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1 URBANISMO DE EXCEÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA NORMA MEDELLÍN- COLÔMBIA, SÃO PAULO-BRASIL Maria Lucia Refinetti Martins Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, Brasil Professora Titular [email protected] Rua do Lago, 876, 05508-080 - São Paulo – SP, BR +55 11 99930 8099 Análida Rincón Patiño. Escuela de Planeación Urbano-Regional. Facultad de Arquitectura. Universidad Nacional de Colombia sede Medellín. Profesora Asociada [email protected] Calle 59ª No. 63-20 Medellín. UNC, núcleo El Volador – Medellín, CO +57 44309425; + 57 3113404919 Palavras chave: Agenda Urbana, Normas Urbanas, Transformações sócio-territoriais, Negociação territorial O século XX conviveu com princípios e normas Urbanísticas associados ao modernismo, à racionalidade e a um conceito subjacente de “Interesse Público” e de “Bem Estar Coletivo”. Ao lado de projetos e obras de iniciativa do Poder Público, estava presente no ordenamento a construção das cidades, um quadro de “comando e controle”, apoiado em leis de Uso e Ocupação do Solo e Código de Edificações. Nas décadas finais e com alguma defasagem, a América Latina foi sacudida por um avanço da globalização, associada a um modelo econômico de ajustes neo-liberais, que marcaram a virada do século. No entanto, logo a seguir, os primeiros anos do novo século trazem na maior parte da América Latina a chegada de governos nacionais que, de modo mais ou menos intenso conforme o país, passam a questionar o modelo estritamente neo-liberal e se assumem como portadores de um olhar mais desenvolvimentista e menos dependente. A essa nova política se somam alterações na economia mundial, evidenciadas a partir da crise americana dos subprime e de um extenso mal estar e crise social –habitacional que ali se expressou fundamentalmente nas maiores cidades. Governos sul-americanos se lançam a posições que, se de um lado dialogam com o grande capital, de outro investem em ganhos sociais e ampliação do mercado consumidor e melhoria de algumas condições sociais para estratos mais amplos da pirâmide social. É esse quadro que vai se manifestar nas cidades hoje, sob a forma de áreas com desenvolvimento muito diferenciado no conjunto do território urbano. Vale à pena observar tanto os impactos territoriais de políticas nacionais, econômicas e sociais (que têm uma dimensão territorial regional) quanto o que se passa no espaço intra-urbano, em que novos 2 instrumentos urbanísticos, negociais, são aprovados. Ao mesmo tempo, a queda dos juros básicos no conjunto da economia carreiam para o espaço urbano e para o setor imobiliário importantes capitais que buscam reproduzir-se de forma ampliada nas cidades. O que se observa é uma melhoria das condições de renda e consumo das classes de menor renda, ao lado de maior radicalização nas desigualdades de qualidade e padrão urbano em diferentes zonas da cidade. As alterações na normativa urbanística e a interseção entre políticas nacionais e locais são dos temas mais relevantes a serem compreendidos, assim como a expressão econômicofinanceira que o solo urbano (ou as localizações urbanas) vem adquirindo. 1. Objetivos Este trabalho, partindo de uma caracterização, contextualização e interpretação das principais transformações urbanas vividas ao longo do século XXI em nossas cidades: Medellín e São Paulo, inicia uma discussão sobre as mudanças recentes nas formas, instrumentos e procedimentos do Planejamento Urbano bem como seu produto e impactos na cidade. Procura evidenciar os termos dessa nova agenda urbana que advém de nova normativa urbana surgida na virada do século. É uma normativa que abre espaço à negociação e que resulta por implementar-se por um modelo baseado na exceção, seja no campo das ações do capital ou de respostas ao setor popular, no qual o primeiro amplificou significativamente seu universo de vantagens e o segundo teve raros ganhos via instrumentos que deveriam favorecê-lo e perdas significativas nas áreas onde operações urbanas e planes locales foram aplicados. Muitas das transformações urbanas vividas nas últimas décadas estão associadas a transformações de procedimentos e normas adotadas pelo Estado em nível local, das territorialidades do poder político e econômico e das formas de intervenção. O impacto provocado por esses processos requer leituras e interpretações das expressões territoriais próprias de cada cidade como também o reconhecimento de aspectos gerais e comuns que merecem considerações mais específicas de cada uma e comparadas. Essas são as motivações que levam a apresentar uma reflexão a partir dos casos de Medellín - Colômbia e de São - Brasil. Colômbia e Brasil foram, desde o final do século XX e início do XXI, referências latinoamericanas em termos de uma legislação urbana inovadora e concebida na perspectiva progressista, que pautaram, por meio da Ley 388 (de 1997) e do Estatuto da Cidade (de 2001), o reconhecimento normativo da função social da cidade e da propriedade e a recuperação para a coletividade de rendas urbanas socialmente produzidas. Enquanto a lei brasileira arrola uma série de instrumentos legais a serem usados na esfera local (municípios), a lei colombiana parece mais orientada à intervenção, enfatizando a importância do poder político do estado no nível local para racionalizar a intervenção sobre o território e orientar seu desenvolvimento e aproveitamento sustentável. A lei provê as autoridades locais de ferramentas para dirigir e orientar o par: planejamento-gestão. No Brasil, o Estatuto da Cidade articula pela primeira vez na história do país as regulações referentes ao uso e ocupação do solo e à propriedade, temas que até então eram tratados separadamente, em legislações próprias e sem conexão uma com outra. Faltando ainda aprofundar a investigação, o que se pode considerar é que o formato das duas leis, apesar de guardarem muitas semelhanças, expressa muitas diferenças, algumas delas decorrentes de suas origens: enquanto a lei colombiana advém basicamente do meio técnico-académico, com uma “caixa de ferramentas” composta por instrumentos bastante amplos, coerentes entre si, de planejamento, gestão, jurídicos e financeiros para intervir no território urbano-rural, a brasileira é uma costura de demandas de diversos setores sociais 3 do meio urbano e por isso inclui uma gama de instrumentos, que buscam responder às diferentes forças sociais articuladas em torno do “Movimento Nacional pela Reforma Urbana”, que lhe deram origem. Contem tanto instrumentos de recuperação para o poder público de ganhos da valorização urbana (portanto, associando, de algum modo, o estado ao mercado – como na Lei colombiana), quanto outros, que procuram “proteger” determinadas áreas em relação ao mercado – como é o caso das ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). No entanto, e a pesar dos propósitos sociais e dos princípios que nortearam essas normativas, hoje a transformação urbana está orientada e determinada por normas de exceção, de negociação cotidiana e estratégica, que têm sido mais funcionais ao capital do que ao setor social. Vainer (2011) refere-se à “Cidade de Exceção” como uma nova forma de regime urbano em que os aparatos institucionais formais progressivamente abdicam de parcelas de suas atribuições e poderes (como no contexto de grandes eventos ou grandes intervenções para as quais se criaram regimes especiais ou dos diferentes modelos de parcerias públicoprivadas) para agências específicas, paralelas às formas institucionais regulares, às quais transferem parte das funções públicas do estado. Não é dessa esfera que se tratará aqui, mas dos procedimentos correntes, dentro do estado e por ele operados de forma direta. Trata-se de regras que contemplam o tratamento de exceção que favorecem o setor formal da produção imobiliária assim como os que visam qualificar e produzir melhorias num amplo quadro de informalidade. Nesses termos, o texto desenvolve a abordagem por meio de dois eixos analíticos: 1. As exceções para o capital: normas urbanísticas e as novas territorialidades do poder político e econômico e 2. As exceções de caráter social: Zonas Especiais de Interesse Social e Regularização Fundiária (no caso brasileiro) e os Projetos Urbanos Integrais (no caso colombiano). Essa aproximação se desenvolve partindo de alguns instrumentos que consideramos terem papel estratégico em termos de aplicação das duas normas (Estatuto da Cidade e Ley 388): as Operações Urbanas para o caso de São Paulo e os Planes Parciales para o caso de Medellín. Para o segundo eixo referenciamos para o caso de São Paulo as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) e os planos de Regularização Fundiária e, para o caso de Medellín, os PUIs (Proyectos Urbanos Integrales) que se desenvolvem na periferia da cidade. 2. As exceções para o capital: normas urbanísticas e as novas territorialidades do poder político e econômico A Ley de Desarrollo Territorial (Ley 388 de 1997 – Colômbia) e o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 2001 – Brasil) permitem novas práticas territoriais que possibilitam ao Estado local, reeditar, transformar ou reconstruir novos sentidos territoriais (tratamentos urbanos, projetos integrais, operações urbanas, outorga onerosa de direito de construir). Por meio desses instrumentos de planejamento e gestão se capturam novos territórios via poder político e económico, instalando-se nova hierarquia territorial. São espaços revalorizados como lugares metropolitanos e internacionais. Formam-se novas fronteiras regionais dentro da cidade e se criam novas periferias. Poderíamos dizer que o Estado, na Colômbia, mediante as disposições contidas no Plan de Ordenamiento Territorial (conforme Ley 388 de 1997), define e agencia as condições para futuras intervenções urbanas e, no caso dos planes parciales, os agentes privados (promotores, incorporadores, proprietários, etc.) contando com tais condições, formulam e executam o plan parcial, basicamente centrados num uso eficiente e rentável do solo urbano. As experiências dos planes parciales, como um dos instrumentos mais potentes da Ley 388, em Medellín evidenciam uma disputa pela apropriação de rendas urbanas por 4 parte do capital organizado e seus agentes (empresas imobiliárias e de construção), visível na paulatina incorporação de novos usos. O Plano Parcial é precisamente o instrumento que concretiza a articulação entre o planejamento e a gestão do solo. Os Planos Parciais são normas de competência técnica que institucionalizam e administram conflitos gerados entre os agentes envolvidos no desenvolvimento urbano da área objeto de intervenção, permitindo ao estado local o controle e gestão dos mesmos, ao estabelecer as regras do jogo para uma participação eficaz dos agentes privados e uma otimização dos resultados. Os Planos Parciais se constituem em estratégia de “cooperação” entre o poder político do estado local e o poder econômico exercido por agentes privados e se traduzem em arranjos territoriais para a revalorização de solos em lugares estratégicos e sua transformação espacial a novas territorialidades urbanas. De acordo com as condições originais dos perímetros se atribuem os tratamentos urbanísticos e se orientam as ações a empreender. Nos perímetros com tratamentos urbanísticos de desenvolvimento, geralmente o objetivo é reutilizar terras com localização estratégica e altas possibilidades de aproveitamento urbanístico, que fazem a operação atrativa ao mercado imobiliário formal e ao capital financeiro, pela rentabilidade que pode obter. Sendo um instrumento que concentra espacialmente ações públicas e privadas num em determinados perímetros específicos, implementa nesses locais mudanças físicas e sociais, criando ilhas de exceção dentro do tecido urbano regular. O correspondente aos Planos Parciais, em São Paulo, são as Operações Urbanas, definidas no Estatuto da Cidade como o “conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental” (art 32, § 1º). Em ambos os casos – Medellín e São Paulo, o que se observa é a implantação dessas intervenções em regiões muito específicas da cidade: na zona sul de Medellín, especificamente nas comunas El Poblado, Guayabal e Belén e na zona centro-leste e nas margens do Río Medellín, eixo de valorização imobiliária que conecta vários dos Planos Parciais. Em São Paulo, as operações em curso se encontram no quadrante sudoeste da cidade, região de maior valorização. Em ambos os casos fica evidente o caráter estratégico de porções do território para localização do capital. Representam os âmbitos de atuação de agentes econômicos, viabilizados pelo poder político do Estado local, que se instalam, impulsionam e promovem o aproveitamento do solo em setores da cidade que se caracterizam por oferecer maiores vantagens comparativas. As experiências dos Planes Parciales estudados (Rincón 2011) evidenciam uma disputa pela apropriação de rendas urbanas latentes no centro da cidade e no eixo espacial do rio Medellín por parte do capital, visível nos esforços de adensamento e na progressiva expulsão de grupos sociais vulneráveis decorrente da inclusão de novos usos. No caso de São Paulo, há uma trajetória da história política nacional, que cabe destacar, para melhor compreensão da situação presente. Os princípios do Estatuto da Cidade definiram-se no contexto político da elaboração da nova constituição, após o final do Regime Militar, em que o referencial da “Reforma Urbana” e da democratização do acesso e usufruto da cidade eram o motor da proposta dessa legislação. Buscava superar uma legislação com padrões elitistas que remetiam os setores populares à informalidade. Criou instrumentos que 5 permitiam negociações e potencializavam melhores condições para o setor popular. No entanto, a alteração na correlação de forças que se deu pouco depois, na virada do século, trouxe como resultado um quadro em que os novos instrumentos, ao incluir negociação, se tornaram mais funcionais ao mercado do que às conquistas sociais, o que se manifesta nas Operações Urbanas e no uso da outorga onerosa. As Operações Urbanas Consorciadas configuram-se como recortes no tecido urbano regular, em que podem ser previstas medidas como: modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. A proposta de Operação Urbana, com seu conjunto de intervenções deve ser aprovada por lei municipal. Essa lei poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação. São os Certificados de Potencial Adicional de Construção. Os Certificados de Potencial Adicional de Construção podem ser livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação. Sua aquisição, em leilões públicos, pode ser feita desvinculada de um projeto de edificação específico, o que permite a seu adquirente utilizá-lo onde e quando quiser (desde que dentro do perímetro da Operação). Isso acarreta imprevisibilidade em relação à produção e impossibilidade de acompanhamento pela sociedade quanto à regularidade, já que os referenciais do que é permitido, em que quantidade e onde, são extremamente vagos e dependem da forma como o interessado aplicar seu potencial construtivo adicional, adquirido como outorga onerosa. Por meio do pagamento dessa outorga onerosa é possível obter potencial adicional de construção e a modificação dos usos e parâmetros urbanísticos estabelecidos na legislação vigente de uso e ocupação do solo para os lotes contidos no interior do perímetro da Operação Urbana Uma vez adquiridos em leilão público promovido pelo município, os Certificados de Potencial Adicional de Construir (CEPACs) podem ser negociados livremente até que seus direitos sejam vinculados a projeto de edificação para um lote específico, que deverá ser submetido aos trâmites normais de aprovação junto à Prefeitura Municipal de São Paulo. Podem assim transformar-se em ativo especulativo por um longo prazo. 3. As exceções de caráter social: Zonas Especiais de Interesse Social, Regularização Fundiária e os Projetos Urbanos Integrais No caso de São Paulo, o contraponto às Operações Urbanas são as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). São parcelas de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinadas predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo. Assim como as Operações Urbanas, são também recortes delimitados no tecido urbano regular. De modo oposto ao objetivo das Operações Urbanas, que têm por perspectiva a valorização do território, as ZEIS se caracterizam como reserva para a implantação de Habitação de Interesse Social. De certa forma contêm a ideia de “proteção” em relação ao mercado e à especulação. Apesar de em São Paulo serem cinco as modalidades de ZEIS, para não entrar em detalhes, podem ser simplificadas em dois tipos: aquelas que se destinam a provisão de novas unidades (ZEIS 2, 3, 4 e 5) e a ZEIS 1, de regularização. Cabe notar, no entanto, primeiro a desproporção entre o total da área destinada a Operações Urbanas e a ZEIS e segundo, que nos 13 anos em que existem, apenas 6 pequena parcela do total dessas áreas delimitadas como ZEIS para provisão foram efetivamente ocupadas por Habitação de Interesse Social. A Regularização Fundiária de Interesse Social consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesses perímetros, para acomodar a ocupação já existente, auto-construída, informal, mas contendo grande investimento pessoal de seus ocupantes na edificação das moradias, as exigências regulares, são substituídas por Plano de Regularização que inclua melhorias ainda que em padrão abaixo das normas gerais para novos parcelamentos e edificações. Não é um modelo que expulsa, mas inclui num menor nível de qualidade, pela flexibilização das normas. Esse tipo de ação se imbrica com um urbanismo autoconstruído e informal, em alguns casos construído historicamente de modo comunitário. Nesse campo, existe um paralelismo com Medellín, porém com menos semelhanças do que aquele que ocorre entre Operações Urbanas e Planes Locales. Em Medellín hoje estão presentes os PUIs (Proyectos Urbanos Integrales), surgidos a partir de 2004. Anteriormente, em fins do século XX foi proposto o programa de “melhoramento integral’, criado depois de tentativas sem sucesso, nas décadas de 60 a 80, de erradicar de maneira coercitiva os assentamentos informais e os processos de auto-construção de moradias. O Progama Integral de Mejoramiento de Barrios Subnormales de Medellín (PRIMED) foi um programa piloto de cooperação entre a cidade de Medellín, os governos da Colômbia e Alemanha (Ministério de Cooperação Econômica e Banco de Reconstrução e Desenvolvimento) e Nações Unidas. O programa tinha um enfoque de reordenamento urbanístico que incluía melhoramento do bairro e das moradias, mitigação de risco, promoção e participação comunitária, legalização e gestão do território. Em 1999, sob a Lei 388 de 1997 foi formulado o primeiro Plano de Ordenamento Territorial (POT) de Medellín, em que é identificada a localização dos assentamentos informais sujeitos ao Mejoramiento Integral, proposto para “superar carências do entorno: espaço público, vias, transporte e equipamento social e produtivo, assim como a legalização de edificações e melhoria das habitações (artigo 156). Esse POT também definiu Planes de Regularización y Legalización Urbanística (PRLU), como instrumentos de planejamento e gestão territorial nos denominados assentamentos de “desenvolvimento incompleto”. Esses planos, que se assemelham às políticas brasileiras, se iniciam na década de 2000, sem surtir o efeito esperado, ficando a maioria na etapa de formulação, diagnósticos ou estudos técnicos. Assim, foram os Proyectos Urbanos Integrales (PUI) os que inauguram uma forma de intervenção urbana na periferia, que se incorpora como parte da política urbana. Durante a administração de Sergio Fajardo (2004-2007) surgem os PUI como una das principais ações de transformação urbana da cidade e estratégia de intervenção física nos setores informais. Por seu grande e rápido impacto em termos físico-espaciais e grande apoio do governo urbano, os PUI ganharam importância em relação aos Planos de Regularização e Legalização Urbanística. O Projeto Urbano Integral foi concebido como um instrumento de planejamento e intervenção física de grande porte em zonas caracterizadas por altos índices de marginalidade, segregação, pobreza e violência. Nesses termos, escolheu a comuna noroeste, comuna reconhecida internacionalmente pelo alto nível de violência, como 7 primeiro piloto. Inaugurou-se aí um sistema de transporte de media capacidade, o Metrocable, que por teleférico conecta a cidade informal ao Metro. Posteriormente, em 2006 se definiu a implementação do PUI da Comuna 13 e em seguida das 5 e 6 (nordeste). Em 2008 teve início o projeto do PUI das comunas 8 e 9 (centro-oeste) e, finalmente, em 2012 o PUI de La Iguaná. Se bem esses projetos tenham sido incorporados aos planos de desenvolvimento (e aos ajustes do Plano de Ordenamento Territorial POT), no período mais recente (2012 – 2015) parece ter diminuído sua importância, com o surgimento de um novo projeto urbano: O Cinturão Verde Metropolitano, cujo objetivo é controlar a expansão urbana (sob forma de assentamentos informais) e se promove a implantação de projetos turísticos. 4. Em síntese Entre os Planes Locales e as Operações Urbanas, que são exceções à norma geral em favor do mercado; as ZEIS em favor da proteção frente ao mercado para garantir espaço para Habitação de Interesse Social e a Regularização Urbanística e Fundiária como alternativa de acolher a informalidade consolidada, a cidade se apresenta como uma gama de legalidades e exceções, com formas bastante explícitas, e outras, ao contrário, invisíveis ou dissimuladas, outras tantas amparadas por um “guarda chuva” legal. Em São Paulo (incluída Região Metropolitana), a Urbanização de Favelas e a Regularização de loteamentos informais mantêm a população em seu local, assegurando direitos e melhorias, mas configurando uma cidade de menor qualidade. Acolhe e legitima a situação real, mas não garante a integral formalidade e inclusão. Em Medellín os PUIs, acompanhados de grandes obras de infraestrutura e de equipamentos sociais e espaços públicos na periferia, articulados aos metrocables projetaram a cidade internacionalmente, como modelo de desenvolvimento urbano e cidade inovadora. No entanto, dez anos depois de implementado esse modelo, os questionamentos surgem em torno da inclusão e equidade social. Alguns projetos implicaram em deslocamento de população devido ao aumento do custo de vida. Alguns PUIs geraram especulação no preço da terra e se tornaram atrativos para o setor imobiliário. E finalmente o Urbanismo Social se mostrou essencialmente como uma política de governabilidade e controle territorial a partir de uma estratégia urbanística. Nas obras públicas não só está depositada a esperança de transformação social senão também conseguir a paz e a convivência. No entanto, o conflito armado vivido nessas área se deslocou para outras partes da cidade, o que coloca em questão a estratégia de “reconquista territorial” pretendida pelo governo municipal. As remoções e deslocamentos de população de seus territórios que estão sendo revitalizadas ou renovados por grandes projetos de infraestrutura, intervenções viárias, grandes equipamentos e paradoxalmente por projetos habitacionais em que não estão incluídos, violam o direito à permanência de populações vulneráveis no território. Desse modo vem se configurando um grupo social formado por removidos e deslocados pelo novo desenvolvimentismo urbano. São famílias que em muitos casos já tinham sido relocadas por estrem em zonas de risco ou removidas de modo forçado pela violência de grupos armados. Por outro lado, é também considerável, em São Paulo, o número de desalojados, parte deles por obras associadas à operações urbanas, parte por obras públicas, parte por remoções devidas à necessidade de desadensamento nos casos de urbanização de favelas. São famílias que recebem um pequeno montante para que se mudem (e frequentemente se instalam em outro local de modo improvisado) e outras que passam a viver sob “bolsa aluguel”, medida provisória e muitas vezes descontinuada para casos de remoção. 8 Bibliografia BRASIL, LEI Nº 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade MARTINS, M. L. R. Acompanhamento do Grupo Gestor da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada. Ministerio de Ambiente, Vivienda y Desarrollo Territorial Formulación y aplicación de la ley 388 de 1997 en Colombia, una práctica colectiva hecha realidad – Bogotá , 2008 RINCÓN, A. Nuevas territorialidad del poder político y económico en Medellín a partir de instrumentos de regulación del suelo urbano establecidas en la ley 388 de 1997. Experiencias de Planes Parciales. Medellín, Universidad Nacional de Colombia, 2011. SÃO PAULO, Município. LEI Nº 13.260, 28 DE DEZEMBRO DE 2001. Operação Urbana Consorciada Água Espraiada. SÃO PAULO, Município. Revisão do Plano Diretor. GT Habitação, apresentação. PMSP 2013 VAINER,C.B. Cidade de Exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. Anais do XIV Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro, 2011
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