Stacey O`Brien
Transcrição
Stacey O`Brien
SAt na n c e y LO ’ Bor ti te n am A CW o ne q u ei sy t a sl A iAn ct rr íavneslf oh ri smtaóçrãi oa d de amizade a vida pela espiritualidade entre uma garota e sua coruja t rt ar adduuç çã ão o: : R e n a t o HMeal er qn ua e Ls odned rOe lsi v e i r a conquista.indd 3 AF•Miolo_Wesley.11.indd 3 10/3/07 3:44:18 PM 10/28/08 2:44:28 PM Nota da autora Para não me prolongar demais, não relacionei todos os lugares em que Wesley e eu moramos durante nossos dezenove anos de convivência, nem todas as pessoas que participaram dessa época. Mudei de casa várias vezes nos anos descritos neste relato, mas essas informações não ajudariam o leitor em nada. Além disso, também alterei o nome de algumas pessoas citadas. Desde que aconteceu a experiência que conto aqui, as leis de proteção ambiental tornaram-se mais rígidas. Caso você encontre um filhote de ave perdido, tente recolocá-lo no ninho. Se isso não for possível, procure um órgão de proteção animal, pois os profissionais poderão encaminhar a ave a algum centro de reabilitação (em geral, esses locais ficam lotados de bebês de pássaros na primavera e são bastante dedicados a fazer o que for preciso para salvá-los). Lembre-se de que a lei não permite levar animais silvestres para casa, a não ser com autorização especial. Há muito trabalho urgente a ser feito para proteger os animais de abusos e maus-tratos. Eu recomendo associar-se a organizações como Defenders of Wildlife, The Jane Goodall Institute, Audubon Society, ASPCA, entre outras, que se dedicam a proteger os nossos “companheiros” no planeta. Atuar como voluntário em um centro de resgate ou de readaptação de animais silvestres, sempre em busca de (e disposto a treinar) novos colaboradores, pode ser uma experiência extremamente gratificante. AF•Miolo_Wesley.11.indd 7 10/28/08 2:44:29 PM Sumário 1. As corujas são assim 17 2. Não tema! 27 3. Infância feliz 36 4. Um bebê coruja aprende a amar 47 5. Lições de vôo 60 6. Ataques aéreos 80 7. Refeição favorita 97 8. Os sons e a linguagem do corpo 107 9. O médico e o monstro 117 10. Um dia na vida de uma bióloga 133 11. Uma coruja que gosta de água 153 12. Laços especiais 171 13. Sons reveladores 193 14. Quinze anos de confiança 205 15. Minha coruja salva minha vida 219 16. Final da história 225 17. O que aconteceu depois 233 AF•Miolo_Wesley.11.indd 9 10/28/08 2:44:29 PM Agradecimentos Não é exagero afirmar que tenho uma dívida de gratidão infinita com algumas pessoas. Quando me envolvi neste projeto, eu ainda estava doente, e, graças à generosidade e à gentiliza de muitas pessoas, consegui seguir em frente. Sem o apoio constante de Wendy Francisco, duvido que eu teria encontrado um agente literário, revisado os originais, levantado da cama para escrever, trabalhando mesmo quando me sentia bloqueada, investido no livro e até participado da edição. Ela pagou as despesas para que eu fosse à conferência em que conheci minha agente, fez a criação visual, as fotos e o site (que também bancou) a tempo para o evento (Wendy ainda é a webmaster e criadora do site), me estimulou telefonando todos os dias, pagou muitas das minhas contas e, finalmente, revisou cada linha antes que eu mandasse os originais para a Free Press. Wendy também fez as fotos que aparecem na capa deste livro. Foi uma parceira incansável e dedicada. Trabalhamos juntas, ao telefone, em conversas entre o Colorado e a Califórnia, durante horas e horas. Era a minha primeira experiência com livros e por isso discutimos cada aspecto até cair no sono literalmente, às vezes ao telefone. Rimos, choramos e revivemos cada momento de nossas lembranças comuns. Afinal, foi ela quem, muitos anos atrás, quando morávamos juntas, acolheu o minúsculo bebê de coruja em sua casa. AF•Miolo_Wesley.11.indd 11 10/28/08 2:44:30 PM 1 As corujas são assim Na chuvosa manhã do Dia dos Namorados de 1985, me apaixonei por um filhote de coruja-de-igreja com quatro dias de vida. Eu trabalhava havia cerca de um ano no California Institute of Technology, o Caltech, e um dos cientistas me pediu que fosse à sua sala. Ele falou algo sobre uma coruja com a asa machucada e disse: “Stacey, esse filhote precisa de um lar”. O filhotinho era tão pequeno e desprotegido que não conseguia erguer a cabeça ou manter o próprio corpo aquecido. Os olhos ainda estavam fechados e, com exceção de um tufo branco na cabeça e das três fileiras de penugem ao longo das costas, o corpo era rosadinho e todo pelado. Fiquei impressionada com a aparência desesperançada do filhote. Era a criatura mais bonita que eu já tinha visto, linda em seu desamparo. Ah, a corujinha também era bem desajeitada. As pernas longas e finas, desengonçadas, voltavam-se para fora, e as garras desproporcionais arranhavam qualquer um que tentasse pegá-la nas mãos. O corpo franzino tinha duas protuberâncias que um dia se transformariam em asas, e a cabeça, que fazia pensar num pterodáctilo, tombava de um lado para o outro. Parecia um animal montado a partir de “peças” tiradas de várias outras criaturas. Wesley AF•Miolo_Wesley.11.indd 17 17 10/28/08 2:44:32 PM Wesley com quatro dias de vida. Stacey O’Brien Em uma situação normal, um centro de adaptação poderia cuidar da coruja, usando marionetes para alimentá-la e ensinando-a a viver ao ar livre – que é o que os biólogos fazem com filhotes de espécies ameaçadas, como o grou-americano e o condor-da-califórnia, antes de devolvê-los à natureza. Mas aquele filhote tinha uma lesão nos nervos de uma das asas e, embora talvez algum dia aprendesse a voar para capturar presas, aquele defeito não permitiria que escapasse dos predadores. Como todos os filhotes de coruja-de-igreja, o bebê tinha cheiro de xarope de bordo, só que não tão doce. Parecia uma mistura de açúcar queimado com um travesseiro fofinho. Vários biólogos do Caltech, local onde eu trabalhava e estudava, seriam capazes de afundar a cabeça no pescocinho da ave para sentir aquele aroma delicado e doce. Era inebriante. Nossa equipe de pesquisadores reunia cientistas de todo o mundo. Existem cerca de dezessete espécies de corujas-de-igreja, que vivem em quase todos os continentes, com exceção da Antártida. Nós 18 Stacey O’Brien AF•Miolo_Wesley.11.indd 18 10/28/08 2:44:35 PM estudávamos a espécie Tyto alba, a única que vive na América do Norte. A Tyto alba é encontrada da Colúmbia Britânica, no Canadá, até as regiões sul e nordeste dos Estados Unidos, e também em algumas regiões da América do Sul e da Europa. Com porte similar ao de um corvo, essa coruja mede cerca de 45 centímetros e, quando adulta, pesa aproximadamente 500 g. Mas a extensão de suas asas abertas é incrível: pode chegar a pouco mais de um metro. Sem falar na sua bela aparência, com penas de cores branca e dourada. Mesmo sendo uma espécie tão linda, o que realmente conquista o coração das pessoas é sua personalidade. Todos os pesquisadores do Caltech eram bastante apegados a essas aves. Um dos cientistas, um homem enorme, estudava uma coruja que entrou no sistema de ventilação e machucou a pata. As corujas são animais sensíveis e se desgastam com facilidade – por isso, embora o ferimento fosse pequeno e tivesse sido cuidado de modo rápido e indolor, o animal ferido voltou a cabeça para o lado e se recusou a olhar para as pessoas e a comer. Morreu no dia seguinte. O incidente tinha perturbado a coruja a ponto de deixá-la deprimida, e nenhum de nós conseguiu animála com nada. Após a morte da ave, o imenso cientista soluçava, com o corpinho dela nos braços. Em seguida, tirou uma licença do trabalho. É assim que as corujas conquistam nossos corações. Esse comportamentro trágico não é raro nessas aves, que são emocionalmente frágeis mesmo quando soltas na natureza. Vivem com o mesmo companheiro por toda a vida e, quando o parceiro morre, nem sempre procuram outro. Às vezes, a coruja prefere fixar a cabeça com os olhos voltados para uma árvore e ficar ali, em depressão profunda, até morrer. Um luto tão profundo revela a intensidade dos sentimentos dessa ave e quanto ela pode se dedicar a um companheiro. Assim são as corujas! v Wesley AF•Miolo_Wesley.11.indd 19 19 10/28/08 2:44:35 PM Herdei o amor pelos animais do meu pai, que, desde quando consigo me lembrar, trabalhou no Jelt Propulsion Laboratories (JPL), um dos laboratórios do Caltech. Ele costumava levar Gloria, minha irmã, e eu em várias aventuras no mar ou na Reserva Florestal de Angeles Crest, que ficava perto de nossa casa. Primeiro, ele nos ensinou a observar os animais sem incomodá-los, e cada experiência era para mim um incrível encontro com uma forma de vida inteligente vinda de outro mundo, tão diferente e ao mesmo tempo tão familiar. Logo aprendi que cada criatura tem sua personalidade. Para mim, era tão gratificante conquistar a confiança de um animal como seria para um cientista fazer contato com um alienígena. Aprendi a fazer os polvos sair de seus esconderijos colocando minha mão imóvel perto das rochas onde eles gostavam de se ocultar. Como são animais curiosos, acabavam estendendo os tentáculos no sentido da “isca” para explorar minha mão e, quando se sentiam confiantes, apareciam por inteiro. Gloria e eu sempre tentávamos salvar os bebês de aves que encontrávamos e libertar os lagartos das garras dos gatos. Quando eu tinha 4 anos, lembro que minha mãe deu um golpe numa aranha que subia na parede e depois jogou o animal no vaso sanitário. Eu gritei e chorei o dia todo porque, para mim, a aranha era uma criatura inocente que não tinha feito mal a ninguém e, portanto, não havia motivos para matála. Minha mãe ficou espantada com minha reação e tentou me acalmar, mas até hoje eu ainda sofro quando penso que tantas criaturas são mortas sem necessidade. Eu também tinha muita afinidade com os bichos mais “normais”. Meu primeiro grande amor (sem contar meus pais, claro) foi Ludwig, um cão metade collie, metade pastor alemão. Luddie tomava conta da minha cama, deitando-se embaixo dela enquanto eu dormia e chamando minha mãe assim que eu acordava. Ele 20 Stacey O’Brien AF•Miolo_Wesley.11.indd 20 10/28/08 2:44:35 PM ficava atento quando eu tentava engatinhar pela casa e, quando eu quis aprender a andar, deixava que eu me agarrasse nos seus pelos fofos para ficar em pé. Eu segurava suas costas, com as mãos firmes nos pêlos, e ele caminhava devagar e com cuidado. Quando começava a cair, ele sempre tentava suavizar minha queda. Ludwig me ensinou a caminhar e ainda me lembro de seus olhos castanhos e pacientes voltados para mim, enquanto eu tentava me equilibrar. Acho que a companhia de Luddie abriu o caminho para minha relação com outros animais, e agradeço a minha mãe a sabedoria de me ensinar a amar e confiar em Ludwig. Além do meu amor por animais peludos, complexos e cheios de pernas, na minha infância meu quarto era abarrotado de “experiências” – criaturas dentro de potes e amostras de água parada, repletas de formas exóticas de vida, que eu examinava com meu microscópio. Cheguei a reunir duzentos bichos-da-seda do meu quarto, que deram origem a duzentas mariposas, que eu precisava tirar da minha cama toda noite para poder deitar. Embora fosse apenas uma criança, eu era responsável pela limpeza do meu quarto – e minha mãe mandava usar desinfetante – porque ninguém mais tinha coragem de entrar nele. Quando cresci um pouco, meu pai começou a levar minha irmã e eu para assistir a palestras no Caltech. Foi ali que conheci Jane Goodall, a heroína da minha infância. Eu tinha tanta certeza de que quando crescesse faria exatamente a mesma coisa que ela que me empenhei para aprender o idioma suaíli. Na visita seguinte da estudiosa ao Caltech, fiz questão de me aventurar na língua que acabara de aprender. Às vezes me pergunto se ela se lembra da garotinha de tranças loiras que falava suaíli. Até nossos vinte e poucos anos, Glória e eu cantávamos profissionalmente em alguns estúdios de Hollywood. Começamos a nos apresentar em público com a banda de nossa família quando Wesley AF•Miolo_Wesley.11.indd 21 21 10/28/08 2:44:36 PM eu tinha 5 anos e Gloria 3, e, como éramos capazes de ler partitura e cantar sem que ninguém nos orientasse, um ano depois nossas vozes já estavam em propagandas de televisão, filmes e discos. É possível que você nos tenha ouvido em alguns comerciais veiculados na década de 1970, como os do McDonald’s, Pizza Hut, Little Friskies, sorvetes, Bekins Moving and Storage e California Raisins. Gloria e eu também participamos de discos de músicos como Glen Campbell, Barry Manilow, Helen Reddy, os Carpenters e John Denver, entre outros, além de produções como o segundo e o quarto filmes da série Rocky, a fita O Exorcista II – O Herege e vários filmes da Disney. A música sempre esteve presente na nossa família: meu avô foi percussionista na época das big bands e o irmão do meu pai é Cubby O’Brien, da formação original do Mouseketeers. Apesar disso, dada a minha fascinação pela ciência e o meu amor pelos animais, meu caminho natural foi me matricular na faculdade de Biologia, em 1985. Fui para a Occidental College, uma instituição associada ao Caltech e, na época, freqüentada por poucas mulheres. Os alunos da Occidental podiam fazer qualquer curso do Caltech e vice-versa, o que permitia que as duas faculdades ampliassem seu currículo. Como eu gostava mais do ambiente do Caltech, assisti às aulas ali durante quatro anos. Também foi no Caltech que consegui um emprego de meio período, oferecido para estudantes que ainda não tinham se formado no Institute of Behavioral Biology, para estudar os primatas. Um tempo depois, recebi uma proposta para trabalhar no departamento que se ocupava das corujas. Depois do contato com os macacos, praticamente humanos, achei que estudar essas aves podia ser tedioso. Na época eu acreditava, como muitas pessoas ainda acreditam, que eram “apenas aves”. Elas pareciam distantes e eu sabia muito pouco sobre elas, além do fato de que gostam de 22 Stacey O’Brien AF•Miolo_Wesley.11.indd 22 10/28/08 2:44:36 PM