EP Thompson, L. Kolakowski e “o pensamento
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EP Thompson, L. Kolakowski e “o pensamento
E. P. Thompson, L. Kolakowski e “o pensamento como produto da atividade prática”* Alessandro Theodoro Cassoli** RESUMO O presente artigo tem por objetivo analisar parte do conflito ideológico entre o historiador inglês Edward Palmer Thompson (1924–1993) e o filósofo polonês Leszek Kolakowsk (1927– 2009) a partir da leitura de dois textos trocados entre eles: a “Carta aberta à Kolakowski”, de autoria de E. P. Thompson (EPT) e a carta reposta à EPT escrita por L. Kolakowski (LK), “Minha visão correta sobre tudo”. A análise assenta-se na principal divergência entre estes dois intelectuais: a questão epistemológica da História enquanto ciência. Tentou-se também elaborar breve contextualização histórica, com destaque para o contexto polonês, permeado com detalhes biográficos dos autores, objetivando apontar os prováveis fatores históricos e políticos que influenciam a argumentação de ambos. 1. INTRODUÇÃO O tema foi escolhido como tentativa de sintetizar as impressões pessoais surgidas ao longo da série de leituras realizadas ao longo da disciplina Política e Cultura, do Programa de PósGraduação de Sociologia Política da UFSC. Para um aluno egresso da área de Comunicação Social e de bagagem teórica incipiente nas áreas de Filosofia e Ciências Sociais, a impressão sugerida pelo encadeamento dos textos iniciais foi a extrema abstração em que se davam as discussões teóricas, impossibilitando a conexão do conteúdo das discussões com a proposta da disciplina, ou seja, as correlações entre Política e Cultura. Porém gradativamente as conexões foram se formando e a proposta da disciplina foi tornando-se mais clara, a ponto de ser possível, finalmente, estabelecer uma relação entre as teorias estudadas e a teorização política e cultural propriamente dita, com destaque às questões epistemológicas que cercam a construção do saber humano. Dentro desta perspectiva, procura-se neste trabalho – claro que de maneira bem rudimentar * Trabalho de conclusão da disciplina “Política e Cultura”, ministrada pelo Professor Dr. Ricardo Gaspar Müller durante o primeiro semestre de 2010, como parte do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC ** Aluno especial do Mestrado em Sociologia Política da UFSC 1 / 10 – correlacionar alguns dos tópicos estudados com o próprio processo de apreensão dos detalhes do tema desenvolvido, com destaque à questão histórica. A análise do contexto histórico e de alguns detalhes biográficos de cada autor nos dão certas pistas que, se não esclarecem, dão então certo sentido às criticas trocadas entre eles. Esperase com isso conseguir traçar algumas correlações sobre a influência do meio político-cultural na formação ideológica e intelectual dos dois pensadores analisados. O título deste artigo traz o fragmento de um dos poucos pontos de concordância ideológica entre os dois autores. “O pensamento como produto da atividade prática” é uma das prerrogativas retiradas por Thompson do próprio pensamento de Kolakowski (DUAYER, P. 82), para justificar a existência de uma modalidade de marxismo como tradição. Porém, pensamos ser interessante usá-lo aqui para ilustrar o método de investigação que se pretende adotar neste trabalho, cujo objetivo não é valorar as filosofias de cada um dos autores, mas sim tentar compreender o caminho que cada um deles tomou dentro do contexto histórico em que estavam inseridos e suas consequentes vivências e experiências pessoais. 2. A (IN)INTELIGIBILIDADE HISTÓRICA No exercício de tentar esboçar as divergências teóricas entre estes dois respeitados intelectuais de esquerda, cujas ideologias durante certo tempo mantiveram relativa afinidade e depois tomaram rumos distintos ao longo da vivência e do consequente amadurecimento do pensamento de cada um deles, pretende-se destacar a sensatez de um dos principais argumentos thompsonianos debatido nas Cartas: o reconhecimento do valor objetivo da história. Como a etapa de contextualização histórica e até mesmo a organização das informações biográficas aqui presentes basearam-se fundamentalmente na análise e comparação de documentos colhidos em várias fontes – algumas não muito confiáveis, como no caso das definições encontradas em enciclopédias digitais colaborativas –, certas incongruências entre os registros históricos analisados remetem às ponderações trocadas pelos dois autores sobre a validade do método histórico no processo de construção do conhecimento. Thompson defendia o valor da pesquisa histórica para o processo de compreensão da realidade, mesmo admitindo que os relatos históricos são versões singulares construídas a partir da visão – e suas intrínsecas limitações – daquele que a registra. Kolakowski, por sua vez, relegava ao plano secundário o valor da pesquisa histórica por ela não trazer o relato verdadeiro em si, ou seja, não possuir uma “inteligibilidade imanente” (DUAYER, p. 84). […] não tendo a história uma inteligibilidade imanente, o conhecimento histórico, o significado que a disciplina imagina encontrar na própria história, 2 / 10 nada mais é do que uma "atribuição de significância" que nós conferimos, por um "ato de fé", à sucessão de episódios, fatos, sociedades, culturas. O entendimento histórico, enfim, é uma nossa projeção que "dá ao passado seu significado". (ibid, p. 84) Para ilustrar de maneira mais objetiva a profundidade deste conflito, segue-se a descrição de um caso prático vivenciado durante a elaboração deste trabalho. Em todas as fontes enciclopédicas consultadas para a contextualização política e social da Polônia na primeira metade do séc. XX, praticamente não foram encontradas informações muito controversas, sendo perfeitamente possível chegar-se a uma versão consensual plausível. Porém este consenso é abalado quando certas características contextuais são confrontadas com argumentos encontrados em um artigo1 do diplomata e escritor polonês Miroslaw Zulawski (1913-1995). Em linhas gerais, Zulawski aponta para o grande jogo de interesses entre grupos financeiros e a burguesia polonesa, com consequente superexploração da massa trabalhadora daquele país até 1939, ano da invasão nazista. Este contexto teria tido papel crucial na guinada para o leste que o povo polonês adotou após 1945. Ao contrário do que as informações enciclopédicas registram, a população polonesa teria se identificado com o regime soviético mais pela perspectiva de justiça social nele embutida do que pela simples pressão do socialismo stalinista, rejeitando o restabelecimento do regime exploratório praticado pela antiga aristocracia polonesa. Zulawski confronta dados do período anterior a 1939 e posterior a 1945, destacando os avanços trazidos pelo socialismo na questão da ocupação da terra – fruto da imediata reforma agrária que o regime promoveu –, o aumento da participação da população comum em áreas até então de domínio exclusivo das classes mais privilegiadas, como a educação e o oficialato. A multiplicidade de relatos históricos ao mesmo tempo que coloca em dúvida certas questões até então consensuais, amplia sobremaneira as possibilidades de contextualização social e política do ambiente em que se deu o evento estudado. Entra em cena a questão crucial do método epistemológico defendido por Thompson e, ao mesmo tempo, contestado por Kolakowski: o dissenso como elemento fundamental para construção da narrativa histórica. Como Duayer destaca, Pessoalmente, me sentirei gratificado se despertar o interesse de alguns para a crítica que, em sua Carta, Thompson elabora à idéia de Kolakowski de que a história não pode ser entendida e que, por isso, todo entendimento da história não passa da atribuição de valor (arbitrária) por parte do observadorpesquisador. (ibid, p. 76) Esta questão da subjetividade que permeia o processo de apreensão e registro da realidade assume maior significância em análises de situações mais imediatas, onde a complexidade das forças e atores envolvidos não é de todo compreensível. Na “Carta aberta...” Thompson argumenta 1 Disponível em http://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/01/polonia.htm 3 / 10 que a demora demonstrada pelos intelectuais – especialmente os ocidentais – em enxergar os excessos e abusos praticados à época do stalinismo soviético, deveu-se sobretudo à dificuldade em se realizar pesquisas históricas consistentes sobre eventos acontecidos dentro de intervalos inferiores a 50 anos. Diante deste argumento, Kolakowski sente-se à vontade para reafirmar seu ceticismo sobre a validade das pesquisas históricas. Porém, a advertência de EPT sobre a necessidade de uma certa distância temporal para a melhor apuração da realidade deve ser avaliada com maior atenção. Como as narrativas históricas obviamente enquadram-se na categoria discursiva de registro e transmissão de informação, pode-se recorrer às modernas metodologias de análise de discurso, visando a possibilidade de se trabalhar a informação histórica considerando os fatores subjetivos influentes no próprio momento de seu registro, contemplando a possibilidade de distorção da realidade narrada. A comparação de diferentes versões de registros históricos sobre determinado tema torna-se exercício interessante quando contrastada com o estudo do contexto social no qual o historiador – enunciador do discurso histórico – estava inserido. A forma narrativa, os aspectos destacados e a relevância dada a cada tema que compõe o relato histórico é determinada diretamente pela formação ideológica, política e cultural deste enunciador. O sujeito da enunciação faz uma série de ‘escolhas’, de pessoa, de tempo, de espaço, de figuras, e ‘conta’ ou passa a narrativa, transformando-a em discurso. O discurso nada mais é, portanto, que a narrativa ‘enriquecida’ por todas essas opções do sujeito da enunciação, que marcam os diferentes modos pelos quais a enunciação se relaciona com o discurso que enuncia (BARROS, 2001, p. 53) Nota-se então que quando as pesquisas historiográficas baseiam-se exclusivamente na comparação do registros daqueles que foram contemporâneos ao evento estudado, importantes contradições podem ser identificadas, ampliando as possibilidades de explicação daquela realidade. Enquanto alguns argumentos podem ser facilmente contestados, graças ao conhecimento mais consistente derivado de outros estudos, certos aspectos históricos começam a demandar melhor apuração, buscando-se o confrontamento com outros relatos na tentativa de traçar uma versão mais verossímil daquela realidade. Dentro da análise puramente discursiva, Barros destaca que Para negar a verdade de um discurso, fortemente elaborada na relação contratual entre enunciador [aquele que produz o discurso] e enunciatário [aquele que o recebe], duas possibilidades se oferecem. A primeira delas ocorre com os discursos mal construídos, que, portanto, não serão ditos verdadeiros pelo enunciatário que os interpreta. A outra possibilidade apresenta-se quando um texto é inserido no contexto de outros textos e, a partir do confronto, pode-se então recusá-lo, ou seja, dizê-lo mentiroso e falso (ibid, 2001, p. 64). 4 / 10 3. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA Dentro da perspectiva dialética surgida a partir das análises epistemológicas até aqui apresentadas, a pesquisa histórica e biográfica aqui se segue originou-se do cruzamento de informações obtidas através da leitura de artigos e definições de enciclopédias digitais, além de perfis biográficos registrados em obituários das edições online dos jornais ingleses Guardian, The Times, The Independent, cujos endereços eletrônicos encontram-se devidamente listados na bibliografia. Nos deteremos na contextualização polonesa devido a conturbada condição políticosocial daquele país no período estudado. 3.1 A Polônia de Kolakowski2 À época do nascimento de LK, a Polônia começava a reorganizar-se politicamente. Desde a queda do último rei polonês, Stanislaw August Poniatowski, em 1795, o país foi dividido e dominado pela Prússia, Rússia e Áustria, gerando uma série de conflitos ao longo de 123 anos. A Primeira Guerra Mundial foi um episódio chave para a recuperação da independência polonesa, devido a derrota da Alemanha, o enfraquecimento da Áustria e o caos instaurado na Rússia por conta da revolução de 1919. Depois de um conflituoso período de lutas contra Alemanha e União Soviética em busca de recuperar parte dos territórios perdidos na Primeira Guerra, o país recuperou a independência em 1918. Em 1921 o parlamento votou a Constituição e em 1922 elegeu seu primeiro presidente, Gabriel Narutowicz, assassinado 6 dias após sua posse. Kolakowski nasceu e viveu grande parte de sua juventude em Radom, cidade situada a 100 km ao sul de Varsóvia, região que havia sido intensamente disputada e ocupada pela Áustria e Prússia. Entre 1920 e 1939 a cidade fez parte de um grande projeto nacional de industrialização visando estabelecer um forte polo industrial no interior do país, longe das fronteiras, de maneira a dificultar uma possível investida dos países vizinhos. Radom passou a abrigar importantes indústrias químicas, centrais elétricas, fábricas de armas e munições, indústria calçadista, de vidro e de equipamentos de comunicação, contando com cerca de 85 mil habitantes em 1938, sendo que um terço da população era formada por judeus. Em 1939 a Polônia foi invadida pela Alemanha de Hitler, e Radom ocupada pelas tropas Nazistas. Logo após a ocupação, os judeus de Radom foram forçados a trabalhar para os nazistas, principalmente nas indústrias bélicas já existentes naquela cidade. A população judia polonesa passou a ser controla pelos Judenrat (“Conselho judeu”,em alemão), sendo que Radom ocupava uma posição estratégica no trânsito de prisioneiros judeus para os campos de concentração. Em 2 As questões levantadas pelo artigo de Miroslaw Zulawski não serão inseridas na presente contextualização polonesa, justamente por colocar em xeque vários aspectos sociais, econômicos e políticos registrados na maioria das fontes históricas consultadas. 5 / 10 1941 a população judia de Radom – cerca de 30 mil pessoas – foi confinada em dois guetos, sob controle de um corpo policial dedicado, a Jüdische Ghetto-Polizei. Ao final da Guerra, em 1945, restavam apenas algumas centenas de judeus em Radom. A maioria perecera por conta do regime pesado de trabalho, agravado pelo racionamento de comida a que foram submetidos. Quando suas capacidades individuais de trabalho se esgotavam, eram então transferidos para campos de concentração e extermínio. Filho de um próspero editor polonês, o jovem Leszek Kolakowski teve seus estudos interrompidos com a invasão nazista. Sua família refugiou-se em uma residência rural no interior do país, de onde só sairiam no final da Guerra. Foi na biblioteca desta casa de campo que LK prosseguiu seus estudos, com orientação particular. Em 1945 Kolakowski passa no exame para o curso de Filosofia, na Universidade de Lodz – cidade a 130 km à Oeste de Radom. Em 1950 entra na Universidade de Varsóvia, onde conclui seu doutorado e tornar-se professor em 1953. Foi também em 1945 que LK, então com 18 anos, filiou-se ao Partido Comunista, atraído pelos ideais marxistas e pelo prestígio que o exército soviético ganhara com a aniquilação das tropas nazistas na Polônia. Acabada a II Gerra, tem início a República Popular da Polônia, governado pelo Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia (Polska Zjednoczona Partia Robotnicza - PZPR), fruto da fusão do Partido Comunista da Polônia (Komunistyczna Partia Polski) e do Partido Socialista Polonês (Polska Partia Socjalistyczna). Neste mesmo ano, Kolakowski ganhou reputação de marxista irônico, destoando da imagem severa e sóbria de que gozavam os marxistas do leste europeu. Criticava abertamente os aspectos autoritários da ideologia socialista stalinista, defendendo a criação de um novo modelo de socialismo, que viria chamar de “humanismo marxista”, defendendo os ideais de justiça social tradicionais do marxismo, associados a valores como liberdade pessoal e espiritualidade, que estariam excluídos da maioria das correntes marxistas até então. Suas ideias o colocaram em uma situação delicada dentro do regime polonês, principalmente depois de exercer certo protagonismo no movimento de protesto que ficaria conhecido como Outubro Polonês, ocorrido em 1956 reivindicando um modelo mais independente de comunismo na Polônia. Os protestos foram desencadeados pelas denúncias do líder soviético Nikita Kruchev, em fevereiro do mesmo ano, revelando o genocídio de caráter políticoideológico cometido durante o governo Stalin, que teve como consequência a execução de mais de um milhão de pessoas sob a acusação de participarem de “atividades anti-soviéticas”. A situação de LK se agravou ainda mais quando escreveu, ainda em 1956, uma pequena crítica ao stalinismo intitulada “O que é Socialismo?”. A publicação aconteceu clandestinamente, burlando a proibição das autoridades e logrando ampla circulação entre os estudantes. A importância do texto foi tanta que, em fevereiro de 1959, uma versão em Inglês seria publicada na 6 / 10 revista estadunidense The New Leader. A princípio, as greves e manifestações de 1956 foram duramente reprimidas, qualificadas pelo Partido como ato de “provocadores, contra-revolucionários e imperialistas”. Porém, com a ampliação das dimensões do movimento, o governo foi obrigado a reconhecer a legitimidade das reivindicações, aceitando rever as políticas adotadas e concedendo um reajuste salarial imediato de 50%. Tais medidas arrefeceram os ânimos da classe operária polonesa, fortalecendo a imagem do Primeiro Secretário do PZPR, Wladyslaw Gomulka, dando destaque ao projeto de socialismo polonês. Porém a pressão soviética continuou imprimindo seu modelo tradicional de administração, impedindo as revisões prometidas ao povo polonês. Kolakowski tomou lugar de destaque entre os intelectuais críticos ao sistema, adotando uma postura crítica ao próprio determinismo histórico marxista. Chegou a definir a história humana como “um processo de acumulação de milagres inesperados”, voltando sua atenção para questões éticas, da natureza e espiritualidade humanas. Seu discurso por ocasião das comemorações do 10º aniversário do Outubro Polonês, em 1966, teve como consequência sua expulsão do Partido Comunista. Em 1968 perdeu sua cadeira de professor de Filosofia na Universidade de Varsóvia, sendo forçado a exilar-se. Foi prontamente convidado a atuar como professor visitante na Universidade McGill, depois na Universidade da California e Yale. Em 1970 tornou-se pesquisador sênior no All Soul's College, Universidade de Oxford. Permaneceu como persona non grata na Polônia até 1989. Mesmo banido da Polônia, LK continuou influenciando o pensamento crítico daquele país, pois alguns de seus artigos, ensaios e livros lá chegavam clandestinamente, incluindo uma de suas obras mais importantes, “Principais correntes do marxismo”, publicada em três volumes no ano de 1976. 3.2 E. P. Thompson E. P. Thompson nasceu em 1924 na cidade de Oxford, filho de missionários metodistas que haviam trabalhado em missões na Índia. Em 1942, aos 18 anos, filiou-se ao Partido Comunista inglês. Um ano mais tarde, no auge da II Guerra, serviu como soldado em um regimento de tanques na campanha da Itália. Terminada a guerra, volta para a Inglaterra e termina sua graduação em História em Cambridge. Formado, começa a atuar como professor leiturista na Universidade de Leeds. Até 1956 EPT adotara uma postura solidária ao regime stalinista. Com as declarações de Kruchev e a posterior repressão soviética na Hungria, afasta-se do Partido Comunista em 1957, embora continue acreditando nos ideais socialistas. Passa a militar ativamente pelas causas 7 / 10 pacifistas, funda as revistas The New Reasoner e New Left Review, tornando-se proeminente representante da nova esquerda inglesa, em busca da fundamentação de um modelo de 'socialismo humanista', em oposição aos modelos racionalistas e anti-humanistas de interpretação do Marxismo. Entre os anos 60 e 80, Thompson torna-se voz importante contra a expansão do arsenal nuclear mundial. Elaborou o conceito de 'exterminismo' para explicar a expansão bélica registrada naquele período, auge da guerra fria. 4. O EMBATE TRAVADO NAS CARTAS Os principais pontos de choque entre as ideias de EPT e LK que compõem a presente análise foram extraídos dos trabalhos de Müller (2007) e Duayer (2004). Primeiramente é importante traçar, em linhas gerais, a postura filosófica de EPT e LK, principalmente a visão extremamente crítica de EPT ao estruturalismo althusseriano. A postura antiestruturalista de EPT fica bem definida em sua obra “The Poverty of Theory”, onde Thompson denuncia as análises estruturalistas que, a seu ver, constituem uma agressão política e teórica ao marxismo – sobretudo por sua concepção de um real epistemologicamente nulo e inerte e sua negação da inteligibilidade da história e dos conceitos de classe e de ideologia como categorias históricas. Contrariamente, Thompson retoma sua defesa da razão, da centralidade da história e do agir humano. (MÜLLER, 2007, p. 99-100) Em sua carta, “Thompson articula argumentos contra as ideias pós-estruturalistas, posmodernas e neopragmáticas, ideias que, como sabemos, teriam ainda que esperar alguns anos para ganhar circulação social generalizada” (DUAYER, p. 76). Como destacado anteriormente, a principal crítica de Thompson ao pensamento de Kolakowski refere-se ao valor subjetivo que este último dá ao entendimento histórico (Ibid, p. 83). Rebatendo as críticas recebidas por meio da Carta Aberta de E. P. Thompson (EPT), Kolakowski (LK) entende que uma resposta à Carta é extremamente necessária, uma vez que Raymond Willians, figura muito respeitada do pensamento marxista inglês na época, chegou a manifestar que a Carta Aberta teria sido um dos melhores escritos esquerdistas da década. LK então escreve “Minha visão correta sobre tudo...” onde pretende esclarecer os principais pontos questionados por APT. As obras de Müller e Duayer aqui referenciadas trazem consistente análise dos conceitos filosóficos e epistemológicos apresentados no embate travado entre os dois intelectuais europeus, de onde retiramos para este trabalho apenas alguns pontos esclarecedores sobre a visão de cada um deles sobre a questão da História enquanto ciência. 8 / 10 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O exercício de tentar sintetizar o contexto histórico, político e social polonês baseando-se no cruzamento de informações colhidas em fontes que não gozam de muita credibilidade, como o caso das enciclopédias eletrônicas colaborativas, torna-se interessante quando se considera as questões epistemológicas presente principalmente no pensamento de Thompson. A questão do dissenso surgido diante do confrontamento das informações enciclopédicas com os argumentos do artigo de Miroslaw Zulawski, citada anteriormente, apesar de consistir trabalho interessante, encontra-se aqui superficialmente representada. O retrato traçado da aristocracia polonesa anterior à II Guerra dá indícios mais profundos e, quem sabe, esclarecedores para um melhor entendimento dos desdobramentos políticos e culturais da história contemporânea daquele país. Inserimos este detalhe aqui somente para trazer um exemplo prático das questões epistemológicas levantadas principalmente por E. P. Thompson. Embora possa ser notada a fragilidade das 'verdades' sedimentadas nos relatos históricos, esta fragilidade não é nada que sirva para justificar uma diminuição da importância do método historicista de entendimento da realidade. Ao contrário, revela-se a possibilidade interpretativa aberta justamente pelo dissenso, pela pluralidade de versões sobre a mesma realidade, enxergada, vivenciada e registrada de maneira singular por cada sujeito-observador, enunciador de seu próprio discurso histórico. BIBLIOGRAFIA BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001. DUAYER, Mário. Desencanto Revolucionário, Ininteligibilidade da História e Apostasia de esquerda: E. P. Thompson sobre L. Kolakowski. Revista Esboços, vol. 11, nº 12, p. 7595. Florianópolis, 2004 KOLAKOWSKI, Leszek. “Minha visão correta sobre tudo”. Socialist Register, Vol 11 – 1974 MÜLLER, Ricardo Gaspar. Revisitando E. P. Thompson e a “Miséria da teoria”. Revista Diálogos, vol 11, n.1/n. 2, p. 97-136. Maringá, 2007 THOMPSON, E.P. Carta Aberta a Leszek Kolakowski. Edição mimeo OUTRAS REFERÊNCIAS CONSULTADAS http://www.answers.com/topic/leszek-kolakowski (Columbia Encyclopedia. Biography) 9 / 10 http://www.britannia.com/history/nar20hist5.html http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/wwtwo/invasion_poland_01.shtml http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/obituaries/article6722105.ece http://www.guardian.co.uk/world/2009/jul/22/philosophy-1968-the-year-of-revolt http://www.independent.co.uk/news/people/obituary-e-p-thompson-1464255.html http://www.radicalphilosophy.com/default.asp?channel_id=2191&editorial_id=9849 http://www.kasprzyk.demon.co.uk/www/history/RestoredRepublic.html http://www.kasprzyk.demon.co.uk/www/history/WW2Bios.html http://www.kasprzyk.demon.co.uk/www/history/PostWarBios.html http://www.newworldencyclopedia.org/entry/E._P._Thompson http://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/01/polonia.htm http://www.marxists.org/archive/thompson-ep/index.htm http://www.marxists.org/archive/hallas/works/1993/10/thompson.htm http://www.opendemocracy.net/article/leszek-kolakowski-1927-2009-a-life-of-courage http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_Poland http://en.wikipedia.org/wiki/Judenrat http://en.wikipedia.org/wiki/Polish_Workers'_Party http://en.wikipedia.org/wiki/Radom http://en.wikipedia.org/wiki/Radom_Ghetto http://en.wikipedia.org/wiki/Central_Industrial_Area http://en.wikipedia.org/wiki/Władysław_Gomułka 10 / 10