2 Vol XXI 2012 - Revista Nascer e Crescer
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Vol. 21, nº 2, Junho 2012 21| 2 18 A 21 XXIV REUNIÃO ANUAL DE NOVEMBRO PEDIATRIA DO CHP 2012 IPANEMA IP N PARK ARK HOTEL O PORTO TEMAS TTE EEM MAS MAS AS Sitee da S da reunião: rreeeu euniião www.reuniaopediatria.events2live.com w p d t n 2 e. o Doença D Doe Inflamatória flama matóórria Intestinal ntest est naall Restrição e i de Crescimento en Intra-uterino n raa Internet e as Novas Responsabilidades s id do Pediatra Envio E ioo de de resumos reesu um m s aaté: té: Endocrinologia: a Hiperplasia p Supra-renal raCongénita 30 de Outubro 3 b o dee 2012 12 Doenç n Sistémica é Pulmão e Doença Controvérsias: C ntr rs s:: P Psicoterapia terap vvs Psicofármacos Conferência: nc M Microbiota i bi b e Cultura de Arranque q Sessão Interativa: rat v Urgências r Cirúrgicas, Alergologia o g e Nefrologia ef a S a iad Secretariado: Events2Live | Tel. el 914508158 5 [email protected] o Organização Departamento da Criança e do Adolescente Depar Departamento t n da Mulher Apoio: CURSOS URS SATÉLITEE Hematologia Pediátrica Reumatologia Pediátrica Co Como o o preparar pr p um artigo científico í Catéteres a éter e e de aacesso s venoso os e arterial rt CH H Alto A Ave, CH Entre tre Douro e Vouga, ug a C CH HM Médio io Ave A Ave, ULS S No Nordeste, or s CH P Póvoa de V Varzim m | V. Conde, CH C Tâmega e Sousa, CH Trás-os-Montes --M e Alto to D L Alto Minho, ULS L Matosinhos Douro, CH V. N. de Gaia e Espinho, Hospital de Braga, CH São João, Hospital dde Santa Maria Maior, ULS Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2012 Volume | XXI Número | 02 Directora | Editor-in-Chief | Sílvia Álvares; Director Adjunto | Associated Editor | Rui Chorão; Directora Executiva | Executive Editor | Margarida Lima Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto | Director | Fernando Sollari Allegro Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, CHP Armando Pinto, IPOPFG Carmen Carvalho, CHP Cláudia Pedrosa, CHVNG/E Conceição Mota, CHP Cristina Rocha, CHEDV Gustavo Rocha, CHSJ João Barreira, CHSJ Laura Marques, CHP Lurdes Morais, CHP Margarida Guedes, CHP Rui Almeida, HPH/ULSM Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, CHP; Maria do Carmo Santos, CHP Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, CGMJM Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho, CHUC; Fátima Pinto, HSM/CHLC; Maria Ana Sampaio, HCV, Maria João Baptista, CHSJ; Paula Martins, HPCM/CHUC, Rui Anjos, HSC/CHLO; Sílvia Álvares, CHP Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto, IPOPFG; Carla Carvalho, HSMM; Carla Moreira, HB/EB; Conceição Santos Silva, CHPVVC; Fátima Santos, CHVNG/E; Inês Azevedo, CHSJ; Isalita Moura, HSMM; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHTS; Susana Tavares, CHEDV; Cármen Carvalho, CHP; Rosa Lima, CHP; Sofia Aroso, HPH/ULSM; Sónia Carvalho, CHMA Caso Dermatológico – Manuela Selores, CHP; Susana Machado, CHP Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, CHP Caso Endoscópico – Fernando Pereira, CHP Caso Estomatológico – José Amorim, CHP Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, CHP; Margarida Reis Lima, HPP Pequenas Histórias – Margarida Guedes, CHP Consultor Técnico | Consultant Gama de Sousa, Porto Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica | | Advisor of Epidemiology and Biostatistics Maria José Bento, IPOPFG Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board Alberto Caldas Afonso, CHSJ, FMUP, Porto Almerinda Pereira, HB/EB, Braga Álvaro Aguiar, FMUP, Porto Ana Maria Leitão, HSSM, Barcelos Ana Ramos, CHP, Porto António Martins da Silva, CHP e ICBAS/UP, Porto Arelo Manso, Porto Braga da Cunha, CHTS, Penafiel Cidade Rodrigues, CHP, Porto Conceição Casanova, CHPVVC, Póvoa de Varzim Eurico Gaspar, CHTMAD, Vila Real Fátima Praça, CHVNG/E, Vila Nova de Gaia Gonçalves Oliveira, CHMA, Famalicão Helena Jardim, CHP, Porto Henedina Antunes, HB/EB, Braga Hercília Guimarães, CHSJ, FMUP, Porto Ines Lopes, CHVNG/E, Vila Nova de Gaia José Barbot, CHP, Porto José Carlos Areias, FMUP, Porto José Cidrais Rodrigues, HPN/ULSM, Matosinhos José Pombeiro, CHP, Porto Lopes dos Santos, HPH/ULSM, Matosinhos Luís Almeida Santos, CHSJ, FMUP, Porto Luís Vale, HPBN, Porto Manuel Salgado, HPCM/CHUC, Coimbra Manuela Selores, CHP, Porto Marcelo Fonseca, ULSM, Matosinhos Margarida Lima, CHP, ICBAS/UP, Porto Maria Augusta Areias, HPBN, Porto Norberto Estevinho, HPP, Porto Óscar Vaz, CHN, Mirandela Paula Cristina Ferreira, CHP, Porto Pedro Freitas, CHAA, Guimarães Rei Amorim, CHAM, Viana do Castelo Ricardo Costa, CHCB, Covilhã Rosa Amorim, CHP, Porto Rui Carrapato, CHEDV, Santa Maria da Feira Teresa Temudo, CHP, Porto Assessores Editoriais | Editorial Assistants Carolina Cortesão Paulo Silva Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board Alain de Broca, Centre Hospitalier Universitaire Amiens, Amiens Annabelle Azancot, Hôpital Robert Debré, Paris Francisco Alvarado Ortega, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Francisco Ruza Tarrio, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid George R. Sutherland, University Hospital, Edinburgh Harold R. Gamsu, Kings College Hospital, Londres J. Bois Oxoa, Hospitals Vall d’Hebron, Barcelona Jean-François Chateil, Hôpital Pellegrin, Bordeaux José Quero, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Juan Tovar Larrucea, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Juan Utrilla, Hospital Infantil Universitario La Paz, Madrid Luís Callís, Hospital Vall d’Hebron, Barcelona Peter M. Dunn, University of Bristol, Bristol Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Publicação trimestral resumida e indexada por Catálogo LATINDEX EMBASE / Excerpta Médica Index das Revistas Médicas Portuguesas SciELO Scopus Artigos disponíveis no Repositório Científico do CHP http://repositorio.chporto.pt Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal 4346/91 Tiragem 2.500 exemplares Propriedade, Edição e Administração / Publisher Departamento de Ensino, Formação e Investigação Centro Hospitalar do Porto Largo do Prof. Abel Salazar – 4099-001 Porto Telefone: (+351) 222 077 500; fax: (+351) 222 082 166 Telemóvel: (+351) 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) - 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros CGMJM, Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, CHAA, Centro Hospitalar do Alto Ave; CHAM, Centro Hospitalar do Alto Minho; CHCB, Centro Hospitalar da Cova da Beira; CHEDV, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga; CHMA, Centro Hospitalar do Médio Ave; CHN, Centro Hospitalar do Nordeste; CHP, Centro Hospitalar do Porto; CHPVVC, Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim – Vila do Conde; CHSJ, Centro Hospitalar de São João; CHTMAD, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro; CHTS, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa; CHUC, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; CHVNG/E, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho; DEFI, Departamento de Ensino, Formação e Investigação; FMUP, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; HB/EB, Hospital de Braga/Escala Braga; HCV, Hospital Cruz Vermelha; HPBN, Hospital Privado da Boa Nova; HPCM/CHUC, Hospital Pediátrico Carmona da Mota; HPH/ULSM, Hospital Pedro Hispano/Unidade Local de Saúde Matosinhos; HPP, Hospitais Privados de Portugal; HSC/CHLO, Hospital de Santa Cruz/Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental; HSM/CHLC, Hospital de Santa Marta/Centro Hospitalar de Lisboa Central; HSMM, Hospital Santa Maria Maior; ICBAS/UP, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto; IPOPFG, Instituto Português de Oncologia do Porto, Francisco Gentil. XXIV Reunião Anual de Pediatria, CHP Pediatria em Mudança Porto, 18 a 21 de Novembro de 2012 Programa 18 Novembro 2012 | Domingo Cursos pré-congresso Curso 1 – ANEMIA EM PEDIATRIA Abordagem diagnóstica da criança com anemia Abordagem diagnóstica do recém-nascido com anemia Anemia ferripriva Esferocitose hereditária Anemias hemolíticas auto-imunes Síndromes talassémicos Anemia de Fanconi Anemia na doença crónica Anemia enquanto manifestação de patologia não hematológica Abordagem da criança com anemia no SU 19 de Novembro | 2ª feira Mesa redonda: Restrição de crescimento intra-uterino (RCIU): decisões obstétricas com repercussões no recém-nascido RCIU e infecções fetais RCIU e vigilância pré-natal e decisão do parto Período neonatal Morbilidades futuras Conferência: Microbiota e cultura de arranque Sessão interactiva Urgências cirúrgicas Urticária aguda Malformações urológicas Comunicações livres Curso 2 – REUMATOLOGIA Quando pensar em doença reumatológica: o exame osteoarticular O diagnóstico nas doenças reumatológicas - Imunologia | Radiologia | Cirurgia vascular Artrite idiopática juvenil (AIJ): Classificação Abordagem farmacológica - O fisiatra | O olhar do oftalmologista Sessão interactiva Vasculites - Classificação | Dermatologia 20 de Novembro | 3ª feira Controvérsias: Psicoterapia ou psicofármacos – qual o mais adequado nas perturbações psiquiátricas da infância e da adolescência A favor da Psicoterapia A favor da Psicofarmacologia Mesa redonda: Internet e as novas responsabilidades do pediatra 21 de Novembro | 4ª feira Cyberbullying na adolescência Estratégias de intervenção Panorama nacional do bullying Cursos pós-congresso Mesa redonda: Hiperplasia supra-renal congénita Curso 3 – CATETERES DE ACESSO VENOSO E ARTERIAL Selecção do cateter e do local de inserção Guidelines for the prevention of intravascular catheter-related infections, 2011 SIMULAÇÃO: - Penso do local de inserção - Montagem dos sistemas - Cateterismo eco guiado e inserção do cateter arterial - Inserção dum cateter na veia subclávia - Inserção dum cateter na veia jugular e femoral - Inserção dum PICC e cateter médio Curso 4 – CONCEÇÃO, REDAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS Conceção de artigos para publicação Redação de artigos para publicação: - estrutura e conteúdo - tamanho e apresentação Submissão de artigos para publicação Autoria de trabalhos científicos Acesso à informação científica Indicadores bibliométricos Formas Clássicas e formas tardias Importância do estudo genético para o tratamento prénatal - Papel do endocrinologista e do geneticista Abordagem cirúrgica das formas clássicas virilizantes Comunicações livres 21 de Novembro | 4ª feira Mesa redonda: Doença inflamatória intestinal Epidemiologia Diagnóstico Tratamento Mesa redonda: Pulmão e doença sistémica Vasculites Cardiopatia congénita Doença gastrointestinal Doença renal Entrega de prémios para a melhor comunicação oral e poster Encerramento Data limite para envio de resumos: 30 DE OUTUBRO DE 2012 Secretariado: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 índice número2.vol.XXI 73 Editorial 74 Artigos Originais Sílvia Álvares Anemia ferripriva refractária à terapêutica com ferro oral – Que etiologias? Sandrina Martins, Emília Costa, Luís Ribeiro, Miguel Salgado, Cristiana Couto, Fernando Pereira, José Barbot 80 Urticária crónica numa população pediátrica Marta Rios, Rui Silva, Leonor Cunha, Eva Gomes, Helena Falcão 86 Artigos de Revisão Contraceção para adolescentes com lúpus eritematoso sistémico Cristiana Couto, Helena Sousa, Margarida Guedes 92 Artigo Recomendado 94 Perspectivas Actuais em Bioética Maria do Carmo Santos Consentimento e discernimento Rosalvo Almeida 96 Casos Clínicos Doença de Addison em idade pediátrica – um caso clínico Liliana Franco, Helena Vieira, Paula Vieira, Irene Rebelo 99 Incontinentia Pigmenti – caso clínico Sónia Santos, Rita S. Oliveira, Vítor Bastos, José Matos, Isabel Andrade 102 Síndrome de Overlap entre colangite esclerosante primária e hepatite auto-imune – um caso com apresentação sequencial ao longo dos anos Teresa São Simão, Marta Rios, J Ramón Vizcaíno, Fernando Pereira, Ermelinda Santos Silva 107 Pâncreas heterotópico numa criança com Trissomia 8 em mosaico: uma associação acidental? Gisela Silva, Isabel Couto Guerra, Lurdes Morais, Virgílio Senra, Fernando Pereira NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 de Pediatria Inter-Hospitalar 110 Ciclo do Norte Eritroblastopenia transitória da infância: atitude expectante face a uma anemia grave Marco Pereira, Rui Bergantim, Emília Costa, Lurdes Morais, Vasco Lavrador, José Barbot 113 Qual o seu Diagnóstico? Caso estomatológico José M. S. Amorim 115 Caso radiológico João Nascimento, Lurdes Morais, Filipe Macedo 117 Normas de Publicação NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 summary number2.vol.XXI 73 Editorial 74 Original Articles Sílvia Álvares Refractory iron deficiency anemia – what possible causes? Sandrina Martins, Emília Costa, Luís Ribeiro, Miguel Salgado, Cristiana Couto, Fernando Pereira, José Barbot 80 Chronic urticaria in a pediatric population Marta Rios, Rui Silva, Leonor Cunha, Eva Gomes, Helena Falcão 86 Review Article Contraception for adolescents with systemic lupus erythematosus Cristiana Couto, Helena Sousa, Margarida Guedes 92 Recommended Article 94 Current Perspectives in Bioethics Maria do Carmo Santos Consent and understanding Rosalvo Almeida 96 Case Reports Addison disease in pediatric age – a clinical case Liliana Franco, Helena Vieira, Paula Vieira, Irene Rebelo 99 Incontinentia pigmenti – a case report Sónia Santos, Rita S. Oliveira, Vítor Bastos, José Matos, Isabel Andrade 102 Primary sclerosing cholangitis overlapping with autoimmune hepatitis – a case with sequentially presentation over the years Teresa São Simão, Marta Rios, J Ramón Vizcaíno, Fernando Pereira, Ermelinda Santos Silva 107 Heterotopic pancreas in a child with Trisomy 8 mosaicism syndrome: an accidental association? Gisela Silva, Isabel Couto Guerra, Lurdes Morais, Virgílio Senra, Fernando Pereira NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 110 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Transient erythroblastopenia of childhood: “Wait-and-see” approach Marco Pereira, Rui Bergantim, Emília Costa, Lurdes Morais, Vasco Lavrador, José Barbot 113 What is your Diagnosis? Oral pathology case José M. S. Amorim 115 Radiological case Teresa São Simão, Miguel Salgado, Emília Costa, José Barbot 117 Instructions for Authors NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 editorial A XXIV Reunião de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto vai realizar-se nos dias 18 a 21 de Novembro de 2012 no Hotel Ipanema Park, Porto. Em nome da Comissão Organizadora dirijo-me a todos os colegas, convidando-os a participar neste evento científico que tem uma longa tradição na região. O programa científico foi elaborado com a colaboração de todos os Serviços de Pediatra do norte do país. O objectivo é debater temas actuais da pediatria, desde o feto até ao jovem adulto, numa visão multidisciplinar e abrangente, indo ao encontro das necessidades dos diferentes grupos profissionais. O formato da reunião inclui quatro cursos de carácter prático e com inscrições limitadas: Reumatologia, Hematologia, Como Escrever um Artigo Científico e Cateteres de Acesso Venoso Central. Os temas seleccionados para as mesas redondas são a Restrição do Crescimento Intra-uterino, a Internet e as Novas Responsabilidades do Pediatra, a Hiperplasia Supra-renal Congénita, a Doença Inflamatória Intestinal, o Pulmão e a Doença Sistémica. Teremos ainda uma conferência sobre o Microbiota e Cultura de Arranque, uma Sessão Interactiva com televoto, e uma sessão de Controvérsias: Psicoterapia versus Psicofármacos, que imprimem sempre uma dinâmica participativa e entusiasta. Finalmente, estarão também presentes as Associações de Doentes, nossos parceiros na prestação de Cuidados. Um dos aspectos mais importantes de uma reunião científica é a apresentação de trabalhos originais (comunicações orais e posters). Esperamos o vosso contributo (a data limite para envio de trabalhos é 21 de Outubro). Na sessão de encerramento da reunião serão atribuídos os Prémios para a Melhor Comunicação Oral e Poster, bem como o Prémio para o Melhor Artigo Original publicado na Revista Nascer e Crescer em 2011. Realço o empenho e o entusiasmo de toda a equipa organizadora, que preparou um programa atractivo e de elevado interesse, e agradeço aos nossos prelectores e convidados, cuja experiência e qualidade científica são a garantia do sucesso que esperamos obter. Reconhecemos, também, o papel importante das entidades patrocinadoras que colaboram connosco e o seu interesse na educação médica contínua. Até recentemente, a divisão e a especialização foram as condições inerentes à busca do conhecimento. Hoje os novos desafios da sociedade e a própria evolução da ciência mostram-nos uma realidade complexa que não é compatível com uma visão fragmentada dos problemas e apontam para a emergência de um trabalho em rede, ultrapassando as estruturas verticalizadas e compartimentalizadas existentes. Esta nova visão exige uma articulação entre os vários profissionais, inclui a participação da sociedade, comunidade e famílias, no desenvolvimento de uma acção colectiva na direcção do bem comum. Esta Reunião, para além de um espaço para rever e actualizar saberes, conhecer as nossas práticas e experiências, promover os contactos entre pares e parceiros, quer adicionalmente lançar as bases para o trabalho em rede na área da saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, derrubar os limites do isolamento e flexibilizar a articulação de cuidados. É também um tempo de convívio, solidariedade e amizade. Sejam bem-vindos à XXIV Reunião de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto. Sílvia Álvares editorial 73 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Anemia ferripriva refractária à terapêutica com ferro oral – que etiologias? Sandrina Martins1, Emília Costa1, Luís Ribeiro1, Miguel Salgado1, Cristiana Couto1, Fernando Pereira2, José Barbot1 RESUMO Introdução: Uma anemia ferripriva refractária (AFR) à terapêutica com ferro oral pode colocar questões delicadas em termos de diagnóstico etiológico. O não cumprimento da terapêutica ou a deficiente correcção de eventuais erros alimentares são as causas mais frequentes. No entanto, é importante ponderar outras etiologias como défice de absorção, hemorragia oculta assim como erros de metabolismo do ferro. Objectivos: Os autores pretendem discutir os diagnósticos diferenciais de AFR bem como a pertinência dos exames auxiliares de diagnóstico. Material e Métodos: Foi efectuado um estudo retrospectivo dos processos clínicos de seis doentes em idade pediátrica com anemia ferripriva refractária ao ferro oral. Resultados: Três doentes apresentavam patologia gastrointestinal com má absorção de ferro, um apresentava hemorragia oculta e duas crianças tinham anemia ferripriva provocada por erros do metabolismo do ferro. Discussão/Conclusões: Discute-se a pertinência e oportunidade das seguintes investigações etiológicas: parâmetros hematológicos, padrão dos parâmetros bioquímicos de ferro, prova terapêutica de absorção, rastreio de patologia de absorção, resposta terapêutica ao ferro endovenoso e/ou ferro de absorção não dependente da secreção gástrica e investigação endoscópica e histológica do tracto digestivo. Conclui-se ser importante no estudo destes doentes a elaboração de uma metodologia de investigação que tenha em conta elementos de ordem epidemiológica, semiológica e analítica assim como a utilização criteriosa de exames auxiliares de diagnóstico invasivos. Palavras-chave: anemia ferripriva refractária, hemorragia oculta, erros do metabolismo do ferro, patologia de absorção. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 74-79 INTRODUÇÃO O défice de ferro representa um problema de saúde pública, sendo a causa mais frequente de anemia na criança(1,4,9,18). Nas últimas décadas vários estudos desenvolvidos mostram o efeito __________ 1 2 U. Hematologia Pediátrica, CH Porto U. Gastrenterologia Pediátrica, CH Porto 74 artigo original original article nocivo desta deficiência sobre o desenvolvimento psicomotor da criança que, em algumas circunstâncias, pode ser irreversível(1). Tendo este facto em consideração, a correcção célere das anemias ferriprivas é de importância primordial. Embora o diagnóstico etiológico e a resolução terapêutica da anemia ferripriva habitualmente não se mostrem complexos, existem situações clínicas que colocam dificuldades diagnósticas e terapêuticas tal como a resistência à terapêutica com ferro oral. O não cumprimento da terapêutica ou a deficiente correcção de eventuais erros alimentares são as causas mais frequentes. No entanto, é importante ponderar outras etiologias relacionadas com o défice de absorção, a hemorragia oculta assim como com erros de metabolismo do ferro. Para serem formuladas as diversas hipóteses diagnósticas, é indispensável conhecer o processo de metabolismo de ferro (2-4,18) . O ferro é um elemento essencial para processos vitais mas, paradoxalmente, altamente tóxico quando presente em concentrações elevadas no organismo. Isto obriga a que haja um equilíbrio perfeito no seu metabolismo: desde a absorção até à sua incorporação na molécula de hemoglobina. Esta função é levada a cabo por diversas proteínas cujo conhecimento emergiu na última década. De uma forma geral, o ferro proveniente da dieta é absorvido no duodeno e para tal necessita da integridade das vilosidades assim como dos diversos transportadores envolvidos na absorção, que é favorecida por um ambiente ácido. O ferro é incorporado no enterócito através de uma proteína transportadora comum a outros metais divalentes (DMT-1) e exportado para a corrente sanguínea através de uma outra proteína designada de ferroportina, também essencial na exportação do ferro por parte da célula do sistema reticulo-endotelial (SER) no processo de reciclagem do eritrócito senescente. Assim, o ferro utilizado na eritropoiese provém essencialmente de duas fontes: da sua absorção da dieta e da degradação das hemácias. Quando em circulação, liga-se à transferrina que o torna insolúvel e impede a sua toxicidade. Não apresentando nenhum mecanismo de excreção eficiente, a regulação do metabolismo de ferro fica essencialmente dependente da hepcidina, uma molécula que constitui a mais recente descoberta do processo do metabolismo do ferro e que impede que a ferroportina exerça a sua acção (exportação de ferro dos enterócitos e do SRE) (2-4). Assim sendo, numa situação em que ocorre défice de ferro, a síntese de hepcidina é frenada, de forma a permitir a passagem do elemento do enterócito e do SRE para a circulação sanguínea. Por seu lado, numa situação de excesso, a síntese de hepcidina aumenta e o ferro NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 fica sequestrado no enterócito e no SRE. O comprometimento de qualquer um destes factores pode contribuir para uma anemia ferripriva refractária (AFR) ao tratamento oral. OBJECTIVOS Os autores pretendem, através da descrição de seis casos clínicos de anemia ferripriva refractária em idade pediátrica, discutir os diagnósticos diferenciais de AFR bem como a pertinência dos exames auxiliares de diagnóstico e demonstrar a necessidade de protocolar a sua investigação à luz dos conhecimentos actuais. MATERIAL E MÉTODOS Foi efectuado um estudo retrospectivo dos processos clínicos de seis doentes com anemia ferripriva refractária e avaliados diversos parâmetros como: índices hematológicos, padrão dos parâmetros bioquímicos de ferro, prova terapêutica de absorção, rastreio de patologia de absorção, resposta terapêutica ao ferro endovenoso e/ou ferro de absorção não dependente da secreção gástrica e investigação endoscópica e histológica do tracto digestivo. RESULTADOS Caso 1 - A.M.C.P., dois anos, sexo feminino, caucasiana. Referenciada à consulta de Hematologia Pediátrica por anemia ferripriva resistente ao tratamento com ferro oral. No último mês apresentara vómitos esporádicos e irritabilidade e tinha uma evolução ponderal deficitária desde os sete meses. Ao exame físico era de realçar a palidez da pele e mucosas e o aspecto emagrecido. Após quatro meses de tratamento com ferro oral, apresentava uma anemia moderada microcítica e hipocrómica com RDW aumentado e ausência de reticulocitose. O ferro sérico, percentagem de saturação de transferrina e ferritina estavam baixos (Quadro 1) e a prova de absorção de ferro oral revelou défice de absorção (Figura 1). Do estudo efectuado, destacaram-se anticorpos anti-transglutaminase IgA positivos – 4600 U/ml (Normal: <30 U/ml). Efectuou endoscopia digestiva alta (EDA) com biópsias da 2ª porção do duodeno que vieram confirmar atrofia vilositária e corroborar o diagnóstico de doença celíaca. Iniciou evicção do glúten da dieta e reposição de ferro, primeiro por via endovenosa com posterior recurso à via oral. Observou-se uma recuperação gradual dos valores hematológicos com a normalização dos parâmetros bioquímicos de ferro (Quadro 1). Desde então, manteve dieta específica com valores dos índices hematológicos e dos parâmetros bioquímicos de ferro adequados à idade, sem recidiva da anemia. Caso 2 - F.P., 12 anos, sexo feminino, caucasiana, sem antecedentes pessoais ou familiares dignos de relevo. Aos 11 anos de idade, em análises de rotina, foi detectada uma anemia ferripriva. Efectuou terapêutica com ferro oral durante um ano sem resposta adequada, motivo pelo qual foi orientada para a consulta de Hematologia Pediátrica. Tratava-se de uma adolescente pré-púbere, assintomática e que consumia uma dieta equilibrada. O estudo efectuado evidenciou uma anemia ligeira, microcítica e hipocrómica com RDW aumentado e ausência de reticulocitose. Os pa- râmetros bioquímicos de ferro confirmaram a ferropenia (Quadro 1) e a prova de absorção de ferro oral sugeria défice de absorção. Neste contexto procedeu-se ao estudo analítico no qual se destacavam os níveis elevados de gastrina sérica - 580 pg/ml (Normal: 13-115 pg/ml). Embora os anticorpos anti-Helicobacter pylori não sejam o método ideal de pesquisa de infecção por Helicobacter pylori, face à suspeita e ao valor negativo do teste respiratório com ureia C-13, foram determinados e revelaram-se francamente positivos (IgG - 1149 RU/ml e IgA - 8,2 INDEX, respectivamente). Decidiu-se então realizar EDA que mostrou uma mucosa hiperemiada no corpo e no fundo gástricos. A histologia evidenciou “… lesões de gastrite crónica com atrofia glandular focal e metaplasia intestinal ligeira… A pesquisa de Helicobacter pylori (H. pylori) foi positiva…”. Efectuou terapêutica tripla durante duas semanas com omeprazol, amoxicilina e claritromicina e iniciou tratamento com sulfato ferroso de glicina oral (preparação cuja absorção é independente da secreção gástrica) que cumpriu durante quatro meses com normalização dos parâmetros hematológicos e bioquímicos de ferro (Quadro 1). Repetiu o estudo endoscópico sete meses depois do primeiro notando-se uma regressão da metaplasia intestinal. Não eram evidentes sinais de atrofia e a pesquisa de H. pylori foi negativa. Não ocorreram recidivas num período de um ano de seguimento. Caso 3 - P.S.P.S, sexo feminino, seis anos de idade. Referenciada à consulta por anemia microcítica e hipocrómica detectada em análises efectuadas no pré-operatório de amigdalectomia. Os parâmetros bioquímicos de ferro indicavam clara deficiência (Quadro 1). A história não revelava evidência de erros alimentares ou de perdas hemáticas. Após oito meses de tratamento com ferro oral não foi observada resposta. Realizou prova de absorção de ferro oral que revelou défice de absorção. Os anticorpos anti-transglutaminase e a pesquisa de infecção por H.pylori com teste respiratório foram negativos. Efectuou posteriormente o estudo para exclusão de gastrite atrófica auto-imune (GAAI): a pesquisa de anticorpos anti-célula parietal foi fortemente positiva (212,5 U/ml; Normal < 25 U/ml) e o doseamento de gastrina sérica foi elevado (535 pg/ml; Normal < 115 pg/ml). Figura 1 – Prova de absorção oral indicativa de défice de absorção artigo original original article 75 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Realizou EDA com biópsias gástricas que demonstraram mucosa atrófica no corpo e fundo gástrico. Este conjunto de resultados veio confirmar o diagnóstico de GAAI. Foi medicada com sulfato ferroso de glicina com boa resposta (Quadro 1). Catorze meses após normalização do hemograma verificou-se uma recidiva da anemia ferripriva. Reiniciou sulfato ferroso de glicina durante quatro meses com normalização dos valores. Quadro 1 - Valores hematológicos e parâmetros bioquímicos de ferro dos casos um, dois e três (Patologia gastrointestinal de absorção). Apresentação Caso 1 Hb (N:10,5-13,5 g/dl) VGM (N: 70-86 fl) HGM (23-31 pg) RDW (<15%) Reticulócitos (/μL) CHr (N > 26-28 pg) Ferro sérico (50-120 μg/dl) CTFF (N: 250-400 μg/dl) % Sat Transf (15-45) Ferritina (7-140 ng/ml) 7,6 ↓ 57,5 ↓ 15,1 ↓ 26,2 ↑ 77200 22,5 ↓ 13 ↓ 480 ↑ 2,7 ↓ 0,9 ↓ Após Após ferro Após ferro sulfato PO ev ferroso de glicina PO 7,3 ↓ 59,2 ↓ 14,4 ↓ 18,8 ↑ 75000 22,7 ↓ 12 ↓ 400 ↑ 3↓ 2,75 ↓ Caso 2 Hb (N:11,5-15,5 g/dl) VGM (N: 77-95 fl) HGM (25-33 pg) RDW (<15%) Reticulócitos (/μL) CHr (> 26-28 pg) Ferro sérico (50-120 μg/dl) CTFF (N: 250-400 μg/dl) % Sat Transf (15-45) Ferritina (7-140 ng/ml) 10,2 ↓ 70,3 ↓ 22,7 ↓ 15,7 ↑ 57000 23,2 ↓ 15 ↓ 430 ↑ 3,4 ↓ 6↓ 10,7 ↓ 67,1 ↓ 21,7 ↓ 15,7 ↑ 51800 22,8 ↓ 30 ↓ 600 ↑ 5↓ 6↓ Caso 3 Hb (N:11,5-13,5 g/dl) VGM (N: 75-87 fl) HGM (24-30 pg) RDW (<15%) Reticulócitos (/μL) CHr (N> 26-28 pg) Ferro sérico (50-120 μg/dl) CTFF (N: 250-400 μg/dl) % Sat Transf (15-45) Ferritina (7-140 ng/ml) 8,9 ↓ 67,7 ↓ 21,4 ↓ 16,4 ↑ 56200 24,3 ↓ 19 ↓ 500 ↑ 3,8 ↓ 3,9 ↓ 8,9 ↓ 70,3 ↓ 21,7 ↓ 15,8 ↑ 41100 24,7 ↓ 18 ↓ 450 ↑↑ 4,6 ↓ 6,5 ↓ 11,9 75 25 13,9 126600 28,4 72 300 24 50 N/A N/A N/A Quadro 2 – Valores Hematológicos e parâmetros bioquímicos de ferro do caso 4 (Hemorragia Gastrointestinal oculta). 13,4 78 25,5 13,7 93300 29 58 387 15 49 11,9 81,2 27,8 12,7 31,6 74 337 21 66,5 Hb – hemoglobina; VGM – volume globular médio; HGM – hemoglobina globular média; CHr – conteúdo de hemoglobina reticulocitária; CTFF – capacidade total de fixação de ferro; % sat transf – percentagem de saturação da transferrina; N/A – não aplicável. 76 artigo original original article Caso 4 - J.E.M.S, sexo masculino, oito anos de idade. Detectada anemia ferripriva em análises de rotina no pré-operatório de adenoidectomia. Na altura do diagnóstico apresentava um consumo excessivo de produtos lácteos. Iniciou ferro oral e correcção dos erros alimentares. Um ano depois, por resposta não satisfatória, foi referenciado à nossa consulta. Apresentava uma anemia microcítica hipocrómica, com RDW aumentado e reticulocitose. Os parâmetros bioquímicos de ferro eram sugestivos de ferropenia (Quadro 2). A pesquisa de doença celíaca, infecção por H. pylori e GAAI foi negativa, assim como o exame parasitológico e a pesquisa de sangue oculto nas fezes. A resposta à terapêutica com ferro oral revelava-se sempre parcial e fugaz (Quadro 2). A resposta ao tratamento com ferro endovenoso era adequada numa primeira fase (reticulocitose e hemoglobinização normal dos reticulócitos), mas recidivava sistematicamente após suspensão do tratamento. Este padrão de resposta levou à suspeita de hemorragia oculta. A realização de EDA evidenciou hérnia do hiato e esofagite péptica (grau IV). Iniciou tratamento com omeprazol e foi submetido a fundoplicatura de Nissen laparoscópica. Reiniciou ferro oral com normalização sustentada do quadro hematológico ao fim de três meses (Quadro 2). Caso 4 Hb (N:11,5-15,5 g/dl) VGM (N: 77-95 fl) HGM (25-33 pg) RDW (N <15%) Reticulócitos (N< 100.000/ul) CHr (N>26-28 pg) Ferro sérico (50-120 μg/dl) CTFF (N: 250-400 μg/dl) % Sat Transf (15-45) Ferritina (7-140 ng/ml) Apresentação Após ferro PO Após ferro ev Após Cirurgia (3m) 9,4 ↓ 66,5 ↓ 15,1 ↓ 17 ↑ 137100 22,5 ↓ 8↓ 333 2,4 ↓ 1↓ 11,2 ↓ 76 ↓ 27,2 14,5 184800↑ 26,4 22 ↓ 351 3↓ 13 12 89,5 29,1 14,6 209200 ↑ 29 38 306 12,4 ↓ 36 12,8 79,3 25,9 13,5 73600 32 70 265 49% 52 Hb – hemoglobina; VGM – volume globular médio; HGM – hemoglobina globular média; CHr – conteúdo de hemoglobina reticulocitária; CTFF – capacidade total de fixação de ferro; % sat transf – percentagem de saturação da transferrina. Caso 5 - M.C.O.N., sexo feminino. Aos 11 meses de idade efectuou estudo analítico por quadro de perda ponderal, anorexia e palidez. Foi detectada anemia severa, microcítica, hipocrómica, com necessidade de suporte transfusional. Apresentava nessa altura parâmetros de ferro indicativos de défice (Quadro 3). O tratamento prolongado com ferro oral não demonstrou NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 nenhum benefício em termos de índices hematológicos. Aos dois anos de idade foi enviada à nossa consulta para estudo. A prova terapêutica de absorção de ferro oral indicava défice de absorção. O estudo protocolado de patologia de má absorção revelou-se negativo. Os parâmetros de ferro mostravam-se de alguma maneira contraditórios na medida em que a saturação de transferrina e o ferro sérico eram sistematicamente baixos em contraste com a ferritina sérica que se revelava sempre normal/limiar. A terapêutica com ferro endovenoso acentuava esta discrepância aumentando a ferritina sérica para valores preocupantes enquanto os outros parâmetros sofriam apenas discreta melhoria (Quadro 3). De referir que esta criança tinha uma prima em segundo grau seguida na nossa consulta por ser portadora de anemia de características semelhantes. Este contexto sugeria uma patologia de carácter hereditário por erro do metabolismo do ferro que, para além de ser mal absorvido, não seguia o seu trajecto normal quando administrado por via endovenosa. O seu esclarecimento definitivo teve que esperar pelo ano de 2008, altura em que foi descrita e caracterizada molecularmente uma doença denominada de IRIDA (Iron-Refractory Iron Deficiency Anemia)(9). As duas primas vieram a revelar-se homozigóticas para uma mutação no exão 15 do gene TMPRSS6 da protease transmembranar matriptase-2. Esta proteína uma vez deficitária impede a contra-regulação da produção de hepcidina, com consequente excesso da sua secreção(9). Actualmente com oito anos, a criança apresenta desenvolvimento normal, tolera razoavelmente bem a anemia e é medicada, de forma intermitente, com pequenas doses de ferro endovenoso. Caso 6 - M.I.M, sexo feminino, 17 anos de idade, com diagnóstico de Glicogenose tipo 1A desde os quatro anos. Seguida em consulta de Nefrologia por nefromegalia e proteinúria e de Hepatologia por aparecimento de adenomas hepáticos aos sete anos. Foi referenciada à nossa consulta aos 14 anos por anemia de agravamento progressivo. Apresentava uma anemia microcítica e hipocrómica, com parâmetros bioquímicos de ferro indicativos de défice em contradição com o valor da ferritina que era normal (Quadro 3). Iniciou tratamento com ferro oral e face à ausência de resposta efectuou prova de absorção oral de ferro que foi indicativa de défice de absorção. Com a administração de ferro endovenoso verificava-se, tal como no caso 5, um aumento desproporcional dos valores de ferritina em contradição com os restantes parâmetros bioquímicos de ferro e parâmetros hematológicos (Quadro 3). Uma consulta da literatura associava os adenomas hepáticos característicos da Glicogenose tipo 1A a uma secreção inapropriada de hepcidina(17). Esta hipótese justificava a refractoriedade da terapêutica com ferro oral assim como com ferro endovenoso. O aumento do tamanho e do número dos adenomas ao longo dos anos associado ao seu potencial de malignização e possível papel no desenvolvimento de anemia conduziram à decisão de efectuar um transplante hepático. Três meses após transplante verificou-se uma normalização sustentada do hemograma bem como dos parâmetros bioquímicos de ferro (Quadro 3). Quadro 3 – Valores Hematológicos e parâmetros bioquímicos de ferro dos caso 5 e 6 (Excesso de produção de Hepcidina) Caso 5 Hb (N: 11,5-12,5 g/dl) VGM (N: 77-95 fl) HGM (24-27 pg) RDW (<15%) Reticulócitos (/μL) CHr (N> 26-28 pg) Ferro sérico (50-120 μg/dl) CTFF (N: 250-400 μg/dl) % Sat Transf (15-45) Ferritina (7-140 ng/ml) Caso 6 Hb (N:12-14 g/dl) VGM (N: 78-90 fl) HGM (25-30 pg) RDW (<15%) Reticulócitos (/μL) CHr (N> 26-28 pg) Ferro sérico (50-120 μg/dl) CTFF (N: 250-400 μg/dl) % Sat Transferrina (15-45) Ferritina (7-140 ng/ml) Após ferro ev Após transplante Apresentação Após ferro PO 7,1 ↓ 52,3 ↓ 14 ↓ 17 ↑ 39100 16,2 ↓ 15 ↓ 253 6↓ 36 6,9 ↓ 52,8 ↓ 13,5 ↓ 17,5 ↑ 46100 16,7 ↓ 15 ↓ 264 5,7 ↓ 75 8↓ 55,7 ↓ 14,6 ↓ 16,7 ↑ 71300 17,2 ↓ 27 ↓ 281 9,6 ↓ 215 ↑ 8,2 ↓ 71,8 ↓ 21,1 ↓ 15,5 ↑ 8,9 ↓ 66,8 ↓ 20,6 ↓ 17,3 ↑ 10,6 ↓ 69,5 ↓ 22,3 ↓ 19 ↑ 13,3 89,4 29,4 14,2 21,9 ↓ 10 ↓ 296 3,6 ↓ 45,3 22,7 ↓ 12 ↓ 300 4↓ 98,7 24,3 ↓ 11 ↓ 366 3↓ 237 ↑ 29,7 80 242 33 89 N/A Hb – hemoglobina; VGM – volume globular médio; HGM – hemoglobina globular média; CHr – conteúdo de hemoglobina reticulocitária; CTFF – capacidade total de fixação de ferro; % sat transf – percentagem de saturação da transferrina; N/A – não aplicável. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Os seis casos descritos documentam três mecanismos fisiopatológicos cuja investigação é fundamental na presença de uma AFR. Todos apresentam, à partida, uma anemia microcítica, hipocrómica com RDW aumentado. Relativamente aos parâmetros bioquímicos de ferro, os casos 5 e 6 podem diferenciar-se logo à partida dos restantes. Efectivamente, nestes dois casos, estes parâmetros revelam-se contraditórios, ou seja, a saturação da transferrina é muito baixa (sobretudo à custa do ferro sérico baixo com capacidade total de fixação ao ferro normal) em contraste com a ferritina sérica que é normal. Nestes dois casos, um excesso de hepcidina com sequestro do ferro no enterócito e SRE justifica estes valores. Os restantes casos (1 a 4) apresentam parâmetros bioquímicos de ferro típicos de uma situação deficitária (saturação baixa à custa de ferro sérico baixo e capacidade total de fixação ao ferro alta artigo original original article 77 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 e ferritina baixa). É neste sentido que uma avaliação crítica dos parâmetros de ferro se pode revelar importante na orientação diagnóstica. Relativamente ao padrão de resposta ao ferro oral, o caso 4 (hemorragia oculta) difere dos restantes na medida em que se observa uma reticulocitose inicial com incremento da hemoglobinização dos reticulócitos. Esta hemoglobinização nunca é, contudo, satisfatória e o incremento no valor da hemoglobina é frustre com recidiva da anemia ainda durante o tratamento, consequente à perda hemorrágica coexistente. Nos restantes casos, a resposta ao ferro oral convencional é mínima ou nula, seja qual for o parâmetro de avaliação. A investigação da anemia ferripriva na criança é forçosamente distinta daquela que está indicada em outros grupos etários. Num homem adulto ou numa mulher pós-menopausa a avaliação endoscópica do tracto gastrointestinal é obrigatória e de primeira linha. Na criança a prioridade deve ser dada à investigação de aporte insuficiente. Face à não evidência desta etiologia, a atitude seguinte será a de investigar patologia gastrointestinal de absorção(5-8,10-14,16). A prova de absorção oral, embora com algumas limitações, pode ser útil face a esta suspeita. Esta etiologia de AFR vem emergindo com importância crescente na última década e é passível de ser estudada por métodos não invasivos: pesquisa de doença celíaca, infecção por H. pylori e doseamento de anticorpos anti-célula parietal e de gastrina sérica para exclusão de GAAI. A pesquisa de Doença Celíaca faz já parte da rotina da investigação de AFR em pediatria. Em termos fisiopatológicos, o comprometimento da absorção de ferro deve-se essencialmente à atrofia da mucosa e desaparecimento das criptas, com diminuição da área de absorção. São propostos como mecanismos coadjuvantes a ocorrência de hemorragia oculta e, mais recentemente, postula-se que o aumento da hepcidina associado à inflamação contribui para a deficiente absorção do metal(6,10,12,13). Pelo contrário, a pesquisa de infecção por H.pylori e de GAAI não integra ainda a rotina da investigação de AFR em idade pediátrica. Trata-se de duas situações susceptíveis de provocar gastrite atrófica com consequente hipocloridria que, por sua vez, pode comprometer a absorção de ferro(5-10,11,14,16). O doseamento de gastrina sérica constitui um bom indicador indirecto de hipocloridria e pode revelar-se importante na orientação diagnóstica. De referir que a GAAI foi até há pouco tempo considerada uma doença do idoso e associada apenas ao desenvolvimento de anemia perniciosa. Estudos extremamente bem conduzidos vieram revelar que esta patologia pode atingir a faixa etária pediátrica e que dezenas de anos antes do desenvolvimento de anemia perniciosa se pode instalar uma AFR por lesão das células parietais gástricas(6,10,11,14). A resposta à terapêutica com uma apresentação de ferro de absorção não dependente de ambiente ácido (sulfato ferroso de glicina) pode reforçar a evidência de uma patologia de absorção associada a acloridria/hipocloridria e pode ser uma arma terapêutica de ouro nos casos em que a cura da doença de base não é possível, como é o caso de GAAI. Nesta situação, como ilustra o caso 3, a recidiva da anemia é quase inevitável na ausência de tratamento adequado(15). Nos casos de infecção por H.pylori, o teste respiratório com Ureia 78 artigo original original article C-13 é considerado de eleição para o diagnóstico embora possa ser de difícil realização em crianças mais jovens, nos quais se pode optar pela pesquisa do antigéneo nas fezes. Nesta criança as serologias foram orientadoras embora não devam ser a investigação de primeira linha. No caso descrito, a erradicação da bactéria levou à resolução do quadro, sem recidiva. É importante referir que os casos 5 e 6 também revelaram compromisso na absorção de ferro. Neste contexto, e tendo em conta que o mecanismo não envolve a hipocloridria mas sim o impedimento da absorção por excesso de hepcidina, o sulfato ferroso de glicina revela-se obviamente ineficaz. O que individualiza de forma inequívoca os casos 5 e 6 é o padrão de resposta ao ferro endovenoso que sugere fortemente um distúrbio do metabolismo que leva a que o ferro administrado sob via endovenosa não siga um percurso expectável na medida em que não é disponibilizado para eritropoiese, pelo facto de ficar sequestrado no SRE. O aumento desproporcionado da ferritina é disso um claro indicador. O incremento anómalo da produção de hepcidina, base fisiopatológica destas duas situações, resulta de erro hereditário no caso 5 e de uma produção tumoral autónoma no caso 6(17). Este aumento de hepcidina também contribui para a denominada anemia da doença crónica na medida em que é também uma proteína cuja secreção aumenta em resposta à IL-6 em condições inflamatórias. Conclui-se assim ser fundamental no estudo destes doentes a elaboração de uma metodologia de investigação que tenha em conta elementos de ordem epidemiológica, semiológica e analítica assim como a utilização criteriosa de exames auxiliares de diagnóstico invasivos. REFRACTORY IRON DEFICIENCY ANEMIA – WHAT POSSIBLE CAUSES? ABSTRACT Background: A refractory iron deficiency anaemia may have some issues considering its aetiology. Non-compliance to drug therapies and persistent dietary errors are the most common causes. However, it is important to consider other possibilities such as malabsorption, occult bleeding and errors on iron metabolism. Purpose: The authors aim to demonstrate the need of a diagnostic investigation strategy in a refractory iron deficiency anaemia study. Material and Methods: We performed a retrospective study of medical records of six patients with refractory iron deficiency anaemia. Results: Three patients had gastrointestinal pathology with impaired absorption of iron, one had occult gastrointestinal bleeding, and two children had iron deficiency caused by iron metabolism disorders. Discussion / Conclusion: The relevance of the following investigations are discussed: hematologic indices, iron-status indicators, screening of malabsorption, response to intravenous iron and/or oral iron formulation independent of gastric acid NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 secretion and endoscopic and histological investigation of the digestive tract. The development of a research methodology that considers epidemiologic, clinical and analytical factors is necessary in such patients. Keywords: refractory iron deficiency anemia, occult bleeding, iron metabolism disorders, malabsorption. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 74-79 BIBLIOGRAFIA 1. Betsy L, Jimenez E, and Wolf A. Long-Term Developmental Outcome of Infants with Iron Deficiency. N Engl J Med 1991; 325: 687-94. 2. Ganz T, Nemeth E. Hepcidin and regulation of body iron metabolism. Am J Physiol Gastrointest Liver Physio 2006; 290: 199-203. 3. Rossi E. 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CORRESPONDÊNCIA Sandrina Martins E-mail: [email protected] artigo original original article 79 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Urticária crónica numa população pediátrica Marta Rios1, Rui Silva2, Leonor Cunha3, Eva Gomes3, Helena Falcão3 RESUMO Introdução: A urticária crónica (UC) é uma patologia rara na criança e no adolescente. Objetivo: Caracterizar um grupo de crianças e adolescentes com UC, analisando os subtipos de UC identificados, patologias associadas, tratamento e evolução. Material e métodos: Estudo retrospetivo baseado na consulta dos processos clínicos de uma amostra consecutiva de 59 crianças e adolescentes seguidos numa consulta de Imunoalergologia pediátrica. Resultados: Os 59 doentes tinham idades compreendidas entre 16 meses e 17 anos. Destes, 37 (62,7%) eram do sexo masculino. Trinta e cinco (59,3%) casos corresponderam a urticária espontânea crónica, 20 (33,9%) a urticária física (15 factícia, cinco ao frio), e quatro (6,8%) a outro tipo de urticária (dois induzida pelo exercício, um colinérgica, um aquagénica). Foram detetados autoanticorpos em quatro doentes com urticária espontânea e em cinco com urticária física/outro tipo. Diagnosticou-se infecção aguda por CMV num doente com urticária espontânea e infeção por Giardia num doente com urticária induzida pelo exercício. Em 31 (88,6%) dos 35 casos cuja evolução é conhecida durante os primeiros cinco anos de doença, houve remissão da sintomatologia, em média 24 meses depois (mediana 12 meses). Conclusões: Para além da UC espontânea, identificada na maioria, a urticária factícia e desencadeada pelo frio são subtipos frequentes neste grupo etário. O rastreio de doenças autoimunes parece ter interesse não só nos casos de urticária espontânea, como nos restantes subtipos. Na maioria dos doentes ocorre resolução espontânea dos sintomas durante os primeiros cinco anos de doença, sobretudo durante o primeiro ano. Palavras-chave: Adolescentes, crianças, patologia cutânea, urticária crónica. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 80-85 INTRODUÇÃO A urticária caracteriza-se pelo aparecimento súbito de lesões cutâneas papuloeritematosas e pruriginosas, que desaparecem ou atenuam à digitopressão e que regridem, espontaneamente ou sob terapêutica, sem lesão residual, num período inferior a 24h (1-4). Em cerca de 50% dos casos acompanha-se de angioedema, que traduz o envolvimento das estruturas mais profundas da derme (1-4). De acordo com a evolução temporal das lesões, classifica-se em aguda ou crónica, conforme ocorram episódios durante um período inferior ou superior a seis semanas, respetivamente (1,4-6). A incidência de todas as formas de urticária na criança varia entre 2,1 e 6,7%, sendo mais frequente em crianças mais pequenas (2,4-7). A urticária crónica (UC) na criança/adolescente é pouco frequente, ocorrendo em apenas 0,1-0,3%, percentagem inferior à observada em idade adulta (2,5,6,8). Embora muito do conhecimento sobre UC no adulto possa ser aplicado à criança e ao adolescente, as particularidades inerentes a este grupo etário, sobretudo no que diz respeito à etiologia e evolução, ainda estão pouco estudadas (4-6,9). Os autores pretendem caracterizar um grupo de 59 crianças/adolescentes, analisando os subtipos de UC identificados, fatores desencadeantes, patologias associadas, tratamento e evolução. MATERIAL E MÉTODOS Estudo retrospetivo e descritivo, baseado na consulta dos processos clínicos de uma amostra consecutiva de crianças/ adolescentes seguidos numa consulta de Imunoalergologia pediátrica por UC. Foram incluídas as crianças com episódios de urticária (agudos recorrentes - pelo menos três episódios de urticária num período mínimo de seis meses ou persistentes - mais do que quatro episódios por semana), durante um período superior a seis semanas, sem ou com etiologia identificada (urticária espontânea, física, de outro tipo específico), e foram excluídas as crianças com episódios de urticária associados a alergia alimentar. __________ __________ 1 2 3 S. Pediatria, H Maria Pia, CH Porto U. Imunoalergologia, CH Trás-os-Montes e Alto Douro U. Imunoalergologia, H Maria Pia, CH Porto 80 artigo original original article ABREVIATURAS: ANA - Anticorpos antinucleares; CMV - Citomegalovírus; EAACI - European Academy of Allergology and Clinical Immunology; EBV - Vírus epstein-barr; EDF - European Dermatology Forum; GA2LEN - Global Allergy and Asthma European Network; HSV Vírus herpes simplex; UC - Urticária crónica; WAO - World Allergy Organization NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Foi considerada a nova classificação de urticária, de acordo com as recomendações propostas pela Secção de Dermatologia da EAACI, a GA2LEN, a EDF e a WAO no 3rd International Consensus Meeting on Urticaria 2008 (1). Foram consultados os processos clínicos de todos os doentes e analisados os registos relativos à anamnese e exame físico, assim como o resultado dos exames complementares de diagnóstico efetuados, que incluíram: testes cutâneos a alimentos (leite, ovo, trigo e bacalhau) e inalantes comuns (Dermatophagoides pteronyssinus, pelo de cão e gato e mistura de gramíneas e cereais); testes específicos para confirmação de urticária física nos casos suspeitos (aplicação de pressão sobre a pele, teste com cubo de gelo, contacto com água ou prática de exercício físico); hemograma, função renal, ionograma e enzimas hepáticas; IgE total e específicas (na suspeita clínica); função tiroideia e anticorpos antitiroideos; anticorpos antinucleares (ANA) e estudo do complemento (CH50, C3, C4 e inibidor C1 se angioedema associado); serologias - vírus epstein-barr (EBV), citomegalovírus (CMV), vírus herpes simplex (HSV), parvovírus, Helicobacter pylori; exame sumário de urina e urocultura; exame parasitológico de fezes. As variáveis analisadas foram as seguintes: sexo, idade, manifestações clínicas, fatores desencadeantes identificados, comorbilidades associadas, exames complementares de diagnóstico, tratamento e evolução. Os dados obtidos foram analisados através do programa de análise estatística Sigmastat 3.5, utilizando análise descritiva. RESULTADOS Dados demográficos Foram incluídas 59 crianças, 37 (62,7%) do sexo maculino. A mediana de idade à data de início dos sintomas foi de seis anos (mínimo 16 meses, máximo 17 anos). Manifestações clínicas, antecedentes e exame físico Quarenta e uma (69,5%) crianças apresentavam urticária isolada, e 18 (30,5%) urticária com angioedema associado. A frequência dos sintomas foi bem caracterizada em 45 casos, tendo surgido diariamente em 12 (26,7%) e semanalmente em oito (17,8%). Nos restantes 25 (42,4%) houve referência a surtos mais esporádicos. Metade dos 20 casos com periodicidade diária ou semanal correspondeu a urticária espontânea e os restantes a urticária factícia. Em dez casos havia a suspeita de um possível fator desencadeante (16,9%): cinco - exposição ao frio, dois - exercício físico, um - exercício físico e banho com água quente, um - contacto com água fria ou quente, um - síndrome febril. Vinte e duas (37,3%) crianças/adolescentes tinham asma e/ou rinite associada(s), com evidência de sensibilização a aeroalergenos em 17, e um tinha também dermatite atópica. Dois doentes com urticária espontânea apresentavam como patologia concomitante perturbação de hiperatividade e défice de atenção e ambos tinham iniciado tratamento com ritalina vários meses/ anos antes do aparecimento de urticária. Cinco doentes (8,5%) tinham antecedentes familiares de UC, embora alguns com subtipos diferentes (um doente com ur- ticária ao frio tinha familiares com urticária aquagénica; um doente com urticária aquagénica tinha um familiar com angioedema induzido pelo exercício). Deste grupo fazem parte dois irmãos gémeos, ambos incluídos na amostra estudada. Ao exame físico na primeira avaliação, observou-se dermografismo em 17 doentes. Exames complementares de diagnóstico Relativamente à pesquisa de patologia infeciosa associada, numa criança com urticária espontânea detetou-se infeção ativa/ recente por CMV (IgM positiva, sem sintomatologia associada) dois meses depois do aparecimento de urticária. Em 11 doentes havia evidência serológica de infeção prévia por Streptococcus do grupo A, CMV, EBV e/ou HSV (dez com urticária espontânea e um com dermografismo). Quatro doentes tinham IgG positiva para Helicobacter pylori (três com urticária espontânea e um com urticária factícia), não havendo referência a sintomatologia digestiva em nenhum, pelo que não foi efetuada endoscopia digestiva alta nestes doentes. Numa criança com urticária desencadeada pelo exercício, o exame parasitológico de fezes foi positivo para Giardia lamblia. Na investigação efetuada para exclusão de patologia autoimune, identificou-se ANA positivos (título >1/80) em quatro doentes (um com urticária espontânea e três com urticária física). Em quatro crianças/adolescentes (três com urticária espontânea e uma com urticária ao frio) foram detetados anticorpos antitiroideus, todos com função tiroideia normal. Não se detetou nenhuma alteração quantitativa ou funcional do complemento nos doentes com angioedema. Verificou-se sensibilização a alergenos alimentares em dois doentes, um com urticária colinérgica e um com urticária factícia. Nenhum referia associação dos episódios de urticária com a ingestão dos alimentos implicados e não se verificou desaparecimento dos mesmos após evicção daqueles alimentos. Em cinco crianças/adolescentes com suspeita de urticária ao frio foi efetuado o teste de provocação com cubo de gelo, que foi positivo em todos, e doseamento de crioglobulinas, cujo valor estava normal. Classificação Trinta e cinco (59,3%) casos foram classificados como urticária espontânea crónica, 20 (33,9%) doentes tinham urticária física (15 factícia e cinco ao frio) e quatro (6,8%) outro tipo específico de urticária (dois induzida pelo exercício, um colinérgica e um aquagénica) – quadro I. Tratamento Todos os doentes efetuaram tratamento com antihistamínicos de segunda geração como primeira opção. Para controlo sintomático, 22 doentes (37,3%) necessitaram de um antihistamínico diário, 11 (18,6%) de dois antihistamínicos em associação e 4 (6,8%) de associação de um antihistamínico com um antagonista dos leucotrienos. Em 22 (37,3%) casos foi aconselhada apenas a utilização de antihistamínico nos períodos de agudização por apresentarem sintomas mais esporádicos. artigo original original article 81 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Evolução Em 31 (88,6%) dos 35 casos cuja evolução é conhecida durante os primeiros cinco anos de doença, houve remissão dos episódios de urticária (Quadro II). A remissão dos sintomas surgiu em média 24 meses após o início da sintomatologia (mediana 12 meses). Quadro I – Subtipos de urticária identificados na amostra estudada Física Classificação Nº absoluto (n=59) % Urticária espontânea crónica 35 59,3% Factícia/Dermografismo sintomático 15 25,4% Frio 5 8,5% Induzida pelo exercício 2 3,4% Aquagénica 1 1,7% Colinérgica 1 1,7% Outros tipos Quadro II – Percentagem de remissão durante os cinco anos após o diagnóstico Remissão durante os primeiros 5 anos após o diagnóstico Evolução conhecida (n=35) Remissão Nº absoluto (%) Até aos 6 meses 8 (22,9%) Entre os 6 e os 12 meses 9 (25,7%) Entre os 12 meses e os 2 anos 4 (11,4%) Entre os 2 e os 5 anos 10 (28,6%) Total 31 (88,6%) DISCUSSÃO Em crianças e adolescentes com UC verificou-se um predomínio do sexo masculino, ao contrário do que é habitual na idade adulta (2,5,10,11). No grupo estudado, verificou-se uma elevada percentagem de casos com angioedema associado (30,5%), tal como é descrito na literatura. Estudos anteriores referem a ocorrência de urticária isolada em 48,8-78,4% dos casos e de urticária associada a angioedema em 15,0-50,4% (5,11,12). Numa percentagem importante de casos (44,4%) os sintomas surgiram com periodicidade diária ou semanal, havendo no entanto séries publicadas que revelam valores superiores a 50% (11). A maioria dos casos correspondeu a urticária espontânea crónica, previamente denominada urticária crónica idiopática. 82 artigo original original article Este tipo de UC é o mais frequente em idade pediátrica (3). De entre os tipos de urticária física, o mais comum foi a urticária factícia ou dermografismo sintomático, que correspondeu a 25% da amostra estudada. Este subtipo de urticária carateriza-se pelo aparecimento de lesões em zonas de atrito cutâneo (1), o que pode ser facilmente reproduzido durante a consulta através da aplicação de pressão sobre a pele, sendo o diagnóstico efetuado perante o aparecimento poucos minutos depois de lesões cutâneas de urticária. Salienta-se que dois dos 17 casos com evidência de dermografismo ao exame físico, não foram classificados como urticária factícia, mas como urticária ao frio e urticária colinérgica. Como se observou nestes dois casos, podem surgir diferentes tipos de urticária no mesmo doente simultaneamente (1,3,4,6,11). A urticária ao frio, embora muito rara no adulto, é relativamente frequente nas crianças e nos adolescentes, como se observou na amostra analisada, tendo correspondido a cerca de 8,5% do total e a 25,0% dos casos de urticária física. O exercício físico foi apontado como fator desencadeante em três casos, tendo sido dois destes casos classificados como urticária induzida pelo exercício e um como urticária colinérgica. Embora ambas as formas possam ser desencadeadas pelo exercício físico, na urticária colinérgica, os sintomas são também desencadeados por outros fatores que conduzem ao aumento da temperatura corporal, como o banho com água quente e episódios de ansiedade (1). Este tipo de urticária é frequente sobretudo nos adolescentes e adultos jovens (6). Verificou-se que a anamnese foi fundamental ao permitir identificar fatores desencadeantes em dez casos, tendo orientado o diagnóstico relativamente ao tipo de urticária. A evidência de dermografismo ao exame físico permitiu o diagnóstico de urticária factícia em 15 casos. O teste de provocação com o cubo de gelo, confirmou o diagnóstico de cinco casos suspeitos de urticária ao frio. As maiores dificuldades surgiram na abordagem dos doentes com urticária espontânea, ou seja sem fator desencadeante identificado. Doenças autoimunes como tiroidite autoimune, doença celíaca, diabetes mellitus tipo 1, doença inflamatória intestinal, artrite idiopática juvenil e lúpus eritematoso sistémico podem surgir previamente, simultanemante ou posteriormente ao aparecimento dos episódios de urticária (3,5,13,14). De entre os 35 casos de urticária espontânea, identificaram-se fenómenos autoimunes em quatro (11,4%): um com ANA positivos e três com anticorpos antitiroideus positivos, embora todos sem outra sintomatologia e com função tiroideia normal. Num estudo prospetivo com 94 doentes adultos e crianças com UC idiopática houve 2% de positividade para ANA (9). Num estudo canadiano realizado com 624 doentes com UC, foi diagnosticada tiroidite autoimune em 90 (cerca de 14%), valor superior ao encontrado no grupo controlo (3-6%) e semelhante ao encontrado na amostra apresentada (14). Dos 24 casos de urticária com fator desencadeante identificado, em quatro (16,7%) foram identificados autoanticorpos: ANA (padrão mosqueado) em três e anticorpos antitiroideus em um. Investigações anteriores identificaram autoanticorpos IgG contra as cadeias alfa dos recetores IgE dos mastócitos em 25-50% doentes com UC espontânea, o que pode ser demonstrado pela NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 realização de teste cutâneo com soro autólogo (2-6). Este teste, tal como em outros centros de imunoalergologia (3), não é realizado por rotina no serviço onde foi realizado este estudo. As doenças infeciosas que têm sido associadas a UC e que parecem ser fatores desencadeantes/agravantes dos episódios de urticária, incluem infeção do trato urinário por E.coli, infeções respiratórias altas por Streptococcus grupo A, infeções por Chlamydia pneumoniae, Helycobacter pylori, CMV, EBV e infeções parasitárias (ex: Giardia lamblia) (1,3,5,6,15,16). Embora tenha havido evidência serológica de infeção prévia por alguns destes agentes em 11 doentes, em apenas um se demonstrou infeção ativa por CMV, sem sintomatologia ou sinais de doença. Nos adultos, tem sido referida a implicação do Helicobacter pylori na etiologia da UC (1,2,17-20), embora com muita controvérsia (21,22). Apesar da serologia ter sido positiva para IgG em três doentes, nenhum apresentava sintomatologia digestiva, pelo que não tinham indicação para realização de endoscopia digestiva alta. O papel dos alimentos na UC é controverso. A urticária alimentar não está incluída na nova classificação proposta em 2008 e publicada em 2009 (1), mas os alimentos continuam a ser apontados como uma das causas possíveis ou fator agravante (3,5,15). Podem estar envolvidos diferentes mecanismos: reações IgE mediadas (alergia a marisco, peixe, frutos secos...), reações desencadeadas por aminas vasoativas (vinho, cerveja, queijo) e pseudoalergenos (aditivos alimentares, salicilatos naturais e benzoatos) (4). As reações IgE-mediadas estão associadas sobretudo a episódios de urticária aguda (2,4). Nos dois casos em que se verificou sensibilização a alergenos alimentares não se considerou que estes estivessem implicados nos episódios de urticária, quer pela história clínica pouco sugestiva, quer pela persistência dos sintomas após a sua evicção. Doenças psiquiátricas/psicossomáticas são comorbilidades comuns em adultos com UC (3,5). Na amostra estudada, houve dois doentes com perturbação de hiperatividade e défice de atenção, mas esta patologia em particular ainda não foi associada a UC. O aparecimento de urticária é um dos efeitos secundários possíveis da ritalina. No entanto, nestes dois doentes não foi comprovada a implicação deste fármaco, uma vez que não se verificou relação temporal entre o início e a suspensão desta terapêutica e o aparecimento e a remissão dos episódios de urticária, respetivamente. Os fatores genéticos parecem ter algum papel na etiologia da UC, pela evidência de história familiar positiva em 8,5% da amostra, semelhante a outros estudos (10,0%) (15). A abordagem dos doentes com UC baseia-se sobretudo na realização de uma anamnese e exame físico completos, de forma a caracterizar as manifestações clínicas e identificar possíveis fatores desencadeantes (4, 23). As últimas recomendações da EAACI, GA2LEN, EDF e WAO consideram que não é necessária investigação complementar por rotina, para além dos testes de provocação que podem ser realizados nalguns casos, se os dados da história clínica apontarem para o diagnóstico de urticária desencadeada por um fator bem identificado (1, 6, 23). A exceção deve ser feita nos casos de urticária factícia e nos casos de urticária induzida pelo frio, em que devem ser realizados hemograma e velocidade de sedimentação/proteína C reativa em ambos e doseamento de crioglobulinas no último (1). Nos casos de UC espontânea, deve ser realizado um estudo complementar mais alargado para rastrear algumas patologias (autoimune, infeciosa, alergia alimentar) que podem estar associadas. Neste grupo de exames complementares estão incluídos hemograma, velocidade de sedimentação, desidrogenase láctica, enzimas hepáticas, função renal, exame sumário de urina e urocultura, exame parasitológico de fezes, anticorpos antinucleares, anticorpos antitiroideos e função tiroideia, rastreio de doença celíaca e testes cutâneos se suspeita de alergia alimentar (1,3). Na maioria das vezes, os resultados destes exames estão dentro dos parâmetros da normalidade, como se observou em 20 (57,1%) dos 35 casos de UC espontânea identificados na amostra estudada, percentagem semelhante à demonstrada num estudo com 130 doentes, em que 68% apresentavam estudo normal (24). Embora atualmente não haja indicação para investigação alargada nos casos de urticária física ou com fator desencadeante identificado, verificou-se que neste grupo de doentes também se detetaram fenómenos autoimunes em quatro casos (17%) e giardíase em um. Este facto leva-nos a pensar que ambos os fenómenos, autoimunes e infeciosos, podem ser comuns a todos os tipos de urticária e que poderá ter interesse investigar também os casos de urticária com fator desencadeante identificado. Um grupo de investigadores italiano chegou à mesma conclusão ao verificar que a percentagem de doentes com tiroidite autoimune era semelhante no grupo de doentes com UC de causa identificada (39%) e no grupo de doentes com UC idiopática (42%) (25). A principal medida a tomar nos casos de urticária com fator desencadeante identificado é evitar a exposição aos mesmos (3,4) . Em cerca de 50% dos doentes com urticária ao frio podem ocorrer manifestações sistémicas. A perda de consciência dentro de água acarreta o risco de morte por afogamento, pelo que se desaconselha a prática de desportos que impliquem exposição a temperaturas baixas como a natação e o esqui (6). A aplicação de substâncias oleosas sobre a pele antes ou durante o banho nos doentes com urticária aquagénica permite isolá-la parcialmente do contacto direto com a água, minimizando os sintomas. Os antihistamínicos, idealmente os não sedativos de segunda geração (cetirizina, desloratadina, levocetirizina), constituem o tratamento de primeira linha (3). Nos casos refratários ao tratamento com um antihistamínico, pode ser associado um segundo antihistamínico H1 (sedativo como a hidroxizina ou não sedativo), duplicada a dose do antihistamínico inicialmente proposto ou associado outro fármaco como os antagonistas dos receptores H2 (cimetidina, ranitidina) ou os antileucotrienos (montelucaste) (3). Os corticóides orais podem diminuir a duração dos episódios, mas não são uma boa opção terapêutica, devido aos efeitos secundários associados a este fármaco e ao facto de poderem mascarar outras etiologias/patologias (3). Nos doentes estudados, foi necessário tratamento diário em cerca de um terço da amostra e da associação de dois fármacos em um quarto, o que demonstra a dificuldade no controlo da doença em alguns casos. Do grupo de 35 doentes cuja evolução durante os primeiros cinco anos após o diagnóstico é conhecida, em cerca de metade (17) houve remissão da sintomatologia um ano após o diagnóstico. artigo original original article 83 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Aos cinco anos de doença, em cerca de 89% dos doentes houve remissão dos sintomas, em média 24 meses depois (mediana de 12 meses). Num estudo de 94 crianças com UC (espontânea e induzida pelos estímulos físicos ou outros) foi avaliada a evolução em 52, tendo havido remissão da sintomatologia em 58%, com uma mediana de duração dos sintomas de 16 meses (26). Um trabalho inglês realizado com 53 crianças com urticária física, mostrou que em apenas 11,6% dos casos a doença tinha remitido após um ano e em 38,4% após cinco anos, o que mostra que a urticária física pode ter um prognóstico pior (27). Estes autores ingleses verificaram ainda que antecedentes de alergia e episódios mais frequentes (diários/semanais) se relacionam com um pior prognóstico (menor percentagem de remissão e remissão mais tardia) (27). O número de doentes com urticária física na amostra apresentada não foi suficiente para avaliar estas variáveis. Os autores reconhecem as limitações deste estudo decorrentes do seu carácter descritivo e retrospetivo, não deixando de reforçar a importância de implementação de protocolos de abordagem e investigação bem definidos que permitam a realização de estudos prospetivos e melhor caracterização desta patologia. CONCLUSÕES A UC espontânea foi o subtipo identificado na maioria dos casos, seguido da urticária factícia, ao frio, induzida pelo exercício e colinérgica. A anamnese e o exame físico completos são fundamentais na identificação de eventuais fatores desencadeantes e na classificação dos subtipos de urticária. O rastreio periódico de doenças autoimunes nas crianças com UC é fundamental e parece ter interesse, não só nos doentes com urticária espontânea, como também naqueles com urticária física ou induzida por outros factores. Embora a urticária possa estar associada ou ser desencadeada por processos infeciosos, só num pequeno número de casos se identifica o agente infecioso implicado, que, sendo vírico na maior parte dos casos, não altera a abordagem terapêutica. A infeção por Helicobacter pylori, para além de não parecer ter um papel relevante na etiologia de UC, sobretudo na criança, deve ser pesquisada apenas na presença de sintomas sugestivos daquele diagnóstico. Na grande maioria dos doentes ocorre resolução espontânea dos sintomas durante os primeiros cinco anos de doença, a maior parte durante o primeiro ano. Apesar disso, é necessária administração de terapêutica diária para controlo dos sintomas num elevado número de casos. CHRONIC URTICARIA IN A PEDIATRIC POPULATION ABSTRACT Introduction: Chronic urticaria (CU) is a rare disease in children and adolescents. Aim: To characterize a group of children and adolescents with CU, analyzing the subtypes of CU, associated diseases, treatment and evolution. 84 artigo original original article Material and methods: Retrospective study based on medical records consultation of a consecutive sample of 59 children and adolescents followed in a pediatric Immunoallergology department. Results: There were 59 patients aged between 16 months and 17 years, 37 of them (62,7%) were male. Thirty five (59,3%) cases corresponded to spontaneous chronic urticaria, 20 (33,9%) to physical urticaria (15 factitious and five cold urticaria), and four (6,8%) to another type of urticaria (two induced by exercise, one cholinergic, one aquagenic). Autoantibodies were detected in four patients with spontaneous urticaria and in five with physical urticaria or other. Acute CMV infection was diagnosed in a patient with spontaneous urticaria, and Giardia infection was found in a patient with exercise-induced urticaria. In 31 (88,6%) of the 35 cases in which evolution during the first five years is known, there was remission of symptoms, after 24 months on average (median 12 months). Conclusions: In addition to spontaneous CU, identified in most cases, cold and factitious urticaria subtypes are common in this age group. The screening of autoimmune diseases seems to have a role not only in patients with spontaneous urticaria, but also in those with the other types. In the large majority of patients the spontaneous resolution of symptons occurs during the first five years of disease, especially during the first year. Keywords: Adolescents, children, skin pathology, chronic urticaria. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 80-85 BIBLIOGRAFIA 1. Zuberbier T, Asero R, Bindslev-Jensen C, Canonica GW, Church MK, Giménez-Arnau A, et al. EAACI/GA2LEN/EDF/ WAO guideline: definition, classification and diagnosis of urticaria. Allergy 2009; 64: 1417-26. 2. Pereira C, editor. Urticária da clínica à terapêutica. Lisboa: MSD; 2010 3. Lara-Corrales I, Balma-Mena A, Pope E. Chronic urticaria in children. Clin Pediatr (Phila) 2009; 48: 351-5. 4. Kozel M, Sabroe R. Chronic urticaria. Drugs 2004; 64: 2515-31. 5. Church MK, Weller K, Stock P, Maurer M. Chronic spontaneous urticaria in children: Itching for insight. Pediatr Allergy Immunol 2011; 22: 1-8. 6. Greaves M W. Chronic urticaria in childhood. Review article series V: the skin as target for IgE-mediated allergic reactions. Allergy 2000; 55: 309-20. 7. Kjaer HF, Eller E, Høst A, Andersen KE, Bindslev-Jensen C. The prevalence of allergic diseases in an unselected group of 6-year-old children. The DARC birch cohort study. Ped Allergy Immunol 2008; 19:737-45. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 8. 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Revisões recentes sugerem que as doentes com LES podem usar a maioria dos métodos contracetivos, incluindo os métodos hormonais. Os contracetivos hormonais combinados são uma boa opção nas adolescentes com anticorpos antifosfolipídeos negativos, que não apresentam outros factores de risco pró-trombóticos e cuja doença se encontra inativa. Os contracetivos progestativos são uma alternativa nos casos de maior risco tromboembólico e nos casos de LES ativo. Os métodos de barreira são sempre recomendados, a contraceção de emergência não tem contra-indicação nas adolescentes com LES e o dispositivo intra-uterino (DIU) não está atualmente contra-indicado, sendo uma opção segura e eficaz, pelo que constitui uma alternativa contracetiva a considerar, particularmente o DIU com levonorgestrel. Palavras-chave: adolescente, contraceção, lúpus eritematoso sistémico. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 86-91 INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistémico (LES), doença autoimune de predomínio feminino, é diagnosticado em 15 a 20% dos casos na infância(1). O seu prognóstico tem melhorado nos últimos anos com a evolução e aperfeiçoamento da abordagem terapêutica(1,2,3). O aumento da sobrevida, com transição para a vida adulta, condiciona questões relativas ao início da vida sexual e, deste modo, a informação e uso de contraceção adequada é fundamental1. A escolha de um método anticoncecional nas mulheres com LES tem sido controversa, nomeadamente no que respeita aos contracetivos orais – pelo risco aumentado __________ 1 2 S. Pediatria, CH Alto Ave S. Pediatria, CH Porto 86 artigo de revisão review articles de eventos trombóticos e pelo aparente impacto na atividade da doença(1,4). A avaliação recente, por diferentes estudos, do uso de preparações hormonais nas doentes com LES trouxe uma nova perspetiva(4). Podendo constituir um desafio, a escolha do método contracetivo nas adolescentes com LES é de suma importância, pelo que requer atualização constante. Os autores apresentam uma abordagem geral da contraceção nas adolescentes com LES, nomeadamente no que respeita a indicações e contra-indicações dos diferentes métodos anticoncecionais e qual a melhor opção em situações específicas. ASPETOS GERAIS DA CONTRACEÇÃO NA ADOLESCÊNCIA Nos países desenvolvidos, a idade média da primeira relação sexual é 16 anos(5), pelo que na transição para a adolescência se torna essencial o aconselhamento relativo à atividade sexual e contraceção(1,6). As recomendações atuais indicam que a idade não é contra-indicação para qualquer método contracetivo reversível nas adolescentes(6,7). A escolha deverá ser individualizada, considerando a sua eficácia, co-morbilidades, efeitos laterais, estilo de vida e preferência pessoal(1,5,7). O método de eleição deverá ser duplo e incluir o uso de um método barreira (preservativo masculino) em associação a um método contracetivo eficaz, de modo a prevenir gestações indesejadas e doenças sexualmente transmissíveis (DST)(7). A avaliação clínica prévia à escolha contracetiva deverá incluir uma anamnese detalhada, nomeadamente no que respeita a contra-indicações potenciais para métodos contracetivos hormonais, história de tabagismo e uso de fármacos(8). A anamnese é suficiente para uma escolha contraceptiva segura na maioria das adolescentes(5,6) e deve associar-se, de acordo com alguns autores, a uma avaliação da tensão arterial(8). Em determinados casos deverá considerar-se a realização de uma inspecção da genitália externa, urocultura e zaragatoa vaginal para a exclusão de DST(6). O exame pélvico não é habitualmente obrigatório numa fase inicial, podendo ser deferido(5,6), com excepção dos casos de dor abdominal em adolescente sexualmente activa(6). De acordo com as orientações da American Cancer Society e do American College of Obstetricians and Gynecologists, o rastreio através de citologia cervicovaginal deverá iniciar-se três anos após o início da atividade sexual ou aos 21 anos de idade(6). Nas adolescentes saudáveis, o início de contraceção não indica a realização de rastreio analítico adicional ao habitualmente preconizado para este grupo etário(8). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Métodos de barreira Os preservativos masculinos têm a vantagem de serem contracetivos e protegerem contra DST(5). Devem ser recomendados a todos(as) os(as) adolescentes, sem exceção (mesmo nos casos de utilização de métodos hormonais)(5,6). Os contracetivos de barreira femininos incluem o diafragma, o capuz cervical e o preservativo feminino(6). Métodos hormonais (Quadro 1) Os anticoncecionais orais combinados (ACO-C) contêm uma associação de estrogénio (etinilestradiol, 15 a 35 μg/dose nas formulações disponíveis em Portugal) e um progestativo e podem ser categorizados em mono- ou multifásicos, estes de utilização mais confusa e sem vantagens relativamente aos primeiros(6,11). Na maioria das adolescentes um ACO-C com ≤ 35 μg de etinilestradiol é adequado(6) e alguns autores sugerem um ACO-C monofásico com 30 μg de etinilestradiol e dose baixa de noretisterona ou levonorgestrel como opção de primeira linha(12). Os benefícios não contracetivos dos ACO-C incluem regularização dos ciclos menstruais, melhoria da acne e diminuição da dismenorreia, hemorragia menstrual e quistos funcionais dos ovários(6). Os efeitos laterais incluem náuseas, sensibilidade ou dor mamária e cefaleias(6). O uso de ACO-C aumenta três a cinco vezes o risco de tromboembolismo venoso, sendo que os que contêm gestodeno, desogestrel ou acetato de ciproterona como fonte de progestagénio estão associados a maior risco(12). As contra-indicações absolutas para o uso de contraceção hormonal combinada encontram-se no Quadro 2. Os contracetivos orais progestativos (ACO-P) (mini-pílulas com desogestrel) são menos eficazes que os ACO-C, sendo alternativa nos casos de contra-indicação (Quadro 2) ou intolerância aos estrogénios(6). Habitualmente não são recomendados na adolescência pela sua menor eficácia(6), com necessidade de uma toma mais rigorosa e sobretudo porque condicionam padrões hemorrágicos imprevisíveis(5). A contraceção hormonal transdérmica, método hormonal combinado contendo etinilestradiol e norelgestromina, e a contraceção hormonal vaginal, contendo etinilestradiol e etonogestrel(6,11), são tão eficazes como os ACO-C e poderão ter melhor adesão terapêutica por não requererem toma diária. O adesivo da contraceção hormonal transdérmica é aplicado semanalmente durante três semanas, seguindo-se uma semana de pausa para indução do cataménio(6). O anel usado na contraceção hormonal vaginal é aplicado mensalmente (permanece na vagina durante três semanas, seguindo-se uma semana de intervalo para indução do cataménio)(6). A contraceção hormonal vaginal é frequentemente um método de difícil aceitação pelas adolescentes dada a necessidade de manipulação genital. Os efeitos adversos são sobreponíveis aos dos ACO-C(6). Não obstante, estudos recentes sugerem que a mudança de um ACO-C para a contraceção hormonal transdérmica pode condicionar um desvio desfavorável nos biomarcadores de trombose (ao contrário das que mudam para contraceção hormonal vaginal)(13). Quadro 1. Contracetivos hormonais comercializados em Portugal(6,9,10,15). £ ACO-C com atividade anti-androgénica. Contracetivos hormonais combinados Etinilestradiol combinado com um progestativo. Anticoncecionais orais combinados (ACO-C) Monofásicos - Segunda geração: Miranova®, Microginon®. Levonorgestrel. - Terceira geração: Desogestrel. Marvelon®, Mercilon® e Novynette®. Gestodeno. Microgeste®, Minesse®, Minigeste®,Estinette®, Harmonet®, Gynera®, Minulet®, Effiplen®. - Quarta geração: Ciproterona£. Diane 35®. Drospirenona£. Yasmin®, Yasminelle®, Yaz®. Cloromadinona£. Belara®, Libeli®. Dienogest. Valette®. Bifásicos Gracial®. Desogestrel. Trifásicos Gestodeno. Tri-Gynera®, Tri-Minulet®. Levonorgestrel. Trinordiol®. Contraceção hormonal transdérmica Etinilestradiol e norelgestromina (Evra®). Contraceção hormonal vaginal Etinilestradiol e etonogestrel (NuvaRing®). Contracetivos hormonais progestativos Progestativo isolado. Contracetivos orais progestativos (ACO-P) Desogestrel (Cerazette®). Contraceção hormonal injetável Acetato de depo-medroxiprogesterona (Depo-Provera®). Dispositivo intra-uterino (DIU) Levonorgestrel (Mirena®). Implante progestativo subcutâneo Etonogestrel (Implanon®). Contraceção de emergência Combinada: levonorgestrel e etinilestradiol (Tetragynon®). Progestativa: levonorgestrel (Norlevo®, Postinor®). Inibidor seletivo dos recetores da progesterona: acetato de ulipristal (Ellaone®). artigo de revisão review articles 87 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 O acetato de depo-medroxiprogesterona é o único contracetivo hormonal injetável disponível em Portugal. Este é um contracetivo progestativo muito eficaz, administrado a cada três meses por via intramuscular, e poderá ser uma alternativa para as adolescentes com baixa adesão terapêutica aos ACO(6) e nos casos de contra-indicação ou intolerância aos estrogénios(5). Os efeitos adversos mais comuns incluem alterações menstruais(5,6), Quadro 2. Contra-indicações absolutas para o uso de contraceção hormonal combinada(9). TAS, tensão arterial sistólica. TAD, tensão arterial diastólica. IMC, índice de massa corporal. £Doença cardíaca coronária, doença vascular periférica, retinopatia hipertensiva, acidente isquémico transitório. §Por exemplo com hipertensão pulmonar, fibrilação auricular, história de endocardite bacteriana. ∂Idade, tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial, hiperlipidemia. aumento de peso, acne e cefaleias(6), bem como risco de redução da densidade mineral óssea, pelo que deverá ser evitado nas adolescentes com risco de osteopenia/osteoporose(6,14) ou, de acordo com alguns autores, em todas a menores de 18 anos(5). As adolescentes sob acetato de depo-medroxiprogesterona deverão ser aconselhadas quanto a suplementos dietéticos ou farmacológicos de cálcio e vitamina D(6,14), bem como incentivadas a realizar exercício físico regular(6). O implante progestativo subcutâneo é eficaz durante três anos e apresenta como vantagem uma contraceção reversível, a longo prazo e muito eficaz(5,6). Demonstra vantagens nas adolescentes que desejam uma ação contracetiva prolongada, referem dificuldade em manter uma administração oral diária ou que têm antecedentes de gestação prévia(8). As suas principais desvantagens incluem irregularidades menstruais, sobretudo ao longo do primeiro ano de uso, e cefaleias(6,9). Não está demonstrado risco de redução da densidade mineral óssea(14). Sistema arterial Hipertensão arterial grave não tratada: TAS ≥160 mmHg ou TAD ≥95 mmHg. Hipertensão arterial com doença vascular£. Doença cardíaca isquémica. Acidente cerebrovascular. Doença cardíaca valvular complicada ou congénita§. Múltiplos fatores de risco para doença cardiovascular∂. Sistema venoso Trombose (trombose venosa profunda, embolismo pulmonar ou trombose venosa cerebral). Cirurgia major com imobilização prolongada. Trombofilia conhecida. Sistema endócrino Diabetes mellitus >20 anos. Diabetes mellitus com doença vascular grave ou nefropatia, retinopatia ou neuropatia graves. Mama Aleitamento <6 semanas após o parto. Cancro de mama atual. Sistema metabólico Obesidade com IMC >40 kg/m2. Sistema neurológico Enxaqueca com aura. Enxaqueca sem aura e idade ≥35 anos. Fígado Hepatite vírica activa. Cirrose grave (descompensada). Tumores hepáticos benignos ou malignos. Tecido conectivo Lúpus eritematoso sistémico com anticorpos anticardiolipina/anticoagulante lúpico. Drogas Tabagismo com ≥15 cigarros por dia e ≥35 anos. 88 artigo de revisão review articles Dispositivo intra-uterino (DIU) Os DIU são muito eficazes como método de contraceção a longo prazo(6) e atualmente associam-se a um baixo risco de infeção(11). O DIU de cobre, com eficácia de cinco a dez anos(5,11), pode condicionar aumento da hemorragia menstrual e dismenorreia(11). O DIU com levonorgestrel, com eficácia de cinco anos(5,11), condiciona uma redução de 75% da hemorragia menstrual(11). O American College of Obstetricians and Gynecologists, entre outras organizações, aprovou o uso de DIU desde a menarca até aos 20 anos(5). Nas adolescentes nulíparas pode existir maior dificuldade de colocação e, dada a maior taxa de expulsão, a indicação deve ser individualizada. As contra-indicações absolutas para o seu uso incluem sépsis pós-parto ou pós-abortamento e doença inflamatória pélvica atual(9). Contraceção de emergência A contraceção de emergência pode prevenir a gravidez após uma relação sexual desprotegida ou com falha do método contracetivo(6). Estão disponíveis formulações de estrogénio combinado com progestativo (levonorgestrel e etinilestradiol), progestativo isolado (levonorgestrel)(6) e inibidor seletivo dos recetores da progesterona (acetato de ulipristal)(15). A contraceção de emergência está indicada até 72 horas após uma relação desprotegida para as duas primeiras formulações (levonorgestrel associado a etinilestradiol ou levonorgestrel isolado)(6) e até 120 horas para a terceira formulação (acetato de ulipristal)(15). Seguimento após início da contraceção A reavaliação frequente das adolescentes que iniciaram contraceção é fundamental de modo a maximizar o cumprimento das medidas sugeridas e rever questões relativas ao seu uso correto, efeitos adversos e complicações(6). É uma oportunidade para reforçar o ensino para uma vida sexual saudável, bem como rastrear comportamentos de risco, rastrear DST e realizar citologia cervicovaginal, quando indicado(6). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 ESPECIFICIDADES DA CONTRACEÇÃO NAS ADOLESCENTES COM LES A escolha da contraceção nas adolescentes com LES constitui um desafio pelo potencial incremento dos riscos subjacentes à doença (nomeadamente risco tromboembólico), pelo potencial agravamento da doença e por possíveis interações medicamentosas(1,5,7). Revisões recentes da literatura sugerem que as mulheres com LES podem usar a maioria dos métodos contracetivos, incluindo os métodos hormonais (exceto em situações particulares), já que os benefícios são superiores aos riscos(5). Risco tromboembólico Deve considerar-se o risco de complicações tromboembólicas nas doentes com LES e anticorpos antifosfolipídeos (aPL) positivos(1), pelo que todas as adolescentes com LES devem ser rastreadas para a sua presença antes de iniciar contraceção hormonal combinada(11). Os ACO-C estão contra-indicados nas adolescentes com títulos médios ou altos de aPL (≥ 40 unidades GPL ou MPL)(1,11). Nas adolescentes com títulos baixos ou ausentes deverão rastrear-se outros fatores de risco pró-trombóticos hereditários antes do uso de ACO-C(1,11), nomeadamente através do seguinte estudo complementar: hemograma, factor V de Leiden (e/ou teste de resistência à proteína C ativada), protrombina G20210A, proteína S, proteína C, antitrombina III, homocisteína e lipoproteína (a)(16,17). Os ACO-P (ou outra formulação progestativa) são uma boa alternativa nas doentes com aPL positivos, já que na sua maioria não se associam a um aumento do risco de trombose(1,11), com a exceção dos progestativos de terceira geração (gestodeno e desogestrel)(12). Exacerbação do LES Existem evidências de que os ACO-C não aumentam o risco de exacerbação do LES em mulheres com doença estável, apesar dos estudos não se focarem especificamente em adolescentes(1). Os resultados de dois ensaios clínicos randomizados (ensaio SELENA(18) e ensaio realizado por Sanchez-Guerrero et al.(19)) demonstraram que os ACO-C não aumentam significativamente o risco de exacerbação da doença numa população de doentes com LES estável. Com base nestes estudos, a contraceção hormonal combinada parece segura nas doentes com aPL negativos(4,11) e com LES inativo(4,11,14) ou ativo estável(4,11,14) sem envolvimento renal(14). Considerando o Systemic Lupus Erythematosus Activity Index (SLEDAI)(20), a contraceção hormonal combinada poderá ponderar-se nos casos de SLEDAI ≤ 10 e sem evidência de exacerbação da doença (aumento de três pontos no mesmo índice). São, no entanto, necessários estudos adicionais para avaliar o possível impacto dos estrogénios exógenos em mulheres com doença ativa(1). Neste grupo de doentes, atualmente são opção os contracetivos progestativos(11). Interações medicamentosas Os ACO-C apresentam potencial de interação com vários fármacos, aumentando a concentração sérica de corticóides, varfarina e ciclosporina(11). Os anticonvulsivantes, como carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, oxcarbazepina, primidona, felbamato, topiramato e lamotrigina, diminuem a eficácia contracetiva dos ACO-C(11). O metotrexato não parece interferir com os estroprogestativos(7). Opções contracetivas nas adolescentes com LES Nas adolescentes com LES o método preferencial é, como nos restantes adolescentes, um método duplo (método barreira associado a método hormonal), que deverá ser ponderado de acordo com fatores de risco relacionados com a doença. Os autores sugerem uma avaliação clínica preliminar, nomeadamente: anamnese, incluindo sintomas sugestivos de doença ativa, história de trombose venosa ou arterial e factores de risco cardiovascular, como tabagismo; exame objectivo, incluindo sinais sugestivos de doença ativa, somatometria (incluindo cálculo do índice de massa corporal) e avaliação da tensão arterial; e estudo analítico, incluindo hemograma, estudo imunológico (C3, C4, anti-C1q, anti-dsDNA), bioquímica sérica (ureia, creatinina, colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos) e exame de urina (análise sumária de urina e microalbuminúria), doseamento de aPL (anticoagulante lúpico, anticardiolipina e anti-β2-glicoproteína) e estudo pró-trombótico adicional [factor V de Leiden, protrombina G20210A, proteína S, proteína C, antitrombina III, homocisteína e lipoproteína (a)]. Quadro 3. Indicações dos contracetivos hormonais combinados e progestativos nas adolescentes com LES de acordo com o risco tromboembólico e de exacerbação da doença(2,7,21). De notar que os progestativos gestodeno e desogestrel são considerados ligeiramente mais trombogénicos(12). £Uma unidade de GPL corresponde a actividade ligante de 1 μg/ml do anticorpo IgG de cardiolipina, o qual foi purificado a partir de um soro padrão por afinidade cromatográfica. §Uma unidade de MPL corresponde a actividade ligante de 1 μg/ml do anticorpo IgM de cardiolipina, o qual foi purificado a partir de um soro padrão por afinidade cromatográfica. Contracetivos hormonais combinados Grupo de alto risco Contra-indicados pelo risco de doença tromboembólica e de exacerbação da doença. Doença ativa. História de trombose venosa ou arterial. Títulos médios ou elevados de aPL (≥ 40 unidades GPL£ ou MPL§). Fatores de risco cardiovascular (obesidade, tabagismo, hipertensão arterial não controlada). Grupo de baixo risco Sem contra-indicação. Doença inativa ou estável. Sem história de trombose venosa ou arterial. Títulos ausentes ou baixos de aPL (< 40 unidades GPL£ ou MPL§). Sem fatores de risco cardiovascular. Contracetivos hormonais progestativos Sem contra-indicação nas adolescentes com LES. artigo de revisão review articles 89 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Os métodos de barreira não afetam a condição médica pré-existente e podem ser globalmente recomendados(5,7). Relativamente aos contraceptivos hormonais, as formulações combinadas (orais, vaginais e intramusculares) são uma boa opção nas adolescentes com aPL negativos ou com títulos baixos, sem outros fatores de risco pró-trombóticos e sem LES ativo(11) (Quadro 3). Atualmente, poderá ser prudente evitar os contracetivos hormonais transdérmicos até existirem mais dados quanto aos efeitos de uma maior exposição estrogénica relativamente às outras formas de contraceção hormonal combinada(11). Os contracetivos progestativos (orais, intramusculares, subcutâneos ou intra-uterinos) por norma não aumentam o risco de trombose e são recomendados nas doentes de qualquer idade que apresentem contra-indicação para o uso de estrogénios(11). O acetato de depo-medroxiprogesterona deve ser usado com cautela nas adolescentes em corticoterapia pelo risco adicional de perda de massa óssea(11). O DIU pode ser uma opção segura e eficaz nas adolescentes com LES, nomeadamente o que contém levonorgestrel(3). Não aumenta o risco de trombose, osteoporose ou hemorragia menstrual abundante(3) e poderá ser útil nas doentes em terapêutica com varfarina por reduzir o fluxo menstrual(11). Apesar do DIU não estar absolutamente contra-indicado nas doentes com terapêutica imunossupressora, não existem recomendações quanto ao grau de imunossupressão que aumenta significativamente o risco de infeção(11). Finalmente, a contraceção de emergência não tem contra-indicação nas adolescentes com LES(7). CONTRACEPTION FOR ADOLESCENTS WITH SYSTEMIC LUPUS ERYTHEMATOSUS CONCLUSÕES O aconselhamento contracetivo nas adolescentes com LES é fundamental e deve incluir informação relativa aos diferentes métodos disponíveis(1), nomeadamente eficácia, indicações, contra-indicações e efeitos adversos. Neste grupo etário a contraceção dupla (método barreira e método hormonal combinado) é a mais indicada, sendo classicamente ponto de discussão o uso de contraceção hormonal combinada nas adolescentes com LES(1,5,7). Revisões recentes sugerem que as doentes com LES podem usar a maioria dos métodos contracetivos, incluindo os métodos hormonais (exceto em situações particulares)(5). De facto, os contracetivos hormonais combinados são uma boa opção nas adolescentes com aPL negativos ou com título baixo, sem outros fatores de risco pró-trombóticos e sem LES ativo(1,11). Os contraceptivos progestativos são recomendados nos casos de contra-indicação para o uso de estrogénios (aPL em título médio ou elevado, outros fatores de risco pró-trombótico ou LES ativo)(1,11). Os métodos de barreira são globalmente recomendados (mas não como método isolado pela baixa eficácia contracetiva) (5,7) e a contraceção de emergência não tem contra-indicação nas adolescentes com LES(7). O DIU não está atualmente contra-indicado, sendo uma opção segura e eficaz nas adolescentes com LES(3), nomeadamente nos casos em que se pretende uma redução do fluxo menstrual (DIU com levonorgestrel) (11). Finalmente, o aconselhamento contracetivo da adolescente com LES deverá ser individualizado, considerando a atividade da doença e fatores de risco para trombose, mas também fatores relativos ao estilo de vida e contexto sociocultural(1). 1 90 artigo de revisão review articles ABSTRACT The selection of a contraceptive method in the adolescents with systemic lupus erythematosus (SLE) has been controversial, namely with respect to combined hormonal contraceptives for the risk of thrombosis and possible impact in the disease activity. Recent reviews suggest that patients with SLE may use the majority of the contraceptive methods, including the hormonal ones. The combined hormonal contraceptives are a good option in lupic adolescents with negative antiphospholipid antibodies, without other risk factors for thrombosis and inactive disease. Progestogen-only contraceptives are an option in the patients with higher risk of thrombosis or active SLE. Barrier methods are globally recommended, emergency contraception has no contraindication in the adolescents with SLE; intrauterine device is not actually contraindicated being considered a safe option, specially the one containing levonorgestrel. Keywords: adolescent, contraception, systemic lupus erythematosus. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 86-91 BIBLIOGRAFIA Tincani A, Nuzzo M, Lojacono A, Cattalini M, Meini A. Contraception in adolescents with systemic lupus erythematosus. Lupus 2007; 16: 600-5. 2 Hidalgo-Tenorio C, Jiménez-Alonso J. Contracepción en el lúpus eritematoso sistémico. Med Clin (Barc) 2008; 130: 15-6. 3 Chakravarty E. What we talk about when we talk about contraception. Arthritis Rheum 2008; 59: 760-1. 4 Kleinman D. Oral contraceptives safe in systemic lupus erythematosus (MSK Report web site). December 19, 2005. Available in: http://www.mskreport.com/print.cfm?articleID=504. Access May 5; 2009. 5 Weisberg E. Contraceptive options for women in selected circunstances. 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Nat Clin Pract Rheumatol 2007; 3: 273-80. 12 Faculty of Family Planning and Reproductive Health Care, Clinical Effectiveness Unit. FFPRHC Guidance (October 2003): First prescription of combined oral contraception. J Fam Plann Reprod Health Care 2003; 29: 209-22. 13 Jensen J, Burke A, Barnhart K, Tillotson C, Messerle-Forbes M, Peters D. Effects of switching from oral to transdermal or transvaginal contraception on markers of thrombosis. Contraception 2008; 78: 451-8. 14 Tesher MS, Whitaker A, Gilliam M, Wagner-Weiner L, Onel KB. Contraception for adolescents with lupus. Pediatric Rheumatology 2010; 8: 10-6. 15 Fine P, Mathé H, Ginde S, Cullins V, Morfesis J, Gainer E. Ulipristal Acetate Taken 48-120 hours After Intercourse for Emergency Contraception. Obstet Gynecol 2010; 115: 257-63. 16 Manco-Johnson MJ, Grabowski EF, Hellgreen M, Kemahli AS, Massicotte MP, Muntean W, et al. Laboratory testing for thrombophilia in pediatric patients. 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CORRESPONDÊNCIA Cristiana Couto E-mail: [email protected] artigo de revisão review articles 91 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Just One Click: A Content Analysis of Advertisements on Teen Web Sites Slater A, Tiggermann M, Hawkins K, Werchon D. J Adolesc Health 2012;50:339-45 ABSTRACT Purpose: The current study provides a comprehensive analysis of the content of advertisements onWebsites targeted at adolescents, with a particular focus on the female beauty ideal. Methods: Advertisements (N_631) from 14Websites popular with adolescents were analyzed with respect to product advertised, characteristics of people presented, and emphasis on appearance and the thin beauty ideal. Results: Although a wide variety of products were featured, advertisements for cosmetics and beauty products were the most frequent. Further, many of the products advertised (e.g., dating services, weight loss prod- COMENTÁRIOS A internet tem vindo a ser reconhecida como um poderoso meio para a publicidade chegar aos adolescentes. Estes, como grandes utilizadores dos meios digitais e consumidores, têm vindo a ser alvo de campanhas de marcas de alimentos e bebidas, especialmente desenhadas para explorar as necessidades psicológicas dos adolescentes, sem que haja uma regulação efectiva e que os proteja de possíveis riscos(1,2). Neste artigo os autores procedem a uma análise exaustiva dos anúncios que são apresentados nos sítios mais populares para adolescentes nos Estados Unidos da América. Aqui, o interesse focaliza-se na transmissão do ideal de magreza e do corpo perfeito, sobretudo feminino. O corpo teve, desde sempre, uma importância vital nas relações humanas e na organização social – evoluiu na forma como é conceptualizado desde o corpo belo da Grécia Antiga, ao corpo casto ou fonte das tentações sexuais sob a influência do cristianismo na Idade Média, lugar de exposição de riquezas e jóias na aristocracia, ao corpo burguês, veículo para controlar a natureza, até ao momento actual, em que o corpo é uma forma poderosa de afirmação da identidade pessoal(3). Nos adolescentes, o corpo em transformação, é fonte de grande ansiedade e investimento, e um factor importante na construção da identidade. No trabalho de Maria João Cunha com adolescentes portuguesas, confirma-se a insatisfação com o corpo da grande maioria (quase 80%), as preocupações com a perda de peso e a discrepância entre o corpo real e a percepção que têm do próprio corpo(3). 92 artigo recomendado recommended article ucts, gambling games) might be considered inappropriate for the intended audience (i.e., teenagers) of the Web site. People who were a part of advertisements were generally female, young, thin, and attractive. Advertisements for games, weight loss products, and cosmetic and beauty products strongly focused on appearance and laid emphasis on the thin ideal. Conclusions: Like advertisements in mainstream media, advertising on the Internet perpetuates the stereotypical ideal of feminine beauty. Adolescents using the Internet are likely to be exposed to numerous advertisements that reinforce the importance of beauty and thinness, which could have a detrimental impact on how they feel about their bodies Keywords: Internet; Advertising; Content analysis; Adolescent development; Body image O corpo, nos adolescentes, é por vezes excessivamente valorizado como fonte de auto-estima e de sucesso nas relações sociais. Se o corpo que é publicitado nos meios de comunicação social não corresponde ao corpo real, ou ao corpo tal como é percepcionado, pode compreender-se a insatisfação gerada e possíveis problemas emocionais. Vários autores têm referido o risco da generalização de um corpo feminino ideal, frequentemente inatingível para a maioria dos jovens, e por vezes muito pouco saudável. A publicidade é, neste aspecto, um forte transmissor deste tipo de estereótipos, e a internet é, no momento actual, um meio importante de difusão. Comparando com as revistas, rádio ou televisão, é uma forma de comunicação e informação junto dos adolescentes mais invasiva, acessível e sujeita a menor controlo parental. Através de uma empresa que disponibiliza informação acerca da utilização dos sítios de rede (a Alexa), os autores analisaram vários parâmetros destes anúncios, presentes em 14 sítios – o seu conteúdo, a existência de pessoas e suas características, a ênfase na aparência e ideal de magreza ou ideal muscular. Nos resultados, verificaram que, em média, cada sítio apresenta, e abrindo os seus maiores tabs, mais do que 45 anúncios, o que é um número que traduz a grande exposição à publicidade a que os adolescentes ficam sujeitos. Comparando com as outras formas de veicular publicidade, os autores salientam algumas características daquela que surge na internet: o poder ser interactiva, o poder aparecer lado a lado com o conteúdo NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 ou emergir, dominando-o, ou até mesmo confundindo-se com o conteúdo do próprio sítio, e ser quase impossível evitá-la. Estas características permitem-lhe um maior poder de impacto sobre os adolescentes do que outra formas tradicionais de publicidade. Para além do grande número de anúncios, constataram que promoviam uma grande variedade de produtos, mas os mais frequentes diziam respeito a cosméticos e produtos de beleza. Alguns dos produtos poderiam ser potencialmente perigosos, como aqueles que se destinam a perder peso (5,7% do total) ou inapropriados, como os anúncios de encontros ou de jogos de sorte e azar. Relativamente à presença de pessoas no anúncio, verificaram que era habitualmente uma pessoa do sexo feminino, jovem, magra e atraente. A utilização de partes do corpo, sobretudo também do corpo feminino, com propósitos estéticos era também corrente. Em geral os anúncios punham uma grande ênfase na atracção e na magreza, mesmo quando os produtos eram de outra natureza, como é o caso dos jogos. Alguns dos sítios referidos ou jogos encontram-se traduzidos para o português, como é o caso do Evony(4). Embora a pressão sociocultural para a magreza não seja considerada como necessária ou suficiente para explicar as perturbações alimentares - quer porque existem descrições antigas quer também porque existem em sociedades não ocidentalizadas, a pesquisa actual reconhece a importância dos factores biológicos e psicológicos, quer em separado quer em interacção, na génese das perturbações do comportamento alimentar(5). O ideal de beleza magro e a sua valorização na sociedade ocidental colocam as raparigas em maior risco para o desenvolvimento de perturbações alimentares, relativamente aos rapazes. Está também reconhecido o especial papel das dietas na indução de perturbações alimentares(6). Deste modo, parecem estar identificados riscos inerentes ao tipo de publicidade que a internet veicula junto dos jovens. Dada a sua omnipresença e as características mais invasivas desta forma de publicidade, há então que esperar alguma forma de regulação e controlo deste tipo de publicidade junto de públicos vulneráveis, como são os adolescentes. BIBLIOGRAFIA 1. Montgomery KC, Chester J. AffiliationsSchool of Communication, American University, Washington, D.C. Interactive food and beverage marketing: targeting adolescents in the digital age. J Adolesc Health 2009; 45: s18-s29. 2. Story M, French S. Food Advertising and Marketing Directed at Children and Adolescents in the US. J Behav Nutr Phys Act 2004; 1: 3. Disponível em: doi:10.1186/1479-5868-1-3. 3. Cunha, MJ. A imagem corporal – uma abordagem sociológica à importância do corpo e da magreza para as adolescentes. 1ª Ed. Lisboa: Autonomia 27, 2004. 4. Disponível em: http://www.mmoportugal.com/evony-mmogratis.html 5. Schmidt U. Aetiology of eating disorders in the 21st century: New answers to old questions. Eur Child Adolesc Psychiatry 2003; 12: 30-7. 6. Steiner H, Kwan W, Shaffer TG, Walker S, Miller S, Sagar A, et al. Risk and protective factors for juvenile eating disorders. Eur Child Adolesc Psychiatry 2003; 12: 38-46. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2012; 21(2): 92-93 __________ 1 Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia / CH Porto artigo recomendado recommended article 93 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Consentimento e discernimento Rosalvo Almeida1 RESUMO O autor aborda questões relacionadas com a aplicação do estatuto do consentimento informado às crianças, apontando algumas condicionantes práticas e apelando à reflexão dos profissionais de saúde. Palavras-chave: Autonomia, consentimento informado, discernimento. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 94-95 Quando falamos em consentimento informado para intervenções de saúde, sejam cirurgias altamente invasivas ou simples prescrições de comprimidos, estamos a falar da autonomia do destinatário dessas intervenções. Porém, a verdade é que, no pensamento de muitos, a primeira ideia que surge é ainda a que associa o consentimento informado a uma questão de responsabilidade. Algumas pessoas, influenciadas pela velha designação de “termo de responsabilidade”, consideram que o “consentimento informado”, nomeadamente se passado a escrito, é um instrumento de defesa do profissional de saúde. Creem que, na posse de um papel que diga “consinto”, aqueles ficam livres de qualquer acusação se algo correr mal. Embora esta interpretação seja, felizmente, cada vez mais rara, admitimos que no dia-a-dia das nossas instituições de saúde subsistem numerosos exemplos de falta de respeito pelo princípio ético da autonomia. O princípio a que nos referimos exige que haja uma adequada informação como condição para o adequado consentimento e, como tal, deve estar sempre presente no relacionamento entre os profissionais de saúde e os destinatários das suas ações. Por outras palavras, só com informação feita em «moldes simples, concretos, compreensíveis, suficientes e razoáveis [e com] com o objetivo de esclarecer sobre o diagnóstico, alcance, envergadura e consequências (diretas e indiretas) da intervenção ou tratamento»(1) é que se pode falar em consentimento livre e esclarecido. __________ 1 Neurologista aposentado 94 perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics Acresce que, além do acima dito, há situações em que, por razões legais ou outras, se impõe que o consentimento seja feito por escrito. Também aqui são frequentes os casos de práticas indevidas, seja por falta ou insuficiência de informação, seja por outras razões. Casos há em que o consentimento é pedido depois do ato praticado (!) e outros em que o documento não contém a assinatura e identificação da pessoa que informa e pede o consentimento. Raras vezes se entrega à pessoa que consente uma cópia do que ela acabou de assinar e quase nunca é dado tempo para reflexão ou se explica que todo o consentimento é revogável. Uma outra questão, da maior importância, deve ser também merecer a nossa atenção. Trata-se de saber se, mesmo que a informação prévia seja adequadamente prestada, mesmo que todos os trâmites sejam corretamente seguidos, a pessoa que consente tem capacidade para o fazer. «A iliteracia, o analfabetismo ou as manifestações de incompreensão não são razões para deixar de tentar obter um consentimento livre e esclarecido, antes obrigam a melhores explicações e a mais adequada informação.»(2) Mas, se a autonomia pressupõe esclarecimento (informação adequada), ela também requer liberdade (ausência de coação)(3) e discernimento. É por tais razões que, quando estamos perante menores de idade ou incapazes por deficiência mental, importa refletir um pouco mais e tomar certas precauções derivadas não só do legalmente estabelecido mas, sobretudo, dos imperativos éticos. No plano jurídico, a capacidade para consentir é definida pela idade(4), contudo a própria lei introduz o conceito de discernimento como complemento. No plano ético, o discernimento deve também ser tido em conta mesmo antes de cumprido o pressuposto etário – ou seja, a criança, desde que tenha discernimento, qualquer que seja a sua idade, merece conhecer um mínimo de informação, adequada a cada situação, sobre o ato de saúde que lhe é destinado e o profissional deverá tentar que a execução do mesmo seja feita com o seu assentimento. Por outro lado, se a «opinião do menor é tomada em consideração como um fator cada vez mais determinante, em função da sua idade e do seu grau de maturidade»(5), não se deverá deixar de pensar que pedir um consentimento, tanto a uma criança como a um adulto capaz, implica aceitar também o correspondente direito à recusa. Deste modo, manda a prudência que a abordagem seja feita de modo a que, sobretudo em casos de especial gravidade em que haja risco de lesão séria ou perigo de NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 morte, o pedido de consentimento para ato médico seja formulado usando mais a persuasão empática do que a mera confrontação entre o tudo ou nada. Não havendo aparelhos que meçam o discernimento, cabe dizer que o bom senso, sendo algo que tem muito de intuitivo, também se aprende e treina. Naturalmente que estas breves considerações sobre o “consentimento” para atos de saúde se aplicam também à participação de crianças em estudos, sejam observacionais ou experimentais(6), sendo que foram redigidas com o objetivo de estimular a reflexão por parte dos seus leitores sobre assuntos que constantemente necessitam de atenção e de serem revisitados. CONSENT AND UNDERSTANDING ABSTRACT In this opinion paper, the author addresses aspects of the informed consent issues in children, describing some practical determinants and calling health professionals to a reflection. Keywords: Autonomy, informed consent, understanding. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 94-95 BIBLIOGRAFIA 1. Comissão de Ética para a Saúde da ARS Norte, Documento-guia sobre Consentimento Informado, 2009 (in www.arsnorte.min-saude.pt >> Comissão de Ética >> Consentimento Informado) 2. Idem 3. Nelson RM, Beauchamp T, Miller VA, Reynolds W, Ittenbach RF, Luce MF. The concept of voluntary consent. Am J Bioeth, 2011; 11: 6-16. 4. Decreto-lei n.º 400/82, de 23 de setembro (Código Penal) – Artigo 38.º - Consentimento (Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro) – «3. O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos de idade e possuir discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta.» 5. Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001 - Convenção [de Oviedo] para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina. 6. Almeida, R. Carta aberta a um jovem investigador clínico. Rev Port Clin Geral, 2011, 27: 499-500. CORRESPONDÊNCIA Rosalvo Almeida e-mail: [email protected] perspectivas actuais em bioética current perspectives in bioethics 95 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Doença de Addison em idade pediátrica – um caso clínico Liliana Franco1, Helena Vieira1, Paula Vieira1, Irene Rebelo1 RESUMO Introdução: A insuficiência supra-renal primária de etiologia auto-imune, também designada Doença de Addison, é uma patologia rara, sobretudo em idade pediátrica. Caso clínico: Apresenta-se o caso de uma adolescente de 14 anos, internada por vómitos, diarreia e prostração de agravamento progressivo, com desidratação hiponatrémica grave associada a hipercaliemia e hipocloremia. Referia queixas de anorexia, astenia e perda ponderal com três meses de evolução. No exame objectivo apresentava-se obnubilada, mal perfundida e com ligeira hiperpigmentação cutânea e das mucosas. O estudo realizado confirmou o diagnóstico de insuficiência supra-renal primária, de etiologia auto-imune. Iniciou terapêutica com hidrocortisona e fludrocortisona, com boa evolução clínica. Discussão: A insuficiência supra-renal primária apresenta-se frequentemente de forma insidiosa, sendo os seus sintomas e sinais iniciais muitas vezes inespecíficos. A forma de apresentação aguda constitui uma verdadeira emergência médica, pelo que o grau de suspeição clínica deve ser elevado. Palavras-chave: Doença de Addison, hipercaliemia, hiponatremia, supra-renal. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 96-98 INTRODUÇÃO A insuficiência supra-renal pode classificar-se em primária, secundária ou terciária. Designa-se primária, quando a causa reside na própria glândula supra-renal. Nestes casos, existe habitualmente um défice de produção de glucocorticóides e mineralocorticóides. Na insuficiência secundária e terciária as causas são, respectivamente, hipofisária (défice de ACTH ou anomalia do seu receptor) e hipotalâmica (défice de secreção de corticotrofin releasing hormone), sendo predominantemente afectada a produção de glucocorticóides 1. As manifestações clínicas e os achados laboratoriais permitem estabelecer o diagnóstico diferencial. Em 1855, Thomas Addison descreveu pela primeira vez a Doença de Addison, que englobava todas as causas de insu- __________ 1 S. Pediatria, H. São Francisco Xavier, CH Lisboa Ocidental 96 casos clínicos case reports ficiência supra-renal primária, sendo a tuberculose a principal etiologia 2. Actualmente, o termo “Doença de Addison” designa a insuficiência primária do córtex supra-renal de etiologia auto-imune ou idiopática 3. Trata-se de uma doença rara, sobretudo na idade pediátrica. Em Portugal registam-se cerca de 500-600 novos casos/ano, com predomínio na idade adulta 4. Outras etiologias, menos frequentes, de insuficiência supra-renal primária incluem doenças congénitas (défices hormonais ou enzimáticos), infecciosas, infiltrativas, traumáticas e iatrogénicas 5. A forma de apresentação da doença pode ser aguda ou insidiosa, sendo a forma aguda rapidamente fatal se não tratada atempadamente. As manifestações clínicas são frequentemente inespecíficas, surgindo quando pelo menos 75% do tecido supra-renal está destruído 2. A hiperpigmentação muco-cutânea, que é mais marcada nas superfícies extensoras, pregas de flexão, aréolas mamárias e mucosas, é observada em mais de 90% dos doentes. Alguns indivíduos têm apetência pelo sal (“salt craving”). Analiticamente, a existência de hiponatremia, hipercaliemia, hipoglicemia e acidose metabólica deve fazer suspeitar de insuficiência supra-renal 3. Esta doença pode ocorrer de forma isolada ou associada a outras endocrinopatias auto-imunes 6. A Síndroma Poliglandular auto-imune do tipo I (Síndroma de Withaker) caracteriza-se pela existência de pelo menos duas de três doenças: candidíase muco-cutânea crónica, hipoparatiroidismo e insuficiência supra-renal. O tipo II (Síndroma de Schmidt), mais frequente que o tipo I, manifesta-se geralmente na idade adulta e associa doença tiroideia, diabetes mellitus e insuficiência supra-renal. Em ambos os casos podem existir outras doenças auto-imunes associadas (doença celíaca, hepatite crónica, anemia perniciosa, vitiligo, entre outras) 7. A Doença de Addison requer tratamento de substituição hormonal com corticóides (glucocorticóides e mineralocorticóides) ao longo da vida, sendo necessário ajuste das doses farmacológicas em situações de doença aguda 5. CASO CLÍNICO Adolescente do sexo feminino, raça caucasiana, 14 anos de idade, filha única de pais não consanguíneos. Pai alcoólico. Sem doenças heredofamiliares relevantes. A gestação foi de 36 semanas, vigiada e decorreu sem intercorrências. O parto foi eutócico, hospitalar, com índice de Ap- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 gar 9 e 10 ao primeiro e quinto minutos respectivamente. Antropometria ao nascimento adequada à idade gestacional. Efectuou rastreio endócrino-metabólico, sem alterações. Sem história de alergias ou intolerâncias alimentares, seguindo actualmente uma dieta equilibrada. Desconhecemos a evolução estaturo-ponderal, mas na data da observação tinha peso inferior ao percentil 5 e altura entre o percentil 10 e 25. Desenvolvimento psicomotor adequado, frequentando actualmente o 8º ano com razoável aproveitamento. É acompanhada em Consulta de Psicologia desde os sete anos por alterações do comportamento que surgiram na sequência da situação de disfunção familiar. Sem outros antecedentes patológicos com excepção de internamento de curta duração, duas semanas antes da admissão, por desidratação hiponatrémica no contexto de gastroenterite aguda. Cerca de três meses antes do internamento iniciou queixas de astenia, anorexia, perda de peso de 13% e humor depressivo. Nos dois dias anteriores ao internamento surge também com vómitos, diarreia e prostração de agravamento progressivo. Sem febre ou outra sintomatologia acompanhante. Na admissão apresentava-se com mau estado geral, obnubilada, peso 34 Kg (<P5), estatura 153 cm (P10-25), IMC 14,5 Kg/m2 (<P5), TA 79/40 mmHg (<P5), FC 53 bpm, mal perfundida, com mucosas secas e olhos encovados, sinal da prega, discreta hiperpigmentação cutânea e mucosa, estádio IV de Tanner. Sem outros dados relevantes ao exame objectivo. No estudo analítico inicial com hiponatremia (120 mmol/L), hipercaliemia (6,0 mmol/L), hipocloremia (89 mmol/L), hipoglicemia (32 mg/dL) e ureia aumentada (85 mg/dL), com creatinina normal (0,89 mg/dL). Gasimetria do sangue venoso com acidose metabólica ligeira (pH 7,20, bicarbonatos 14,8 mmol/L, pCO2 39,4 mmHg). Hemograma sem alterações e proteína C reactiva inferior a 0,3 mg/dL. Considerando as manifestações clínicas e o resultado da avaliação analítica, admitiu-se o diagnóstico de insuficiência supra-renal, tendo efectuado estudo endocrinológico (quadro 1). A prova de Mantoux foi negativa. A Tomografia Computorizada das glândulas supra-renais não revelou alterações. A pesquisa de anticorpos anti-supra-renal foi positiva. A investigação de síndroma poliglandular autoimune foi negativa (anticorpos anti-tiroideus, anti-paratiroideus, anti-factor intrínseco, anti-ovário, anti-pancreáticos, anti-endomísio, anti-gliadina e anti-transglutaminase). Os exames realizados permitiram concluir tratar-se de uma insuficiência supra-renal primária, de etiologia auto-imune. Iniciou terapêutica com fluidoterapia endovenosa e hidrocortisona endovenosa. Após aquisição de tolerância oral iniciou fludrocortisona. A evolução clínica foi favorável, com alta hospitalar após quinze dias, orientada para as Consultas de Endocrinologia Pediátrica, Adolescentes e Pedopsiquiatria. Manteve terapêutica de substituição por via oral com hidrocortisona 15 mg/m2/dia de 8/8 horas e fludrocortisona na dose de 100 mcg/dia (em 2 tomas). Ficou assintomática cerca de 2 meses após a alta hospitalar. Verificou-se aumento gradual do peso e 2 meses depois ocorreu a menarca. DISCUSSÃO A Doença de Addison é uma patologia rara na idade pediátrica e que pode ser rapidamente fatal, se não for diagnosticada e tratada atempadamente 3. Nesta doente, o quadro de desidratação grave desproporcional às perdas estimadas, a apetência pelo sal e a hiperpigmentação cutânea e mucosa, permitiu colocar a hipótese de diagnóstico de insuficiência supra-renal. A presença de hiponatremia, hipercaliemia e hipoglicemia apoiaram este diagnóstico. O facto da adolescente ser acompanhada em Consulta de Psicologia desde os sete anos por alterações de comportamento, e o aparecimento três meses antes de sintomas que podiam ser interpretados como um quadro depressivo, levou a que inicialmente também se tivesse colocado a hipótese de Perturbação Depressiva Major. A insuficiência supra-renal primária pode apresentar-se de forma insidiosa, com queixas inespecíficas de fadiga, astenia, anorexia e má progressão ponderal. Menos frequentemente, surge de forma súbita, com compromisso hemodinâmico, muitas vezes precipitado por um episódio de doença aguda 8. O diagnóstico é confirmado laboratorialmente pela associação de um valor sérico de cortisol normal ou baixo e de um valor de ACTH aumentado 2. A realização de prova de estimulação com ACTH torna-se dispensável nas formas de apresentação aguda e emergente, como neste caso. Após confirmação do diagnóstico de insuficiência supra-renal primária é necessário determinar a sua etiologia. A causa auto-imune é a mais frequente nesta faixa etária, como no caso da nossa doente, sendo muito menos frequentes as causas infecciosas, infiltrativas, traumáticas ou iatrogénicas, que no entanto devem ser consideradas. Quadro 1 - Resultados do estudo da insuficiência suprarrenal Cortisol sérico <1,00 μg/dL (VR: 8,8-24,0) ACTH >1250 pg/dL (VR: <46) Renina > 900 μU/mL (VR: 2,80-39,9) Aldosterona < 1,1 ng/dL (VR: 5,0-14,5) TSH 3,81 μU/mL (VR: 0,46-4,68) T4 livre 11,6 pmol/L (VR: 10,0-28,2) FSH 4,41 mUI/mL (VR: 1,98-11,6) LH 1,64 mUI/mL (VR: <0,5-0,93) Testosterona total <20ng/dL (VR: 15-40) 17-Hidroxiprogesterona 0,18 ng/mL (VR: 0,03-0,90) Delta-4-Androstenediona <0,3 ng/ml (V.R. 0,3-3,3) Anticorpos anti-supra-renal Positivos ACTH – corticotrofina, TSH – tirotrofina, T4 – tiroxina, FSH – hormona folículo-estimulante, LH – hormona luteotrófica, VR – valores de referência casos clínicos case reports 97 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 O diagnóstico de Doença de Addison obriga a investigar uma Síndroma Poliglandular auto-imune. Apesar de nesta doente essa investigação ter sido negativa, a possibilidade de outros auto-anticorpos poderem surgir só mais tardiamente, implica manter vigilância clínica e laboratorial a longo prazo. O tratamento da Doença de Addison utilizando corticóides (glucocorticóides e mineralocorticóides) em doses de substituição é feito durante toda a vida. Os adolescentes e os pais devem ser ensinados a proceder aos ajustes terapêuticos necessários em situações de stress/doença aguda 6. Os doentes devem ter sempre consigo um cartão ou outro documento que identifique a sua doença, para que nas situações de descompensação o tratamento possa ser mais rápido e adequado. CONCLUSÕES O diagnóstico de insuficiência supra-renal requer um elevado grau de suspeição clínica, uma vez que os sintomas e sinais iniciais são frequentemente inespecíficos. Nestes casos, os achados laboratoriais de desidratação hiponatrémica, hipercaliemia e hipoglicemia, acompanhados de hiperpigmentação cutâneo-mucosa, devem fazer suspeitar deste diagnóstico. ADDISON DISEASE IN PEDIATRIC AGE – A CLINICAL CASE ABSTRACT Introduction: The autoimmune primary adrenal insufficiency, also known as Addison disease, is a rare condition, especially in paediatric age. Case report: We present the case of a fourteen-year old adolescent, admitted in the sequence of vomiting, diarrhoea and progressive prostration, accompanied with severe hyponatremic dehydration, hyperkalemia and hypochloremia. She complained of anorexia, weakness and weight loss for the past three months. In the clinical examination she was obnubilated, with inadequate peripheral perfusion and slightly hyperpigmented skin and mucous membranes. The investigation confirmed the diagnosis of autoimmune primary adrenal insufficiency. She began treatment with hydrocortisone and fludrocortisone, with favourable clinical response. 98 casos clínicos case reports Discussion: The primary adrenal insufficiency often presents insidiously, with nonspecific signs and symptoms. Its acute presentation is a true medical emergency, so the degree of clinical suspicion should be high. Keywords: Addison disease, hyperkalyemia, hyponatremia, adrenal. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 96-98 BIBLIOGRAFIA 1. Donohoue P, Wolfsdorf J, Hoppin A. Diagnosis of adrenal insufficiency in children. Janeiro, 2010. Acessível em http:// uptodate.com. 2. Sousa C, Guardiano M, Teixeira C, Correia C, Fontoura M, Maia A. Doença de Addison – um caso raro em Pediatria. Acta Pediatr Port 2008; 39(4):149-151. 3. Zeitler P, Travers S, Nadeau K, Barker J, Kelsey M, Kappy M. Endocrine Disorders. In: Hay W, Levin M, Sondheimer J, Deterding R, editors. Current Diagnosis and Treatment – Pediatrics. 20th ed. Columbus: McGraw-Hill Companies; 2011. p. 975-79. 4. 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Oliveira1, Vítor Bastos1, José Matos2, Isabel Andrade1 RESUMO Introdução: A Incontinentia pigmenti (IP) é uma rara genodermatose neuroectodérmica, com uma incidência de 1:50.000 nascimentos, sendo tipicamente letal no sexo masculino, in utero. Caso Clínico: Os autores apresentam o caso de um recém-nascido, com lesões papulo-vesiculosas desde o nascimento sugestivas de IP. A evolução, a anatomo-patologia e o estudo genético permitiram estabelecer o diagnóstico. Conclusão: A IP é uma entidade clínica potencialmente grave que requer um diagnóstico precoce e um seguimento multidisciplinar. A suspeita clínica é fundamental para chegar ao diagnóstico. Palavras-chave: Incontinentia Pigmenti, recém-nascido, lesões papulo-vesiculosas. CASO CLÍNICO Recém-nascido (RN) do sexo feminino, de pais consanguíneos (primos em terceiro grau), fruto de uma terceira gestação (aborto espontâneo na primeira gravidez às sete semanas) vigiada e sem intercorrências. Nasceu às 40 semanas de gestação, por parto eutócico, com Apgar de 9/10 e peso, estatura e perímetro cefálico nos percentis 25,50 e 25, respectivamente. Logo ao nascimento foi visualizado um exantema papulo-vesiculoso com base eritematosa, de padrão linear a nível dos antebraços com generalização posterior, mas poupando a face (Figura 1), sendo o restante exame clínico sem alterações. Perante a suspeita de “exantema infeccioso” realizou estudo analítico (hemograma e proteína C reactiva) do qual se destacou apenas a presença de discreta eosinofilia (4,4%). As lesões foram-se generalizando, sempre com disposição linear, algumas com aspecto verrucoso (Figura 2). Teve alta ao sétimo dia de vida sob aleitamento materno, com rastreio auditivo normal e consultas de seguimento Nascer e Crescer 2012; 21(2): 99-101 INTRODUÇÃO A Incontinentia Pigmenti (ou Síndrome de Bloch-Sulzberger) é uma genodermatose de transmissão dominante ligada ao cromossoma X(1), com uma incidência de 1:50.000 nascimentos(2), sendo habitualmente letal no sexo masculino, in utero(1). Foi descrita pela primeira vez por Bloch em 1926 e, posteriormente, por Sulzberger em 1928(1). As alterações cutâneas estão geralmente presentes ao nascimento e evoluem ao longo de quatro estadios: vesicular, verrucoso, hiperpigmentar e hipopigmentar(1). Em 50-80% dos casos há envolvimento extracutâneo: dentário, ungueal, ocular, neurológico ou ósseo(3). O diagnóstico é clínico(1), sendo confirmado pela biópsia cutânea. O estudo molecular complementa o estudo(4,5). Por se tratar de uma doença rara, descrevemos um caso cujas manifestações cutâneas estavam presentes ao nascimento e cujo follow-up tem demonstrado a ausência de envolvimento extra-cutâneo, apesar de expressa a mutação mais comum na IP. Figura 1 – Exantema papulovesiculoso de padrão linear, observado em D1 de vida. __________ 1 2 S. Pediatria, CH Tondela - Viseu S. Dermatologia, CH Tondela - Viseu Figura 2 – Exantema nos antebraços com aspecto verrucoso. casos clínicos case reports 99 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 programadas (Neonatologia e Dermatologia). Os antecedentes familiares eram irrelevantes e o irmão, de nove anos, saudável. Perante a evolução clínica foi colocada a hipótese de IP e ao 15º dia de vida foi realizada biópsia cutânea. O exame anatomopatológico revelou vesículas intra-epidérmicas e infiltrados de eosinófilos na derme papilar, confirmando o diagnóstico de Incontinentia Pigmenti em fase vesicular (Figura 3). A ecografia transfontanelar solicitada revelou alterações inespecíficas: “pequenos focos hiperecogénicos nos gânglios da base, sugerindo microvasculopatia discreta”. Foi pedida também a colaboração de Oftalmologia, cuja avaliação seriada foi normal. O estudo molecular revelou deleção nos exões quatro a dez no gene IKBKG/NEMO, sendo posteriormente pedido o estudo molecular à mãe que foi negativo. Aos três meses apresentava algumas lesões hiperpigmentadas nas coxas com padrão reticulado (Figura 4). Tem tido um desenvolvimento normal, sem manifestações extra-cutâneas até ao momento, nomeadamente oculares ou neurológicas. Figura 3 – Vesículas intra-epidérmicas e infiltrados de eosinófilos na derme papilar (gentilmente cedida pela Dra. Helena Garcia (CEDAP). Figura 4 – Lesões hiperpigmentadas na coxa. 100 casos clínicos case reports DISCUSSÃO As manifestações cutâneas da IP estão geralmente presentes ao nascimento(1), como se verificou no caso descrito. A evolução destas, verifica-se ao longo de quatro estadios, cujo início e duração apresentam uma grande variabilidade individual(5). Todavia, a pessoa afectada pode não experimentar todos os estádios(5) ou estes podem até coexistir simultaneamente(6). O lactente apresentou as lesões cutâneas típicas dos três primeiros. O estadio I ou vesicular, apresenta-se sob a forma de vesículas lineares, pústulas e bolhas com eritema ao longo das linhas de Blaschko, presentes ao nascimento, mas que podem recorrer na infância ou nas intercorrências infecciosas febris(1). Acompanha-se frequentemente de eosinofilia(1), que pode atingir os 65%(7), embora no caso descrito a eosinofilia fosse ligeira. O estadio II ou verrucoso consiste em lesões verrucosas, com pápulas e placas queratóticas que ocorrem entre a 2ª e a 8ª semana de vida(1), desaparecendo por volta dos seis meses em mais de 80% dos casos(6). O estadio III ou de hiperpigmentação caracterizado por lesões maculares hiperpigmentadas ao longo das linhas de Blaschko, sobretudo nas virilhas, axilas e mamilos, ocorre entre a 12ª e a 40ª semana de vida(1) e desaparece por volta da segunda década de vida(7). Finalmente o último estadio de hipopigmentação, caracterizado por lesões lineares hipopigmentadas associadas ou não a lesões cutâneas atróficas, decorre desde a infância até à idade adulta(1). Em 65-90% ocorrem anomalias dentárias e maxilares como atraso da erupção dentária, cáries, anodontia parcial, hipodontia, microdontia, micrognatia, prognatia, dentes cónicos(1). Em 40-60% pode surgir onicodistrofia ou displasia ungueal (e mais raramente tumores queratóticos sub-ungueais) (1) e em 35-70% alopécia do vertex(1). Em 30-60% podem surgir anomalias oculares (geralmente unilateral)(7): alterações pigmentares da retina, microftalmia, cataratas, leucocoria, estrabismo, atrofia óptica ou hipoplasia da fovea, glaucoma congénito, anomalias dos vasos periféricos da retina, cegueira(1). As anomalias do sistema nervoso central ocorrem em 10-40% dos casos(1) sendo variados: microcefalia (4%), atraso mental (12%), espasticidade (11%), convulsões (13%), ataxia, encefalopatia, hiperactividade, derrames cerebrais(7,8,9). Em 14% surgem anomalias ósseas (geralmente associadas a anomalias cerebrais graves) (1): hemivertebras, escoliose, espinha bífida, sindactilia, costelas supra-numerárias, deformidades do crânio. Em 1% podem surgir anomalias da mama: hipoplasia mamária ou mamilo supra-numerário(1) e até aplasia(7). Apenas o follow-up seriado desta criança poderá concluir pelo aparecimento das manifestações referidas. O diagnóstico é feito com base na evolução das lesões cutâneas(1) e a confirmação faz-se por biópsia cutânea, correspondendo a cada um dos estadios alterações histopatológicas específicas(1). No caso descrito, revelou alterações típicas da fase vesicular. Cada estadio pode mimetizar outras doenças, impondo o respectivo diagnóstico diferencial, que no vesicular faz-se com: Impétigo bolhoso, Dermatose bolhosa, Pênfigo bolhoso, Eritema Tóxico, Dermatite Herpetiforme, Herpes Zoster(10) e Sífilis congénita(1,3); e no estadio IV faz-se com a Hipomelanose de Ito e com Vitiligo. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 A neuroimagiologia, com recurso a Tomografia Axial Computorizada ou Ressonância Magnética Crânio-Encefálica, só se justifica quando ocorrem alterações no exame neurológico ou no desenvolvimento, convulsões ou vasculopatia da retina(1), o que até à data não ocorreu. O estudo molecular revela maioritariamente, uma mutação no gene IKBKG/NEMO do cromossoma X, sendo encontrada deleção dos exões 4-10 em 60-80% dos casos(5,11,12), como se verificou neste. Quando não existe história familiar de IP, importa testar a mãe dada a grande variabilidade fenotípica, e caso a mutação esteja presente o aconselhamento genético é importante, pela possibilidade de diagnóstico pré-natal(5). Em mais de 65% dos casos estão reportadas mutações esporádicas(12).O gene referido intervém na protecção celular contra a apoptose celular(4), registando-se, desta forma, uma maior susceptibilidade a neoplasias (leucemia mielóide aguda, tumor de Wilms, retinoblastoma) (1). Não existe tratamento específico(1). Na fase vesicular as lesões devem permanecer intactas e limpas para evitar a sobreinfecção bacteriana(1). O follow-up destas crianças deve envolver uma equipa multidisciplinar: Oftalmologia, Neonatologia/Pediatria, Medicina Dentária, Genética e Neurologia (se alterações neurológicas)(1). O prognóstico neste caso é bom, uma vez que não surgiram até à data, lesões oculares ou do Sistema Nervoso Central. CONCLUSÃO A IP, embora rara, exige um elevado índice de suspeição, pois devido aos seus diferentes estadios pode mimetizar diferentes doenças. Devido ao seu envolvimento extra-cutâneo, o follow-up por uma equipa multidisplinar torna-se crucial. INCONTINENTIA PIGMENTI – A CASE REPORT ABSTRACT Introduction: Incontinentia pigmenti (IP) is a rare genodermatosis neuroectodermal multisystem disorder. This disease has an incidence of 1:50.000 births and is typically lethal in males, in utero. Case report: The authors present a clinical case of IP in a newborn with papulovesiculous eruptions observed on the first day of life. The evolution, anatomopathology and genetic study findings established the diagnosis. Conclusion: The IP is a potentially serious clinical entity, which requires an early diagnosis and multidisciplinary follow-up. Keywords: Incontinentia pigmenti, newborn, papulovesiculous eruptions. BIBLIOGRAFIA 1. Chang CH. Incontinentia Pigmenti. In: Emedicine 2007 Apr 6. Available at http:// www.emedicine.com. Accessed Aug 2009. 2. Ehrenreich M, Tarlow MM, Godlewska-Janusz E, Schwartz RA. Incontinentia pigmenti (Bloch Sulzberger Syndrome): a systemic disorder. Cutis 2007; 79: 355-62. 3. Sordo ML, Vega BV, Zamora EH, Rosas AG, Pérez LA. Incontinentia pigmenti: informe de un caso familiar en varones afectados. Revisión de la literatura. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2005; 10: 122-29. 4. Roca AP, Baquero-Artigao F, Garcia-Miguel MJ, Vázquez JG, Fernández JG, Cuevas MV et al. Incontinentia pigmenti. Manifestaciones iniciales y a largo plazo. An Pediatr (Barc.) 2008; 68: 9-12. 5. 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CORRESPONDÊNCIA Sónia Santos E-mail: [email protected] Nascer e Crescer 2012; 21(2): 99-101 casos clínicos case reports 101 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Síndrome de Overlap entre colangite esclerosante primária e hepatite auto-imune – um caso com apresentação sequencial ao longo dos anos Teresa São Simão1, Marta Rios1, J Ramón Vizcaíno2, Fernando Pereira1, Ermelinda Santos Silva1 RESUMO Introdução: Dentro do espectro das doenças hepáticas auto-imunes alguns doentes apresentam-se com características tanto de uma doença colestática (isto é, colangite esclerosante primária de grandes ou de pequenos ductos, ou cirrose biliar primária, esta última uma entidade não descrita em idade pediátrica), como de hepatite auto-imune. Estas situações são difíceis de classificar e designam-se por síndromes de overlap. As características do overlap incluem sintomas, achados no exame físico, testes bioquímicos, anomalias imunológicas, e/ou histológicas. Há vários tipos de relação entre as várias doenças hepáticas auto-imunes que atingem um mesmo doente. Caso clínico: Os autores descrevem o caso de uma criança com apresentação de colangite esclerosante primária de pequenos ductos, sem resposta favorável à terapêutica imunossupressora (prednisolona + azatioprina) associada ao ácido ursodesoxicólico, seguida alguns anos mais tarde de características sugestivas de hepatite auto-imune com resposta bioquímica favorável à mesma terapêutica. Discussão: Este caso alerta-nos para a necessidade de manter uma vigilância permanente no seguimento destes doentes, tanto na reavaliação diagnóstica e como na intervenção terapêutica. Palavras-chave: doença hepática auto-imune, síndrome de overlap, colangite esclerosante primária, hepatite auto-imune, idade pediátrica, ácido ursodesoxicólico. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 102-106 INTRODUÇÃO A hepatite auto-imune (HAI) engloba 2-5% da doença hepática crónica em idade pediátrica. É uma hepatopatia de origem inflamatória de etiologia desconhecida, tipicamente caracterizada por enzimas hepáticas elevadas, hipergamaglobulinemia, presença de autoanticorpos específicos, e histologicamente por infiltrado celular mononuclear nos espaços porta com hepatite de interface(1). O tratamento com prednisolona, associado ou não ao uso de azatioprina, pode alterar o curso desta entidade clínica que, sem tratamento atempado progride para cirrose(1). Alguns pacientes com HAI apresentam características de doença colestática como a colangite esclerosante primária __________ 1 2 U. Gastrenterologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto S. Anatomia Patológica, H Santo António, CH Porto 102 casos clínicos case reports (CEP) ou cirrose biliar primária (CBP). Estas entidades clínicas são denominadas de síndromes de overlap (SO) e podem manifestar-se de várias formas: apresentação concomitante de duas doenças distintas; apresentação de uma doença com aspectos característicos de outras; apresentação sequencial de duas doenças; e alguns autores consideram as SO como uma entidade nosológica própria(2-5). As características do overlap incluem aspectos clínicos, bioquímicos, imunológicos e histológicos. Na idade pediátrica é particularmente frequente o overlap HAI-CEP. Nestes casos alguns autores usam a designação alternativa de “Colangite esclerosante Auto-imune” (CAI)(6-8). Descrevemos um caso de overlap HAI-CEP com apresentação sequencial ao longo de vários anos. CASO CLÍNICO Este doente de sexo masculino, caucasiano, nascido em 12/12/1992, era o único filho de um casal saudável, não consanguíneo, e tinha uma avó paterna com cirrose biliar primária diagnosticada aos 35 anos de idade; esta avó, medicada com ácido ursodesoxicólico (AUDC), manteve doença hepática crónica estável por mais de 30 anos, sem necessidade de transplante hepático, tendo falecido recentemente de carcinoma hepatocelular. O doente começou a ter prurido no 1º ano de vida, atribuído a “alergias alimentares”. Apresentava xerose cutânea acentuada e os testes cutâneos a alimentos revelaram uma positividade múltipla, por provável sensibilidade cutânea, não alérgica. Foi-lhe recomendada a evicção de alimentos libertadores de histamina. A partir dos 4-5 anos de idade começou a ter surtos de prurido de maior intensidade, na ausência de manifestações cutâneas, oculares, nasais ou brônquicas. Nesta altura efectuou pela primeira vez análises que mostraram elevação das enzimas hepáticas (AST – 193 UI/L, ALT – 309 UI/L, GGT – 208 UI/L). Efectuou investigação complementar (resultados não disponíveis) e foi tratado com prednisolona durante cerca de um mês; esta terapêutica foi abandonada por “ausência de resposta”, e nos anos __________ ABREVIATURAS: AST – Aspartato aminotransferase; ALT – Alanina aminotransferase; AASLD – The American Association for the Study of Liver Diseases; AUDC – Ácido Ursodesoxicólico; CAI – Colangite esclerosante Autoimune; CBP – Cirrose biliar primária; CEP – Colangite Esclerosante Primária; Colangio RM – Colangio- Ressonância Magnética; EASL – European Association for the Study of the Liver; HAI – Hepatite Autoimune; IAIHG – International Autoimune Hepatitis Group; NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 seguintes o doente não efectuou nem exames complementares nem tratamentos. Foi admitido na consulta de Hepatologia do Hospital de Crianças Maria Pia aos 11 anos de idade. Mantinham-se os episódios recorrentes de prurido, sem icterícia. O exame objectivo era sem particularidades, nomeadamente sem estigmas de doença hepática crónica. Efectuou investigação complementar da qual se destacam os seguintes resultados: bilirrubina total – 0,60 mg/dl, bilirrubina conjugada – 0,20 mg/dl, AST – 96 UI/L, ALT – 165 UI/L, GGT – 219 UI/L, FA - 577 UI/L, IgG – 1440 mg/dl, ANA`s – 1/1280, anti-músculo liso – 1/40, anti-mitocôndrias, anti-LKM, anti-SLA e anti-LC1 – negativos; Alfa-1-antitripsina e ceruloplasmina séricas, e doseamento de cobre urinário de 24 horas normais; ecografia abdominal – fígado com dimensões e ecoestrutura normais, sem dilatação das vias biliares, cálculo vesicular único de 7 mm; endoscopia digestiva alta – sem varizes esofágicas ou gástricas; histologia hepática – alargamento de alguns espaços-porta por fibrose e formação de septos finos inter-portais, infiltrado portal misto com linfócitos e eosinófilos, sem hepatite de interface ou lobular, esboço de fibrose peri-ductal e neoformação ductular; cobre hepático – 46,7 microgramas/g/fígado seco. Cumpriu terapêutica imunossupressora durante seis meses (prednisolona 2 mg/kg/dia 1 mês e depois em doses decrescentes + azatioprina 1,5 mg/kg/dia) sem melhoria significativa dos parâmetros analíticos, pelo que se suspendeu e, nos anos seguintes, pela hipótese de se tratar de uma colangite esclerosante primária, o doente foi tratado apenas com AUDC 10-15 mg/kg/dia. Aos 15 anos de idade começou a registar-se uma maior elevação das enzimas hepáticas (Gráfico 1), e um ano mais tarde houve aparecimento de icterícia e agravamento do prurido com os seguintes parâmetros analíticos: bilirrubina total – 3,34 mg/dl, bilirrubina conjugada – 2,96 mg/dl, AST – 194 UI/L, ALT – 543 UI/L, GGT – 310 UI/L, FA - 388 UI/L, IgG – 1700 mg/dl (vr: 793 – 1590 mg/dl), ANA`s – 1/640, SMA – 1/40, ANCA`s – negativo. Nesta altura a histologia hepática mostrava actividade necro-inflamatória de interface (Figura 1) e intra-lobular focal (Figura 2), para além do infiltrado inflamatório polimórfico nos espaços-porta e de fibrose portal moderada com formação de septos e pontes porta-portais (Figura 3). Por cumprir critérios de diagnós- tico definitivo de HAI (Tabela I) iniciou tratamento imunossupressor (prednisolona 1 mg/kg/dia + azatioprina 1,5 mg/kg/dia) tendo sido posteriormente aumentada também a dose de AUDC para 20 mg/kg/dia, com resposta francamente favorável (desaparecimento do prurido, normalização completa das bilirrubinas e das transaminases, e diminuição acentuada da GGT). Figuras 1 e 2 – Histologia hepática (19/12/2008) evidenciando actividade necro-inflamatória de interface e intra-lobular focal Gráfico 1 - Elevação das enzimas hepáticas casos clínicos case reports 103 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Em Fevereiro de 2010 (17 anos de idade) efectuou ColangioRM que mostrou ligeira hepatomegalia sobretudo à custa do lobo esquerdo, globalmente homogénea, sem alterações relevantes da morfologia ou calibre das vias biliares intra ou extra-hepáticas, e cálculo vesicular único de 18 mm (Figuras 4 e 5). Concluímos estar perante um caso de overlap de apresentação sequencial (CEP de pequenos ductos-HAI), situação alternativamente designada por alguns autores como “colangite esclerosante auto-imune”(6-8). DISCUSSÃO O IAIHG sugere que os doentes com doença hepática auto-imune devem ser classificados de acordo com as características predominantes de AIH, CBP, CEP de grandes e de pequenos ductos, respectivamente, e que aqueles com características de Figura 3 - Histologia hepática (19/12/2008) mostrando fibrose portal moderada com formação de septos e pontes porta-portais Tabela I – Critérios de diagnóstico de HAI (Score validado4) PONTUAÇÃO (aos 11 anos) PONTUAÇÃO (aos 15 anos) Sexo feminino 0 0 FA / AST ou ALT -2 +2 ↑IgG 0 +1 Autoanticorpos ANA, SMA, LKM1 AMA + +3 0 +3 0 Serologias víricas negativas +3 +3 História de hepatotóxicos negativa +1 +1 Consumo de álcool <25g/dia +2 +2 Histologia hepática Hepatite de interface Inf. linfoplasmocitário Lesão ductos biliares 0 +1 -3 +3 +1 0 Outras doenças AI`s (no doente ou em parentes em 1º grau) 0 0 Outros auto-anticorpos 0 0 Não efectuado Não efectuado 0 0 +2 0 5 16 5 18 CRITÉRIOS HLA DR3 ou DR4 + Resposta terapêutica (completa) Recaídas Score Diagnóstico Antes do tratamento Provável > 10 - 15; Definitivo >15 Após o tratamento Provável > 12 - 17; Definitivo >17 104 casos clínicos case reports Figuras 4 e 5 – Ressonância magnética hepatobiliar (08/02/2010) - ligeira hepatomegalia sobretudo à custa do lobo esquerdo, globalmente homogénea, sem alterações relevantes da morfologia ou calibre das vias biliares intra ou extrahepáticas; cálculo vesicular 18 mm NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 overlap não devem ser considerados como tendo entidades nosológicas distintas(3). Apesar disso, pode haver necessidade de considerar terapêuticas específicas para esses doentes(3). O score do IAIHG(9-11) para o diagnóstico de HAI tem sido largamente utilizado para diagnosticar as síndromes de overlap mas não foi concebido para esse efeito e não está provado que para esses casos seja uma ferramenta útil. Num doente com diagnóstico confirmado de CEP, a presença de características de HAI associadas pode levar à classificação de síndrome de overlap CEP-HAI. Esta condição parece ser particularmente frequente nas crianças onde tem sido exaustivamente estudada(6-8,12-14). Estes doentes, ao contrário do que é frequente nos adultos, podem beneficiar de tratamento imunossupressor(15). Alguns autores introduziram a designação de “Colangite esclerosante Auto-imune” (CAI) para designar o grupo de crianças com CEP que também apresentam características sugestivas de HAI(6-8). Sugerem que nestes casos a HAI e a CEP se encontram dentro do espectro da mesma doença, que designam por CAI(15). A CAI parece ser a contrapartida na idade pediátrica da síndrome de overlap HAI-CEP nos adultos, com a mesma prevalência da HAI tipo1(7). Num estudo prospectivo de seguimento a longo prazo de 52 crianças com colangite esclerosante primária, verificou-se que 35% (14/40 com biópsia) vieram a cumprir critérios de HAI definitiva ou provável(14), tal como aconteceu no caso que descrevemos. O nosso doente apresentou-se na infância com um quadro clínico de doença colestática associada a marcadores imunológicos positivos; sem anomalias imagiológicas e com histologia mostrando infiltrado portal de linfócitos e eosinófilos, e lesões dos ductos biliares (esboço de fibrose peri-ductal e neoformação ductular), sugerindo o diagnóstico de CEP de pequenos ductos. Anos mais tarde, na adolescência, registou-se uma alteração do padrão analítico (alteração da relação FA/AST e elevação da IgG), seguida do aparecimento de icterícia e mais uma vez agravamento do prurido; nesta altura a histologia mostrava aspectos que poderiam sugerir HAI (hepatite de interface, mas com infiltrado portal polimórfico) e o doente apresentava um score de diagnóstico definitivo para HAI (Quadro 1). A questão que se coloca é se estamos perante a associação de duas doenças hepáticas auto-imunes sequencialmente no mesmo doente, ou se se trata de uma mesma entidade apresentando-se com aspectos de uma doença (CEP) progredindo para aspectos de outra doença (HAI), sendo mais adequada a designação proposta por alguns autores de “Colangite esclerosante Auto-imune” (CAI)(6-8). Outros investigadores têm classificado os doentes pediátricos como tendo síndrome de overlap HAI-CEP, tal como nos adultos(8). Estes autores sugerem que a expressão da CEP nas crianças se manifesta como uma apresentação hepatítica em vez do perfil colestático dos adultos. Deste modo, a possibilidade de CEP deve ser considerada em todas as crianças com HAI, e consequentemente deve ser realizada uma colangiografia (ColangioRM ou CPRE). Publicamos previamente o caso de outra doente com overlap HAI-CEP(16), que ilustra bem a importância desta recomendação, sobretudo quando há aspectos que chamam à atenção para lesão das vias biliares em concomitância. Neste caso o overlap manifestou-se desde o início da apresentação clínica. A doente reunia um score de diagnóstico para HAI provável (score = 15) e apesar da resposta bioquímica favorável à terapêutica imunossupressora, como apresentava dilatação das vias biliares intra-hepáticas (em ecografia), e a histologia incluía proliferação ductular, foi realizada uma CPRE que confirmou a presença de aspectos sugestivos de CEP. Nesse caso, tal como no que aqui descrevemos, estiveram presentes duas doenças hepáticas auto-imunes com apresentação concomitante ou sequencial, uma doença (HAI) com aspectos característicos de outra (CEP), ou uma entidade nosológica diversa reunindo características de ambas (CAI)? Os resultados do tratamento de doentes com características combinadas de HAI e CEP são variáveis. Em algumas publicações mais antigas(13,17,18), num número reduzido de doentes, observou-se uma melhoria clínica e bioquímica após tratamento com corticoesteróides e azatioprina, por vezes em associação com AUDC. Porém, mais recentemente foi observada doença progressiva em doentes com características de HAI-CEP, apesar da terapêutica combinada de imunossupressores com AUDC e melhoria bioquímica inicial(19). O prognóstico dos doentes com síndrome de overlap HAI-CEP pode ser mais favorável que o dos doentes com a CEP clássica, mas menos favorável que o dos doentes com HAI isolada(19). A resposta à terapêutica imunossupressora parece ser melhor em crianças com síndrome de overlap HAI-CEP (ou CAI) do que em adultos(6,20). As guidelines da EASL recomendam que os doentes com síndrome de overlap HAI-CEP sejam tratados com AUDC e imunossupressores, mas destacam que esta recomendação não é baseada na evidência(20). As guidelines da AASLD sobre a CEP também recomendam o uso de corticoesteróides e de outros imunossupressores em doentes com síndrome de overlap HAI-CEP(21). O caso que descrevemos não respondeu inicialmente à terapêutica imunossupressora (prednisolona + azatioprina) associada ao AUDC, mas anos mais tarde, e quando apresentou aspectos característicos de HAI houve resposta favorável à mesma terapêutica. A litíase vesicular neste doente está em provável relação com a presença de estase biliar associada à doença hepática crónica colestática, predispondo a uma composição mais litogénica da bile (supersaturação em colesterol). A nossa atitude tem sido expectante, dado tratar-se de um cálculo vesicular único num doente sem sintomas associados(22). Este caso de síndrome de overlap de doença hepática autoimune, inicialmente com aspectos sugestivos de CEP de pequenos ductos, progredindo anos mais tarde para HAI (apresentação de tipo sequencial), alerta-nos para a necessidade de manter uma vigilância permanente no seguimento destes doentes, em termos de reavaliação do seu diagnóstico e de eventuais intervenções terapêuticas. casos clínicos case reports 105 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 PRIMARY SCLEROSING CHOLANGITIS OVERLAPPING WITH AUTOIMMUNE HEPATITIS – A CASE WITH SEQUENTIALLY PRESENTATION OVER THE YEARS ABSTRACT Introduction: Within the spectrum of autoimmune liver disease some patients present with features of both cholestatic disease (primary sclerosing cholangitis of large or small ducts, or primary biliary cirrhosis, the latter not described in children) and autoimmune hepatitis. These situations are difficult to classify and are called overlap syndromes. The characteristics of the overlap include symptoms, findings on physical examination, biochemical tests, immunological abnormalities, and / or histology. There are several types of associations between the various autoimmune liver diseases affecting the same patient. Case report: The authors describe the case of a child with sequential presentation of primary sclerosing cholangitis of small ducts without favourable response to immunosuppressive therapy (azatioprine + prednisolone) combined with ursodeoxycholic acid, followed some years later of characteristic features of autoimmune hepatitis with favourable biochemical response to the same therapy. Comments: This case emphasizes the need of careful long term follow up of these patients to validate the diagnosis and plan the adequate management. Keywords: autoimmune liver disease, overlap syndrome, primary sclerosing cholangitis, autoimmune hepatitis, paediatric age, ursodeoxycholic acid. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 102-106 BIBLIOGRAFIA 1. Kelly D. Diseases of the liver and biliary system in children. 3rd ed. Oxford, UK: Wiley-Blackwell, 2008: 191-203. 2. Schramm C, Lohse A. Overlap syndromes of cholestatic liver disease and auto-immune hepatitis. Clin Rev Allergy Immunol 2005; 28: 105-14. 3. Boberg K, Chapman R, Hirschfield G, Lohse A, Manns M, Schrumpf E. Overlap syndromes: the international autoimmune hepatitis group (IAIHG) position statement on a controversial issue. J Hepatol 2011; 54: 374-85. 4. Invernizzi P, Mackay I. Overlap syndromes among autoimmune liver disease. World J Gastroenterol 2008; 14: 3368-73. 5. Czaja AJ. Overlap syndrome of primary biliary cirrhosis and autoimmune hepatitis: a foray across diagnostic boundaries. J Hepatol 2006; 44: 251-54. 6. Mieli-Vergani G, Heller S, Jara P, Vergani D, Chang MH, Fujisawa T, et al. Autoimmune hepatitis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2009; 49: 158-64. 7. Mieli-Vergani G, Vergani D. 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CORRESPONDÊNCIA Ermelinda Santos Silva [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Pâncreas heterotópico numa criança com Trissomia 8 em mosaico: uma associação acidental? Gisela Silva1, Isabel Couto Guerra1, Lurdes Morais1, Virgílio Senra1, Fernando Pereira2 RESUMO Introdução: O Pâncreas heterotópico (PH), definido pela presença de tecido pancreático em local não usual, é uma malformação congénita rara, habitualmente assintomática. O diagnóstico pré-operatório é dificultado pela semelhança com os tumores da camada submucosa. Caso clínico: Os autores relatam o caso de uma criança do sexo masculino com Trissomia 8 em mosaico, divertículo de Meckel e onfalocelo, com pâncreas ectópico na pequena curvatura gástrica, cuja forma de apresentação foi a hemorragia digestiva alta. O doente foi submetido a exérese cirúrgica da lesão. Discussão/Conclusão: O Síndrome da Trissomia 8 em mosaico é uma anomalia cromossómica frequente, mas até à data não está descrita a associação desta entidade com o PH ou com outras anomalias gastrointestinais. No entanto, é reconhecida a associação do PH com outras malformações gastrointestinais, como a atrésia esofágica, o onfalocelo e o divertículo de Meckel. Palavras-chave: Hemorragia digestiva, pâncreas heterotópico, Trissomia 8 em mosaico. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 107-109 INTRODUÇÃO O Pâncreas heterotópico (PH) foi descrito pela primeira vez em 1727, aquando da sua identificação num divertículo ileal(1). O PH é uma anomalia congénita rara, que consiste em tecido pancreático diferenciado sem conexão anatómica ou vascular com o pâncreas. Em autópsias, a prevalência varia de 0,6 a 14%(2), localizando-se mais frequentemente no antro gástrico, duodeno, jejuno e divertículo de Meckel(2). O diagnóstico é difícil, porque raramente é sintomático. Contudo, pode tornar-se clinicamente aparente quando surge alguma complicação, como inflamação, hemorragia, obstrução ou transformação maligna(2). O diagnóstico pré-operatório é particularmente difícil, porque na maioria dos casos os PH têm um aspecto macroscópico similar aos tumores da camada submucosa, apresentando-se como massas submucosas bem delimitadas com uma área de umbilicação central, correspondendo esta última ao canal pancreático rudimentar(3). __________ 1 2 S. Pediatria, H Maria Pia, CH Porto S. Gastroenterologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto CASO CLÍNICO Criança do género masculino, fruto de uma segunda gestação e primeiro gémeo de um casal jovem não-consanguíneo, com diagnóstico pré-natal de onfalocelo e uropatia malformativa à esquerda relacionada com Trissomia 8 em mosaico (47,XY, +8 / 46 XY). Parto às 34 semanas de gestação com somatometria adequada à idade gestacional. No primeiro dia de vida, foi submetido a correcção cirúrgica de onfalocelo e enterectomia, com exame histológico compatível com Divertículo de Meckel. De acordo com a cromossomopatia identificada no período pré-natal apresentava: dismorfias faciais (fronte proeminente e larga, hipertelorismo e base nasal alargada); atraso grave do desenvolvimento psicomotor; má evolução ponderal; uropatia malformativa; cardiopatia congénita sem repercussão hemodinâmica (defeito do septo ventricular e estenose apical pulmonar); e criptorquidia à direita. Aos três anos de idade, o doente recorreu ao serviço de urgência por vários episódios de vómitos e hematemeses. Ao exame objectivo apresentava palidez mucocutânea acentuada, sem outras alterações. Analiticamente de salientar uma anemia ferropénica; a contagem plaquetária e o estudo sumário da coagulação não revelaram alterações. A Endoscopia digestiva alta (EDA) mostrou uma tumefacção submucosa polipóide, séssil, com umbilicação central, com cerca de 3 cm de diâmetro, localizada à porção mais alta da pequena curvatura gástrica, junto à transição do corpo gástrico para a parede posterior (Figura 1). Figura 1 – Endoscopia digestiva alta: tumefacção polipóide séssil na camada submucosa gástrica com umbilicação central (ver seta) e coágulo recente (ver cabeça de seta). casos clínicos case reports 107 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 A tomografia axial computorizada (TAC) abdominal revelou um espessamento da parede gástrica na pequena curvatura, sem invasão dos tecidos adjacentes. Foi realizada ressecção cirúrgica, que decorreu sem intercorrências. O exame histológico da peça cirúrgica (Figuras 2 e 3) foi compatível com PH com arquitectura lobular. Posteriormente, o doente manteve-se assintomático. DISCUSSÃO O PH é definido pela presença de tecido pancreático fora da sua localização anatómica habitual. Foram propostas duas teorias para a patogénese desta entidade. Uma delas atribui a presença desta ectopia à migração de tecido pancreático fetal e a outra à diferenciação errónea do epitélio da mucosa gástrica em tecido pancreático(4). Figura 2 – Exame histológico da peça cirúrgica: Lóbulos pancreáticos heterotópicos localizados na camada submucosa gástrica e recobertos por mucosa gástrica de aspecto normal (H&E, ampliação original, x200). Figura 3 – Exame histológico da peça cirúrgica: Tecido pancreático normal (ácinos, ductos e ilhéus de Langerhans) (H&E, ampliação original x 400). 108 casos clínicos case reports A localização mais habitual do PH é o duodeno e o estômago, correspondendo a 70%-90%(2,5) de todos os casos. As lesões gástricas, na maioria dos casos, estão confinadas ao antro (em 85%-95%), sendo a localização mais frequente a grande curvatura gástrica(2,5). À semelhança do caso apresentado, o tecido pancreático ectópico é identificado mais frequentemente na camada submucosa (73%)(6). A classificação histológica do PH de acordo com Heinrich (1909) inclui três tipos. Em 1973, esta classificação foi modificada por Gaspar-Fuentes adquirindo a sua forma final: Tipo I, heterotopia completa, que consiste em tecido pancreático típico (ácinos, ductos e ilhéus); Tipo II, heterotopia canalicular, composta apenas por ductos pancreáticos; Tipo III, caracterizada apenas por ácinos (heterotopia exócrina); e tipo IV, apenas com ilhéus de Langerhans (heterotopia endócrina)(7). Segundo esta classificação, este caso corresponde a PH de Tipo I. A grande maioria dos doentes com PH é assintomática. Quando presentes, os sintomas são inespecíficos e dependentes do tamanho, localização e possíveis complicações. Em 75% dos casos as lesões têm um tamanho inferior a 3 cm de diâmetro(2,5), mas quando as dimensões são superiores a 1,5 cm apresentam maior probabilidade de serem sintomáticas(7). Efectivamente o doente descrito apresentava uma lesão gástrica com maior risco de sintomas (cerca de 3 cm de diâmetro), que se tornou clinicamente evidente pelo aparecimento de uma hemorragia digestiva. A EDA revelou uma lesão submucosa com umbilicação típica; no entanto, este dado não foi suficiente para estabelecer o diagnóstico, pela semelhança com os tumores da submucosa. Tendo em conta a elevada percentagem de falsos negativos, pela dificuldade em biopsar a camada submucosa, a biópsia endoscópica não foi efectuada. A Ecoendoscopia seria um exame útil na avaliação da localização e extensão da massa, evitando uma exérese mais extensa. No entanto, existem importantes limitações na utilização desta técnica na população pediátrica e o seu uso é ainda muito restrito(8). São várias as opções terapêuticas disponíveis. No entanto, de acordo com a maioria dos autores o tratamento cirúrgico deve ser realizado caso surjam complicações e ainda pelo risco, ainda que baixo, de degeneração maligna destas lesões na idade adulta(9). Neste caso, a TAC revelou uma lesão localizada, pelo que foi realizada tumorectomia. Uma vez que os achados dos exames pré-operatórios não foram específicos de PH o diagnóstico definitivo baseou-se no exame histopatológico da peça cirúrgica. O Síndrome de Trissomia 8 em mosaico é uma anomalia cromossómica relativamente comum, mas subdiagnosticada devido à grande variabilidade fenotípica. Até à data não está descrita na literatura relação entre o PH, ou outras malformações gastrointestinais, e esta cromossomopatia(10). Outro aspecto relevante é a associação já descrita entre o PH e várias malformações gastrointestinais, incluindo a atrésia esofágica, o onfalocelo e o divertículo de Meckel (as duas últimas presentes no doente apresentado). A explicação para esta associação é ainda desconhecida, mas poderá envolver alterações em moléculas de sinalização expressas durante o desenvolvimento do tracto gastrointestinal e outros órgãos associados(10). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 CONCLUSÕES O PH é uma causa rara de hemorragia gastrointestinal, sendo mesmo, na maioria dos casos, uma lesão assintomática. No entanto, deverá ser considerado como uma etiologia possível, em particular nos doentes que apresentem outras malformações gastrointestinais. Até à data, a presença de PH em doentes com Trissomia 8 em mosaico não está descrita na literatura, sendo esta a primeira descrição desta associação. Assim, a relação causal desta cromossomopatia com esta entidade não pode ser estabelecida. HETEROTOPIC PANCREAS IN A CHILD WITH TRISOMY 8 MOSAICISM SYNDROME: AN ACCIDENTAL ASSOCIATION? ABSTRACT Introduction: Heterotopic pancreas is a rare congenital malformation, usually asymptomatic. It is defined as pancreatic tissue found outside the usual anatomic location of the pancreas. The preoperative diagnosis is difficult because most of the cases have an appearance similar to submucosal tumours. Case report: We report the case of a three-year-old male with 8 trisomy mosaicism, Meckel´s diverticulum and omphalocele with an ectopic pancreatic lesion. It was located in the stomach less curvature, and presenting as gastrointestinal bleeding. Discussion/Conclusion: Trisomy 8 mosaicism syndrome is a relatively common chromosomal abnormality but so far there is no known relationship between HP or other gastrointestinal malformations and this chromosomopathy. Nevertheless, there is a relationship between HP and various gastrointestinal malformations, including esophageal atresia, omphalocele and Meckel´s diverticulum. Keywords: Gastrointestinal bleeding, heterotopic Pancreas, Trisomy 8 mosaicism. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 107-109 BIBLIOGRAFIA 1. Elfving G, Hastbacka J. Pancreatic heterotopia and its clinical importance: Acta Chir Scand 1965; 130: 593-602. 2. June-Sik C, Kyung Sook S, Jin-Whan K. Heterotopic Pancreas in the Stomach: CT findings. Radiol 2000; 217: 139-44. 3. Ormarsson OT, Gudmundsdottir I, Marvik R. Diagnosis and treatment of gastric heterotopic pancreas. World J Surg 2006; 30: 1682-9. 4. Yamagwa H, Onishi N, Nishi M. Heterotopic pancreas of the stomach. Histogenesis and immunohistochemistry. Acta Pathol Jpn 1992; 42: 249-54. 5. Baysoy G, Balamtekin N, Uslu N, Karavelioğlu A, Talim B, Ozen H. Double heterotopic pancreas and Meckel´s diverticulum in a child: do they have a common origin? Turk J Pediatr 2010; 52: 336-8. 6. 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CORRESPONDÊNCIA Gisela Silva E-mail: [email protected] casos clínicos case reports 109 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Eritroblastopenia transitória da infância: atitude expectante face a uma anemia grave Marco Pereira1, Rui Bergantim2, Emília Costa3, Lurdes Morais4, Vasco Lavrador4, José Barbot3 RESUMO Introdução: A eritroblastopenia transitória da infância (ETI) é uma condição aguda caracterizada por anemia moderada a grave e reticulocitopenia, secundárias a uma supressão temporária da eritropoiese. A etiologia é desconhecida, embora ocorra associação com uma infecção vírica em cerca de metade dos casos. Tipicamente, apresenta um curso benigno e auto-limitado, necessitando apenas de vigilância da evolução clínica. Caso clínico: Descreve-se o caso clínico de uma menina com três anos de idade, internada por infecção respiratória alta e ETI. O seu quadro hematológico era caracterizado por anemia com hemoglobina de 7.1 g/dl e reticulocitopenia, sem alterações nas outras linhas celulares. A evolução foi favorável, com recuperação espontânea ao fim de três semanas. Conclusão: O reconhecimento desta entidade hematológica benigna, distinguindo-a de outras formas de anemia arregenerativa, pode evitar o recurso a procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários. Palavras-chave: Anemia, anemia aplásica, eritroblastopenia transitória da infância. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 110-112 INTRODUÇÃO A Eritroblastopenia Transitória da Infância (ETI) é uma forma de anemia arregenerativa temporária, descrita pela primeira vez em 1970(1,2). É uma condição adquirida, auto-limitada e de instalação progressiva. Caracteriza-se por supressão transitória da produção eritróide, com eritroblastopenia medular e reticulocitopenia no sangue periférico, resultando numa anemia normocítica/normocrómica moderada a grave(1-3). A ETI afecta sobretudo crianças previamente saudáveis, com idades compreendidas entre um e quatro anos, grupo etário em que ocorrem 80% dos casos(1,2). É uma condição pouco frequente, com uma incidência estimada de 4,2 casos por 100000 crianças. No entanto, a incidência real é difícil de estabelecer, atendendo ao número indeterminado de casos não diagnosticados com evolução sub-clínica(2). __________ 1 2 3 4 Dep. Mulher, da Criança e do Jovem, H Pedro Hispano, ULS de Matosinhos S. Hematologia Clínica, CH de São João U. Hematologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto S. Pediatria, H Maria Pia, CH Porto 110 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting A etiologia permanece por esclarecer, tendo sido propostos mecanismos infecciosos e imunes(1,2). Em cerca de metade dos casos identifica-se uma infecção vírica nos dois meses precedentes, sobretudo afectando o tracto respiratório ou gastrointestinal. Contudo, o facto de não mostrar variação sazonal bem como a elevada prevalência de infecções víricas neste grupo etário, dificultam o estabelecimento desta relação causal(1-3). As infecções mais frequentemente associadas com a ETI são as causadas por vírus herpes humano tipo 6, ecovirus 11 e parvovírus B19. Outros mecanismos propostos relacionam-se com a presença de inibidores séricos, como auto-anticorpos IgG direccionados aos progenitores eritróides, ou a supressão da eritropoiese por mediação celular(2-4). A descrição de vários casos familiares de ETI, incluindo em gémeos monozigóticos, sugere a possibilidade da existência de uma predisposição genética, resultando esta anemia de uma resposta anormal transmitida a um desencadeante ambiental comum, como a presença de vírus ou toxinas(4-5). A apresentação mais comum consiste em palidez e astenia de instalação progressiva. O exame objectivo é inocente, para além das possíveis alterações secundárias à anemia. A hemoglobina (Hb) pode atingir níveis entre 2 e 9 g/dl, com média de 5,6 g/dl, associada a reticulocitopenia marcada(1). As outras linhas celulares não são habitualmente afectadas, embora possa ocorrer em alguns casos neutropenia ou trombocitose transitórias. O diagnóstico diferencial faz-se com outras formas de anemia arregenerativa. Tipicamente apresenta um curso benigno e auto-limitado, necessitando apenas de vigilância da evolução clínica e analítica. O suporte transfusional raramente é necessário, estando apenas indicado no caso de compromisso hemodinâmico(1,2). A recuperação é completa e ocorre num período de um a dois meses. No momento de diagnóstico, até 10% dos casos encontram-se já em fase de recuperação. A recidiva de ETI é extremamente rara(1-3). CASO CLÍNICO Criança do sexo feminino, caucasiana, com três anos de idade, segunda filha de pais jovens e não consanguíneos. Sem antecedentes patológicos ou familiares relevantes. Admitida por um quadro com uma semana de evolução caracterizado por sintomas das vias aéreas superiores, associados a febre e vómitos desde o dia anterior ao internamento. Retrospectivamente, referência a palidez com um mês de evolução, sem astenia para as NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 actividades habituais. Foram negadas perdas hemáticas e hábitos medicamentosos. Ao exame objectivo apresentava palidez cutâneo-mucosa, evidenciando boa vitalidade. A tensão arterial, frequência cardíaca e saturação transcutânea de oxigénio eram normais. Na auscultação pulmonar eram audíveis roncos e crepitações bilateralmente. A auscultação cardíaca era normal. Não apresentava outras alterações ao exame objectivo, nomeadamente dismorfias, icterícia ou organomegalias. O estudo analítico inicial revelou anemia normocítica/normocrómica (hemoglobina - 7,1 g/dl; MCV – 75 fl; MCH – 27 pg), associada a reticulocitopenia (3500 reticulócitos/mm3). O leucograma (11450 leucócitos/mm3) e a contagem de plaquetas (348000 plaquetas/mm3) eram normais e não apresentava elevação da proteína C reactiva (18,7 mg/L). O exame virulógico de secreções nasofaríngeas foi positivo para Vírus Sincicial Respiratório (VSR). A hemocultura foi negativa, bem como a pesquisa do vírus da gripe H1N1. A radiografia torácica mostrava um infiltrado intersticial difuso, sem imagem de hipotransparência ou alargamento do mediastino. Na investigação subsequente, o esfregaço de sangue periférico não mostrava alterações e os parâmetros bioquímicos de ferro eram normais (ferro sérico – 72 μg/dl; saturação de transferrina – 24%; ferritina – 64 ng/ml). Não apresentava marcadores de hemólise ou de sofrimento medular (sem macrocitose; hemoglobina F normal) e a prova de Coombs directa era negativa. A eritropoetina encontrava-se elevada (850 U/L, normal: 3,7-19.4 U/L), bem como a velocidade de sedimentação (VS), 86 mm/h. A doente ficou apirética a partir do segundo dia de internamento, com melhoria progressiva da sintomatologia respiratória. Apresentou-se sempre hemodinamicamente estável e com boa adaptação à anemia. Considerou-se como diagnóstico mais provável a ETI, contudo decidiu alargar-se o estudo atendendo à VS sustentadamente elevada. As serologias víricas para Parvovírus, Vírus Epstein-Barr, Citomegalovirus, Vírus da Hepatite A, B e C e Vírus da Imunodeficiência Humana foram negativas. O doseamento sérico de imunoglobulinas e complemento encontrava-se nos limites da normalidade e o estudo de auto-imunidade foi negativo. Realizou uma ecografia abdominal que não evidenciou alterações. Assumiu-se o diagnóstico de ETI e adoptou-se uma atitude conservadora, com vigilância da evolução clínica e analítica. Apresentou evolução favorável com normalização da VS, recuperação da produção eritrocitária, com emergência de reticulócitos a partir do sétimo dia, e resolução espontânea da anemia ao fim de três semanas (Quadro 1). DISCUSSÃO Considerando o grupo etário, a ausência de antecedentes, a apresentação clínica e, posteriormente, conhecida a evolução benigna, trata-se de um caso clássico de ETI. Contudo, no momento da apresentação é importante o rigoroso diagnóstico diferencial com outras causas de anemia. A abordagem inicial corresponde ao estudo de uma anemia de causa desconhecida, com recurso à história clínica, exame objectivo e um estudo analítico básico. A presença de anemia associada a reticulocitopenia caracteriza-a como anemia arregenerativa, cujo diagnóstico diferencial se apresenta no Quadro 2(1,2). Tendo em conta este diagnóstico diferencial, as causas que cursam com diminuição da produção de eritropoetina ficaram desde logo excluídas. O mecanismo de substituição medular era improvável, pela benignidade do esfregaço de sangue periférico e pelo atingimento apenas da linhagem rubra. A aplasia rubra congénita era também pouco provável atendendo ao grupo etário, quadro clínico sub-agudo e à ausência de marcadores de sofrimento medular. Esta anemia enquadrava-se numa aplasia rubra adquirida e, considerando o contexto clínico, na ETI. Neste caso, realizou-se um estudo mais alargado pela presença de uma VS sustentadamente elevada. Nos casos típicos de ETI, um estudo compatível que inclua hemograma com contagem de reticulócitos, esfregaço de sangue periférico, marcadores de hemólise, parâmetros bioquímicos de ferro, eritropoetina e, eventualmente, serologias víricas, é suficiente para o Quadro 1 – Evolução analítica durante o tempo de seguimento Dia 1 Dia 4 Dia 7 Dia 9 Dia 15 Dia 22 Hb (g/dl) 7.1 7.3 8.2 9.5 9.5 10.9 MCV (fl) 75 73.8 75.7 76.9 82.3 81.4 Ret (%) 0,13 0.08 3,86 8.25 4,22 2,1 Ret (mm3) 3500 2500 127700 299000 203600 82800 VS (mm/h) 86 89 18 Quadro 2 – Diagnóstico diferencial da anemia arregenerativa Insuficiência medular Aplasia Rubra Pura Congénita Anemia de Blackfan-Diamond Síndrome Aase Aplasia Rubra Pura Adquirida Doença auto-imune (LES, AR, ARJ) Infecção (PV, EBV, VIH, HHV6, VHA, VHB, VHC) Fármacos (PHT, INH, VPA, PCA, CHL) Eritroblastopenia Transitória da Infância Substituição medular Tumoral Mielofibrose Osteopetrose Diminuição da produção de eritropoetina Hipotiroidismo Insuficiência renal crónica Malnutrição Anemia da doença crónica ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 111 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 diagnóstico(2,6). O mielograma e biopsia medular podem não ser necessários nos casos característicos. Contudo, a sua realização deve ser fortemente considerada nos doentes em que subsistem dúvidas quanto ao diagnóstico definitivo, nomeadamente na suspeita de aplasia rubra congénita ou anemia por substituição medular(1,2). A doente apresentava também uma infecção respiratória por VSR, que não parece ter relação causal com a ETI pela ordem temporal das queixas. Contudo, terá contribuído para o diagnóstico por motivar a procura de cuidados médicos. De outra forma, a ETI poderia ter decorrido de forma sub-clínica e não ser reconhecida. A apresentação deste caso clínico pretendeu relembrar esta entidade relativamente incomum e sub-diagnosticada, que pode cursar com anemia grave mas, tipicamente, com evolução benigna e auto-limitada. O suporte transfusional raramente é necessário, não estando também indicada a corticoterapia(1,6). A ETI deve ser sempre considerada nos casos de anemia normocítica/ normocrómica com reticulocitopenia em crianças previamente saudáveis, sobretudo no grupo etário entre um e quatro anos. O reconhecimento e melhor compreensão da história natural desta doença podem evitar o recurso a procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários. TRANSIENT ERYTHROBLASTOPENIA OF CHILDHOOD: “WAIT-AND-SEE” APPROACH ABSTRACT Introduction: Transient erythroblastopenia of childhood (TEC) is an acquired, acute disorder, characterized by moderate to severe anemia and reticulocytopenia, secondary to a temporary suppression of red blood cell production. The etiology of TEC remains unknown, although an association with viral infections has been proposed. It is self-resolving and careful observation is the only medical support needed in most cases. Case report: The authors describe the case of a three-yearold girl who was admitted with an upper respiratory tract infection and TEC. Initial signs were anemia, with a 7.1 g/dl hemoglobin 112 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting level and reticulocytopenia, without another hematologic abnormality. Spontaneous recovery occurred after three weeks. Conclusion: A better knowledge of this benign hematologic disorder of childhood, distinguishing TEC from other causes of non-regenerative anemia, can prevent unnecessary diagnostic procedures and treatment. Keywords: Anemia, aplastic anemia, transient erythroblastopenia of childhood. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 110-112 BIBLIOGRAFIA 1. Alter BP. Transient Erythroblastopenia of Childhood. In: Nathan DG, Orkin SH, Ginsburg D, Look AT. Nathan and Osky’s Hematology of Infancy and Childhood. 6th edition. Philadelphia: WB Saunders; 2003: 328-331. 2. Bomgaars L. Anemia in children due to decreased red blood cell production. In: UpToDate, Basow DS (Ed). UpToDate, Waltham, MA, 2010. 3. Glader B. Acquired Pure Red Blood Cell Anemias. 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Amorim1 RASN, sexo masculino, de oito anos de idade foi enviado à consulta externa de Estomatologia da Unidade Pediátrica Maria Pia devido ao não aparecimento do dente definitivo incisivo superior esquerdo. Ao exame objetivo apresenta o dente incisivo superior central direito e persistência do incisivo superior decíduo central esquerdo. Boa higiene oral e cáries nos molares decíduos. Realizou ortopantomografia (OPG) (Figura 1) que revelou a presença de um mesiodens incluso e de um supranumerário entre o incisivo central definitivo superior esquerdo e o respectivo decíduo. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto caso estomatológico oral pathology case 113 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 COMENTÁRIOS A situação clínica acima exposta é semelhante a outras já aqui observadas e referenciadas. Trata-se da não erupção de dentes definitivos devido à existência de dentes supranumerários. Neste caso existem dois dentes supranumerários, um dos quais mesiodens incluso. O mesiodens é o dente supranumerário mais comum na arcada dentária, situado na linha média da maxila, entre os incisivos centrais superiores. A etiologia dos dentes inclusos e supranumerários bem como a sua incidência e as repercussões sobre a oclusão foram abordados no número anterior da Revista Nascer e Crescer. ABSTRACT An eight year-old boy was referred to the Department of Stomatology due to the absence of the permanent left central incisor. A panoramic radiography revealed the presence of an impacted mesiodens and a supernumerary tooth in the position of the maxillary central incisor between the primary and the deciduous. Keywords: Panoramic radiography, supernumerary tooth, impacted mesiodens. Quando um dente definitivo não faz a sua aparição na arcada dentária no tempo devido é de suspeitar que o dente não existe – agenesia dentária –, ou está incluso, havendo para a inclusão dentária múltiplas causas. O diagnóstico de dente supranumerário e/ou incluso é feito com a realização de uma ortopantomografia, sendo este o exame a realizar para se estabelecer o diagnóstico em definitivo e se planear o respetivo tratamento. O tratamento passa pela exérese dos dentes supranumerários e aguardar a erupção do dente definitivo. Nascer e Crescer 2012; 21(2): 113-114 114 caso estomatológico oral pathology case BIBLIOGRAFIA 1. Leache EB. Odontopediatria. Barcelona. Masson 2003; 60-8. 2. Regezi J, Sciubba J, Pogrel M. Atlas of Oral and Maxillofacial Pathology. Philadelphia: Saunders, 2000: 147. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Caso radiológico João Miguel Nascimento1, Lurdes Morais1, Filipe Macedo2 Criança de 4 anos e 6 meses internada por segundo episódio de anemia grave (Hb – 5,3 g/dl) microcítica e hipocrómica, tendo o primeiro episódio ocorrido aos 4 anos. Pela análise dos histogramas foi possível concluir a existência de um eritropoiese ferripriva de instalação recente. O estudo efectuado que incluiu laparotomia exploradora por lesão suspeita do íleon terminal identificada em exame de videocápsula foi inconclusivo. Regime alimentar adequado. Sem história familiar de anemia, icterícia ou litíase vesicular. Pelo contexto de febre com 12 horas de evolução e episódio único de tosse com expectoração hemoptóica, realiza radiografia torácica no serviço de urgência realiza radiografia de tórax no serviço de urgência (indisponível). Efectuou TAC torácica para esclarecimento imagiológico (Figura 1). Figura 1 __________ 1 2 S. Pediatria, CH Porto Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto caso radiológico radiological case 115 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 Qual o seu diagnóstico? ACHADOS Observa-se um quadro de opacidades alveolares bilaterais e difusas, relativamente mal definidas, com componente de consolidação e de opacidades em vidro despolido. DIAGNÓSTICO A conjugação dos aspectos clínicos e imagiológicos é compatível com hemorragia alveolar difusa, no contexto de hemossiderose pulmonar ideopática. O lavado bronco-alveolar revelou macrófagos alveolares com hemossiderina. O estudo imunológico e os exames culturais foram negativos. DISCUSSÃO A hemossiderose pulmonar ideopática é um doença rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por hemorragia intera-alveolar difusa. Ocorre frequentemente com episódios recorrentes de queixas respiratórias, com tosse,pieira, e dispneia e anemia ferripriva. Pode apresentar-se sob a forma de hemoptises. IMAGIOLOGIA 1 – Radiografia de tórax É o primeiro exame. No caso de hemorragia aguda, observam-se opacidades parenquimatosas mal definidas, com áreas de consolidação e em vidro despolido, bilaterais e difusas, semelhantes a edema pulmonar(1). A história inicial é de recuperação após cada episódio, mas com as recorrências vai-se depositando hemossiderina nos septos pulmonares com desenvolvimento de um padrão mais crónico de tipo reticulo- 116 caso radiológico radiological case -nodular(2). 2 – TC do tórax Os achados são semelhantes aos da radiografia, embora com informação muito mais detalhada e completa, nomeadamente no que respeita ao diagnóstico diferencial. 3 – Ressonância magnética do tórax Pode ser útil devido à sua capacidade de demonstrar a presença de sangue e hemossiderina nas opacidades pulmonares. ABSTRACT We present a case of a four year-old child with a second episode of iron deficiency anaemia. Following fever, cough and hemoptysis a chest X-ray and chest CT were performed. Bilateral and patchy areas of ground glass and consolidation were noted in the setting of intrapulmonary hemorrhage. The final diagnosis was idiopathic pulmonary hemosiderosis Keywords: Intrapulmonary hemorrhage, idiopathic pulmonary hemosiderosis. Nascer e Crescer 2012; 21(1): 115-116 BIBLIOGRAFIA 1. Kirks DR. Practical Pediatric Imaging: diagnostic radiology of infants and children. 3rd Ed. Lippincott-Raven publishers, Philadelphia 1998; 771-2. 2. Baert AL, Sartor K. Emergency Pediatric Radiology. Springer-Verlag Berlin Heidelberg New York 2002; 98. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, ou endereçados a [email protected] como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modificações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conflito de interesses ou financiamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconografia, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras--chave e Keywords; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página. Destaque: Incluir três a quatro frases curtas (até 50 palavras cada) salientando os aspectos mais relevantes do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e em inglês. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográficas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. normas de publicação instructions for authors 117 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2012, vol XXI, n.º 2 INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050111 Porto, Portugal, or to [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modifications, - accepted with corrections or modifications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The first page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Keywords: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed Keywords in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). 118 normas de publicação instructions for authors Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the first three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of figures or tables must not exceed eight for original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conflicts of interest. All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the manuscript. Highlights: They should include three to four short sentences (each limited to 50 words) emphasizing the relevant message of the study. These should be written in Portuguese and English. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff. -
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