Três Histórias de paixão pelo vinho
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Três Histórias de paixão pelo vinho
evento Marta: vinho e viagens O Tour Mistral trouxe ao Brasil produtores de diversos países. Wine Style conversou com três deles e conta a trajetória percorrida por cada um Hélène: um enredo de filme por Guilherme Velloso três h O mundo do vinho está povoado de histórias – e perso- nagens – interessantes. O recente Tour Mistral, que trouxe istó p a ixã rias de o pelo v inho ao Brasil produtores de diversas regiões do mundo, representativos do catálogo da conhecida importadora paulista, ofereceu excelente oportunidade de comprovar, mais uma vez, essa verdade. Wine Style conversou com três dos produtores que apresentaram seus vinhos a consumidores de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba: um grego, uma francesa e uma espanhola. Seus depoimentos mostram que, se têm em comum a paixão pelo vinho, os caminhos que os levaram até ele foram muito diferentes. A aposta nas uvas autóctones da Grécia Até 1994, nada indicava que Pantelis Karatsalos se tor- naria um dos mais importantes produtores de vinhos da Grécia. Mais conhecido por “Leon”, apelido que herdou de Leon: Retsina de qualidade seu avô e que incorporou a seu cartão de visitas, Karatsalos, engenheiro agrônomo por formação, trabalhava para uma empresa que vendia produtos fito-sanitários. E não pense que o vinho estava no sangue: seu pai fez carreira como oficial das Forças Armadas. Foi um amigo, ex-colega de faculdade, que o convidou para fundar uma vinícola. Esse amigo, enólogo, trabalhava para uma grande empresa do setor mas não se sentia realizado. Leon talvez compartilhasse o mesmo sentimento, tanto que aceitou o convite. Como não tinham 23 recursos, produziram seu e, hoje, o Retsina da Gaia é um sucesso (sua produ- o sonho comum, obviamente, era ter sua própria viníco- e superconcentrado em Bordeaux, como os do Novo primeiro vinho, um branco ção é totalmente exportada), embora seu preço seja la. A oportunidade veio em 1994, justamente na região Mundo, “simplesmente porque não temos sol suficien- feito com a uva Assyrtiko, quatro vezes maior do que o preço médio dos Retsina onde Hélène nascera. Tanto o Domainde de Montalon, te na época da colheita; temos neblina e umidade”. E nativa da ilha de Santorini, vendidos nas tavernas de Atenas (no Brasil, ele custa onde passava férias, quanto o Château La Gatte, maior e completa: “não faz sentido a Califórnia imitar Bordeaux em uma vinícola alugada. 30 dólares, na Mistral). A propósito, Leon considera o mais famoso, que fica a algumas centenas de metros do e Bordeaux imitar a Califórnia”. Não por acaso, o vinho recebeu Retsina o vinho ideal para acompanhar os “mezes”, o primeiro, estavam à venda. Juntas, as duas proprieda- o nome “Thalassitis”, que significa antepasto típico de seu país, composto por iguarias de des somam 13 hectares. E há registros de que nelas já se da propriedade. Usada como prostíbulo de 1900 “o vinho que vem do mar”. O lançamento foi um suces- sabores variados e contrastantes como sardinha, berin- produzia vinhos desde, respectivamente, 1629 e 1646. a 1979, ela vem sendo renovada aos poucos, in- so e abriu caminho para o que é hoje a Gaia Wines (pro- gela, queijo, polvo, azeitonas etc. “Não dá para acom- Hoje, três anos depois de comprar as duas proprie- clusive com recursos provenientes de um peque- nuncia-se Géa, que significa “mãe terra”), considerada panhar sabores tão diferentes com um Chardonnay dades, muito já foi feito, sobretudo para melhorar a no Bed & Breakfast que funciona anexo, hoje com uma das duas melhores vinícolas gregas da atualidade. ou um Cabernet”, diz ele, com uma ponta de orgulho. qualidade dos vinhos, mas ainda há muito por fazer. É três suítes disponíveis para hóspedes. A cidade fica um trabalho árduo e o casal conta com poucos recursos a menos de 30 quilômetros de Bordeaux e as diá- para investir. Hélène cuida mais dos vinhedos e da ade- rias custam a partir de 45 Euros, preço bastante ra- ga; Michael ajuda nos vinhedos e é o responsável por zoável, que inclui não só o café da manhã, mas Recentemente, seu “Gaia Estate” foi apontado pela res- Um caso de amor e de vinhos peitada revista Decanter como o melhor vinho grego. 24 A Gaia produz 350 mil garrafas por ano (60% são Hélène, Michael e as filhas moram na velha casa tintos). E exporta 60% de sua produção. Leon credi- Hélène Affatato nasceu em meio aos vinhedos de vendas. Há apenas um empregado fixo, para ajudá-la, também a vista dos vinhedos e do rio Dordogne, ta o sucesso, principalmente, à decisão de só traba- Bordeaux, mas a relação de seus pais com o vinho era a e ocasionalmente são contratados tem- sem falar na ajuda de Hélène para programar visi- lhar com castas autóctones de seu país, num mundo mesma de qualquer outro francês, ou seja, um ou dois porários. Nos fins de semana ou tas aos famosos châteaux do Médoc e cercanias. inundado por Chardonnays e Cabernets Sauvignons: copos às refeições, talvez uma garrafa nos almoços nos dias em que não têm aula, Assyrtiko, no caso dos brancos, produzidos em Santo- dominicais. Ambos são professores, assim como sua as duas filhas do casal, de 11 rini (agora numa instalação própria) e Agiorgítiko (lite- madrinha, que era dona do Domaine de Montalon, mi- e 7 anos, ajudam os pais a co- ralmente “São Jorge”) para os tintos, produzidos numa núscula propriedade (1 hectare) nas cercanias de Saint locar as garrafas na máquina adega construída em Neméa, na região do Peloponeso, André de Cubzac, onde Hélène muitas vezes ia brincar, para colar os rótulos. Martinez Bujanda carrega no nome o legado de cinco onde ficam os vinhedos. Outra razão do sucesso, na ava- em meio aos vinhedos. Segundo ela, aos 14/15 anos, A produção atual é de 90 mil gerações dedicadas ao vinho. O grupo “Família Martinez liação de Leon, foi focar na qualidade e não na quantida- decidiu que gostaria de trabalhar com vinho. Mas seu garrafas e compreende um branco Bujanda” nasceu em 1889, com seu bisavô, que comprou de. Por isso, segundo ele, seus vinhos não fazem muito destino só começou mesmo a ser traçado alguns anos (um interessante corte de Sauvignon os primeiros vinhedos e vendia os vinhos que produzia a sucesso junto à comunidade grega que vive fora das fron- depois, em Londres, onde foi viver e trabalhar numa Gris e Sauvignon Blanc), um rosé 100% Merlot, um tinto granel. Mas foi seu avô o grande responsável pela dimen- teiras do país, principalmente nos Estados Unidos, que loja de vinhos. Um dos clientes da loja, diretor do genérico (AOC Bordeaux) e dois tintos “single vineyards”: são atual da empresa familiar. Ele não apenas comprou prefere comprar os vinhos tradicionais, mais baratos. Château Latour, uma das propriedades mais famosas o Domaine de Montalon, um corte de Merlot (80%) e novos vinhedos e construiu adegas, como estabeleceu Um bom exemplo da filosofia que norteia os negócios de Pauillac, simpatizou com aquela moça e convidou-a Cabernet Sauvignon, e o vinho top, o La Butte com a política de só trabalhar com uvas próprias. Hoje, Mar- da Gaia é seu vinho do tipo “Retsina” (esse nome é a trabalhar no renomado château, recebendo visitantes uvas de uma pequena parcela do vinhedo plantada ex- tinez Bujanda é um dos maiores grupos vinícolas espa- dado por ter “resina” de pinheiro adicionada ao pro- e acompanhando grupos de turistas. clusivamente com velhas vinhas (o último replantio foi nhóis, com 400 hectares de vinhedo nas três sub-regiões duto final, o que lhe dá um sabor bastante diferente Um desses visitantes foi um americano, descenden- há quase 50 anos) de Merlot. São vinhos agradáveis de Rioja e outros 1.000 hectares em La Mancha, na Finca e marcante). Inicialmente, a Gaia não pensava em fa- te de italianos, que decidira largar sua carreira no mar- e que, em geral, podem ser bebidos jovens, embora Antigua. A produção atual é de quase 1 milhão de garra- zer um vinho desse tipo, embora seja muito aprecia- keting e na fotografia para se dedicar a sua paixão, o tenham algum potencial de envelhecimento, especial- fas anuais, abrangendo todos os segmentos do mercado, do pelos turistas que visitam a Grécia (que, em geral, vinho. Por coincidência, também filho de professores. mente o elegante La Butte. Hélène comenta que, re- distribuída por quatro empresas: arrependem-se de tê-lo comprado quando retornam à O resto da história é previsível e daria um bom enredo centemente, ela e Michael abriram um Montalon (por Bodegas Valdemar, Finca Val- casa). Leon se recorda de que, quando a Gaia começou para um filme. Os dois se apaixonaram, casaram e deci- razões compreensíveis o seu “queridinho”, como ela piedra (vinhedo de 80 hec- a mostrar seus vinhos em feiras e eventos internacio- diram viver uns tempos nos Estados Unidos. Hélène foi mesma admite) do início da década de 50 e que o vinho tares, onde só é produzi- nais, muita gente sequer visitava o estande da empresa trabalhar num vinhedo em Long Island; Michael numa ainda estava muito bom. O casal está testando também do o vinho do mesmo por associar vinho grego aos Retsina de má qualidade. importadora de vinhos. Quatro anos depois, voltaram à um branco da safra 2005, que passou por barricas de nome), Finca Antigua e Por isso, perguntou ao sócio se era possível produzir um França para trabalhar em vinícolas da região do Rhône, carvalho, para avaliar sua evolução. Hélène observa Cosecheros & Criadores Retsina de boa qualidade. O sócio respondeu que sim pela qual a “bordalesa” Hélène se diz apaixonada. Mas que seria ridículo tentar fazer um vinho supermaduro (a linha mais básica). O legado de cinco gerações Ao contrário de Leon e de Hélène, Marta Santander 25 Destaque para dois single vineyards: Finca Valpiedra responsável por Europa, Ásia e América Latina (do e Clavis. O primeiro, que só é produzido nos grandes México para baixo). Seu tio Carlos é o Diretor Comer- anos, é feito com uvas provenientes de um vinhedo cial e um primo de mesmo nome cuida do mercado plantado, majoritariamente, com Tempranillo, embora interno. Marta tem um irmão que, como seu pai, já tenha também uma pequena parcela de Cabernet Sau- falecido, prefere trabalhar no campo. vignon (que não pode ser declarada no rótulo, porque Quanto a ela, parece estar no lugar certo, pois diz o vinho perderia direito a usar sua d e n o m i n a ç ã o d e origem) e Graciano. O segundo, uma que adora vinho e viajar, tanto que, recém-formada, a seleção dos editores morou um ano na Alemanha p a r a Dos vinhos apresentados por ocasião do Tour Mistral, a p r e n d e r alemão. A os selecionados abaixo foram os que mais impressionaram os editores da Finca A n t i g u a , Martinez Bujanda de Wine Style* seja pela tipicidade seja pela boa relação preço/qualidade. 1. Luis Pato Vinhas Velhas 2006 Um bom exemplo de branco complexo e elegante, é u m vinhedo exporta 60% de produzido com uvas autóctones de Portugal (Bical, Sercial e Sercialino). muito antigo, sua produção 2. Silene Sauvignon Blanc 2006 - Um vinho que impressiona pela pureza de sabores e exuberância aromática. A mais pura expressão desta uva na Nova Zelândia. plantado com para igual nú3. Quinta da Lagoalva Talhão 2004 - Produzido com as uvas Alvarinho, Sauvignon Blanc mero de paíoito diferene Verdelho, é a prova inequívoca (se ainda precisasse) de que a modernidade chegou a Portugal. 4. Coldstream Hills Pinot Noir 2005 - Exuberante, exibe aromas de frutas decadentes, mesclados tes variedases. Suíça e a notas terrosas e florais. Um vinho sedoso e equilibrado, típico da variedade. 5. Synergy Cape Blend 2002 (Beyerskloof) - O clássico corte sul-africano (Cabernet Sauvignon, des mistuAlemanha, Pinotage e Merlot). Mostra complexidade aromática e boa estrutura. Bom para acompanhar uma refeição. r a d a s (só Suécia e 6. Thalassitis Assyrtiko Santorini 2005 - O vinho que deu fama ao produtor grego Gaia. Um branco diferenciado, feito com a uva Assyrtiko, em Santorini: seco, acidez marcante, notas minerais e florais. cinco foram Reino Unido 7. La Butte Vieilles Vignes 2004 (Château La Gatte) - O vinho top da vinícola. Um “single vineyard” identificadas). e Estados 100% Merlot. Um vinho que prima pela elegância mais do que pela potência. 8. Finca Valpiedra 2001 (Martinez Bujanda) - Outro “single vineyard”. A Tempranillo domina Marta diz que Unidos e Ca(90%), mas leva 5% de Cabernet Sauvignon (não declarados no rótulo). nadá são seus se supõe que Muito elegante e equilibrado para cima. 9. RPF Petit Verdot 2006 (Pisano) - Do Uruguai vem este interessante maiores merera o vinhed o vinho feito com a Petit Verdot (100%). Embora jovem, apresenta taninos cados. Além desexperimental macios e finos. Levemente alcoólico (14º). parcela de 4 hectares 26 dos antigos proprietários. O curioso é que o ses, a Rússia começa * Indicações de Arthur Azevedo, Guilherme Velloso e Gustavo Andrade de Paulo a despontar como grande Clavis é um vinho que não será produzido por muitos anos, pelo menos na versão atual. É que não será pos- comprador de vinhos, sem falar, é claro, do Brasil, que Marta considera importante mercado consumidor. Tanto sível replantar o vinhedo com as variedades originais. isso é verdade que esta foi a quarta vez que visitou o Se Hélène decidiu se dedicar aos vinhos quando país, que elogia pela gastronomia invejável e excelen- tinha 14 para 15 anos, nessa mesma idade, em que tes cartas de vinho. No que depender dela, certamente pese a tradição familiar, Marta teve um momento de estará aqui novamente em 2008 para o próximo En- dúvida e chegou a pensar em estudar Farmácia. “Foi contro Mistral, que ocorre em anos alternados daque- um lapso”, comenta, sem esconder certa vergonha por les em que se realiza o Tour. essa indecisão, ainda que temporária, pois foi logo substituída pela de estudar Administração de Empre- G uilherme V elloso , jornalista e consultor de sas e trabalhar na Martinez Bujanda, a empresa de empresas , é E ditor - E x ecutivo de W ine S t y le e sua mãe e dois tios. Marta é Gerente de Exportação, D iretor da A B S - S P.