UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FaE
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FaE - Faculdade de Educação CECIMIG – Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais ENCI – Especialização em Ciências por Investigação Viviane Gandini dos Santos O USO DE ANIMAIS COMO COBAIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS EM UMA ABORDAGEM COM ÊNFASE EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS). Belo Horizonte 2014 Viviane Gandini dos Santos O USO DE ANIMAIS COMO COBAIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS EM UMA ABORDAGEM COM ÊNFASE EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS). Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Ensino de Ciências por Investigação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Ensino de Ciências por Investigação. Orientadora: Profa Dra Marina de Lima Tavares Belo Horizonte 2014 AGRADECIMENTOS A Deus, sempre em primeiro lugar, por conceder-me força e sabedoria para enfrentar mais esta jornada. A meus familiares, em especial ao meu esposo, pela compreensão e apoio. Aos colegas e professores do curso, por compartilharem conhecimentos, anseios, angústias e realizações. À Dra Marina de Lima Tavares, minha orientadora, pela atenção e dedicação dispensadas a mim. RESUMO O presente trabalho teve por objetivo propor, aplicar e avaliar uma sequência didática com abordagem CTS sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas para alunos do 3º ano do ensino médio de uma escola da rede estadual de ensino da cidade de Sete Lagoas, Minas Gerais. A sequência didática teve duração de onze aulas e visou proporcionar aos alunos o contato com fontes diversas de informação e permitir que eles expressassem suas opiniões sobre o tema uso de animais como cobaias através de debates e da redação de um texto. Foram feitas análises dos diálogos ocorridos ao longo das aulas e das redações finais dos alunos, que apresentaram seus argumentos1 individuais de forma escrita ao final da sequência didática. Através das análises dos diálogos foi possível observar a construção de diferentes argumentos para justificar posicionamentos contra ou a favor do uso de animais como cobaias. A análise das redações indicou que os argumentos mais utilizados pelos que foram contra o uso de animais foram o sofrimento a que estes são submetidos e a possibilidade do uso de métodos alternativos. Já os argumentos utilizados pelos que foram a favor do uso das cobaias foram o fato da tecnologia disponível ainda ser insuficiente para dispensá-los e a necessidade e relevância desse uso. Palavras-chave: Argumentos. Biotecnologia. Cobaias. Debate. 1 Ao definir argumento, a psicóloga Deanna Kuhn apresenta duas possíveis interpretações. Na primeira delas, o argumento é considerado uma asserção acompanhada por justificação, sendo denominado “argumento retórico”. Já na segunda, o argumento é denominado “dialógico” e aparece como um processo que envolve a justaposição de duas asserções opostas, sendo geralmente caracterizado pelo diálogo entre pessoas que apresentam visões distintas. É importante destacar que, para Deanna Kuhn, todo argumento racional pressupõe a consideração da possibilidade de este ser incorreto, ou seja, a possibilidade de uma asserção oposta (Kuhn, 1991, p. 12, Apud, Lima-Tavares, 2009). SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 1.1 Objetivos................................................................................................ 5 6 2 REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................ 2.1 Ensino de Ciências por Investigação................................................. 2.2 Ciência, Tecnologia e Sociedade........................................................ 2.3 Uso de animais como cobaias............................................................ 7 7 11 15 3 METODOLOGIA....................................................................................... 3.1 Contexto da pesquisa.......................................................................... 3.2 Sequência didática............................................................................... 3.3 Coleta e tratamento de dados............................................................. 18 18 19 25 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................ 4.1 Análise da sequência didática............................................................. 4.2 Análise das redações........................................................................... 26 26 46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 54 REFERÊNCIAS............................................................................................ 55 APÊNDICES................................................................................................. 58 ANEXOS....................................................................................................... 67 5 1 INTRODUÇÃO A educação passa por momentos singulares de seu desenvolvimento nos quais muitas questões quanto à sua relevância, pertinência e eficácia são colocadas pela sociedade. Alunos e professores travam uma batalha diária para vencer conteúdos extensos e muitas vezes cansativos. Conseguir atenção e envolvimento por parte dos discentes é algo necessário, mas, muitas vezes, quase impossível quando se compara as dinâmicas das aulas com recursos diversos que competem pela atenção dos alunos, como a companhia dos colegas, equipamentos e recursos tecnológicos presentes em seu cotidiano. Neste contexto, urge que o professor consiga superar tal competição e conquiste a parceria de seus alunos de forma que a finalidade da educação, que é o desenvolvimento integral do cidadão, possa ser alcançada. Tratar o conhecimento de forma contextualizada é uma das estratégias que o professor pode lançar mão para retirar o aluno da condição de mero expectador e transformá-lo em construtor de seu próprio conhecimento. É nesse intuito que o presente trabalho se propôs a realizar uma sequência didática que permitisse aos alunos interagir com o tema “Uso de animais como cobaias em pesquisas científicas” de forma que eles pudessem expressar sua opinião sobre o mesmo, o que responderia à questão da pesquisa sobre qual seria o interesse dos alunos sobre este tema numa perspectiva de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). A partir de uma discussão iniciada pelos alunos em aula referente a maus tratos de animais, surgiu a ideia de debater sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas, assunto que está relacionado ao tema Biotecnologia que estava sendo estudado em sala de aula. Tendo em vista que ocorreram manifestações recentes no país que levantaram a questão da pertinência ou não dessa prática e sua inegável contribuição para o avanço da ciência, principalmente nas questões de saúde, o tema apresenta grande relevância social e científica. Uma abordagem com ênfase em CTS do assunto poderá proporcionar aos alunos a oportunidade de investigar quais as implicações da continuidade ou não dessa prática 6 permitindo que eles expressem suas dúvidas, opiniões e que construam seu próprio conhecimento sobre o tema. 1.1 Objetivos O Objetivo Geral da pesquisa foi desenvolver, aplicar e analisar uma sequência didática com abordagem CTS sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas para alunos do 3º ano do ensino médio, que favorecesse seu contato com diversas fontes de informação e a expressão de seus posicionamentos sobre o tema. Para atingir este objetivo foram propostos os seguintes objetivos específicos: Selecionar fontes diversas de informação como filme, reportagens de TV, artigos científicos e jornalísticos, bem como discussões feitas na internet (blogs) sobre o tema utilização de animais como cobaias; Desenvolver uma sequência didática com atividades de leitura e debate das fontes selecionadas que favoreçam a expressão e defesa de posicionamentos dos alunos sobre o tema proposto; Observar os argumentos apresentados pelos alunos ao longo do desenvolvimento da sequencia didática proposta. 7 2 REFERENCIAL TEÓRICO O desenvolvimento desta pesquisa utilizou como pilares os temas Ensino de Ciências por Investigação, Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o Uso de animais como cobaias, que serão apresentados a seguir. 2.1 Ensino de Ciências por Investigação O ensino de ciências por investigação é uma abordagem educacional que visa levar os alunos a uma interação com o conhecimento que os retirem da posição de mero expectador e os conduzam a uma situação de construtores do seu próprio conhecimento (CASTRO, 2008). Dessa forma, esta pesquisa buscou proporcionar aos alunos oportunidades de usarem ferramentas de investigação para delinearem seu conhecimento. Tradicionalmente, o ensino de ciências se faz a partir de definições, leis e princípios considerados, como expõem Munford e Lima (2007), verdades de fato sem que haja uma correlação com o mundo real, o que leva os estudantes a construírem representações inadequadas das Ciências. O Ensino de Ciências por Investigação (ENCI) apresenta um modo próprio de ensinar ciências, na tentativa de promover uma maior aproximação e apropriação do saber científico pelos estudantes, segundo Munford e Lima (2007): [...] quando falamos de Ensino de Ciências por Investigação, pretendemos sugerir imagens alternativas de aulas de ciências, diferentes daquelas que têm sido mais comuns nas escolas, dentre elas, o professor fazendo anotações no quadro, seguidas de explicações e os estudantes anotando e ouvindo-o dissertar sobre um determinado tópico de conteúdo. Ainda Driver et al. (1999, p. 36), dizem que: [...] aprender ciências não é uma questão de simplesmente ampliar o conhecimento dos jovens sobre os fenômenos – uma 8 prática talvez mais apropriadamente denominada estudo da natureza – nem de desenvolver e organizar o raciocínio do senso comum dos jovens. Aprender ciências requer mais do que desafiar as ideias anteriores dos alunos mediante eventos discrepantes. Aprender ciências envolve a introdução das crianças e adolescentes a uma forma diferente de pensar sobre o mundo natural e de explicá-lo; tornando-se socializado, em maior ou menor grau, nas práticas da comunidade científica, com seus objetivos específicos, suas maneiras de ver o mundo e suas formas de dar suporte às assertivas do conhecimento. Para que uma atividade possa se tornar investigativa Lima, Martins e Munford (2008) propõem que elas devem: Conter um problema; Possibilitar debates e discussões; Propiciar o desenvolvimento de argumentos, com a articulação de diversos pontos de vista, por meio do uso do conhecimento científico e de evidências; Propiciar o engajamento dos estudantes com o tema a ser investigado; Promover a discussão das soluções ao problema, com todos os alunos da turma. Quando se propõe aos alunos atividades que envolvam discutir, argumentar, articular ideias, entre outros, se permite que eles ultrapassem barreiras culturais e sociais de forma que possam ver e interagir com o mundo de um modo diferente e, assim, desconstruir e reconstruir a realidade ao seu redor. O ensino de ciências por investigação, ao contrário do que se possa pensar, teve seu início no século XIX, conforme Baptista (2010), quando as disciplinas de ciências passaram a integrar os currículos de vários países, necessitando uma abordagem diferente da clássica utilizada na Gramática e na Matemática, consideradas disciplinas fundamentais. Para que a ciência começasse a integrar o currículo escolar foi preciso apresentá-la como uma disciplina diferente, que iniciava pelas observações que levavam aos princípios gerais, diferentemente das demais disciplinas curriculares de então. Assim, os alunos primeiramente aprendiam como observar o mundo natural e, em seguida, tiravam conclusões a partir das observações. Thomas Huxley (1825- 9 1895), médico e biólogo, defensor das ideias evolucionistas de Darwin, como presidente da Royal Society foi um dos principais impulsionadores da introdução das ciências no currículo, justificando que davam oportunidades para desenvolver a parte intelectual do indivíduo. Essa abordagem investigativa foi defendida por Herbert Spencer (1820-1903) e reiterada por Jonhann Friedrich Herbart (1776-1841). O desenvolvimento do raciocínio através do trabalho laboratorial e das investigações foi, também, defendido por Charles Eliot, químico e presidente da Universidade de Harvard. Apesar das vantagens do trabalho laboratorial e de investigação na sala de aula, a Universidade do Estado de Nova Iorque veio reconhecer, em 1900, que o uso do livro de texto prevalecia nas escolas (BAPTISTA, 2010). Conforme Freire (1993, apud BAPTISTA, 2010, p. 81), após a Segunda Guerra Mundial os países vencedores entraram num período de industrialização e desenvolvimento tecnológico, levando a consequências profundas nos currículos escolares. Durante os anos 50, assistiu-se a um crescimento do número de cientistas e industriais que argumentavam que os currículos de ciências estavam desatualizados. O lançamento do primeiro Sputnik Soviético, em 1957, alertou os americanos para a necessidade de desenvolverem a sua tecnologia, o que promoveu reformas curriculares. No final da década de 1950 surgem, nos Estados Unidos, os currículos Physical Science Study Curriculum (PSSC) e Biological Science Curriculum Study (BSCS) que pretendiam introduzir mudanças no ensino das ciências, tendo como principais finalidades envolver os alunos num ensino por investigação e nos processos da ciência. Na década de 1980, a sociedade passou a ser um fator integrante na elaboração dos currículos, a par da ciência e da tecnologia. Nos Estados Unidos, surgiu o Projeto 2061, iniciativa da American Association for Advancement of Science (AAAS) que propunha a coerência do ensino das ciências com a natureza e do ensino por investigação, que promove o questionamento e o envolvimento ativo dos alunos, se centra na busca e uso de evidências, enfatiza a perspectiva histórica, fomenta o trabalho de grupo, estabelece a ligação entre o conhecimento e os resultados obtidos e não enfatiza a memorização de vocabulário técnico. No Reino Unido, aparece o currículo Satis, Salters e Science in Social Context que dá ênfase à dimensão 10 Ciência, Tecnologia e Sociedade. Deste modo, as reformas dos anos 80 levadas a cabo em vários países desenvolvidos tinham vários aspectos em comum: uma educação científica para todos, promovendo o desenvolvimento pessoal e trazendo benefícios para a sociedade, economia e democracia (BAPTISTA, 2010). Mas como promover um ensino de ciências por investigação? Quais ferramentas usar? Como e quando? Investigar não é, necessariamente, usar um laboratório com instrumentos de alta tecnologia. Investigar é procurar, vasculhar até encontrar uma resposta, uma correlação entre um problema proposto e uma possível solução. E, para isso, muitas são as ferramentas possíveis, entre elas podemos citar, conforme Carvalho (2004): pesquisa escolar, atividades experimentais, simulações, avaliações de evidências, jogos, estudos de casos, uso de filmes, etc. Lima, Martins e Munford (2008) caracterizam a atividade investigativa como uma estratégia que o professor pode utilizar para diversificar sua prática pedagógica, de forma que possibilite aos alunos desenvolver a autonomia, a capacidade de avaliar e resolver situações-problema a partir da apropriação do conhecimento científico, o que permite ao aluno o desenvolvimento da capacidade de observação, planejamento, levantamento de hipóteses, realização de medidas, construção de modelos, promovendo, assim, a aproximação da ciência escolar com a ciência dos cientistas. Cabe ao professor, portanto, o papel de orientar as ações dos estudantes, incentivar o levantamento de evidências e o estabelecimento de relações entre estas e as explicações teóricas, além de fomentar a discussão do assunto. Para Driver et al. (1999, p.36): [...] o papel do professor de ciências, mais do que organizar o processo pelo qual os indivíduos geram significados sobre o 11 mundo natural, é o de atuar como mediador entre o conhecimento científico e os aprendizes, ajudando-os a conferir sentido pessoal à maneira como as asserções do conhecimento são geradas e validadas. É, pois, segundo as discussões acima, que esta pesquisa buscou usar as ferramentas do ensino de ciências por investigação para motivar os alunos a, não só interagirem com o conhecimento, como também, a produzirem sua própria versão dele. 2.2 Ciência, Tecnologia e Sociedade O modelo de desenvolvimento científico e tecnológico vigente no mundo na década de 1970, cujos efeitos começaram a afetar cada vez mais a vida das pessoas, principalmente no período pós-guerra, nos âmbitos ambiental e ético, serviu como propulsor para o surgimento do movimento conhecido como Ciência, Tecnologia e Sociedade que passa a criticar tal modelo que privilegia uma minoria detentora do conhecimento científico e tecnológico em detrimento dos interesses de uma maioria leiga. Nesse período começaram a surgir orientações curriculares que priorizavam, entre outros aspectos, a implementação de projetos CTS no sistema escolar em países europeus e nos Estados Unidos da América, sendo que alguns programas CTS foram testados e postos em prática nesses países nos últimos trinta anos (ROEHRIG et al, 2011). No Brasil, ocorre a realização, em 1990, da “Conferência Internacional Ensino de Ciências para o Século XXI: ACT – Alfabetização em Ciência e Tecnologia”, cuja temática principal foi a educação científica dos cidadãos. Ainda, Santos e Mortimer (2002) destacam alguns exemplos de ações no sentido de privilegiar o enfoque CTS em materiais didáticos e propostas curriculares, especialmente nos estados de São Paulo e Minas Gerais para a disciplina de Química. 12 Entre os objetivos de uma abordagem CTS, Schiel e Orlandi (2009, p. 4) consideram que: [...] a educação científica deve garantir a capacidade de participar e tomar decisões fundamentadas, deve se basear não apenas na aquisição de conhecimentos científicos (fatos, conceitos e teorias), mas no desenvolvimento de habilidades a partir da familiarização com os procedimentos científicos, na resolução de problemas, na utilização de instrumentos e por fim na aplicação em situações reais do cotidiano. Para Lima, Martins e Munford (2008): [...] Mais que um método ou uma abordagem de ensino, a abordagem CTS remete a uma reflexão sobre as razões para ensinar ciências num mundo cada vez mais permeado pela tecnologia, pelo acúmulo da produção de informações, pela rapidez com que estas são socializadas e descartadas, bem como pela participação dos cidadãos comuns em debates de interesse coletivo. Em outras palavras, a Ciência e a Tecnologia, assim como suas relações com a sociedade, saturam o dia-a-dia dos indivíduos na atualidade e impõem-se como formas de viver e pensar. Algumas vezes, as pessoas sentem-se maravilhadas com os desenvolvimentos em C&T; outras se mostram ameaçadas por elas. Ainda sobre os objetivos de um currículo com abordagem CTS, Santos e Mortimer (2002, p. 5) apontam para o desenvolvimento de valores, que estão vinculados aos interesses coletivos, como os de solidariedade, de fraternidade, de consciência do compromisso social, de reciprocidade, de respeito ao próximo e de generosidade, afirmando que: [...] será por meio da discussão desses valores que contribuiremos na formação de cidadãos críticos comprometidos com a sociedade. As pessoas, por exemplo, lidam diariamente com dezenas de produtos químicos e têm que decidir qual devem consumir e como fazê-lo. Essa decisão poderia ser tomada levando-se em conta não só a eficiência dos produtos para os fins que se desejam, mas também os seus efeitos sobre a saúde, os seus efeitos ambientais, o seu valor econômico, as questões éticas relacionadas a sua produção e comercialização. Pedrancini et al. (2008) observa que, apesar de estarmos vivendo uma era de ricas descobertas científicas e tecnológicas, discutidas no contexto 13 escolar e constantemente divulgadas por meios acadêmicos e multimidiáticos, de modo a fazerem parte do cotidiano das pessoas, a maioria da população sente-se despreparada para emitir opiniões fundamentadas sobre temas, tais como transgenia, clonagem e genômica. Isto demonstra que nem sempre os conhecimentos adquiridos na escola possibilitam que os sujeitos ultrapassem o saber de senso comum ou as primeiras impressões adquiridas em sua vivência. É diante da grande abrangência e importância de uma abordagem CTS no ensino de ciências e da dificuldade de sua implementação em sala de aula que se podem citar atividades que facilitarão esta abordagem como as sugeridas por Hofstein, Aikenhead e Riquarts (1988, apud Santos e Motimer 2002, p.13): palestras, demonstrações, sessões de discussão, solução de problemas, jogos de simulação e desempenho de papéis, fóruns e debates, projetos individuais e de grupo, redação de cartas a autoridades, pesquisa de campo, ação comunitária. Outras atividades recomendadas por Hofstein, Aikenhead e Riquarts são estudo de caso, envolvendo problemas reais da sociedade, construção de modelos de artefatos tecnológicos, uso de fatos da história da ciência e discussão em grupo sobre vídeos envolvendo questões científicas e tecnológicas, além de programas de computador e outros multimídias. Em conformidade com o exposto, Arroio e Giordan (2006, p.3) afirmam que: [...] um filme ou programa multimídia tem forte apelo emocional e, por isso, motiva a aprendizagem dos conteúdos apresentados pelo professor. Ou seja, o sujeito compreende de maneira sensitiva, conhece por meio das sensações, reage 14 diante dos estímulos dos sentidos, não apenas diante das argumentações da razão. [...] Além disso, a quebra de ritmo provocada pela apresentação de um audiovisual é saudável, pois altera a rotina da sala de aula e permite diversificar as atividades ali realizadas. Portanto, o produto audiovisual pode ser utilizado como motivador da aprendizagem e organizador do ensino na sala de aula.” Foi com esse intuito que o uso de materiais audiovisuais foi utilizado nesta pesquisa, de forma que proporcionasse uma interação com o tema proposto através da visualização de situações, algumas vezes reais, do uso de animais como cobaias. Também foi uma oportunidade de alteração do ritmo das aulas e um momento de aprimoramento das relações, tanto entre os próprios alunos, quanto entre professora e alunos. Santos e Motimer (2002, p.10) enfatizam que os currículos de CTS se articulam em torno de temas científicos ou tecnológicos que se apresentam problemáticos do ponto de vista social. Segundo RAMSEY (1993, apud Santos e Motimer 2002), um tema social relativo à ciência e tecnologia deveria ter sua origem nessas atividades e envolver um problema em torno do qual existam diferentes possibilidades associadas a diferentes conjuntos de crenças e valores. Nas discussões desses temas, seria importante que fosse evidenciado o poder de influência que os alunos podem ter como cidadãos, bem como as questões éticas e os valores humanos relacionados à ciência e à tecnologia, estimulando-os a participar democraticamente da sociedade por meio da expressão de suas opiniões. Assim, os alunos perceberiam seu potencial de atuar em grupos sociais organizados, como centros comunitários, escolas, sindicatos, etc., mostrando o poder do consumidor em influenciar o mercado, selecionando o que consumir. Além disso, as discussões das questões sociais englobariam os aspectos políticos, os interesses econômicos, os efeitos da mídia no consumo, etc. Questões dessa natureza propiciarão ao aluno uma compreensão melhor dos mecanismos de poder dentro das diversas instâncias sociais. RAMSEY (1993 apud Santos e Motimer 2002) apresenta três critérios para identificar um tema social relativo à ciência: 15 1) se é, de fato, um problema de natureza controvertida, ou seja, se existem opiniões diferentes a seu respeito; 2) se o tema tem significado social e 3) se o tema, em alguma dimensão, é relativo à ciência e à tecnologia. Desta forma, a proposta da sequência didática apresentada neste trabalho contém os três itens mencionados acima, uma vez que sua natureza controvertida é que dá o significado social da utilização dos cães como cobaias e discute quais implicações da continuidade, ou não, dessa prática para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. O tema “uso de animais como cobaias” envolve tanto o aspecto científico e tecnológico, enquanto introduz um assunto vinculado às pesquisas biotecnológicas, quanto o aspecto da sociedade no que tange às questões éticas e emocionais que envolvem os seres humanos e sua relação com os animais. 2.3 Uso de animais como cobaias Segundo Demonte (2009) a importância da experimentação animal para o desenvolvimento da Biologia tem contribuído significativamente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Os primeiros testemunhos históricos de tal importância remontam a mais de dois mil anos com o relato de Hipócrates (450 A.C.) relacionando órgãos humanos doentes com os de animais para fins didáticos, até sua atual e vasta utilização, entre outros exemplos, no controle de vacinas, nas pesquisas sobre células-tronco no campo da cardiologia, da neurologia e de moléstias pulmonares e renais, além das pesquisas da neurociência que envolvem a comunicação entre o cérebro de primatas e próteses robóticas. Demonte (2009) ainda enfatiza que dentre as várias e profundas transformações sociais observadas durante o século passado destaca-se o surgimento, como movimento social organizado, do ativismo pró-bem-estar dos 16 animais não humanos, cuja importância se dá no sentido de resgatar a discussão em torno de comportamentos e atitudes que aperfeiçoam conceitos significativos na questão, incluindo a ética: “Diante dela se estabelecem múltiplas e diversas facetas, que devem ter como consequência o trato, consideração e respeito ao animal”. Pinto-Neto et al. (2014) comenta que de acordo com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, promulgada pela UNESCO em Bruxelas, Bélgica, no ano de 1978, o homem tem responsabilidade sobre a vida e bemestar das demais espécies do planeta. O documento eleva todos os animais à categoria de sujeitos de direito, qualidade até então exclusiva do homem. Os autores ainda relacionam as leis que tratam do assunto no país: Lei nº 9605/98, também conhecida como Lei de Crimes Ambientais, prevê pena para quem pratica atos de abuso, maus-tratos, fere ou mutila animais e também para quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo quando houver recursos alternativos. Art. 225, 1º, VII da Constituição Federal de 1988 determina que “incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, que provoquem a extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade”. Art. 1º do Decreto nº 24.645/34, “todos os animais existentes no país são tutelados pelo Estado”, elevando-os à condição de sujeitos de direito. Além da legislação citada acima O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal - CONCEA tem como competência a formulação de normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica, bem como estabelecer procedimentos para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal. O Conselho é responsável também pelo credenciamento das instituições que desenvolvam atividades nesta área, além de administrar o cadastro de protocolos experimentais ou pedagógicos aplicáveis aos procedimentos de ensino e projetos de pesquisa científica realizados ou em andamento no país. Toda instituição de pesquisa e de ensino 17 que utilize animais para experimentação devem cria uma Comissão de Ética no Uso de Animais - CEUA (BRASIL, 2014). Recentemente no Brasil a discussão em torno desse tema se fez presente a partir da invasão de um instituto de pesquisa por ativistas pelos direitos dos animais para a libertação de cães utilizados como cobaias, sob a alegação de maus tratos. Tal acontecimento permeou os meios de comunicação, seja televisão, jornais, revistas, programas de rádio e internet. Foram feitas discussões entre os que apoiam e os que são contra esta prática, cada lado apresentado seus argumentos. Programas jornalísticos e de entretenimento colocaram o tema em pauta e o assunto esteve presente, pelo menos durante algum tempo, no cotidiano das pessoas. Este tema foi escolhido para pesquisa por apresentar características como ser um tema controverso, em que lados opostos são defendidos pelas pessoas; ter relevância social, pois atinge questões relacionadas a pesquisas que podem produzir medicamentos e formas de salvar vidas; pela proximidade emocional do homem com os cães, já que estes são os animais de estimação que mais estão presentes nos lares brasileiros. O tema também foi escolhido por permitir aos alunos interagir com o assunto através de vários formatos de informação, seja escrito ou audiovisual, como também proporcionar a eles um momento de discussão, argumentação e defesa de posicionamento. 18 3 METODOLOGIA Neste trabalho foi proposta, realizada e discutida uma sequência didática com abordagem CTS sobre o tema “Uso de animais como cobaias em pesquisas científicas”. Essa sequência foi realizada com uma turma do terceiro ano do ensino médio de uma escola da rede estadual de ensino do município de Sete Lagoas, MG, no período de julho a agosto de 2014. As atividades envolveram o uso de recursos variados tais como filme, reportagens de televisão, material escrito como revistas de variedades e de divulgação científica, legislação, páginas de jornais virtuais, além de discussão em sala, pesquisa em grupo e apresentação de seminários. Esta sequência foi proposta de forma a proporcionar o contato dos alunos com formas diversas de informação, favorecer o desenvolvimento de seu senso crítico, capacidade de argumentação de modo que pudessem, assim, expressar sua opinião a respeito do tema. A seguir será apresentada a escola e o público da pesquisa, o planejamento da sequência didática e os procedimentos de coleta de dados. É importante ressaltar que, nesse trabalho eu atuei como professora e pesquisadora em uma sala de aula em que leciono e também que os nomes dos alunos foram preservados nas falas transcritas, de forma que a numeração indica sempre o mesmo aluno na ordem em que fez comentários desde a sua primeira participação. 3.1 Contexto da pesquisa A pesquisa foi realizada com uma turma do 3º ano do ensino médio de uma escola da rede estadual de ensino da cidade de Sete Lagoas, MG, no período de julho a agosto de 2014, para a qual a pesquisadora leciona Biologia duas vezes por semana. 19 A escola foi fundada em 1953, sendo a única da rede estadual no bairro. Tem porte médio e atende alunos de várias bairros/áreas da região oferecendo ensino básico, fundamental, médio e EJA (Educação para Jovens e Adultos), funcionando nos três turnos. A escola possui quadra de esportes coberta, biblioteca pequena, sala de informática subutilizada, sala de vídeo que também é utilizada para reuniões. Não possui outro laboratório que não o de informática. Conta com retroprojetor e projetor multimídia, mas não dispõe do computador para os professores. As salas são pequenas, bem iluminadas durante o dia, não possuindo ventiladores em todas. Há poucas tomadas de energia em cada sala, o que dificulta o uso de recursos eletrônicos. A turma conta com 37 alunos sendo que a maioria se dispersa em conversas durante as aulas. Os alunos se mostram desinteressados e reclamam de qualquer atividade proposta pelo professor. A participação efetiva só se dá quando o assunto é de grande interesse de toda a turma. Poucos alunos se mostram interessados em frequentar um curso superior, sendo que alguns ingressarão em cursos técnicos pós-médio nas áreas de saúde e edificações após a formatura. 3.2 Sequência didática A sequência didática foi organizada em nove aulas de cinquenta minutos sendo dividida em cinco etapas: Discussão em aula Exibição de recursos audiovisuais Pesquisa em grupo Seminários Produção textual 20 A proposta da sequência das aulas está resumida no Quadro 1 e os planejamentos constam dos apêndices A, B, C, D, E e F. Quadro 1: Distribuição das atividades da sequência didática sobre uso de animais como cobaias Aula Assunto/Estratégia Conhecimento prévio dos alunos sobre o uso de 01 animais como cobaias e qual seu posicionamento sobre o assunto, a partir de discussão em aula. 02 03 04 05 06 Uso de recurso audiovisual para exibição do filme Quase Deuses. Uso de recurso audiovisual para exibição do filme Quase Deuses. Uso de recurso audiovisual para exibição de reportagens de televisão sobre o assunto. Atividade em aula com divisão em grupos e entrega de material escrito para pesquisa. Atividade em aula para análise e discussão dos textos pelos grupos. 07 Atividade em aula com apresentação de seminários. 08 Atividade em aula com apresentação de seminários. 09 Produção textual de uma redação em aula. A aula 01 tem como objetivo levantar o conhecimento prévio dos alunos sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas. 21 Para as aulas 02 e 03 foi proposta a exibição do filme “Quase Deuses”, visto que não seria possível exibi-lo em apenas uma aula, já que tem duração aproximada de 120 minutos. O filme foi escolhido por abordar, além do uso de animais como cobaias em pesquisas científicas, o método científico, o trabalho árduo de pesquisa, o desenvolvimento de ferramentas e equipamentos cirúrgicos pelos pesquisadores do filme, o medo da comunidade médica em tocar em um coração “vivo”, a influência da Igreja e o preconceito racial da época. Assim, o filme apresenta uma visão favorável ao uso de animais como cobaias. Foi entregue aos alunos um questionário para ser respondido e entregue ao final da exibição do filme, conforme apêndice G. Classificado como drama, o filme conta a história real do médico e pesquisador Alfred Blalock que contrata o carpinteiro negro Vivien Thomas como seu assistente de limpeza. Vivien sempre quis ser médico e estava juntando dinheiro para estudar, mas a grande depressão americana de 1929 acabou com seus planos. Assim, ele viu em Blalock a oportunidade de se manter próximo da medicina. Então, ambos começam uma parceria científica cujas pesquisas culminam em grandes descobertas médicas, muitas das quais usavam cães abandonados como cobaias. Entre as pesquisas apresentadas no filme destaca-se a da Síndrome do Bebê Azul, na qual bebês com má formação no coração têm deficiência de oxigenação do sangue, o que acarreta uma coloração azulada nas crianças, chamada de cianose. Para encontrar uma solução para esta doença os pesquisadores do filme fazem um corte nos pulmões dos cães para simular a falta de oxigênio, o que faz com que eles fiquem com as línguas azuis. Posteriormente, fazem um desvio no coração dos cães para restabelecer os níveis de oxigênio sanguíneo. A partir destes testes usando os cães como cobaias, os pesquisadores conseguiram desenvolver uma técnica cirúrgica cardíaca, que foi a primeira intervenção feita em um coração “vivo”. Para a aula 04 foram selecionadas duas reportagens a serem exibidas para a turma. Essas reportagens foram veiculadas pela mídia logo após a invasão do Instituto Royal de Pesquisas, que utilizava animais como cobaias, ocorrida em outubro de 2013 e que apresentam visões favoráveis e contrárias sobre o assunto. O tempo aproximado de duração das reportagens é de 10 22 minutos cada. A primeira reportagem foi exibida pelo programa Fantástico da Rede Globo no dia 27 de outubro de 2013, na qual cientistas são entrevistados e dão sua posição a favor do uso dos animais e uma visão de como eles poderiam ser substituídos no futuro. A segunda reportagem é do programa CQC da Rede Bandeirantes, no quadro “Documento da Semana”, exibida em 28 de outubro de 2013, na qual o apresentador entrevista os ativistas que invadiram o Instituto e resgataram os cães e também os representantes do Instituto que descrevem os prejuízos para as pesquisas. O programa mostra, ainda, irregularidades de documentação do Instituto e a comercialização ilegal dos cães resgatados por alguns dos ativistas. A proposta da aula 05 é dividir os alunos em três grupos de forma que eles possam se organizar para preparar um seminário sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas. Para isso, a professora solicitará que os alunos escolham o grupo de sua preferência, levando em consideração sua reflexão sobre as informações recebidas até o momento. Aqueles que não definirem uma posição ou que não estiverem presentes nesta aula serão orientados a participar do grupo da legislação. Os grupos e tarefas a serem escolhidos pelos alunos são: Grupo 01: apresentar argumentos a favor do uso de animais como cobaias. Grupo 02: apresentar argumentos contra o uso de animais como cobaias. Grupo 03: apresentar a legislação que rege o uso de animais como cobaias no país. Para esta aula foram selecionados textos de revistas de circulação nacional e de artigos científicos que abordam a importância das pesquisas científicas e do uso de animais como cobaias para serem entregues aos grupos como fonte de pesquisa, além da Lei 11.794/2008 que estabelece os procedimentos para o uso científico de animais no Brasil. Todos os grupos receberão o mesmo material, sendo orientados a utilizá-lo como ponto inicial de pesquisa, devendo também, buscar outras fontes. O material selecionado para ser entregue para os alunos está descrito no Quadro 2 e consta dos anexos A a H. 23 Quadro 2: Material impresso para pesquisa em grupo Tipo Reportagem Reportagem Divulgação científica Artigo científico Reportagem Reportagem Legislação Notícia Título/Assunto Crime em nome do amor. Aborda o resgate de cobaias feito por ativistas dos direitos dos animais e como é a pesquisa científica em outros países. O fim das cobaias. Aborda a importância das cobaias para a pesquisa científica e a busca por alternativas a essa prática. Corpos em evidência. Aborda o debate moral e metodológico que envolve os métodos de pesquisa científica e o uso de cobaias. Métodos alternativos à utilização de animais em pesquisa científica: mito ou verdade? Aborda a aplicabilidade de métodos alternativos ao uso de cobaias em pesquisas. ANVISA analisa legislação para uso de animais em laboratório. Aborda as responsabilidades legais dos órgãos envolvidos em pesquisas científicas. A revolução dos Beagles. Aborda o paradoxo entre a defesa dos direitos dos animais e o consumo de produtos relacionados com pesquisas com cobaias. Lei 11.794/2008. Regulamenta a lei que estabelece os procedimentos para o uso científico de animais no Brasil. Argumentos a favor e contra o uso de animais em pesquisas científicas. Faz um comparativo entre os argumentos utilizados por cientistas brasileiros. Fonte Revista Veja, edição 2345/2013. Anexo A Revista Planeta, edição 495/2014. Anexo B Revista Minas Faz Ciência, edição 53/2013. Anexo C Revista Ciência e Cultura, volume 60/2008. Anexo D Revista eletrônica Exame.com, 23/10/2013. Anexo E Revista eletrônica Carta Capital, 26/10/2013. Anexo F Página eletrônica da Presidência da República. Anexo G Portal eletrônico de notícias G1, 29/10/2013. Anexo H 24 A proposta da aula 06 é permitir aos grupos se reunirem para analisar os textos entregues e responder às perguntas abaixo, que constam do apêndice H. 1. Que tipo de texto está sendo avaliado? Você já leu textos dessa natureza? 2. Qual seu grau de confiança no texto? Explique. 3. Quais argumentos utilizados (a favor ou contra) nos textos? 4. Para você, os argumentos utilizados são válidos? Justifique. 5. Qual (ais) argumento(s) dos textos seu grupo irá utilizar nos seminários? A aula 07 foi proposta para que os grupos 01 e 02 apresentassem seus argumentos contra e a favor do uso dos animais, com quinze minutos de tempo disponibilizados para cada grupo. A aula 08 foi proposta para que o grupo 03 apresentasse a legislação brasileira que define e regulamenta o uso das cobaias, sendo disponibilizados quinze minutos para isso. Os grupos 01 e 02 deveriam acrescentar mais informações sobre seus temas. A aula 09 foi proposta para fazer um fechamento das discussões possibilitando aos alunos expor seus argumentos pessoais frente às informações apresentadas nos seminários, na forma de produção textual de uma redação, na qual deveriam deixar clara sua posição quanto ao uso de animais como cobaias de pesquisas científicas, utilizando, no mínimo, três argumentos que justificassem sua posição. As orientações da redação constam do apêndice I. 25 3.3 Coleta e tratamento de dados Para verificar os argumentos levantados pelos grupos a favor ou contra o uso de cobaias em pesquisas científicas, foram observados os diálogos durante a realização da sequência das aulas, assim como a redação produzida por eles ao término das atividades. Para o registro dos diálogos as aulas foram gravadas em formato de som utilizando o Tablet Educacional fornecido pelo Ministério da Educação (MEC). Posteriormente foi feita a transcrição de trechos das falas e seleção dos diálogos de maior interesse para a pesquisa. Os nomes dos alunos foram preservados, sendo utilizada numeração para a transcrição das falas sem identificação dos interlocutores, seguindo a ordem de sua participação desde a primeira gravação. Desta forma, cada aluno será sempre identificado pela mesma numeração, na ordem em que sua participação ocorreu, desde a primeira transcrição. Sendo assim, o termo “Aluno 1” identificará o aluno que foi o primeiro a opinar, e toda vez que ele participar de alguma discussão será identificado como “Aluno 1”. Também foram feitas anotações dos diálogos considerados relevantes pela professora/pesquisadora durante as exibições do filme e das reportagens, aulas nas quais não se realizaram gravações em áudio. Para análise das redações o material foi dividido de acordo com o grupo ao qual cada aluno pertencia verificando se eles continuariam defendendo a posição do grupo ou se houve mudança de opinião, levantando-se os argumentos mais utilizados por cada grupo para defender sua posição, por meio de palavras-chave que identificassem argumentos semelhantes. Para a construção dos gráficos foram feitas médias aritméticas simples das palavras-chave utilizadas para identificar os argumentos, sendo que cada qual foi computado uma vez por aluno, mesmo que ele o tenha repetido. 26 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Esta seção vem apresentar os resultados e fazer sua discussão. Para melhor entendimento, ela foi dividida em duas partes que apresentam a dinâmica da sequência didática e as redações produzidas pelos alunos. Na análise da dinâmica da sequência didática é apresentado e discutido o andamento das aulas e a participação dos alunos com a utilização de trechos dos diálogos gravados e transcritos. Já na análise das redações são apresentados, através da construção de gráficos, e discutidos os argumentos utilizados pelos alunos para defenderem seu posicionamento quanto ao uso de animais como cobaias. 4.1 Análise da sequência didática A sequência didática planejada para este trabalho precisou ser acrescida de mais uma aula devido a um imprevisto ocorrido com o aparelho de DVD da escola logo no primeiro dia de exibição do filme. Assim, o total de aulas previstas para a sequência didática foi alterado de nove para onze aulas, conforme Quadro 3. Quadro 3: Atividades da sequência didática após alteração do cronograma Aula Assunto/Estratégia 01 Conhecimento prévio dos alunos sobre o uso de animais como cobaias e qual seu posicionamento sobre o assunto, a partir de discussão em aula. 02 Uso de recurso audiovisual para exibição do filme Quase Deuses. 03 Uso de recurso audiovisual para exibição do filme Quase Deuses. 27 04 Uso de recurso audiovisual para exibição do filme Quase Deuses. 05 Atividade em aula para discussão sobre o filme Quase Deuses. 06 Uso de recurso audiovisual para exibição de reportagens de televisão sobre o assunto. Atividade em aula com divisão em grupos e entrega de 07 material escrito para pesquisa. 08 Atividade em aula para análise e discussão dos textos pelos grupos. 09 Atividade em aula com apresentação de seminários. 10 Atividade em aula com apresentação de seminários. 11 Produção textual de uma redação em aula. Com relação a dinâmica das aulas, na aula 01 os alunos foram instigados a se posicionarem sobre o tema a partir de seus conhecimentos e da discussão em sala. Primeiramente, os alunos foram estimulados a dizerem o que conheciam sobre biotecnologia, transgênicos, clonagem e se esses temas estavam presentes em seu cotidiano. A seguir, é apresentado um trecho da discussão sobre o significado de biotecnologia. PROFESSORA: Gente, o que vocês sabem sobre esse tema aqui: BIOTECNOLOGIA (anotação no quadro). ALUNA 1: Ah, eu já ouvi falar (muitos murmúrios). ALUNA 2: Bio é vida. ALUNA 3: Bio é vida. Vida de Tecnologia, deve ser. ALUNA 4: Vida tecnológica. ALUNA5: Biodiversidade. ALUNO 6: Logia é estudo, não é? PROFESSORA: Logia é estudo, então estudo da técnica... 28 ALUNA 2: Estudo da técnica da vida (muitos murmúrios). No diálogo acima os alunos e a professora foram encadeando as ideias sobre o significado da palavra biotecnologia. Muitos tinham vergonha de externar seu conhecimento e o faziam por murmúrios. Com o andamento da aula os alunos foram ficando mais à vontade e participando mais ativamente da discussão. Em outro momento da aula a professora e os alunos discutiram sobre transgênicos. PROFESSORA: Já ouviram falar sobre isso aqui: OGM’s (anotação no quadro). ALUNO 9: Não... (murmúrios) PROFESSORA: Organismos geneticamente modificados... (anotação no quadro). Traduzindo... é um transgênico, já ouviram falar? ALUNA 1: Transgênico é o que, professora? PROFESSORA: É um organismo que foi modificado geneticamente... ALUNA 5: Como assim? PROFESSORA: A genética dele, o DNA dele foi trabalhado em laboratório, por exemplo, já ouviram falar da ovelha Dolly? ALUNO 9: Já... Já... (murmúrios). ALUNO 11: Não é proibido fazer isso, não? PROFESSORA: Não, é proibido clonar gente, é proibido fazer clonagem humana... ALUNA 2: Mas não clona a pessoa inteira não... PROFESSORA: Hoje em dia estuda-se a clonagem de parte de tecidos, de órgãos, especificamente, mesmo assim esbarra-se em questões éticas, não em questões técnicas. A tecnologia já está mais ou menos delineada, mas a questão ética é que não deixa. ALUNA 2: Ah, eu acho que podia, porque tem tanta gente precisando de órgão aí, você clona lá, vai ser bem mais prático, né! ALUNA 5: Mas só nesse ponto, né, por que ... ALUNA 2: Não, mas vai clonar só o órgão, não vai clonar a pessoa por inteiro. Nota-se pelo trecho acima que o termo transgênico ainda não é dominado pelos alunos, mas, ainda assim, eles próprios questionam sobre a ética dessa tecnologia ao perguntar se não é proibido, discutindo, também, possíveis benefícios trazidos por ela. Em muitos momentos os alunos 29 interrompem a professora ou o colega para questionar ou colocar sua posição sobre o assunto. Ainda nessa aula, os alunos foram questionados sobre o que sabiam sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas e sobre qual seu posicionamento, levando-se em conta o conhecimento que tinham do tema até então. A seguir, é apresentada uma parte dessa discussão. PROFESSORA: O que vocês já ouviram falar sobre isso aqui: uso de animais como cobaias?(anotação no quadro). ALUNO 10: Testa produtos nos animais. ALUNA 5: Faz experiências. ALUNA 1: Eu acho isso um absurdo! ALUNO 14: Eu também (murmúrios)! ALUNA 1: Por que os animais são gente como nós. (Risos, murmúrios, muita participação ao mesmo tempo, alguns reprovando o uso dos animais, outros defendendo). ALUNA 2: Eu acho errado... não sei o quê que eu acho... por que sem os animais não tem medicamentos... ALUNO 15: Alguns tipos de experiências tem que testar nos animais, pra depois testar neles (pessoas), por isso que eu tô falando isso... ALUNA 3: Vai testar na gente e a gente vai morrer?! Neste momento da discussão havia muita conversa paralela, mas os mesmos que conversavam também participavam do debate. Os alunos estavam preocupados em fazer anotações dos termos novos que a professora estava colocando no quadro para estudarem para a prova. Mais uma vez os alunos levantam questões éticas, desta vez sobre do papel dos animais no convívio humano e sobre a necessidade de seu uso como cobaias. Nas aulas 02, 03 e 04 foi exibido o filme “Quase Deuses”. No primeiro dia de apresentação o aparelho de DVD da escola apresentou problemas e uma aluna se prontificou a buscar o seu em casa. Dessa forma, foi necessário negociar com outro professor que cedesse sua aula para a continuação da exibição, o que alterou o cronograma da pesquisa. Antes de iniciar a exibição foi dada uma visão geral sobre o filme enfatizando que se tratava de uma história real. 30 Na aula 05 foi dada orientação sobre o preenchimento do questionário a ser entregue ao final das exibições, que não será analisado nesta pesquisa, mas que consta do apêndice G. Durante as exibições do filme os alunos se manifestavam esparsamente sobre alguma cena ou questionavam algum termo que não entenderam. Por exemplo, durante a primeira cena em que o pesquisador faz uma incisão no cão adormecido para alterar seus vasos sanguíneos com o objetivo de provocar queda em sua pressão arterial, alguns alunos fizeram cara de nojo e expressaram repugnância. Com o decorrer do filme isso não voltou a acontecer. A seguir, são apresentados alguns trechos dos diálogos que ocorreram ao longo do filme. ALUNA 17: A língua do chow-chow (cão) é azul pelo mesmo motivo que a dos bebês? PROFESSORA: Será que é? Vamos ver... ALUNA 1: O que é sangue venoso? PROFESSORA: É o sangue contido nas veias, que não está oxigenado. ALUNO 18: Para que serve o respirador? PROFESSORA: É ele que vai ventilar os pulmões durante a cirurgia. Nestas participações os alunos expõem suas dúvidas quanto a termos que eles ainda não conheciam indicando que o filme traz novos conhecimentos permitindo um crescimento cultural e intelectual dos alunos. Na aula 05, após a última exibição do filme, foi feita uma discussão sobre as perguntas do questionário, de forma a ajudar os alunos em seu preenchimento. No trecho da discussão abaixo os alunos mostram que perceberam os dois principais motivos do uso dos cães pelo pesquisador do filme: custo baixo, pois os cães eram recolhidos na rua e semelhança do organismo do cão com o dos bebês do filme. Havia muita conversa paralela, o que impediu o reconhecimento de algumas falas. PROFESSORA: O que vocês acharam do filme?(muita conversa paralela) Vamos entender o que aconteceu no filme? Primeira pergunta: Qual o argumento utilizado pelo Doutor para o uso dos cães nas pesquisas? 31 ALUNA 16: Uso de cães abandonados nas ruas para pesquisas médicas, ou seja, para curar pessoas. ALUNA 3: Por que os órgãos deles parecem com os do bebê. No trecho abaixo os alunos ficam em dúvida sobre o motivo da língua dos cães e a cor dos bebês doentes serem azuis. Eles não conseguiram perceber, sozinhos, que ambos tinham falta de oxigenação, o que levava à cor azul, mas por motivos diferentes: o bebê pela doença e o cão pelo procedimento cirúrgico que simulou a doença. Dessa forma, foi necessária a intervenção da professora, explicando como ocorreu essa relação. PROFESSORA: Gente, a pergunta 2: por que a cor dos bebês e da língua dos cães era azul? ALUNA 1: Porque eles tinham dificuldade de oxigenação do sangue, alguma coisa assim. PROFESSORA: A aluna 5 falou que é por falta de respiração. Eles não conseguiam respirar? Eles repiravam, não é? ALUNA 12: Então por quê que era? PROFESSORA: Eles não tinham dificuldade de inspirar e expirar o ar, o oxigênio é que não chegava onde precisava. Então não era um problema de falta de respiração, era um problema de falta de oxigenação. Aluna 5, sua resposta não está errada não, mas quando a gente fala que o oxigênio não está chegando onde precisa, a gente está dando mais detalhes. ALUNA 1: E o dos cachorros? PROFESSORA: Nos cachorros ele cortou, desviou, diminuiu o tamanho do pulmão do cachorro para criar o mesmo efeito do bebê. Eles alteraram o pulmão do cachorro para que o oxigênio fosse em menor quantidade. ALUNO 20: É falta de oxigenação nos dois? PROFESSORA: Gente, na questão 2 são dois casos: um é o bebê. Por que o bebê ficava azul? ALUNA 12: Por falta de oxigenação no sangue. PROFESSORA: No cachorro também era por falta de oxigenação, só que era por motivos diferentes. No caso o bebê já nasceu com problemas no coração. No cachorro, para que se conseguisse que ele ficasse com falta de oxigenação, para eles 32 conseguirem fazer a cirurgia, primeiro eles alteraram o pulmão do cachorro, aí ele ficou com a língua azul para eles poderem estudar uma alternativa para isso. Nestes trechos, a professora vai encadeando as ideias, juntamente com os alunos, de forma que eles possam perceber a relação entre os fatos. Ela ainda ajuda os alunos a perceberem que, apesar de suas respostas estarem corretas, poderiam se tornar ainda mais precisas quando são apresentados mais detalhes do que ocorreu. Neste mesmo trecho foi chamada a atenção dos alunos para a diferença entre a doença do bebê, que foi um acontecimento natural, e a situação do cachorro, que foi induzida pelos pesquisadores. No próximo trecho os alunos conseguiram perceber muito bem as cenas de preconceito racial exibidas no filme. PROFESSORA: Questão 4: No filme são apresentadas cenas de preconceito racial. Descreva duas. ALUNA 12: Uma foi no banheiro e outra foi na operação também. ALUNO 15: Quando ele entra no banheiro. ALUNA 12: Na hora da cirurgia também. ALUNO 14: Aquela hora que ele foi reclamar da classificação dele. ALUNO 15: Que o salário do negro era diferente. ALUNO 18: Na hora que ele entra com o Dr. e ele tem que entrar por outra porta. No filme, Vivien é discriminado por ser negro e, também, por estar sempre ao lado do médico chefe do hospital, o que causa inveja e incompreensão de algumas pessoas do local. Os alunos conseguem perceber estas relações e descrevem, além das citadas acima, outras cenas de preconceito. A próxima pergunta do questionário provoca discussões e muita participação ao levar os alunos a se posicionarem sobre a possibilidade de alternativas ao uso dos cães como cobaias no filme. PROFESSORA: Questão seis: Ao longo de todo o filme os cães são usados como cobaias das pesquisas científicas do Dr. Blalock. Em algum momento os cães poderiam ter sido substituídos por outros métodos que não utilizassem animais? ALUNA 16: Eu não acho não. 33 ALUNO 20: Não. ALUNA 23: Eu acho que podia ser substituído por outro animal. ALUNO 21: Eu não acho não. ALUNO 20: Cachorro não tem alma não. ALUNA 2: Acho que podia usar o ser humano de uma vez. ALUNA 5: É. ALUNA 1: Acho que podia ser usado o macaco. ALUNA 2: O porco também. O porco não parece com a gente? PROFESSORA: Olha só, gente, tem duas questões: se vamos substituir um cachorro por outro bicho, o problema será que não é o mesmo, o uso do animal? Você só está trocando de um para outro. A outra questão que vocês colocaram muito bem: escolheram um que fosse mais próximo do coração do bebê, mas será que o cachorro seria o mais indicado para fazer, será que o porco, que nós já comentamos... ALUNO 20: Mas eles não iam achar um porco na rua! PROFESSORA: Nós já comentamos aqui que os órgãos do porco são mais próximos do nosso corpo, mas o porco acha na rua? ALUNO 9 : Não... (muita discussão) PROFESSORA: Então, poderia substituir? ALUNA 23: Até poderia. PROFESSORA: A resposta é pessoal. Neste momento não tem certo nem errado. Vocês é que vão me dizer. Neste trecho os alunos se envolvem na discussão sugerindo alternativas ao uso dos cães, que, segundo eles, poderia ser substituído por outro animal, ou, até mesmo pelo homem. De início, não percebem que trocar um animal por outro não soluciona o problema do uso das cobaias. Por outro lado, percebem que existem animais cujo organismo é mais próximo ao do ser humano, porém, conforme eles mesmos indicam, não são encontrados sem custos pelas ruas, como ocorreu com os cães. Apesar de já ter conversado com os alunos sobre as gravações e de receber o consentimento verbal da turma, no início desta gravação eles brincaram sobre os direitos de imagem. Mais uma vez foi reforçado como seriam feitos os trabalhos e que nas transcrições não seriam identificadas as falas dos alunos individualmente. 34 Os alunos estavam muito agitados e preocupados com a parte escrita que era para entregar e o que poderia cair na prova. Perguntavam a todo o momento como deveria ser escrita a resposta, se estava correta. Devido ao grande tumulto, muitos alunos não escutavam a discussão e depois perguntavam tudo novamente. Havia muita conversa paralela, e, apesar de muitas participações, alguns alunos ficaram de fora das discussões, limitandose a anotar as repostas. Na aula 06 foram exibidas duas reportagens sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas. Tendo em vista o ocorrido na apresentação do filme e como não havia horário vago na sala de vídeo, a apresentação das reportagens foi feita em sala de aula usando a tela de um computador portátil. Durante as exibições não houve muita intervenção dos alunos, pois o volume não era muito alto e concordaram em manter o silêncio para que todos pudessem escutar. Ao final das exibições os alunos foram incentivados a comparar as visões apresentadas no filme e nas reportagens sobre a importância das pesquisas científicas, do uso dos animais e de possíveis alternativas a este procedimento. Os alunos acharam os vídeos interessantes e ficaram surpresos com a reportagem do programa CQC da Rede Bandeirantes, por se tratar de um programa de humor, o que não impediu que a reportagem mostrasse os fatos ocorridos na invasão do instituto de pesquisa e no resgate das cobaias. No trecho seguinte os alunos discutem alternativas ao uso das cobaias após assistirem às reportagens, propondo e criticando soluções. PROFESSORA: Então, após os vídeos, volto a fazer a mesma pergunta do questionário do filme: é possível substituir um animal de pesquisa por outro método? ALUNO 9: Não, não, acho que não... (muitas participações e murmúrios). ALUNA 5: Em alguns casos é. Sou a favor, desde que os animais não sofram. ALUNA 23: Por que não pegam cães de rua? Tem tantos por aí! ALUNO 9: É mesmo! PROFESSORA: Seria mesmo possível usar cães de rua para pesquisas? ALUNA 2: Acho que não, pois alguns cães podem ter doenças. 35 PROFESSORA: Isso mesmo! Os animais de laboratório são criados para que determinadas características se mantenham. Mas, será que não poderia ser usada a clonagem? ALUNA 1: Mas aí ia usar o ser humano? Ia ter duas pessoas iguais? O ser humano ia sofrer! PROFESSORA: Mas não poderia clonar um órgão específico, por exemplo, o fígado? ALUNA 2: Mas professora, o teste não seria bom porque ia utilizar somente um órgão e o remédio circula pelo corpo todo! A pergunta final que havia sido feita após a exibição do filme é retomada neste momento, sob novo olhar, já que os alunos agora têm informações das reportagens que não foram abordadas no filme. Aqui a Aluna 5 faz uma observação sobre o sofrimento dos animais, informação que não havia sido abordada no filme, mas que é um dos principais argumentos utilizados pelos que são contra o uso das cobaias e que foi mostrado nas reportagens. A mesma Aluna 5, que concordou com o uso do homem como cobaia após o filme, muda de opinião após as reportagens, como mostrado no diálogo acima. A participação da Aluna 2 indica apropriação de novos conhecimentos quando ela justifica o motivo pelos quais cães de rua não podem ser usados como cobaias. Outra questão interessante foi a relação que a Aluna 1 fez entre clonagem e sofrimento do ser humano. Na sequência dos diálogos discute-se a utilização de voluntários como cobaias de pesquisas e os alunos expõem suas opiniões gerando grande alvoroço na turma. Não foi possível extrair todos os trechos desse diálogo devido a ruídos na gravação, mas a pesquisadora percebeu que os alunos não imaginavam como alguém poderia ser voluntário em uma pesquisa científica. PROFESSORA: E se usasse o próprio ser humano? ALUNA 1: Quem iria ser doido para deixar? (alvoroço) PROFESSORA: Muitas pesquisas usam voluntários. ALUNO 24: Acho que não ia aparecer ninguém. ALUNA 23: Só se pegassem os presos e obrigassem a participar. (Alguns concordam) Diante da sugestão da Aluna 23 sobre obrigar presos a participarem de pesquisas, alguns alunos concordam usando como justificativa que os presos 36 poderiam ter sua pena diminuída como recompensa pela participação. Outros discordam argumentando que se os presos forem obrigados a participar estaria descaracterizado o voluntariado. Na aula 07 os alunos foram divididos em três grupos, a favor, contra e legislação, sendo orientados a escolher o grupo de sua preferência levando em consideração sua reflexão sobre as informações recebidas até o momento. Aqueles que não haviam definido uma posição ou que não estavam presentes nessa aula foram orientados a participar do grupo da legislação. Mesmo com estas observações alguns alunos se ligaram ao seu grupo por afinidade com as pessoas e não com o tema. Estando já divididos foi entregue para cada grupo um conjunto de textos de fontes variadas, como revistas de opinião, variedades, científicas e virtuais, além da principal lei brasileira sobre o assunto, de forma que todos tinham o mesmo material inicial para pesquisa. Os grupos foram orientados a buscarem outras fontes complementares de informações. Os integrantes dividiram o material entre si para que cada um fizesse uma análise preliminar do texto que seria compartilhada com o restante do grupo em outro momento. As dúvidas foram com relação ao tipo de texto apresentado e como seria desenvolvido o seminário. Na aula 08 os grupos deveriam se reunir para analisar os textos entregues e responder às perguntas do apêndice H. Apesar da disponibilização da aula com esta finalidade os alunos se mostraram pouco interessados e preferiram fazer trabalhos de outras disciplinas que deveriam ser entregues nesta data. Assim, esta aula não atingiu seu objetivo de permitir a análise dos textos e a preparação dos argumentos para os seminários. Os alunos foram lembrados das regras para os seminários e somente o grupo legislação fez questionamentos sobre se haveria disponibilização de projetor multimídia para os mesmos. Na aula 09 os grupos 01 e 02 apresentaram seus argumentos contra e a favor do uso dos animais. Apesar de terem sido orientados na aula anterior, alguns alunos disseram que “não sabiam” que o seminário seria nesta data. Assim foi disponibilizado um tempo para que os grupos se organizassem. 37 Foram relembradas as regras do seminário e foi sugerido que os alunos fizessem anotações sobre os argumentos do grupo contrário para que pudessem preparar a réplica e a tréplica. Cada grupo teve quinze minutos para fazer suas considerações, sendo que o grupo Contra iniciou a discussão. Durante os seminários a participação da professora com relação às discussões foi pontual, somente interferindo quando surgia uma dúvida que os próprios alunos não conseguiam responder. O grupo Contra iniciou o seminário fazendo leituras de trechos dos textos que receberam anteriormente, destacando a ineficiência dos testes aplicados em cobaias animais. Logo após, o líder do grupo discute o que foi lido e o grupo segue intercalando leitura de trechos dos textos com as discussões. ALUNA 2: Talvez vocês sejam a favor do uso dos animais mas, querendo ou não, eles nunca são parecidos com os seres humanos, eles têm uma genética completamente diferente daquela dos humanos e sua reação com medicamentos ou cosméticos não serão, necessariamente, a mesma que uma pessoa teria. ALUNO 10: (continuou a leitura) Só o fato dos animais serem mantidos em cativeiro já os torna pouco parecidos com indivíduos da mesma espécie. ALUNA 23: (continuou a leitura) Quanto à política de proteção dos animais,considera as pesquisas um mal necessário. ALUNO 10: (continuou a leitura) Os resultados em testes com animais não são confiáveis. ALUNA 2: E outra coisa também, eu vi um negócio até interessante, que a pessoa mesmo pode concordar em doar seu cadáver para pesquisas, o que diminuiria o número de testes em animais. Então, talvez seria uma alternativa para parar de testar em animais e testar em cadáveres, pois depois que está morto, só vai para debaixo da terra, não serve para mais nada. Neste momento o grupo A Favor tenta interferir e integrantes do próprio grupo procuram organizar a discussão. O grupo Contra continua lendo trechos que discutem alternativas ao uso dos animais, como modelos matemáticos e usam argumentos que remetem aos sentimentos das pessoas com relação aos animais. 38 ALUNA 2: A tecnologia é muito bem capaz de criar algo parecido com o corpo do ser humano ao invés de ficar usando animais, pois da mesma forma que nós temos a nossa vida, eles também têm a deles, da mesma forma que nós sentimos dor, eles também sentem dor. ALUNO 27: (leu sobre o teste que foi feito em cães que os obrigava a inalar a fumaça de cigarros, o que chocou a população europeia na época) Isso eu acho muito errado, pois se faz mal ao ser humano, imagina pro cachorro! Os alunos do grupo A Favor queriam interromper a todo o momento para rebater os argumentos apresentados pelo grupo Contra, sendo necessário fazer várias intervenções e lembrar a todos que cada grupo teria sua vez de expor seus argumentos e que, posteriormente, haveria o momento da discussão livre. O grupo Contra finaliza esta etapa de sua participação abordando o uso da clonagem como alternativa, além de provocar os sentimentos das pessoas. ALUNA 2: Também pode ser usado a clonagem, não precisa clonar um ser humano inteiro, pode clonar um tecido específico. Vocês estão com o coração muito duro, vocês estão afastados de Deus. Vamos pegar os bichinhos de vocês pra ver se vocês vão deixar usá-los para pesquisas! O trecho acima é muito interessante, pois mostra a mudança de posição da Aluna 2 que, na aula 6 criticou a eficácia do uso de apenas um órgão e, agora, defende esta utilização. O grupo A Favor inicia sua participação lendo um texto questionando a hipocrisia das pessoas que são contra o uso de animais para pesquisas, mas não abrem mão do uso de medicamentos que foram testados neles. Outro texto incita as pessoas contrárias ao uso de animais a assinarem um termo no qual se abstêm de usar medicamentos que foram testados em cobaias. O grupo se atém à leitura de trechos de textos que demonstram seus argumentos, mas não defendem sua posição com ideias próprias. Neste momento interferências impediram a transcrição de alguns trechos. 39 ALUNA 5: (leitura de trecho que fala da ineficácia de modelos computacionais para as pesquisas) Não há organismo que reproduza o ser humano mas os animais se aproximam muito, o que deve ser feito é minimizar o uso e o sofrimento dos animais. Neste trecho a Aluna 5 fundamenta sua mudança de opinião, mostrada anteriormente, com a leitura de trechos do material impresso que serviu de base de argumentação dos grupos, indicando a apropriação do conhecimento disponibilizado. O grupo ainda leu trechos que informam que algumas pesquisas têm que utilizar animais antes de passar para a fase de testes em humanos, por força legal. Também leram sobre a inviabilidade de se fazer testes em órgãos isolados, já que os medicamentos agem no corpo como um todo. Indicaram vários medicamentos, tratamentos e vacinas que precisaram dos testes em animais para poderem ser produzidos. Citaram os cuidados que devem ser dispensados às cobaias, como anestésicos, não repetição de experiências e eutanásia. O sinal tocou, mas os alunos concordaram em permanecer mais um pouco para que o grupo pudesse terminar seus argumentos. Finalizando as atividades do dia a professora solicitou que os alunos esclarecessem alguns pontos no dia seguinte. PROFESSORA: Acho que todos puderam perceber os principais argumentos utilizados pelos grupos, mas eu quero que vocês expliquem melhor amanhã, dois pontos: o grupo A Favor disse que “não é possível humanizar animais enquanto se aceita humanos de segunda classe”. O que isso quer dizer? Segundo ponto: quero que o grupo Contra esclareça por que o ser humano é melhor que os animais, por que, do ponto de vista que os argumentos estão sendo colocados, o ser humano é melhor do que os animais. Isso é verdade? Na aula 10 os alunos preferiram deixar o grupo Legislação apresentar seus argumentos e utilizar o tempo restante para os debates. O grupo 03 teve quinze minutos para apresentar a legislação brasileira que define e regulamenta o uso das cobaias no país. Logo após, os grupos 01 e 02 puderam acrescentar mais informações sobre seus temas. 40 O grupo 03 iniciou explicando o que é legislação de forma geral. Em seguida, leram trechos da lei que informam quais as instituições que podem utilizar as pesquisas com cobaias, o que são atividades de pesquisa científica, as normas de minimização de sofrimento dos animais e quais as penalidades para quem descumprir as regras. Após o grupo ler os trechos da legislação foi necessária a intervenção da professora, no sentido de criar uma reflexão sobre o que foi lido. PROFESSORA: Então, pode ou não usar os animais? GRUPO: Pode. PROFESSORA: Em que caso pode ser usado e por quem? ALUNA 28: A lei diz quem pode usar são os pesquisadores das instituições. PROFESSORA: Todo tipo de pesquisa pode usar animais? GRUPO: Não. PROFESSORA: Quando que pode usar o animal? Por exemplo, para cosméticos pode usar animal? GRUPO: Pode, segundo a lei. PROFESSORA: Pode usar qualquer tipo de animal ou tem restrição? ALUNA 28: Eu acho que não. ALUNA 12: Aqui tá falando quais que podem usar, por exemplo, cães, roedores... PROFESSORA: Tem alguma exceção? Por exemplo, pode usar algum animal que esteja em risco de extinção? GRUPO: Não. PROFESSORA: Para utilizar os animais tem uma série de procedimentos. Eu gostaria que vocês explicassem um pouco melhor como são esses procedimentos. É só chegar lá e pegar o animal? ALUNA 12: As instituições têm que apresentar um projeto explicando por que querem utilizar os animais, quais serão os procedimentos, o que será feito deles depois que acabar o experimento. ALUNA 28: Tem que ser tudo preestabelecido. PROFESSORA: Uma das preocupações é que os animais não sintam dor. Como deve ser feito? ALUNA 28: Aplicação de analgésicos. ALUNA 12: O animal deve ser deixado inconsciente. 41 No trecho acima a professora vai solicitando a participação do grupo de forma que eles conseguissem explicar, com suas próprias palavras, o que determina a legislação. Pode-se perceber que os alunos compreenderam o que a lei preconiza e como as pesquisas devem ser realizadas. A seguir, um aluno que não era do grupo Legislação questiona o grupo sobre o uso de animais mortos. ALUNA 28: Alguém perguntou se pega animal morto pra fazer a pesquisa e eu disse que não. ALUNO 29: Mas é a maioria, não é, professora? PROFESSORA: Ao contrário! A minoria dos experimentos com animais se faz com eles mortos. ALUNO 27: Pega vivo e devolve morto! Percebe-se neste trecho que os alunos ainda não têm bem clara a visão de como as pesquisas acontecem na prática. A intervenção do Aluno 27 é muito interessante, resumindo o que acontece com os animais. Os grupos não estavam mais se contendo, querendo partir para a discussão, o que estava gerando muito tumulto. A professora finalizou a participação do grupo com um questionamento sobre o papel da legislação em vigor. PROFESSORA: Para finalizar a parte da legislação, eu gostaria que vocês compreendam que qualquer uso de animal tem uma legislação por trás que diz o que deve e o que não deve ser feito. Agora, uma questão que se coloca é: será que esta legislação está correta? Será que existem outras coisas que deveriam constar da legislação? Isto é um debate que ainda está sendo feito pela sociedade. O grupo A Favor apresentou sua réplica, rebatendo pontos levantados pelo grupo Contra no dia anterior, utilizando trechos dos textos e cenas do filme como justificativas. ALUNA 5: A medicina ainda não está avançada ao ponto de eliminar o uso de animais. 42 ALUNA 1: A legislação diz que qualquer pesquisa, antes de ser utilizada em humanos deve ser utilizada em animais. ALUNA 3: O grupo Contra usou o argumento de que não se pode usar os animais, pois os organismos são diferentes, mas como vimos no filme, o cachorro foi utilizado pela semelhança com o ser humano. ALUNA 5: Aqui na revista está falando da semelhança dos organismos, que em grande parte das pesquisas dá sim, pra utilizar os animais. A professora pede que a Aluna 16 leia novamente a pergunta sobre humanização de animais e que o grupo se posicione sobre o assunto. ALUNA 16: (leu o texto) Como podemos humanizar os animais se as relações entre os próprios humanos estão cada vez menos humanizadas, se a humanidade está cada vez mais sem caráter? PROFESSORA: O que é humanização de animais? ALUNA 1: É querer que os animais sejam tratados com ética. PROFESSORA: A questão da humanização dos animais passa por dois pontos: um é este que vocês estão citando, sobre a ética, sobre os direitos dos animais, se eles têm sentimentos, que eles sentem dor. Isso tudo é uma questão ética. Agora tem também a questão que os seres humanos estão querendo transformar os animais em gente. ALUNO 9: Muitos cachorros andam até de roupinha! Tem até cosméticos! Mais uma vez os alunos colocam a questão da ética em evidência e levantam a situação na qual os humanos tentam colocar os animais, não na sua posição de animais que têm direitos, mas na qualidade de um ser humano em forma de animal. Alguns alunos apresentam visões polêmicas sobre a importância do ser humano com relação aos animais. ALUNA 30: Ontem o grupo argumentou que nós não temos coração, que não temos Deus, por que a gente quer usar o animal, só que aí vem a pergunta: Você prefere usar um animal, por que, por exemplo, uma pessoa morre, aí os órgãos podem ser doados para utilizar em pessoas que estão com problema, por exemplo, no coração. Então o grupo disse que podem ser utilizados corpos para pesquisas, só que é preferível usar os órgãos para pesquisa ou para doar para alguém que precisa? Assim vai ajudar outra vida, vai ajudar alguém a sobreviver. 43 No trecho acima fica evidente a posição de superioridade do homem em relação aos animais, quando a Aluna 30 defende o uso de órgãos para transplantes ao invés de serem usados em substituição a um animal. Em seguida o grupo Contra apresenta sua tréplica lendo alguns trechos dos textos como fundamentação, como uma passagem que rebate a eficácia dos testes em animais com relação à semelhança entre organismos. No trecho seguinte um aluno utiliza questões sobre caráter para defender os animais. ALUNA 31: Vocês já viram como que o ser humano é ruim, é falso. Cachorro, se você está triste, ele está lá com você. Eu acho que deveria usar é o ser humano! ALUNA 5: Eu prefiro que meu cachorro morra do que minha mãe! (intervenção do grupo A Favor) Finalizada a tréplica passa-se ao debate livre no qual um grupo coloca sua posição e o outro revida. Foi um momento de intensa discussão, chegando mesmo a não ser possível identificar as falas na gravação devido ao grande barulho e o número de pessoas que queriam falar ao mesmo tempo. ALUNA 1 : Nenhum pesquisador sente prazer em utilizar os animais, eles utilizam por que é necessário. ALUNA 31: Mas por que o cachorro tem que pagar pelo ser humano? ALUNA 21: Cachorro é cachorro! ALUNA 3: Vocês sugeriram o uso de cadáveres, mas os resultados seriam confiáveis? Neste momento houve muita discussão de ambos os lados, o que não permitiu que os grupos respondessem às perguntas feitas e todos queriam falar ao mesmo tempo defendendo arduamente suas posições. A Aluna 25 começou a organizar os momentos das falas, por iniciativa própria, já que os grupos não chegavam a um consenso sobre quem falaria. Mais uma vez surgem posições que colocam o ser humano em situação superior aos animais. ALUNA 3: O grupo questionou sobre o teste que fizeram os cães inalarem fumaça. Mas se os testes fossem feitos com humanos, eles também iriam inalar a fumaça. E o bem estar do ser humano? 44 ALUNA 16: Alguém do grupo disse que não pode usar os animais por que são fofinhos e bonitinhos. Só por causa disso? Como o grupo Contra não havia respondido à questão feita pela professora no dia anterior, ela pediu que o grupo se posicionasse nesse momento. PROFESSORA: Ontem eu pedi que o grupo Contra esclarecesse sobre o ponto que o ser humano é considerado melhor que os animais. Gostaria que o grupo se posicionasse quanto a isso. ALUNA 2: Eu não acho que o ser humano é melhor que os animais não, tanto que estamos contra o uso de animais. Da mesma forma que temos vida e sentimos dores, eles também sentem. ALUNO 10: Os seres humanos têm sentimentos, os animais também têm. Não é por que somos contra fazer testes em animais que tem que fazer em humanos não. Temos que procurar outros métodos para testar remédios e outras coisas. Intervenções do grupo A Favor: ALUNA 3: Eu acho que o sentimentos do animais são completamente diferentes dos sentimentos do ser humano. ALUNA 16: Se formos ficar presos aos sentimentos dos cachorros, não podemos usar nenhum medicamento, porque todos são testados nos animais. ALUNA 1: Respondendo a pergunta do grupo Contra em relação ao bem estar dos animais, nenhum cientista trabalha com animais por prazer e existem leis que defendem os direitos dos animais (leu parte de um texto). Ninguém vai utilizar os animais sem utilizar a ética. ALUNA 31: Mas uma das reportagens, a do resgate dos cães, mostrou vários exemplos de maus tratos. Pode ter uns que não maltrata, mas têm outros que sim. ALUNA 3: Mas esta reportagem mostrou também que anos de pesquisas foram destruídas pela invasão também. Nos trechos acima se pode perceber que o papel dos animais na sociedade está ligado ao sentimentalismo, não sendo colocadas questões relacionadas ao papel biológico dos mesmos, como sua importância para o equilíbrio ambiental ou sobre como foi a evolução dos animais e do homem. 45 Neste momento a discussão foi encerrada pelo toque do sinal. Alguns trechos das gravações não puderam ser transcritos devido, geralmente, ao tumulto produzido pelos alunos que tentavam falar ao mesmo tempo. Em outros momentos a gravação ficou muito baixa e com muitos ruídos. A participação dos alunos pode ser notada pela quantidade de intervenções mostradas nos diálogos e pelo número de alunos que opinaram, havendo trinta e uma participações de diferentes alunos do total de trinta e sete que compõem a turma. Foi possível perceber, em vários momentos, que os alunos utilizaram o material fornecido fazendo leitura de trechos que justificassem e apoiassem sua argumentação, atingindo os objetivos da pesquisa com relação a permitir aos alunos ter contato com fontes diversas de informação para a construção de seus próprios argumentos. Como exemplo dessa apropriação pelo grupo Contra pode-se citar o seguinte trecho dos diálogos: ALUNA 2: Talvez vocês são a favor do uso dos animais mas, querendo ou não, eles nunca são parecidos com os seres humanos, eles têm uma genética completamente diferente daquela dos humanos e sua reação com medicamentos ou cosméticos não serão, necessariamente, a mesma que uma pessoa teria. Por exemplo, (leitura do trecho do material impresso) “o órgão governamental dos Estados Unidos, responsável pelo controle de medicamentos e cosméticos, determinou que as respostas que o olho e a pele de coelhos apresentam para essas substâncias são as mesmas dos olhos e da pele humana em menos da metade dos casos”. Já como exemplo dessa apropriação pelo grupo A Favor pode-se citar o seguinte trecho dos diálogos: ALUNA 5: Não há como substituir os testes em animais (leu trecho do texto) “Os programas de computador utilizados como simuladores de organismos também têm limitações. De acordo com as pesquisas eles ainda são pouco eficazes quando o objetivo é testar alguma droga ou vacina no corpo humano. Em alguns casos o organismo dos animais não é adequado para os testes, porém o único modelo perfeito é o organismo humano. Testes em animais sim, algumas vezes falham, mas não podemos dar substancias possivelmente tóxicas a humanos sem teste prévio”. 46 Os grupos apresentaram vários argumentos para defender suas posições, desde argumentos sentimentais e religiosos, quando discutem que a defesa dos animais se dá só por serem bonitinhos ou que quem é a favor do uso dos animais não tem Deus no coração, até os argumentos técnicos, que foram baseados nos textos, estes últimos sendo utilizados de forma majoritária. A aula 11 teve por objetivo fazer um fechamento das discussões possibilitando aos alunos expor seus argumentos pessoais frente às informações apresentadas nos seminários na forma de produção textual de uma redação. Durante as atividades muitos alunos tiveram dúvidas quanto à argumentação dizendo que sabiam os argumentos, mas não sabiam explicar. Houve muita conversa paralela, mesmo com a orientação da professora para que as redações fossem feitas de forma individual e pessoal e de que não havia uma resposta certa ou errada, que o que seria avaliado era a argumentação. Mesmo ao final da aula muitos alunos não haviam conseguido terminar e foi negociado com a professora do horário seguinte, que, coincidentemente, era de língua portuguesa, a continuação da atividade. 4.2 Análise das redações A redação foi proposta de forma a permitir que os alunos expressassem, de maneira argumentada e coesa, sua posição quanto ao uso de animais como cobaias a partir das discussões feitas em sala de aula. Para tanto, seria necessário que atendessem ao seguinte enunciado: “Faça uma dissertação na qual você deixa clara a sua posição quanto ao uso de animais como cobaias de pesquisas científicas. Utilize, no mínimo, três argumentos que justifiquem sua posição”. Foram feitas duas análises das redações, sendo que na primeira o material foi dividido de acordo com o grupo ao qual o aluno pertencia nos seminários e foi verificada se a posição claramente assumida por ele em seu texto estava em acordo ou não com a posição do grupo. Esta análise permitiu 47 inferir o percentual de alunos que, na redação, tiveram uma opinião diferente daquela defendida por ele nos seminários. Na segunda análise foram levantadas as palavras-chave que identificassem argumentos semelhantes utilizados pelos alunos, de acordo com o grupo ao qual pertenciam. A seguir é apresentado o Gráfico 1 que indica o percentual de alunos divididos por grupo para as atividades relacionadas aos seminários. Neste gráfico não são analisadas as redações, somente é verificado o percentual de alunos em cada grupo dos seminários. Gráfico 1: Percentual de alunos por grupo durante os seminários O Gráfico 1 indica que a maioria dos alunos se ligou ao grupo A Favor. A escolha dos alunos pelos grupos foi livre e cada qual se ligou ao grupo cujas ideias mais os atraíram. Os alunos que não tinham uma posição clara ou que haviam faltado à aula no dia da divisão dos grupos ligaram-se ao grupo Legislação. Mesmo havendo sido orientados quanto à motivação da escolha do grupo alguns alunos se ligaram a eles não pela ideologia, mas por afinidade com as pessoas. 48 Quanto ao posicionamento dos alunos na redação em relação ao posicionamento do grupo, a totalidade dos alunos dos grupos Contra e A Favor seguiu o seu grupo. Já os alunos que participaram do grupo Legislação, que nos debates tinham que manter uma posição neutra, nas redações, assumiram seus posicionamentos. O Gráfico 2 apresenta os posicionamentos dos alunos do grupo Legislação. Observa-se que a maioria dos alunos desse grupo se posicionou a favor do uso de animais como cobaias e a minoria não assumiu posição declarada. Gráfico 2 - Posicionamento dos alunos do grupo Legislação Com relação aos alunos dos grupos A Favor e Contra percebeu-se que os argumentos apresentados pelo grupo rival não foram suficientes para promover uma mudança de posicionamento, visto que nenhum aluno alterou a posição defendida pelo grupo ao qual pertencia. Já analisando o posicionamento dos alunos do grupo Legislação, percebeu-se que os argumentos do grupo A Favor foram mais convincentes. Quanto aos argumentos utilizados pelos alunos para defenderem sua posição, foram organizadas palavras-chave que identificassem argumentos semelhantes, sendo que cada argumento foi contado uma única vez por aluno, 49 mesmo que ele o tenha utilizado mais de uma vez, tendo em vista que alguns alunos alteravam algum termo com a intenção de que, assim, estivessem utilizando um argumento diferente. O Gráfico 3 apresenta os argumentos utilizados pelo grupo Contra. Gráfico 3 - Percentual dos argumentos dos alunos do grupo Contra Para melhor entendimento, seguem os significados dos argumentos utilizados pelo grupo Contra: Métodos alternativos já existem ou podem e devem ser criados. Sofrimento e maus tratos durante as pesquisas. Igualdade homem/ animal: o homem não é visto como superior, animais têm sentimentos. Facilidades/custos menores impedem a criação de métodos alternativos. Desconhecimento dos métodos usados e suas consequências. Inadequação dos resultados pelas diferenças de organismos. 50 Os argumentos mais utilizados pelo grupo Contra estavam relacionados aos métodos alternativos ao uso dos animais já disponíveis e dominados pela tecnologia, bem como o sofrimento ao qual as cobaias são submetidas. Também citaram a inadequação que muitos testes apresentam, justamente por utilizarem cobaias. Citaram, ainda, com grande percentual, um posicionamento semelhante entre homens e animais, não elevando os humanos a uma situação de superioridade. O Gráfico 4 apresenta os argumentos utilizados pelo grupo A Favor. Gráfico 4 - Percentual dos argumentos dos alunos do grupo A Favor Para melhor entendimento, seguem os significados dos argumentos utilizados pelo grupo A Favor: Semelhança entre os organismos dos animais e do homem. Legislação obriga ou permite o uso. Tecnologia ainda não pode descartar os animais. Ética não permite maus tratos com as cobaias. Inferioridade animal: homem melhor que os animais. Necessidade: sem os testes não haveria medicamentos, tratamentos. 51 O argumento utilizado em maior percentual pelo grupo A Favor é o da insuficiência de tecnologia que permita descartar o uso das cobaias com segurança. Deve-se notar que este é um argumento contrário ao mais enfatizado pelo grupo Contra, que é justamente sobre as tecnologias alternativas. Outro argumento fortemente utilizado pelo grupo foi o da necessidade que envolve os benefícios trazidos pelas descobertas que utilizam as cobaias. Há que se notar que, ao mesmo tempo em que um grande percentual de alunos indica a ética para com os animais de laboratório como argumento para a sua utilização, outro percentual próximo indica a superioridade do homem com relação aos animais, mostrando uma clara contradição de argumentos. Há que se destacar que o argumento da superioridade do homem em relação aos animais está em desacordo com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que elevou todos os animais à categoria de sujeitos de direito, qualidade até então exclusiva do homem. Desta forma, faz-se necessário uma maior discussão sobre quais são esses direitos e qual o papel do homem para garanti-los. O Gráfico 5 apresenta os argumentos utilizados pelo grupo Legislação. 52 Gráfico 5: Percentual dos argumentos dos alunos do grupo Legislação O grupo Legislação apresentou argumentos que foram usados pelo grupo Contra, como também argumentos usados pelo grupo A Favor. O argumento que mais foi utilizado pelo grupo Legislação foi o da inferioridade dos animais perante o homem, posição também defendida pelos alunos do grupo A Favor. Outro argumento bastante utilizado pelo grupo Legislação foi o dos métodos alternativos, defendidos pelo grupo Contra. Nas redações não houve mudança de posição dos alunos com relação à posição defendida pelo seu grupo, porém, ao longo da pesquisa alguns alunos foram mudando de posição ao tomar conhecimento de novas fontes de informações. Alguns alunos que, na aula inicial, quando ainda contavam apenas com seu conhecimento prévio do assunto, assumiram uma posição, depois mudaram claramente de opinião. Segue dois exemplos. Exemplo1: Posição quando questionados na aula 01 quanto ao uso de animais como cobaias. 53 ALUNA 1: Eu acho isso um absurdo! ALUNA 2: Eu acho errado... não sei o quê que eu acho... por que sem os animais não tem medicamentos... Apesar da Aluna 1 ter manifestado na aula inicial que acha um absurdo usar animais como cobaias, nos debates, após ter contato com o material fornecido, ela se posiciona a favor do uso dos animais e apresenta grande envolvimento e participação nas discussões. Já a Aluna 2, na aula inicial fica em dúvida se acha errado ou não o uso de animais como cobaias alegando a necessidade dessa prática para a produção de medicamentos. No entanto, nos debates ela é a representante do grupo que se posiciona contra, apresentando vários argumentos para defender a posição do grupo. Exemplo 2: Posição quando questionados na aula 01 quanto ao uso de clonagem de tecidos e órgãos como substituição aos animais. Aluna 2: Mas professora, o teste não seria bom porque ia utilizar somente um órgão e o remédio circula pelo corpo todo! Apesar de na aula inicial a Aluna 2 questionar a eficácia da clonagem de tecidos para testes de medicamentos, nos debates vai utilizar este mesmo argumento como substituição ao uso dos animais. Estes dois exemplos permitem inferir que houve mudança de posicionamento de alguns alunos a partir do conhecimento que eles foram construindo ao longo dos trabalhos, pela interação com as informações recebidas nos vários formatos apresentados pela professora. A coerência entre a posição defendida pelos grupos e a posição assumida pelos alunos nas redações, tendo em vista que nenhum aluno mudou de posição, pode ser interpretada do ponto de vista da força dos argumentos utilizados pelos grupos e do real convencimento dos alunos quanto a esta força. Mesmo os alunos que se ligaram aos grupos por questões de companheirismo, e não de ideologia, abraçaram a posição assumida pelo restante do grupo. 54 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista a relevância do ensino por investigação e da abordagem CTS dos conteúdos curriculares para o envolvimento dos alunos de forma a que deixem de representar o papel de meros ouvintes e passem a atuar como construtores de seu próprio conhecimento, a pesquisa desenvolvida alcançou seu objetivo de proporcionar a eles, através de uma sequência didática sobre o uso de animais como cobaias em pesquisas científicas, ter contato com formas diversas de informação, expressarem e defenderem sua posição em relação ao tema, bem como desenvolverem o senso crítico, a argumentação, a organização de pensamentos e a habilidade de falar para um público. Atrair a atenção dos alunos torna-se cada vez mais difícil, já que o professor tem poucas ferramentas para combater a concorrência com as amizades dos colegas de classe, com recursos eletrônicos e com a internet. Desenvolver uma sequência didática sobre um tema que seja relevante para os alunos, relacionando-o com seu cotidiano e proporcionando a eles emitirem suas opiniões é uma ferramenta poderosa que pode atrair a atenção dos alunos e incentivá-los a uma maior participação nas aulas. Essa foi, sem dúvida, a maior conquista que obtive como professora nesta turma, visto que, antes da execução desta pesquisa era difícil atrair a atenção e a participação desses alunos, especificamente. Mesmo depois de encerrada a pesquisa, a relação professora-alunos se manteve diferente, não somente no âmbito profissional, como também no pessoal, o que facilitou a interação dentro e fora da sala de aula. Uma questão que se coloca após a pesquisa é sobre como os professores podem fazer esse tipo de abordagem em sala de aula cotidianamente, tendo em vista todas as dificuldades encontradas por eles, como falta de recursos, sejam eletrônicos, sejam estruturais, falta de tempo para um bom planejamento das aulas e um conteúdo extenso a ser cumprido ao longo do ano perante um número cada vez mais reduzido de aulas. A educação traz desafios diários para professores e alunos e, muitas vezes, ambos se perdem no caminho. Para retomar o melhor rumo, há que se ter muita coragem e criatividade para fazer diferente, para inovar, sempre. 55 REFERÊNCIAS ARAGÃO, A.; MEGALE, B. Crime em nome do amor. Revista Veja, Ed. 2345, ano 46, n. 44, p. 88-100, 2013. ARROIO, A.; GIORDAN, M. O Vídeo Educativo: Aspectos da Organização do Ensino. Revista Química Nova na Escola, São Paulo, n. 24. P. 8-11, nov., 2006. BAPTISTA, M. L. M. 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[et al.] . - - 2. ed. rev. ampl. - - São Paulo : Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, 2009. 102 p. - - (Cadernos de Estudos ; 9) 58 APÊNDICE A – PLANEJAMENTO GERAL 59 APÊNDICE B – PLANEJAMENTO DIÁRIO 1 60 APÊNDICE C – PLANEJAMENTO DIÁRIO 2 61 APÊNDICE D – PLANEJAMENTO DIÁRIO 3 62 APÊNDICE E – PLANEJAMENTO DIÁRIO 4 63 APÊNDICE F – PLANEJAMENTO DIÁRIO 5 64 APÊNDICE G – ATIVIDADE DO FILME 65 APÊNDICE H – ATIVIDADE SOBRE OS TEXTOS 66 APÊNDICE I – ATIVIDADE FINAL 67 ANEXO A – CRIME EM NOME DO AMOR 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 ANEXO B – O FIM DAS COBAIAS 79 80 81 82 83 ANEXO C – CORPOS EM EVIDÊNCIA 84 85 86 87 88 89 ANEXO D – MÉTODOS ALTERNATIVOS À UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS EM PESQUISA CIENTÍFICA: MITO OU VERDADE? 90 91 92 93 ANEXO E – ANVISA ANALISA LEGISLAÇÃO PARA USO DE ANIMAIS EM LABORATÓRIO 94 ANEXO F – A REVOLUÇÃO DOS BEAGLES No mundo ideal, homens, cães, ratos e pobres serão todos iguais, mas uns serão mais iguais que os outros. Por Matheus Pichonelli — publicado 25/10/2013 11:26, última modificação 26/10/2013 07:23 http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-revolucao-dos-beagles-3530.html Não adianta lutar pela humanização dos animais quando se aceita a existência de humanos de segunda categoria Tempos atrás, escrevi neste site a história, real, de um cão que resolveu colocar o focinho em uma vasilha de plástico, ficou preso e saiu em disparada com o latido sufocado no recipiente (Leia clicando AQUI). De onde estava, vi metade da cidade se mobilizar para salvar o pobre que, no desespero, cruzava as ruas sem a menor prudência. Dava dó. O garapeiro, o guarda de trânsito, os motoristas e os casais de namorados: não houve quem, diante da cena, não se mobilizasse para arregaçar as mangas e salvar o animal. Foi daquelas provas de que a humanidade ainda tinha jeito: não perdeu a sua capacidade de sentir nem de transferir a sua humanidade a quem passa por apuros. É o que se chama de alteridade, ainda que o outro tenha rabos e patas. Foi o que pareceu, também à primeira vista, o resgate na última semana dos cães da raça Beagle em um laboratório de testes em São Roque, no interior de São Paulo. Segundo as primeiras notícias, os cães estavam assustados e alguns, machucados. Em um país que só agora parece pegar gosto em se mobilizar para exigir direitos de naturezas múltiplas – da redução da passagem de ônibus ao fim da corrupção, da gripe e da maldade em todos os corações – o direito dos bichos virava uma pauta – digníssima, note-se. Ao que parece, é cada vez maior o número de pessoas indispostas a aceitar maus-tratos em animais. Um grande avanço para quem, até pouco tempo atrás, aprendia a cantar na escola um hino ao aniquilamento felino. Hoje, quem ousou um dia atirar o pau no gato não se elege nem para síndico do prédio – o vereador mais bem votado da maior cidade do País, por sua vez, tem o desenho de um cão, e não a sua foto, como bandeira de campanha. A consolidação das leis de proteção de animais e a construção de hospitais públicos veterinários são símbolos dessa transformação. (Dia desses, um vizinho bateu à porta da casa de minha mãe com uma ameaça: se o nosso gato voltasse a arranhar a lataria do seu carrão, o gato apareceria envenenado e morto em casa. Diante da gentileza, ela foi até uma delegacia da Polícia Civil e registrou o boletim de ocorrência. Saiu de lá 95 com a garantia de que se o gato tivesse uma simples gripe a partir dali, o sujeito seria intimado, acusado, eventualmente processado e eventualmente preso por maus tratos. Sem direito a fiança. Ao menos na lei, o direito à humanização dos bichos prevalece sobre a humanização dos automóveis. E é bom que seja assim). O episódio do resgate dos Beagles, no entanto, diz mais sobre o nosso encarceramento do que o dos bichos. Diz muito também sobre a alienação cultural em relação ao que nós mesmos consumimos e alimentamos. É mais ou menos como se, aos 30 ou 40 anos, alguém se chocasse ao descobrir como é que as crianças vieram parar no mundo. No caso, não as crianças, mas as vacinas, os medicamentos, os tratamentos, os testes. O que não deixa de ser curioso: nosso primeiro contato com as galinhas é uma caixa de isopor com doze ovos que não foram gerados espontaneamente em uma gôndola de supermercado. Tampouco o churrasco do fim de semana. O que os olhos não veem, dirão os despreocupados, o coração não sente, e não precisamos assistir ao aniquilamento de bois e vacas nos pastos e frigoríficos para saber como surge o almoço, nosso e dos pets a quem oferecemos abrigo, proteção e alimento. Nesse sentido, a visualização da dor, simbolizada pelos Beagles – como não querer levar para casa? – parece ter produzido uma revolta tardia. Como escreveu um amigo: como vocês achavam que eram feitos os testes de medicamentos? Com jacas? A resposta pode ser bem melhor do que as que vêm sendo formuladas após o episódio. Por exemplo: transparência, monitoramento, redução do uso de animais e métodos para evitar a dor desnecessária são mais do que recomendáveis. Inclusive para a produção de alimentos. Hoje, a imagem das empresas está diretamente associada à sua responsabilidade em relação ao meio – e, consequentemente, à sua capacidade de evitar desperdícios, o uso de trabalho infantil ou escravo e a ação agressiva ao ecossistema. O uso de animais em laboratórios passará pelo mesmo processo: quanto menos cruel o processo, mais chances de a pesquisa ser socialmente aceita. É o que vai separar os tempos futuros, de testes com célulastronco e outras inovações, com os tempos ancestrais, de sacrifícios, imolações e desprezo à vida, qualquer forma de vida. A se notar as manifestações sobre o episódio, no entanto, ainda estamos longe desse salto civilizatório. Não que adorar animais seja sinônimo de desprezo a pessoas. Mas o precedente é, no mínimo, curioso. Em conversas, posts e artigos de jornais, o que se vê é a confirmação de um movimento, já citado aqui outras vezes, contraditório: a humanização dos animais e animalização do ser humano. Na crônica citada, recorri a uma sociologia de boteco para rabiscar uma explicação ao fenômeno: à medida que as cidades crescem, passamos a conviver cada vez mais em ambientes insalubres; esbarramos no trabalho, nas escolas, nas casas de vizinhos e outras instituições fechadas com todo tipo de competição, ganância, trapaça, preconceito e intolerância. Nesse ambiente, nos animalizamos e a ideia de lealdade se transforma em valor absoluto – e raro pelo contraste. Nessa, os cães ganham uma aura sagrada, mais ou menos como uma divindade indiana: são leais, amorosos, gostam da gente quase gratuitamente e não pulam o muro de casa para nos trair com o dono do cão vizinho. Os homens, nessa visão, são abjetos, pouco confiáveis. Elimináveis, portanto. Nos jornais, como a candidatar-se ao Prêmio Relincha Brasil 2013 – expressão de outro amigo – houve quem escrevesse que, em vez de Beagles, a ciência usasse humanos em seus testes. Por exemplo, presidiários. Eles poderiam, chegou a sugerir a colunista, aceitar atuar como cobaias em troca da redução das penas. Não poderia ser mais clara: não aceitamos menos do que a humanização dos animais, mas não nos importamos com o estabelecimento de humanos de segunda categoria. Os Beagles estariam, assim, em uma categoria intermediária entre os brancos livres detentores de direito e os negros, pobres e mulatos, os únicos que afinal cumprem 96 pena, sem serem dignos de pena, no Brasil - ainda que mofem em detenções insalubres sem o direito sequer de serem julgados. Franz Kafka, que no livro A Metamorfose transformou o personagem Gregor Samsa em um enorme inseto – seu alter ego desprezado por sua tuberculose, segundo a interpretação mais plausível – não iria tão longe. Séria ou não, a proposta, de apelo popular indiscutível, lançou as bases de uma nova categoria de indignação: a humanização seletiva. Os ratos deixados para trás na operação resgate em São Roque não poderiam se sentir menos prestigiados. 75 comentários Será que se esses cães fossem SRDs recolhidos nas ruas ( e não Beagles, cães de raça que chegam a custar R$ 3.000,00 um filhote) teriam tido a mesma preocupação dos tais defensores de animais??? Qual o destino dos cães??? Apenas curiosidade.... Quando a mamãe tiver doente, essas pessoas vão querer o remedinho delas lá na prateleira e vão CAGAR pros Beagles. Essa é a verdade. A ciência está correndo atrás de métodos que cada vez utilize menos animais, mas isso é IMPOSSÍVEL hoje. É muita boa vontade, mas pouco conhecimento 97 ANEXO G – LEI 11.794/2008 98 99 100 101 102 103 ANEXO H – ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA O USO DE ANIMAIS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS 104