SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL - sinpro-sp
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SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL - sinpro-sp
SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: FUNDAMENTOS TEÓRICOPRÁTICOS Resumo: Temos como objetivo apresentar subsídios teórico-práticos acerca do trabalho com sexualidade na Educação Infantil, abarcando a faixa etária de 0 a 6 anos. Partimos de dados coletados em pesquisa realizada com professores da rede pública e particular de ensino, discutidos à luz da teoria freudiana e propomos algumas intervenções que consideramos orientadoras de uma prática que respeite as características do desenvolvimento psicossexual infantil. Palavras chaves: sexualidade; intervenção docente; Educação Infantil, Psicanálise. 1. A sexualidade como um “problema” da atualidade Um grande número de professores acredita que a sexualidade é algo que se desenvolve somente a partir da adolescência, isto porque de um modo geral associam sexualidade a sexo. Assim, é difícil admitirem alguma manifestação de sexualidade antes desta fase, principalmente nos anos iniciais do desenvolvimento, na faixa etária entre 0 e 3 anos. Percebemos que os conflitos neste campo têm se acirrado nos últimos anos, na medida em que o acesso à mídia e a liberdade de expressão nos meios de comunicação tem se ampliado, trazendo para o meio escolar assuntos que antes ficavam restritos ao âmbito familiar e, mais especificamente, aos adultos. Além disso, surgem novas constituições familiares – casais homossexuais; “produções independentes”; reprodução assistida; inversão dos papéis – dinâmica que se reflete no espaço das salas de aula, obrigando professores a lidarem com um tema que muitas vezes não se coaduna com suas concepções pessoais. 2. Objetivos de nosso trabalho Percebemos que trabalhar com as discussões e manifestações da sexualidade na escola é algo que envolve mais do que a necessidade de um preparo técnico, mas antes requer que estejamos atentos à concepção de cada profissional acerca do assunto, às suas crenças, às suas ideologias e à influência desses fatores sobre a intervenção docente. Nesta perspectiva, o intuito desse texto é discutir as representações de professores acompanhados ao longo de nossa experiência, como docente e pesquisador, acerca da sexualidade e apresentar a leitura freudiana sobre o desenvolvimento psicossexual da criança, visando oferecer subsídios para favorecer um outro olhar por parte dos educadores a respeito da sexualidade infantil. 3. Metodologia O material de discussão aqui relatado foi coletado em reuniões com professores da rede pública e particular, entre os anos de 2007 e 2009, na qual relatavam suas representações e dificuldades encontradas a partir da manifestação de sexualidade de seus alunos. Esses professores atendiam ao segmento da Educação Infantil, na faixa etária entre 3 e 6 anos, embora algumas de suas queixas se estendessem a outros segmentos. Eram realizadas reuniões semanais com esses profissionais, tendo duração aproximada de 2 horas para cada encontro. Seus relatos eram gravados e transcritos a fim de reverter para a própria discussão com o grupo. Assim, os professores podiam se ouvir com certo distanciamento e identificar o modo como falavam dos temas e a influência de suas concepções pessoais sobre suas práticas em sala de aula. Eram fornecidos feedbacks sobre o material produzido pelos professores, bem como leituras que oferecessem subsídios teóricos e práticos para os temas discutidos. 4. O desenvolvimento sexual na perspectiva freudiana O primeiro ponto importante é distinguir o termo sexual daquilo que se entende no censo comum como relativo a sexo, ou seja, restrito à cópula. Em psicanálise o termo se amplia: a sexualidade é concebida como algo instituído sobre o primado das mesmas leis que regem o circuito da linguagem. Freud nos dá mostras dessa articulação ao lançar seu olhar sobre a sexualidade infantil, buscando distinguir o que constitui o campo biológico e psíquico no que concerne à sexualidade, desvinculando-a de um fator meramente desenvolvimentista e admitindo sua influência decisiva para a formação dos sintomas. Vale ressaltar que também não se trata de uma equivalência entre sexual e genital, como bem demarca Kupfer (2007, p. 39), ao afirmar que no pensamento freudiano esses dois termos não se confundem: A sexualidade genital diz respeito à cópula com o objetivo de procriar ou de obter prazer orgástico. Mas a sexualidade é mais ampla que a sexualidade genital. Inclui as preliminares do ato sexual, as perversões, as experiências sensuais da criança vividas em relação ao seu próprio corpo ou em contato com o corpo da mãe. Essas investigações infantis fazem parte do desenvolvimento normal, e se iniciam muito antes do que se imagina, ou seja, já nas primeiras relações da criança com o adulto, como bem alerta Kupfer (2007, p. 39): A amamentação, nesse sentido, é entendida já como uma experiência sexual, geradora de prazer para a criança que suga e até mesmo para a mãe que amamenta. Não se veja aí qualquer sinal de perversão no sentido usual do termo, e sim um exercício prazeroso que o contato corporal proporciona. Freud (1905) descreve o que considera como “manifestações da sexualidade infantil”, situando sua origem no prazer extraído pelo lactente no chuchar, que aos poucos vai se ampliando na busca por outros objetos de satisfação. Freud (1905) ressalta que mais importante que a parte do corpo é a qualidade do estímulo vivenciada. Estabelece assim a série que liga a boca ou zona labial com a alimentação; a zona anal com os distúrbios intestinais presentes na infância, marcados por eventos como a retenção das fezes, por exemplo; e, a zona genital, cuja fonte de prazer é desencadeada pela fricção manual ou pressão, ocorrida a princípio de maneira não intencional, mas que posteriormente pode se tornar objeto de constante exploração a partir da masturbação infantil. As experiências vividas pela criança em cada um desses momentos podem ser agrupadas naquilo que Freud (1905) denomina como organizações pré-genitais, ou seja, característico de algo que ainda não é genital, delimitando o que se conhece também como fases do desenvolvimento libidinal infantil ou ainda fases do desenvolvimento psicossexual, que abarcam a fase oral, anal e fálica, trazendo algumas características particulares que podem ser vistas não só no tipo de relação que a criança estabelece com o próprio corpo e no modo como obtém prazer com ele, mas, sobretudo no tipo de relação que estabelece com o outro. Neste sentido, percebemos o quanto na fase oral a criança se desloca de uma total dependência do adulto, passando gradativamente a uma posição que lhe permite partir em busca de novos objetos de satisfação não apenas para as necessidades fisiológicas, mas também para o avanço no campo das relações sociais e motoras. Para crescer a criança deve aprender a deixar algo passar, a fim de adquirir novos objetos, novas conquistas e, neste aspecto, o adulto tem uma importante função que é de ser transmissor de uma lei que barra sua satisfação autoerótica. Estimular a criança a se separar gradativamente da dependência inicial, que a coloca quase como que fusionada ao adulto, de certo modo implica em abdicar de um gozo que também afeta quem cuida da criança, mas que é necessário a fim de inscrevê-la numa ordem de filiação mais ampla. A fase seguinte é a anal. A este respeito, Freud (1905, p. 64) fornece muitas pistas ao educador que deseje entender melhor seus alunos: As crianças que tiram proveito da estimulabilidade erógena da zona anal denunciam-se por reterem as fezes até que sua acumulação provoca violentas contrações musculares e, na passagem pelo ânus, podem exercer uma estimulação intensa na mucosa. Com isso, hão de produzir-se sensações de volúpia ao lado das sensações dolorosas. Um dos melhores presságios de excentricidade e nervosismos posteriores é a recusa obstinada do bebê a esvaziar o intestino ao ser posto no troninho, ou seja, quando isso é desejado pela pessoa que cuida dele, ficando essa função reservada para quando aprouver a ele próprio. Assim, percebemos outra importante característica dessa fase, que está relacionada à busca de independência por parte da criança. Trata-se de uma fase que coincide com a época da retirada das fraldas e, na qual, para além dos ganhos fisiológicos adquiridos a partir do controle dos esfíncteres, ocorre uma importante aquisição do ponto de vista psíquico. Ou seja, observamos que esta fase põe a criança diante da divisão entre os pares opostos do que se constitui como passividade ou atividade em termos sexuais, como prenúncio do que mais tarde virá a se estabelecer como o feminino e o masculino. A criança buscará se afirmar sobre uma ou outra posição, experimentando situações em que possa se sentir com o controle não só sobre os seus produtos internos, mas também sobre os externos. Assim, é comum observar um movimento de oposição que surge nesta época em relação às colocações dos adultos, muitas vezes interpretado como “birras” e que, na verdade, refletem o movimento da criança na tentativa de se afirmar como um sujeito ativo em seu meio, como alguém que começa a descobrir e a extrapolar os limites de seu próprio corpo e do espaço que o rodeia. Outro fator relevante para a Educação diz respeito ao caráter assumido pelas fezes, que passam a ser vistas como parte do próprio corpo da criança, sendo tomadas como um produto, ou nas palavras de Freud (1905, p. 64), como o primeiro “presente” que ela oferta ao mundo em busca de reconhecimento: [...] ao desfazer-se dele, a criaturinha pode exprimir sua docilidade perante o meio que a cerca, e ao recusá-lo, sua obstinação. Do sentido de “presente”, esse conteúdo passa mais tarde ao de “bebê”, que, segundo uma das teorias sexuais infantis é adquirido pela comida e nasce pelo intestino. Dando sequência às fases descritas por Freud, adentraremos enfim aquela que traz mais dúvidas ao professor que lide com crianças na faixa etária entre 4 e 6 anos, ou seja, a fase fálica. Também conhecida no meio educacional como a fase dos “porquês”, das investigações sexuais e da masturbação infantil. Pouco compreendida pelos educadores, presta-se a muitos equívocos que permeiam a relação do adulto com as crianças, indo da omissão até mesmo à aplicação de punições, diante das perguntas das crianças sobre a origem dos bebês ou sua curiosidade em ver as diferenças sexuais anatômicas do seu corpo em relação ao corpo dos demais colegas. O fato é que a criança que envereda por esse campo, desconhece o caráter genital da sexualidade, o qual só será adquirido futuramente. Mais que saber sobre a anatomia, ela deseja saber de que desejo ela surgiu, quais as expectativas do outro em relação a ela, ou seja, qual sua origem e qual o seu fim? Além disso, a fase fálica e as investigações que se dão nesse contexto são cruciais para o desenvolvimento cognitivo da criança. A partir do texto sobre as Teorias sexuais infantis, Freud (1908) coloca o fator sexual como a mola propulsora do desenvolvimento intelectual. Para explicar essa relação, a ênfase das discussões freudianas sobre a sexualidade recairá, neste momento, sobre a relação da criança com os pais e sobre os efeitos que uma ameaça da perda do amor parental poderá acarretar, começando por destacar que serão as emoções e a capacidade de pensamento, aguçadas neste período, o que permitirão à criança empreender-se em direção à busca de um sentido para a sua existência – a princípio, através das investigações sexuais e posteriormente a partir da formulação das teorias sexuais infantis, para culminar na sublimação, onde veríamos os desdobramentos desse processo sobre o campo intelectual. O que a teoria freudiana constata é que as respostas obtidas pela criança sobre suas questões resultam falhas, resultando no que Freud (1908, p. 217) denominou de “a primeira decepção da criança”, ela começa a desconfiar dos adultos e a suspeitar que estes lhe escondem algo proibido, passando como resultado a manter em segredo suas investigações posteriores” e alçando sua primeira tentativa de autonomia intelectual, por meio da criação de teorias sexuais infantis. Para Freud (1908, p. 222) “essas hesitações e dúvidas tornam-se, o protótipo de todo trabalho intelectual posterior aplicado à solução de problemas, tendo esse primeiro fracasso um efeito cerceante sobre todo o futuro da criança”. Como decorrência desta operação, a atividade intelectual da criança não se limitará somente a corresponder ao desejo e à imagem esperada pelas figuras parentais, mas, sobretudo, encontrar-se-á agora a serviço do desejo de saber. É precisamente em Leonardo da Vinci e uma lembrança de infância que Freud (1910) relaciona de modo mais veemente a questão da sexualidade à relação com a figura materna e à construção do conhecimento, buscando delimitar de que maneira o contato privilegiado de Leonardo com sua mãe e seu, provável, empreendimento em investigações sexuais durante a infância, mostraram-se cruciais para o desenvolvimento de sua genialidade artística e científica. Haveria nesse processo a transformação das forças psíquicas instintivas, o que possibilitaria à criança se enveredar pelos caminhos do desenvolvimento intelectual, agora por meio de investigações aceitas socialmente. A esta operação Freud (1910, p. 72) denomina sublimação, o que consistiria na “substituição do objetivo imediato da pulsão por outros desprovidos de caráter sexual e que pudessem ser mais altamente valorizados”. Assim, a partir da sublimação “parte do que seria a pulsão de investigação se sublima em pulsão de saber”, deste processo decorre que há uma divisão entre o material sublimado e aquele que sofre ação do recalque. 5. Resultados No primeiro momento de nossa intervenção com os professores, caracterizado pela escuta de seus relatos e daquilo que nomeavam como “problemas” envolvendo sexualidade, constatamos que eles também associavam sexualidade a sexo, o que gerava uma série de pré-julgamentos, acerca das manifestações das crianças, sobretudo apontando para a crença de que suas perguntas se davam por terem presenciado atos sexuais entre familiares. Ao entrevistar esses profissionais, percebemos que eles se viam como “impotentes” e “despreparados” para lidar com manifestações da sexualidade de seus alunos, principalmente quando a sexualidade aparecia como sinônimo de sexo, atualizando as fantasias pessoais dos professores sobre o assunto e dificultando sua atuação na relação com o aluno Os professores não se consideravam capacitados para responder ao questionamento dos alunos nem para resolver situações corriqueiras, estabelecendo limites como fariam em outras situações. Ao analisarmos o desabafo dos professores, notamos ao menos uma questão importante, concernente à sensação de descompasso vivida em relação ao que se deu na própria história pessoal deles, cuja experiência remonta uma época em que não havia acesso na mídia para temas sexuais como há hoje. Ao lembrar a forma como a sexualidade era abordada na educação de seus avós, de seus pais e em sua própria infância, os professores parecem viver uma espécie de nostalgia. Essas lembranças os remetem a uma época em que a sexualidade era marcada por um caráter moralista e conservador que impedia que o tema fosse discutido abertamente. Como bem ressaltam os entrevistados, mesmo quando o assunto era tomado pelo viés educativo, isto se dava de modo restrito, geralmente vinculado a uma visão biológica. Outro fator que veio impor a marca da mudança foi o avanço tecnológico e midiático. A este respeito, um professor afirma que atualmente: Não há como fechar os olhos para a sexualidade. As crianças têm acesso a cenas, que são transmitidas em novelas e filmes da sessão da tarde, que na época da minha mãe, eram proibidas para menores de 18 anos. Algumas das perguntas que elas fazem sobre sexo hoje, se eu fizesse na minha infância, eu apanhava na boca. Outra professora se pronuncia dizendo que: Antigamente, quando uma mãe se dispunha a falar sobre sexo com uma filha, sempre a questão era posta no sentido genérico e hipotético, quase sempre, tomando-se como exemplo o que acontecia na casa do outro. Na escola, não era diferente. As coisas eram ditas no plano das ideias, como se professores e alunos naquele instante fossem assexuados. Hoje este distanciamento não é mais possível, o aluno convoca o professor a se colocar, a falar de si. Num primeiro momento, não havia nenhuma percepção de que haveria algum elo entre investigações sexuais, tal como entendido pro Freud (1908) e constituição cognitiva. Ao prosseguirmos os encontros com os professores, propormos leituras e discussões sobre casos concretos de seu cotidiano, dando-lhes espaço para que falassem de suas fantasias, impressões e angústias, esse cenário começou a se modificar. Principalmente no que dizia respeito à associação entre sexual e genital, percebemos que houve uma mudança. Os professores acompanhados começaram a entender a fase de descoberta da sexualidade pela criança como outro conteúdo qualquer do conhecimento, que suscita curiosidades e requer a mediação do professor nesse processo. As perguntas sobre sexualidade também começaram a ser contextualizadas num cenário mais amplo, abrindo espaço de transposição para eventos e práticas pedagógicas, como rodas de conversa sobre o tema; pesquisas sobre reprodução e ciclo de vida de animais; leituras de materiais partilhados pelos alunos; entrevistas com os pais, visando levantar a história de vida dessas crianças desde a gestação até os dias atuais; etc. Um exemplo que ilustra essa mudança pode ser visto numa situação com uma professora de crianças com cinco anos. Durante uma reunião docente, ela relata sua preocupação quando, no decorrer de uma roda de conversas, um de seus alunos anuncia em alto e bom tom que já sabe o que quer ser quando crescer: “gay”. Assustada, ela convida o aluno a conversar em particular e, antes de lhe perguntar qualquer coisa, explica tudo o que considera ser as consequências negativas dessa escolha. Pede que o aluno pense sobre o assunto e que venha falar com ela na aula seguinte. Nessa reunião, trabalhamos como se constrói o processo de identificação sexual da criança e discutimos a necessidade de procurar entender o que está por trás das colocações feitas pelas crianças, antes de se inferir algo a partir das fantasias e história pessoal do educador. Ao encontrar novamente o aluno, eis que a professora compreende o que estava relacionado ao seu suposto desejo em se “tornar gay”. Na verdade, a mãe do garoto era fã de um ator famoso, que encenava o papel de um rapaz homossexual, numa novela, recebendo constantes elogios por sua beleza e atuação. O garoto, no intuito de conquistar a mãe, naquela fase edípica e normal de seu desenvolvimento sexual, entendendo o interesse materno pelo jovem ator, fez uma equação simples: “para ser desejado por uma mulher, como minha mãe, preciso me tornar tão belo e talentoso como aquele jovem”. A questão foi o significante ao qual o aluno se conectou. Após esclarecer o mal entendido, ficou claro que “ser gay” tinha significados diferentes para o garoto e para sua professora. Este caso se tornou emblemático para a equipe, mostrando como a lógica de pensamento da criança é diferente da lógica do adulto e como o desconhecimento de seu desenvolvimento pode levar o corpo docente a incorrer em erros e, inclusive, reproduzir estereótipos e preconceitos. Considerações Finais Algo fundamental para a mudança do professor em relação à sua concepção de sexualidade é um espaço de escuta e de formação teórico-prática para esse trabalho. O tema da sexualidade nem sempre faz parte da formação no curso de Pedagogia e deve ser pauta das reuniões de formação do quadro docente, sobretudo no segmento da Educação Infantil. Para o educador que estiver preocupado em saber como agir diante das investigações infantis o primeiro alerta que damos é sobre o fato de não existir receitas prontas, cada caso é um caso, e o educador deve estar preparado para se deixar surpreender pelo novo e inusitado, deixar-se questionar pela realidade tal como ela se apresenta, desprovido de pré-julgamentos e juízos morais. Mas há alguns princípios que podem ajudar. Diante das perguntas das crianças, mantenha você também uma postura investigativa, buscando entender o que realmente a criança quer saber com aquilo que perguntou. Devolva-lhe seu questionamento, pedindo-lhe mais detalhes sobre o assunto para que tenha mais elementos de como sanar suas dúvidas. Procure responder exatamente o que foi perguntado e de um modo que possa ser compreensível para a criança, evitando respostas fantasiosas e evasivas. Outra questão que também aflige muito os professores diz respeito às investigações que as crianças estabelecem envolvendo outros colegas, geralmente relacionadas à exploração do corpo, podendo abarcar desde a curiosidade em saber as diferenças entre os órgãos sexuais até a própria manipulação desses órgãos. De um modo geral é muito comum ver os professores fazerem um juízo moral dessas ações, repudiando os alunos que são surpreendidos nesses atos e mesmo castigando-os. Ao contrário do que muitos pensam, nem todas as crianças têm a dimensão sexual de seus atos. Mas a adquirem na medida em que percebem no olhar do adulto que há algo de proibido naquela prática, o que muitas vezes as levam a ter ainda mais interesse em prosseguir suas pesquisas neste campo. É bom ressaltar que o fato de compreender o que está em jogo nessas investigações não implica em permitir que elas prossigam in loco, ou seja, de deixar as crianças se tocarem livremente e descobrirem o sexo, ainda pequenas. Mas se trata de criar canais socialmente aceitos para que elas deem o contorno necessário às suas dúvidas, podendo entrar na cadeia significante de sentidos científicos, tal qual o objetivo educacional e social demandam. Em nossa experiência, temos observado o quanto as rodas de conversa têm sido benéficas para as discussões das crianças sobre suas dúvidas e curiosidades. Neste aspecto, é importante lembrar sempre que o que determina esse momento no planejamento do professor é a situação. Estabeleça conexões entre as falas das crianças e ofereça subsídios para apaziguar as ansiedades e medos, ao mesmo tempo estabelecendo parâmetros claros acerca do que diz respeito ao campo infantil e adulto e deixando claro que nem todas as questões apresentam respostas imediatas – algumas delas dependem do amadurecimento e do crescimento das crianças para poderem ser compreendidas. Assim, encaminhe a discussão para coisas que possam ser abordadas do ponto de vista educacional, apresentando livros didáticos que abordem o desenvolvimento sexual dos seres humanos, dos animais, das plantas, etc. O que buscamos salientar é que trabalhar com a sexualidade das crianças não significa se afastar dos fundamentos pedagógicos que devem ser contemplados no âmbito educacional, mas mais ao contrário, significa utilizá-lo para alimentar o que é o desejo de saber das crianças sobre o mundo. Nos casos de masturbação, deve-se entender que é uma forma normal de a criança buscar uma satisfação autoerótica, desde que não se dê de modo compulsivo. Como as demais aprendizagens da criança, a masturbação também é algo que tem lugar adequado para acontecer e esse limite deve ser ensinado. Entretanto nos casos em que os limites e atividades estabelecidos em sala de aula não forem suficientes, podemos estar diante de indícios de que a criança esteja vivenciando conflitos difíceis de encontrar vazão por outras vias, sendo a masturbação nesses casos uma forma de extravasar aquilo que não encontra outro canal de comunicação. Nesses casos é importante que o professor possa buscar auxílio na equipe de apoio da escola, como coordenador ou orientador educacional, sendo necessário muitas vezes conversar com os familiares mais próximos à criança, a fim de desenvolver um trabalho integrado que em alguns casos necessitará da intervenção de um profissional especializado, como psicólogo. Em todos os casos, é importante salientar que o professor continua sendo responsável por estabelecer os limites no espaço da sala de aula e a desenvolver atividades atrativas e adequadas ao desenvolvimento daquela faixa etária. Referências Bibliográficas FREUD, Sigmund (1905). Três ensaios sobre a sexualidade. Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1976. _________. (1908). Teorias sexuais Infantis. Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1976. _________. (1910). Leonardo da Vinci, uma lembrança de infância. Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1976. KUPFER, Maria Cristina M. Freud e a Educação - O mestre do impossível. São Paulo, Scipione, 2007.
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