Musharraf renuncia no Paquistão
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Musharraf renuncia no Paquistão
ESCALAPB 2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% PB ESCALACOR 100% Produto: ESTADO - SP_A - 12 - 19/08/08 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% A12 - 50% 60% 70% COR 80% 85% 90% 95% 98% 100% Cyan Magenta Amarelo Preto %HermesFileInfo:A-12:20080819: A12 TERÇA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 2008 O ESTADO DE S.PAULO Geórgia critica lentidão de retirada russa INTERNACIONAL EUA acusam Moscou de instalar plataformas de lançamento de mísseis na Ossétia do Sul q PÁG.15 ÁSIA Musharraf renuncia no Paquistão Isolado internamente e sem apoio do maior aliado externo, os EUA, presidente sai para evitar processo de impeachment EMILIO MORENATTI/AP Jogo duplo do presidente pode ter sido seu erro fatal Jane Perlez THE NEW YORK TIMES ISLAMABAD ADEUS – Pervez Musharraf deixa o palácio presidencial em Islamabad após renunciar: ‘Não importa se saio ganhando ou perdendo; a nação paquistanesa certamente perderá’ PROTAGONISTAS DA QUEDA +ISLAMABAD ● 7/10/1998 – O premiê Na- waz Sharif nomeia Musharraf para a chefia do Exército ● 12/10/1999 – Musharraf depõe Sharif em um golpe de Estado e assume o poder ● 11/09/2001 – A Al-Qaeda ataca os EUA. Musharraf promete apoio aos EUA em sua luta contra o terror, enfurecendo os radicais islâmicos REUTERS–24/10/2004 REUTERS–7/8/2008 REUTERS–7/8/2008 Após nove anos no poder, Pervez Musharraf renunciou ontem à presidência do Paquistão para evitar um processo de impeachmentorquestradonoParlamentoporumacoalizãoopositora. “Não importa se eu saio ganhando ou perdendo. A nação paquistanesa certamente perderá”, disse Musharraf durante um discurso de uma hora, transmitido pela TV, no qual anunciou a renúncia. “A honra e a dignidade do país serão afetadas.” A saída de Musharraf, um general da reserva de 65 anos, já era esperada. Ele vinha enfrentando, há meses, pressão para deixar o cargo. Na semana retrasada, uma coalizão liderada pelo ex-premiê Nawaz Sharif – deposto num golpe militar comandado pelo próprio Musharraf em 1999 – e por Asif Ali Zardari, viúvo da ex-premiê Benazir Bhutto, deu início a um processo de impeachment contra o ex-presidente que seria votado nos próximos dias pelo Parlamento. No pedido, os opositores alegamqueoex-presidentemergulhou o país numa crise política e econômica sem precedentes, além de ter violado a Constituição. No ano passado, Musharraf destituiu dezenas de juízes da Suprema Corte (incluindo seu presidente, Iftikhar Chaudhry) e depois decretou estado de emergência, provocando uma onda de protestos. Sua situação política começou a se deteriorar em novembro, quando, sob pressão, abriu mão do comando do Exército (que acumulava com a chefia de Estado), tornando-se um presidente civil. Emfevereiro, sofreumais um golpecomaderrotadeseuspartidários nas eleições legislativas. Sem maioria no Parlamento e sem apoio do Exército – que passouanãointerferirnaspressões por sua renúncia –, Musharraf perdeu as únicas garantias que teria para sobrevi- CRONOLOGIA ● Nawaz Sharif: Ex-premiê, depos- ● Asif Zardari: Após o assassinato ● Iftikhar Chaudhry: Demissão do to por Musharraf num golpe em 1999, articulou frente política pelo impeachment do general de sua mulher, Benazir Bhutto, Zardari assumiu a liderança do PPP, principal partido da oposição presidente da Suprema Corte, em 2007, abriu caminho para protestos contra Musharraf ver ao impeachment. Outra alternativaseriadissolveroParlamento, opção arriscada que ele preferiu não adotar. Além de ter ficado isolado internamente, Musharraf vinha perdendoapoio de seu principal aliado externo, os EUA – fruto do fracasso do líder paquistanês no combate ao terrorismo islâmico. Desde que o processo de impeachment veio à tona, a Casa Branca não o respaldou, alegando que essa era uma “questãointerna”doPaquistão. FUTURO INCERTO Ainda não há definição sobre quem ocupará a presidência. O presidente do Senado, MohammedmianSoomro, ficainterinamente no cargo até que o Parlamento escolha um novo presidente – o que deve ocorrer entre 30 e 60 dias. Há especulações de que Sharif e Zardari, os líderes da coalizão opositora, almejam à presidência. Os dois, que comemoraram a saída de Musharraf, reuniram-se ontem em Islamabad para discutir sobre os passos que deveriam tomar, mas não chegaram a um acordo e se reunirão novamente hoje. Zardari disse que era um dia histórico para o Paquistão porque o povo poderia agora se ver livre da ditadura. “A democracia é a melhor vingança”, disse o viúvo de Benazir Bhutto – a ex-premiênegociavaumaaliança com Musharraf pouco antes de ser assassinada em 27 de dezembro, num atentado suicida atribuído a grupos ligados à AlQaeda. Especialistas consultados pelo Estado concordam com Zardari no que diz respeito à vitória da democracia, mas alertam para vários empecilhos. que o ex-presidente seja julgado, já que esse seria o único caminhopara estabelecerademocracia. Já Zardari e seus partidários acreditam que a decisão cabe ao Parlamento. ONDE FICA N ÁREAS TRIBAIS AFEGANISTÃO Islamabad PAQUISTÃO ÍNDIA MAR DA ARÁBIA Área População PIB 796.095 km² 165 milhões US$ 143,8 bilhões (2007) PIB per capita US$ 849 (2007) Crescimento 8,7% (2007) Forças Armadas 619 mil Ogivas nucleares Entre 30 e 60 (estimativa) INFOGRÁFICO/AE “Apesar da renúncia de Musharraf, ainda há vários riscos que podem levar o país de volta à instabilidade”, afirmou Simon Henderson, especialista emÁsia do Washington Institute. “Zardari e Sharif brigam pelo poder no Paquistão; até que resolvam essa disputa, o futuro político do país é incerto.” Segundointegrantesdacoalizão, o ex-presidente teria feito um acordo para não ser processado pela Justiça comum e poder permanecer no país. Mas, Musharrafnegouemseudiscurso ter negociado sua saída: “Não queronadadeninguém.Nãopreciso disso. Deixo meu futuro nas mãos da nação e do povo paquistanês.” Chaudhry Shujaat Hussain, líder do principal partido pró-Musharraf, disse que o expresidente não deixará o país e vai se mudar para uma fazenda nos arredores de Islamabad. O partido de Sharif defende REFORMA Para Daniel Markey, ex-conselheiro do Departamento de Estado dos EUA sobre políticas no Sudeste Asiático, a questão agoraése oslíderespaquistaneses conseguirão construir instituições democráticas sólidas a longo prazo: “Ainda há muito trabalho a ser feito antes que o Paquistão de fato tome os rumos da democracia. Os partidospolíticosprecisamserreformados – e democratizar o modo como selecionam seus líderes.” Mark Schneider, vice-presidente do International Crisis Group, acredita que a renúncia representa uma vitória para os governantes civis eleitos democraticamente em fevereiro. Para o especialista, “o próximo presidentedeveagirmaisfirmemente em relação aos militantes extremistas, pois Musharraf era apoiado por líderes religiosos e creio que seu sucessor não terá esse tipo de restrição.” Emváriascidadesnopaís,paquistaneses saíram às ruas para comemorar a renúncia do presidente. “É ótimo saber que Musharrafcaiu”, disseMohammed Said, dono de uma loja em Peshawar. “Ele tentou enganar o país até mesmo em seu último discurso, exaltando seus feitos econômicos, enquanto a vida de pessoas como nós se tornou um verdadeiro inferno”, disse Said, em referência aos problemas econômicos que assolam o país, como a inflação de 25% ao ano. ● MARIANA DELLA BARBA, COM AP E REUTERS ● 30/04/2002 – Musharraf realiza referendo para obter apoio a um novo mandato de cinco anos ● 10/10/2002 – Eleições, con- sideradas fraudulentas por observadores, instalam um Parlamento pró-Musharraf ● 14/12/2003 – Atentado destrói ponte em Rawalpindi antes da passagem do automóvel em que o presidente viajava. Dias depois, Musharraf sobrevive a um duplo atentado com carros-bomba na mesma estrada ● 30/12/2004 – Musharraf recua em sua promessa de deixar a chefia do Exército, mas ganha respaldo parlamentar para ficar no poder até 2007 ● 6/10/2007 – Parlamento reelege Musharraf em votação boicotada pelos partidos de oposição ● 3/11/2007 – Musharraf declara estado de emergência, suspendendo a Constituição e demitindo juízes independentes quando a Suprema Corte se preparava para decidir sobre a legalidade de sua reeleição ● 28/11/2007 – Após uma sé- ria de protestos, Musharraf deixa a chefia do Exército ● 15/12/2007 – Musharraf suspende o estado de emergência ● 27/12/2007 – Ex-premiê Benazir Bhutto é morta em atentado ● 18/02/2008 – Eleições par- lamentares colocam partidos de oposição no poder ● 8/08/2008 – Líderes da coalizão governista anunciam que vão tentar obter o impeachment de Musharraf ● 18/08/2008 – Musharraf anuncia sua renúncia Homem de decisões freqüentemente impetuosas e soldado de coração, Pervez Musharraf inverteu sua posição após o 11 de Setembro e se juntou aos EUA, tornando-se um dos aliadoschave de Washington na sua campanha contra o terrorismo. Foi uma jogada ousada que reforçou o governo de George W.Bush emsua guerracontra a Al-Qaeda e o Taleban no Afeganistão e permitiu que os EUA detivessem importantes membros da Al-Qaeda no Paquistão. Mas a poderosa agência de espionagem paquistanesa jamais rompeu os laços com o Taleban. Noveanos mais tarde, o TalebanestácombatendoferozmenteosEUA noAfeganistão. Rejuvenescido,oTaleban agoracontrola virtualmente a região tribal paquistanesa,fronteira com oAfeganistão,eestáabrindocaminho pelo restante do Paquistão, ameaçando a estabilidade da potência nuclear, de 165 milhões de habitantes. “Musharraf continuou a acobertar o Taleban, mas mesmo assim conseguiu convencer os EUA durante anos de que não fazia jogo duplo”, disse Ahmed Rashid, um especialista paquistanês em Taleban. O feito foi executado com tal maestria que Musharraf recebeu mais de US$ 10 bilhões em ajuda militar americana para seu Exército, além de ajuda secreta. Boa parte do dinheiro foi realocado para oorçamento geral do Paquistão, mas o governo Bush estava tão ansioso em manter Musharraf como aliado que decidiu não reclamar. Musharraf deixou a chefia do Exércitoemnovembro,passando o cargo para o general Ashfaq Parvez Kayani, que se manteve acima da disputa sobre a abertura do impeachment contra o presidente. Depois de depor o primeiroministro Nawaz Sharif, em outubrode1999, Musharrafcomeçousuapresidênciacomoimenso apoio de um público cansado de uma década de governo civil fraco e corrupto. Em março de 2007, com a perspectiva de enfrentareleições,Musharrafdestituiu o chefe do Judiciário, Iftikhar Muhammad Chaudhry, aparentemente temendo que o juiz prejudicasse sua reeleição, já que ele ainda acumulava a chefia do Exército, algo proibido pela Constituição. Protestos tomaramopaís,emumavibrante campanha anti-Musharraf. IMPOPULAR Em novembro, Musharraf decretou estado de emergência e demitiu 60 juízes. Quando finalmenterevogouodecreto,emdezembro,eravistocomo um ditador impopular. E seus principais opositores políticos, BenazirBhuttoe NawazSharif,jáhaviam retornado ao Paquistão para disputar as eleições. Benazir foi assassinada em 27 de dezembro. O viúvo de Benazir, Asif Ali Zardari, assumiu a chefia do Partido Popular do Paquistão que foi o mais votado nas eleições de fevereiro. Ao final, segundo Rashid, o fracasso de Musharraf em administrar seu jogo de manter os americanos a seu lado e fechar osolhosaosextremistas religiosos pode ter sido seu erro fatal, e deixando o Paquistão numa posição mais precária. ●