revista - Perro Libre
Transcrição
revista - Perro Libre
r e v i s ta #001 Dezembro/ 2015 1 p e r r o l a b r a Às vezes nos questionamos A humildade para repensar, traz vida e entuasiasmo para sobre o real sentido de ser sem buscar o novo e se reinventar, quem bebe dessa escola. Que coleira, porque afinal, cada é uma boa forma de traduzir nos abasteçamos com o que há perro tem seu jeito de abraçar esse conceito. A cerveja ocupa de melhor, porque só o que nos essa ideia. Mas soltar a coleira é um papel além da sua produção fascina tem o real poder de nos estar certo? Na verdade, não é e consumo, ela expressa as alimentar. essa a discussão. Não lutamos atitudes e a personalidade por estabelecer padrões, de quem a produz. Além da pelo contrário, o objetivo é a alquimia, da experiência e da liberdade para refletir, mudar ou expressão que envolvem a permanecer. cerveja, o processo cervejeiro 2 Sem Coleira Cucaracha Cerveja boa é cerveja livre. Pag.04 Festivais Nos festivais cervejeiros, menos (quantidade) é mais (variedade). Pag.07 Beber ou Degustar. Pag.09 Fermentando O certo é o certo e o errado é o errado. Pag.12 Las Panelas Você é um Concurseiro ou Cervejeiro? Pag.15 mural Notícias do mundo cervejeiro. Pag.19 3 c c u c r a h a a Por: Marcio Beck 4 cerveja boa é cerveja livre Cerveja livre? Livre de que? Livre de pré-conceitos sobre o que pode ou não ser usado nas receitas. Livre de regras que limitam a criatividade dos cervejeiros (tenham elas 500 anos de tradição ou não). Livre da ânsia de “agradar ao mercado” com mais do mesmo, lançando rótulo de um determinado estilo só porque ele virou queridinho dos hipsters. Os novos tempos de prateleiras repletas de opções nos supermercados, bares e lojas são uma mudança de paradigma muito bem-vinda. Mas impõem aos cervejeiros um novo desafio. Não basta mais fazer cerveja boa, nem mesmo cerveja muito boa. Elas já existem aos montes, tanto importadas, quanto nacionais. Não existe uma contagem oficial, mas distribuidores e varejistas estimam que haja, no mínimo, algo em torno de mil rótulos diferentes disponíveis no Brasil. Entre eles, estão clássicos que se tornaram referências absolutas para os estilos que seguem. Para se destacar no meio de tantas opções, não restam aos cervejeiros muitos caminhos. A Weihenstephaner parece com a sua weizenbier? Parabéns! Sua belgian dark strong ale deixa a Rochefort 10 no chinelo? Impressionante! Você deve ser mesmo um talento excepcional. Ou tem pouquíssima capacidade de autocrítica. 5 Você deve ser mesmo um talento excepcional. Ou tem pouquíssima capacidade de autocrítica. E ainda que sua cerveja seja tão boa quanto, ou até melhor, que uma clássica referência do estilo, fazer a melhor cerveja que sua capacidade técnica e suas condições materiais permitem é obrigação de todo cervejeiro. Nas palavras do lendário mestre Yoda: “Do, or do not. There is no try”. O que é opcional, mas faz toda a diferença no resultado que vai chegar às mãos (e ao fígado) do consumidor, é aquilo que só o cervejeiro que não está diante do tanque para surfar numa modinha pode fazer: infundir PERSONALIDADE na cerveja. Não é só fazer um rótulo modernoso, descolado. Não é só jogar ingredientes a esmo no tanque e rezar para que eles combinem. É criar um produto imbuído de valores que vão além da sua finalidade óbvia. Claro que, para isso, é preciso que o próprio cervejeiro tenha valores para passar. Não, não estou dizendo que é fácil. Apenas que vale o esforço. 6 Por: Roberto Fonseca Nos festivais cervejeiros, menos (quantidade) é mais (variedade). Quando vou a um evento envolvendo cerveja artesanal, tenho como primeiro objetivo “tomar todas”. Atente, porém, para a dubiedade da expressão: enquanto uns a entendem como consumir o máximo possível de bebida no menor tempo disponível, como em um rodízio de carnes, refiro-me a tomar todas as variedades de cerveja servidas ali que ainda não conheço, no menor volume possível, até estar satisfeito – e isso não quer dizer embriagado. Por isso, gosto bastante de eventos e festivais que dão ao consumidor a oportunidade de comprar doses pequenas, chamadas “amostras” ou “degustação”. No Great American Beer Festival, nos Estados Unidos, a medida de serviço obrigatória é de aproximadamente 60 ml, e a organização faz uma campanha intensa para evitar o “overpour”, ou chorinho extra da bebida. No Festival Brasileiro da Cerveja, em Blumenau, há a opção de uma pequena amostra e, também, doses maiores, 7 de modo mais plural. Outros eventos, contudo, acabam trabalhando apenas com doses maiores, o que, a meu ver, acarreta alguns problemas. O primeiro deles é a relação custo x diversidade. Doses maiores invariavelmente serão mais caras e permitirão degustar menos rótulos com uma certa quantidade de dinheiro. O segundo problema torna as escolhas uma “roleta russa”: se a cerveja for boa, tudo bem. Mas e se não agradar o gosto do consumidor ou tiver defeitos? Toma-se a contragosto (afinal, foi paga) ou joga-se fora? Há, ainda, um terceiro fator, que envolve cervejas raras levadas aos festivais: quanto menor a dose, maior o número de pessoas que poderá prová-la. Um possível contraponto a essas dificuldades citadas seria o fluxo de trabalho nos estandes: doses menores significam mais serviços e, possivelmente, mais tempo para atender a todos. Em novembro, estive no Mondial de La Bière, no Rio de Janeiro, onde a organização recomendou que a dose de serviço fosse de 200 ml, segundo os cervejeiros participantes. Gastei uma média de R$ 12 por dose, e descartei boa parte de alguns rótulos provados por apresentarem falhas ou não agradarem. Reconheço que fico com pena, principalmente pelo trabalho do produtor, e gostaria de ter provado apenas o necessário para avaliar as cervejas em questão. Também não consegui provar alguns rótulos raros por tê-los buscado tarde – será que teria conseguido se as doses fossem menores? Isso não quer dizer que não tenha sido um bom festival ou que as cervejas servidas ali não fossem boas. Mas, dada a quantidade de lançamentos, eu – e tantas outras pessoas - teria conseguido conhecer muito mais novidades se as doses fossem menores. A mesma lógica da diversidade pode ser aplicada aos bares com muitas torneiras de chope: ter um esquema de amostras pagas (ou samplers, como são chamadas nos EUA) estimula o cliente a se arriscar em rótulos desconhecidos. Felizmente, em São Paulo há bares como o Empório Alto dos Pinheiros e o São Paulo Tap House que trabalham com doses de 150 ml, além da Cervejaria Ideal, também adepta dos samplers. 8 c s e m o l e r i a Por: Fabian Ponzi 9 Talvez por conta disso alguns mudem a sua relação Normalmente, a maioria de nós teve o primeiro contato com a cerveja. Passam a encará-la não mais como algo com a cerveja em alguma festa ou balada. O objetivo ali para simplesmente se embriagar, mas como uma fonte era simplesmente usar os benefícios sociais do álcool, de prazer. É aí que começamos a procurar o sabor e o um eufemismo pra dizer que queríamos mesmo era aroma que as cervejas comuns normalmente não têm. ficar bêbados, para soltar a língua e os quadris e deixar Nessa hora acontece a tal descoberta do “caminho sem a vergonha e a timidez em segundo plano. Durante volta” das cervejas especiais – e quem já passou por isso anos, acredito ter sido este o principal motivo para sabe do que estou falando. bebermos cerveja. Foi assim, ao menos, pra mim. O que interessava era beber o máximo A cerveja, então, deixa de ser qualquer possível, pagando o mínimo possível. se for para coisa para ser uma satisfação. Ao Como as cervejas mais comuns são simplesmente beber, notarmos a variedade de estilos praticamente mais baratas que um que se beba água [...] disponíveis, nos damos conta de que chiclete, a conclusão é lógica. fizemos a escolha certa, já que ficar Você não precisa se envergonhar de ter passado também por essa fase. Essa interação social regada à cerveja faz parte da vida da maioria das pessoas. Mas, com um pouco mais de vivência, começamos a ver como uma pessoa bêbada é inconveniente. Isso sem falar nas complicações que um porre pode causar na nossa vida. A combinação nefasta de álcool e direção é, certamente, algo a se preocupar. E o constrangimento por ter feito alguma bobagem que vem junto com aquela ressaca absurda do dia seguinte? a vida inteira bebendo a mesma cerveja clarinha, sem gosto e sem aroma não é uma escolha muito interessante. Nesse momento, descobrimos a grande diferença entre beber e degustar. Deixando a cervochatice de lado, é um upgrade na nossa vida cervejeira. Por isso, amigos, se for para simplesmente beber, que se beba água, suco ou qualquer coisa inofensiva que sirva apenas para matar a sede. Boas cervejas são para serem degustadas, com moderação e sabedoria. 10 Estamos cambiando Não acreditamos em respostas absolutas. Vamos juntos construir um mundo sem coleira. 11 f e t r a m n e d n o Por: Fernanda Fregonesi 12 O certo é o certo e o errado é o errado “Todo homem O movimento cervejeiro apresenta-se muito engajado nas causas se torna ver com a votação do simples, com a tristeza do aumento do ICMS aquilo que mais e a recente alegria de ver a prefeitura do Rio de Janeiro facilitando despreza”, como políticas que dizem a respeito à cerveja artesanal, como podemos a instalação das microcervejarias em áreas urbanas. Porém, esta semana algo tem me descido mais quadrado do que já dizia Robert algumas cervejas que alegam descer redondas. Ao sentar para Benchley. responder a enquete do “melhores da cerveja 2015” organizada anualmente pelo Roberto Fonseca me deparei com a pergunta “qual o pior fato cervejeiro” e na hora ao discutir a questão com amigos uma unanimidade rolou quanto à venda de cervejas sem registro. Imaginei alguns cervejeiros indo à luta para que a cerveja artesanal entre no Simples, saindo nas ruas, enviando e-mails, conversando 13 Facebrooklyn. Quando eu vejo esse tipo de coisa Meu pai sempre dizia “o certo é certo mesmo que ninguém esteja fazendo” eu só consigo pensar na máxima “me ajuda a te Meu pai sempre dizia “o certo é certo mesmo que ajudar”, porque fica difícil mesmo. ninguém esteja fazendo”, e olha... talvez Robert com os vizinhos sobre isso... aí chega em casa e coloca seu lote de cervejas caseiras a venda no Segundo o Decreto 6.871/2009 a venda de cerveja artesanal sem registro no MAPA não é permitida e esta posição é defendida por diversas ACERVAs no país todo. Seja você vendendo na sua casa, ou seja, Benchley estivesse correto. Alguns de nós estão tão acostumados ao “jeitinho” que usam disso para defender o que os favorece, os tornando tão ilegais quanto outras ilegalidades que vemos por aí. o bar comprando e revendendo seu chope e suas Pense nisso antes de colocar uma cerveja sem garrafas e não importa muito o motivo, a estrada registro a venda. para o inferno é pavimentada de boas intenções e lei é lei. O errado também é errado, mesmo que todo mundo esteja fazendo. 14 l p a a l s n a e s Por: Nicholas Bittencourt 15 Você é um Concurseiro ou Cervejeiro? Todo cervejeiro, seja caseiro ou profissional, já pensou em participar de um concurso uma vez na vida, isso se já não o fez. Motivos são vários e variam de acordo com cada pessoa, mas será que vale a pena participar de um concurso cervejeiro? Para o profissional do ramo, não há duvida que o retorno seja imediato, principalmente quando o concurso acontece junto a um festival de cerveja. O Festival Brasileiro da Cerveja e o Mondial de La Bière anunciam seus vencedores logo nos primeiros dias, permitindo que os stands dessas cervejarias ostentem suas medalhas aos milhares de visitantes dos locais, alavancando suas vendas e permitindo que seu produto seja conhecido ainda pelas pessoas que não tiveram acesso ao evento. Rótulos são alterados para inclusão das medalhas, jornais e blogs falam da cerveja e as lojas buscam vender aquele produto que recebeu um destaque momentâneo. E o caseiro? Porque ele deveria participar de um concurso? 16 Antes de tudo é importante salientar que existem Acredite, isso já aconteceu comigo! No entanto, diversos concursos para cervejeiros caseiros, com uma interpretação cuidadosa dos comentários nas diferentes organizações e benefícios, realizados fichas de avaliação, sempre traz benefícios para quase que mensalmente, com editais publicados sua produção. em prazos até mesmo impraticáveis, dependendo dos estilos. Outro concurso muito comum é o realizado por lojas de cervejas, bares ou lojas de insumos. O concurso mais comum que existe entre os Não espere prêmios que te permitirão se caseiros, são os organizados pelas Acervas – profissionalizar, porque o objetivo dessas lojas é Associações de Cervejeiros Caseiros – entre seus se consolidar como um ponto de referencia para sócios. Desde o concurso de cada Acerva estadual, cervejeiros caseiros, usando o concurso como com poucos estilos disponíveis, até o Concurso marketing. Nacional, com inscrições disponíveis em qualquer estilo, o principal retorno desses concursos é a avaliação da sua cerveja. Não que eu esteja desmerecendo um concurso desses, mas preste atenção quem estará avaliando as cervejas que você envia. De que adiante um Como cervejeiro caseiro, quero muito melhorar retorno de uma pessoa que não entende de minha produção e um feedback profissional é meios de produção, estilos de cerveja e, por sempre bem-vindo. Nesse ponto, é importante conta disso, não possa fazer nenhum comentário ter a humildade de aceitar as críticas e saber fundamentado para melhorar sua produção? interpretá-las. Seu principal retorno do concurso estará sendo Existem jurados que podem não entender sua cerveja e, consequentemente, reduzir suas notas. Existem jurados que podem não entender sua cerveja desperdiçado. 17 Enfim, temos os concursos organizados principalmente por cervejarias, onde o vencedor terá a oportunidade de produzir sua receita em escala industrial. Aí é onde acontece o problema, pois surgem as famosas propostas Caracu. A cervejaria entre com a cara e você sabe o resto... o Aprazível recompensou cada vencedor com prêmios que ultrapassavam os 10 mil reais. Claro que existem exceções que devem ser No ramo da fotografia é muito comum esse tipo comemoradas. O Restaurante Aprazível, do Rio de exploração dos amadores. Qualquer instituição de Janeiro, organizou um concurso para escolher que deseja organizar um banco de imagens três receitas que seriam produzidas e servidas prepara um concurso de fotografia, milhares de em garrafas no estabelecimento. Diferente de fotógrafos participam e o vencedor tem a honra outros concursos, o Aprazível recompensou de ter seu nome associado à imagem usada cada vencedor com prêmios que ultrapassavam comercialmente, com pouco ou nenhum retorno os 10 mil reais, fazendo valer a pena o trabalho financeiro. individual que levou aquele prêmio. Nas cervejarias acontece próximo a isso. Você Aos amigos que gostam de participar de prepara sua receita, que é escolhida entre concursos, sejam eles quais forem, saibam que centenas de inscritos e produzida em milhares de torço por vocês, mas torço mais ainda para que litros. Parabéns! Você ganhou 10 caixas de cerveja seu trabalho seja reconhecido e alguém não esteja para beber com amigos, mas não pode vendê-las ganhando dinheiro em cima do seu trabalho porque não é comerciante da área, apenas um e estudo, que poderia render frutos para você caseiro. mesmo. 18 m u r a l A Luta continua... Novas Regras Novidade da Brewdog Nuestra 803 voltou em grande estilo em novembro. Com lançamentos no RS e em SP, trouxemos à tona a discussão que a cerveja propõe, de que não existe “cerveja para mulheres”. Mas não adianta só falar sem também fazer. Confira o nosso vídeo mostrando a participação das mulheres na atividade interna da Perro. O Concurso Brasileiro de Cervejas anunciou mudanças nas regras para a próxima edição. Em 2016, serão criadas as categorias Cerveja Experimental, destinada a cervejas que ainda não foram lançadas pela cervejaria, porém devidamente registradas no MAPA, e Cerveja Brasileira, para cervejas com ingredientes tipicamente brasileiros na receita. As regras estão disponíveis no site do Concurso. Ano passado levamos um bronze e um ouro, mas já estamos trabalhando para melhorar o desempenho na próxima edição! A BrewDog anunciou em novembro o lançamento da primeira cerveja transgênero da história. A No Label é uma kölsch que leva o lúpulo Jester, uma varietal que muda de sexo antes da colheita. O próprio estilo escolhido também tem a ver com o conceito, pois é uma ale com características de lager. Além de combater o preconceito contra os transexuais, o lucro das vendas foi destinado aos organizadores do evento LGBTI Queerest of The Queer.! 19 /cervejaperrolibre @perrolibre perrolibre www.perrolibre.com.br