Antraz assusta o Paquistão
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Antraz assusta o Paquistão
20 | ZERO HORA PORTO ALEGRE,SÁBADO, 3/11/2001 A PRAGA Antraz assusta o Paquistão A bactéria letal foi encontrada na sede do jornal Daily Jang e em uma fábrica de computadores AFP/ZH Testes de laLUIZ ANTÔNIO boratório confirARAUJO maram ontem Enviado Especial/ os dois primeiIslamabad ros casos de Antraz no Paquistão. Um envelope entregue em mãos na redação do jornal Daily Jang, em Karachi, continha a bactéria. O material havia sido enviado para exames havia nove dias. Não há confirmação sobre contaminação de empregados da empresa. O prédio do jornal foi isolado pelas autoridades. Também foi detectado antraz em uma fábrica de computadores. O Daily Jang é o jornal em lingua urdu de maior circulação no Paquistão, e Karachi, a maior cidade do país, com cerca de 10 milhões de habitantes. O governo do Paquistão disse que não há relações entre o caso do jornal e as contaminações por antraz nos Estados Unidos. Há cerca de duas semanas, um funcionário do Alto Comissariado da GrãBretanha em Islamabad foi submetido a exames por suspeita de inalação da bactéria, mas os resultados foram negativos. O atentado ocorre no momento em que o Paquistão reafirma seus compromissos com a coalizão antiterror liderada pelos Estados Unidos. Não se trata da primeira ação terrorista em território paquistanês desde o início da campanha do Afeganistão. No domingo, homens não-identificados dispararam contra fiéis cristãos em uma igreja em Bahawalpur, província de Punjab. O presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, tem mantido encontros com chefes de partidos políticos, governadores de províncias e nazims (prefeitos), aos quais recomenda que assumam um papel ativo na manutenção da paz no país. A todos, Musharraf justifica o apoio aos Estados Unidos pela necessidade de resguardar a segurança do país e os interesses do Paquistão na Cachemira indiana, província de maioria muçulmana que enfrenta uma guerra civil separatista. Enquanto Musharraf jura lealdade aos EUA, o embaixador do Afeganistão no Paquistão, Abdul Zaeef, anuncia que os paquistaneses interessados em entrar no país para lutar na jihad (guerra santa) terão passagem liberada pelo Talibã. A cidade de Bajaur, na zona tribal da província da Fronteira Noroeste, é um ponto de concentração de militantes que entram diariamente no Afeganistão com armas e veículos para lutar ao lado do Talibã. DIÁRIO DO CONFLITO ISLAMABAD, 2/11/2001 A leva de repórteres que cobriu os preparativos e as primeiras semanas do contra-ataque dos EUA ao Afeganistão está voltando para casa. Aqueles com quem converso não disfarçam a surpresa com o desenvolvimento do conflito. A OPINIÃO PÚBLICA ocidental – e, com ela, a maior parte dos meios de comunicação – aguardava na Ásia Central uma repetição da Guerra do Golfo. Em 1991, a intervenção dos Estados Unidos e de outros 27 países no Iraque foi o ápice de uma operação preparada política e militarmente durante cinco meses e meio com um objetivo determinado: libertar o Kuwait. Desta vez, a necessidade de resposta era mais urgente, e o objetivo, mais difuso. EM PÂNICO: funcionários do jornal Daily Jang foram impedidos de entrar no prédio A BACTÉRIA Países onde foi confirmada a presença da bactéria do antraz: EUA 17 infectados, quatro deles morreram Bahamas que a maioria dos que cruzam a fronteira são afegãos ou seus filhos, nascidos em campos de refugiados no Paquistão. Confirmada presença de antraz na Índia Lituânia Além do Paquistão, o Um malote com antraz foi enviado à embaixada dos EUA em Vilnius. Não há registro de pessoas contaminadas antraz chegou à vizinha Índia. O pó branco enviaPaquistão do na semana passada ao A bactéria foi encontrada em um jornal e em uma fábrica de ministro indiano Chhagan computadores Bhujbal foi confirmado Índia como sendo a bactéria O pó branco enviado na semana passada para o ministro letal. Seis pessoas que indiano Chhagan Bhujbal foi confirmado como antraz trabalham no gabinete de Bhujbal e poderiam ter ti– Tenho 9 mil mujahedins esperando para do contato com o pó fizeram exames, mas lutar contra a América – disse o chefe do par- nenhuma havia sido contaminada. tido fundamentalista Tehreek Nifaz-e-Sharia O bacilo também assustou ontem os aleMohammedi (TNSM), Soofi Mohammed. mães. No início da tarde de ontem, foi Região semi-autônoma em que a autorida- anunciado que esporos de antraz haviam side do governo federal é compartilhada com do descobertos na cidade de Rudolstadt, na chefes de tribos e clãs da etnia patane, a zona Turíngia. Autoridades do Estado de Schlestribal da Província da Fronteira Noroeste é wig-Holstein também anunciaram a existênum corredor seguro de suprimento de armas cia de um caso de infecção por antraz. Poue veículos para o Talibã. Desde a metade dos co depois, porém, o governo alemão desanos 90, o governo do Paquistão argumenta mentiu todos os casos. 10 funcionários dos correios de Nassau contaminados DIA D – Não tivemos um Dia D, comenta um colega espanhol. Com base na experiência de anos de guerra civil, alguns profissionais de imprensa esperavam que uma intervenção fulminante dos Estados Unidos liberasse o acesso aos bastiões de Cabul e Kandahar, junto à fronteira com o Paquistão. Outros previam que um avanço irresistível da Aliança do Norte antes do início do inverno abriria caminho para Mazar-eSharif, no Norte. DESTRUIÇÃO – Saddam Hussein rendeu-se no dia 27 de fevereiro, pouco mais de um mês depois do início dos bombardeios de Bagdá. É evidente que o Talibã vai durar mais. Mais difícil do que derrotá-lo militarmente será garantir a estabilidade política da região depois do cessar-fogo. O Afeganistão é um país econômica e politicamente arrasado, que se especializou em produzir destruição. A única força interna capaz de enfrentar o Talibã é a Aliança do Norte, onde despontam elementos como o general de etnia uzbeque Rashid Dostum. Durante seu reinado em Mazar-e-Sharif, antes de ser derrotado pelos talibãs, Dostum gostava de assistir ao esmagamento, sob as rodas de tanques, de soldados condenados por roubo. Um governo da Aliança do Norte será, em certo sentido, uma volta ao Afeganistão anterior a 1996 – uma perspectiva não muito animadora para a maioria dos afegãos.