Trilhando o caminho da arte e da vida
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Trilhando o caminho da arte e da vida
Trilhando o caminho da arte e da vida Em Medellín, jovens colombianos da Corporação Cultural Nuestra Gente mostram a força transformadora das linguagens artísticas Por Cristiane Gomes Entrevista publicada originalmente na Revista Semear Asas – instituto Pombas Urbanas – dezembro 2008 Responda rápido: quando se fala em Colômbia, o que vem à sua mente? Guerrilhas, violência, Juan Carlos Abadia (o traficante preso recentemente no Brasil)? E se o assunto for a cidade de Medellín, o que se pensa? Talvez em Pablo Escobar e o grande cartel de drogas gerenciado por ele no começo da década de 80. Mas o país e a cidade de Medellín são muito mais do que violência e dor. São também alegria, esperança, amizade, fraternidade, arte. Teatro comunitário como uma possibilidade de mudança para muitos jovens paisa (como são chamados os que nascem em Medellín). A prova concreta é o trabalho desenvolvido há 21 anos pela Corporação Cultural Nuestra Gente. No começo da década de 80, o tráfico e a produção de drogas alçançou níveis sem precedentes na história colombiana. O impacto desta nova conjuntura caiu de forma intensa na vida da juventude do país. Tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas, jovens começaram a ser aliciados para o trabalho no tráfico. Em Medellín, a figura do traficante Pablo Escobar se fortalecia a tal ponto que ele dominava praticamente toda cidade, tendo nos morros (bairros periféricos) seu principal reduto. Com isso, a população do bairro de Santa Cruz se enclausurou, vendo seus jovens serem, a cada dia, assassinados. Para se ter uma idéia, nos últimos 20 anos o número de jovens do país sofreu uma queda de 40%. Mas foi neste árido e violento cenário, que uma semente germinou. Em 1987 um grupo de moradores do bairro, inconformados com aquela situação, começou a fazer teatro pelas ruas. Uma tentativa de levar novas possibilidade de vida à uma população amedrontada e paralisada pela violência. O diretor e fundador do Nuestra Gente, Jorge Blandón, conta que no começo do trabalho, os narcotraficantes não entendiam o porquê de todos aqueles jovens se meterem com arte. Muitos daqueles jovens armados, eram seus amigos de infância. No entanto, apesar da incompreensão, respeitavam aqueles meninos e meninas vestidos de palhaços que faziam teatro pelas ruas. Depois do assassinato de Pablo Escobar, em 1993, Medellín enfrentou uma nova onda de violência. Porém, o Nuestra Gente seguiu com suas idéias de fazer da arte uma ferramenta para o trabalho comunitário e humano. O grupo lutava para conquistar um espaço, onde pudesse seguir com suas ações. Foi quando surgiu a iluminada Casa Amarela, que já é possível de ser avistada logo na saída da estação Tricentenário do metrô, na entrada do bairro. Nos anos 50, a casa era um dos tantos outros bordéis que existiam na região. Hoje, além das salas de aula, o espaço conta com uma biblioteca e um teatro, onde várias das obras dos 11 grupos do Nuestra Gente podem mostrar para a população paisa a força da arte. A Casa Amarela oferece também aos jovens e crianças do bairro de Santa Cruz, aulas de dança, música, teatro e confecção de bonecos, se convertendo em um espaço de convivência (e vivência) para toda a população do bairro. “Nós abrimos as portas da Casa Amarela e as pessoas começaram a nos buscar porque estávamos sempre abertos. Aqui passam idéias e propostas de vida. Outras coisas ficam lá fora. A casa começa a ser lugar de encontro e de reuniões para discutir as problemáticas do bairro. Muitos dos jovens armados vinham pedir nossa ajuda para o diálogo. A casa se converte em um centro de desenvolvimento cultural de pensamento, onde se discute idéias e buscam soluções. É preciso que os jovens tenham uma alternativa de vida. E o teatro pode ser uma delas, porque é uma ação coletiva que transforma”, afirma o diretor Jorge Blandón. E essa ação coletiva transformadora faz com a juventude aja como multiplicadora do conhecimento. Ao criarem um forte vínculo com a comunidade, nela permanecem, criam identidade, vínculos. Reconhecendo sua origem, se reafirmam enquanto pessoas, se tornando protagonistas de suas vidas. ? o caso de Mônica Rojas Torres, de 21 anos. Ainda criança, Mônica começou a integrar um dos projetos de teatro do Nuestra Gente. Hoje, ela coordena o grupo Espantapajaros e estuda teatro na Universidade de Antioquia (leia texto no box). O trabalho em Nuestra Gente vai além do teatro. Os jovens se inserem em uma proposta ampla que engloba várias áreas do trabalho em comunidade. Alba Irene Gil, uma das coordenadoras gerais do Nuestra Gente conta que há uma equipe de planejamento que possibilita o diálogo com outras comunidades. O objetivo é interferir na criação de políticas públicas através do orçamento participativo e também criar valores de tolerância e respeito à diferença. Isto faz parte do projeto Forma 2 em el Arte, que envolve diversos bairros da chamada zona nororiental de Medellín. Ganha a comunidade, ganha a arte, ganha a vida. Intertítulo: Um agente catalisador A Colômbia é país com uma forte tradição teatral. Muita gente pode não saber, mas foi em terras colombianas que teve início o movimento do Nuevo Teatro Latinoamericano, no começo dos anos de 1960, quando artistas e diretores como Enrique Buenaventura, do Teatro Experimental de Cali (TEC), Santiago Garcia, do La Candelária, entre outros, começaram a tratar de temas diretamente ligados à vida e cultura da América Latina. Além disso, a Colômbia promove diversos encontros e festivais teatrais, como o Festival Internacional de Manizales, um dos mais tradicionais de todo o mundo. O Nuestra Gente atua também como um importante agente de articulação do teatro comunitário em toda Colômbia. Há 13 anos, a Corporação Cultural organiza um Encontro Nacional de Teatro Comunitário que reúne dezenas de grupos de todo o país e que acontece por toda a cidade de Medellín. Em 2006, a atividade chegou a reunir cerca de 10 mil pessoas que compartilharam experiências de como a arte pode transformar medo, violência e intolerância, em alegria, paz e respeito ao outro... “Em Colômbia, mais precisamente em Medellín, há duas doenças: o medo e a inércia. O teatro é sim, uma forma de sair disso, mas com formação política que possa romper com a brutal realidade do país e com o ataque sistemático à nossa identidade e a cultura. Não podemos esquecer os assassinados, os desplazados (camponeses expulsos de suas terras). Há que se conservar a memória e o teatro está a nosso favor para isso. Por isso, nem perdão, nem esquecimento”, afirma emocionada Alba Irene Gil, uma das diretoras do Nuestra Gente que esteve em São Paulo, participando do I Encontro Jovem de Teatro Comunitário. Magia embaixo da Ponte Mônica Rojas Torres Em 1996, quando a vida caminhava escondida ouvindo os pássaros da morte, ali próximo à estas ruas, exatamente embaixo da ponte, antigo lixão, a vida decidiu florescer e um grupo de jovens, incentivados pela Corporação Cultural Nuestra Gente e seu projeto Sistema de Assessoria e Capacitação à Grupos Juvenis de Teatro, decidiu combater a morte fazendo do teatro ao ar livre um caminho para desenvolver atos de vida e iniciativas criadoras. E assim, como em meio ao barulho das ruas do bairro, das barricadas e enfrentamentos nasce o grupo A Ponte, que em 1999 decide mudar seu nome para Espantapajaros. Nossa idéia fixa era a necessidade de ter a participação de todas e todos neste trabalho para espantar a morte e poder semear um amanhã melhor. Nasci e cresci com entusiasmo no grupo Espantapajaros. Acredito no compromisso social, na solidariedade e na alegria, desse grupo que me brindou com amor e aprendizado e onde aprendi tanto com meus diretores: Hedras Urrego, Raul Cavalos, Freddy Bedoya; e também nos momentos que compartilhei com meus irmãos Johana, Sandra, Camilo, Erika. ? de lá que venho, estas são minhas raízes, fortes e sólidas que me alimentam de maneira infinita. O que começou como um hobbie, como um encontro semanal hoje é meu projeto de vida. Hoje, mais do que ontem, acredito na arte como uma ferramenta que forma artistas para a vida. E nesta tarefa de semear e compartilhar o que aprendi, participo do projeto de criação teatral com as crianças do bairro de Vila Guadalupe a quem se deu o nome de Espantapajaritos. Montamos a obra El arbol de los sombreros, para que o caminho da arte continue sendo trilhado e que as ruas ganhem novas cores. Na academia faço do teatro minha profissão, meu estilo de vida. Isso me leva a refletir que se deve ser ativo em sua arte para poder transmiti-la, mas também apaixonada pelo que se faz. Estar na Corporação Cultural Nuestra Gente como docente e como atriz é para mim um estado de plenitude. Os meios de comunicação alienam e massificam nossos jovens. A arte reconhece a diferença e potencializa a solução das dificuldades. A arte melhora a visão de todos aqueles cujo horizonte se pinta com a mesma cor, geração após geração. A arte é um horizonte diferente onde cada um escolhe as cores e as linhas que quer pintar a sua paisagem, porque a arte liberta.