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DIÁLOGO E INTERAÇÃO Volume 4 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao/ BINARISMO COLONIAL EM THE SACRIFICIAL EGG, DE CHINUA ACHEBE (1962) Silvio Ruiz Paradiso(PG – UEL/ CNPq)1 RESUMO: Nossa análise se debruçará sobre o conto em Língua Inglesa The Sacrificial Egg (1962), de Chinua Achebe. Autor de origem nigeriana que é reconhecida por suas narrativas nacionalistas e de resistência. O enfoque de nossa leitura dar-se-á no desvelamento de dicotomias como: sujeito/objeto, margem/centro, dominante/dominado, colônia/metrópole, feio/belo, paganismo/cristianismo etc, comum em Achebe e nas literaturas pós-coloniais. Logo, esses binarismos serão analisados no conto, já que a divisão da personagem Julius Obi entre suas crenças nativas e a educação colonial permeia todo o texto. PALAVRAS-CHAVES: Binarismo. Pós-Colonialismo. Literatura Inglesa. ABSTRACT: Our analysis will be leaned over the English Language short story The Sacrificial Egg, (1962), by Chinua Achebe. This author, from Nigeria, is recognized for his nationalistic and resistance narratives. The approach of our reading will be given revealing some dichotomies such as: subject/object, margin/center, dominant/dominated, colony/metropolis, ugly/beautiful, Pagan/Christian etc, usual in Achebe’s stories and post colonial literatures. Thus, these binaries that will be analyzed in the short story, which since the division of the character Julius Obi between his native beliefs and the colonial education permeates the whole text. KEYWORDS: Binarism. Post colonialism. English Literature. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Toda análise literária pós-colonial baseia-se em elementos de violência, ataque, invasão, domínio e supremacia ocidental do Outro/dominante, ou seja, do colonizador e ora de identidade, resistência, revide, contra-argumentação, subversão, oposição e mímica do “outro” nativo/colonizado, objetificado, alienado, oprimido e dominado. O binarismo é freqüente nas relações (pós) coloniais, representado pelo grupo ocidental, cristão, branco, patriarcal, como por exemplo, o soldado, o missionário, o governante, o explorador, o aventureiro, o viajante e o político europeu e o também pelo grupo oriental, pelo feminista, plurireligioso, multirracial como os hindus, aborígines, índios sul-americanos, africanos etc. Todos os conceitos das narrativas que propõe uma análise póscolonial, são dicotômicas, referenciando ambos os grupos de forma minimalista como: sujeito/objeto, margem/centro, dominante/dominado, colônia/metrópole, feio/belo, etc. Fanon (1961) crê que o mundo colonial é cortado em dois (p.29), e se uma destas duas zonas forem abolidas, o mundo colonial não existe mais (FANON, 1961: 31). Este mundo binário será analisado em The Sacrificial Egg (1962), revelando o choque cultural entre ingleses e nigerianos, e, mais importante, a divisão do protagonista entre suas crenças nativas e a educação colonial. 1 Mestrando em Estudos Literários/ Diálogos Culturais – Universidade Estadual de Londrina (CCH - UEL). Bolsista do CNPq. Membro do grupo de pesquisa sobre afro-descendentes na literatura brasileira (UFMG/UEL), grupo de pesquisa sobre minorias étnicas (judeus e negros) na literatura e membro do Laboratório de Estudos sobre Religiões e Religiosidades LERR (UEL). [email protected] 2 2. AUTOR E FÁBULA 2.1 Chinua Achebe Chinua Achebe é considerado o pai da ficção africana moderna, pois protagonizou uma nova geração de autores que manifestaram brilhantemente, em suas obras, lembranças de sua ancestralidade, cruzando a tradição oral africana com as questões pós-modernas ocidentais. Albert Chinualumogu Achebe nasceu em uma aldeia de Ogidi, na Nigéria em novembro de 1930. Filho de uma professora e um missionário, ambos convertidos ao protestantismo, nasceu rodeado de elementos culturais distintos – ingleses e africanos. Suas obras-primas foram sendo escritas quando a Nigéria ainda era colônia do Reino Unido. Seus romances Things Fall Apart e No Longer at Ease contam a história da destruição da cultura nigeriana pela colonização inglesa. Achebe recebeu vários prêmios por seu trabalho, incluindo o prêmio Commonwealth de poesia; o New Statesman Jock Campbell Prize; o prêmio Margaret Wrong; o troféu Nacional Nigeriano em 1961; e o Nigerian National Merit Award. Em 2002, recebeu o Peace Prize of the German Book Trade. Atualmente, vive nos Estados Unidos. 2.2 The Sacrificial Egg and Other Stories (1962) Em The Sacrificial Egg (1962), Chinua Achebe apresenta o conflito entre a civilização chamada Ibo e a ocidentalização, especificamente a européia, foca a história de Julius Obi afetado indiretamente pela experiência com a malévola entidade conhecida como Kitikpa, o deus da varíola, punindo a população de Umuru, esvaziando o mercado popular conhecido como Nkwo. Este jovem nativo africano, nascido numa pequena vila, se vê entre sua própria cultura e crendices nigerianas e a cultura hegemônica européia. No conto, a pequena tribo de Umuru é “sitiada” pela cultura ocidental. Tal ocidentalização é mostrada no início do conto, quando percebemos a presença de objetos incoerentes para o nativo da vila: “Julius Obi sat gazing at his typewriter [...] There was a empty basket on the giant weighing machine.” Isso demostra a “necessidade de ocidentalizar a cidade”. O encontro cultural é uma característica muito comum no texto de Achebe, e principalmente, nos de cunho pós-colonial. 3. BINARISMO CULTURAL: HIBRIDISMO? Simbolicamente, o jogo binário entre conceitos do colonizador e do colonizado é parte importante na construção literária de textos pós-coloniais, pois desta forma o autor expõe o choque cultural, quase sempre desastroso da colonização. Jogos de palavras, metáforas, analogias, paradoxos e imagens antitéticas revelam no mesmo espaço o dominante/dominado, civilidade/selvageria, feio/belo, etc, que nem sempre revelam a suposta imagem pura de ambos os lados (negativo para o colonizado, positivo para o colonizador), mas sim indivíduos híbridos que convivem com um jogo identitário dentro de si. Quando falamos sobre binarismo, logo falamos sobre hibridismo. Afinal, híbrida é qualidade de tudo o que resulta da união de elementos de natureza distinta. Se pensarmos em um sujeito vivendo num território binário, o resultado de sua personalidade, cultura e fé serão híbridas e sincréticas. O binarismo dentro do texto reforça uma análise de construção da identidade do indivíduo pós-colonial: 3 [...] binarismo vem orientando as aproximações do tema da alteridade – evidenciado nas colocações sobre ‘o próprio’ e ‘o estrangeiro’, ‘o eu’ e ‘o outro’, binarismo que serve precisamente para declarar a existência do originário em contraposição ao estrangeiro e que se repete a formulação que serviu para construir o próprio conceito de identidade nacional (BORGES, 2003: 302-305). Julius Obi é o protagonista do conto e seu nome nos revela a tentativa de construção da personagem baseada na dupla identidade do sujeito colonial. Julius é um nome derivado de Iulius, de origem latina, possivelmente derivada do grego ιουλος (ioulos) "barba cerrada”. A próxima derivação do nome ganhou um ‘J’ quando os romanos invadiram a saxônia (LEE, 2004). Assim, Julius é um nome de origem européia usado por monarcas e papas durante a história do imperialismo da Europa. Já Obi é um termo africano para ‘coração’ e nome dado a uma das muitas formas religiosas africanas envolvendo feitiçaria. (AFGBO, 1975) Esse sujeito de nome híbrido vive em meio a um “mundo” no qual duas culturas opostas em ideologias, crenças e sociedade lhe trazem questionamentos sobre a validade ou não de rejeitar seu passado cultural e vivenciar a nova vida colonizada – aculturando-se. Todo texto literário pós-colonial, escrito por (ex) colonizados é híbrido, pois se constitui a partir de uma forma literária européia, inserindo marcas próprias da identidade do autor, neste caso nigeriano e militante antiimperial. Já a diegése também possui marcas híbridas, afinal revela encontros culturais entre etnias diversas e, geralmente, opostas economicamente, ideologicamente, militarmente e religiosamente, revelando uma cultura do Outro (branca e invasora) querendo sobrepor-se sobre a cultura do outro (não branca e invadida). Quase sempre essas manifestações literárias são resultados de um escritor póscolonial híbrido, miscigenado, traduzido, diaspórico, ´hifenado´, culturalmente modificado e que faz questão de revelar isto nas letras de seus textos ou simplesmente revelando marcas de transculturação e/ou aculturação. Esse choque de “duas ou mais culturas” opostas acaba gerando os binarismos que são, na verdade, resultados inevitáveis deste clash cultural na zona de contato que é a colônia ou ex-colônia e o Império. Desta forma, revelaremos algumas imagens antitéticas presentes em The Sacrificial Egg. 3.1 Mercado de Umuru versus a Companhia Européia de Exportação Prezando pela tradição de ser “montado” todos os dias Nkwo, o mercado local é caracterizado por ser grandioso e populoso; maior do que os outros três Eke, Oye e Afo. O mercado é baseado no escambo e comercializa produtos nativos: dendê, nozes de cola, erva mate, cestarias, peixes defumados, mandioca, grãos e roupas. Percebemos, então, uma marca do nacionalismo do autor, que postulou uma série de produtos próprios da região. Todos os usuários do mercado já sabem o que fazer, desde o momento em que atracam suas canoas até a aquisição de iguarias como mai-mai. Já a companhia nigeriana trading é uma visão oposta do mercado local, pois sua visão é totalmente capitalista e imperialista. Enquanto todos já conhecem o esquema do mercado de Umuru, os empregados da “European trading company” (ACHEBE, 2004: 324) dormem e se perdem em meio da utilidade de suas funções. Há uma crítica forte à suposta função da companhia para a realidade e local, quando observamos o trecho: “Julius Obi sat gazing at his typewriter. The fat Chief Clerk his boss was snoring at his table. Outside, the gatekeeper in his green uniform was sleeping at his post. […] there was an empty basket on the giant weighing machine” (ACHEBE, 2004: 323, grifo nosso). Gazing, sleeping e snoring são verbos que demonstram a passividade da situação dos empregados da companhia. O gerúndio é um marca que evidencia a prolongação que tais 4 situações acontecem e comprovada pelo trecho “no customer had passed through the gate for nearly a week” (ACHEBE, 2004: 323). Mas a cesta vazia é o ápice da crítica nesse primeiro parágrafo do texto de Achebe. A inutilidade da máquina na tribo é clara. Por que a população de Umuru, ou seja, os ibos e outros nativos considerariam melhor a comercialização pela trading européia ao invés do já tradicional escambo no mercado Nkwo? 3.2 Exchange of goods versus trade for money Escambo ou troca direta consiste na troca de bens por outros bens, consoante a necessidade dos proprietários, especialmente quando não existe a moeda corrente local. Inicialmente, o homem produzia tudo de que necessitasse em sua terra, sendo o excesso trocado com aqueles que produziam o que ele não tinha. Isso foi entendido como o início de um comércio. Esse meio é comum na África que já comercializava antes da colonização britânica. Com a chegada dos colonizadores e sua ideologia capitalista, a troca de mercadorias passa ao comércio de lucro. Afinal, como cita Boaventura, o capitalismo dentro do colonialismo inglês foi uma dupla que deu muito certo, diferente do que aconteceu com outros povos colonizadores. “Assim, enquanto o Império Britânico entrou num equilíbrio dinâmico entre Colonialismo e Capitalismo, o Português assentou num desequilíbrio, igualmente dinâmico, entre um excesso de colonialismo e um déficit de capitalismo” (SANTOS, 2004 : 20). Com a colonização, a venda e a compra se disseminaram no mercado de Umuru, trazendo uma incoerente cultura para aquele momento e local, pois com os ingleses o mercado tornou-se diferente de outrora, impondo valores de venda e compra aos produtos da região: “[...] all powerful European trading company which bought palm kernels at its own price and sold cloth and metalware, also its own price.” (ACHEBE, 2004: 324). Além de trazer sujeira, super população, miséria, doença e medo: But progress had turned it into a busy, sprawling, crowded and dirty river port, a no man’s land where strangers outnumbered by far the sons of the soil [...] The belly does not bulge out only with food and drink; it might be the abominable disease which would end by sending its sufferer out of the house even before he was fully dead 2 ” (ACHEBE, 2004 : 325). 3.3 Educação da Metrópole (Julius) & Educação da Colônia (Ma) Ma é uma personagem interessante, provavelmente a mãe de Janet, namorada de Julius. Ma é uma senhora nativa, educada em Umuru, mas recebeu ensino religioso cristão da CMS church. A partir disso, o conflito entre o crer e o não crer no folclore local está presente em Julius por causa de sua educação tipicamente colonial, diferentemente da educação que tivera Ma. Julius possui o “Standard Six”, isto é, um certificado que atesta a conclusão da educação primária na Metrópole, Contudo, quando nos referimos que Julius é “educado” e Ma não o é, estamos referindo sobre a educação colonial que ele tivera. “Forçado” a assimilar as tradições e cultura dos colonizadores, Julius sobrepôs à sua ideologia outros elementos e sistemas do conhecimento; é como se Julius tivesse um conhecimento científico baseado nas ideologias européias e Ma o senso comum do dia-a-dia de ambientes afastados, como é o caso de Umuru. 2 Mas o progresso o tornou em um porto aglomerado e sujo, ocupado, alastrado; uma terra de ninguém. Onde os desconhecidos (colonizadores) são mais numerosos do que os filhos do solo (nativos) [...] a barriga não está cheia somente com alimento e bebida; pôde ser sim, uma doença abominável que terminaria emitindo seu sofrimento pra fora da casa, cuja antes já era cheia de morte (tradução nossa). 5 Com a colonização, muitos africanos, como Julius, em posse do certificado “Standard Six”, veem uma oportunidade de trabalho como funcionários nas empresas britânicas. No caso de Julius, sua “educação” britânica também abriu portas britânicas na companhia de exportação de óleo de palma: “Sometimes when the Chief Clerk was away he [Julius Obi] walked to the window and looked down on the vast anthill activity” (ACHEBE, 2004: 323). O indivíduo muitas vezes adere à educação colonial de próprio consentimento, mas este não sabe que o cunho ideológico da educação colonial é muito mais político do que pedagógico. A escola européia quando ensina o estrangeiro, visa formar um cidadão alienado que deve esquecer sua cultura subjetivista, mergulhada em crendices e lendas, para adentrar a cultura “lógica” do velho mundo. O formar cidadão torna-se o formar um cidadão obediente aos ideais ingleses e submissos a hegemonia européia. Assim, o sistema educacional que Julius obtivera, serviu de fundo para o controle dos ingleses não só das terras de Umuru, mas do pensar, crer, criticar e assimilar: “Na prática, todos os colonizadores acreditavam que a educação era importante para facilitar o processo de assimilação. A implantação do sistema educacional deixava os colonizados sem identidade e sem passado”(BONNICI, 2005 : 25). Já a personagem Ma é vista como um indivíduo “sem educação”, repleta de crendices que, de certa forma, atrapalham o comércio britânico na região. Apesar de Ma ser uma convertida, logo, ter sido também educada num nível teológico acerca da superioridade européia, suas fortes raízes não anulam a crenças tribais, mas, ao contrário, reforçam-nas utilizando para isso uma espécie de sincretismo. 3.4 Racionalismo versus Superstição Ma, uma devota cristã convertida, é sincrética, dando-nos a percepção que a religião no contexto colonial é híbrido por natureza, não existindo o “estado puro” de uma crença, pois, mesmo sendo agora uma cristã, Ma admite a existência e o perigo dos deuses nativos. Também chamado de hibridismo religioso, o sincretismo é a tentativa de conciliar crenças díspares ou mesmo opostas. Do grego sygkretismós - 1. Reunião de idéias ou de teses de origens disparatadas. 2. Amálgama de doutrinas ou concepções heterogêneas (LUFT,1995 : 608). O termo é utilizado como referência religiosa, como se tratando do perfil religioso tradicionalmente das colônias africanas, onde há influência de crenças de religiões tribais, mesclando-se com a religião dos colonizadores, no caso, a cristã (Católica ou Protestante). Assim também é na Nigéria com o tribalismo e o Islã, o judaísmo negro, as crenças nagôs com o cristianismo, entre outras misturas. A crítica presente nesse jogo de crer ou não crer, reforça os ideais nacionalistas que Achebe acredita. Afinal, mesmo convertida, recebendo uma cultural teológica diferente, aprendendo que ‘agora’ existe um Deus branco, eurocêntrico, mono cultural e patriarcal, Ma ainda resiste a não deixar de crer em suas divindades negras: Ma had explained to him very gently that he should no longer go to see them “until this thing is over, by the power of Jehovah. Ma was a very devout Christian convert […].”You must keep to your rooms.” She said in hushed tones, for Kitkpa strictly forbade any noise or boisterousness (ACHEBE, 2004 : 326). Negar a religião local é renegar a cultura local, tanto que a situação de Julius em querer andar nas ruas do mercado, como se nada de sobrenatural teria ali é uma maneira inconsciente do sujeito colonial alienado por em prática o plano psíquico do império: rebaixar a cultura dominada. Nas palavras de Fernandes (1958) o crer é manter: “A herança cultural 6 religiosa constitui o principal núcleo de defesa e de preservação das culturas originais [...]”. Para os ibos há uma forte crença no poder e culto aos antepassados, colaborando á idéia de nacionalismo e resgate da identidade – suas superstições são suas raízes (s/p). A partir disso, percebe-se que o racionalismo de Julius é uma atitude antinacionalista, muito além dos conhecimentos científico adquiridos na Europa. É antes de tudo uma estratégia de imposição cultural, pois a crença Ibo baseia-se no culto aos antepassados, ou seja, aos pais da terra, aos verdadeiros donos de Umuru. Enquanto Julius resiste a perpetuação do folclore a fim de favorecer “inconscientemente” a cultura Inglesa, Ma “aceita” o Deus judaico-cristão, mas não renega os deuses locais, pondo em xeque o que é mais importante no discurso colonial: aceitar o ideal do dominador a fim de sobreviver em um ambiente hostil ou criar suas próprias regras de fé a fim de confundir o mesmo dominador, sobrevivendo e sem renegar suas raízes? No trecho “[...] the young sons and daughters of Umuru soil […] They neglected all their old tasks and kept only they revelries”3 (ACHBE, 2004 : 326). Se a razão européia é uma força contrária a superstição local, o autor nos trechos finais do conto dá ao protagonista uma experiência sobrenatural, desfazendo alguma resistência pela religiosidade de Umuru: He shook all over. The sounds came bearing down on him, almost pressing his face into the moist hearth. And now he could hear the footstep. It was if twenty evil men were running together. Panic sweat broke all over him and he was nearly impelled to get up and run. Fortunately he kept a firm hold on himself…In no time at all the commotion in the air and on the earth- the thunder and torrential rain, the earthquake and flood – passed and disappeared in the distance on the other side of the road 4 (ACHEBE, 2004 : 327). O binarismo se confirma, com a separação de Julius, Ma e Janet: On this side of it stood Julius, ando n the other Ma and Janet whom the dread artist decorated (ACHEBE, 2004 : 328). Simbolicamente, Julius ao lado do mercado vazio é uma imagem metonímica da separação que a cultura europeia faz com os nativos em relação às crenças locais, enquanto Ma e Janet, estão apavoradas do outro lado. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos que na narrativa The Sacrificial Egg há uma forte presença da descolonização permeando o texto em forma de binarismos. Os binarismos são as ambivalências que deflagram os dois lados de uma mesma moeda. Assim, vimos alguns binarismos, antíteses e paradoxos que comprovam esse mundo dividido em dois, no texto de Achebe, mundo este representando Inglaterra (colonizadora) e a Nigéria (colonizada). Essas relações dicotômicas nos revelaram o hibridismo do texto póscolonial, refletindo no setting e nas personagens; não há frase mais ambígua, ambivalente, paradoxal do que a de Ma, quando diz que somente pelo poder de Jeová tudo aquilo iria acabar – “aquilo” no caso, seria a ação de Kitkpa, o deus da varíola. Através dos binarismos, Achebe mostra a constante visão de inferioridade a qual o Império britânico reconhece nos povos colonizados, seja através da superioridade de língua (Inglês/Ibo), sistema corporativo (escambo/compra e venda) ou teológico (Jeová/ Kitikpa). 3 Os jovens filhos e as filhas do solo de Umuru [...] Eles negligenciaram todas suas antigas tarefas e as manteve somente estardalhaços. (Tradução nossa) 4 Ele se estremeceu todo. Os sons vieram por de baixo dele, quase pressionando sua cara no solo úmido. E agora ele poderia ouvir os passos. Era como se vinte maléficos homens estivessem juntos. O suor do pânico se dissipou sobre ele e o impedia de se levantar. Felizmente manteve se firme... Logo, toda a comoção no ar e na terra o trovão e a chuva torrencial, o terremoto e inundação – passaram e desapareceram na distância no outro lado da estrada. (Tradução nossa) 7 Concluímos que Achebe é, sem dúvida, um dos grandes autores pós-coloniais que se utiliza dos elementos dicotômicos (binarismos) para fazer de seu conto um elemento de contra-ataque a hegemonia européia, tão próprios das narrativas de resistência. Afinal, somente com o estudo do binarismo na literatura pós-colonial, podemos analisar a identidade e construção imagética do colonizador e do colonizado (BEERTENS, 2001, p.207) 5. REFERÊNCIAS ACHEBE, C. The Sacrificial Egg In: BONNICI, Thomas. Short stories: an anthology for undergraduates. 2. ed. Maringá: UEM, 2004. AFIGBO, A.E. Prolegomena to the study of the culture history of the Igbo-Speaking Peoples of Nigeria, Igbo Language and Culture, Oxford University Press, 1975. BEERTENS, H. Literary Theory. London : Routledge, 2001. BONNICI, T. Conceitos-chaves da teoria pós-colonial. Maringá: EDUEM, 2005. BORGES, A. I. Transferência e contralegitimação enfocando a guerra das relações humanas. Alea., Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517106X2003000200013&lng=e n&nrm=iso>. Acesso em: 29 Abr 2007. FERNANDES, F. A Etnologia e a Sociologia no Brasil. São Paulo: Anhembi, 1958. LEE, S. E. Significados dos nomes de pessoas. São Paulo: Ondas, 2004. LUFT, C. P. , Minidicionário Luft. 20. ed. São Paulo: Ática, 1995. SANTOS, B. de S. Entre Próspero e Caliban – Colonialismo, Pós-Colonialismo e Interidentidade. In: Cultura e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2004.
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