Aula3-Antropometria-Introdução
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Aula3-Antropometria-Introdução
Universidade Ibirapuera – Arquitetura e Urbanismo CONFORTO AMBIENTAL: ERGONOMIA E ANTROPOMETRIA AULA 3 Antropometria Conceito e evolução Profª Mª Claudete Gebara J. Callegaro [email protected] http://claucallegaro.wordpress.com 02.03.2015 A NATUREZA COMO REFERÊNCIA Sermão da Flor: Dizem que certa vez Sidarta Gautama (Buda, entre séc. VI e IV a.C., Índia) fez um sermão sem dizer uma só palavra. A flor de lótus nasce em água lodosa (desejos carnais), mas desabrocha sobre a água em busca de luz (promessa de pureza e elevação espiritual). Ficou vários minutos parado, em silêncio. Seus discípulos chegaram a ficar preocupados de que talvez estivesse doente ou cansado. Então ele lhes mostrou uma flor de lótus retirada da água lodosa, e continuou em silêncio. Os discípulos tentavam interpretar aquilo, mas apenas um obteve um entendimento especial, alcançando uma sabedoria, mesmo sem palavras. Imagem de flor de lótus. Fonte: <http://www.signifi cados.com.br/florde-lotus/> A flor de lótus (“padma” em hindi) comparece em mitos hindus, gregos, japoneses, e tem grande significado para o Budismo. As relações harmônicas que a flor traz em si talvez tenham ajudado a mestre e discípulo sintonizarem entre si e se elevarem para o entendimento de todas as coisas (sabedoria). Mas essas relações harmônicas também estão impressas de outras maneiras na natureza. Percebê-las é como que materializar a ideia de que existe certa ordem no cosmos. Pavão. <http://casadoengenhopenha.com.br/?page_id=65> Concha. <http://trendtips.com.br/tag/color-trend/> Pinhas. <http://www.compranotamil.com.br/> Girassol. <http://filosofiaimortal.blogspot.c om.br/2012/08/o-girassol.html> Dupla espiral em girassol. (DOCZI, 1990, p.4) Relações trigonométricas em frutos. (DOCZI, 1990. p.7) Frutas cortadas. <http://dicassobresaude.com/> O desenvolvimento dos saberes humanos e das artes em geral tem muito a ver com essas observações da natureza. Cestaria. <http://fatimassa.wix.com/maosdonorte#!gallery> Relações geométricas da natureza aplicadas à arte e às práticas artesanais. (DOCZI, 1990, p.14) Se essas relações de fato existem ou se nós nos esforçamos para enxergá-las é uma discussão ainda atual. A situação mais evidente de que nós é que procuramos enxergar relações na natureza é o desenho das Constelações no céu. Segundo o pensamento clássico, encontrar essas relações facilita nossa vida e nos norteia em nossa busca da perfeição. Constelação de Órion: a) estrelas principais, b) imagem mitológica vista pelos antigos, c) posicionamento das principais estrelas em relação à Terra. Obtido em <http://astro.if.ufrgs.br/const.htm>. A Antiguidade Clássica (sec. VIII a.C. – V d. C.), com os gregos seguidos pelos romanos, trouxe o que era intuição para a razão. Buscou-se entender as relações cósmicas contidas na natureza, e já observadas por povos mais antigos, traduzindo-as em relações matemáticas (proporções, geometria). Dessa maneira, foi possível propagá-las e aplicá-las de modo consciente à arte e à técnica, assim como às relações sociais e políticas. Esse trabalho intelectual se repetiu em outras épocas, p. ex. na Renascença (a partir do século XV). Dentre as relações métricas mais intrigantes, chamam atenção algumas replicadas em edifícios e templos, mesmo em culturas bastante primitivas, em música, poesia, escultura e outras artes, desde a Idade da Pedra Lascada (Paleolítico, 2,5 milhões a. C.) até hoje: Proporção Áurea, Terno pitagórico (triângulo retângulo 3:4:5), Sequência de Fibonacci. PROPORÇÃO ÁUREA A proporção áurea, encontrada na natureza e no corpo humano, foi representada geometricamente por Fídias, escultor grego, no século V a.C., e é representada pela letra grega Φ (phi, lê-se “fi”, de Fídias). Matematicamente, trata-se de um número irracional (sem repetição, sem fim): a ÷ b = 1,618... b ÷ a = 0,618... Ilustração do método geométrico de construção do retângulo áureo. Obtida em <http://www.mat.uel.br/geometrica/php/pdf/dg_prop_%C3%A1urea.pdf> Proporção Áurea em Stonehenge - Inglaterra, 3100 a.C. (DOCZI, 1990, p. 39) Stonehenge no solstício de inverno. Fonte <http://flickr.com/photos/simonw akefield/3149066878/> Proporção Áurea em Ziggurat sumério - Ur, atual Iraque, 2200 a.C. (DOCZI, 1990, p. 47) Ziggurat (Montanha de deus) de Ur. Fonte: <http://pixgood.com/zigguratof-ur-inside.html> Proporção Áurea no Parthenon – Atenas, em torno de 450 a.C. (DOCZI, 1990, p. 108) Partenon (Templo da deusa Atenas) em Atenas. Fonte: <http://benaventearte.blogsp ot.com.br/2010/10/comentari o-acropolis.html> Proporção Áurea em pagode budista no complexo de Yakushiji, Nara, Japão – século VII. (DOCZI, 1990, p.116) Pagode de Yakushiji. Fonte: <http://www.tripadvisor.co.uk/Loc ationPhotoDirectLink-g298198d319881-i113701300Yakushiji_TempleNara_Nara_Prefecture_Kinki.html > Proporção Áurea em Borobudur (templo hinduísta construído no século VIII, depois transformado em estupa budista), Java, Indonésia. (DOCZI, 1990, p.115) Borobudur. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Borobu dur#mediaviewer/File:BorobudurNothwest-view.jpg> Proporção Áurea aplicada em outras épocas e até o presente. • Catedral de Notre Dame de Paris (séc. XII em diante). • Mona Lisa (Gioconda) de Leonardo da Vinci (1503). • Ville Stein de Le Corbusier, em Garche (prox. Paris. 1926). Imagens e análise obtidas em http://designontherocks.blog.br/proporca o-divina-todo-designer-precisa-conhecer/: TERNO PITAGÓRICO (TRIÂNGULO 3:4:5) Relações trigonométricas em flores. (DOCZI, 1990, p. 6) Aplicação do terno pitagórico para determinação de “esquadro” em obra. Fonte: <http://www.carlosalexandre.mat.br/ 2013_08_01_archive.html> Proporções constantes nas cabeças de Hypnos (deusa do sono) e de Higéia (deusa da saúde) – século IV a.C. (DOCZI, 1990, p. 106) Os antigos usavam os movimentos rítmicos dos corpos celestes (ciclos lunares e solares, movimento dos planetas) para medirem o tempo. Para medirem o espaço e atuarem sobre ele, tomavam como referência a natureza terrena e o próprio corpo humano. A Antropometria decorre desse esforço milenar de percepção de relações matemáticas entre as coisas, inclusive no corpo humano. Os antigos buscavam o Bom, o Belo, o Verdadeiro, a aproximação de Deus, a perfeição, nas relações da natureza. O homem é natural e tais relações também permeiam sua materialidade. A partir dessa compreensão, o homem se tornou medida-padrão. Relações geométricas da natureza encontradas também na imagem humana – Doryphoros (Portador da Lança), de Policleto – V a.C. (DOCZI, 1990, p. 104) O HOMEM COMO MEDIDA DE TODAS AS COISAS Os egípcios (2000 a. C.) já aplicavam algumas relações matemáticas em pinturas e esculturas, baseadas em partes do corpo humano: •punho (1/3 da extensão da mão), •pé, •cúbito (antebraço com a mão estendida), •mão (4 dedos ou dígitos). Medidas egípcias antigas. (DOCZI, 1990, p. 37) Os romanos também usaram esse raciocínio e o ampliaram. P. ex.: •cúbito romano (2 pés), •polegada (unciae) = 2,54cm ainda hoje utilizada •pé = 12 unciae •braça (distância entre as extremidades dos dedos das mãos de um homem com braços abertos e mãos esticadas = 6 pés = 1,83m) Medidas de comprimento usadas pelos romanos na antiguidade. Obtido em http://pt.wikipedia.org/wiki/Unidades_de_medida_da_Roma_Antiga Marcus Vitruvius Pollo, arquiteto e engenheiro romano do século I a.C., foi autor de um tratado teórico e técnico detalhado – “Dez Livros de Arquitetura” -, considerado como a mais antiga e a mais influente de todas as obras sobre a arquitetura. Vitrúvio observou muitas construções de épocas anteriores, as proporções do corpo humano que os mais antigos já utilizavam como medida, as observações sobre o cosmos e a natureza, o arranjo de elementos nos ambientes construídos. Além das medidas, havia em sua obra um fundamento mais profundo, esotérico, ligado a forças cósmicas (“ventos”) nas relações que ele transformou em leis de simetria, medidas exatas, proporções, formas geométricas. Esse tratado foi seguido em todo o Império Romano, durante todo o período de domínio, com poucas alterações. Com a queda do Império e as muitas invasões bárbaras, vários ensinamentos sistematizados foram esquecidos, mantidos vivos de maneira oculta pela Igreja Católica ou na cultura dos lugares (tradição). As observações sobre o corpo humano e as relações numéricas, porém, não cessaram. Em 1202, Leonardo Fibonacci (1170-1250), matemático italiano, escreveu o Liber Abaci (Livro do Cálculo), reunindo muitos conhecimentos matemáticos e introduzindo os algarismos indo-arábicos na Europa. (É bom lembrar que o sistema antes utilizado era o romano, com uma série de limitações.) Nesse livro, Fibonacci usou como exemplo uma sequência numérica já conhecida, em que, definidos os dois primeiros números da sequência como 0 e 1, os números seguintes serão obtidos por meio da soma dos seus dois antecessores, tendendo ao número de ouro (1,618). Cennino Cennini (1370 – 1440), pintor italiano influenciado por Giotto (pintor e arquiteto, Florença), descreveu que a altura do homem é igual a sua largura com os braços estendidos. Assim como ele, é provável que mais observadores chamassem atenção para outras relações, p.ex., que a altura do homem é igual a 9 cabeças (Dionísio, monge de Phourna, Ucrânia). SEQUÊNCIA DE FIBONACCI Sequência de Fibonacci : definidos os dois primeiros números da sequência como 0 e 1, os números seguintes serão obtidos por meio da soma dos seus dois antecessores, tendendo ao número de ouro (1,618...): 0+1=1 1+1=2 1+2=3 2+3=5 0,1,1,2,3,5,8,13,21,34,55,89,144,233,... 233 ÷ 144 = 1,618... Ilustração da Sequência de Fibonacci. Obtida em <http://www.mat.uel.br/geometrica/artigos/ST-15-TC.pdf> Proporção Áurea associada à Sequência de Fibonacci Ilustração da Espiral de Ouro . Obtida em <http://www.mat.uel.br/geometrica/artigos/ST-15-TC.pdf> Época de “renascimento” dos conhecimentos antigos, ocultos durante toda a Idade Média. Na Renascença, a partir do século XV, muitos desses ensinamentos acumulados em séculos de observações e cálculos foram reunidos e relacionados. O italiano Leonardo da Vinci (1452 1519), cientista, matemático, engenheiro, anatomista e botânico, pintor e escultor, poeta e músico, retoma as descrições de Vitrúvio (sec. I a.C), faz novas relações com base no conhecimento da época. Da Vinci elabora um esquema famoso do corpo humano (Homem Vitruviano), chamando atenção para uma tendência das medidas à Relação Áurea (1,618 aproximadamente) e à Sequência de Fibonacci. Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci – final do século XVI. (DOCZI, 1990, p. 93) Ilustrações de criança e de adulto, feitas por Leonardo da Vinci para o livro “Divina Proportione”, do matemático Luca Pacioli, em 1509. (DOCZI, 1990, p. 95) Medida universal: o METRO Com o aumento de relações comerciais internacionais desde o século XVI, a imprecisão das medidas mostrou-se um empecilho para harmonização de interesses, comuns em decorrência da variedade de referenciais e denominações de medida. O desenvolvimento das ciências exatas nos séculos seguintes e a tendência de troca de informações entre os cientistas também forçou a que se buscasse uma homogeneização das medidas; somente assim o conhecimento adquirido poderia ter valor universal. No final do século XVIII, o governo francês solicitou à Academia Francesa de Ciências que criasse um sistema de medidas baseado em uma constante não arbitrária, em algo que fosse menos variável que as medidas humanas. Em 1792, o grupo formado por físicos, astrônomos e agrimensores chegou à definição do “metro”, proporcional à circunferência da Terra. Essa medida foi transportada para um protótipo em platina, até hoje conservado no Escritório Internacional de Pesos e Medidas, na França. Visando se obter uma precisão maior ainda, em 1983, o referencial para definição do metro foi mudado da circunferência da Terra (descoberta como variável) para a velocidade da luz no vácuo, situação passível de se obter em laboratório. Paralelamente, outros estudiosos desenvolviam esquemas em bases nem sempre matemáticas. P. ex.: Robert Fludd (1574 – 1637), inglês e estudioso de várias religiões, elaborou um outro esquema que unia as características de céu e terra no ser humano, assim como os antigos Clássicos faziam. Ilustração de Robert Fludd sobre a existência das relações do universo no homem – início do século XVII. (DOCZI, 1990, p. 96) Com o Iluminismo (séc. XVIII, conhecido como Século das Luzes) e o domínio do pensamento racionalista, a linha de pensamento que relacionava a natureza terrena e o cosmo com o ser humano foi ridicularizada por alguns... Porém, ainda havia quem se intrigasse com as antigas observações, e as antigas relações não foram de todo abandonadas, retornando com o Movimento Moderno (entre séc. XIX e XX). Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret-Gris, 1887-1965), arquiteto e pintor francês, admirador do classicismo e ícone do movimento moderno da primeira metade do século XX na Arquitetura, estudou a respeito das proporções humanas por 20 anos. Tomando como referência alturas médias de indivíduos de diferentes lugares da Terra, Le Corbusier identificou a Proporção Áurea e a Sequência de Fibonacci, utilizando essas relações no dimensionamento de várias de suas obras arquitetônicas. Em 1945, concluiu o assunto com o Modul-Or. Evolução dos estudos do Modulor de Le Corbusier. Obtido em http://www.fondationlecorbusier.fr. A aplicação dessas proporções pode ser vista em diversos edifícios de Le Corbusier, como na Unité d’Habitation de Marselha, França (projeto de 1945, implantado entre 1947 e 1953). Na Cidade Radiosa, buscava-se recuperar a dinâmica da vida urbana na escala do usuário, porém num edifício monumental. A expressão “unidade de habitação” se justifica pela composição do edifício por “módulos” habitacionais. Os módulos (UH) foram criados tendo por referência as dimensões humanas, fazendo com que o conjunto também fosse conhecido como Cité Radieuse. Unidade de habitação em Marselha, de Corbusier (1945). Imagem emprestada de http://www.fondationlecorbusier.fr Essa síntese foi muito útil para a reconstrução da Europa, após a II Guerra Mundial (décadas de 1940-1950). Havia uma grande necessidade de se abrigar muitas pessoas e, economicamente, quanto menor fosse o espaço mais viável seria a empreitada. Atualmente, porém, esse modelo não é mais aceito como universal. Hoje, dada a incrível mobilidade das populações, às misturas genéticas, à diversidade física e cultural, o ideal é que se conheça com mais detalhe o público que se pretende atender. Assim, surgem vários modelos de análise antropométrica e uma nova ciência se desenvolve: a Ergonomia. Modulor de Le Corbusier, construído para altura de 1,75m (azul) e de 1,83m (vermelho). Obtido em http://www.fondationlecorbusier.fr. PANERO E ZELNIK, 2002, p. 28-29. IIDA, 2001, p. 110-111 MODELOS ANTROPOMÉTRICOS PANERO E ZELNIK, 2002, p.44 IIDA, 2001, p.113 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15127 de 2004: Corpo Humano- Definição de medidas. DOCZI, Dyörgy. O Poder dos Limites - Harmonias e Proporções na Natureza, Arte e Arquitetura. São Paulo: Mercuryo, 1990. NEUFERT, Ernst. Arte de projetar em arquitetura: princípios, normas e prescrições sobre construção, instalações, distribuição e programas de necessidades, dimensões de edifícios, locais e utensílios. São Paulo: Gustavo Gili, 1975. PANERO, Julius; ZELNIK, Martin. Las dimensiones humanas e los espacios interiores: Estándares antropométricos. México, DF: Gustavo Gilli, 2002, 10ª edição. PENNICK, Nigel. Geometria Sagrada: simbolismo e intenção nas estruturas religiosas. São Paulo: Pensamento, s/ data. (Original de 1980.) http://astro.if.ufrgs.br/const.htm http://casadoengenhopenha.com.br/?page_id=65 http://filosofiaimortal.blogspot.com.br/2012/08/o-girassol.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Unidades_de_medida_da_Roma_Antiga http://www.fondationlecorbusier.fr http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/pitagoras.html http://www.matematica.br/historia/fibonacci.html http://www.mat.uel.br/geometrica/php/pdf/dg_prop_%C3%A1urea.pdf http://www.youtube.com/watch?v=VyWAcPZrvLg
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