para posicionar-se no mercado. a propriedade da semente – o primeiro elo da cadeia alimentar – fica nas mãos de poucas companhias transnacionais, o fornecimento mundial de alimentos fica muito vulnerável aos caprichos dos mercadores. Os diretores das corporações tomam decisões para cuidar de seus interesses e aumentar os lucros e não para assegurar a alimentação do mundo. Concentração da indústria de sementes, a quem importa? Mesmo que falemos de tênis, lavadoras, cerveja ou telefones celulares, a concentração corporativa é ubíqua. Em 2005, Adidas aliou-se com a Reebook, Procter & Gamble engoliu a Gillete, Molson devorou a Coors, SBC adquiriu a ATT, Verizon se fundiu com MCI e a Maytag está convencendo a Whirlpool. Porém, as sementes são diferentes de navalhas de barbear ou de tênis. Quando “Que tipo de estratégias industriais – e devemos assumir que há algum tipo de estratégia – tratariam de colocar no mercado, hortaliças, produtos que nada necessitam mas que todos tem que consumir, que inclusive o político mais proclive da indústria teria dificuldade em justificar e cuja única característica boa é que melhora a posição no mercado das companhias que o produzem?” Editorial, Nature Biotechnology, sept. De 2004. Monsanto – A maior companhia de sementes do mundo – Uma análise. Em 2004, as sementes biotecnológicas da Monsanto e/ou sua tecnologia de manipulação genética foram usados em 88% do total da área mundial plantada com transgênicos. Segundo a Monsanto, a quantidade de hectares cobertos com sua biotecnologia foi de 71 milhões em 2004, o que equivale ao tamanho da Zâmbia. Percentual de cultivos transgênicos correspondente a Monsanto: - Soja transgênica – A soja da Monsanto se cultivou em 91% da área mundial dedicada à soja transgênica em 2004. (Dos 48 milhões de hectares de soja transgênica no mundo, 44 milhões são da Monsanto) - Milho transgênico – O milho transgênico da Monsanto foi semeado em 97% da área mundial de milho transgênico durante 2004. (Dos 19,3 milhões de hectares no mundo, o milho da Monsanto foi plantado em 18,77 milhões) - Algodão transgênico – O algodão transgênico da Monsanto foi utilizando em 63,5% de toda a área semeada com esse cultivo. (De 9 milhões de hectares de algodão, a Monsanto plantou 5,7 milhões) - Canola transgênica – A canola transgênica da Monsanto foi semeada em 59% da area mundial dedicada à esse cultivo em 2004. (De 4,3 milhões de hectares de canola transgênica no mundo, a Monsanto usou 2,54 milhões) Nota: Essas estatísticas se baseiam em fontes da indústria: Monsanto e o ISAAA (Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas). 68 Percentual do mercado mundial de sementes: Milho – Monsanto controla 41% do total. Soja – Monsanto controla 25% do total. Algodão: Em abril de 2005, a Monsanto adquiriu a Emergent Genetics por 300 milhões de dólares. Emergent, que é a terceira maior companhia de sementes de algodão tanto na Índia como nos Estados Unidos, tem aproximadamente 12% do mercado de sementes de algodão dos EUA e 10% do mercado de sementes híbridas de algodão na Índia. Monsanto se apodera da horta. Com a aquisição da Seminis por 1,4 bilhões de dólares em 2005, a Monsanto se coloca em uma posição dominante no mercado emergente de sementes de hortaliças, um segmento antes inexplorado pela Monsanto. Com diversas marcas, Seminis fornece mais de 3.500 variedades de sementes para produtores de frutas e hortaliças em 150 países. A aquisição da Seminis incluiu as seguintes marcas: - Royal Sluis - Petoseed - Bruinsma - Asgrow Vegetable Seeds Para a Monsanto, “as sementes de hortaliças são o próximo movimento estratégico” porque “é um segmento de alto valor e rápido crescimento na agricultura”. Segundo a Monsanto, o percentual de lucro por vendas de sementes e traços é maior para as hortaliças (64%) do que para os feijões de soja (63%) ou para o milho (57%). Agora a Monsanto assume uma posição líder de mercado mundial de sementes de hortaliças, onde antes era virtualmente invisível. Feijões – Monsanto controla 31% do comércio mundial de sementes Pepinos – Monsanto controla 38% do comércio mundial de sementes Pimentas – Monsanto controla 34% do comércio mundial de sementes Pimentões – Monsanto controla 29% do comércio mundial de sementes Tomates – Monsanto controla 23% do comércio mundial de sementes Cebolas – Monsanto controla 25% do comércio mundial de sementes. Um novo estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos analisa como a concentração na indústria de sementes afeta a investigação. Nos EUA, o investimento do setor privado em investigação e desenvolvimento de variedades vegetais incrementou 14 vezes entre 1960 e 1997, enquanto que o investimento público se estancou. reitos exclusivos sobre as variedades vegetais estimularam a concentração da indústria de sementes. Analisando o milho biotecnológico, o algodão e a soja, os pesquisadores da USDA encontraram que a intensidade da pesquisa baixou à medida que os mercados de sementes se concentravam mais. “As companhias que sobreviveram à consolidação da indústria de sementes estão financiando menos a investigação do que quando haviam mais empresas envol- Sabe-se que as leis de propriedade intelectual (os direitos de obter e as patentes) que fornecem às empresas os di69 vidas, segundo o tamanho de seus mercados individuais... Também pode ocorrer que, com menos companhias desenvolvendo cultivos e vendendo sementes, haja uma menor quantidade de variedades.” “Hoje chegamos a um bilhão de acres. No futuro, plantarão e colherão tantos bilhões de acres de cultivo biotecnológico no mundo todo que deixaremos de contar cada acre como McDonald’s conta seus hamburguers, como temos feito até agora.” – Thuth About Trade and Technology, grupo que apóia o livre comércio e a biotecnologia agrícola, com sede em Des Moines, Iowa, EUA. O estudo da USDA também enfatiza que a pesquisa pública sobre a variedade de cultivos “tem um efeito estimulante sobre a investigação privada de biotecnologia”. Os autores concluem que o aumento do investimento público para a pesquisa de fitomelhoramento “não estaria somente mantendo as altas taxas de devolução ao público dos benefícios da pesquisa pública, mas sim que até poderia promover, de certa forma, o investimento privado”. A proliferação de hambúrgueres vendidos pela mega empresa mundial de fast food é uma boa comparação com o alcance que tem as sementes dos Gigantes Genéticos: a invasão desses produtos impõe enormes custos sociais que usualmente não são reconhecidos nem discutidos até que a tecnologia seja encontrada por todos os lados. Qual é a moral da história? No caso da agrobiotecnologia nos Estados Unidos, a redução na concorrência está associada com a redução em pesquisa e desenvolvimento. Apesar da indústria de sementes argumentarem o contrário, a concentração neste setor resultou em pouca inovação. Por fim, um mercado de sementes altamente concentrado significa menores, e não maiores opções para os agricultores. Tomemos a contaminação transgênica, o fluxo genético indesejado transferido por polinização de cultivos transgênicos (OGMs) para cultivos convencionais ou orgânicos que se encontram ao redor. Nos primeiros dias da biotecnologia discutiu-se como possibilidade remota, mas logo se tornou uma realidade, depois um incômodo e agora em uma crise (para alguns). Com a rápida expansão da área de transgênicos, os agricultores encontram cada vez mais dificuldades em produzir variedades nãotransgênicas. Revolução ou involução? Segundo os promotores da biotecnologia, “nos primeiros dias de maio de 2005 um agricultor em alguma parte do mundo plantou o hectare número 400 milhões de algum cultivo biotecnológico”. Para os promotores dos transgênicos, saber o número total de hectares plantados com sementes transgênicas é como para o McDonald’s colocar um anúncio do número de hamburguers servidos embaixo de seus arcos dourados: Pesquisadores canadenses escreveram em Ecological Economics no início deste ano que “a perda ou a limitação da produção de cultivos não-transgênicos certificados pode significar a imposição de condições externas sobre os produtores, consumidores e outros usuários ao longo da cadeia”. Enfatizam que os cus70 tos de oportunidade para os agricultores poderiam incrementar dramaticamente enquanto o número de áreas de produção livre de transgênicos se reduziria, se os consumidores aborrecidos decidissem simplesmente evitar comestíveis com algum conteúdo transgênico. que semeiam para que o façam de maneira restrita.” Ambas propostas são inaceitáveis porque nenhuma delas impõe limites apropriados para a fonte de contaminação: a indústria biotecnológica. Há sinais indignantes de que as decisões são tomadas para favorecer aos gigantes genéticos e transferir os custos e a culpa da contaminação transgênica aos agricultores e consumidores. Hoje, os cientistas estão discutindo sobre como medir a contaminação transgênica e o que isso significa. Tratam de determinar as distâncias de isolamento para evitar a dispersão de pólen e a polinização. Pelo menos 28 governos além da União Européia resistem contra os requisitos nos rótulos dos comestíveis transgênicos e por estabelecer níveis de tolerância para o conteúdo transgênico em alimentos rotulados. Os consumidores de alguns mercados estão perdendo a capacidade de selecionar produtos livres de transgênicos ou têm que pagar mais e evitar por completo os comestíveis derivados da biotecnologia. Os agricultores que decidem não cultivar OGMs enfrentam uma perda de mercado se seus produtos se contaminam, ou respondem legalmente se os genes patenteados e não autorizados se encontram em sua propriedade. Nos EUA, os governos dos estados estão aprovando leis escritas dissimuladamente pela indústria biotecnológica, tornando ilegal o que os governos locais haviam proibido ou restringido em relação aos transgênicos. Decididos a não permitir proibições locais de cultivos transgênicos, como as aprovadas em três condados da Califórnia, a indústria promoveu 14 leis que impedem o protesto por parte de cidadãos contra os cultivos transgênicos. Outro exemplo é que a indústria das sementes e governos aliados estão promovendo agressivamente a tecnologia Terminator de sementes como um método viável para deter o fluxo genético. Delta & Pine Land, a companhia com sede nos Estados Unidos que está desenvolvendo ativamente a esterilização genética de sementes, lança o argumento indignante e cientificamente falaz de que o Terminator “providencia a vantagem para a biosegurança de evitar a mais remota possibilidade de movimento de transgenes.” Como lidarão as pessoas com os custos sociais impostos pelos cultivos transgênicos e a contaminação transgênica? Quem julgará e quem pagará? Os pesquisadores canadenses oferecem duas soluções problemáticas: “que os cultivadores de transgênicos paguem um imposto para compensar aos que não querem semeá-los por qualquer perda gerada pela contaminação ou, alternativamente, que os agricultores que não semeiam transgênicos possam pagar aos Muitos países estão adotando novas leis de sementes dirigidas a restringir os direitos dos agricultores de controlar e 71 usar suas sementes. Um relatório amplo de GRAIN examina a imposição de novas e repressoras leis de sementes, que substituem a anterior legislação em muitos países. Segundo GRAIN, “o principal objetivo dessas leis é dar uma melhor proteção às variedades privadas de sementes desenvolvidas por empresas e deixar de lado completamente as variedades próprias dos agricultores.” a tecnologia de tolerância à herbicidas ocasionou um aumento de 5% nestes três principais cultivos. Visto que se usa tanto herbicida em milho, soja e algodão, comparado com o volume de inseticida aplicado ao milho e ao algodão, o uso de agrotóxicos cresceu em 4,1% nos acres plantados com variedade transgênicas. – Charles M. Benbrook, “Genetically Engineered Crops and Pesticide Use in the United States: The First Nine Years.” Biotech InfoNet, Technical Paper Number 7, octubre de 2004. Sementes transgênicas e pesticidas: outro mito da indústria destruído: Desde o início da biotecnologia, a indústria prometeu que as sementes transgênicas reduziriam o uso de agrotóxicos na agricultura. Um estudo de Charles Benbrook (2004) analisa o uso de agrotóxicos e sua relação com os cultivos transgênicos nos Estados Unidos de 1993 à 2004 (a área de transgênicos nos Estados Unidos é 60% da área mundial). O estudo conclui que o uso total de agrotóxicos sobre os acres cultivados com transgênicos aumentou em 4,1% desde 1996. Esses resultados contradizem o argumento tão repetido pela indústria de que os OGMs ajudam à reduzir os praguicidas na agricultura. Segundo Benbrook: Os agricultores estão sendo forçados a aplicar quantidades maiores de herbicidas sobre as plantações transgênicas tolerantes à herbicidas porque alguns matos desenvolveram resistência, mesmo com a confiança que se tinha nos cultivos tolerantes a herbicidas. Benbrook acha que a “confiança de um herbicida”, o glifosato, como o método principal para controlar as ervas daninhas em milhões de acres cultivados com variedades de plantações tolerantes a herbicidas é o fator principal que obriga os agricultores a “aplicar mais herbicidas por acre para obter o mesmo nível de controle das pragas.” Cultivar milho, soja e algodão geneticamente modificados (GM) proporcionou um aumento de 122 milhões de libras no uso de agrotóxicos desde 1996. Se por um lado os cultivos britânicos reduziram o uso de inseticidas durante este período em 15, 6 milhões de libras, por outro os cultivos tolerantes a herbicidas aumentaram o uso para 138 milhões de libras. Os cultivos britânicos reduziram em 5% o uso de inseticidas em milho e algodão, enquanto que O glifosato, o agrotóxico mais utilizado em todo o mundo, é considerado tipicamente menos daninho que outros herbicidas químicos. Entretanto, novos estudos sobre o glifosato e a fórmula patenteada da Monsanto, RoundUp, levantam sérias preocupações sobre a segurança deste tóxico para a saúde humana e o ambiente. Aproximadamente três quartos da área mundial dedicada a cultivos transgênicos no ano passado foram 72 plantados com cultivos tolerantes à aplicação de glifosato. dades agrícolas e para a segurança alimentar mundial. As opções se reduzem ainda mais com o aumento da contaminação transgênica que invade os cultivos tradicionais e orgânicos. Conclusão: a consolidação da indústria de sementes significa menos concorrência, menor opções aos agricultores e maior vulnerabilidade para as comuni- Texto retirado site: www.etcgroup.org Quem é dono de quem? Concentração na indústria de sementes – 2005 A lista do Grupo ETC inclui muita das companhias de sementes maiores do mundo e suas aquisições ou subsidiárias. Não é uma lista exaustiva de todas as companhias de sementes, mas inclui muita das 20 firmas que vendem para a agricultura comercial, sementes para vegetais e para os jardins. 73 74 75 76 77 78 IX – Oligopóio S. A. 2005 Concentração do Poder Corporativo FARMACEUTICA: As 10 empresas mais importantes do mundo controlam quase 59 % do mercado dominado por 98 firmas líderes. FARMACÊUTICA VETERINÁRIA: As 10 companhias maiores do planeta controlam 55 % do mercado mundial farmacêutico veterinário, que tem um valor de 20.255 milhões de dólares. BIOTECNOLOGIA: As 10 principais companhias de biotecnologias com ações ao público, dominam quase três quartos do mercado global da biotecnologia. SEMENTES: As 10 maiores companhias do mundo controlam quase a metade do mercado planetário de sementes comerciais, com valor de 21 milhões de dólares. Consulte o site do Grupo ETC, onde existem notícias de 2005 sobre a concentração da indústria de sementes: www.etcgroup.org/article.asp?newsid=525. AGROTÓXICOS: As 10 firmas maiores do mundo controlam 84% do mercado global de agrotóxicos, com valor de 29.566 milhões de dólares. Os analistas dizem que somente as três companhias maiores sobreviverão no negócio convencional de agrotóxicos até 2015. DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS: Em 2004, os 10 distribuidores de alimentos mais poderosos tiveram vendas aproximadas de 84 milhões de dólares, 24 % do mercado global, com valor aproximado de U$3,5 milhões de dólares. PROCESSAMENTO DE BEBIDAS E ALIMENTOS: As 10 maiores companhias dominaram 24% do mercado global com valor estimado de $1,25 milhões de dólares por comestíveis empacotados. Essas 10 companhias obtêm 36% dos ingressos das 100 principais companhias mundiais de alimentos e bebidas. NANOTECNOLOGIA: A indústria e os governos investiram mais de US 10 milhões em pesquisa e desenvolvimento de nanotecnologia em 2004. Contexto: Não é segredo que atualmente as corporações exercem um poder sem precedentes para desenhar as políticas sociais, econômicas e comerciais. Hoje em dia somos testemunhas de um controle mais concentrado que nunca – não só no sistema alimentício – como também sobre produtos e processos vitais e sobre blocos fundamentais da construção da natureza. manho das corporações (e sua participação no mercado) que tem aumentado em um escala que inclusive os reguladores mais míopes não poderiam seguir ignorando. Em segundo lugar, a confiança dos investidores e o entusiasmo dos capitalistas em financiar novas tecnologias ou novas aquisições que ficaram sumamente mermados com a caída dos preços das ações no mercado do ciberespaço. Começando 2004 as preocupações se abateram na medida em que mais e maiores fusões se anunciaram. Este ano o valor global das fusões e aquisições corporativas chegou a $1 bilhão 950 milhões de dóla- Ao começar essa década, muitas análises assumiram que o furor das fusões coorporativas visto nos anos 90 tinha terminado e não se repetiria jamais. Uma razão que fez pensar isto foi o ta79 res, um brinco de 40% em comparação com $1 bilhão 380 milhões de dólares em 2003. As vendas combinadas das 200 corporações maiores do mundo significam 29% da atividade econômica do planeta em 2004. Devido aos acordos comerciais entre as próprias firmas, o que aparece como compra e venda entre os paises é muito freqüente na redistribuição do capital entre subsidiarias da mesma corporação multinacional “padre”. A globalização deslumbrante tem cegado os reguladores ansiosos de que as empresas multinacionais em seus paises sejam competitivas. Frequentemente se passa por alto a denominação do mercado mediante a manipulação da propriedade intelectual (como quando se reciclam as inovações para estender a patente monopólica) e o comércio da tecnologia que chega a formação de cartazes tecnológicos globais. Produto Interno Bruto do Brasil. • Os executivos das corporações dos Estados Unidos ganham mais em um só dia que um trabalhador em média ganha em um ano. Em 2004, a compensação em média dos diretores executivos estado-unidenses se incrementou em 30%, seis milhões de dólares por ano. Oligopólio S.A. 2005 revela que a concentração corporativa – não só na alimentação e a agricultura, como também em todos os setores relacionados aos produtos e processos vitais – se incrementou notoriamente desde nossa ultima revisão há dois anos. Desde esse artigo de 2003 o Grupo ETC, as dez companhias de sementes mais importantes do mundo, passaram a dominar de um terço a praticamente a metade do comercio global de sementes, e as 10 empresas biotecnológicas maiores do planeta aumentaram sua porção, de um pouco mais da metade do mercado, a quase três quartos das vendas mundiais nesse setor. A porção de mercado dos dez fabricantes de agrotóxicos mais poderosos aumentou modestamente, de 80% para 84%, mas os analistas prevêem que somente três companhias sobreviverão à próxima década. Se é alarmante uma concentração tão rápida entre as companhias que produzem insumos agrícolas, o controle exercido pelos 10 processadores e os 10 distribuidores de alimentos dominantes é assombroso. Em cada categoria, em mercados que deveriam - quase por definição – estar sumamente diversificados, as companhias dominantes controlam uma quarta parte dos mercados que valem Como é comum, o domínio corporativo é reflexo das crescentes disparidades entre ricos e pobres, tanto dentro como entre as nações da OCDE e do sul. Alguns indicadores são os seguintes: • Os economistas do sistema afirmam que o capital sempre busca os mais altos rendimentos e que tipicamente flui dos paises ricos aos pobres – mas The Economist enfatiza que as economias emergentes enviaram aproximadamente 350 milhões de dólares aos países ricos em 2004. • As 400 pessoas mais ricas nos Estados Unidos somam um montante aproximado de 1 bilhão 130 milhões de dólares – mais de duas vezes o 80 muitos bilhões de dólares. Entretanto, enquanto os produtores e os distribuidores de mercadorias lutam por sobreviver e dominar, este novo artigo mostra também que uma luta subterrânea está acontecendo na nano escala, para controlar os blocos fundamentais da vida e da natureza. O investimento corporativo em nanobioctecnologia (ou biologia sintética) poderia dar o controle final a um conjunto muito inesperado de fatores. “Em vez de ser fonte de inovação, são vastas maquinas de mercadotecnia. Em vez de ser historias de sucesso em livre mercado, se aproveitam da pesquisa financiada pelo governo e dos direitos monopólicos.” Márcia Angel, The Truth About the Drug Companies, p.20. As aflições da indústria farmacêutica Como proteger suas patentes e como desencadear a invenção de novos fármacos – aparentemente não há êxitos próximos em porta – continuam sendo os problemas da grande indústria farmacêutica. Em 2004 a imagem da indústria se deteriorou ainda mais devido aos escândalos regulatórios e da retirada de medicamentos do mercado. Merck foi obrigada a retirar seu medicamento antiinflamatório de muito sucesso com valor de $2,5 milhões de dólares, Vioxx, depois de que se comprovou que causava ataques do coração e derrames. A companhia enfrenta mais de sete mil ações legais relacionadas com Vioxx, e estima-se que os gastos com indenizações irão dos $5 aos $50 milhões de dólares. Merck espera que seus investimentos atraiam outros $2 milhões quando vencer a patente de seu medicamento mais vendido, Zocor, em junho de 2006 (o segundo fármaco de maior sucesso do planeta, responsáveis por 20% das vendas de Merck). No final de novembro de 2005, Merck anunciou que recortaria 7 mil empregos e fecharia cinco de suas 31 plantas de manufatura. Indústria Farmacêutica As 10 companhias farmacêuticas mais importantes segundo suas vendas, 2004 (em milhões de dólares) As 98 companhias de medicamentos monitoradas por Scrip´s Pharmaceutical League Tables 2005 tiveram vendas combinadas de 415 milhões de dólares em 2004. As 10 companhias dão conta de 59% do total. A fusão entre Pfizer e Pharmacia em 2003 originou a maior companhia farmacêutica do planeta. Hoje Pfizer domina o ramo em vendas e lucros. A consolidação continuou em 2004 com a absorção de Aventius por Sanofi-Synthelabo, resultando na terceira maior companhia de medicamentos do mundo, Sanofi- Aventis. 81 70% dos gastos legais de uma companhia farmacêutica grande são por litígios sobre patentes. “No último quarto de século vimos o nascimento de um vasto complexo médico industrial, no qual os médicos, os hospitais e as instituições de pesquisa desenvolveram profundos vínculos financeiros com as companhias farmacêuticas e os fabricantes de equipamentos. Os conflitos de interesse não são a exceção, são a norma.” • Uma pesquisa recente da revista Nature revela que os painéis de profissionais que escrevem as diretrizes clínicas - que usam os médicos para determinar o diagnostico e o tratamento - tem enormes compromissos financeiros com a indústria farmacêutica. Profissionais em saúde pública encontram esses conflitos muito perturbadores, especialmente porque as diretrizes são escritas especificamente para influenciar de maneira direta em que tipos de fármacos vão a prescrever os médicos. O estudo de Nature considerou mais de 200 diretrizes de todas as partes do mundo. Nem todos os painéis de profissionais que as escrevem deram detalhes sobre os autores individuais. Nos casos em que sim brindaram essa informação, encontrou-se que: Paul Krugman, New York Times, 16 dezembro de 2005 Apesar das enfermidades crônicas da grande indústria farmacêutica, as companhias estão usando muitas táticas para manter saudáveis seus lucros - mais de 6 milhões de dólares em 2004. De 51 indústrias monitoradas por Fortune, a indústria farmacêutica ocupou o terceiro lugar em ganâncias (somente a banca e a refinação de petróleo são mais lucrativos). Por exemplo: • Nos Estados Unidos, a indústria de produtos farmacêuticos e para o cuidado com a saúde gasta mais no que qualquer outra indústria, exceto as companhias de seguros que gastam quantidades incríveis em campanhas em conjunto. Em 2004, as companhias farmacêuticas gastaram uma quantia recorde de $123 milhões de dólares em mais de 670 cabilderos, (52% antigos funcionários do governo federal). • A metade dos painéis tinha pelo menos um autor com uma posição conflictiva como conselheiro da indústria farmacêutica. • Mais de um terço dos painéis incluiu pelo menos um membro que dava seminários em representação de “uma relevante companhia farmacêutica”. • As companhias farmacêuticas gastam mais em serviços legais que em qualquer outro ramo industrial, principalmente para evitar que os rivais produzam versões genéricas dos fármacos de maior venda. Um advogado de patentes estima que, num ano qualquer, aproximadamente de • Num caso, cada um dos membros do painel havia sido pago pela companhia farmacêutica responsável do medicamento que o painel recomendava em suas diretrizes médicas. 82 setor: 36% das vendas globais da farmacêutica veterinária foram por esse rumo em 2004. “O publico é mais cínico? Sim... Há uma percepção de que não nos preocupamos muito com a questão.” John LaMattina, presidente de pesquisa global de Pfizer. O enorme crescimento nas vendas de produtos para animais de estimação (mais de 6% por ano desde 1991) quase iguala o crescimento do setor de produtos para o cuidado da saúde humana. Indústria Farmacêutica veterinária Devido aos fortes laços emocionais entre as pessoas e seus bichos de estimação, os analistas da indústria afirmam que há um “teto econômico muito alto” para o gasto em produtos para estes animais. As tendências da saúde animal são reflexos das tendências no cuidado da saúde humana - incluindo mais ênfase nas doenças geriátricas (medicamentos para tratar as artrites caninas e as paradas cardíacas congestivas) assim como fármacos para a disfunção cognitiva em cães (Alzheimer de cães, segundo site da web). As 10 companhias farmacêutica veterinárias mais importantes segundo suas vendas em 2004. Segundo Animal Pharm Reports, as vendas globais de farmacêutica e nutrição veterinária alcançaram os U$20,255 milhões em 2004 – uma alta de 6,5% em relação ao ano passado. (O mercado de farmacêutica veterinária inclui vacinas e outros aditivos alimentícios biológicos, medicinais e nutricionais). Animal Pharm prevê que as vendas do mercado de animais de estimação se incrementarão de 4,5 milhões em 2003 para 5,9 bilhões de dólares para o final da década. Em contraste, o panorama dos aditivos alimentícios médicos não é muito brilhante. Mesmo que alguns grupos comerciais da indústria recusam as provas, um crescente corpo de evidência científica demonstra que o falta rotineiro de antibióticos aos animais de granja promove o desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos que podem transferir-se as pessoas, fazendo mais difícil tratar as infecções bacterianas em humanos. A União Européia solicitou que para As 10 companhias mais importantes de farmacêutica veterinária conseguiram 55% das vendas globais do setor em 2004. As 20 maiores companhias controlam 75% do mercado global. Os produtos para alimentação animal (rebanho, porcos e aves) representam quase dois terços de suas vendas, mas o mercado dos “animais de companhia” (estimação) representa o verdadeiro crescimento do 83 final de 2005 todos os antibióticos promotores do crescimento fossem retirados do mercado. Como resposta a crescente preocupação do publico em torno aos perigos do uso excessivo de antibióticos, varias cadeias de restaurantes (inclusive Mc Donald’s) anunciaram políticas para proibir que seus provedores avícolas usassem rotineiramente, como promotores do crescimento, antibióticos que também são importantes na medicina humana. A Union of Concernes Scientists (União dos cientistas comprometidos) estima que 70% dos antibióticos que se aplicam a frangos, porcos e rebanho vacinados nos Estados Unidos não se usam para tratar doenças, mas como também aditivos alimentícios para promover o crescimento e compensar as perdas durante o crescimento. considera endêmico (em partes da Indonésia, Vietnam, Camboja, China, Tailândia e possivelmente Laos), ocasionando a morte de 70 pessoas ate dezembro de 2005. Também se reportaram brotos da influencia aviar na Rússia e Europa do Leste. Segundo a OMS, “nunca antes na historia das enfermidades tantos paises tem sido afetados simultaneamente, resultando na perda de muitíssimas aves”. Milhões de aves nos criadouros avícolas estão sendo segregadas ou vacinadas para eliminar o vírus e controlar seu aparecimento. A globalização e intensificação dos procedimentos da avicultura industrial prepararam a evolução da influencia aviar. BIOTECNOLOGIA As indústrias de gado e avícola são extremamente vulneráveis às catástrofes e perdas econômicas ocasionadas pelas epidemias. Mesmo assim, o panorama da enfermidade da vaca louca (encefalopatia espoginforme bovina) é pouca coisa comparada com a ameaça de uma epidemia de influencia aviar em aves e em humanos. A gripe aviaria pode se espalhar através do contato humano com aves, mas os estudiosos em saúde pública advertem que o vírus muda de uma forma altamente infecciosa e se contagia facilmente de pessoa em pessoa, desembocando em uma epidemia global de gripe. As 10 companhias biotecnologias com participação pública mais importante, 2004. Brotos de uma variedade altamente patogena da influencia aviar (o vírus H5N1) apareceu em meados de 2003 no sudeste da Ásia, onde agora este vírus se Com base na pesquisa anual da Nature Biotechnology, as 10 empresas biotecnológicas mais importantes com 84 ações ao público representam menos de 3% do número total de companhias no setor biotecnológico, mas deram conta de 72% dos investimentos de todo o setor (33.429 milhões de dólares em ingressos, de um total de 46.533 milhões de 309 companhias). Em outras palavras, algumas companhias biotecnológicas estão prosperando – a grande maioria está perdendo dinheiro e o setor biotecnológico público como um todo está no vermelho, com perdas aproximadas de 4.160 milhões de dólares em 2004. As 309 companhias biotecnológicas com ações públicas gastaram 16 milhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento em 2004, e as 10 mais importantes deram conta de somente 14 % do total. 8% no Canadá. A grande maioria (82%) está voltada ao setor da saúde humana, 14% são provedoras de serviços (oferecem pesquisas e serviços tecnológicos como genoma funcional ou o screening de alto rendimento o high-throughput screening (HTS). A agro biotecnologia representa somente 3% do total. As novas companhias biotecnológicas podem criar capitais associando-se com as grandes indústrias farmacêuticas para investimentos e/ou negociando concessões, ou mediante a venda de ações para o público. Em 2004, 50 companhias biotecnológicas fizeram ofertas públicas iniciais, gerando quase 2.500 milhões de dólares em fundos. Envelhecendo? A indústria biotecnológica traz suas origens da fundação de Genetech de 7 de abril de 1976 – a primeira companhia de engenharia genética. Os analistas industriais Ernst & Yong descrevem assim a evolução da biotecnologia: “Em seu aniversário de 30 anos, a indústria está envelhecendo. Da volaticidade de um adolescente passou para a incerteza de uma idade adulta, a maturidade, o enfoque e a racionalidade de um adulto completo”. Os analistas poderiam ter agregado quem em sua busca por alcançar a idade a adulta, a grande maioria das companhias biotecnológicas morre somente as mais aptas tem sobrevivido e prosperado. Sem produtos novos, com medo das regulamentações e dos genéricos: Em 2004, somente seis novos fármaco-biotecnológicos foram aprovados pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, muito menos da média de 12 aprovações por ano, nos últimos anos. O tempo de desenvolvimento dos fármacos biológicos está aumentando em média em 7 anos ou mais. Enquanto que as patentes sobre os medicamentos biotecnológicos bem sucedidos expiram rápido, e as companhias estão preocupadas com as conseqüências. “Se as versões genéricas dos fármacos biotecnológicos inundarem o mercado, os ganhos com os medicamentos de marcas das maiores empresas biotecnológicas provavelmente cairão,” advertem os analistas da indústria. Três quartos das 309 companhias biotecnológicas demonstradas estavam nos Estados Unidos, 15% na Europa e 85 Os 10 super êxitos biotecnológicos de 2004: Os fármacos geneticamente modificados mais vendidos 35.400 milhões de dólares em 2004. As 10 maiores companhias tiveram 84% do mercado (29.566 milhões de dólares). Destas, as seis maiores controlam 71% do mercado de agrotóxicos e as duas mais importantes controlam mais de um terço. As 10 maiores empresas de praguicidas do mundo. As 10 companhias de sementes mais importantes. Indústria comercial de sementes Nota sobre o setor da indústria de sementes: É difícil separar os agrotóxicos das sementes porque as mesmas corporações dominam em ambos os setores – e porque os produtos de sementes e agrotóxicos fazem acordos entre si e comercializam frequentemente os produtos vendendo-os juntos. Em setembro de 2005 o Grupo ETC publicou um estudo sobre a consolidação da indústria global de sementes, incluindo uma lista das maiores companhias agrícolas do mundo e suas subsidiárias. De acordo com a atual taxa de consolidação, não surpreende a previsão dos analistas industriais de que somente as três maiores companhias sobreviverão no negócio convencional de agrotóxicos até 2015: Bayer, Syngenta e BASF. Indústria Agroquímica Segundo os analistas, 2004 foi um ano difícil para a indústria de agrotóxico, pois somente duas das dez companhias Segundo Philips McDougall, as vendas globais de agroquímicos (germicidas, fungicidas e inseticidas) alcançaram os 86 Gráfico detalhado de distribuição de comestíveis tiveram crescimento de dois dígitos em suas vendas. (Os investimentos da Monsanto em agroquímicos cresceram somente 5%, em grande parte porque a companhia está interessada em avanços biotecnológicos de sementes e em sua estratégia para desenvolver agrotóxicos; os investimentos da Dupont cresceram em 9%). A ferrugem da soja: a ferrugem do grão de soja asiático (Phakospsora pachyrhizi) é o principal motivo do aumento da venda de fungicidas. Disparou a venda dos fungicidas da BASF em 21% e na América Latina contribuiu com o aumento de 18% nas vendas do fungicida da Syngenta, em 2004. Ainda que o esporo tenha sido um problema na Ásia e Austrália por décadas, este fungo aéreo está se espalhando pelas Américas, todas as variedades comerciais são suscetíveis à enfermidade. Indústria Global de distribuição de alimentos. Os 10 distribuidores de alimentos mais importantes do mundo No Brasil, a ferrugem se espalhou durante mais de três anos em três quartos das áreas onde se cultiva a soja. Em 2005, se descobriu que o fungo apareceu no sudeste dos Estados Unidos – onde se monitora diariamente sua expansão. Enquanto isso, os cientistas estudam os bancos genéticos e buscam outros tipos silvestres do grão de soja na China e outros países asiáticos (onde os agricultores domesticaram o cultivo), na esperança de encontrar variedades que tenham resistência genética aos fungos. A consolidação, a concorrência mortal e a agressiva expansão global são as forças que definem o setor de distribuição de comestíveis, tendências que se aceleram a passos largos. Consolidação da distribuição de comestíveis: 87 • No ano passado, os dez maiores distribuidores venderam juntos 840 milhões de dólares, 24% das vendas globais, estimadas em 3 bilhões e meio de dólares. (Em comparação, o Grupo ETC divulgou em 2001 que os dez mais importantes distribuidores de produtos tiveram vendas conjuntas de 5 milhões 137 mil dólares ou 18% do mercado global). e a cooperação corporativa são algumas das estratégias de sobrevivência. Dois exemplos atuais: • Albertson´s, a segunda maior cadeia de produtos dos Estados Unidos, foi posta a venda em setembro de 2005 devido à estagnação das vendas, incapaz de competir com os distribuidores mais populares. • Em setembro de 2005 dois dos maiores distribuidores de produtos do mundo, Carrefour (número 2) e Tesco (número 5), anunciaram uma troca de ações. (Carrefour adquiriu as ações da Tesco em Taiwan e Tesco as ações do Carrefour na República Tcheca e Eslováquia). Os analistas industriais acreditam que uma aliança entre Carrefour e Tesco, mesmo que impensável a médio e curto prazo, seria uma das poucas combinações que poderiam competir efetivamente com Wal-Mart em nível global.(IGD) • Os 30 maiores distribuidores de comestíveis controlam, aproximadamente, 36% do mercado global de distribuição de comestíveis (com investimentos conjuntos de 1 milhão 262 mil dólares 2003/04). • Os 10 maiores distribuidores de comestíveis do mundo possuem dois terços de todos os investimentos dos 30 distribuidores mais importantes do planeta. Alcance global: IGD, uma empresa de pesquisa de mercado, com sede no Reino Unido, estima que a parte do mercado de distribuição de produtos que controla os 10 mais importantes mercados nacionais do mundo vale, atualmente, 2,45 bilhões de dólares. Os analistas da IGD estimam que o mercado global de distribuição de bebidas e alimentos vale 3,5 bilhões de dólares. Prevêem um crescimento explosivo na Ásia e América latina – onde o índice de vendas de comestíveis no varejo se duplicou entre 1988/1997. Concorrência de mega mercados: O formato muito bem denominado de “hipermercado” (um supermercado dentro de um armazém) é o modelo dominante de distribuição de produtos. O Wal-Mart é o maior e mais bem sucedido hipermercado e para os mercados menores é difícil a concorrência. A fusão 88 • Os analistas prevêem que a região asiática alcançará 41% do mercado global de distribuição de alimentos em 2020, a partir dos 33% que tiveram em 2003. para o Wal-Mart estão localizadas na China. Em 2004, Peter Goodman e Philip Pan escreveram no Washington Post: “Enquanto o capital percorre o mundo em busca de trabalhadores mais baratos e maleáveis, e enquanto os países pobres recorrem às multinacionais para gerar empregos e abrir mercados para exportação, o Wal-Mart e a China construíram uma empresa conjunta de capital de risco maior, essa associação influi nas condições de trabalho e consumo do mundo todo” Washington Post, 8 de fevereiro de 2004. • A China será o segundo maior mercado de distribuição de alimentos, depois dos Estados Unidos. O mercado de produtos da China crescerá 65%, 456 milhões de dólares nos próximos cinco anos. A china abriu suas fronteiras aos distribuidores estrangeiros no começo dos anos 90, e em dezembro de 2004 o governo diminuiu as restrições aos distribuidores internacionais. As maiores lojas globais Carrefour: administra mais de 11.000 lojas (430 mil empregados, em mais de 30 países da Europa, América Latina e Ásia). Somente na França é feita a metade de suas vendas. No começo de 2005, o Carrefour planejou abrir 70 hipermercados, incluindo 15 na China, 7 no Brasil, 6 na Colômbia, 5 na Indonésia, 4 na Tailândia e 3 na Polônia. (IGD) • A Índia está muito confiante na abertura aos investimentos estrangeiros e o IGD prevê que ela se tornará o quarto mercado de distribuição de produtos em 2020. O Wal–Mart anunciou que está tentando entrar rapidamente na Índia. Wal-Mart: 89% de suas vendas são feitas na América do Norte. (80% nos Estados Unidos). Além dos Estados Unidos, Canadá e México, a WalMart opera em Porto Rico, Brasil, Argentina, Reino Unido, Alemanha, China e Coréia do Sul. O WalMart se tornou o terceiro maior distribuidor de produtos no Brasil quando comprou uma cadeia de lojas líder, a Bom Preço. • Segundo a FAO, os supermercados na América Latina “aumentaram suas participações em vendas de comestíveis no varejo em uma década, o que os Estados Unidos fizeram em 50 anos”. Tesco: opera em 13 mercados fora do Reino Unido e é o líder em seis deles, principalmente no Leste Europeu e na Ásia. Metro: é o maior distribuidor da Alemanha, tem e administra umas 2.400 lojas na Alemanha e em outros 28 países, incluindo Índia, Rússia e Ucrânia. Os custos do fortalecimento: possuindo um lugar estratégico na indústria de alimentos, os distribuidores de comestíveis exercem um extraordinário poder econômico e comercial. Estas empresas decidem, no final das contas, quando e quem produzirá, processará e distribuirá uma impressionante parte da alimentação do planeta. Por exemplo, 80% das seis mil fábricas que fabricam os produtos Em seu informe de 2004 sobre a insegurança alimentar, a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) enfatizou o papel das cadeias de supermercados multinacionais e suas implicações para a segurança alimentar de milhões de agricultores e trabalhadores rurais. Segundo a FAO, os super89 mercados podem aumentar as opções dos consumidores e baixar os preços de acordo com suas conveniências, mas o domínio dos supermercados globais “também tem feito com que muitos dos grandes fabricantes e distribuidores tenham cada vez mais poder de impor padrões, preços e datas de entrega”. O informe enfatiza que os agricultores de pequena escala não conseguem se estabelecer no mercado globalizado e estão arriscados a permanecerem como uma minoria marginalizada, excluídos do sistema alimentar, como produtores e como consumidores. íbe os sindicatos. Em 2004, um vendedor médio do Walt –Mart , nos Estados Unidos ganhou 14 mil dólares, salário abaixo da linha da pobreza nos Estados Unidos para uma família de 3 pessoas, e menos da metade de seus empregados puderam pagar o plano de saúde mais barato oferecido pela própria empresa. Um informe de 2004, do Congressional Comitee dos Estados Unidos concluiu que são os contribuintes que estão tendo que arcar com os baixos salários pagos pelo Walt-Mart e com a falta de convênio médico - um gasto corporativo com assistência médica de quase 2 milhões de dólares ao ano. O informe estima que somente uma loja do Walt-Mart com 20 empregados pode custar aos contribuintes dos Estados Unidos, 420 mil dólares por ano (com programas de assistência do governo para cuidados com as crianças, moradia, impostos, etc.). Segundo a reportagem, “Garantindo apenas o mínimo dos direitos trabalhistas, dos salários, de convênio médico, de condições de trabalho ou política comercial, o Walt-Mart se tornou um sinônimo do pior exemplo para tratar com a classe trabalhadora.” “...a globalização das industrias alimentícias e a expansão dos supermercados criam oportunidades para alcançar novos mercados lucrativos, assim como o risco substancial de aprofundar a pobreza.” FAO, Estado de insegurança alimentar, 2004 Algumas palavras sobre o WalMart: É a maior corporação do mundo e também o maior distribuidor de comestíveis. Com um poder titânico nas vendas globais no varejo, suas decisões corporativas afetam o emprego, o comércio, o ambiente e a tecnologia em todo o planeta. Tem 1 milhão e 700 mil empregados e cerca de 138 milhões de pessoas compram em suas lojas a cada semana. O Walt-Mart tem recorde de ações por violações aos direitos trabalhistas, incluindo a ação mais escandalosa por discriminação em local de trabalho na história dos Estados Unidos: uma ação coletiva de mais de 1 milhão e meio de mulheres contra o Walt-Mart por discriminação na contratação e nas promoções de cargos. A estratégia típica da empresa é vender alimentos e mercadorias a preços mais baixos, aproveitando seu poder de compra massivo, pressionando os fornecedores locais para que vendam a preço de custo e empregando tecnologia mais avançada no manejo das mercadorias. É um patrão que paga salário mínimo e pro- Em março de 2005, o Walt-Mart conseguiu que lhe retirassem uma acusa90 ção quando aceitou pagar uma quantia recorde de 11 milhões de dólares para que não fosse denunciado por usar centenas de imigrantes ilegais para limpar suas lojas nos Estados Unidos. • Segundo uma empresa de pesquisa de mercado, Leather Food International, as vendas de alimentos e bebidas das 10 maiores companhias mundiais foram de 297 milhões de dólares ou 24% do mercado global de comestíveis, que tem valor estimado de 1.250 bilhões de dólares. Mais de 500 mil trabalhadores de Bangladesh, China, Suazilândia (África), Indonésia e Nicarágua propuseram uma ação coletiva em setembro de 2005 contra Walt-Mart, denunciando as condições de trabalho deploráveis nas fábricas de seus fornecedores. • As 100 empresas mais importantes do mundo tiveram em 2004 vendas somadas de 829 milhões de dólares, e controlam um terço do mercado global. Em resposta à publicidade negativa, o Walt-Mart lançou uma poderosa contra ofensiva. Em outubro, seu diretor se comprometeu a reduzir a emissão de gases de efeito estufa em suas lojas, em 20% nos próximos sete anos; criar planos de assistência de baixo custo para seus empregados e fazer uma proposta ao Congresso para aumentar o salário mínimo. Um crítico disse que isto era apenas “um golpe publicitário cheio de retórica, que não promete nada aos trabalhadores”. • As 10 empresas principais, detêm 36% das receitas que ganham juntas as 100 maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo. Walmartização da indústria de alimentos e bebidas: Os analistas de indústrias afirmam que o domínio do WaltMart está chegando a uma concentração total não apenas do mercado de vendas no varejo como em toda a cadeia de alimentos. A luta para ganhar espaços nas prateleiras das maiores lojas do mundo está promovendo uma intensa concorrência entre os fornecedores de alimentos e bebidas. Como afirmou um analista industrial, “o espaço na prateleira é como um diamante envolto em ouro”. Indústria de processamento de alimentos e bebidas. As 10 maiores corporações de alimentos e bebidas, 2004. As fusões e aquisições são uma das estratégias de sobrevivência usadas pelas empresas de alimentos e bebidas para conseguir a economia em escala que precisam para responder à imposição de preços baixos do Walt-Mart. Esta tendência promove negócios como o que fez a Procter & Gamble, que comprou, em ja- 91 neiro de 2005, a empresa Gillete por 57 milhões de dólares, uma fusão que representará mais de 60 milhões ao ano. sair da loja. As etiquetas corporativas RFID marcam o início de uma nova geração de tecnologias de espionagem comercial que armazenam dados, violando a privacidade e as liberdades civis. Quem prepara os sanduíches: Com o Walt-Mart expandindo sua própria marca de alimentos, os fornecedores de alimentos estão agora no meio do sanduíche, entre o comprador e o vendedor mais poderoso do mundo: o Walt-Mart é seu maior cliente e um dos mais ferozes competidores. As marcas próprias WaltMart representam, aproximadamente, 40% de suas vendas. Síndrome da China: Com 1.300 milhões de consumidores e uma renda per capita crescente, a China é o lugar ideal para a expansão do capital global. Procter & Gamble, Unilever, Kraft e Budweiser se encontram entre as empresas que estão criando a moda da lealdade às marcas. Procter & Gamble já é o maior anunciante na China. Tecnologia: o Walt-Mart dita a vanguarda tecnológica dos sistemas de controle. Para janeiro de 2006, exigirá de seus 300 principais fornecedores que usem sistema de identificação através de radiofreqüência (RFID por suas sigla em inglês) em todas suas cargas e embalagens. Outros grandes distribuidores estão seguindo esta tendência. As etiquetas RFID são micro chips que transmitem a informação de um produto a um leitor eletrônico à distância. O objetivo do WaltMart é reduzir custos, mantendo as prateleiras cheias do essencial e combatendo o roubo formiga. Um fornecedor comum gastaria 9 milhões de dólares para cumprir a exigência de usar RFID durante os dois primeiros anos de sua implementação. Como resultado da ordem do Walt-Mart, os sistemas RFID deixaram de ser uma tecnologia emergente para ser de vanguarda. Os defensores dos direitos dos consumidores advertem que os micro chips portadores da informação serão adaptados a todos os produtos nas prateleiras e a leitura e reposição de dados não terminará quando o comprador Nanotecnologia Devido aos processos biológicos que ocorrem em escala de nanômetro – a milionésima parte do metro – muitas das maiores corporações industriais do mundo vêem na nanotecnologia o novo conjunto de técnicas para manipular o material em nano escala – como uma nova plataforma tecnológica para descobrir, manufaturar e fornecer novos medicamentos e insumos agrícolas, adicionar novos sabores e nutrientes aos alimentos, diagnosticar precocemente as doenças e tratá-las de maneira mais efetiva. Em 2004, os setores público e privado em todo mundo, gastaram em conjunto, aproximadamente, 10 milhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento de nanotecnologia. Lux Research, uma empresa de pesquisas de mercado afirmou que 2005 marcaria o primeiro ano em que a indústria gastaria mais que o governo em pesquisa e desenvolvimento. Em 2005 também vimos um consenso entre a indústria, o governo e a uni- 92 versidade: todos adotaram o mesmo grito de guerra (finalmente entrando em sintonia com a sociedade civil): “Mais financiamento para pesquisa na área da saúde e segurança dos materiais de nano escala”. Na última semana de 2005, o governo do Reino Unido publicou sua primeira reportagem “Characterising the potential risks posed by engineered nanoparticles” (caracterizando os riscos potenciais que apresentam as nanopartículas projetadas); o Woodrow Wilson International Center of Scholars em Washington publicou uma lista das pesquisas financiadas pelo governo sobre riscos relacionados à nanotecnologia, com o apoio da NanoBusiness Allince, e a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US EPA), produziu um documento para discussão enfocando os riscos para o ambiente no manejo de nano materiais. 2.600 patentes dão um panorama geral que merece atenção: Os 10 principais aglomerados de patentes nanotecnológicas, US PTO, classificação 977 (2607 patentes pesquisadas, 7 de dezembro de 2005) Patentes da classificação 977 assinadas pelo governo dos Estados Unidos. A toxicologia dos nano materiais, porém, é um terreno desconhecido, não existem regulamentações e a discussão dos impactos sociais é apenas um murmúrio; entretanto os produtos derivados de nanotecnologia chegam ao mercado a largos passos. Nanobiotecnologia / Biologia sintética: Amordaçando a vida? “Fazer a vida melhor, parte por parte” esse é o slogan e a missão do Grupo de Trabalho em Biologia sintética do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Os pesquisadores que trabalham com as ciências da vida e a engenharia tentam criar, com esta nova disciplina, moléculas e células biológicas ou organismos inteiros para que desempenhem tarefas úteis, como a produção de compostos farmacêuticos ou energia. Nas palavras de um dos cientistas do MIT, “a biologia nunca mais será a mesma”. No final de 2004 o Registro de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos (US PTO) estabeleceu uma classificação especial (Classificação 977) para as patentes em nanotecnologia. Os examinadores estão revisando as patentes já outorgadas para reclassificá-las, somando-as às novas patentes que surgem a cada semana. A classificação 977 não oferece informação clara sobre o patenteamento, todavia, suas mais de 93 O ambicioso projeto da biologia sintética – o desenho, modelagem, construção, precisão cibernética e verificação dos sistemas vivos artificiais que sirvam para diversas aplicações - precisa utilizar componentes que existem na natureza ou que são feitos pelo homem. Nos casos onde os componentes incluem materiais nano escalares feito pelo homem, nanobiotecnologia e biologia sintética se tornam sinônimos. tetiza seguimentos de DNA. Outro dos diretores do projeto, Robert Friedman trabalha no Instituto Venter, cujo fundador, Craig Venter arrecadou 30 milhões de dólares de acionistas privados para criar o Synthetic Genomics, para fabricar organismos para fins industriais. Consideramos outros marcos na evolução da biologia sintética: • Em março de 2005, os editores da revista Nature inauguraram um novo boletim nessa linha, o Molecular Systems Biology, dedicado ao campo da biologia sintética. A revista é de distribuição gratuita e os autores pagam três dólares por exemplar se seu artigo for aceito. “...começa a parecer razoável que os especialistas em biologia sintética criem algum dia artefatos vivos que possamos usar em nossos carros e casas ou computadores que usem glicose como fonte de energia”. Pámela Silver e Jeffrey Way, “Cells by Design”, The Scientist, 27 de setembro de 2004. • Em setembro de 2005 se descobriu uma variação do vírus Bacteriófago T7. Esse vírus existe na natureza e tem sido estudado por mais de 50 anos, mas o novo T7 é uma criatura diferente, seus descobridores o chamaram de “T7.1”. Este vírus é um derivado do T7, com seu genoma modificado em 30%. Trata-se de “fazer a vida melhor” que a natureza é a nova fronteira da biologia. Como já sabemos, a ciência se transforma mais rápido do que as considerações sobre suas implicações e sem qualquer debate social. Em junho de 2005, três instituições – o J. Craig Venter Institute, o Center of Strategic & International Studies e o MIT – anunciaram que fizeram uma análise conjunta das implicações sociais da biologia sintética em uma pesquisa que durou 15 meses, financiada em 570 mil dólares pela Alfred P. Sloan Foundation. • No final de 2005 foi criada a Fundação BioBricks (BBF) para desenvolver “bens comuns de funções biológicas básicas” (open commons of basic biological functions). A BBF está ligada ao “Registro MIT de partes biológicas padrões”, estabelecido em 2004, que contribui com estes bens comuns relacionando as partes biológicas que estão sendo construídas atualmente. Também oferecem “serviços de síntese e encaixes para a construção de novas partes, artefatos e sistemas”. Infelizmente os que estão entusiasmados para avaliar as implicações da biologia sintética também estão muito envolvidos com os que querem fazer negócios com ela. Um dos diretores do projeto, Drew Endy do MIT, é co-fundador da Códon Devices, uma empresa que sin- 94 • Em 2005, equipes de 13 escolas da América do Norte e Europa participaram da competição “intercolegial de máquinas planejadas genéticamente (iGEM), que ocorreu no MIT. Utilizando partes biológicas do registro do MIT, os estudantes criaram sistemas vivos planejados para realizar trabalhos específicos – neste ano as propostas incluíram bactérias que atuam como sensores ambientais, circuitos genéticos capazes de fazer contas e uma carreira de bactérias. Segundo o diretor do registro, Randy Rettberg, a competição demonstra que os estudantes estão começando a entender que a biologia pode ser usada para fazer quase a mesma coisa que os sistemas eletrônicos ou mecânicos. Já estão planejando a próxima competição anual. Os novos vizinhos: Companhias de biologia sintética Companhia Amyris Biotechnologies, www.amyrisbiotech.com A que se dedica EEUU Fundada em 2004, a Amyris é a menina dos olhos da biologia sintética. Com um financiamento de 12,5 milhões de dólares da Fundação Gates, a empresa buscar desenvolver um micróbio que se torne uma fonte barata de medicamento anti malária – uma substância química que se encontra em pequenas quantidades no absinto. A Amyris também usa sua tecnologia patenteada para produzir compostos químicos muito específicos como vitaminas e aromatizantes. Biótica, Reino Unido www.biotica.co.uk A Biótica usa a biologia sintética (por exemplo os poliquetidos bioativos) para descobrir medicamentos. Os poliquetidos são uma classe diferente de produtos naturais que a Biótica afirma “ser uma grande fonte de medicamentos com valor comercial significativo, atualmente representam vendas em todo o mundo de mais de 20 milhões de dólares por ano.” Blue heron Biotechnologies, EEUU www.blueheronbio.com Blue Heron reproduz genes “ndependente da seqüência, complexidade ou tamanho, com uma exatidão de 100%”, usando sua tecnologia patenteada GeneMarker. A empresa oferece “um preço especial para seus novos clientes: 1,60 dólares por par”.(Inclusive neste preço promocional, estaria sequenciar o genoma completo da menor bactéria { mycoplasma genitalium, com 580.000 pares de base}, o que custa quase um milhão de dólares). Codon Devices, EEUU www.codonvices.com Fundada em 2004, a Códon está desenvolvendo uma plataforma de produção patenteada, “BioFAB plataforma de produção” que se espera sintetizar com toda precisão códigos genéticos de quilobase e megabase, mais rápido e mais barato que qualquer tecnologia disponível atualmente. A companhia vende “jogos de partes biológicas para projetos de pesquisa em larga escala, células projetadas para produzir medicamentos, proteínas projetadas para bioterapia e artefatos biosensitivos”. A Codon tem obtido 13 milhões de dólares em capital de risco e espera começar a ter lucros no final de 2005. Synthetic Genomics, EEUU www.syntheticgenomics.com Fundada em 2005 por J. Craig Venter, o magnata do genoma, a empresas visa produzir organismos com “necessidades metabólicas reduzidas e reorientadas” que possam “facilitar novos métodos de produção industrial bioprojetados, mais poderosos e diretos”. Slogam “Imagine um futuro... em que os pesquisadores possam usar um produto modular, parecido com um software, para desenvolver novos genomas microbianos que se fabricam em escala industrial”. GeneArt, Alemanha ww.geneart.com GeneArt, empresa surgida as Regensburg University em 1999, é um companhia de síntese genética que utiliza sua tecnologia patenteada GeeOptimizer. GeneArt foi classificada como uma das 10 companhias alemãs com o mais rápido crescimento. 95 DNA 2.0, EEUU www.dnaopointo.com Fundada em 2003, A DNA 2.0 utiliza o processo “DNA -2-Go” para sintetizar genes, especializando-se em tecnologias de otimização de proteínas. No final de 2004, a DNA 2.0 recebeu um financiamento de 1 milhão de dólares da DARPA, Defense Ad vanced Research Projects Agency para desenvolver plásticos biológicos que podem se converter em combustível. 96 Conclusão: As mega empresas que dominam grandes proporções do mercado estão se tornando cada vez maiores. Somente a ação dos cidadãos e o debate em todos os níveis – local, nacional e internacional – podem questionar significativamente a hegemonia corporativa. Uma vez que as empresas trabalham com pesquisa global, além das fronteiras de qualquer país, a reforma também requererá debate, revisão e monitoramento a nível intergovernamental. As Nações Unidas junto com a sociedade civil, os agricultores, sindicalistas e movimentos sociais, devem recuperar sua capacidade de monitoramento, regular e reformar as atividades das empresas transnacionais. as empresas do que tinha em 1993. Entretanto, os governos do Sul e a sociedade civil precisam que alguém vigie essas empresas. É muito ruim para a OCDE que seus estados não forneçam fundos para criar um órgão de vigilância. É muito ruim para a ONU não poder avaliar e monitorar a tecnologia no planeta. Em 12 de dezembro em Hong Kong, o Grupo ETC apresentou no South Center um estudo onde se analisa os principais impactos das tecnologias de nano escala sobre os países que dependem da exportação de matérias primas. A reportagem está em inglês, em www.southcenter.org . Nela o Grupo ETC reforça a necessidade de criar uma Convenção Internacional para a Avaliação de Novas Tecnologias (ICENT, sigla em inglês), e também descreve nosso Communiqué “Nanogeopolitcs”, http:/ / w w w . e t c g r o u p . o r g / article.asp?newsid=520, em castelhano. Há treze anos, devido a pressões dos Estados Unidos, o Centro das Nações Unidas para as Corporações Internacionais foi fechado e a comunidade intergovernamental perdeu sua capacidade de monitorar a atividade corporativa global. Os Estados Unidos, sem dúvida, tem menos interesse hoje em monitorar Texto retirado do site: www.etcgroup.org 97 X – Elementos para um balanço de conjuntura nacional – Maio 06 – I - Antecedentes históricos de forças da classe trabalhadora produzido pelo reascenso e que resultou no surgimento do PT, CUT, MST, pastorais, legalização dos partidos comunistas, que apresentaram o projeto democrático-popular. E defendido pela candidatura Lula. E de outro lado, as classes dominantes se unificaram e apresentaram a proposta do neoliberalismo. A vitória de Collor foi a possibilidade das classes dominantes tentarem sair da crise com um novo modelo de acumulação de capital, agora subordinado ao capital financeiro internacional. 1. O Brasil implementou de 1930-1984 o modelo de industrialização dependente (na expressão de Florestan Fernandes) que transformou a matriz produtiva do país. Saímos de um país agrário para industrial. De rural para urbano. Hoje mais de 80% da população mora nas cidades, embora, 50% ainda em cidades menores. Houve um processo de enorme crescimento econômico. Nesse período crescemos em média 6,8% ao ano. E renda per capita da população cresceu 4,8% o que significa que a cada geração (25 anos) a renda das famílias dobrou. Ao longo de todo esse período o desemprego era apenas o exército de reserva industrial (no conceito de Marx) e atingiu no máximo 4% da população, e no inicio da década de 80, tínhamos apenas 2,8 milhões de adultos desempregados. 2. Esse modelo entrou em crise na década de 80. A primeira conseqüência foi o reascenso do movimento de massas e a queda da ditadura militar. Achávamos que as eleições resolveriam a crise econômica. 4. Os doze anos de políticas neoliberais (1990-2002) foram um desastre para a sociedade brasileira e em especial para a classe trabalhadora. O Estado se retirou da economia e entregou as melhores e mais lucrativas empresas estatais, para os capitalistas internacionais ou nacionais. Nada menos do que 15% de toda riqueza nacional, representado pelo patrimônio acumulado nas empresas, mudou de donos. Isso jamais aconteceu em qualquer sociedade do mundo, em tão pouco tempo. 3. As eleições de 1989 foram uma disputa de projeto. De um lado, o acúmulo 5. O Estado foi seqüestrado pelo capital financeiro, nacional e internacional, 98 que agora passou a hegemonizar a acumulação de capital, através da dos juros. O Governo tem o papel de colocar altas taxas de juros, como se fossem parte do mercado, e a partir dela, o estado transfere, parte de todos os recursos públicos arrecadados da população na receita federal, como pagamento desses juros, aos bancos privados nacionais e internacionais, detentores dos títulos da divida pública interna. dio de 2,3ao ano, manteve-se a rigor equivalente ao crescimento demográfico da população. Ou seja, em doze anos, a renda não aumentou para a população. De 1984 a 2002, a população não melhorou sua renda, ao contrário dos períodos anteriores, no modelo de industrialização dependente. A política de estimulo ao aumento das exportações foi apenas conseqüência da necessidade do capital aumentar seus lucros no comercio exterior e auferir dólares que depois voltavam pro Norte, na forma de remessa de lucros, pagamentos de juros. Os banqueiros tratam de controlar o Banco central e através dele, garantem sempre altas taxas de juros. O governo brasileiro pagou ao longo de 15 anos, as mais altas taxas de juros do mundo, chegando a pagar 49% ao ano em 1999, quando a media mundial nos países centrais nunca atingiu a mais do q1ue 4% ao ano. Como disse Delfim Neto, “o sucesso da política exterior, não é o que e quanto se exporta, mas sim o que se importa, como se usa os dólares, para financiar os investimentos e a retomada do crescimento”. E durante os mandatos do FHC os dólares foram usados apenas para despesas de turismo internacional, para pagar juros e remessas de lucros. 6. Mesmo assim, a divida publica interna só cresceu. Quando FHC assumiu o poder em 1995, a dívida pública interna era de 60 bilhões de reais. Era considerada um problemão. Durante o primeiro mandato transferiu aos bancos em média, 50 bilhões de reais ao ano. Ou seja um total de 200 bilhões de reais. Mas terminou o primeiro mandato devendo 300 bilhões. No segundo mandato, teve que aumentar os juros para evitar a crise e a fuga de capital, e pagou em media 70 bilhões de reais, ao ano. Totalizando outros 280 bilhões de reais. E a mesmo assim a divida publica interna saltou de 300 para 600 bilhões de reais. 8. Do ponto de vista social, as políticas econômicas neoliberais foram um desastre e produziram a maior taxa de desemprego de toda historia da sociedade brasileira. Saltamos de 3% para 16,9% do total da População Economicamente Ativa (PEA). O desemprego é o pior problema social que afeta a quase todas as famílias brasileiras. 9 .Apesar do discurso liberalizante, durante o governo FHC a carga tributaria recolhida pelo estado na sociedade aumentou de 28 para 40% do PIB. O 7. Crescimento estagnado. A economia ficou paralisada e o crescimento mé99 que se explica pela necessidade do estado recolher a mais-valia social, ou a poupança nacional e repassá-la ao capital financeiro. assumem o controle de toda área econômica do governo, desde o Banco Central, até o Ministério da Agricultura. A rigor o segundo escalão da burocracia governamental, que dirigem de fato a política econômica, se manteve o mesmo do governo FHC. 10.A principal contradição dessas políticas neoliberais é que, na prática elas não representam um novo modelo de desenvolvimento, não representam um projeto nacional, dos interesses da nação, do povo. Elas são apenas um conjunto de políticas econômicas para favorecer o processo de acumulação agora na esfera financeira, e que faz com que se acumule prioritariamente nos bancos, e nas empresas que se dedicam às exportações. E ao não ser um projeto nacional, gera contradições com frações da classe dominante e com os interesses do país, enquanto nação. 3. A eleição do Lula se revestiu de um certo idealismo por parte da esquerda e do povo brasileiro, ao não entenderem os limites de poder da Presidência da Republica,e ao acreditar que bastaria eleger o presidente para alterar a correlação de forças. 4. O neoliberalismo com sua ação globalizada havia também terceirizado o poder para o capital internacional. Muitas teses acadêmicas explicam hoje como o verdadeiro poder econômico é exercido de fato, nas esferas do Grupo dos sete paises mais ricos, nos organismos internacionais do Banco Mundial, FMI, OMC, pelo poder imperial e hegemônico do Governo dos Estados Unidos, pelo Banco Central totalmente dominado pelo capital financeiro (no caso brasileiro Lula escolheu o ex-presidente mundial do Banco de Boston, sendo muito emblemática essa escolha..) e finalmente, num ultimo estágio está a figura do Presidente da Republica. Essa escala de poderes internacionais não exime de responsabilidade a Presidência da Republica. II - O governo Lula 2003-2005 1. Sentindo “na carne” as conseqüências de doze anos das políticas neoliberais,nas eleições de 2002, o povo brasileiro vai as urnas e vota contra o neoliberalismo. Elege Lula, como depositário das esperanças de mudanças, em função dos vinte anos de pregação do PT em torno de um projeto democrático-popular. Parte das classes dominantes brasileiras, mesmo defensoras do neoliberalismo, se aliam a candidatura Lula, por medo da crise argentina e para manter o controle sobre a política econômica. 5. O Governo Lula ao longo de seu mandato manteve a mesma política econômica neoliberal dos oito anos de FHC. Ou seja, a rigor, as prioridades da política econômica se mantiveram: 2. O Governo Lula é montado com uma composição de classes, em que os setores neoliberais da classe dominante, 100 altas taxas de juros (as mais altas do mundo); manutenção do superávit primário, garantia aos banqueiros de que o saldo do superávit para pagar juros fosse sempre ao redor de 4,25% do PIB (enquanto o crescimento do PIB nunca ultrapassou os 3%..). Aproximadamente 30% de toda receita federal foi transferida anualmente para pagamento dos juros. O governo manteve os subsídios e estímulos as exportações como único pólo dinâmico da economia, e totalmente controlado pelas empresas transnacionais. Menos de 500 empresas controlam mais de 90% de todo comercio externo. Essas mesmas empresas especulam com a taxa de cambio, aproveitando para importarem ou exportarem de acordo com suas conveniências de lucro. de campanha, como dobrar o salário mínimo e priorizar a geração de empregos. e) não valorização da participação popular como centro de toda ação política das massas; f) não realização de reformas políticas estruturais que poderia incorporar democracia direta e exigir maior fidelidade partidária. g) Ao contrario, priorizou apenas as reformas no congresso exigidas pelo capital, e que nem mesmo FHC haviam conseguido passar. 6. Além da política econômica conservadora, o governo Lula fez uma administração com muitos erros políticos, como: 7. A manutenção da política econômica neoliberal significou que durante o mandato do governo Lula, o estado transferiu em media 100 bilhões de reais, de dinheiro público por ano, para os bancos. E mesmo assim, a divida pública recebida em 600 bilhões, chegou ao final de 2005 a um trilhão de reais. 8. Essa situação começou a produzir contradições com os setores nacionalistas e do empresariado industrial, dentro do próprio governo. Ficaram evidente com a queda do presidente do BNDES e com as crescentes críticas do Vice-presidente da República, que afirmou: ”nossas promessas de campanha ainda não chegaram ao Palácio do Planalto”. 9. Some-se a esse quadro, uma situação de crise na esquerda partidária, representada pela hegemonia que o partido dos trabalhadores exercia. Essa crise foi resultante dos métodos de trabalho político que os setores a) acreditar apenas na correlação de forças do parlamento e para isso priorizou alianças com a direita; b) articular-se apenas com os setores conservadores e monopólicos da imprensa brasileira, como se ela garantisse o apoio popular ao governo; c) preocupar-se somente com políticas de compensação social, como Bolsa-Famíia; Pro-Uni, como principais bandeiras de conquistas sociais.. d) Não cumprimento das promessas 101 majoritários do partido adotaram nos últimos anos e que agora se evidenciaram, nos esquemas de financiamentos escusos de campanha e na prioridade no marketing eleitoreiro, em vez de debater projetos e propostas, etc.. Ou seja, a esquerda adotou os mesmos métodos da direita e com isso se equiparou ideologicamente e gerou uma enorme frustração na sua militância social e socialista. que isso terá sérias conseqüências nos países periféricos, que não protegeram suas economias, como o Brasil. As altas taxas de juros, as maiores do mundo, somados a uma divida publica que beira a um trilhão é o atestado da falência da política econômica neoliberal. 2. Vivemos uma crise social grave. As taxas de desemprego se mantêm. O fato que se tenha criado 3 milhões de empregos nos últimos três anos, e que esse contingente tenha sido maior do que no governo anterior, é insuficiente, pois equivale mais ou menos ao mesmo numero de jovens trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho. O Brasil tem hoje 12 milhões de adultos desempregados, e mais 15 milhões de adultos no mercado informal, o que totaliza uma população de 27 milhões de brasileiros sem direitos sociais e trabalhistas, e fora do processo produtivo. A conseqüência disso é o aumento da violência nas cidades, a falta de perspectiva para a juventude, e cenas de barbárie social. A maior cidade do país deu mostras do nível de barbárie da marginalidade social e da própria ação da policia, nas primeiras semanas de maio/06. III - Situação atual do Brasil 1. Vivemos uma grave crise econômica. Ao contrário do discurso oficial, a taxa de crescimento do PIB é ridícula, próxima ao crescimento demográfico. A economia não atende as necessidades básicas da população. Isso não significa que a classe dominante não ganhe dinheiro, como disse um analista:” A economia brasileira vai muito mal, mas os negócios da classe dominante vão muito bem”. Ou seja, há diversos setores no capital financeiro, aliado com setores oligopólicos da indústria e do comercio e serviços que mantêm altas taxas de lucro. Mas os indicadores de produção física industrial vem caindo. A taxa de investimento está estagnada. Nos últimos três anos, o governo investiu apenas 8 bilhões de reais anuais, em média, o que é insignificante para o volume do PIB brasileiro. A dependência externa aumentou. Vários analistas internacionais tem publicado nos jornais de fora, o aviso de que a farra da abundancia do capital volátil acabou, que se aprofunda uma crise no centro do capitalismo, e 3. Vivemos uma crise política. A população não acredita mais nos políticos, na forma atual de representação política. Segundo o IBOPE 92% da população não acredita nos políticos. Essa democracia representativa não atende mais as necessidades de exercício do poder político. Os políticos estão desmoralizados. E não basta cas- 102 sar alguns deputados que não resolve o problema. As elites e a classe dominante não tiveram coragem de fazer uma reforma política com medo de perder parcela do poder que exercem no parlamento e no estado. E suas influencias paroquiais e oportunistas. O poder desses políticos de carreira vem do uso do dinheiro público. E pela influencia que acabam tendo na indicação de apadrinhados para os 18 mil cargos públicos existentes no governo federal, divididos entre as alianças partidárias. (Enquanto na França para se ter uma idéia, são menos de mil cargos. E a França é o país do mundo com maior numero de servidores públicos pela população.). da política econômica neoliberal, mesmo que gerasse crescimento econômico, não é um projeto de desenvolvimento nacional, a essência da acumulação é no sistema financeiro e nas empresas que se dedicam ao comercio exterior. A verdadeira crise do Brasil é que precisa de um projeto. Um projeto de nação, que organize a economia e a política, para resolver os problemas do povo. 6. Essa situação de crise de projeto se agrava, nesse quadrante da historia do Brasil, porque estamos vivendo um período de refluxo dos movimentos de massas, que leva a desorganização da classe trabalhadora, apatia da sociedade em geral para debater política. O quadro negativo se completa com uma situação que, em função do governo Lula, que não cumpriu com suas promessas de campanha e gerou uma divisão nas esquerdas. “Lula-lá” tinha sido a meta síntese que unificou todas as matizes de esquerda nos últimos vinte anos. Essa unidade se rompeu, tanto no plano dos partidos de esquerda institucional, (PT, PCdoB, PSB, PSTU, P-Sol, etc..) como na chamada esquerda social. Há uma crise por tanto da própria democracia burguesa, que caindo a mascara, aparece cada vez mais como uma grande hipocrisia. Ás vezes entre os próprios interesses de classe da burguesia, ficam evidentes as contradições entre esses seus interesses econômicos, garantidos na política econômica e o comportamento de seus partidos no congresso. 4. O funcionamento dos partidos, sem fidelidade, e sem nenhuma ideologia, os transformou em quase todos iguais. A população não nota diferença entre eles. Se algum analista se preocupar em analisar a doutrina e propaganda dos partidos pelo que seus dirigentes dizem na televisão para as massas, de fato, não verá muita diferença entre todos eles. IV. Perspectivas 1. Diante de um quadro de crise, as perspectivas e rearranjos das forças sociais e políticas são complexas, confusas e completamente imprevisíveis. O certo é apenas que,o processo de encontrar uma saída para a crise e de construção de um novo projeto 5. Há uma crise de projeto. A nação brasileira não tem projeto, a manutenção 103 hegemônico, seja qual for, será certamente um processo prolongado, de muitos anos. reprimir o movimento de massas. 4. E há frações e setores dentro da classe dominante que continuam apostando na aliança com o PT e o governo Lula, como forma de manter seus privilégios e interesses de classe. É assim que se comportam os velhos setores da oligarquia rural, incrustado no PMDB, como os Sarney, no Maranhão, Barbalhos do Pará, Suassunas da Paraíba, Calheiros das Alagoas. E também setores vinculados ao mercado externo e ao agronegócio. 2. As forças conservadoras, direitistas e defensoras da manutenção da atual política econômica neoliberal, representadas hoje pelos capitalistas do setor financeiro e dos grandes grupos econômicos, e partidariamente. Pelo PSDB e PFL, apresentaram a candidatura Alkmin, como forma de garantir controle absoluto do estado através de um governo puro. Temem a continuidade de um certo “o populismo do governo Lula”. Ou seja, preferem ter um representante mais autentico, do que arriscar-se mais quatro anos com governo Lula, apesar dele ter mantido a política econômica da classe dominante neoliberal. 5. Os setores desenvolvimentistas-nacionalistas, estão muito divididos em termos de agrupamentos partidários. Parte deles estão dentro do PMDB, outros no PL, PMR, PDT e no PSB. No PMDB, sem nenhuma unidade, alem dos setores da oligarquia rural que já aderiram ao governo Lula, há um setor claramente neoliberal que já aderiu ao candidato Alkmin. Como o PMDB de Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, e Distrito Federal. Há grupo do Itamar, do Pedro Simon, do Governador Requião, Lessa, etc. E há o grupo do Governador Garotinho, que representa uma vertente oportunista-populista com meros objetivos pessoais e não de classe. Dificilmente o PMDB conseguira unidade para ter uma candidatura própria, e muito menos representativa dos setores nacional-desenvolvimentista. Na verdade lhes falta representação de classe burguesa nacional, com essa vocação, para poder alavancar uma candidatura com essas características. 3. Há diversos fatores que levam a classe dominante a tentar um Presidente mais confiável: a) Há preconceitos em relação ao comportamento do Presidente Lula e sua origem de classe; b) critica-se que apesar de manter a política econômica deseja, o governo teria ainda feito elevados gastos públicos, com programas de compensação social, desnecessários na visão deles, como a bolsa-família, c) Eles não sabem e não controlam qual seria o comportamento do governo Lula, num quadro de crise econômica ou de reascenso do movimento de massas. Temem, no fundo que o governo Lula não teria coragem nem forças de 104 6. Outros setores como o PDT e o PPS podem ter candidaturas próprias. No caso do PDT com um caráter antineoliberal. Mas nos dois casos atendem mais a motivações pessoais, partidárias, do que um projeto alternativo, que acumule forças políticas e por isso não se viabilizam. conseguiu aglutinar amplas forças sociais que são anti-neoliberais e antiimperialistas. Ou seja, apesar de um discurso anti-neoliberal e antiimperialista, não conseguiu aglutinar em torno de sua candidatura as forças que tem essas posições. 9. Uma das características fundamentais dessa campanha eleitoral é em primeiro lugar que não haverá disputa de projetos, de idéias, de propostas de modelo econômico. Será uma disputa apenas em torno partidário e pessoal. Por outro lado, pela primeira vez, depois da ditadura militar, a esquerda partidária e social, terá posições eleitorais divididas. Não marchara unidade. Assim, haverão votos de esquerda no Lula, na Heloisa Helena, no PMDB (se tiver uma candidatura nacionalista) no Cristóvão Buarque. E ainda teremos gente de esquerda anulando o voto, em especial grandes parcelas da juventude que está completamente desanimada da política eleitoral. E teremos setores que vão se abster de participar das eleições. 7. A Candidatura a reeleição do Presidente Lula provavelmente vencedora no pleito, tampouco representa um alternativa de projeto. A perspectiva é que o segundo mandato seguirá representando um governo ambíguo, de composição de classe, com várias forças políticas e sociais presentes, algumas até contraditórias. E representara a manutenção da atual política econômica neoliberal, talvez aprofundando um pouco mais as políticas sociais. Como explicou recentemente o Ministro do Planejamento, a manutenção do superávit primário em 4,52% do PIB é uma verdadeira clausula pétrea, para o governo Lula. Ou seja, já o sinal para os banqueiros, que nessa área, nada mudará. Certamente será então, um governo muito tensionado, de um lado pela direita que seguira na ofensiva, para que ele não se atreva a mudar a política econômica, e de outro lado os setores nacionalistas e de esquerda social, cada vez mais insatisfeitos. A única força que poderia alterar o quadro no segundo mandato é a possibilidade de mobilização popular. 10. E, independente do resultado eleitoral, de seus candidatos, o processo eleitoral no meio de uma crise tão grave, não será suficiente para resolver os problemas do país. E seguramente teremos um próximo governo mais frágil, com menos força social, do que atual, menos representativo, mesmo sendo reeleito o atual presidente. A crise será prolongada e o próximo mandato governamental será muito mais tenso e com mais agitação social. 8. E há a candidatura de esquerda, da senadora Heloisa Helena, pelo P-SOL, que a principio se apresentava como uma alternativa socialista, mas não 105 V. Desafios para os movimentos e a esquerda social nais, boletins, internet, etc.. Como forma de disputar as idéias na sociedade e ir construindo hegemonia. 1. Diante de um quadro tão adverso para as forças populares, de refluxo do movimento de massas, de crise ideológica da esquerda, apatia da sociedade e ofensiva do capital financeiro, as forças sociais populares precisam trabalhar com estratégias de longo prazo. Não haverá saídas fáceis, nem de curto prazo. Para isso estão colocados diversos desafios que precisam ser encarados por todas as forças populares, de forma unitária, para poder acumular forças e construir saídas a médio e longo prazo. 5. Debater em todos os espaços possíveis a necessidade de construir um novo projeto para o país, um projeto que seja anti-neoliberal, antiimperialista, popular e nacional. E ele somente será viabilizado, não apenas pela formulação de suas propostas que resolvam os problemas estruturais do povo brasileiro, mas, sobretudo se conseguir produzir um verdadeiro mutirão de debate que vai acumulando energias, forças, consensos, em torno dele. 6. Realizar atividades e concentrar esforços para elevar o nível de consciência e de cultura do povo brasileiro. 2. Estimular todo tipo de lutas sociais como forma do povo ir resolvendo seus problemas concretos, elevar seu nível de consciência de classe e acumulando para um processo de reascenso do movimento de massas. Única forma de alterar a atual correlação de forças adversas. 7. Dedicar esforços e energias para conscientizar e organizar a juventude pobre das periferias das medias e grandes cidades, que são hoje mais penalizadas pelo desemprego, pela desesperança, pela falta de alternativas no neoliberalismo, e que ao mesmo guardam energias da vontade mudar, de construir um futuro melhor. 3. Dedicar energias a processos permanentes de formação de quadros e de militantes, em todos os movimentos e espaços. 8. Desenvolver de forma unitária e conjunta calendários nacionais de lutas e de atividades. 4. Construir meios de comunicação próprios da classe trabalhadora, de todos os tipos, seja rádios, televisões, jor- 106 XI – Noticias da economia e da sociedade brasileira – Maio 2006 – Organizadas por Lucas de Oliveira, São Paulo 1. Lucro dos bancos brasileiros no primeiro trimestre bra, a taxa de juros é de 0,2% ao ano. É zero dois mesmo. Para quem não está lembrado o Banco Pactual foi fundado por alguns técnicos, ex-funcionários públicos do sistema financeiro e intelectuais, no período de ouro do neoliberalismo no primeiro mandato do FHC. E como vêem, a turminha termina o período neoliberal de 15 anos, com uma vaquinha razoável de 2, 6 bi de dólares..Mas coitados, o Banco Suíço avisou que pagará apenas 1, 4 bi de dólares à vista e o restante será em prestações durante cinco anos. O maior banco brasileiro, o BRADESCO, anunciou seu balanço trimestral de janeiro a março de 2006.. O lucro líquido do período foi de apenas 1,5 bilhões de reais!. O banco Itaú também publicou o resultado do primeiro trimestre: 1,4 bilhões de reais. Facilitando as contas, cada um deles está ganhando de lucro liquido, ao redor de 500 milhões de reais por mês, ou se quiserem, 25 milhões de reais por dia útil de trabalho. Depois não sabem por que continua a concentração de renda no Brasil. 3. Crise do setor calçadista do Rio Grande do Sul 2. Banco Suíço compra mais um banco brasileiro A crise do setor calçadista do Rio grande do sul, que vem desde o ano passado, só tem se aprofundado. Isso se deve em função da taxa de cambio, da isenção de impostos (lei Kandir) para exportação de couro, que faz com que os concorrentes das empresas brasileiras, italianos e chineses, comprem nosso couro sem pagar impostos, façam calçados e disputem com nossas fabricas de sapato o mercado internacional em melhores condições. Cerca de 13 cidades gaúchas estão seriamente afetadas. Por isso, na primeira semana de maio, houve uma caravana para Brasília,de prefeitos, empresários, sindicalistas e trabalhadores para tentar amenizar a crise. Só neste ano, O grupo suíço UBS anunciou que vai pagar 2,6 bilhões de dólares, pelo controle acionário do pequeno banco de investimentos brasileiros:o BANCO PACTUAL. O Banco Suíço tem 70 mil funcionários e opera em mais de 50 países, de todos continentes. E estava precisando de um pé no Brasil para poder atuar na economia brasileira, assim, atrair capitais estrangeiros e também ter acesso a essa galinha dos ovos de ouro, que é a maior taxa de juros praticada no mundo, e garantida pelo governo: 17% ao ano. Na Suíça, para quem não se lem107 5. FEBRABAN quer melhorar a imagem dos bancos... já fecharam sete fabricas de calçados apenas no município de Novo Hamburgo, que é a capital do calçado nacional. E já perderam emprego nada menos que 20 mil trabalhadores. Segundo os empresários, se não houver medidas urgentes para crise outros 25 mil trabalhadores podem perder o emprego. A Federação nacional dos BancosFEBRABAN anunciou no Rio de Janeiro que os bancos que operam no Brasil estão preocupados com sua imagem perante a sociedade, devido aos altos lucros obtidos nos últimos quatro anos. Assim, os bancos vão adotar a estratégia de aplicar mais recursos em obras sociais e financiamento de projetos e ações sociais. Alguns bancos passaram a formar suas próprias ONGs, como todos temos visto na propaganda do HSBC (Ação solidariedade) outros preferem atuar em Institutos culturais, mais discretos, que ademais podem absorver investimentos culturais da Lei Roubnet. É o caso do Itaú, do Unibanco, do Real. E o Bradesco prefere obras de assistência social com crianças. Segundo a Febraban, os bancos já aplicaram um bilhão de reais, durante o ano de 2005, em obras sociais, com o objetivo de melhorar sua imagem. Notem: pelo menos são honestos, admitem que gastam essa dinherama toda com as ONGs deles, não para resolver problema dos pobres, mas apenas para melhorar sua imagem. Ou seja, aplicar em “obras sociais” é uma forma de fazer propaganda mais barata do que a televisão. Por outro lado, a crise agora chega também no setor de material esportivo ( tênis, bolas, luvas, etc..) o principal pólo de produção, a cidade de Veranópolis já começa a sentir os efeitos com o desemprego de centenas de trabalhadores das fabricas transnacionais, como a Alpargatas, aí instaladas. 4. Consórcio estrangeiro compra empresa de Ferrovias brasileira O consorcio estrangeiro América Latina Logística- ALL, comprou a rede de ferrovias da empresa BRASIL FERROVIAS por um 1, 4 bilhões de reais. A empresa ALL já controlava os principais ramais ferroviários da Argentina, Chile e Uruguai. Com essa aquisição se transforma a principal empresa de logística ferroviária da América Latina. Por outro lado, continuam sócios da ALL, com 28% das ações, os fundos de pensão Previ, Funcef, o Banco Morgan e o BNDES, repetindo uma velha fórmula de parceria nas privatizações, em que se mesclam interesses de capital estrangeiro, fundos de pensão dos “trabalhadores”, bancos privados e o capital estatal (BNDES ). 6. Mais desnacionalização na agroindústria O grupo Perdigão, uma associação de empresários argentinos com o fundo de pensão do Banco do Brasil, que controla a empresa agroindustrial Perdigão anunciou que vai comprar a empresa Batávia , de Carambeí, Paraná, por 150 108 milhões de reais. Há alguns anos atrás o grupo, que era brasileiro, já havia sido desnacionalizado e vendido para a Parmalat. Depois com a crise da Parmalat, a justiça entregou a administração da Batávia para seu principal credor, a Central de Laticínios do Paraná. Bem, agora já saneada financeiramente irá então para os argentinos. Êta, terrinha generosa.. pitalista do mundo, não apenas de sua área de comercio em supermercados. E agora, eles tem a determinação de se transformar também na maior empresa de supermercados no Brasil. Basta lembrar que em apenas 5 anos de investimentos por aqui, eles já abocanharam várias empresas nacionais e controlam hoje 28% de todo comércio varejista. O novo gerente anunciou que a nova estratégia para ampliar o mercado será criar uma rede de pequenas lojas nas periferias das grandes cidades, destinadas a atrair o consumidor de baixa renda, que é a maior parte da população brasileira. Por ora, estão ampliando as redes TODO DIA e BALAIO, e São Paulo, Salvador e Recife, mas até 2007 criarão uma marca única, para todas as lojas de pobre no Brasil. Com esse objetivo a empresa está comprando mais uma rede brasileira, o ATACADÃO, que tem 35 lojas distribuídas por todo país e faturava 4,5 bi de reais por ano. Aguardem então. Que os gringos vão tomar conta até de nossos armazéns e botecos de favelas! 7. Caem as exportações de carne de porco As exportações brasileiras de carne de porco caíram 35% em relação ao ano de 2005. A queda se deve ao fato de que em função das noticias de febre aftosa e outras doenças, as empresas russas deixaram de comprar. Acontece que, na ânsia de se dedicar ao comercio externo, os frigoríficos brasileiros estavam muito dependentes dos Russos, que representavam 70% de todo mercado externo da carne de porco brasileira. Ficar dependendo de capitalista russo, com toda essa fama de mafiosos, não é bom negócio. A turma do Corinthians que o digam.. 9. Até os capitalistas indianos estão chegando... 8. Notícias da empresa WALL-MART A maior fabricante de açúcar e etanol da India, a empresa BAJAJ A empresa Wal-Mart apresentou seu novo gerente geral para o Brasil. Trata-se do senhor Vicente Trius. Ele é nascido em cuba, fugido com os pais na revolução e se educou nos Estados Unidos. Antes foi gerente das empresas Coca-Cola, e da empresa mexicanoestadunidense de sucos, DEL VALLE. Tudo a ver ! HINDUSTHAN (BHL) está fazendo estudos para investir 500 milhões de dólares no Brasil, anunciou o jornal indiano The economic Times. A companhia está estudando formas de se estabelecer no Brasil, para ampliar suas operações de açúcar e álcool etanol. Leia-se; procurando Usinas para comprar. A Wall-Mart é a maior empresa ca- 109 10. Acesso a universidade via pro-uni nero, um banco de dados do IBGE anunciou no Rio de Janeiro, dados do comportamento do trabalho feminino durante a década de 1990 a 2000. Segundo o IBGE, as mulheres que chefiam as famílias e são responsáveis pelo seu sustento, passou de 7,7 milhões em 1990 para 12,8 milhões em 2000, aumentando 66% a participação das mulheres na responsabilidade das famílias. Naquele ano, as mulheres eram chefes de 26,5% de todas as famílias brasileiras. Como os dados se referem a seis anos atrás, e há uma tendência a aumento continuo de sua participação, é provável que o peso atual seja bem maior. O Ministério da Educação MEC anunciou que irá abrir vagas do Pro-uni para alunos pobres estudarem em faculdades também no segundo semestre de 2006. Serão 36.162 vagas com bolsa integral e mais 10.897 vagas com bolsa parcial(meia bolsa) totalizando 47.059 bolsas no segundo semestre. Acompanhe a evolução do PROUNI desde sua criação. Se formam a cada ano, nada menos do que 3 milhões de jovens na rede de ensino do segundo grau. Em 2005 foram oferecidas 112.275 bolsas ( 71905 integral e 40370 parcial) se inscreveram na época apenas 216.021 estudantes egressos do segundo grau. Apesar disso, as mulheres ganhavam em média, o equivalente a 70% do salário de um homem, na mesma função e tempo de serviço. Em 2006 foram oferecidas 91.609 bolsas (63.536 integrais e 28073 parcial) para os 797.840 estudantes que passaram no ENEM e se candidaram a vagas das bolsas. Por outro lado, a boa novidade que o sistema de acompanhamento revelou, é que atualmente, nada menos que 64% de todas as pessoas que se formam no ensino superior, são mulheres. Quem quiser acessar os dados do IBGE sobre questões de gênero, deve acessar na pagina www.presidencia.gov.br/spmulheres 11. Aumenta a responsabilidade das mulheres pelo sustento das familias. O Sistema de informações de Gê- – Notícias de Junho de 2006 – Organizadas por Lucas de Oliveira, São Paulo I- Economia 1.1. Superávit primário bate recorde em 15 anos. 1. Resumo dos indicadores macro-econômicos do Brasil O superávit primário é a diferença entre o que o governo arrecada na receita federal e os gastos públicos. Essa diferença 110 o governo destina então para o pagamento de juros aos Bancos. No mês de abril, o superávit atingiu o recorde dos últimos quinze anos, quando o governo poupou no mês, nada menos do que 19,42 bilhões de reais. E destes, 12,9 bilhões foram transferidos para pagamento de juros. 06 - com base em dados do Ministério da Indústria e Comércio do Brasil) 1.2. Meta percentual do Superávit Primário. Minérios de ferro e seus concentrados: 706 milhões Soja e torta de soja: 621 milhões Pastas de celulose: 128 milhões Óleos brutos de Petróleo: 121 milhões Couros: 02 milhões Período de janeiro a abril de 2006- em milhões de dólares Principais produtos exportados pelo Brasil para a China O Governo se comprometeu com o FMI e a banca internacional em manter uma taxa de 4,25% de superávit primário sobre o PIB durante o ano. Nesse mês de maio o superávit representou 6,26% do PIB. Principais produtos importados pelo Brasil da China Aparelhos transmissores e peças: 244 milhões Maquinas automáticas de proc. Dados: 110 milhões Micro conjuntos eletrônicos: 107 milhões Disp. Cristal liquido: 98 milhões Partes e acesso proc. de dados: 93 milhões 1.3. Pagamento de juros. Os últimos doze meses completados em abril/06 totalizaram uma transferência de 163 bilhões de reais dos cofres públicos para pagamento de juros. Isso representou nada menos do que 8,22% do PIB no mesmo período. 1.4. Dívida pública interna. A quem interessa esse tipo de intercambio? Mesmo com toda essa transferência do pagamentos de juros, a dívida pública interna alcançou em final de abril um total de 1,014 trilhões de reais. Como a taxa básica de juros colocada pelo próprio governo está ao redor de 16% ao ano. Pode-se calcular que o governo precisará pagar esse ano, mais 160 bilhões de juros, sem que a dívida diminua. 3. O oligopólio do comércio de supermercados no Brasil Vejam o balanço das três maiores redes de supermercados que atuam no Brasil. E o processo de concentração e centralização que vem ocorrendo no setor. (Fonte: acredite, tudo isso estava no jornal Estado de São Paulo, dia 26 de maio, pagina B-6 caderno de Economia) 3.1. Pão de Açúcar (associado a um grupo Francês) Faturamento em 2005: 16 bilhões de reais Número de lojas: 551 (2004) para 556 em 2005 Empregados: 63.500 em 2004 para 2. Dados do comércio Brasil e China (Estado de São Paulo 5 de junho/ 111 62.800 (ou seja, aumentou as lojas e diminuiu os funcionários) de matérias primas, de algodão, etc. que depois voltam como produtos finais, em especial da China. 3.2. Carreffour (Francês) - A liberação das importações de outros países. Faturamento em 2005: 12, 5 bilhões de reais. Número de lojas: 390 em 2004 para 399 em 2005 Empregados: 43.800 em 2004 passou para 48 mil em 2005. - O baixo poder aquisitivo da população brasileira. (ESP 29 05.06) 5. Crise no investimento estrangeiro especulativo na Bolsa de Valores de São Paulo 3.3. Wal- Mart (Estadunidense) Faturamento em 2005: 11,7 bilhões (dobrou faturamento em relação a 2004) Número de lojas: 149 em 2004 passou para 295 lojas em 2005. Número de empregados: 28.800 em 2004 passou para 50.100 em 2005. (ESP 29 maio 2006) Há sinais de perigo no horizonte, que a imprensa se recusa a debater. Os investidores estrangeiros sempre vieram ao Brasil investir na bolsa de valores, que é um investimento de curto prazo, especulativo. Ganham seus lucros na especulação em reais, transformam imediatamente em dólar (por isso dólar sempre está baixo) e correm de volta pro seus paises de origem. 4. Indústria têxtil em crise Há no Brasil 30 mil empresas do setor têxtil. A maioria são pequenas e médias. Garantem emprego para 1.650.000 trabalhadores, sendo 70% mulheres. Em várias regiões do país, muitas empresas já foram a falência e demitiram seus trabalhadores. - Nesse ano, no entanto, algo esta passado, pois o investimento estrangeiro na bolsa de valores de São Paulo diminuiu em 140 bilhões de reais. Por diversos meses seguidos, a retirada de capital e envio ao exterior é maior, do que eles reaplicam. Segundo o empresário Josué Gomes da Silva, filho do vice presidente, e Presidente da Associação de Empresas têxtis, a crise se deve a: - Como resultado, o preço das ações das empresas brasileiras que são negociadas na bolsa vão caindo. Ou seja as empresas perdem o valor total de seu patrimônio. Segundo a Bolsa de valores, nesse ultimo ano a perda de patrimônio pela queda do preço das ações dessa s empresas representou um prejuízo de 187 bilhões de dólares. - os preços das roupas vendidas pelo setor aumentou desde 1995, quando se instalou o real forte e o neoliberalismo, em média apenas 13,8%. Enquanto a inflação oficial foi de 167% (FIPE) e energia elétrica aumentou em 347%, transporte publico 295% e habitação(alugueis) 266%). - as exportações brasileiras são apenas 112 7. Multinacionais brasileiras ou subimperialismo associado - Qual poderia ser a explicação para isso? Fuga de capitais especulativos porque a taxa de juros nos Estados Unidos aumentou. Mudanças políticas na América Latina. Ou mais um golpe especulativo, em que eles se combinam, saem do país todos juntos, as ações caem, e ai eles voltam e cobram muito barato. Com a palavra os economistas! Os investimentos diretos das empresas brasileiras no exterior alcançou um total de US$ 71,6 bilhões até setembro de 2005, informou ontem o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O montante representa expansão de 44,1% em relação aos US$ 49,689 bilhões registrados até 2001. Ao participar do seminário “As novas multinacionais brasileiras”, promovido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Meirelles afirmou que o movimento está solidamente ancorado e que reduz a vulnerabilidade externa brasileira. (FSP junho 06) - Segundo as mesmas fontes esse mesmo movimento de perca de patrimônio e prejuízo aconteceu em todos os paises da América Latina nesse mesmo período. 6.Taxas de juros para a população brasileira são as maiores do mundo Vejam as taxas médias de juros cobrado pelos Bancos no Brasil, aos que tomam credito. Em todos os itens são disparado os mais altos do mundo. 8. Lucro dos bancos aumenta 61,5% no primeiro trimestre de 2006 Resultado somado das 103 instituições do país chega a R$ 10,2 bi, apenas no primeiro trimestre de 2006. 1. Comércio (venda a crédito e desconto de duplicatas) 6,35% ao mês, aproximadamente 80% ao ano. Os bancos que atuam no país lucraram R$ 10,221 bilhões no primeiro trimestre deste ano, um aumento de 61,5% em relação ao resultado apurado no mesmo período de 2005. O ganho recorde de R$ 2,343 bilhões obtido pelo Banco do Brasil foi o fator que mais influenciou na lucratividade. 2. Cartão de credito: 10,33 ao mês 130% ao ano. 3. Cheque especial: 8,08% ao mês ou 100% ao ano. 4. CDC-Bancos: 3,38% ao mês ou 45% ao ano. 5. Juros cobrados pelas financeiras para pequenos empréstimos: 11,60% ou 140% ao ano. Os números são de levantamento feito pelo BC a partir dos balanços das 103 instituições financeiras que operam no país. Não foram incluídos bancos de investimento e de desenvolvimento, como o BNDES. Comparem: na Europa e Estados Unidos, Japão a taxa média de juros aos consumidores é de aproximadamente 4% ao ano. 113 Lucro dos pequenos tíveis fósseis para impulsionar seus gastos com o militarismo, disse o Instituto de Pesquisa para a Paz Internacional de Estocolmo, em seu último anuário. Os quatro maiores bancos do país BB, Caixa Econômica Federal, Bradesco e Itaú- responderam por 65% do lucro do sistema financeiro. Duas instituições financeiras de menor porte, porém, destacam-se no levantamento feito pelo BC pelo forte crescimento de suas rentabilidades: o Pactual e o Credit Suisse. O Pactual, 16º maior banco do país em ativos, segundo o BC, lucrou R$ 399 milhões no primeiro trimestre deste ano, resultado que equivale a 12 vezes o ganho obtido pela instituição entre janeiro e março do ano passado. O lucro obtido pelo Pactual no início de 2006 supera o de bancos bem maiores, como o ABN Real e o HSBC. “Os EUA são responsáveis por 48 por cento dos gastos no total mundial, seguidos à distância por Grã-Bretanha, França, Japão e China, com 5 por cento cada”, isso totaliza 68% dos gastos no mundo, e todos os demais paises do mundo gastam o equivalente a 32% dos gastos, acrescentou o instituto sueco. O relatório afirma que as despesas norte-americanas estavam cerca de 80 por cento atrás dos ganhos em 2005. Gastos com armas representaram 2,5 por cento do produto interno bruto mundial em 2005 — ou uma média de despesas de 173 dólares per capita. Essa explosão no lucro reflete os ganhos alcançados pelo Pactual nas suas operações de intermediação financeira que, nesse caso, consistem na compra e venda de títulos públicos e de papéis emitidos por empresas privadas. (Ney Hayashi da Cruz, da Sucursal de Brasília da FSP) O aumento global nos preços de matéria-prima ajudou alguns países a gastarem mais com armamentos. “Isso se reflete particularmente na Argélia, Azerbaijão, Rússia e Arábia Saudita, onde o crescimento dos lucros com a exploração de gás e petróleo impulsionou as receitas governamentais e liberou fundos para despesas militares”, acrescentou. 9. Gastos militares no mundo chegam a US$1,12 TRILHÃO Estocolmo (Reuters) - Os gastos dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão ajudaram a aumentar as despesas militares no mundo em 3,5 por cento, alcançando 1,12 trilhão de dólares em 2005, disse um órgão de pesquisa nesta segunda-feira. China e Índia também aumentaram os gastos. “Em termos absolutos, seus gastos atuais são apenas uma fração das despesas norte-americanas. O crescimento nos gastos é largamente proporcional ao crescimento econômico dos países”, afirmou o instituto. (Agencia Reuters 12/06/2006) Diversos países, incluindo Arábia Saudita e Rússia, beneficiaram-se do aumento nos preços de minerais e combus- 10.Os lucros das empresas de 114 2. Demissões em massa na Volkswagen transgênicos A empresa européia SYGENTA, a segunda maior no mundo e no Brasil que produz e controla sementes transgênicas, e teve sua área de reprodução de sementes no Paraná, ocupada pela via campesina pois era ilegal, anunciou que teve um faturamento mundial de 8 bilhões de dólares em 2005. E que seu lucro foi de 770 milhões de dólares. Depois de muitos anos bajulada pelos sindicalistas como uma empresa que atuava com responsabilidade social, agora a Volkswagen mostra sua verdadeira cara, e anunciou, que para fazer frente a concorrência internacional, vai demitir 25% de todos seus empregados no Brasil. A medida vai atingir aproximadamente 6 mil trabalhadores de suas três fabricas , Taubaté e Paraná. II- Notícias da sociedade e dos trabalhadores 3. Os miseráveis de São Paulo 1.Dados sobre trabalho doméstico no BrasilPNAD 2003 A Prefeitura Municipal de São Paulo divulgou dados coletados pela Fundação de Pesquisas econômicas da USPFIPE sobre as características dos 8 mil pessoas que dormem todas as noites em albergues da Prefeitura, sem pagar nada. Total de trabalhadores/as: 6.081.497 - com carteira assinada: 1.645.457, seja, 27% - sem carteira assinada: 4.436.040, seja, 73% Trabalhadoras femininas: 5.683.988 seja, 93% Trabalhadores Masculinos: 397.891 seja, 7% ou Vejam os dados. ou - 40% deles são jovens de 29 anos. E apenas 9% acima de 55 anos de idade. ou -74% deles estão trabalhando, no entanto, 90% sem carteira assinada e por tanto sem direitos sociais, e ganham entre 35 e 365 reais por mês, apenas. ou Rendimento: - 33% nunca dormiu na rua. - Não ganham nada pelo trabalho: 36.678 ou seja 0,6% - Ganham até meio salário mínimo (175 ou 80 us$): 1.684.515 ou seja 28,0% - Ganham entre meio e um salário –até 350: 2.512.322 ou seja 41,0% - Ganham mais de um salário mínimo (350 reais): 1.847.692 ou seja 31,o% - 55% deles, antes de virem para o albergue moram em casas e apartamentos e tiveram que sair porque não tinham mais condições de pagar aluguel. - Origem: 49% são de estados do sudeste, 19% do próprio estado de São Paulo e apenas 41% do nordeste. 115 XII – No Brasil, número de ricos cresce mais que no mundo João Pedro Stedile Economista Vejam alguns dados muito sintomáticos: 4. Entre os países com maior número de ricos, chama atenção a China, que, em apenas dez anos, produziu agora, no capitalismo chinês, nada menos do que 320 mil milionários. 1. A população mundial de nosso planeta é de aproximadamente 6 bilhões de seres humanos. Destes, há 8, 7 milhões que são considerados milionários, ricos. Pois possuem fortunas pessoais acima de um milhão de dólares. Isso equivale a apenas um por cento da população. 5. Na América Latina também a concentração de riqueza é impressionante, e aqui temos 350 mil milionários entre os 8,7 milhões do mundo. Destes, aproximadamente 150 mil são brasileiros, o que corresponde mais ou menos ao um por cento da população mais rica do Brasil, diante dos 188 milhões de pessoas. 2. Desde que o capitalismo chegou na sua etapa financeira com o neoliberalismo, a concentração de riqueza se acentou ainda mais, e o crescimento dos ricos aumentou em media 8% ao ano. Sendo que, desde 1996 até hoje, em dez anos, eles dobraram de número, passando de 4,5 milhões para 8,7 milhões. 6. E, assim, o capitalismo segue, produzindo, vendendo, acumulando e concentrando cada vez mais riqueza. Mas na etapa do capital financeiro internacionalizado, a velocidade da concentração é espantosa. Portanto, as desigualdades sociais vão aumentando em todo mundo. Até que um dia a frase de Marx seja colocada em prática. 3. O Patrimônio total desses milionários alcança agora a 33 trilhões de dólares. Será necessário a soma do PIB da maioria dos países do mundo - para poder alcançar o que eles controlam. Aumento foi de 11,3%, ante 9,7% na América Latina e 6,5% na média mundial (a partir de noticias da agencia EFE, publicado no jornal Estado Sao Paulo 21 de junho 2006) 116 Segundo o Relatório sobre a Riqueza no Mundo, os fatores que alimentaram a geração de riqueza foram os fortes lucros nas bolsas de valores pelo terceiro ano consecutivo e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, onde um dos setores mais dinâmicos foi o imobiliário. O número de ricos na América Latina aumentou 9,7% em 2005, a terceira maior taxa de crescimento regional, atrás apenas da África e Oriente Médio, segundo o Relatório sobre a Riqueza no Mundo, publicado ontem pelas empresas Merrill Lynch e Capgemini. O Brasil foi o país da América Latina onde o número de multimilionários apresentou o maior aumento, de 11,3%. A alta brasileira foi a décima maior do mundo. O relatório prevê que a riqueza financeira controlada pelos ricos chegará a US$ 44,6 trilhões em 2010, com taxa anual de crescimento de 6%. A maior parte (US$ 14,5 trilhões) estará nas mãos de multimilionários da América do Norte, enquanto os europeus controlarão US$ 11,2 trilhões, seguidos pelos asiáticos, com US$ 10,6 trilhões, e pelos latino-americanos, com US$ 5,5 trilhões. O relatório, em sua décima edição, afirma que a escalada do preço do petróleo foi um dos fatores que contribuíram para a acumulação de riqueza na área, onde o número de pessoas físicas com um patrimônio superior a US$ 1 milhão - excluindo a primeira moradia e os investimentos tangíveis - aumentou a um ritmo muito superior à média mundial, de 6,5%. No caso da América Latina, o número de ricos aumentará a um ritmo anual de 5,9% até 2010, próximo à média mundial. Os multimilionários latino-americanos, cerca de 350 mil, controlavam no fim do ano passado uma riqueza de US$ 4,2 trilhões, 11,8% a mais que em 2004. OS DEZ MAIS A Espanha entrou pela primeira vez no grupo dos dez países com maior número de ricos, com 148,6 mil pessoas com patrimônio superior a US$ 1 milhão, de acordo com os critérios do relatório das empresas Merrill Lynch e Capgemini. O aumento no número de ricos da Espanha foi de 5,7% em 2005, o maior da Europa. No total, no fim de 2005 havia 8,7 milhões de ricos no mundo, um número que aumentou 6,5% em relação a 2004 e praticamente dobrou em dez anos, já que em 1996 havia 4,5 milhões de multimilionários. O volume de riqueza nas mãos dos ricos cresceu no ano passado a um ritmo maior que o número de pessoas que se incorporaram a esse seleto clube. Assim, as pessoas com patrimônios elevados controlavam no fim de 2005 ativos financeiros líquidos no valor de US$ 33,3 trilhões, 8,5% a mais que em 2004. A lista dos dez países com mais ricos é liderada pelos Estados Unidos (com 2,67 milhões), seguidos do Japão (1,41 milhão), Alemanha (767 mil), Reino Unido (500 mil), França (367 mil), China (320 mil), Canadá (232 mil), Itália (198 mil) e Suíça (191 mil). (a partir de noticias da agencia EFE, publicado no jornal Estado Sao Paulo 21 de junho 2006) O número de “ultramilionários”, ou seja, pessoas com mais de US$ 30 milhões de patrimônio, chegou a 85,4 mil no mundo todo, 10,2% a mais que em 2004. 117 XIII – Construir um projeto nacional, popular, unitário entre todas as forças sociais do Brasil Apresentação O texto que segue é apenas um subsidio para debater com nossas instancias, nossas bases sociais, em cada movimento, entidade ou organização social. Estamos apresentando um texto-subsídio para o debate, na tentativa de contribuir para a construção de um projeto unitário de todas as forças sociais de nosso país. Tampouco tem a pretensão de substituir os processos que cada movimento/ entidade esteja desenvolvendo em suas redes e bases para construir de forma mais detalhada suas propostas. Mais além do esforço próprio queremos construir, o que for possível, de forma unitária. Partimos da análise de que o Brasil vive um longo período de crise de projeto. E que as classes dominantes, articuladas com o capital internacional querem apenas nos impor políticas neoliberais que visam apenas aumentar suas taxas de lucro. Entretanto, os problemas sociais de nosso povo se agravam, e o país se torna cada vez mais dependente e transferidor de suas riquezas para fora. É uma proposta para ser debatida ao longo dos próximos meses, sem estar afeta ao calendário eleitoral. É uma proposta para conscientizar, politizar, gerar união de forças e construir força popular mobilizada. Vários movimentos, entidades e forças sociais da sociedade brasileira comungam dessa avaliação e estão colocando suas energias para construir um projeto para o país, a partir das necessidades do povo. Há muitas iniciativas em curso, todas louváveis. Assim, após diversas consultas com movimentos/entidades e redes de articulação estamos apresentando esse texto, para: a) Vejam como cada movimento/redes podem fazer o debate nas suas instancias, e bases sobre a necessidade de construir um texto unitário, e podem utilizar texto abaixo como subsidio. No entanto, diversas forças sociais temos refletido sobre a necessidade de fazer um esforço coletivo, generoso, sem protagonismo ou vanguardismo, de construção de um texto unitário, que pudesse somar esforços no debate com nosso povo. b)Apresentem sugestões de mudanças, retificando, alterando Daí, aproveitou-se os textos já existentes e tentou-se construir uma primeira proposta, para debate. c) Mas devemos manter uma combinação de procurar construir um texto 118 suscinto e didático. É por tanto, um esforço de unidade, de síntese e ao mesmo tempo pedagógico, entre nós, e com nossa base social. de redes e forças sociais de nosso povo. f) Cada movimento, entidade ou rede poderá utilizar esse subsidio da forma que melhor lhe aprouver, em cartilhas, boletins, subsídios, etc. e) Propomos, que esse debate político e pedagógico seja feito ao longo do segundo semestre, e nos preparemos para no inicio do próximo ano realizar uma grande assembléia popular, que aglutinasse o maior numero possível Propõe-se que as sugestões sejam centralizadas na secretaria da campanha contra a ALCA [email protected] São Paulo, 23 de junho de 2006. Brasil: Por um projeto de desenvolvimento nacional, popular e democrático I. Sociedade, valores, e etnias 4. Precisamos de políticas publicas e de medidas econômicas que tenham no centro de suas prioridades o combate permanente à pobreza e a desigualdade social, como as duas maiores chagas de nossa sociedade e do atual modelo econômico e social. 1. Queremos ser uma sociedade que vive harmonicamente em nosso território, com sua diversidade étnica, cultural,com oportunidades iguais para todos brasileiro, com democracia econômica, social, política e cultural. Como já determina a constituição brasileira,mas é solenemente ignorada na realidade da economia e da prática dos tres poderes constituídos. 5. Queremos construir uma sociedade generosa, que reconheça as diferenças entre seus membros e respeite e cultive na diversidade: a solidariedade, a igualdade e a indignação diante de qualquer injustiça. 2. Precisamos de políticas públicas, que garantam oportunidades para todos e que de fato combatam os preconceitos e as discriminações relacionadas com as condições de gênero, cor, etnia, orientações sexuais, crenças religiosas, idade e classes sociais. E que garantam oportunidades e serviços públicos para todos e todas. II. O sistema político 1. Queremos um país que crie e utilize permanentemente mecanismos de participação e decisão direta da população, nas várias instancias de decisão do poder político e social, construindo uma verdadeira democracia popular participativa. 3. Precisamos de uma sociedade em que o poder real do país seja exercido pelo povo. E não apenas em seu nome. 119 2. Regulamentar os plebiscitos, referendos e consultas populares para tomada de decisões de importância para o povo. Garantindo o direito do povo convoca-los. Bem como outros mecanismos permanentes de, audiências publicas, conselhos populares, participação nos orçamentos públicos, garantindo a ampliação da democracia direta. III. A soberania nacional e popular 1. Precisamos de políticas e práticas dos governantes que garantam a plena soberania de nosso povo, sobre nosso território, nossas riquezas naturais, minerais, nossa biodiversidade, a água e as sementes. 2. O Estado deve ter o controle, com a participação da sociedade e dos trabalhadores, das empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional que já existem e criar as que forem necessárias, para gerir as riquezas do: petróleo, minérios, energias renováveis como a Biomassa, energia elétrica e as comunicações. 3. Defendemos uma ampla reforma política que garanta liberdade de organização política e partidária, financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais em todos os níveis, controle da propaganda mentirosa, fidelidade partidária, revogação de mandatos pelo voto popular, fim do sigilo bancário, patrimonial e fiscal de todos os candidatos e de todos ocupantes de cargos públicos, em todos os níveis. Ajuste dos salários dos eleitos equivalente a média dos ganhos dos servidores públicos . 3. O governo deve instalar uma auditoria da dívida externa e examinar todos os contratos, para controlar a transferência de riquezas pro exterior, a titulo de juros e amortização de dividas e de contratos não transparentes ou ilegais e imorais. 4. Controle rigoroso por mecanismos populares e punição drástica de todas as práticas de corrupção, clientelismo, nepotismo, fisiologismos exercidas nos cargos públicos nos três poderes da Republica. 4. O Governo deve controlar a moeda, a taxa de cambio, a taxa de juros e o Banco Central, como questão fundamental de soberania sobre a economia nacional. Controlar e impedir a remessa de riquezas pro exterior. 5. Reorganização da atual representação política no poder, garantindo a representação proporcional de toda população e dos setores minoritários. Que se instituam mecanismos de democratização do poder judiciário, colocando-o sob controle da sociedade, através de conselhos populares externos e outras formas democráticas. 5. O Governo deve realizar acordos internacionais apenas em prol da integração dos povos, do maior entrelaçamento regional e submetidos aos interesses do povo brasileiro. Buscar integração latinoamericana que interesse ao povo, e condenar os acordos de livre comercio (ALCA, TLC, OMC, EU-Mercosur) que são na verdade im- 120 posições dos interesses das empresas transnacionais e de seus governos imperiais. cas econômicas de acordo com esses interesses, e impedir ingerência de organismos internacionais como OMC, FMI, Banco Mundial, ou influencias de governos imperialistas que querem ampliar seu controle sobre nossa economia. Os recursos públicos devem ser aplicados prioritariamente em serviços públicos e investimentos sociais . O superávit de contas públicas é uma mera exigência do capital financeiro, que quer abocanhar os recursos públicos através do pagamento de juros. As taxas de juros devem ser controladas pelo estado, aos níveis do mercado internacional e dos interesses populares. As grandes fortunas e heranças acumuladas ao longo de anos de exploração devem ser taxadas pesadamente para buscar a distribuição de renda. 6. Recuperar e valorizar o verdadeiro papel das forças armadas brasileiras, como guardiãs da soberania nacional e dos interesses do povo, exercendoo com democracia, transparência e ampla participação popular. Garantindo assim a segurança nacional, o patrimônio nacional de nossas riquezas, em favor do povo. IV. Por um desenvolvimento economico justo 1. As políticas de desenvolvimento da economia devem estar baseadas fundamentalmente nos interesses de melhoria das condições de vida de toda a população, em especial dos mais pobres. Sua missão é produzir bens, que eliminem o grau pobreza e a desigualdade social existente em nosso país. 5. 2. A organização da produção deve buscar em primeiro lugar o atendimento das necessidades básicas de toda população brasileira, como: alimentos, vestuário, construção de moradias, transporte publico coletivo, educação e cultura. 3. O Estado deve coordenar a poupança nacional em investimentos produtivos e de interesse publico, em infraestrutura social básica, como: transporte, energia, portos, escolas, ferrovias e saneamento básico. V. O direito ao trabalho 1. O estado deve garantir a todos cidadãos brasileiros o direito ao trabalho. Como condição de cidadania plena, como direito fundamental de realização humana. E criar condições para que seja um trabalho produtivo, criativo, não alienado e voltado para as necessidades da maioria. Devemos investir recursos públicos de forma prioritária, para garantir a pesquisa e o desenvolvimento científico, na busca de soluções mais baratas e práticas para o desenvolvimento da sociedade. 2. A política econômica governamental deve ter como objetivo principal os 4. O Governo deve orientar suas políti- 121 investimentos que garantam trabalho a todos/as brasileiros. dias a toda população, utilizando das mais variadas formas de execução. 3. O estado deve garantir salários dignos para todos/as trabalhadores, na ativa e aposentados. E a valorização imediata do salário mínimo, como instrumento fundamental de repartição da riqueza e da renda. 3. Implementar políticas publicas que combatam e punam a especulação exercida pelos grandes proprietários de terrenos nas cidades. Que se busque acima de tudo o bem comum e os interesses da comunidade. 4. O Estado deve garantir os direitos socais que constam de nossa constituição e amplamente desrespeitados, como o acesso universal a previdência, a garantia de ampla organização e liberdade sindical e sem discriminações laborais de qualquer tipo. O Estado deve ir reduzindo paulatinamente a jornada de trabalho dos brasileiros, para ampliar o tempo livre para família e a elevação cultural. 4. Garantir o direito igualitário de acesso a água de qualidade, a saneamento básico, a coleta de lixo, segurança publica, energia elétrica e ao transporte publico barato e de qualidade, em todas as cidades brasileiras, em especial nas regiões metropolitanas e suas periferias. O estado deve garantir a todas famílias pobres, o acesso gratuito de consumo mínimo necessário de água e energia. 5. Implementar políticas públicas que estimulem novas formas de organização e gestão social da produção pelos trabalhadores, em todas as áreas da economia, através de cooperativas, associações autogestionárias, parcerias, e outras formas de economia solidária. 5. As cidades devem ser espaços, em primeiro lugar, de vivencia digna para as pessoas. VII. Reforma Agrária: A organização da agricultura e da vida no campo 1. A nação, através do estado, do governo, das leis e da organização de seu povo deve zelar permanentemente, pela soberania e pelo patrimônio coletivo e pela sanidade ambiental de nossa natureza, da biodiversidade, das águas, da fauna e flora existentes. VI. A organização das cidades 1. Reorganziar o convívio e o planejamento urbano de nossas cidades, buscando criar condições humanas de vivencia para toda população. Deve haver políticas que evitem o êxodo rural, as migrações massivas e a instalação de famílias em locais inadequados para a sobrevivência humana. 2. Realizar uma ampla reforma agrária, popular, para garantir acesso a terra a todos os que nela querem trabalhar. Garantir a posse e uso de todas as comunidades originárias, dos povos indígenas e dos quilombolas. Estabele- 2. O Estado deve ter uma política pública de garantia de construção de mora- 122 cer um limite máximo no tamanho da propriedade da terra, como forma de garantir sua utilização social e racional. VIII. A educação e a cultura 1. A educação e a elevação do nível cultural, do conhecimento, de valorização dos saberes populares, é condição fundamental para a realização dos brasileiros como seres humanos plenos, com dignidade e altivez. Seremos um país desenvolvido e uma sociedade democrática, somente se conseguirmos implementar e garantir o direito a educação pública e gratuita, em todos os níveis, a toda população. Precisamos de um sistema educacional que priorize a realização humana, e não apenas treine para funções técnicas e do trabalho. 3. Reorganizar a produção agrícola nacional tendo como objetivo principal a produção de alimentos saudáveis, para toda população e aplicando assim o principio da soberania alimentar. A política de exportações de produtos agrícolas deve ser apenas complementar, buscando maior valor agregado possível e evitando-se a exportação de matérias primas. 4. O estado deve aplicar políticas agrícolas que garantam uma renda mínima justa a todos os agricultores e moradores do meio rural. Que haja estabilidade para todas as famílias que vivem no meio rural, estimulando a permanência e o seu desenvolvimento aonde moram. Garantir alternativas de trabalho e renda para a juventude do meio rural. E estimular todas as formas associativas e cooperativas de produção agrícola, e de agroindústria nas comunidades rurais , interiorizando a industrialização do país e descentralizando a geração de empregos. 2. É obrigação do estado implementar desde logo e de forma prioritária, todos os recursos necessários para universalizar o acesso dos brasileiros, de todas as idades, da escolarização pública, em todos os níveis. E, sobretudo, garantir o acesso a universidade pública a todos os jovens. 3. Realizar, imediatamente, em forma de mutirão nacional, um programa que erradique num ano, o analfabetismo no Brasil. 4. Implementar políticas publicas de revalorização dos professores e educadores, como parte do enorme esforço social, que precisamos fazer para colocar a escola no centro de todas as prioridades sociais. 5. O estado deve estimular e controlar as pesquisas e o desenvolvimento de novas técnicas agrícolas que busquem o aumento da produtividade, em equilíbrio com a natureza e o bem estar da população. As sementes são um patrimônio da humanidade e não pode ser objeto de propriedade privada. 5. Garantir e desenvolver políticas de universalização de práticas culturais ao nosso povo, valorizando-as e utilizando-as como forma de lazer, de elevação espiritual, e da práticas de valores 123 sociais. mentos e informações ao povo. IX. Comunicação social X. Saúde pública 1. O povo tem o direito de organizar seus próprios meios de comunicação social, de forma associativa, seja impressos, internet, rádio ou televisão. E o estado deve garantir os recursos para que exerça esse direito. 1. O Estado deve garantir e defender a saúde de toda população, implementando políticas públicas, de soberania alimentar, de condições de vida dignas, como medidas preventivas às doenças. 2. Democratizar o atual monopólio dos meios de comunicação de massa existente na televisão, nos jornais, revistas e rádios. O estado deve estimular, com políticas e recursos para que se amplie o maior numero possível de meios de comunicação, sob controle social, nas mais diferentes formas de organização popular. 2. O sistema de saúde pública ,SUS, deve ser ampliado e melhorado, combinado com o Programa de saúde familiar(PSF) preventivo. Incluindo o atendimento médico-odontológico e de enfermagem. 3. O estado deve garantir acesso a atendimento médico-odontológico, e medicamentos de forma gratuita e racional a toda população necessitada. Deve combater todas as práticas que mercantilizam o atendimento a saúde da população e se transformaram em mero objeto de lucro. 3. Deve ser proibido o uso de concessões publicas de meios de comunicação como forma de obtenção de lucro. A comunicação é, e deve ser, um serviço público em beneficio do povo, como determina a constituição brasileira e não pode estar subordinada à lógica do lucro. 4. O estado deve organizar um processo de formação massiva, ampliando o maior número possível de profissionais na área de saúde, de agentes populares de saúde a médicos e especialistas. 4. Deve ser proibido qualquer investimento ou ingerência estrangeira em qualquer meio de comunicação social. 5. Implementar políticas públicas que eduquem, orientem a população, em praticas preventivas buscando as melhores condições de vida e saúde, seja através da alimentação, de cuidados de higiene, seja através dos saberes populares e da medicina preventiva. 5. O uso e pratica dos meios de comunicação social devem ser fiscalizados e controlados pelo estado e por mecanismos de conselhos populares locais, para que sua programação e uso sejam educativos, valorizem nossa cultura e garantam o acesso a conheci- 124 XIV – Plataforma política para uma agricultura soberana e popular 1 Cascavel / PR Junho de 2006 I - Introdução mente devastada. Sua integridade e a diversidade de formas de vida, que são o sustento da biodiversidade estão ameaçadas. E se a natureza de nosso planeta está ameaçada, está ameaçada a própria vida humana, que depende dela. Até a Avaliação Ecosistêmica do Milênio feita pela ONU e divulgada em 2005 reconhece que “as atividades humanas estão mudando fundamentalmente e, em muitos casos, de forma irreversível a diversidade da vida no planeta Terra. Estas taxas vão continuar ou se acelerar no futuro”. Nesse importante reconhecimento da crise planetária, é também fundamental reconhecer que não são todas as atividades humanas prejudiciais, mas sobretudo aquelas guiadas pela volúpia de lucro das corporações transnacionais. Vivemos num sistema econômico dominante que há séculos se propôs explorar de forma ilimitada todos os ecossistemas e seus recursos naturais. Esta estratégia trouxe crescimento econômico e o que se chamou de “desenvolvimento” para algumas nações, e privilegiou o consumo e o bem estar social de uma parcela muito pequena da humanidade. E excluiu infelizmente, das condições mínimas de sobrevivência a grande maioria da humanidade. O custo desse sistema de exploração da natureza e das pessoas, junto ao consumismo desenfreado foi pago pelo sacrifício de milhões de trabalhadores pobres, camponeses, indígenas, pastores, pescadores, e outra s pessoas pobres da sociedade, que entregam suas vidas a cada dia. E pela agressão permanente da natureza que foi e continua sendo sistematica- Por causa da dramaticidade desta situação sentimos a necessidade de afirmar alternativas que assegurem um futuro de esperança para a vida, para a humanidade e para a Terra. Precisamos passar de uma Sociedade de Produção Industrial, consumista e individualista, que sacrifica os ecosistemas e penaliza as pessoas, destruindo a sócio-biodiversidade, para uma Sociedade de Produtores Associados com a Sustentação de Toda a Vida, que se oriente por um modo socialmente justo 1 Este documento foi elaborado como subsídio para a Jornada de Agroecologia, em Cascavel/PR (7 a 10 de junho/06). As idéias aqui contidas, foram extraídas de diversas elaborações, destacando-se os documentos da Via Campesina e o Manifesto das Américas em Defesa da Natureza e da Diversidade Biológica e Cultural, sendo organizado por Adalberto Martins (membro do setor de produção do MST). 125 e ecológicamente sustentável de viver, que cuide da comunidade de vida e proteja as bases físico-químicas e ecológicas que sustentam todos os processos vitais, incluídos os humanos. al do Comércio) e nos oporemos a todas as iniciativas dos governos imperialistas e de suas empresas transnacionais de querem impor os tratados de livre comercio às nações e aos povos do mundo. Lutaremos com todas as nossas forças contra todas as organismos internacionais que cumpre o papel de guardiões do capital (FMI, Banco Mundial, OMC) e atentam contra uma agricultura soberana. II – A Plataforma Política 1. A Soberania Alimentar A soberania alimentar para os camponeses é compreendida como um direito dos povos de definir sua própria política agrícola e alimentar sem exercer “dumping” (venda a preços abaixo do custo de produção) sobre outros países. Ela compreende como necessidade a prioridade para a produção de alimentos sadios, de boa qualidade e culturalmente apropriados, para o mercado interno, mantendo a capacidade dos camponeses produzirem alimentos com base em um sistema de produção diversificado, sustentável, garantindo a independência e a soberania das populações. 2. A Biodiversidade A biodiversidade, tem como base fundamental o reconhecimento da diversidade humana, a aceitação de que somos diferentes e de que cada povo e cada pessoa tem liberdade para pensar e para ser. Vista desta maneira, a biodiversidade não é só a flora e fauna, solo, água e ecossistemas. É também culturas, sistemas produtivos, relações humanas e econômicas, formas de governo. A diversidade é a nossa própria forma de vida. A diversidade vegetal nos dá alimentos, remédios, moradia, assim como a diversidade humana, com pessoas de diferentes condições , ideologia e religião nos dá a riqueza cultural. Isso demonstra que temos que evitar que se imponham modelos onde predomine uma só forma de vida ou um só modelo de desenvolvimento. A soberania alimentar supõe o acesso à terra, disponibilidade de crédito, preços remuneradores para os camponeses, comercialização garantida e regulação da produção para o mercado interno impedindo a formação de excedentes. Pressupõem também a eliminação de todos os subsídios diretos e indiretos para às exportações de produtos agrícolas. Nós opomos a que se privatizem e patenteiem os materiais genéticos que dão origem à vida, à atividade camponesa, à atividade indígena. Os gens, a vida, são propriedade da própria vida. Nós, os camponeses a temos protegido, cuidando dela com uma educação clara de geração em Entendemos que a agricultura não deve ser objeto de negociações e tratados internacionais em instâncias comerciais como a OMC (Organização Mundi126 geração, com um profundo respeito à natureza. Somos nós, os camponeses, que realizamos o melhoramento genético e nossa maior contribuição é a evolução de cada uma das espécies. às múltiplas funções ambientais e aos benefícios que o ser humano obtém para si e para as futuras gerações. Entre outros: água potável, alimentos, medicinais, madeiras, fibras, regulação climática, prevenção de inundações e doenças. Ao mesmo tempo que constituem as bases do sustento da recreação, da estética e da espiritualidade assim como o suporte da conformação do solo, a fotossíntese e o ciclo de nutrientes, entre outras funções vitais para o sustento de toda a humanidade. Por isto nos opomos resolutamente a introdução de organismos transgênicos no ambiente, seja na agricultura, nas plantações, na pecuária ou qualquer outros cultivos no meio ambiente. Combateremos decididamente as sementes terminator porque elas atentam contra o sentido da vida e de sua reprodução, pois se trata de uma semente suicida que visa beneficiar apenas as grandes empresas transnacionais a ampliarem seus lucros. 3. Os Recursos Genéticos, Direitos dos Camponeses e Comunidades Rurais Para nós camponeses, as sementes são o quarto recurso que gera a riqueza da natureza, depois da terra, da água e do ar. Por isto as sementes são um patrimônio dos povos, a serviço da humanidade. Os recursos genéticos são os elementos básicos para produzir alimentos, vestuários, habitação combustíveis, remédios, equilíbrio ecológico, paisagem rural, todos de grande importância para nós e para a sociedade. Nos opomos também à introdução de espécies exóticas, inadequadas aos nossos ecossistemas, com a introdução de plantações homogêneas, industriais, como a de eucalipto, pinus, acácia, etc. Entendemos que a biodiversidade deve ser a base para garantir a soberania alimentar, como um direito fundamental e básico dos povos e não negociável. Nos propomos a conservar a diversidade biológica e cultural de nossos ecossistemas, cuidando do conjunto dos organismos vivos em seus habitat e também as interdependências entre eles dentro do equilíbrio dinâmico, próprio de cada região ecológica e das características singulares das espécies, assim como a interação social e ecologicamente sustentável dos povos que vivem na região. A preservação da diversidade biológica e cultural, da integridade e da beleza dos sistemas ecológicos dão sustentabilidade O reconhecimento pleno dos direitos dos camponeses sobre os recursos genéticos e seus conhecimentos associados, só podem se explicar na história e na diversidade. Esses direitos ultrapassam os marcos jurídicos da propriedade intelectual (privada). Assim reclamamos o direito à propriedade da vida e nos oporemos à propriedade intelectual sobre qualquer forma de vida. 127 Reclamamos o direito ao controle dos recursos naturais, bem como o direito a decidir sobre o futuro deles e a definir o marco jurídico sobre a propriedade desses recursos. Entendendo que os direitos dos camponeses são de caráter eminentemente coletivos. Junto a isto também deverá ser estabelecido um limite máximo de propriedade privada da terra, bem como acrescentar um limite do uso da terra sob monocultura. Ademais, é fundamental que seja impedida a expansão da fronteira agrícola nos biomas do Cerrados, Floresta Amazônica, Pantanal e Mata Atlântica através de uma alta tributação de novas áreas colocadas sob produção. Lutaremos para que se declare uma moratória à liberação e comercialização de organismos genéticamente modificados e seus produtos derivados. Que se aplique o princípio da precaução e prevenção. 4.2. A Organização da Produção e as Mudanças Tecnológicas Buscaremos organizar uma agricultura diversificada, através dos policultivos, rompendo com a monocultura, buscando promover uma agricultura saudável, limpa de venenos e independentes dos insumos industriais, gerando uma alimentação de qualidade e em quantidade, viabilizando a soberania alimentar do nosso povo. Que este novo modelo produtivo, gere também uma nova base alimentar e com ela uma nova forma de consumo, mais equilibrada, adequada ao ecossistemas locais e que seja culturalmente ajustada. Disto depende a realização de um planejamento orientador da produção, adequando a vocação natural das regiões aos mercados próximos e às necessidades sociais. 4. Reforma Agrária e as Mudanças Sociais no Campo 4.1. Democratização da Terra, dos Meios de Produção e o Uso da Terra A propriedade ou posse da terra deve estar subordinada ao cumprimento de sua função social. A posse e uso da terra poderá ser exercida de várias formas como: familiar, associativa, cooperativa, de empresa comunitária, estatal, pública, etc. de acordo com as necessidades sociais de cada região. Para isso se deverá alterar a atual estrutura de propriedade realizando desapropriações (com indenizações aos proprietários, através de Títulos da Dívida Agrária, correspondente ao valor declarado no Imposto Territorial Rural) e expropriações (sem indenização, nos casos de: grileiros, criminosos, cultivo de drogas, contrabandistas, trabalho escravo, etc...); para que se garanta o direito de todos trabalharem na terra. Esta produção estará embasada em diferentes formas de cooperação, que permita racionalizar o uso dos recursos naturais, otimizar o uso do meios de produção e do crédito, proporcionando o aumento da produtividade física e do trabalho. Estas formas de cooperação deverão estar ajustas as experiências dos trabalhadores e as suas tradições e realidades locais. Bem como, buscaremos 128 uma integração permanente da produção com a agroindústria, visando aumentar a renda dos camponeses e a qualidade dos alimentos. dustrialização ao interior do país, promovendo um desenvolvimento mais harmônico entre as regiões, gerando mais empregos no interior, e criando oportunidades para a juventude. Os assalariados deverão se organizar para participar, controlar, autogerir, organizar cooperativas, ou co-participarem na gestão das empresas aonde trabalham. Os assalariados terão os direitos trabalhistas e sociais garantidos, como salário digno, condições de trabalho, jornada de trabalho adequada. E participação no resultado econômico das empresas. Bem como programas de capacitação e especialização permanentes. Este programa de agroindústria deverá proporcionar um processo de desenvolvimento que elimine as diferenciações existentes entre a vida na cidade e a vida no campo. Esta produção obtida e beneficiada deverá ser prioritariamente comercializada nas respectivas regiões, descentralizando o consumo. 4.4. O Desenvolvimento Social O desenvolvimento da produção agropecuária e agroindustrial deverá ser acompanhado por um amplo programa de atendimento social, por parte do Estado, que garanta a toda a população do campo: Para a organização desta novo padrão produtivo deve-se desenvolver pesquisas e técnicas agroecológicas adequadas a cada região, buscando o aumento da produtividade do trabalho, das terras, mas com equilíbrio do meio ambiente e conservação dos recursos naturais. Bem como utilizar manejos agroecológicos e desenvolver programas massivos de capacitação técnica dos agricultores em todas as regiões do país. Especializando quadros em diferentes áreas específicas do novo modelo tecnológico, com base na ciência agroecológica, visando a promoção de uma agricultura sustentável. • alfabetização de todos que vivem no campo, sobretudo os jovens e adultos; • garantia de escola pública e gratuita até o segundo grau, em todos municípios, com ensino adequado à realidade local. • valorização dos professores no campo, garantindo-lhes remuneração justa e integrando-os às atividades da comunidade; Os serviços de assistência técnica e de extensão rural do Estado deverão estar voltados para as prioridades da reforma agrária e para a implementação desse novo modelo agroecológico. • atendimento médico-hospitalar e programas de saúde preventiva e medicina alternativa gratuitos; 4.3. A Agroindustrialização do Campo • implementação da construção de moradia para todo o povo; O programa de reforma agrária deverá ser um instrumento para levar a in- • um programa massivo de cultura e lazer que represente a democratiza129 ção e o acesso à cultura a todos trabalhadores do campo; O Estado deverá dar estímulos para a produção agroecológica, buscando uma agricultura sustentável, e incentivar também a formação de bancos de sementes associativos. • democratização dos meios de comunicação social. 4.5. A Política Agrícola 5. Gênero A política agrícola é o conjunto de medidas e instrumentos de que o governo dispõe para estimular a produção agropecuária e orientá-la de acordo com seus objetivos. Buscando também aumento de renda para todos os camponeses que produzem alimentos. O modelo econômico neoliberal, que submente a todos à competição global, é mais desvantajoso e injusto com as mulheres. Tira os seus direitos de cultivar alimentos e as força a uma luta insegura pela sobrevivência, delas e de suas famílias. Traz consigo o êxodo rural, ruptura familiar e comunitária, desemprego, baixos salários e dependência econômica. Este aumento de renda virá com preços compensatórios aos camponeses e pela garantia da compra da produção pelo Estado através de compras antecipadas da produção dos camponeses, auxiliando na planificação da produção nas regiões, antecipando as condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas. As mulheres tem uma longa tradição em recolher, escolher e propagar variedades de sementes para usos alimentícios e medicinais. São as protetoras primárias dos recursos genéticos e da biodiversidade do mundo. O conhecimento tradicional das mulheres deve ser honrado e respeitado. Para isto precisam ter acesso à terra por direito próprio. Estamos comprometidos em garantir que as mulheres tenham a segurança da posse da terra e o acesso igual ao crédito e à capacitação necessária para melhorar a produção dos alimentos. O Estado deverá garantir a infraestrutura para o comércio (transporte e armazenagem) e estimular a produção de todos os produtos básicos para alimentação, e em caso necessário, subsidiar o consumo, fazendo com que toda população tenha acesso ao mínimo necessário, para eliminar completamente a fome no país. Deve-se evitar a importação de produtos que se pode produzir aqui. As mulheres que trabalham na agricultura ou nos setores de serviço rural não recebem o mesmo pagamento que os homens. A discriminação baseada em gênero é uma injustiça fundamental contra as mulheres e isto é intolerável. Esta produção camponesa deverá ser protegida por um seguro agrícola que garanta o valor do trabalho e da produção. O crédito rural dos bancos públicos deverá ser orientado para investimentos produtivos, para as atividades prioritárias da reforma agrária e para investimentos sociais, tendo programas subsidiados. A confiança, a auto-estima e o potencial humano das mulheres está debilitado cruelmente pela subjugação e o abu130 so que sofrem muitas delas dentro dos seus próprios lares. Comprometemo-nos a respeitar as mulheres e a proteger seus direitos de serem livres de violências domésticas e de repressão. e aplicabilidade dos direitos civis, políticos e sociais, em nosso país, sejam aqueles já estabelecidos em leis, sejam aqueles que ainda não foram reconhecidos e garantidos legalmente. As organizações camponeses devem reconhecer o papel chave das mulheres em suas estruturas organizacionais e políticas. A igualdade e a participação democrática completa de mulheres dentro das nossas próprias organizações devem modelar a igualdade social e política para a qual estamos lutando. As mulheres tem o direito ao acesso amplo e completo à participação nos espaços de tomada de decisões. As barreiras à participação democrática e de lideranças de mulheres devem ser sistematicamente apagadas. Lutaremos também pelo desmantelamento do aparelho policialmilitar repressivo, o que implica no desmantelamento das polícias militares e dos serviços de inteligência interna, sendo isto uma das condições para o exercício popular da cidadania. III – Os Mecanismos de Implementação desta Plataforma Política A proposta de mudanças no campo, aqui defendidas e almejadas pela imensa maioria da população que nele vivem, representam um sonho. Em busca da qual seguirá nossa luta permanente. 6. Os Direitos Humanos Reconhecemos que os princípios fundamentais que governam os direitos humanos são universais e tem que ser mantidos, respeitados e implementados pelo Estado Brasileiro, garantindo o bem estar, a dignidade, a igualdade e a democracia em nosso país. A correlação de forças existentes atualmente em nossa sociedade não permite a sua implementação. As classes dominantes, que controlam o governo e as leis, congregadas pelos interesses dos latifundiários, da burguesia e do capital estrangeiro, possuem ainda uma enorme força para manterem por muito tempo a atual situação. No entanto, os massacres, os desaparecimentos, os despejos forçados, as torturas e tratamentos cruéis, a criminalização da atividade social e do protesto, são todos dramas que vivem centenas de trabalhadores no Brasil. Nas estatísticas atuais de desigualdade mundial (social, econômica, de gênero, política e cultural) os camponeses ocupam os primeiros lugares de marginalização e isto não é diferente no Brasil. Para que possamos implantar esse programa e torná-lo realidade, dependemos de dois fatores básicos: 1.Mobilização Popular Somente a construção de um amplo movimento popular que reuna os mi- Lutaremos pelo respeito, promoção 131 2. A Ação do Estado Democrático e Popular lhões de explorados e interessados nas mudanças na sociedade, poderá alterar a atual correlação de forças e viabilizar o programa proposto. A implementação dessas mudanças implica necessariamente em que o Estado, com tudo o que representa de poder (executivo, legislativo, judiciário, segurança e poder econômico) seja o instrumento fundamental de implementação das propostas. Para isso é necessário massificar, ampliar a participação popular cada vez mais nas lutas e mobilizações. E esse processo será também a garantia de que as mudanças somente serão realizáveis com uma ampla participação popular, antes e durante o processo de mudanças. Seguramente deverá ser um Estado diferente do atual. Deverá ser gerido democraticamente, com ampla participação das massas e buscando sempre o bem comum. A luta cotidiana irá modificando e ajustando na prática este programa. Por outro lado, deverá haver um novo nível de colaboração e complementariedade, entre os governos federal, estadual e municipal. 132 Site: www.jornadadeagroecologia.com.br E-mail: [email protected] Julho de 2006 Rua José Loureiro, 464 – Sala 27 – Centro 80010-907 – Curitiba – PR 133 134