Diabetes_1997_1998 - Faculdade Montenegro
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Diabetes_1997_1998 - Faculdade Montenegro
& Diabetes Metabolism EDIÇÃO 1998, VOLUME 2 • NÚMERO 1, FEVEREIRO 98 • NÚMERO 2, ABRIL 98 • NÚMERO 3, JUNHO 98 • NÚMERO 4, AGOSTO 98 • NÚMERO 5, OUTUBRO 98 EDIÇÃO 1997, VOLUME 1 • NÚMERO 1, JULHO 97 • NÚMERO 2, AGOSTO 97 • NÚMERO 3, SETEMBRO 97 • NÚMERO 4, OUTUBRO 97 Clique sobre o edição desejada para ter acesso ao índice. ISSN : 0338-1684 & Diabetes Metabolism Editorial Panorama Nacional Novas opções no tratamento do diabetes mellitus não-insulinodependente Leila M. B. Araújo 4 Cartas Revisão 10 Síndrome de resistência à insulina e complicações vasculares do diabetes Mellitus não insulino-dependente A. Fontbonne 11 Diabetes: dos fenótipos aos genótipos P.-J. Guillausseau, D. T. Tielmans, M. Virally-Monod 20 Metabolismo da energia cerebral, transporte da glicose e fluxo sanguíneo: mudanças com a maturação e adaptação à hipoglicemia A. Nehlig 28 Artigo Original Análise de fatores de risco em mulheres obesas e associação à gordura visceral A. C. Lerário, M. Rocha, A. G. Santomauro, W. Luthod, D. GiannellaNeto, B. L. Wajchenberg Consenso 39 da ALFEDIAN Hipertensão arterial e diabetes B. Bauduceau, G. Chatellier, D. Cordonnier, M. Marre, A. Mimran, L. Monnier, J.-P. Sauvanet, P. Valensi, N. Balarac 46 JULHO 1997 Vol.1 & Diabetes Metabolism REVISTA CLÍNICA E BIOLÓGICA ATLÂNTICA MULTIMÍDIA 16 rue de la Cerisaie 75004 Paris tel (33) (0) 1 4029 9254 fax (33) (0) 1 4277 4255 ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO Avenida Graça Aranha, 182/9°andar 20030-003 Rio de Janeiro RJ tel: (021) 533 32 00 fax: (021) 533 08 29 PUBLICIDADE Mauricio Galvão Anderson R. Corgie Assad Abdalla 693 05622-010 São Paulo - SP tel: (011) 9993 6885 tel/fax: (011) 844 1885 Lei de Imprensa n° 56528 Publicação mensal Assinatura anual: Médicos R$ 150 Instituições R$ 200 © Masson Editeur Paris, editado no Brasil por Atlântica Multimídia, 1997 Tiragem: 9.000 exemplares Diabetes & Metabolism é a publicação oficial da Associação de Língua Francesa para o Estudo do Diabetes e das Doenças Metabólicas (Alfediam) Pr esidente Presidente Prof. Gérard Cathelineau (França) ice-presidente Vice-pr esidente Prof. Philippe Vague Secretário etário geral Secr Prof. Jean-Marcel Brun Secretário Secr etário adjunto Dra. Claire Lévy-Marchal esoureir eiro Tesour eir o Dr. Jean-Pierre Sauvanet Diabetes & Metabolism, revista fundada em 1975 por Jean Canivet e Pierre Lefebvre, é publicada pela Editora Masson (Paris) Editor-chefe Editor -chefe Prof. Pierre Saï (França) Editores-chefe Editor es-chefe delegados André Scheen (Bélgica), Jean-Frédéric Blicklé (França) Clínica Médica André Grimaldi (França) Diretora Internacional Dir etora Inter nacional para o Brasil Dra. Tania Leme da Rocha Martinez Editores Editor es Roger Assan, Michel Beylot, Pierre Chatelain, (França), Jean-Louis Chiasson (Canadá), Paul Czernichow (França), Jean-Pierre Felber (Suíça), Henri Gin (França), Giuseppe Paolisso (Itália) Dir etora Executiva Diretora Cleide Simões Temer Dir etora Científica Diretora Dra. Tania Leme da Rocha Martinez Editor -Chefe Editor-Chefe Dr. Jean-Louis Peytavin Dir etor Comer cial Diretor Comercial Mauricio Galvão Anderson Conselho Científico Adolpho Milech Adriana Forti Antonio Carlos Lerário Antonio Roberto Chacra Bernardo Leo Wajchenberg Edgar Niclewicz Francisco Bandeira Helena Schmid Laércio Franco Leão Zacury Leila Araújo Luiz Cézar Póvoa Maria Marcílio Rabelo Revisão Científica Profª. Lucia Machado Lopes Tradução Farmaserv, Alice C. G. Anderson Márcia Regina Volpe Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997,01, 04-09 Editorial Panorama Nacional NOVAS OPÇÕES NO TRATAMENTO DO DIABETES MELLITUS NÃO INSULINO-DEPENDENTE Leila M B Araújo* O diabetes não insulino-dependente ou tipo II é uma das desordens metabólicas mais comuns na prática clínica, com uma freqüência estimada de 5 a 20% [1]. No Brasil, um estudo epidemiológico mostrou uma freqüência de 7,6% em indivíduos entre 30 e 69 anos [2]. O tratamento do diabético visa a correção dos distúrbios metabólicos, tais como hiperglicemia, hiperlipidemia e a obesidade, a educação do paciente quanto à dieta, a prática de exercícios e a orientação quanto à natureza crônica da doença. Idealmente este tratamento é feito por equipe multidisciplinar em que há intercâmbio do paciente com o médico, nutricionista, enfermeiro, psicólogo e até mesmo com o pediatra [1, 2]. O diabetes do tipo II caracteriza-se por excesso de produção e subutilização da glicose, decorrente de defeito na ação e na secreção da insulina. O excesso de produção da glicose resulta do comprometimento da glicogênese hepática, da glicogenólise e da gliconeogênese por insensibilidade à insulina, mesmo ela estando em níveis elevados. Esta insensibilidade à insulina é também responsável pela diminuição da captação da glicose no músculo e nos adipócitos. Isto tudo leva à hiperglicemia e aumento da secreção de insulina, na tentativa de vencer a resistência à ação da insulina. A estratégia atual no tratamento do diabetes tipo II, é direcionada no sentido de melhorar a ação e a secreção da insulina, seja como dieta, exercício e/ou com drogas hipoglicemiantes orais e obter um controle glicêmico o melhor possível, ou seja, glicemias de jejum menores que 120 mg/dl, antes de deitar menores que 140 mg/dl e hemoglobina glicosilada menor que 7 mg/dl [3]. A monitorização glicêmica com os glicosímetros e dosagens periódicas da hemoglobina glicosilada ou frutosamina são de grande utilidade na obtenção de um bom controle. Os testes de glicosúria com os redutores de cobre (DIASTIX®, GLICOFITA®) ou com redu- ✍ : Leila Araújo, Av. Sete de Setembro 2417, apt.601, CEP:40080-003 Salvador - Bahia, Brasil, Tel/Fax:(071) 3364762 tores da glicose-oxidase (GLICOFITA®) podem ser utilizados, quando não há alteração do limiar renal da glicose, que é em torno de 175mg/dl. O estudo do Diabetes Control Complication Trial [4], em indivíduos diabéticos do tipo I, mostrou que o bom controle metabólico atenua a progressão das complicações macro e microvasculares. Em diabéticos do tipo II, embora não se tenha estudos epidemiológicos bem controlados demonstrando que o melhor controle glicêmico diminui a freqüência das complicações crônicas, as evidências atuais sugerem fortemente que estas complicações estão relacionadas à hiperglicemia, similar ao diabetes do tipo I. ■ DIETA A dieta do diabético, melhor dizendo a orientação dietética, deve ser individualizada de acordo com as necessidades calóricas diárias, atividade física, hábitos alimentares, etc [4]. Num indivíduo normal, calcula-se o gasto calórico de 30 a 40 cal/kg/dia. Se o diabético for obeso, o que ocorre em 80% dos diabéticos tipo II, deverá reduzir o peso, diminuído o número de calorias em 15 a 30%. Isto por si só já reduz um dos fatores de risco para doença cardiovascular, que é a obesidade, e um outro fator presente em um terço dos diabéticos é a hiperlipidemia [5]. Se o diabético for magro, deverá fazer uma dieta hipercalórica, ou seja, acrescentar 15 a 30 % de calorias na dieta. Quanto ao teor dos carbohidratos da dieta é um assunto bastante controverso mas atualmente recomenda-se de 50 a 60% do total de calorias [4]. Deve ser orientado o uso de alimentos ricos em fibras que estão presentes nos legumes, raízes e tubérculos. Elas agem retardando o esvaziamento gástrico, diminuindo absorção intestinal de glicose e LDLcolesterol e facilitando o trânsito intestinal. Importante lembrar que a capacidade dos alimentos em elevar a glicemia (índice glicêmico) varia também conforme o tipo de prepa*Professora de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Mestra e Doutora em Endocrinologia. 6 Leila M B Araújo Diabetes & Metabolism ração do alimento e se ele é administrado puro ou em combinação com gordura ou proteína. Assim, os alimentos crus ou inteiros tendem a determinar menores níveis glicêmicos. Quanto ao teor de proteínas, deve ser entre 12 a 20% do total das calorias. Uma vez que a dieta hiperproteíca e a hiperglicemia podem aumentar a taxa de filtração glomerular ainda não se sabe se a mesma interfere no estabelecimento e na progressão da nefropatia diabética [4]. Para pacientes com nefropatia, recomenda-se 0,8g/kg peso/ de proteína ou menos [6]. A proteína animal tem a desvantagem de ser associado à gordura animal que é saturada. (ver Tabela 1) O teor de gorduras deve ser menor do que 30% do total de calorias da dieta, evitando-se as gorduras saturadas, que são as de procedência animal, o coco e o dendê. A ingestão de colesterol deve ser menor que 300mg por dia [4] (ver Tabela 2). Recomenda-se 10% de gordura poli-insaturada (óleo de soja, milho, arroz) e 10% de gordura monoinsaturada (óleo de oliva, canola, etc). Se existe hiper-colesterolemia associada, deve-se limitar as gorduras saturadas em < 7% e o colesterol dietético < 200mg%. Se existe hipertrigliceridemia, além de incentivar a perda de peso e a atividade física, deve-se restringir o teor de gorduras a 20% das calorias [4] (10% saturada e poli-insaturada e 10% em monoinsaturada). O uso de adoçantes, tais como ciclamato, sacarina, aspartame, frutose e sorbitol podem ser indicados, pois até o momento não se provou serem maléficos. TABELA 2 - Teor de colesterol por 100 g de alguns alimentos* TABELA 1 - Teor de proteína e gordura por 100g de alguns alimentos* ■ HIPOGLICEMIANTES ORAIS ALIMENTO PROTEÍNA(g) GORDURA(g) Carne de boi magra 21.0 3.0 Carne de boi média 20.5 6.5 Carne de boi gorda 18.7 19.5 Galinha 21.3 7.1 Porco 16.5 19.7 Peixe 16.0 2.1 Camarão 21.2 1.8 Lagosta 16.2 1.9 Bacalhau 38.8 1.1 Ervilha seca 22.7 1.3 Feijão 22.9 1.4 Grão de bico 16.5 5.1 Soja 35.8 16.9 Arroz 8.0 1.4 Macarrão 14.9 0.9 Leite 3.5 3.5 Queijo prato 29.3 26.2 Pão 9.3 2.0 * Franco G. Tabela de composição química dos alimentos, SAPS, 3a ed, G.Koogan, 1960. ALIMENTO mg% Carne de boi 70 Galinha 60 Peixe 70 Fígado 300 Miolo > 2000 Camarão 125 Lagosta 200 Ostra > 200 Gema 1500 Leite 11 Queijo 100 Manteiga 250 * Franco G. Tabela de composição química dos alimentos, SAPS, 3 a ed, G.Koogan, 1960. Quanto ao uso de álcool, lembramos que no indivíduo normal em jejum pode levar à hipoglicemia, e em diabéticos quer em uso de insulina ou hipoglicemiante oral, este efeito é potencializado. O álcool em dose moderada melhora a sensibilidade à insulina e os níveis de HDL-colesterol. No Brasil, estão disponíveis três grupos de hipoglicemiantes orais: as sulfoniluréias, as biguanidas e um inibidor da alfa-glucosidase (ver Tabela 3). As sulfoniluréias de primeira geração, como a clorpropamida (DIABINESE®) tem meia vida mais longa - 36 a 60h - devido formação de metabólitos com excreção mais lenta. Os de segunda geração tem meia vida mais curta, 8 à 16h, é o caso da glibenclamida (DAONIL®, EUGLUCON®), da glicazida (DIAMICRON®), da glipizida (MINIDIAB®), e da glimepirida (AMARYL®) [7, 8, 9]. O mecanismo de ação das sulfoniluréias não está bem esclarecido. A curto prazo, elas aumentam a secreção de insulina, mas a longo prazo, ou seja, mais de 6 meses, a secreção de insulina pode estar igual ou até diminuída em relação aos níveis iniciais [10]. É possível que as sulfoniluréias tenham efeito aumentando o número de receptores de insulina e/ou efeito pós-receptor, facilitando as ações da insulina [10]. A indicação do tipo da sulfoniluréia depende da idade do paciente, da tolerabilidade e do custo da medicação. Deve-se iniciar com um a dois comprimidos, em jejum, observar a resposta por duas a três semanas e, se necessário, aumentar a dose. A maioria das sulfoniluréias são degradadas a nível hepático e se formam metabólicos ativos que podem agir até dias após suspensão da droga. A dose máxima diária a ser utilizada varia ( Tabela 3). Estes comprimidos devem ser ministrados em jejum e no caso de insuficiência renal a dose deve ser reduzida. 8 Leila M B Araújo Diabetes & Metabolism Os efeitos colaterais são observados em 3 a 5% dos pacientes: hipoglicemia, hematológicas (leucopenia, agranulocitose), gastro-intestinais (náuseas, vômitos, gosto metálico) e reações alérgicas. Os efeitos colaterais mais freqüentes são : tendência a ganho ponderal, aumento dos níveis de insulina e hipoglicemia, sendo este último mais comum em diabéticos em uso de sulfoniluréia de ação prolongada e pode ser potencializado pelo uso concomitante de salicilatos, sulfa, fenilbutazona, isoniazida, entre outros. Após cinco anos de uso de sulfoniluréia, cerca de 50% dos diabéticos podem apresentar falência secundária. As contra-indicações para seu uso são: diabéticos jovens e/ou magros, diabéticos com insuficiência hepática ou renal, gravidez, a presença de infecção, cetose e diabetes secundário à pancreatite. As sulfoniluréias podem ser administradas em associação às biguanidas, à acarbose e à insulina [11, 12]. Em relação as biguanidas, temos disponíveis o metformin (GLUCOFORMIN®, GLIFAGE®, DIMEFOR®) e o fenformin (DEBEI®). As vantagens das biguanidas em relação às sulfoniluréias é que não causam hipoglicemia, não aumentam a secreção de insulina e diminui os níveis de colesterol e triglicérides [13, 14] e têm efeito anorético. Elas agem diminuindo a absorção intestinal da glicose, diminuindo a produção hepática da glicose e aumentando a oxidação da glicose periférica por via anaeróbica. Isto faz aumentar os níveis de ácido lático e pirúvico no sangue, estando portanto as biguanidas contra-indicadas em pacientes com insuficiência hepática, renal ou cardíaca e alcoolismo. As biguanidas têm sido indicadas em diabéticos obesos nos quais a dieta apenas não consegue controlar os níveis glicêmicos, pois o seu efeito anorético auxilia na perda de peso. Elas são apresentadas em comprimidos de 500 e 850 mg e a dose máxima a ser utilizada é de 2000 mg/dia, sempre administrada após as refeições. Elas podem também ser utilizadas em associação com as sulfoniluréias ou a insulina. Os efeitos colaterais mais freqüentes são diarréia (15%), gosto metálico, náuseas, os quais por vezes diminuem com a continuidade da medicação. Acidose lática é rara (0,4 a 0,03/ 1000/ano) e tem sido descrita na maioria das vezes em indivíduos nos quais as biguanidas estariam contra-indicadas, tais como insuficiência hepática e insuficiência renal. Foi recentemente lançado no Brasil, os inibidores competitivos da alfa-glicosidase, como a acarbose (GLUCOBAY®), e em outros países já foram lançados o miglitol e o voglibose18, que agem como antagonistas enzimáticos da amilase e sucrase e diminuem a absorção intestinal da glicose16. A acarbose não interfere na secreção de insulina. Tem importante efeito em diminuir a hiperglicemia pós-prandial e pode ser utilizado em associação com insulina ou outro hipoglicemiante [17]. A acarbose é apresentada em comprimidos de 50 e 100 mg e a dose diária máxima é de 200mg. A tolerância é boa e os efeitos colaterais mais freqüentes são flatulência (20 a 55%), diarréia (3 a 14%), dores abdominais (8 a 21%) e elevação das transaminases. Nos Estados Unidos foi lançado a tioglitazone (Rezulin®), que age aumentando a sensibilidade à insulina e diminuindo a produção hepática da glicose [19, 20]. Outras drogas estão em estudo, tais como piroglirida, o lisoglirida que agem aumentando a oxidação da glicose nos tecidos sem aumentar o ácido lático [8]. Outras substâncias também em estudo inibem a gluconeogênese, como o acipimox e o etomoxir [8]. TABELA 3 - Hipoglicemiantes orais disponíveis no Brasil Droga Nome comercial Apresentação Duração de ação Dose máxima Clorpropamida Clorpropamida® Diabinese® Comp. 250 mg + 36 h 500 mg Glibenclamida Daonil® Euglucon® Lisaglucon® Comp. 5 mg 6-12 h 20-30 mg Gliclazida Diamicron® Comp. 80 mg 6-12 h 240 mg Glipizida Minidiab® Comp. 5 mg 4-10 h 20 mg Glimepirida Amaryl® Comp. 2 mg e 4 mg 5-8 h 8 mg Metformin Dimefor® Glifage® Glucophage® Comp. 500 mg e 850 mg 9-12 h 200 mg Fenformin Debei® Comp. 50 mg 4-6 h 150 mg 3h 200 mg Sulfoniluréias Biguanidas Inibidores da alfa glucosidade Acarbose Glucobay® Comp. 50 mg e 100 mg Vol. 01, supl. 1, 1997 Em resumo, o tratamento do diabetes tipo II apresenta novas opções farmacológicas, podendo ser utilizado monoterapia com sulfoniluréia, biguanidas ou inibidor de alfa glucosidase, como também em associação. Tudo dependerá das características do paciente, da sua resposta terapêutica, do custo da medicação e da experiência do médico. Em diabéticos tipo II magro, ou de longa duração, quando não se obtém um controle satisfatório com as medidas terapêuticas acima mencionadas, deve ser indicado a insulinoterapia, isoladamente, ou em associação com o hipoglicemiante oral. O importante é que se tenha o melhor controle glicêmico possível, para minimizar a progressão das complicações micro e macrovasculares. NOVAS OPÇÕES NO TRATAMENTO ... 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Kahn CG & Weir GC. Joslin’s diabetes mellitus. 13th edition. Eds Philadelphia, PA, Lea & Febiger, 1994. Malerbi DA, Franco LJ. Multicenter study of the prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban Brasilian population aged 30-69yr. Diabetes Care, 1992, 15, 1509. American Diabetes Association. Nutrition recommendations and principles for people with diabetes mellitus. Diabetes Care,1997, 20 (suppl 1), 514-17. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group: the effect of intensive trectment of diabetes on the devolopment and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med, 1993, 329, 977. Wing RR, Blair EH, Bononi P, Marcus MD, Watahabe R, Bergman RN. Caloric restriction per se is a significant factor in improvements in glycemic control and insulin sensitivily during weight loss in obese NIDDM patients. Diabetes Care, 1994, 17, 30-36. Zeller KR. Low protein diet in renal disease. Diabetes Care, 1991, 14, 856. Proietto J. Treatment options in type II diabetes. The Endocrinologist,1992, 2, 107. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 9 Bressler R, Johnson D. New pharmacological approaches to therapy of NIDDM. Diabetes Care, 1992, 15, 792-805. Groop LC. Sulfonylureas in NIDDM. Diabetes Care, 1992, 15, 737-754 Araújo LMB. Efeitos da glibenclamida a curto e a longo prazo na homeostase glicêmica de diabéticos tipo II: estudo da secreção de insulina e dos receptores de insulina em eritrócitos. São Paulo, 1984 (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo). Peters AL, Davidson MB. Insulin plus a sulfonylurea agent for treating type 2 diabetes. Ann Intern Med, 1991, 115, 45-53. Lebovitz HE. Stepwise and combination drug therapy for the treatment of NIDDM. Diabetes Care, 1994, 17,1542-44. Bailey CJ & Turner RC. Metformin. N Engl J Med, 1996, 334, 574-9. Wu MS, Reaven GM. Effect of metformin on carbohydrate and lipoprotein metabolism in NIDDM patientes. Diabetes Care, 1990, 13, 1-8. Giulano D, De Rosa GDM, Marfella R, Acampora R, Buoninconti FD. Metformin improves glucose, lipid metabolism, and reduces blood pressure in hypertensive, obese women. Diabetes Care, 1996, 10,1387-90. Jennmey A, Proietto J, O’Dea K, Nankervis A, Traianedes K, D’Embden E. Low-dose acarbose improves glycaemic control in NIDDM patients without changes in insulin sensitivity. Diabetes Care, 1993, 16, 499-502. Conift RF, Shapino JA, Robbins D, Kleinfield R, Seaton TB, Beisswenger P, McGill JB. Reduction of glycosylated hemoglobin and postprandial hyperglycemic by acarbose in patients with NDDM: a placebo - controlled dose - comparison study. Diabetes Care, 1995, 18, 779-84. Hoogwerl BJ, Santiago JV, Pi-Sunyer FX, Krol A. Effects of the carbohydrate inhibitor miglitol in sulfonylurea-treated NIDDM patients. Diabetes Care, 1994, 17, 20-29. Nolan JJ, Ludvik B, Beerdsen P, Joyce M, Olefsky J. Improvement in glucose tolerance and insulin resistance in obese subjects treated with troglitazone. New Engl J Med, 1994, 331,1188-93. Iwamoto Y, Kosaka K, Kuzaya T, Akanuma Y, Shigeta Y, Kaneto T. Effects of troglitazone : a new hypoglycemia agent in patients with NIDDM poorty controlled by diet therapy. Diabetes Care, 1996, 11,151. Foley JE. Rational and application of fatty acid and oxidation inhibitors in treatment of diabetes mellitus. Diabetes Care, 1992, 15, 773-784. 10 Diabetes & Metabolism Cartas Pelos seus elevados níveis de prevalência e o impacto da sua morbidade, mortalidade e de piora de qualidade de vida, as moléstias crônicas como a doença coronariana, a hipertensão e especialmente o diabetes mellitus, vem adquirindo neste final de século ( e de milênio ), uma especial importância como um problema de saúde de nossa população. Entretanto, apesar dos significativos avanços ultimamente obtidos no controle metabólico e epidemiologia do diabetes, a efetividade de sua terapêutica e possível prevenção, ainda dependem da aquisição de maiores conhecimentos na fisiopatia e etiopatogenia da doença. Para que possamos adquirir um grau mais avançado do conhecimento da (s) causa (s) do diabetes que nos permita obter novas formas de terapêutica e de prevenção da moléstia ou mesmo para o desenvolvimento de novas técnicas de controle clínico, se faz necessário um incremento nas atividades de pesquisa e no treinamento amplo e adequado de profissionais envolvidos com o seu tratamento. à pesquisadores, especialistas clínicos e outros profissionais de saúde envolvidos com o atendimento de pacientes diabéticos. O lançamento da conceituada publicação Diabetes & Metabolism em língua portuguesa vem certamente auxiliar a preencher a lacuna da falta deste tipo de material em nosso meio, permitindo aos nossos profissionais e estudiosos da área, a obter em nosso idioma, informações imediatas e atualizadas de forma semelhante a que dispõem nossos colegas europeus. Portanto, é com grande satisfação que parabenizamos tal iniciativa, saudamos a sua chegada ao nosso País e oferecemos todo nosso apoio. Para a consecução destes objetivos, um dos óbices reconhecidos para a sua efetivação reside na deficiência quantitativa e qualitativa de material didático e informativo, que possibilitem o acesso a novos conhecimentos e tecnologias Prof. Dr. Antonio Carlos Lerário, Presidente da Sociedade Brasileira do Diabetes - SBC Cher Collègue, C’est un message de bienvenue chalereux et amical que l’Association de Langue Française pour l’Étude du Diabète et des Maladies Métabiliques (ALFEDIAM) voudrait vous transmettre à l’occasion de la naissance de ce nouveau magazine de Diabetes & Metabolism dans votre langue. Les liens culturels entre le Brésil et la France sont très anciens et permanents. Cette richesse de tradition commune s’est exprimée notament. au long des siècles, sur le même mode de pensée aussi bien en littérature que dans l’ordre scientifique. La naissance d’un magazine scientifique dont l’objet est la diffusion et l’échange d’informations à propos du diabète en est, s’il nécessaire, une preuve supplémentaire. La version française de Diabetes & Metabolism est née il y aura plus de 20 ans. Elle a été et reste encore l’organe d’expression de la diabetologie française. Dans ces pages, au long des décades passées, les endocrinologistes, les diabetologues ont su trouver, au fil des parutions, aussi bien des articles originaux que des mises au point périodiques nécessaires. Le choix fait par la diabetologie brésilienne, sous l’édige de la Société Brésilienne du Diabète et son Président, le Professeur LERÁRIO, de cette démarche est un grand honneur pour l’ALFEDIAM et pour notre pays. Nous souhaitons donc le plus grand succès à la revue brésilienne Diabetes & Metabolism ainsi qu’une longue vie d’échanges féconds. Professeur Gérard CATHELINEAU Président de l’ALFEDIAM Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997,01, 11-19 Revisão SÍNDROME DE RESISTÊNCIA À INSULINA E COMPLICAÇÕES VASCULARES DO DIABETES MELLITUS NÃO INSULINO-DEPENDENTE A. Fontbonne* RESUMO Embora a maioria dos estudos de coortes tenham mostrado que o diabetes é um fator de risco cardiovascular, os mecanismos permanecem obscuros. A hiperglicemia define esta desordem mas não fornece os critérios para a causalidade. No entanto, há novas indicações para um possível papel de uma síndrome aterogênica e diabetogênica originadas na resistência à insulina, a qual foi primeiramente descrita por Reaven como “Síndrome X”. Em sua forma completa, esta síndrome inclui hiperinsulinemia, intolerância à glicose, dislipidemia, pressão sanguínea alta e deficiência fibrinolítica. Os complexos processos patofisiológicos que levam ao agrupamento destas anormalidades ainda estão obscuros, mas provavelmente relacionam-se aos depósitos excessivos de gordura intra-abdominal (clinicamente expressa por distribuição de gordura no tronco superior) e uma combinação de resistência à insulina e hiperinsulinemia. A presença da resistência à insulina e da hiperinsulinemia nos indivíduos pré-diabéticos e seu papel de prognosticador do Diabetes Mellitus não insulino-dependente , tem sido documentada em vários grupos étnicos sugerindo um processo de duas fases na história natural da doença, i.e., uma primeira fase de resistência à insulina compensada, seguida de uma queda da resposta secretória de insulina, levando à fase hiperglicêmica (diabetes). Nos Caucasianos pelo menos, nos quais a síndrome de resistência à insulina inclui claras anormalidades na maior parte de seus elementos potencialmente aterogênicos, esta história natural sugere que as complicações cardiovasculares associadas ao diabetes mellitus não insulino-dependente, originam-se da fase pré diabética inicial da doença. Uma prevenção precoce iria teoricamente requerer intervenção para todos os indivíduos com obesidade no tronco superior que apresentam a síndrome da resistência à insulina, antes da hiperglicemia ocorrer (ou mesmo se ela nunca vier a ocorrer). SUMMARY Although most cohort studies have shown that diabetes is a risk factor for cardiovascular disease, the mechanisms remain unclear. Hyperglycaemia defines this disorder but does not provide the criteria for causality. However, there are new indications for the possible role of a potentially atherogenic and diabetogenic syndrome rooted in insulin resistance, which was fSIRt described by Reaven as “syndrome X”. In its complete form, this syndrome includes hyperinsulinaemia, glucose intolerance, dyslipidaemia, elevated blood pressure and fibrinolytic impairment. The complex pathophysiological processes leading to the clustering of these abnormalities are still unclear but probably relate to excessive intra-abdominal fat deposits (clinically expressed by upper body fat distribution) and combined insulin resistance and hyperinsulinaemia. The presence of insulin resistance and hyperinsulinaemia in pre-diabetic individuals, and their predictive role in non-insulin dependent diabetes mellitus, has been documented in various ethnic groups, suggesting a two-step process in the natural history of the disease, i.e. “compensated” insulin resistance followed by failure of insulin secretory response leading to a hyperglycaemic (diabetic) phase. In Caucasians at least, in whom the insulinresistance syndrome includes clear abnormalities in its most potentially atherogenic elements, this natural history suggests that the cardiovascular complications associated with non-insulin dependent diabetes mellitus originate from the initial “pre-diabetic” phase of the disease. Early prevention would theoretically require intervention before hyperglycaemia occurs (or even if it will never occur) for all upper body obese subjects who present with insulinresistance syndrome. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 305-313. Unitermos: Síndrome da resistência à insulina, diabetes mellitus não insulinodependente, complicações cardiovasculares, história natural do diabetes mellitus não insulino-dependente. Keywords: Insulin-resistance syndrome, non-insulin-dependent diabetes mellitus, cardiovascular complications, natural history of non-insulin-dependent diabetes mellitus. ✍ Esta revisão é baseada na tese de doutorado do Dr. Fontbonne “Risque cardiovasculaire des diabétiques non-insulino-dépendants. Evaluation du rôle de l’insulino-résistance et des anomalies métaboliques qui lui sont liées”, Université Paris XI, 1994. : *A. Fontbonne, NESC/CPqAM/FIOCRUZ, Rua dos Coelhos 450, Coelhos, 50.070-050 Recife/PE, Brasil. INSERM U21, Villejuif, France. 12 A. Fontbonne A maior parte dos estudos de coortes efetuados há poucas décadas para elucidar os fatores de risco potencialmente reversíveis da doença cardiovascular (CVD) mostraram que o diabetes mellitus era realmente um dos tais fatores, independendo da idade, pressão sanguínea, consumo de tabaco ou concentração de colesterol plasmático [1-3]. No entanto, permanecem ainda obscuros os mecanismos envolvidos. Contrariamente aos resultados para hipertensão e hipercolesterolemia [4-5], a correção da hiperglicemia , na qual se baseia a definição de diabetes [6], fracassou quanto a redução da incidência de CVD, pelo menos nos pacientes diabéticos não insulino-dependentes que constituem a vasta maioria dos estudos epidemiológicos [7-8]. Assim, o estado hiperglicêmico provavelmente não seja a razão ( ou pelo menos não a única razão) porque pacientes diabéticos tem um risco maior de complicações vasculares. Neste caso, qual fator que poderia ser o responsável por esse aumento de risco que fosse diferente da hiperglicemia, mas suficientemente específico para o diabetes mellitus não insulino-dependente (DMNID), para qualificar-se como um prognosticador independente de CVD ? Uma primeira tentativa de resposta a esta pergunta surgiu há 15 anos atrás quando os níveis de insulina plasmática foram tidos como sendo o que “desaloja” o diabetes da lista de fatores de risco independentes em 3 estudos prospectivos [9-11]. Desde então, as pesquisas clínicas e epidemiológicas tem apoiado o conceito do poder patogênico potencial de um grupo de anomalias associadas a altos níveis plasmáticos de insulina [12-14]. Este grupo é conhecido por vários nomes, mas vamos nos referir a ele como a síndrome de resistência à insulina (SRI). O propósito desta análise é reunir evidências que sugerem que o DMNID pode estar associado ao maior risco de doença cardiovascular somente porque é uma forma clínica de SRI. ■ HIPERINSULINEMIA: um prognosticador do risco cardiovascular e um sinal de um agrupamento de anormalidades Como radioimunoensaio tornou possível medir a concentração da insulina circulante com algum grau de sensibilidade e reprodutividade [15], vários estudos representativos mostraram que a doença cardiovascular predominante era associada a alta concentração plasmática de hormônio [16-18]. Esta descoberta coincidiu com o início de três estudos (policiais de Helsinki, Prospectivo de Paris e de Busselton) os quais estabeleceram a veracidade da relacão [9-11, 19-21], apesar de pequenas diferenças provavelmente resultantes da variabilidade de artefatos (metodologia) [2223]. Entretanto, o estudo de Busselton, o único incluindo mulheres, mostrou que neste sexo somente o nível de colesterol aparece como um prognosticador de eventos cardiovasculares [10]. Isto confirmou a relação cruzada entre a insulina e a doença cardiovascular, mas restringiu o fato aos homens, o que forneceu a primeira evidência convincente contra sua natureza causal (embora há muito negligenciado). A insulina parece ser um sinal poderoso de futuro CVD Diabetes & Metabolism em coortes de homens “saudáveis”, mas sem constituir uma causa plausível para este grupo de doenças. Altas concentrações de insulina simplesmente indicaram uma situação de risco, especificamente em homens. O estudo dos correlatos da hiperinsulinemia nos homens, (e, como veremos, em mulheres com obesidade no tronco superior) revelou a existência de um grupo de defeitos clínicos e metabólicos que poderia ser qualificado como síndrome potencialmente aterogênica e diabetogênica. Metabolismo da Glicose - O primeiro defeito óbvio referese à regulação da homeostase da glicose, embora a observação comum não seja de hipoglicemia crônica, apesar de elevada insulina circulante. Pelo contrário, a maioria dos estudos tem apontado a intolerância à glicose [24] ou diabetes franca [25] como os correlatos da hiperinsulinemia. Esta situação paradoxal indica ou uma baixa atividade do próprio hormônio à qual é biologicamente determinada ou à existência de resistência à insulina para a ação hipoglicêmica da insulina, ou seja, resistência à insulina à ação hipoglicêmica, i.e. resistência celular à insulina estimulada por absorção de glicose, ou uma baixa atividade biologicamente determinada do próprio hormônio. Esta última explicação teve apoio na descoberta de que os precursores da insulina (pró-insulina e split-pró-insulina) , que são muito menos ativos do que a própria insulina, reagem com a chamada “insulina” de radioimunoensaio e que estes precursores estão presentes em altas proporções no sangue de pacientes diabéticos [26]. No entanto, esta explicação não parece se aplicar à indivíduos com intolerância à glicose [27], enquanto que a resistência à insulina tem sido demonstrada através da técnica de clamp euglicêmico, em conjunto com a intolerância à glicose [28] e o DMNID [29]. Assim, o correlato principal da hiperinsulinemia (em homens) parece ser a resistência à insulina. Quando perturbada com a presença destes dois fatores, a homeostase da glicose tende a progredir para hiperglicemia crônica, embora distúrbios glicêmicos possam não ser uma consequência necessária do efeito combinado de hiperinsulinemia e resistência à insulina [12]. Contudo, indivíduos com hiperinsulinemia e resistência à insulina geralmente exibem níveis médios mais altos de glicose no sangue do que os que mantém a homeostase da glicose com níveis “normais” de insulina circulante e de sensibilidade insulínica. O contrário também é verdadeiro : com respeito à homeostase de glicose, os indivíduos com taxa de glicose no sangue mais alta que a média (i.e. com intolerância à glicose ou DMNID), na realidade “funcionam” quando sob concentrações plasmáticas de insulina mais altas que a média associadas a uma insulino-sensibilidade mais baixa que a média. Isto representa a primeira indicação para o enigmático “fator específico que predisporia diabéticos a complicações cardiovasculares”. Até este ponto, ainda não há um argumento convincente de que a hiperglicemia em associação com a resistência à insulina, cause danos cardiovasculares. Após alguns anos de controvérsia [30, 31], tem sido geralmente aceito que a hiperglicemia por si mesma provavelmente não desempenhe papel no processo aterosclerótico (ou trombótico) [22, 23, 32]. Entre- Vol. 01, supl. 1, 1997 tanto, outros correlatos dessa associação são tidos como suspeitos mais plausíveis, particularmente desordens lipídicas, anomalias fibrinolíticas e hiperatividade hemodinâmica. Suspeitos “Cardiovasculares”- A desordem lipídica mais comumente encontrada com hiperinsulinemia e resistência à insulina é a de triglicérides altos associados com baixas concentrações de colesterol HDL [33]. Não é de se surpreender que esta dislipidemia seja também um traço característico de DMNID [34]. Tem sido até mesmo proposto que este tipo de diabetes não seja uma doença do metabolismo de carboidratos mas um distúrbio da homeostase lipídica [35]. Os triglicérides circulantes, embora há muito descartados como fator de risco cardiovascular devido a sua próxima associação com colesterol LDL (o verdadeiro culpado [36]), são agora considerados como possíveis contribuidores para complicações cardiovasculares. Seja por sua própria capacidade ou por seus produtos de degradação (IDL - triglicérides ou sobras ) que se acumulam na parede arterial [37], ou sua associação biológica com baixos níveis de colesterol HDL [38], fator “protetório” (inibidor) conhecido contra as CVD [39], ou ainda seu papel como indicador da síndrome de “pequenas e densas partículas de LDL”, os triglicérides foram julgados altamente aterogênicos [40]. Em quantidades excessivas representam agora (pelo menos em alguns casos) um fator de risco cardiovascular claramente distinto da hipercolesterolemia [41]. É provável que este tipo de hipertrigliceridemia “aterogênica” esteja em geral associada a resistência à insulina e hiperinsulinemia [42]. A apoiar esta constatação está a descoberta epidemiológica de que em sujeitos com tolerância deficiente à glicose ou diabéticos, que tem em comum a hiperinsulinemia ou a resistência à insulina, bem como o perfil de dislipidemia e concentração triglicerídica, representa um dos mais fortes prognosticadores de doença arterial coronariana [43]. Há muito os defeitos de coagulação têm sido suspeitos de acompanhar a hipertrigliceridemia [44]. Neste contexto, a deficiência fibrinolítica associada a hiperinsulinemia e resistência à insulina foi detectada por pesquisadores franceses de Marseille. Embora suas investigações sejam baseadas em complicações cardiovasculares vistas em sujeitos com obesidade de tronco superior [45], suas constatações confirmam a associação de elevado antigen PAIl com atividade, elevado antigen t-PA e atividade englobulino fibrinolítica diminuída com hiperinsulinemia [46, 47]. Além do mais, ambos PAIl e t-PA têm sido agora considerados como fatores de risco cardiovascular [48, 49]. É de se notar que a pesquisa conduzida em Marseille refira-se principalmente a pacientes mulheres, embora com obesidade no tronco superior. Hipertensão - A hipertensão foi o item final incluído por Reaven em sua famosa descrição da “Síndrome X” em l988 [12]. A controvérsia sobre se o aumento da pressão sanguínea (um inquestionável fator de risco cardiovascular [50]) é realmente um correlato da hiperinsulinemia ou resistência à insulina, permanece não resolvida [51-52]. É certamente verdadeiro que a correlação entre insulina e pressão sanguínea não seja observada de forma consistente [53,54]. SÍNDROME DE RESISTÊNCIA À INSULINA ... 13 Entretanto, pelo menos na população Caucasiana, a associação entre a hipertensão e o grupo de anomalias presentes com a hiperinsulinemia e resistência à insulina, parece ser mais frequente do que um mero acaso isolado poderia permitir [55, 56]. Na verdade, a presente análise dos correlatos da hiperinsulenimia e resistência à insulina, indica tanto a potencialidade para uma síndrome bem como as limitações deste conceito unificador. Em alguns casos, mas não em todos, a hiperinsulenimia é encontrada (mais frequente do que mero acaso permitiria) junto com: anomalias na tolerância à glicose, dislipidemia, fibrinólise e provavelmente em casos mais raros como na hipertensão. O real desafio para os pesquisadores atualmente é identificar os mecanismos patofisiológicos responsáveis pelo agrupamento de todas essas anomalias. Antes de se considerar as muitas e frequentemente conflitantes hipóteses relacionadas a este problema, nós precisamos investigar outro fator envolvido que é a obesidade no tronco superior. ■ DISTRIBUIÇÃO DE GORDURA NO TRONCO SUPERIOR: um prognosticador de risco cardiovascular e provável participante na SRI A obesidade andróide, como foi chamada por J.Vague quando a descreveu [57], foi inicialmente suspeita de ser a causa de complicações cardiovasculares (e de DMNID) quase ao mesmo tempo em que foi iniciado o Estudo de Framingham. No entanto, não houve nenhuma confirmação antecipada, e somente os estudos de Gothenburg, algumas décadas mais tarde, demonstraram que a obesidade poderia ser algo mais que um simples indicador de pressão sanguínea alta e níveis altos de colesterol [58, 59]. A evidência epidemiológica do estudo de Framingham e outros confirmou que os índices clínicos da distribuição de gordura no tronco superior são prognosticadores independentes de vários terminais (endpoints) cardiovasculares tanto em homens com em mulheres [61, 62]. Como a distribuição de gordura no tronco superior é um sinal clínico, estes resultados imediatamente implicaram seus correlatos biológicos na busca para uma causa plausível do dano cardiovascular. A obesidade tipo andróide provou ser biologicamente melhor caracterizada por uma associação de hiperinsulinemia (notoriamente mais alta do que na obesidade no tronco inferior) com um grau médio de resistência à insulina para a absorção de glicose no âmbito patológico comumente encontrado em DMNID [63]. Seja em homens (cuja distribuição de gordura no tronco superior é regra) seja em mulheres (onde é mais rara essa distribuição de gordura), este padrão de distribuição de gordura foi associado com todas as anomalias descritas acima como sendo correlatas na associação de hiperinsulenimia - resistência à insulina [64]. A força e consistência do poder previsor dos índices de distribuição de gordura para complicações cardiovasculares não tem nada em comum com o que foi descoberto sobre as concentrações de insulina. Como ela é independentemente associada com terminais vasculares em ambos os sexos, a 14 A. Fontbonne distribuição de gordura no tronco superior é também o mais forte previsor de mortalidade coronária nos indivíduos diabéticos e intolerantes à glicose [65] e até mesmo tomam precedência sobre os níveis de insulina como um prognosticador independente da morte por doença coronária, conforme o Estudo Prospectivo de Paris [65]. Esse fato isolado parece conferir um provável papel central da obesidade andróide no que se refere a envolvimentos patofisiológicos que levam à constituição de uma síndrome potencialmente aterogênica. Conseqüentemente, este fator parece também contribuir para o mecanismo envolvido na SRI. Envolvimentos patofisiológicos provisórios relativos à SRIA distribuição de gordura no tronco superior, na maioria dos casos, indica a presença de uma massa excessiva de gordura intra-abdominal, a qual, ao contrário das camadas de gordura subcutânea, é metabolicamente muito ativa [67]. Este excesso de depósitos de gordura intra abdominal, combinado com os estímulos lipolíticos comuns, parece causar um maior fluxo de NEFA através da veia portal, a qual por sua vez estimula o anabolismo hepático de triglicéridesVLDL. Este simples mecanismo poderia responder pela presença de hipertrigliceridemia na SRI sem requerer uma escala completa de resistência à insulina diferencial no músculo, tecido adiposo e fígado [12, 33] e tão pouco qualquer resistência à insulina, exceto para o embotamento normal da sensibilidade insulínica nas células de gordura intra abdominal. Porém como foi visto, a resistência à insulina existe num contexto de massa excessiva de gordura intra abdominal. É hipotético se este é um resultado da oxidação hepática NEFA, a qual poderia reduzir o clearance da insulina hepática [68], ou um primum movens designado, possivelmente geneticamente para aumentar o depósito da gordura [69]. Qualquer que seja o caso, os principais fatores envolvidos na SRI parecem ser : a resistência à insulina, hiperinsulinemia e a distribuição andróide de gordura. Juntos, estes 3 fatores poderiam responder prontamente pela hipertrigliceridemia, embora talvez não pudessem ser responsáveis por outros distúrbios incluídos na síndrome. Uma redução no colesterol HDL é muito provavelmente um resultado direto de um aumento nos triglicérides VLDL, dado ao intrincado metabolismo destas lipoproteínas [38]. As explicações para a intolerância à glicose, pressão sanguínea elevada e a deficiência fibrinolítica são ainda mais desafiadoras. Os achados mais convincentes até o presente são os que ligam o metabolismo lipídico ao da glicose. Um excesso de síntese VLDL no fígado normalmente estimula a neogliconese e reduz o clearance da insulina hepática [68]. Embora estes dois fenômenos devessem compensar um ao outro no sentido de que a produção aumentada por uma elevação na insulina pós hepática que circula, o resultado mais provável parece ser uma hiperglicemia moderada com expectativa de hiperinsulinemia. Não se achou nenhuma razão convincente para este desajuste na compensação, mas tem sido sugerido que uma competição similar ocorre entre a oxidação lipídica e a da glicose a nível muscular, sem nenhum efeito no clearance da insulina, resultando pequena hiper- Diabetes & Metabolism glicemia descompensada [70], ou que haja até mesmo um efeito direto da hiperlipidemia na sensibilidade da célula pancreática ß para a glicose, enfraquecendo a resposta secretória de insulina à hiperglicemia [71]. O conhecido fenômeno da “glucotoxidade” [72] prevaleceria, prolongando ou até mesmo acentuando o desajuste do metabolismo da glicose . Apesar de concordância quase geral quanto à presença de intolerância à glicose na síndrome hiperinsulinemia resistência à insulina da distribuição da gordura no tronco superior, ainda há controvérsias sobre a inclusão da hipertensão no mesmo processo patofisiológico. Embora os proponentes discutam que há mecanismos pelos quais a hiperinsulinemia poderia induzir à hipertensão [51, 73], estudos metabólicos precisos das infusões da insulina crônica tem indicado que o hormônio é um vasodilatador [74]. Na verdade, a dinâmica da pressão sanguínea pode diferir em obesos e pessoas magras. Um estudo mostrou que os anteriores exibem um fluxo maior de sangue arterial no antebraço junto com uma resistência vascular mais baixa, se comparados com os magros [75]. Além do mais, foi constatado que o volume de fluídos extracelulares está relacionado com a distribuição da gordura e aumenta com a topografia abdominal [76]. Como a normalização da pressão sanguínea poderia ser alcançada de forma diferente na presença da obesidade andróide, não é absurdo supor-se que uma leve descompensação nos mecanismos (como com hiperglicemia em SRI ) possa resultar em hipertensão. Mais uma vez, o foco poderia estender-se desde a hiperinsulinemia até a inclusão do possível papel específico da gordura visceral. Entre hipóteses emergentes nesta área de interesse há uma digna de nota que é a recém descoberta capacidade das células adiposas de secretar o angiotensinogen [77]. Finalmente, mesmo que a existência da deficiência fibrinolítica em conjunção com os maiores sinais de SRI possa agora ser considerada como um fato estabelecido [47, 78], o mecanismo responsável por este relacionamento não foi completamente elucidado. Em particular, estudos “in vivo” não parecem reproduzir “in vitro” resultados de que tanto a insulina como os triglicérides VLDL tem um efeito estimulante na síntese de PAIl [79]. Estas observações indicam que há bases para a suposição de uma síndrome, i.e. um conjunto de sintomas com um elo comum entre eles. Como muitas outras síndromes, esta pode ser completa ou não, e pode variar em expressão de indivíduo para indivíduo ou através de sub grupos. Um estudo destas variações em expressão pode trazer luz sobre o ainda enigmático “elo comum” dentro da síndrome, como também sobre seu potencial para causar doença manifesta como DMNID ou a doença cardiovascular . ■ SÍNDROME DE RESISTÊNCIA À INSULINA ATRAVÉS DE GRUPOS HUMANOS A síndrome da resistência à insulina tem sido extensivamente estudada em Caucasianos (Europids), e o conceito norteou o estudo dos fatores de risco para DMNID em Índios asiáticos, Índios americanos, Mexicano-ameri- Vol. 01, supl. 1, 1997 canos ,vários grupos étnicos do Pacífico e Oceano Índico e Aborígenes da Austrália. A expressão da síndrome nos Negros americanos e Caribenhos está agora sendo objeto de análise. Entre estas várias populações, a “completa” expressão da síndrome, i.e. com todos elementos listados por Reaven na “Síndrome X” [12] e acrescentando-se a distribuição de gordura andróide e defeitos fibrinolíticos, foi encontrada nos Caucasianos e Índios asiáticos. Curiosamente estes 2 grupos étnicos são também os que claramente tem um alto risco para CVD [81], enquanto outros são mais inclinados para desenvolver DMNID do que complicações cardiovasculares. Expressões incompletas da síndrome - Os índios Pima do Arizona e os Micronésios da Ilha de Nauru no Pacífico foram estudados em profundidade para elucidar os fatores de risco para DMNID, uma doença que afeta até 50% dessas populações. O que se retém destes estudos é o fato de que a resistência à insulina é um aspecto comum destes grupos étnicos, tanto em indivíduos diabéticos como em não diabéticos [82, 83]. A hiperinsulinemia, tanto em jejum como pós estímulo na ausência de diabetes franca, a obesidade (tronco superior) e claro, uma larga intolerância à glicose, se não diabetes, foram achadas junto com a resistência à insulina. Além do mais, pelo menos no grupo de índios Pima, as concentrações de triglicérides plasmáticos são mais altas do que nos Caucasianos, enquanto que os níveis de colesterol são consideravelmente mais baixos [84]. A hipertensão definitivamente não é uma característica nestes povos nos quais a pressão sanguínea nem mesmo correlaciona-se com as concentrações de insulina plasmática [53, 54]. Um quadro muito similar emerge de estudos em Mexicano-americanos, embora as esperadas anormalidades glicêmicas sejam menos comuns, visto que a suscetibilidade ao diabetes é muito mais baixa do que nos índios Pima ou nos Nauruanos. Entretanto, neste grupo existe uma correlação entre o “básico” do SRI (hiperinsulinemia, resistência à insulina ou a distribuição de gordura no tronco superior) e concentrações de triglicérides ou pressão sanguínea [56]. Novamente, em outras populações como as das Ilhas Maurício ou Afro-americanos, a expressão mais comum da síndrome inclui anormalidades de glicose e triglicérides (e colesterol HDL) embora moderada se comparada com os Caucasianos, enquanto que a pressão sanguínea tende ser um fator isolado. Embora a pressão sanguínea alta ( frequentemente não a níveis hipertensivos) esteja incluída no grupo hiperinsulinemia - intolerância à glicose-dislipidemia - obesidade tipo andróide, em uma maior proporção do que o mero acaso permitiria, ela não tem uma correlação independente clara com qualquer um de seus elementos [85, 86]. Todos esses resultados epidemiológicos nos transmitem uma visão um tanto dicotômica da síndrome : de um lado, o grupo “insulina-glicose-lipídio” supõe uma resistência à insulina e/ou obesidade no tronco superior como elo comum, com variações de intensidade através de grupos étnicos e com as respectivas partes de metabolismo de glicose e lipídios sendo mais ou menos perturbadas. Por outro lado, anomalias da pressão sanguínea sendo frequentemente achadas em conjunção com o grupo, mas SÍNDROME DE RESISTÊNCIA À INSULINA ... 15 possívelmente não associadas com ele pelo mesmo elo comum que une seus elementos. Resistência à insulina como fator de risco para DMNID Através das várias apresentações da SRI através de grupos humanos, um dado constante permanece : os distúrbios na homeostase da glicose. Estes variam da pequena intolerância à glicose ao diabetes manifesto, com a possibilidade do anterior induzir a este último, uma vez que a deficiência na tolerância à glicose é de fato um fator de risco para diabetes [87]. No entanto, como essa deficiência de tolerância é também um traço bastante presente na SRI, a síndrome pode desempenhar um papel na ocorrência do estado hiperglicêmico crônico conhecido como DMNID. Todos os estudos efetuados em grupos de alto risco para DMNID, como os dos índios Pima ou dos Nauruanos, têm sugerido um papel proeminente para a resistência à insulina como precursor e prognosticador da doença. Resultados de pesquisas mostraram um desenvolvimento de duas fases em direção ao diabetes. Na primeira fase, a resistência à insulina-interferida na absorção de glicose é a característica central, e está associada com altos níveis de insulina pré-prantial ou pós estímulo, enquanto que a glicemia permanece mais ou menos “sob controle”, com valores dentro da escala da deficiência de tolerância. A segunda fase é desencadeada devido a uma rápida queda na resposta secretória da insulina à carga de glicose resultando em hiperglicemia descontrolada, embora os níveis de insulina préprandial continuem altos por um período maior, indicando a persistência da resistência à insulina através de todo o processo [88]. Além do mais, uma hiperglicemia descontrolada , ou diabetes, é melhor prevista por altos níveis de insulina pré-prandial tanto quanto depois de estimulada, quando os indivíduos estão ainda com tolerância normal à glicose, enquanto que um declínio na resposta secretória da insulina é o maior prognosticador da descompensação para diabetes em pacientes com tolerância prejudicada [89, 90], apontando para um pré-requisito de duas fases no estabelecimento do DMNID : resistência à insulina seguida de falha secreção de insulina. Embora esta história natural do diabetes tenha sido obtida através de estudos de grupos étnicos peculiares, em termos de predisposição genética à DMNID, outros estudos deram suporte à idéia de duas fases do processo e do poder previsivo da resistência à insulina, seja diretamente estimulada ou identificada através de sinais (hiperinsulinemia ou distribuição de gordura no tronco superior), para a incidência do diabetes [91-95]. Portanto, o DMNID pode ser visto como uma das conseqüências patogênicas posssíveis da SRI, a qual é um participante na história natural da doença, pois é o aspecto central da primeira fase de DMNID, que poderia também ser chamada de “fase normoglicêmica de DMNID”. Conseqüências patogênicas da primeira fase do DMNIDSe uma síndrome complexa, com vários componentes potencialmente aterogênicos (ou trombogênicos), precede o início do DMNID, é de se esperar que as complicações cardiovasculares já estejam presentes no momento em que o diabetes é diagnosticado. Esta constatação epidemiológi- 16 A. Fontbonne ca, era perturbadora quando o dano arterial era tido como consequência da segunda fase do diabetes (hiperglicemia), mas tem sido repetidamente confirmada através dos anos [96, 97]. Outra constatação perturbadora no entanto permanece : a dissociação, em alguns grupos étnicos (mais nos índios Pima), entre uma aparentemente forte predisposição ao diabetes e uma baixa incidência geral de doença cardiovascular [98]. Incidentalmente, isto também descarta o argumento de um longo período de hiperglicemia “escondida” ou “não diagnosticada” responsável pela presença de complicações cardiovasculares já avançadas quando do diagnóstico do diabetes. O que pode estar “escondido” ou de todo inexistente nos índios Pima antes de diagnosticado o diabetes não é certamente a hiperglicemia. A julgar pelo modo como a SRI apresenta-se neste grupo étnico, um dos elementos mais prováveis que resultariam em dano cardiovascular parece ser o fator hipertensão. Isto significaria que o diabetes e as complicações cardiovasculares simplesmente não estão relacionadas e que os primeiros estudos de coortes que identificavam o diabetes como fator de risco para a complicação cardiovascular forneceram dados errôneos (i.e. o diabetes poderia ser simplesmente considerado como um fator confundidor) ? Excluindo-se as (raras) populações as quais exibem a mesma dissociação entre o diabetes e a incidência de CVD como os índios Pima, toda evidência sugere o contrário. Na maioria dos casos o risco cardiovascular ajustado de um indivíduo diabético é de 1,5 para 2 vezes maior do que o risco para a população em geral [3, 99]. Isto também implica que o risco cardiovascular absoluto de um diabético depende do risco geral da população à qual ele pertence, ou, em outras palavras, que o diabetes “modula” (“aumenta”) o risco cardiovascular basal de uma dada população num dado meio ambiente. Como existe evidência suficiente para sugerir que as complicações cardiovasculares do diabetes na verdade advêm da primeira fase “normoglicêmica” da desordem , i.e. a resistência à insulina compensada, parece válido considerar até que ponto a modulação do risco atribuída ao diabetes pode pertencer de fato à SRI . Um estudo de San Antonio, Texas [100], mostrou que Mexicano-americanos (não diabéticos), apesar de sinais óbvios de uma resistência à insulina mais pronunciada (hiperinsulenimia e distribuição de gordura corporal no tronco superior) do que em Anglo-saxônicos, estavam hipertensos com menos freqüência considerando-se os critérios da OMS, i.e. eram menos prováveis de apresentar valores de pressão sanguínea acima dos limites que definem hipertensão. Entretanto, havia ainda, em ambos os grupos, uma associação positiva da mesma magnitude entre os níveis da insulina plasmática e pressão sanguínea. Daí a menor prevalência de hipertensão nos Mexicano-americanos poderia ser levada em conta apenas se adiantássemos a hipótese de um valor basal populacional mais baixo para a pressão sanguínea do que nos Anglo-americanos. Este valor poderia ser “aumentado” pela hiperinsulinemia (ou outros correlatos da SRI), embora sem exceder os limites da OMS. Uma observação semelhante foi obtida da comparação de Afro-caribenhos e Caucasianos em uma análise do estudo da France Telecom [101]. Diabetes & Metabolism Apesar de serem mais hiperinsulinêmicos na média, os Afrocaribenhos tendiam a ter um perfil metabólico melhor em termos de pressão sanguínea, triglicérides séricos e glicemia. No entanto, dentro do grupo de Afro-caribenhos, aqueles que tinham níveis mais altos de insulina apresentavam valores significantemente mais elevados para as 3 variáveis, em comparação aos Afro-caribenhos normoinsulinêmicos. Uma vez mais, isto favorece uma modulação induzida por, ou relacionada a uma elevação da concentração plasmática de insulina. O quadro que emerge destes vários resultados é de uma modulação ou multiplicação do risco cardiovascular basal, que ocorre na primeira fase compensada, puramente insulino-resistente do DMNID, através de modulação ou aumento dos mais prováveis componentes aterogênicos da SRI. Dependendo do perfil étnico ou ambiental, a elevação na pressão sanguínea ou dos triglicérides (e possivelmente fatores antifibrinolíticos) iriam ou não produzir tais valores, que um aumento do risco cardiovascular se tornaria perceptível. Finalmente, parece que a própria variabilidade na SRI impossibilita qualquer predição de seu poder patogênico enquanto todos os seus elementos não forem devidamente avaliados. ■ CONCLUSÃO Após entusiasmo inicial considerável sobre o “quarto” fator de risco cardiovascular (muitas vezes conhecido como síndrome X, ou síndrome metabólica, ou síndrome da resistência à insulina, etc) o progresso tem sido relativamente lento. O útil conceito unificador para explicar porque as pessoas obesas tem um risco cardiovascular maior do que outras, tem sido atacado e reverenciado nos anos recentes, deixando muitas questões sem resposta. No entanto, algumas “verdades” foram aprendidas ao longo do caminho, principalmente no que se refere aos Caucasianos, a patogênese do DMNID, e o componente inexplicado de doenças cardiovasculares, antes atribuído ao diabetes (i.e. hiperglicemia crônica) mas não mais atribuível a ele (pelo menos, no sentido restrito de hiperglicemia crônica). O termo Caucasianos (ou Europídeos, brancos, etc) sugere um único grupo étnico mas de fato refere-se à população humana afluente se comparadas à maioria dos outros povos do nosso planeta. Por esta razão, ou possívelmente por causa de um desconhecido fator genético de predisposição, eles mostram a mais alta incidência e prevalência mundial de doenças cardiovasculares. Eles são atormentados por hipertensão, hiperinsulinemia, e a crescente obesidade (tronco superior nos homens) deve ser combatida constantemente, embora esta atitude seja mais frequente em mulheres. É nesta população particular que a SRI é completa, ou melhor, é de observações destas populações que a síndrome foi descrita pela primeira vez. É também nesta mesma população que estudos anteriores identificaram índices da distribuição de gordura corpórea no tronco superior (ou a hiperinsulinemia em homens) como prognosticadores independentes de CVD. Portanto apesar de muitas perguntas permanecerem quanto à razão porque e quanto ao primum movens do agrupa- Vol. 01, supl. 1, 1997 mento de anormalidades que constituem a SRI “Caucasiano”, o fato é que ela existe e agrupa elementos de potencial aterogênico com valores próximos ou já dentro do âmbito para a determinação de aumento perceptível do risco da doença, o que é antecipadamente associado com a ocorrência de acidentes cardiovasculares. Isto é suficiente para se suspeitar do papel causal em CVD, embora reste ainda ser provado. Enquanto isso, é provavelmente mais seguro considerar os indivíduos obesos no tronco superior com pequenos distúrbios na pressão sanguínea, triglicérides (e colesterol HDL) e glicemia como os que correm risco de complicações cardiovasculares, embora não sejam nem hipertensos, nem manifestamente hipertrigliceridêmicos ou mesmo diabéticos. Estes indivíduos estão com risco de diabetes também? Se nós considerarmos análises anteriores (como o estudo de Gothenburg), a resposta é “sim” em termos de risco relativo. Mas enquanto um Caucasiano obeso no tronco superior pode ter mais chance de desenvolver DMNID do que um caucasiano apenas com tendências, seu risco absoluto para a doença não pode ser comparado com o risco de um índio Pima. Em resumo, o risco para o Caucasiano insulino-resistente é desenvolver apenas a primeira fase, normoglicêmica, do DMNID. Devido a alguma desconhecida falha pancreática que se acrescentou ou se precipitou pela SRI, ele deveria mudar para a segunda fase diabética , mas agora o risco é que neste momento a maior parte do dano cardiovascular que poderia ser feito por elementos aterogênicos da SRI já tenha ocorrido. Neste estágio, a correção da hiperglicemia é mandatória para evitar complicações cardiovasculares. O que pode ser tentado para conter uma deterioração arterial mais extensa é ainda uma questão de crença e esperança [102]. O papel da SRI na evolução natural das complicações cardiovasculares de DMNID não sugere meios satisfatórios para a prevenção (o que pode ser uma das razões porque o conceito sofreu desde o início tantos contra- argumentos ou até mesmo ataques). O ideal seria, evidentemente, começar pela prevenção precoce, na fase inicial de “resistência à insulina compensada”, mesmo se esta fase progredisse para diabetes ou não. Mas, até o presente momento este caminho não é fácil de se seguir, sem uma definição formal da SRI, ou uma prova da causalidade em sua relação com CVD, ou mesmo qualquer recurso que intervenha exceto medidas tais como mudança de estilo de vida. Isto significa dizer que a resolução destas incertezas sem mais demora é a tarefa com que pesquisadores e clínicos deparam-se atualmente. Referências 1 2 3 Garcia MJ, McNamara PM, Gordon T, Kannel WB. Morbidity and mortality in diabetics in the Framingham population. Sixteen-year follow-up study. Diabetes, 1974, 23, 105-111. 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Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997,01, 20-27 Revisão DIABETES: DOS FENÓTIPOS AOS GENÓTIPOS P.-J. Guillausseau*, D. Tielmans*, M. Virally-Monod*, M. Assayag* RESUMO Diabetes mellitus compreende um grupo heterogêneo de doenças que têm a hiperglicemia crônica em comum bem como as complicações microvasculares, macrovasculares e neurológicas resultantes. Estudos de famílias têm fornecido forte evidência para a existência de determinantes genéticos em diferentes tipos de diabetes. Em particular, estudos com gêmeos monozigóticos têm indicado um índice mais alto de concordância no Diabetes Mellitus não insulinodependente (DMNID) do que no Diabetes Mellitus insulino-dependente (DMID). Em DMID, oito loci gênicos de suscetibilidade foram identificados, particularmente o complexo HLA e o gene promotor da insulina. Estudos rigorosos com famílias têm identificado subtipos monogênicos representando 10-15% de todos os DMNID: MODY2 relacionado as mutações no gene da glicoquinase MODY e MODY3 secundárias à mutação de fatores nucleares hepáticos, e diabetes resultante da deleção ou mutação do DNA mitocondrial. A maioria dos DMNID resultam de hereditariedade poligênica e os genes de suscetibilidade que contribuem para o aumento de receptividade de influências ambientais deletérias estão agora sob investigações, como o receptor adrenérgico ß3, FABP2 e OB. Uma análise precisa dos fenótipos dos outros membros da família ou um exame sistemático do genoma poderia permitir a identificação dos genes de cada subtipo. Finalmente a suscetibilidade dos genes para a aumentada severidade e freqüência de complicações vasculares foram identificadas tais como os genes da enzima de conversão da angiotensina, da aldose redutase, e aldeído desidrogenase. Este progresso têm sido facilitado pelos avanços na biologia molecular. SUMMARY Diabetes mellitus comprises a heterogeneous group of diseases which have chronic hyperglycaemia in common as well as the resulting microvascular, macrovascular and neurological complications of this condition. Familial studies have provided strong evidence for the existence of genetic determinants in the different types of diabetes. In particular, monozygotic twin studies have indicated a higher rate of concordance in non-insulin-dependent (NIDDM) than in insulindependent diabetes mellitus (IDDM). In IDDM, 8 susceptibility loci have been identified, notably the HLA complex and insulin promotor gene. Rigourous family studies have identified monogeneic subtypes representing 10-15 % of all NIDDM : MODY2 related to glucokinase gene mutations, MODY1 and MODY3 secondary to mutation of hepatic nuclear factors, and diabetes resulting from deletion or mutation of mitochondrial DNA. Most NIDDM result from polygeneic heredity, and susceptibility genes conducive to increased receptivity to deleterious environmental influences are now under investigation, such as ß3 adrenergic receptor, FABP2 and OB. Precise analysis of phenotypes in the remaining families or systêmatic screening of the geneome could allow the genes of each subtype to be identified. Finaly, susceptibility genes for the increased severity and frequency of vascular complications have been identified, such as angiotensin converting enzyme, aldose reductase and aldehyde dehydrogenease genes. This progress has been facilitated by developments in molecular biology. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 14-21. Unitermos: diabetes, diabetes insulino-dependente, diabetes não insulino-dependente, estudos de famílias, genética, gene, glicoquinase, citopatologia das mitocôndrias. Key-words : diabetes, insulin-dependent diabetes, non-insulin-dependent diabetes, familial studies, genetics, gene, glucokinase, mitochondrial cytopathy. ✍ : P.-J. Guillausseau, Service de Médecine B, Hôpital Lariboisière, 2 rue Ambroise Paré, 75475 Paris Cedex 10, tel (33) (0) 1 49 95 63 66, fax (33) (0) 1 49 95 63 82 * Service de Médecine B, Hôpital Lariboisière, 2 rue Ambroise Paré, 75475 Paris Cedex 10 e Faculté de Médecine Lariboisière-Saint-Louis, Université Paris 7 Denis Diderot, 10 avenue de Verdun, 75010 Paris. Vol. 01, supl. 1, 1997 A definição atualmente aceita de diabetes mellitus é a de um grupo de doenças que têm em comum a hiperglicemia crônica e diferem pela sua expressão, severidade e idade do início. Estas doenças são complicadas, a longo prazo, por micro e macroangiopatia e neuropatia, as quais, também diferem em sua expressão, severidade e prevalência. Em muitos casos a completa correção da hiperglicemia crônica por substituição ou terapia sintomática permanece um objetivo evasivo. A heterogeneidade do diabetes mellitus têm sido suspeitada por mais de um século. Emile Lancereaux distinguiu a tendência dos subtipos de diabetes acima do peso já em 1879. No entanto, um século e alguns anos mais tarde, a classificação proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) permanece de certo modo simples (Quadro I) [1]. A abordagem genética do diabetes, a qual permaneceu por anos como o pesadelo do geneticista, têm alcançado progressos recentes, devido aos recentes avanços na biologia molecular. Esta abordagem é lógica, pois irá permitir ganhar uma compreensão dos diferentes subtipos da doença e seus mecanismos. Este enfoque está direcionado à identificação dos alvos para a terapia etiológica, preventiva ou curativa e visa fornecer ferramentas confiáveis para um exame precoce dos indivíduos suscetíveis. O diabetes mellitus é em muitos casos uma doença de família como ficou evidenciado por entrevistas com pacientes afetados. No entanto, a forma de hereditariedade permanece desconhecida na maioria das famílias, exceto para a rara diabetes monogênica com transmissão mendeliana. Além disso, os fenótipos clínicos e biológicos são heterogêneos. Assim, a herança poligênica pode ser suspeitada como resultante da suscetibilidade tanto de genes como da importante influência de fatores ambientais. Esta associação define o caráter multifatorial do diabetes mellitus. O problema fica mais complexo pela possibilidade de interações entre genes, seus efeitos e os fatores ambientais. ■ ESTUDOS DE FAMÍLIAS Fortes argumentos para um componente genético na gênese do diabetes mellitus vieram dos estudos de famílias, incluindo pares de gêmeos monozigóticos , dizigóticos e múltiplos estudos de famílias. No diabetes mellitus insulino-dependente-tipo I (DMID) o qual é uma conseqüência de um processo autoimune contra as células Beta das ilhotas de Langerhans, a taxa de concordância para o diabetes não excede 50% nos pares de gêmeos monozigóticos. (2) Um papel predominante para fatores ambientais ainda não definidos (vírus, tóxico ou nutricional) têm sido sugerido por esta “baixa” taxa de concordância, mais do que pela suscetibilidade genética, como sugerido pelo fato de que o DMID ocorre em mais de 90% dos casos na ausência de história de diabetes na família. No diabetes mellitus não insulino-dependente-tipo II (DMNID), que não resulta de um processo autoimune, o DIABETES: DOS FENÓTIPOS AOS GENÓTIPOS 21 TABELA I. Classificação de diabetes mellitus de acordo com a Organização Mundial da Saúde (1994) (1) I Diabetes mellitus Diabetes mellitus insulino dependentes Diabetes mellitus não insulino dependentes (a) Não obesos (b) Obesos Diabetes mellitus relacionado à má nutrição. Outros tipos de diabetes associados à certas condições e síndromes: (1) doenças pancreáticas; (2) doenças de etiologia hormonal; (3) condições induzidas por droga ou química; (4) anormalidades da insulina ou seus receptores; (5) certas síndromes genéticas; (6) miscelânia. II Teste oral de sobrecarga à glicose alterado (a) Não obeso (b) Obeso (c) Associados à certas condições e síndromes III Diabetes mellitus gestational risco de desenvolvimento da doença é 25,8% se um dos familiares é afetado [3]. Em pares de gêmeos monozigóticos as taxas de concordância apresentam uma variação de 20% a 90% [2,3,6]. A mais baixa concordância, relatada em uma população finlandesa pode ser subestimada, devido à parcialidade da metodologia, mas a taxa de concordância real poderia ser avaliada com um acompanhamento mais longo [6]. A ampla variação das taxas de concordância pode também refletir a heterogeneidade na distribuição e natureza da suscetibilidade de genes para o DMNID em diferentes populações sob estudo ou variações na interação entre genes e ambiente. Têm surgido críticas quanto aos estudos realizados em gêmeos, pois eles não só têm determinantes genéticos idênticos como também determinantes ambientais idênticos, a saber os fatores ambientais “in útero” [7]. Estas críticas podem ser rejeitadas ao examinarmos diferenças entre os níveis de concordância em pares de gêmeos mono e dizigóticos: como o ambiente é idêntico em gêmeos, os mais altos níveis de concordância observados em gêmeos monozigóticos (Finlândia 20% vs. 9% Grã- Bretanha e EUA 41% vs. 9%, Japão 83% vs. 40%) podem resultar somente de fatores genéticos. 22 P.-J. Guillauseau ■ ABORDAGENS GENÉTICAS E FENOTÍPICAS PARA DMID A suscetibilidade genética ao DMID está relacionada com genes do complexo de histocompatibilidade maior (MHC) ou locus DMID 1 (braço curto do cromossoma 6). Este locus é responsável por 42% da herança da doença. Haplótipos de MHC podem ter um efeito deletério *DQA1; 0301DQB1*0302) ou protetor (DQB * 0602). O segundo locus de suscetibilidade chamado DMID 2 está localizado na região 5’ do gene da insulina (braço curto do cromossoma 11). O locus DMID 2 responde por 10% da herança. Outros loci de suscetibilidade foram identificados : DMID 3 (braço longo do cromossoma 15) [11]; DMID 4 (braço longo do cromossoma 6) [12], DMID 7 (braço longo do cromossoma 2) [13]; e GCK (braço curto do cromossoma 7) [14]. O locus DMID 2 têm tido progressos desde seu estado inicial de marco anônimo para seu atual estado como gene candidato, o minisatélite (VNTR: variável / número de repetição simultânea) cujo polimorfismo está associado com a doença, pertence ao gene promotor da insulina e pode assim contribuir para sua normalização. No caso de DMID estudos de população são de pouco interesse uma vez que o papel de fatores genéticos e não genéticos é difícil de averiguar. Este problema pode ser resolvido estudando-se as variações da incidência de DMID em alguns grupos étnicos, de acordo com diferentes meio ambientais. A incidência anual de DMID em crianças que migraram da Ásia para a Inglaterra aumentou de 3.1/100.000 em 1978/81, para 11.7/100.000 em 1988/90, ficando semelhante à população inglesa nativa [15]. Uma observação similar foi feita com Polinésios que migraram da Ilha Samoa para a Nova Zelândia nos quais a incidência anual de DMID subiu de menos de 1 para 7/100.000 [16]. Estas variações de incidências ocorridas em curtos períodos de tempo são importantes demais para serem relacionadas com mudanças genéticas e muito mais provavelmente resultam de mudanças de meio ambiente. Além das mudanças na expressão da doença relacionada ao meio ambiente, o que torna a análise genética difícil, acrescenta-se o fato de que o fenótipo do DMID é heterogêneo. Alguns fatores variáveis, como a idade do início do DMID, podem ser devidos a determinantes genéticos. As taxas de concordância para o DMID em gêmeos monozigóticos são mais altas quando a idade do início da doença é menos de 10 anos, mais do que em uma idade acima de 15 anos [17]. Além do mais, haplótipos de pacientes DMID com idade de início menor do que 10 anos são mais frequentemente DQA1*0301-DQB1*0302 do que os pacientes cujo diabetes ocorre em período mais tardio da vida [18]. Os fenótipos diferindo do típico DMID, como o diabetes lento tipo I [19,20], não parecem estar associados com haplótipos específicos. O mesmo é verdade para o DMID associado a doenças autoimunes [21]. Em contraste, a cetoacidose ou cetose no início da doença em adulto jovem ou adolescente negro obeso (a chamada síndrome WinterMacLaren) [22], têm sido isolado como um subtipo distinto. Este subtipo está realmente mais próximo do DMNID do que do DMID, uma vez que não há nenhuma evidência Diabetes & Metabolism de autoimunidade contra células ß, nem haplótipos de suscetibilidade DMID e têm sido relatada uma constante independência de insulina [23]. Em contraste, relações entre DMID e DMNID parecem estar presentes, pelo menos em alguns povos [24]. Muitos dados estão em favor de uma herança poligênica, com ambos genes desempenhando um papel de proteção e predisposição e uma penetração regulada pelos fatores ambientais. É necessária uma determinação mais precisa de fenótipo. Isto deveria incluir a determinação de secreção de insulina residual, do pico precoce da secreção de insulina após glicose intravenosa e determinantes de autoimunidade contra células ß (anticorpos ICA, GAD, IA2). Estes parâmetros deverão ser determinantes tanto no proband (objeto do estudo) quanto em outros membros da família, afetados ou não. ■ ABORDAGENS GENÉTICAS E FENOTÍPICAS PARA DMNID O DMNID como o DMID, é uma doença multifatorial resultante de determinantes genéticos e ambientais. Mais do que uma doença específica, o DMNID é uma síndrome e parece abranger numerosas afecções. Em contraste ao DMID, o DMNID pode ser relacionado a diferentes mecanismos patológicos envolvendo células ß, fígado, músculos ou tecido adiposo [25]. No entanto, o denominador comum para todos os subtipos é o defeito na secreção de insulina. Heterogeneidade do DMNID A heterogeneidade do DMNID resulta de pelo menos três fatores: defeitos genéticos moleculares, exposição a fatores ambientais e suscetibilidade hereditária a fatores ambientais. Heterogeneidade genética Determinantes genéticos são os principais fatores da heterogeneidade do DMNID. Nos subtipos monogênicos, a mutação de um único gene determina o desenvolvimento da doença. Subtipos poligênicos resultam de várias combinações de dois ou mais genes de suscetibilidade. Em alguns grupos étnicos com alta prevalência de DMNID, têm sido relatada uma distribuição bimodal de valores de glicose no sangue, após carga oral de glicose, sugerindo a presença de um gene dominante de maior suscetibilidade [26]. As mesmas observações têm sido feitas em Índios Pima [27], em Micronésios de Nauru [28], em Índios Seminules [29] e Mexicanos-Americanos de San Antonio [30]. Exposição aos Fatores Ambientais A heterogeneidade no DMNID está também relacionada com vários fatores ambientais durante a vida fetal bem como durante a infância e idade adulta. A subnutrição maternal e fetal pode ser responsável pelo desenvolvimento insuficiente de células ß [31]. Esta danosa “hipotrofia” de ilhota pode ser creditada ao estilo de vida ocidental que é caracterizado pela comida refinada e abundante e com a ausência significativa de exercícios físicos. A suscetibili- Vol. 01, supl. 1, 1997 dade a esta condição pode ser aumentada pelo nosso past status de caçadores-colecionadores o que pode ter selecionado um genótipo “econômico” [32]. Este genótipo pode ter se tornado deletério após a revolução neolítica que converteu estes povos em agricultores e pastores. Esta conversão têm sido proposta para explicar a alta prevalência de DMNID entre os índios americanos [33]. No entanto, a mesma conversão têm acontecido nos povos Europeus em um passado mais ou menos remoto [34], entretanto sem prevalência tão alta do DMNID. A heterogeneidade é também amplificada pela “plasticidade” dos fatores ambientais, os quais são pelo menos temporariamente reversíveis pelo retorno a uma dieta e estilo de vida mais naturais [35]. Estas observações são, pelo menos em parte, a base para o tratamento do DMNID (embora em muitos casos permaneça frustrante o resultado a longo prazo). Interações entre fatores genéticos e ambientais O terceiro componente da heterogeneidade no DMNID está relacionado a diversos fatores genéticos que modulam as conseqüências dos fatores ambientais. Por exemplo, a mutação Tr. 64 do gene receptor adrenergético ß3 têm sido mostrada como associada à maior capacidade de aumento de peso [36]. Além do mais, índios Pima monozigóticos com mutação Trp 64 têm início de DMNID 4 a 5 anos mais cedo do que os dizigóticos e sujeitos a mutações livres [37]. Resultados semelhantes têm sido constatados em pacientes japoneses com DMNID [38]. Um papel possível para esta mutação na deposição de gordura abdominal e na diminuição da sensibilidade à insulina, têm sido sugerido [39]. Nos índios Pima, observou-se uma associação entre a sensibilidade à insulina e o locus do gene FABP2 (braço longo do cromossoma 4) [40], mas o mesmo não aconteceu em Caucasianos europeus [41], e tão pouco com Mexicanos-Americanos [30]. O gene OB responsável pela obesidade em roedores (braço longo do cromossoma 7 em humanos) é tido como associado à obesidade mórbida por alguns [42, 43] mas não por todos os estudos [44, 45].. Nenhuma observação foi reportada ainda sobre uma única mutação em um gene convertendo-se em uma proteína envolvida na sensibilidade de insulina, que fosse capaz de explicar o DMNID por ele mesmo. No entanto, variantes de IRS1 [30, 46] e de genes de síntese glicogênica [47] têm sido mostradas como associadas à diminuição de sensibilidade à insulina o que pode por sua vez permitir a expressão do defeito na secreção de insulina. Subtipos de DMNID monogênicos Apesar destas muitas dificuldades, estudos recentes baseados em parâmetros clínicos simples, tais como idade de início, presença ou ausência de excesso de peso, modo de herança e sinais “extradiabéticos” e seus sintomas, têm permitido que sejam descritos os subtipos monogênicos do DMNID. MODY (maturity-onset diabetes of the young) O MODY é um modelo para o estudo do DMNID. Este subtipo foi descrito por Fajans e Conn em 1960/70 [48], e DIABETES: DOS FENÓTIPOS AOS GENÓTIPOS 23 representa cerca de 5% de todos os DMNID. O MODY é definido por um início precoce da doença, herança autossomal dominante, e alta penetração (90%). Ele afeta pelo menos três gerações numa família. Dadas as proeminentes anormalidades na secreção de insulina, estudos comparativos com genes candidatos permitiram que Froguel e outros estabelecessem que um subtipo de MODY (MODY2) fosse associado com o locus de glicoquinase (braço curto do cromossoma 7) [49]. Esta enzima é o sensor de glicose de célula ß que controla a taxa de secreção da insulina. A glicoquinase também está envolvida com o armazenamento de glicose no fígado e com a síntese glicogênica. Cerca de 40 mutações das diferentes porções de codificação do gene de glicoquinase foram relatadas [50]. MODY2 responde por 20% dos DMNID na Europa e por mais de 50% de todas as origens de MODY. A caracterização do genótipo têm sido seguida pela completa descrição de fenótipo clínico: início precoce da doença nos primeiros anos de vida, penetração quase completa antes da puberdade , baixa prevalência de obesidade e hipertensão. Como a hiperglicemia é apenas leve e progride lentamente, as complicações renais e retinais são geralmente pequenas. Se a dieta falha na correção da hiperglicemia, o MODY2 responde bem à terapia com sulfoniluréias. Um fenótipo metabólico têm sido descrito com alterações primárias na secreção de insulina [51, 52]. Glicoquinases que sofreram mutações têm sido produzidas “in vitro“. Um decréscimo em sua atividade fosforilativa têm sido demonstrado. MODY1, o subtipo correspondendo aos princípios de pedigree RW de Conn e Fajam, foi recentemente apresentado como associado a mutações no fator nuclear hepático do gene 4a (HNF-4a) (braço longo do cromossoma 20) [53]. O defeito primário na secreção de insulina também está presente neste subtipo [54]. Um terceiro subtipo, chamado MODY 3 está associado com a mutação no fator nuclear hepático gene 1a (HFN1a) (braço longo do cromossoma 12). Este subtipo responde por cerca de 25% dos casos de início precoce de DMNID. É característico do MODY 3 uma deficiência mais acentuada na secreção de insulina o que é responsável por hiperglicemia mais intensa e freqüente progressão na dependência de insulina. Este subtipo é portanto associado a maior severidade e prevalência das complicações retinais e renais [56]. MIDD (Diabetes e Surdez Herdados Maternalmente) Um subtipo particular de DMNID está associado às mutações e deleções do DNA mitocondrial citoplásmico (mDNA). O papel do mDNA já era suspeito devido a uma transmissão de DNA maternal mais freqüente e na herança matrilinear exclusiva observada em alguns pedigrees. Uma deleção de 10-kb do mDNA associada ao DMNID e surdez maternalmente herdada foram observados em uma família [58]. Um ponto de mutação A G tRNA Leu (uur) 3243 foi descrito no mesmo ano, em uma família com o mesmo fenótipo [59]. Esta última mutação conhecida como sendo associada a outros fenótipos, tais como MELAS (miopatia mitocondrial, encefalopatia, acidose láctica, episódios cardiovasculares). Não foi dada nenhuma explicação clara para a coexistência destes dois fenótipos diferentes resultantes 24 P.-J. Guillauseau Diabetes & Metabolism da mesma mutação. A alteração mais frequentemente observada é a mutação 3243-base par, responsável pelo DMNID. O fenótipo deste subtipo têm sido agora descrito com detalhe. Ele inclui manifestações musculares, surdez neurosensorial [60], distrofia macular padrão [61], bem como áreas cerebrais de alta densidade evidenciada pela imagem em ressonância magnética [62]. Este subtipo é também caracterizado pela deficiência de insulina, apresentando resistência à mesma apenas nas hiperglicemias mais severas [63]. Estas anormalidades são conseqüências de um defeito na ativação da glicoquinase na célula b , ativação da hexonase no músculo e tecido adiposo [64]. Inicialmente a hiperglicemia é controlada por dieta e agentes orais antidiabéticos, mas progride para dependência à insulina em 50% dos casos. O DMNID associado à mutação 3243 respondeu por 2% em um estudo de coortes francês [65]. Outras mutações ou deleções do mDNA têm sido relatadas (ver revisão em 66). Em pacientes com a mutação 3243, anticorpos de células de ilhotas e dependência de insulina são mais frequentemente observados quando está presente o haplótipo HLA DQ A1*0301 [67]. (EUA) e Inglaterra [76] do que em pacientes DMNID mexicano-americanos [77]. Finalmente, os genes de suscetibilidade podem conter proteínas ainda desconhecidas. Alguns grupos de pesquisa têm realizado a exploração do genoma completo em famílias DMNID, com a ajuda de mapas genéticos de Genethon, tendo como finalidade a localização e a duplicação (clonagem) dos genes associados ao DMNID e a identificação de seus produtos. Para este propósito, é imprescindível uma melhor caracterização do fenótipo dos pacientes, principalmente no que se refere ao estado metabólico, até mesmo em um estágio precoce de “pré-fenótipo”. A avaliação destas alterações prematuras deveria incluir a determinação da secreção precoce de insulina após glicose intravenosa, pulsação, proporção pró insulina cisão a 32-33 do ensaio de pró insulina, e avaliação das anomalias na sensibilidade à insulina (clamp hiperinsulinêmico euglicêmico, modelo de avaliação homeostase ou HOMA). A melhor hora para identificar estas alterações em pais dos pacientes DMNID é antes que qualquer elevação de glicose no sangue tenha acontecido, portanto antes dos efeitos confundidores da glucotoxidade. Outros Subtipos Monogênicos Diversas mutações do gene receptor de insulina têm sido mencionadas [68]. No entanto, o fenótipo não é o mesmo do DMNID uma vez que inclui extrema resistência à insulina e outras manifestações clínicas como acanthoses nigricans, síndrome de ovário policístico e hiperandrogeneismo. As anomalias na estrutura da insulina são raras (cerca de 10 famílias). Elas estão caracterizadas pela hiperproinsulinemia sem qualquer alteração significativa na glicoregulação [69]. A pancreatite calcífica familiar que pode ser complicada pelo DMNID progredindo lentamente para a dependência insulínica, foi considerada, em diversas famílias como associada a mutações do gene tripsinogene catiônico [70] (3 de 8 famílias francesas - Claude Ferec - dados não publicados). ■ GENÉTICA DAS COMPLICAÇÕES DO DIABETES Subtipos Poligênicos Além destes subtipos bem definidos, a maior parte dos sinais de início tardio de DMNID permanece ainda não identificado. Diferentes estratégias são possíveis: pesquisa da conecção da doença com genes candidatos que convertem-se em proteínas envolvidas na glicoregulação ou com sinais “anônimos” polimórficos. A procura por genes candidatos têm sido a mais bem sucedida até a presente. O gene receptor glucagon representa um dos melhores candidatos. Foi descrita uma mutação em seu código [72] que causa uma diminuição da resposta “in vitro” da insulina estimulada por glucagon [71]. Esta mutação está presente em 5% das famílias francesas com DMNID e em 8% de pacientes DMNID sardenhos selecionados aleatoriamente [73], mas está ausente em pacientes DMNID japoneses [73] e alemães [74]. O gene receptor de sulfoniluréia (SUR) também representa um bom candidato [75]. Mutações no gene SUR são observadas com maior freqüência em pacientes DMNID caucasianos de Utah Estudos epidemiológicos prospectivos têm mostrado claramente a heterogeneidade no desenvolvimento de complicações microvasculares. Tanto o estudo Pirart quanto o DCTT [79], demonstraram que alguns pacientes permanecem livres da retinopatia diabética apesar da hiperglicemia crônica, enquanto outros desenvolvem lesões retinais severas a despeito do controle glicêmico perto do normal. A nefropatia severa afeta apenas 30% dos pacientes com DMID; aparentemente a suscetibilidade na família está envolvida [81]. O gene aldose reductase (ALR2) pode estar envolvido em uma maior suscetibilidade à retinopatia [82,83]. O gene de enzima de conversão da angiotensina (ECA) (braço longo do cromossomo 17) apresenta um poliformismo de inserção - deleção (I/D). O D allele é um fator independente de suscetibilidade para nefropatia em DMID [84] e DMNID [85], mas não parece ter nenhum papel no desenvolvimento da retinopatia [86]. O D allele também está associado a um aumento do risco de infarto do miocárdio tanto em DMID [87] como em DMNID [87,88]. Têm sido estudados outros genes de suscetibilidade tais como o gene aldeído de dehidrogenase 2 [89], o gene do fator von Willebrand [90] e gene fibrinogênio [91]. É cedo demais para uma conclusão definitiva no que se refere à influência destes fatores, seja separadamente ou em combinação. Também neste domínio, uma análise sistemática dos genes de fatores envolvidos na biologia vascular tais como: os fatores de crescimento, hemostases e parâmetros de fibrinólise e em radicais livre e os coletores da glicação do produto final, irá permitir a caracterização dos sujeitos com risco de desenvolver complicações microvasculares. Para concluir esta revisão, o progresso na biologia molecular tornou possível começar a separar a síndrome “diabetes” em várias doenças diferentes. Esta diversidade poderia ter sido antecipada pela existência de Vol. 01, supl. 1, 1997 fenótipos múltiplos, apresentações clínicas, tipos de hereditariedade familiar e manifestações “extradiabéticas”. No entanto, a heterogeneidade genética parece ser mais importante do que se imaginou. A identificação de novos subtipos de diabetes clínicas ou genéticas é portanto algo fascinante . Estes avanços deverão em um futuro próximo, permitir uma abordagem mais racional das doenças agrupadas sob o termo “diabetes”. DIABETES: DOS FENÓTIPOS AOS GENÓTIPOS 25 18 Vandewalle CL, Cecraene T, Schuit FC et al. Insulin autoantibodies and high titre islet cell antibodies are preferentially associated with the HLA DQA1*0301-DQB1*0302 haplotype at clinical onset of type 1 (insulin-dependent) diabetes mellitus before age 10 years, but not at onset between age 10 and 40 years. Diabetologia, 1993, 36, 1155-1162. 19 Groop L, Miettinen A, Groop PH et al. Organ-specific autoimmunity and HLA-DR antigenes as markers for ß-cell destruction in patients with type II diabetes. Diabetes, 1988, 37, 99103. 20 Tuomi T, Groop LC, Zimmet PZ et al. 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O cérebro humano é dependente apenas da glicose durante esse período, enquanto que o cérebro do rato usa ambos, glicose e corpos cetônicos, para atender suas necessidades energéticas e de biossíntese. A maturação da densidade de sítios-GLUT1 transportadores de glicose localizados na barreira hemato-encefálica e GLUT3 na membrana neuronal corre em paralelo com o desenvolvimento da utilização de glicose pelo cérebro. Durante hipoglicemia aguda moderada, não ocorrem mudanças na atividade funcional do cérebro; a utilização de glicose pelo cérebro diminui e o fluxo sangüíneo aumenta somente quando a hipoglicemia é grave (menor do que 2 mmol/ml). Durante hipoglicemia crônica, o cérebro adapta-se aos baixos níveis circulantes de glicose : O número de sítios transportadores de glicose está aumentado e a utilização da glicose e a função cerebral estão mantidas em níveis normais enquanto o fluxo sangüíneo cerebral está aumentado mais moderadamente do que durante hipoglicemia aguda. Dano neuronal decorrente de hipoglicemia grave e prolongada ocorre principalmente no córtex cerebral, no hipocampo e caudado-putamen como resultado da liberação ativa de aminoácidos excitatórios. Diabetes & Metabolism 1997,23, 18-29. Unitermos: maturação cerebral, utilização cerebral de glicose, fluxo sangüíneo cerebral, transportadores cerebrais de glicose, hipoglicemia. ✍ : A. Nehling, INSERM U398, Faculté de Médecine, 11 rue Humann, 67085 Strasbourg Cedex, France. Fone: (33) 3 88 24 33 57, fax (33) (0) 3 88 24 33 60, e-mail: [email protected]. SUMMARY Brain maturation is characterized by a peak of cerebral energy metabolism and blood flow occuring between 3 and 8 years of age in humans and around 14-17 days of postnatal life in rats. This high activity coincides with the period of active brain growth. The human brain is dependent on glucose alone during that period, whereas rat brain uses both glucose and ketone bodies to cover its energetic and biosynthetic needs. The maturation of the density of glucose transporter sites-GLUT1 located at the blood-brain barrier and GLUT3 at the neural membrane parallels the development of cerebral glucose utilization. During moderate acute hypoglycaemia, there are no changes in cerebral functional activity ; cerebral glucose utilization decreases and blood flow increases only when hypoglycaemia is severe (lower than 2 mmol/ml). During chronic hypoglycaemia, the brain adapts to the low circulating levels of glucose : the number of glucose transporter sites is increased, and cerebral glucose utilization and function are maintened at normal levels while cerebral blood flow is more moderately increased than during acute hypoglycaemia. Neuronal damage consecutive to severe and prolonged hypoglycaemia occurs mainly in the cerebral cortex, hippocampus and caudate-putamen as a result of active release of excitatory amino-acids. Diabetes & Metabolism 1997, 23, 18-29. Key-words : cerebral maturation, cerebral glucose utilization, cerebral blood flow, cerebral glucose transporters, hypoglycaemia. Vol. 01, supl. 1, 1997 S ob a maioria das condições, a glicose é o principal combustível metabólico do cérebro humano. Oxidação de outros substratos ocorre em grau significante durante condições anormais tais como jejum prolongado [1] e hipoglicemia [2]. Umas poucas regiões cerebrais que não ficam além da barreira hemato-encefálica (BHE) parecem estar aptas para usar gorduras como uma fonte de energia [3] e podem não ser tão dependentes de glicose como todas outras regiões cerebrais. Por serem bem baixos os níveis de glicose e glicogênio, o cérebro depende do suprimento continuamente sustentado de glicose do sangue [4]. Uma vez que o cérebro está isolado da circulação geral pela barreira hemato-encefálica (BHE), a glicose precisa passar através de células endoteliais e membranas plasmáticas de neurônios e da glia. O metabolismo cerebral da glicose, diferente daquele do músculo esquelético, não está limitado pelo transporte mas sim limitado pela fosforilação [5,6]. Em circunstâncias normais, a transferência unidirecional sangue-cérebro de glicose excede consideravelmente (3:1) a taxa de utilização cerebral de glicose [7,8]. Mesmo quando o transporte torna-se limitado, como na hipoglicemia, a limitação está na BHE, não nas membranas das células neuronais ou gliais, uma vez que a glicose é rapidamente transportada do espaço cerebral extracelular para o compartimento intracelular [7,9]. Nesta revisão, nós iremos considerar as taxas de utilização de glicose no cérebro em desenvolvimento, a eficiência do transporte de glicose para o cérebro em condições normoglicêmicas e hipoglicêmicas e como o cérebro é capaz de se adaptar à hipoglicemia. ■ RELAÇÕES ENTRE UTILIZAÇÃO CEREBRAL DE GLICOSE E FLUXO DE SANGÜÍNEO NO CÉREBRO ADULTO Em seres humanos adultos bem como em animais adultos, a glicose representa o principal, se não o único, substrato do metabolismo da energia cerebral. Toda glicose extraída pelo cérebro é oxidada, e no máximo 8-10% são degradados anaerobicamente ou armazenados em tecidos [4]. Assim, a utilização cerebral de glicose corre em paralelo com a captação cerebral de oxigênio, mostrando a mesma heterogeneidade regional. Taxas metabólicas cerebrais locais para glicose (LCMRglcs) são muito heterogêneas no tecido cerebral, com uma relação de cerca de 4 entre regiões usando a menor quantidade de glicose (hipotálamo, amídala) e aquelas de maior consumo (regiões da audição) [10,11]. Isto é verdade para todas as espécies, por exemplo, ratos [10], gatos [12], macacos [13,14] e seres humanos [15]. No cérebro adulto, as taxas de fluxo sangüíneo cerebral local (LCBF) são usualmente relacionadas de perto às necessidades metabólicas, de forma que as regiões com os mais elevados LCMRglcs também tem as mais altas taxas de LCBF. De modo semelhante, mudanças na LCMRglcs são acompanhadas de mudanças semelhantes nas taxas de LCBF [16,17]. Esta relação regional entre fluxo sangüíneo cerebral e metabolismo foi demonstrada em ambos, seres humanos adultos [18,19] e animais [16,17]. A relação en- METABOLISMO DA ENERGIA CEREBRAL ... 29 tre as taxas de LCBF e LCMRglcs para todas regiões do cérebro é de aproximadamente 1,5 a favor do fluxo sangüíneo [11,16,17]. ■ UTILIZAÇÃO CEREBRAL DA GLICOSE NO CÉREBRO EM DESENVOLVIMENTO. Cérebro humano - A utilização cerebral da glicose em lactentes com 5 semanas de idade, medida pela tomografia por emissão de pósitrons com [18F]fluorodesoxiglicose, já representa 71-93% do nível adulto na maioria das regiões do cérebro, com valores absolutos variando de 13 a 25 µmol/ 100g/mn. Nessa idade, as mais elevadas LCMRglcs são as do córtex sensorimotor, tálamo, porção mediana cerebraltronco cerebral e verme cerebelar, regiões subjacentes ao nível de função predominantemente subcortical e sensorimotor nessa idade. Aos 3 meses, as LCMRglcs aumentam no córtex parietal, temporal e occipital, bem como nos gânglios basais. Nessa idade, muitos dos reflexos intrínsecos subcorticais estão sendo suprimidos, e estão aparecendo movimentos mais coordenados bem como a integração visualsensorimotora. Aos 8 meses, ocorrem aumentos subseqüentes das LCMRglcs do córtex frontal e várias regiões associativas, e estão acompanhadas pelo aparecimento das funções corticais mais elevadas e cognitivas e pela interação mais significativa com o ambiente [20,21]. Níveis de adulto da utilização da glicose cerebral (19 a 33 µmol/100g/min) são atingidos aos 2 anos de idade. Daí em diante, as LCMRglcs continuam a aumentar até os 3 a 4 anos de idade quando elas atingem valores que variam de 49 a 65 µmol/100g/min que são mantidos nesse nível alto até aproximadamente 9 anos de idade. Então elas começam a declinar, atingindo níveis de adulto no fim da segunda década. Os maiores aumentos das LCMRglcs sobre os níveis de adulto ocorrem no córtex cerebral, enquanto que os menores aumentos são registrados nas estruturas subcorticais e cerebelo. Os altos níveis do metabolismo da energia cerebral em crianças durante a primeira década de vida suportam as necessidades basais de energia do cérebro bem como a demanda biossintética para os processos muito ativos de maturação que ocorrem naquele período. Realmente, em crianças até aos 11 anos de idade, ocorre uma superprodução de neurônios, sinapses e espinhos dendríticos [22,23]. Aos 7 anos de idade, quando o cérebro da criança tem quase o mesmo tamanho e peso do que o cérebro do adulto, a densidade sináptica média no córtex frontal é 40% maior do que na mesma região do cérebro do adulto [24]. Muitos neurônios subseqüentemente morrem e existe uma regressão dos espinhos dendríticos e sinapses [25]. Mielinização, o outro processo de maturação cerebral que ocorre durante a primeira década da vida humana, é responsável por excessivo gasto de energia [26,27]. Cérebro do rato - Ao contrário do cérebro humano, o consumo de glicose de todo o cérebro do rato é muito baixo ao nascer (2-4 µmol/100g/min) e então tem uma elevação sigmóide entre o nascimento e a idade adulta, atingindo 65-72 µmol/100g/min no cérebro do rato adulto [10, 28]. A medida das LCMRglcs do cérebro do rato em de- 30 A. Nelig Diabetes & Metabolism mentam cerca de 50% e este aumento é global e não específico. Após o desmame, i.e. 21-22 dias de vida pós-natal, as LCMRglcs aumentam em todas regiões do cérebro de um valor em média de 25% até 35 dias de idade. Finalmente, entre 35 dias e a fase jovem adulta (cerca de 60 dias), a utilização cerebral de glicose ainda se modifica em algumas regiões do cérebro (principalmente áreas cortical, motora e límbica do cérebro anterior), enquanto que o hipotálamo atinge a maturidade com 35 dias, i.e. na idade da puberdade do rato [29]. Nós podemos concluir que os aumentos nas LCMRglcs do lactente humano e do filhote de rato estão em concordância com as mudanças comportamentais, neurofisiológicas e anatômicas que ocorrem durante o desenvolvimento cerebral, como mostrado para outras espécies tais como carneiros [30], macacos [31] e gatos [12]. senvolvimento, medida pelo método quantitativo autoradiográfico [14C] 2-deoxiglicose [10] aplicado ao rato imaturo em nosso laboratório [9], mostrou que as LCMRglcs são baixas e bem homogêneas nas fases precoces de desenvolvimento pós-natal do rato, i.e. entre 10 e 17 dias (Figuras 1 e 2), exceto taxas altas em algumas áreas posteriores, principalmente regiões do tronco cerebral [29]. A maioria dos aumentos significantes das LCMRglcs que ocorrem entre 10 e 17 dias no rato estão correlacionados com a aquisição de funções específicas, tais como audição entre P10 e P14. Realmente, o rato é surdo quando nasce. A abertura do meato auditivo externo e o aparecimento de uma alta sensibilidade para sons e potenciais auditivos evocados correlacionam-se a um aumento específico da LCMRglcs nas regiões auditivas entre 10 e 14 dias. O mesmo tipo de correlação foi estabelecida para a aquisição da função visual bem como locomoção e atividades de brincadeiras entre 14 e 17 dias de vida pós-natal no rato [28,29]. Ao contrário do que ocorre no cérebro humano, as LCMRglcs do cérebro imaturo do rato não passam por um aumento transitório durante a maturação. Ao invés disso, as LCMRglcs do cérebro imaturo do rato tem um aumento sigmóide durante o desenvolvimento pós-natal e nunca são mais elevadas do que aquelas encontradas no cérebro adulto (Fig. 2). Entre 17 e 21 dias de idade as LCMRglcs au- ■ UTILIZAÇÃO DE CORPOS CETÔNICOS NO CÉREBRO DE RATO EM DESENVOLVIMENTO Em virtude do alto conteúdo de lípides e baixo conteúdo de carboidratos do leite materno, o filhote de rato desenvolve uma cetose nutricional logo após o nascimento a qual permanece durante todo o período de amamentação [para revisão, veja UTILIZAÇÃO DA GLICOSE CEREBRAL P10 P14 P21 CAPTAÇÃO DE ß-HIDROXIBUTIRATO P10 P14 P21 FIG. 1. Autoradiogramas com [14C]2-deoxiglicose e [14C]b-hidroxibutirato de cortes cerebrais de ratos entre a idade pós-natal (P) 10 e 21 dias obtidas no nível da substantia nigra. A densidade da granulação é baixa e bem homogênea nos cortes e representam a utilização da glicose cerebral em ratos P10 e P14, exceto no corpo mamilar (MB). Em P21, a distribuição da densidade da granulação aumenta e torna-se heterogênea em muitas regiões, lembrando a distribuição do marcador no cérebro adulto de rato. A densidade da granulação é bastante alta em regiões tais como o corpo medial geniculado (MG), córtex auditivo (TeAud), hipocampo (Hi) e substância nigra - parte compacta (SNC) a qual aparece como uma linha escura em volta da substância nigra - parte reticulada (5SNR) cuja densidade de granulação é muito menor. Com respeito à captação de ß-hidroxibutirato, a densidade de granulação é mais alta em P14, idade em que a distribuição entre regiões é mais homogênea do que aquela do [14C]2-deoxiglicose. Vol. 01, supl. 1, 1997 METABOLISMO DA ENERGIA CEREBRAL ... ß-Hidroxibutirato Taxas de utilização de substrato (µmol/100g/min) Glicose Fluxo sanguíneo (ml/100g/min) Fluxo sanguíneo FIG. 2. Utilização de glicose e b-hidroxibutirato pelo cérebro total do rato expressa em mmol/100g/min, e taxas médias de fluxo sangüíneo cerebral expressas em ml/100g/min, medida por técnicas autoradiográficas em ratos com diferentes idades pós-natais. A contribuição do b-hidroxibutirato para o equilíbrio do metabolismo energético total de ratos antes do desmame variou de 33 a 52% entre 10 e 21 dias após o nascimento, diminuiu para 12% em P21, e foi muito baixo (6%) em P35. Ele não foi medido no rato adulto, mas isto e negligível. O pico do metabolismo energético cerebral foi alcançado em P14, enquanto as taxas máximas de fluxo sangüíneo cerebral foram atingidas em P17. ref. 28]. Durante esse período, os corpos cetônicos constituem uma proporção importante (22-76%) do equilíbrio da energia total metabólica do cérebro, e são registradas diferenças arteriovenosas cerebrais positivas para ß-Hidroxibutirato e acetoacetato, proporcionais às suas concentrações no sangue arterial [1, 32-34]. O desenvolvimento de técnicas autoradiográficas permitiu recentemente a medida de taxas regionais de captação de ß-Hidroxibutirato no cérebro de rato adulto [35,36] e do rato antes do desmame [37]. Estes estudos mostram que a captação de ß-Hidroxibutirato pelo cérebro imaturo do rato é bastante elevada durante todo o período de amamentação, de 10 a 17 dias, atingindo níveis pico aos 14 e 17 dias (Fig. 2) [37, 38]. Estes resultados são consistentes com estudos prévios que relatam que a taxa de utilização de ß-Hidroxibutirato é mais alta no cérebro de 11 a 15 dias [39, 40]. Entre 17 e 21 dias, taxas regionais de captação de ß-Hidroxibutirato diminu- 31 em de 50 a 60% em todas regiões cerebrais [37, 38]. Esta diminuição corre em paralelo com um acentuado aumento da utilização da glicose cerebral local durante o mesmo período [29]. A partir daí, de 21 a 35 dias, o acúmulo tecidual de ß-Hidroxibutirato ainda diminui, cerca de 50% na maioria das áreas cerebrais, exceto no córtex cerebral onde a diminuição é menos acentuada (10-20%) [37]. Estes dados são consistentes com a alta permeabilidade da BHE aos corpos cetônicos e com a alta atividade das enzimas do metabolismo dos corpos cetônicos no cérebro do rato antes do desmame [ para revisão, veja ref. 28]. Enquanto as taxas de utilização de glicose mostram acentuada heterogeneidade, aquelas da captação dos corpos cetônicos são mais homogêneas, mesmo aos 14 dias quando elas são as mais elevadas (Fig. 1). As relações entre as estruturas mais marcadas (núcleo vestibular ou colículo inferior) e estruturas menos marcadas (globo pálido ou hipotálamo) alcançam valor de 1,3-2,0 durante a amamentação [41 42]. Esta homogeneidade muito relativa interregional da captação de corpos cetônicos durante a amamentação é consistente com o importante papel dos corpos cetônicos como precursores da biossíntese de aminoácidos e lípides para a edificação das membranas e mielina [para revisão, veja ref. 28]. É, portanto, muito provável que os corpos cetônicos participem desses processos biossintéticos com uma eficiência comparável em todas regiões cerebrais durante o desenvolvimento precoce. Em ratos adultos [35, 36] e controles com 35 dias [37], os mais elevados níveis de captação de ß-Hidroxibutirato são encontrados no córtex cerebral, principalmente nas camadas profundas. Os altos níveis de acúmulo de ß-Hidroxibutirato em regiões específicas do cérebro do rato adulto são atribuídos a uma heterogeneidade regional na permeabilidade aos corpos cetônicos [35, 36], a qual não existe no cérebro do rato antes do desmame quando taxas de transporte de corpos cetônicos são muito eficientes [45-46]. Além disso, no cérebro imaturo do rato, que é dependente de ambos, glicose e ß-Hidroxibutirato para seu metabolismo de energia e biossíntese, mudanças nas LCMRglcs são específicas para regiões e acompanham mudanças funcionais [29], como no cérebro humano [20, 21], enquanto que corpos cetônicos parecem estar orientados para a edificação celular. Ao contrário, no cérebro humano, o crescimento ativo do cérebro ocorre principalmente entre 3 e 9 anos de idade quando glicose é o único substrato cerebral em condições normais. ■ CORRELAÇÃO ENTRE TAXAS DE METABOLISMO ENERGÉTICO CEREBRAL E FLUXO SANGÜÍNEO NO CÉREBRO EM DESENVOLVIMENTO No lactente humano, mudanças pós-natais nas taxas regionais de fluxo sangüíneo cerebral local (LCBF) são semelhantes aquelas das LCMRglcs. Ao nascer, as taxas corticais de LCBF são menores do que aquelas do adulto; depois do nascimento, elas aumentam até 5 a 6 anos de idade, alcançando valores 50-85% maiores do que as taxas do adulto. A partir daí elas diminuem para nível de adulto de 15 a 19 anos de idade. Valores neonatais de LCBF no tála- 32 A. Nelig mo e cerebelo são levemente mais elevadas do que as taxas correspondentes em adultos, mas depois de um ano de idade elas seguem o padrão comum para as curvas corticais [47]. Assim, as mais altas taxas de LCBF ocorrem em todas regiões do cérebro no período em que são registradas as mais altas LCMRglcs, i.e. de 3 a 9 anos de vida [20, 21, 47-49], e o desenvolvimento cognitivo da criança está relacionado a mudanças no fluxo sangüíneo nas diferentes regiões cerebrais [47]. Ao contrário da situação no cérebro humano, mudanças pós-natais das taxas LCBF no rato diferem significativamente da maturação das LCMRglcs. Da mesma forma que as LCMRglcs, as taxas de LCBF permanecem baixas e homogêneas no rato até 10 dias de idade, representando 18-35% dos níveis de adulto. Entretanto, depois de 14 dias, elas aumentam de 110-240%, atingindo um valor bastante alto aos 17 dias semelhante às taxas LCBF registradas aos 35 dias. Entre 17 e 21 dias, as taxas LCBF aumentam novamente da maneira que mudam as LCMRglcs durante o mesmo período até que elas atingem o nível de adulto. No rato, a fase mais ativa do crescimento cerebral acontece antes do desmame quando o animal depende de ambos, glicose e corpos cetônicos, como substratos para as viascatabólicas e biossíntese. Quando níveis médios de glicose e utilização são somados para representar o suprimento total de substratos metabólicos, o pico de energia está situado em 14 dias [28], i.e. no mesmo período do pico LCBF [50]. Assim, no lactente humano e no filhote de rato, as taxas de metabolismo energético cerebral e fluxo sangüíneo permanecem associados durante o desenvolvimento, com as mais altas taxas ocorrendo para ambas espécies durante o período de crescimento ativo cerebral. A diferença é que o pico de atividade funcional durante o desenvolvimento precoce é maior do que as taxas em adultos de LCBF e LCMRglcs e em ratos as taxas são aproximadamente iguais. ■ TRANSPORTE DE GLICOSE PARA O CÉREBRO A glicose entra no cérebro através de um processo facilitado de difusão, mediado por um carregador, o qual é saturável e estereoespecífico tão bem quanto energia-, Na+ - e independente de insulina [7, 8]. Este processo é mediado por proteínas facilitadoras do transporte de glicose. Sete membros desta família multigenética foram identificados até hoje, as quais são conhecidas como GLUT1-7 pela ordem em que foram clonadas [para revisão, veja 51, 52]. Duas delas GLUT1 e GLUT3, foram detectadas no cérebro [53, 54]. GLUT1 está localizada na BHE e a GLUT3 permite o transporte de glicose através da membrana plasmática dos neurônios [51, 55]. Os microvasos do cérebro humano são ricamente dotados de um meio transportador de glicose semelhante ao transportador GLUT1 caracterizado em outras espécies mamíferas [56]. Da mesma forma, GLUT3 está presente nos processos neuronais maduros de regiões do cérebro humano, o que sugere que ele tem um papel na regulação das necessidades do tráfego dendrítico e axonal, mediando portanto a neurotransmissão [57]. GLUT1 está presente na placenta dos mamíferos (inclu- Diabetes & Metabolism sive a humana). Ele é geralmente abundante na população de células placentárias em volta da circulação materna e fetal e pode portanto facilitar o suprimento efetivo de glicose para o feto e placenta. Nos cérebros de roedores, GLUT1 está localizado na BHE e distribuído mais homogeneamente nas diferentes áreas cerebrais. Ele não é abundante ao nascimento, constituindo cerca de 15% do nível adulto, mas aumenta quatro vezes entre 14 dias de idade e a fase adulta [55, 59, 60]. Estes dados são concordantes com a maturação pósnatal da capacidade de captação de glicose do sangue para o cérebro [61-63]. A falta de heterogeneidade regional na expressão do GLUT1 é consistente com sua regulação pelo crescimento e estado nutricional do animal. GLUT3, o qual está especificamente localizado nos neurônios, tem uma densidade muito baixa no cérebro do rato ao nascimento e aumenta em paralelo com as LCMRglcs [29], atingindo uma distribuição regional heterogênea no cérebro maduro [55]. No cérebro humano, a densidade de GLUT3 é 2-3 vezes mais baixa ao nascimento do que no adulto [57]. A regulação do GLUT3 neuronal parece estar mais intimamente relacionada à maturação da atividade funcional em populações neuronais e reflete diretamente mudanças pós-natais na utilização cerebral de glicose [55]. Durante hipoglicemia leve resultante de jejum prolongado, o mRNA e proteína GLUT1 estão aumentados de 31 e 25%, respectivamente. Durante hipoglicemia moderada induzida por insulina (4,5 µmol/ml), mRNA e proteína GLUT1 aumentam de 41-43%. Estes aumentos são específicos para o cérebro, já que mudanças não são observadas no fígado ou rim. O mRNA GLUT1 também aumenta em culturas de células de rato de modo dependente da dose e tempo, com efeito máximo observado 20-24h após o início da hipoglicemia [65]. A expressão do mRNA GLUT3 também é regulada pela hipoglicemia e aumenta duas vezes com um nível de 1,7 µmol/ ml de glicose no sangue. Este aumento ocorre em regiões seletivas do cérebro inclusive o hipocampo, giro denteado, córtex cerebral e córtex piriforme, mas não no cerebelo [66]. Estes dados mostram que os estados endócrino e nutricional podem regular diretamente a expressão dos transportadores de glicose do cérebro. Em seres humanos, os dados são menos claros. Em um estudo, hipoglicemia leve (cerca de 3,0 µmol/ml) resultou num aumento de três vezes da transferência de hexose através da BHE comparada aos controles euglicêmicos ou infundidos com soro fisiológico [67]. Em outro estudo, o mesmo tipo de hipoglicemia mostrou diminuição de 50% no transporte de glicose através da BHE [68]. ■ EFEITO DA HIPOGLICEMIA AGUDA NA UTILIZAÇÃO CEREBRAL DA GLICOSE Quando a concentração arterial da glicose cai abaixo de um nível crítico, aparecem atividade eletroencefalográfica (EEG) anormal e sintomas mentais que variam da letargia a confusão, estupor e coma. O metabolismo da energia cerebral está alterado, e falta de energia pode eventualmente ocorrer [69-71]. Todos estes sintomas variam de acordo com a gravidade da hipoglicemia. O EEG tem correlação com o grau e duração da depleção de carboidrato no tecido corti- Vol. 01, supl. 1, 1997 cal. O rápido declínio dos níveis de glicose no cérebro ocorre sem mudanças notáveis no EEG. Ondas lentas e atividade paroxística aparecem no EEG quando a concentração celular de glicose atinge zero, e o EEG finalmente torna-se isoelétrico quando ocorre a depleção de glicogênio e glicose-6P [71, 73]. Mudanças no metabolismo energético - Quando a concentração arterial plasmática cai de um nível normal de 6-7 µmol/ml para cerca de 2,5-3 µmol/ml, o conteúdo de glicose cerebral diminui de uma forma diretamente proporcional à concentração de glicose no sangue total [72], enquanto o metabolismo energético cerebral permanece inalterado. Abaixo de 2,5 µmol/ml, o transporte de glicose para dentro do cérebro diminui a um ponto em que a glicose do cérebro não mais satura a hexoquinase e torna-se insuficiente para suportar o metabolismo energético cerebral [74, 75]. Nessa concentração, o conteúdo de glicose tecidual é tão baixo que ela representa principalmente a glicose contida nos vasos sangüíneos e fluído extracelular, e as LCMRglcs diminuem como uma função dos níveis plasmáticos de glicose [70, 77-80]. Enquanto os níveis de glicose arterial estão pelo menos iguais a 2,6 µmol/ml, as LCMRglcs permanecem normais no rato adulto [81]. Quando eles caem para 2,0-2,4 µmol/ ml, eles tendem a diminuir em todas regiões cerebrais, mas esta diminuição atinge significância somente em áreas específicas. Num estudo, as maiores reduções ocorreram nas regiões do tronco cerebral em que a utilização de glicose é normalmente alta, sugerindo que transporte e fornecimento torna-se limitada primeiro nas estruturas com as maiores demandas metabólicas de glicose [82]. Em outro estudo, taxas de utilização cerebral de glicose estavam diminuídas no tronco cerebral, mas também no córtex cerebral, tálamo e caudado-putamen [83]. Diferente dos outros estudos que quantificaram a utilização da glicose pelo método [14C]2deoxiglicose [10], o último estudo usou [6-14C]glicose para medida das LCMRglcs e encontrou problemas metodológicos [84, 85]. Durante hipoglicemia aguda grave (1,0-1,4 µmol/ml), quando a atividade do EEG é isoelétrica, as LCMRglcs tornam-se limitadas por um influxo em todas áreas cerebrais e intensamente diminuídas (20-65%). Depressão metabólica estava generalizada em um estudo [83], e em todas exceto hipotálamo e cerebelo num outro [81]. A proteção relativa do conteúdo de glicose cerebral e metabolismo energético no cerebelo, comparado ao do córtex cerebral, foi também demonstrada por técnicas bioquímicas [86]. Em seres humanos, o método Kety-Schmidt e a tomografia por emissão de pósitrons mostraram que existe uma diminuição uniforme nas taxas de utilização cerebral de glicose induzidas por hipoglicemia moderada [68, 87, 88]. Ao contrário do rato, uma diminuição de 40% no consumo de glicose cerebral foi registrado em seres humanos depois de uma redução de 55% da glicemia, i.e. 2,7 µmol/ml [68]. No entanto, o efeito da hipoglicemia nas LCMRglcs em seres humanos deveria ser mais amplamente estudada, possivelmente por métodos anatômicos mais precisos do que a tomografia por emissão de pósitrons. METABOLISMO DA ENERGIA CEREBRAL ... 33 Utilização de outros substratos - Durante hipoglicemia aguda de intensidade moderada, a relação da diferença arteriovenosa de glicose para a diferença arteriovenosa de oxigênio no córtex cerebral não muda até que os níveis de glicemia atinjam um valor de cerca de 2 µmol/ml. Abaixo desse valor, a diminuição das LCMRglcs sempre excede à das LCMRO2 no rato [80] e gato [89], indicando que o cérebro está usando outros substratos de fontes exógenas e endógenas. Reservas endógenas de carboidratos tais como o glicogênio são esgotadas muito rapidamente após injeção de insulina [2, 80] e portanto tem uma contribuição negligível como combustível oxidativo. Aminoácidos cerebrais [72] e fosfolípides [90] podem servir como substratos metabólicos, e o último representa uma reserva potencialmente grande de energia. A captação cerebral de ß-Hidroxibutirato, um substrato exógeno, está também muito aumentado durante a hipoglicemia [80]. O metabolismo cerebral dos corpos cetônicos está limitado pela sua taxa de transporte através da BHE [33, 34, 38, 91]. Entretanto, durante a hipoglicemia aguda no rato, a concentração arterial de corpos cetônicos é comparável ao nível na normoglicemia, sugerindo que o transporte de corpos cetônicos através da BHE está facilitado, como ocorre no jejum prolongado [92]. Hipoglicemia que produz EEG isoelétrico está acompanhado por uma oxidação de NADH, demonstrando que o suprimento de equivalentes redutores para a cadeia respiratória está diminuída e que substratos alternativos não podem substituir totalmente a glicose como fonte de equivalentes redutores para a cadeia respiratória [89]. Durante o coma hipoglicêmico, a captação cerebral de ß-Hidroxibutirato torna-se negligível e o metabolismo aminoácido, evidenciado pelo acúmulo de amônia, está aumentado. A concentração cerebral de ácidos graxos livres aumenta de quatro a seis vezes durante esse estado, inibindo assim o metabolismo do ß-Hidroxibutirato por competição pela coenzima A disponível [80]. Em seres humanos, o cérebro pode usar corpos cetônicos em quantidades suficientes para influenciar sua função durante déficit agudo de glicose no estado pós-abortivo. A concentração arterial de ácidos graxos e corpos cetônicos não se modifica durante hipoglicemia de curta duração mas aumenta de 150-200% acima dos níveis basais durante hipoglicemia prolongada [93]. Este uso agudo de corpos cetônicos produz mudanças imediatas nas respostas humorais à hipoglicemia [93, 94]. Da mesma forma, a infusão de lactato diminui substancialmente as catecolaminas, hormônio do crescimento, cortisol, e respostas sintomáticas à hipoglicemia em seres humanos e animais [96]. Lactato também está associado a uma diminuição significante do nível de glicose plasmática no qual o cérebro se deteriora, o que sugere que o lactato protege a função neuronal [95]. Recuperação da hipoglicemia - A taxa e grau de recuperação após administração de glicose depende da duração e gravidade da hipoglicemia e estado neurológico do animal antes da agressão. Depois de 10 minutos de infusão de glicose, ratos sujeitos a hipoglicemia que induz no máximo um minuto de coma recuperam totalmente seus estoques de fosfatos com alta energia bem como o estado neu- 34 A. Nelig rológico normal. No entanto, quando a normalização dos níveis de glicose plasmática demora mais do que um minuto de coma, o CMRO2 se mantém deprimido e os substratos de alta energia não se normalizam. Ao mesmo tempo, a função neurológica e o EEG permanecem anormais mesmo após 1h de infusão de glicose [80]. Durante o período de recuperação, as LCMRglcs são marcadamente heterogêneas em animais inicialmente submetidos a hipoglicemia por 30 minutos. Na maioria das regiões, baixas LCMRglcs durante o período de recuperação correlacionam se com baixas LCMRglcs durante a hipoglicemia, exceto no hipocampo onde as LCMRglcs retornam aos níveis de controle durante o período de infusão de glicose [82]. Foi mostrado em seres humanos que um único intervalo euglicêmico permite recuperação de episódios repetitivos hipoglicêmicos de curta duração que anteriormente acreditava-se induzir função cerebral prejudicada [96]. No entanto, as respostas contraregulatórias aos episódios hipoglicêmicos repetidos estão diminuídas e atrasadas em pacientes diabéticos tratados intensivamente [98] e idosos [99], o que contribui para sua maior vulnerabilidade à hipoglicemia grave. ■ EFEITOS DA HIPOGLICEMIA AGUDA NO FLUXO SANGÜÍNEO CEREBRAL Não existe consenso claro sobre a influência da hipoglicemia no fluxo sangüíneo cerebral local (LCBF). Alguns estudos relataram que não existe nenhum efeito, mesmo quando ela é grave o suficiente para produzir coma [69, 77, 80], enquanto outros indicam que o CBF aumenta antes ou durante o coma hipoglicêmico [78, 79, 100]. Nenhuma mudança no LCBF foi induzida pela hipoglicemia em vitelos ou cães recém-nascidos [101, 102]. Estas diferenças nos resultados podem ser relacionadas à espécie ou devido à presença ou ausência de anestesia e/ou estado nutricional dos animais. Em animais anestesiados, paralisados e ventilados, hipoglicemia induziu grandes aumentos (40-220%) do CBF durante o período de ondas lentas multipícos ; e parada da atividade EEG induziu um aumento adicional do CBF (até 400500%) em muitas estruturas cerebrais. Entretanto, estes grandes aumentos relacionam-se ao desenho experimental do estudo, particularmente o uso de anestesia, uma vez que nenhum outro estudo relatou tais aumentos grandes no CBF durante hipoglicemia. Em estudos realizados em animais em vigília durante hipoglicemia moderada (2,6 µmol/ml), as taxas de LCBF estavam aumentadas em somente três regiões: bulbo olfatório, caudato-putamen e tálamo [103]. Durante hipoglicemia grave (1,29-1,51 µmol/ml), não houve mudança no CBF no córtex cerebral em um estudo [80], e um outro estudo mostrou um aumento geral nas taxas de LCBF (18138%) em todas regiões cerebrais, exceto uma diminuição de 31% do LCBF no lobo neural da pituitária [103]. Pelos dados sobre a utilização cerebral da glicose, parece que uma concentração de 2-2,5 µmol/ml de glicose arterial é um nível crítico abaixo do qual as LCMRglcs diminuem [81, 83], outros substratos são utilizados pelo cérebro [72, 89, 90, 9395], e estão aumentados valores do LCBF. O aumento do Diabetes & Metabolism LCBF durante a hipoglicemia pode refletir uma tentativa de manter o suprimento de glicose para o cérebro quando os níveis circulantes de glicose estão diminuídos abaixo deste nível crítico [103]. O lobo neural da hipófise, onde o LCBF está diminuído durante a hipoglicemia poderiam refletir uma tentativa de manter o suprimento de glicose ao cérebro quando os níveis de glicose circulante estão diminuídos abaixo deste nível crítico [103]. O lobo neural da pituitária, onde o LCBF está diminuído durante a hipoglicemia, fica fora da BHE e poderia ser sensível a agentes vasoativos do sangue, tais como epinefrina e norepinefrina que poderiam ser responsáveis pela vasoconstrição vista nessa área. No cerebelo e hipotálamo, um aumento do CBF durante hipoglicemia aguda é regulado somente por um componente receptor b-adrenérgico. Em outras regiões do cérebro, o aumento do LCBF induzido pela hipoglicemia é regulado por ambos, um componente receptor b-adrenérgico e por um componente receptor não-b-adrenérgico [104]. Em seres humanos, estudos recentes mostraram que as taxas de LCBF durante a hipoglicemia estão aumentadas em indivíduos adultos diabéticos e controles. Esta reatividade circulatória permite um aumento na disponibilidade de glicose cerebral durante a hipoglicemia mesmo em pacientes diabéticos [105, 108]. Além das mudanças do fluxo sangüíneo em resposta à hipoglicemia, a autoregulação da LCBF está perdida em todas regiões corticais, no tálamo e no hipocampo, enquanto que as outras regiões tem taxas de LCBF bem preservadas quando a pressão sangüínea é baixa. Assim, durante hipoglicemia grave, mesmo a hipotensão arterial relativamente moderada pode adicionar um insulto circulatório ao da hipoglicemia e afetar algumas estruturas cerebrais mais do que outras [109]. Durante o período de recuperação, taxas do LCBF estão notavelmente reduzidas em algumas áreas cerebrais, i.e. córtex cerebral, hipocampo e caudado-putamen, que mostram taxas de fluxo sangüíneo de somente 20-35% dos valores centrais. Em outras regiões, principalmente a formação ponte-reticular e córtex cerebelar, não ocorre hipoperfusão. As regiões nas quais o fluxo está reduzido durante o período de recuperação também mostram uma marcante redução concomitante das LCMRglcs, induzindo a um descompasso entre o fluxo sangüíneo cerebral e taxas de utilização de glicose durante o período de recuperação que poderia levar ao dano final celular que ocorre [81-100]. ■ COMPARAÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOGLICEMIA AGUDA E CRÔNICA Hipoglicemia induzida por privação de glicose por 4872h em cultura de células neuronais leva a uma regulação para cima do transportador de glicose localizado na BHE, i.e. GLUT1 [65], bem como daquele localizado na membrana da célula neuronal, GLUT3 [66]. O mesmo fenômeno é observado in vivo depois de 3-5 dias de hipoglicemia induzida por jejum prolongado ou injeção de insulina [64, 66, 110]. A regulação para cima dos dois transportadores cerebrais de glicose em resposta à hipoglicemia crônica representa um mecanismo protetor contra depleção de energia no cérebro. Adicionalmente, somente o transporte de Vol. 01, supl. 1, 1997 hexose através da BHE é afetado durante a hipoglicemia crônica, enquanto que não se modifica o transporte do aminoácido, ácido monocarboxílico e colina. Estes dados falam contra a possibilidade de maior recrutamento capilar durante hipoglicemia crônica e falam a favor de um número aumentado de sítios transportadores de glicose [110]. A transferência de glicose do sangue para o cérebro está aumentada em várias regiões do cérebro (córtex sensorimotor, hipotálamo, hipocampo e tronco cerebral) durante hipoglicemia crônica versus aguda de mesma intensidade (2,2-2,3 µmol/ml). Estas áreas cerebrais são principalmente aquelas nas quais as LCMRglcs estão aumentadas pela hipoglicemia crônica quando comparada à aguda [111]. Em todas regiões cerebrais estudadas, as LCMRglcs durante hipoglicemia crônica não diferem daquelas registradas em animais controle. Além disso, ratos cronicamente hipoglicêmicos são capazes de manter respostas evocadas somato-sensorias a níveis de hipoglicemia de 1,5 µmol/ml, o qual quando induzido agudamente, resulta em resposta atenuada em seres humanos [112] e ratos [72]. Portanto, a capacidade aumentada de transporte de glicose do sangue para o cérebro que acompanha a hipoglicemia crônica em muitas (mas não todas) regiões cerebrais permite que o cérebro funcione de modo relativamente normal, mesmo frente a reduções adicionais da glicemia a níveis associados agudamente com profundos distúrbios funcionais do cérebro [72, 111, 113]. Estes fenômenos de regulação por outro lado aumentam as LCMRglcs e melhoram a função geral do indivíduo quando comparado ao que é visto durante a hipoglicemia aguda [111]. Taxas de LCBF estão aumentadas em todas regiões cerebrais exceto no cerebelo e hipotálamo durante hipoglicemia crônica grave (1,97 µmol/ml) induzida por infusão contínua de insulina por 6-7 dias. No entanto, a magnitude do aumento registrado durante hipoglicemia crônica não é tão grande como aquela medida durante a hipoglicemia aguda de mesmo grau [114]. Portanto, ajustes na regulação da LCBF ocorrem durante a hipoglicemia crônica comparada à aguda. Os aumentos da regulação do LCBF durante hipoglicemia crônica parece ser devida somente ao componente não-ß, enquanto que o ß-componente parece ser não funcional. Ou os receptores adaptam-se à presença do agonista ou o agonista está ausente do sítio receptor [104]. ■ DANO NEURONAL INDUZIDO PELA HIPOGLICEMIA A distribuição do dano hipoglicêmico cerebral foi bem descrito em seres humanos, macacos e ratos. O cérebro parece ser relativamente resistente ao dano neuronal induzido pela hipoglicemia. Realmente, necrose neuronal não é observada a não ser que o EEG mostre períodos de isoeletricidade [115]. Necrose de células neuronais no córtex cerebral, estriado e ambas, área CA1 e giro denteado do hipocampo pode ser vista no dano hipoglicêmico do cérebro humano [116-118]. Em ratos e macacos, dano neuronal é encontrado no córtex cerebral, hipocampo e caudadoputamen [119-122]. Como notado previamente para o metabolismo energético e fluxo sangüíneo, o cerebelo parece METABOLISMO DA ENERGIA CEREBRAL ... 35 ser uma estrutura bastante resistente ao dano neuronal induzido pela hipoglicemia [123]. Hipoglicemia causa morte neuronal, embora não pela privação simples e direta de glicose e energia aos neurônios. Ao invés disso, dados experimentais indicam que a ativação dos receptores excitatórios neuronais [124] do subtipo N-metill-D-aspartato (NMDA) [125] é o mediador da morte neuronal por hipoglicemia. A natureza das excitotoxinas cerebrais produzidas endogenamente que causam o dano cerebral hipoglicêmico ainda não está claramente estabelecida. Hipoglicemia causa um acentuado aumento dos níveis de aspartato em todo tecido cerebral [123] mais um aumento de 16 vezes na concentração de aspartato e um aumento de 3 vezes de glutamato no espaço extracelular [125, 126]. Ambos, aspartato e glutamato são capazes de ativar vários tipos de receptores aminoácidos excitatórios, inclusive receptores NMDA. Durante a hipoglicemia, o bloqueio dos receptores NMDA reduz ambos, o efluxo de aminoácidos excitatórios das células cerebrais [127] e dano neuronal em várias regiões principais do cérebro, inclusive o estriado, área CA1 e giro denteado do hipocampo [127131]. Necrose neuronal pode ser reduzida pela administração de MK-801, um antagonista não competitivo do receptor NMDA, mesmo na fase de hipoglicemia profunda, acompanhada de atividade de ondas lentas no EEG, mesmo que resulte em coma com atividade isoelétrica do EEG [131]. O potencial papel deletério do dano neuronal induzido pelo cálcio e hipoglicemia permanecem sob debate. Coma hipoglicêmico, como a isquemia, está acompanhado por uma translocação de cálcio extracelular para os fluidos intracelulares. A recuperação do conteúdo de cálcio extracelular ocorre em duas fases, possivelmente porque que entra na célula no coma hipoglicêmico é sequestrado e/ou ligado, permitindo preservação parcial dos estoques de trifosfato nucleosídeo e ausência de acidose [132]. Estes dados são confirmados pelo fato que nenhuma proteção, pelo contrário, uma piora da necrose neuronal foi observada quando ratos hipoglicêmicos foram tratados com um antagonista do cálcio, dihidropiridina [133]. ■ CONCLUSÃO As conseqüências da hipoglicemia no transporte cerebral de glicose, metabolismo e fluxo sangüíneo foram quase que estudados exclusivamente em seres humanos e animais adultos. Muito poucos dados estão disponíveis na literatura para estes parâmetros com respeito às conseqüências da exposição à hipoglicemia da atividade funcional do cérebro em desenvolvimento de seres humanos e animais. Somente o período neonatal, durante o qual a hipoglicemia é uma grande preocupação, foi estudado mais extensivamente. No entanto, não existe ainda consenso quanto ao nível de hipoglicemia que poderia ser deletério ao recém-nascido a termo ou prematuro., especialmente em termos das patologias associadas. Seria portanto necessário o desenvolvimento de outros estudos sobre a possível adaptação da função cerebral durante hipoglicemia na infância quando o cérebro é dependente de um grande suprimento de glicose para suportar as necessidades energéticas e biossintéticas. 36 A. Nelig Diabetes & Metabolism Referências 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Hawkins RA, Williamson DH, Krebs HA. Ketone-body utilization by adult and suckling rat brain in vivo. 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Wajchenberg RESUMO Possíveis associações entre aumento da massa adiposa visceral e concentração lipêmica sérica, tolerância à glicose e insulinemia (dosagem por radioimunoensaio específico) foram estudados como fatores de risco para doença cardiovascular em 50 mulheres adultas obesas sem diabetes conhecido e 11 mulheres com peso adequado. A área de adiposidade das vísceras abdominais foi avaliada por tomografia computadorizada (CT) e as concentrações de insulina foram “reais”. Diabete foi observada em 6 mulheres obesas (12 %) e a intolerância à glicose em 13 (26 %). Nestas mulheres obesas, a adiposidade visceral apresentou correlação significante com VLDL-colesterol, triglicérides, pressão arterial sistólica e diastólica, enquanto que o tecido subcutâneo correlacionou-se negativamente com colesterol e VLDL-colesterol. A insulinemia não se presentou aumentada nem correlacionou-se com outros fatores de risco na obesidade visceral. Em conclusão, foi observada uma associação entre grande acúmulo de adiposidade visceral, dislipidemia, aumento de pressão arterial diastólica, mas não foi notada correlação significativa entre insulinemia de jejum ou resposta da insulina a teste de tolerância a glicose oral (oGTT). A escolha pelo sexo feminino pode ter sido um fator importante nas observações [68,74]. SUMMARY Possible associations between increased visceral fat component and serum lipid concentrations, glucose tolerance and insulinaemia (specific radioimmunoassay) were studied as risk factors for cardiovascular disease in 50 adult obese women without known diabetes and 11 lean normal women. Visceral abdominal fat areas were evaluated by computed tomography and “true” insulin concentrations. Diabetes was observed in 6 obese women (12 %) and impaired glucose tolerance in 13 (26 %). In obese women, visceral fat area correlated significantly with VLDL-cholesterol, triglycerides, and systolic and diastolic blood pressure, whereas subcutaneous area correlated negatively with cholesterol and LDLcholesterol. Insulinaemia was not increased in visceral obesity nor correlated with other risk factors. An association between increased visceral fat accumulation, dyslipidaemia and increased diastolic blood pressure was observed, but no significant correlations were noted between fasting « true » insulin or insulin response on an oral glucose tolerance test and intra-abdominal fat areas or dyslipidemia. The gender of the patients could have been an important factor in these last observations. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 68-74. Unitermos : obesidade, obesidade abdominal, resistência à insulina, fatores de risco cardiovasculares. Keywords: obesity, abdominal obesity, insulin resistance, cardiovascular risk factors. ✍ : A.C. Lerário, Rua Itapeva 378, Cj 133, 01332-000 São Paulo - SP - Brasil Tel : 55(11)251-0133 Fax : 55(11)287-0177. Unidade de diabetes, Laboratório de Investigação Médica, (LIM 25) e Departamento de Radiologia, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil. 40 A. C. Lerário E studos epidemiológicos relatam uma associação entre obesidade severa e mortalidade devido a crescentes índices de doenças cardio e cérebro vasculares e diabetes [1,4]. Porém, em obesidade moderada, a distribuição de gordura no corpo parece ser o indicador mais importante para as alterações metabólicas e cardiovasculares, nesta inconstante correlação entre índice de massa corporal ( BMI) e estes fatores de risco tem sido demonstrados em diferentes estudos [2,5]. Há mais de 40 anos J. Vague [6] descreveu uma relação entre obesidade do tronco superior (obesidade andróide) e aumento da prevalência de diabete e ateriosclerose, vários outros estudos epidemiológicos e clínicos sugerem que a obesidade abdominal esteja associada com alterações da homeostase de glicose e metabolismo lipídico [3,7]. Kissebach et al e Desprès et al [10] notaram que em mulheres na pós menopausa, a adiposidade intra abdominal medida através de CT, apresentam correlação com níveis séricos de glicose no tempo 120 minutos em um oGTT (oral Glicose Tolerance Test). Por fim Marin et al [11], em um estudo com 16 homens portadores de grande variação da distribuição adiposa corporal, não descreveu correlação entre massa visceral, grande concentração de lipídeos na adiposidade omental e teste de sobrecarga com glicose, permanecendo a glicose nos parâmentros referenciais e a insulinemia no limite superior dos referenciais. A maioria dos ensaios realizados para quantificar a concentração de insulina apresentam reação cruzada com a proinsulina plasmática, a contribuição da proinsulina para a concentração da insulina plasmática ainda não foi adequadamente determinada. Shiraishi et al [12] observaram que a proinsulina apresentou um aumento desproporcional na intolerância à glicose, mas não na obesidade. Reaven et al [13] num estudo com indivíduos obesos e não obesos, com graus variávies de intolerância à glicose, concluíram que a concentração real de insulina, em resposta a refeições mistas, aumenta em indivíduos obesos com intolerância à glicose, e não altera em obesos normais. O propósito do estudo em mulheres obesas saudáveis com diferentes graus de tolerância à glicose, foi investigar uma possível correlação com adiposidade visceral (CT) com outros fatores de risco cardiovascular e concentração de insulina plasmática. A técnica de radioiminoensaio (RIA) usada para quantificar a insulina não apresentou reação cruzada com pro insulina. ■ AMOSTRA Pacientes:– 50 mulheres obesas adultas sem história de diabete, hipertensão ou outras doenças crônicas, que foram examinadas periodicamente na Unidade de Diabete e 11 mulheres saudáveis, não obesas, que também foram selecionadas para o estudo. As pacientes foram mantidas em suas dietas regulares, as que faziam uso de medicação ou exercícios excessivos foram excluídas do estudo. Todas as pacientes apresentavam estabilidade de peso durante os vários meses que antecederam o estudo. Na seleção das pacientes constaram históricos detalhados, exames físicos e laboratoriais. Antes de começar a investigação, foi obtido o consentimento por escrito de cada participante. Diabetes & Metabolism Antropometria e distribuição adiposa: - Todas as pacientes foram pesadas em jejum e pela manhã. O índice de massa corporal (BMI) foi determinado pela fórmula: peso (kg)/ altura² (m). A distribuição da adiposidade corporal foi determinada pela relação cintura/quadril (waist-to-hip ratio-WHR) calculada pela medida da circunferência mais larga em cima do trocantes maior, por medida de CT de suas áreas intra abdominais e sub cutânea em corte transversal ao nível do umbigo. Todas as CT foram realizadas por CGR CE 12000 Scanner (CGR, Paris , França). As áreas de adiposidade foram determinadas por imagem obtidas usando um computador IBM 286 com programa específico JAVA 1.3 (Yandel Scentific, USA). A relação da adiposidade da víscera intra abdominal com a adiposidade sub cutânea (V/S) foi calculada como índice relativo de acumulação adiposa intra abdominal. A determinação de pressão sanguínea foi feita por 3 medidas em braço direito, após 10 minutos em posição sentado, usando-se um manômetro de mercúrio com manguito apropriado. Testes laboratoriais:- Amostras sanguíneas das pacientes estudadas foram colhidas pela manhã, com jejum adequado para determinação sérica de triglicérides (TG), colesterol total (Col), ácido úrico (Ur-A), HDL-, LDL-, VLDL-colesterol, glicose plasmática, insulina e outros ácidos graxos livres (FFA). Um oGTT com estímulo de 75g de glicose foi realizado, as amostras sanguíneas foram colhidas nos tempos 30, 60, 90, 120, e 180 minutos após sobrecarga para dosar insulina e FFA. Triglicérides, colesterol total, ácido úrico e glicose foram determinados por métodos enzimáticos, usando kits comerciais (Boehringer Manheim, Alemanha). HDL-colesterol sérico foi determinado por método de precipitação, VLDL-colesterol foi calculado através da concentração sérica do triglicérides (TG/5) e a concentração do colesterol LDL foi calculada pela diferença entre colesterol total e a soma do VLDL e HDL (equação de Friedwald) [14,15]. FFA foi medido por método colorimétrico após extração do plasma com uma mistura de clorofórmio, metanol e heptano. A insulina “específica” ou “real“ foi determinada por radioimunoensaio usando anticorpo de insulina de porquinho da guiné, que apresentou reação cruzada com a pro insulina < 0,2% [31,32]. Cem microlitros de plasma (ou padrão) foram encubados overnight a 4° C com 100ml de anticorpos diluídos de acordo com o protocolo de procedimento e 100 ml de tampão. Após a primeira incubação, 100 ml I125 monoiodado (15000 cpm)-(tyr-AI4) insulina porcina (Amersham International, Buckinghamshire, Grã-Bretanha) foi adicionada e incubada overnight a 4°C. O complexo antigeno anticorpo foi precipitado com 100 ml do segundo anticorpo de porquinho da guiné de carneiro (Pel-Freez Biologicals, Rogers, AR, USA). Após incubação overnight a 4°C, 100ml de soro bovino (1/10, v/v) e 1 ml de 6,4% glicol polietileno 8,000 MW (Sigma Chemicak C., St. Louis, Mo, USA) foram adicionados. Os tubos foram centrifugados a 3,000 g por 30 minutos, e a radioatividade foi medida através de um gamma-counter. A sensibilidade Vol. 01, supl. 1, 1997 FATORES DE RISCO EM MULHERES OBESAS ... da reação foi de 0,25 m IU. O coeficiente de variação intra ensaio foi de 7,0%, 10,0% e 13,0%; e o coeficiente de variação inter ensaio foi de 16,8%, 20,1% e 23,3%, a 13,50 e 79 m U/ml de insulina, respectivamente. Um software que usou uma curva trapezoidal, integrou os resultados de glicose e insulina do oGTT, que deram abaixo dos níveis basais. Estatísticas:- Os dados foram armazenados e analisados num computador IBM-PC usando o software True Epistat Statistical (Epistat Services, Richardson, Tx, USA). Análise de variância (ANOVA) foi usada para avaliar diferenças entre os grupos, e significância estatistíca entre os mesmos foi analisada e ajustada pelo teste de Bonferroni’s Multiple Ranking. A análise estatística comprovando os vários resultados entre as pacientes, foi baseada nos testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, e análise regressas simples e múltiplas foram usadas no estudo para relacionar as variações. Os resultados foram expressos com média ± desvio padrão (SD). 41 ■ RESULTADOS Características dos pacientes obesos:- Não foram encontradas diferenças significativas entre as idades e tolerância à glicose nas pacientes obesas. Seis pacientes obesas (12%) foram diagnosticadas diabéticas (D) (glicose de jejum ≥ 140 mg/dl; glicose após 2 horas de sobrecarga ≥ 200 mg/ dl), 12 (26%) apresentaram intolerância (I) com glucose de jejum < 140 mg/dl e um nível de glicose (entre 0 e 120 minutos > 200 mg/dl) e os demais 31 (62%) foram considerados não diabéticos (NDO) de acordo com os critérios da NDDG [17]. Cada grupo foi composto por mulheres em pré e pós menopausa ( D: 3/6; I; 6/13; NDO: 11/31). Entre as mulheres saudáveis não obesas, 9 não são menopausadas e 2 o são. Os dados antropométricos e as determinações laboratoriais desse grupo de pacientes obesas e do grupo de controle, estão resumidos na tabela-1. Exceto para HDL e FFA de jejum, todo o estudo do índice da adiposidade corporal e dados laboratoriais apresentaram valores significativamente elevados em obesas em relação a mu- TABELA I Dados Antropométricos e laboratoriais para amostra estudada (N = 61) (Média ± DP). Obesas (n = 50) Não-obesas(n= 11) Diabéticas(n = 6) Alteradas(n = 13) Não-diabéticas(n = 31) IDADE 44.5 ± 10.0 44.5 ± 10.7 42.5 ± 11.1 36.8 ± 8.18 IMC 39.1 ± 6.2 36.4 ± 8.1 36.1 ± 6.2 22.2 ± 2.36* a, d, c, WHR 0.97 ± 0.06 0.94 ± 0.08 0.91 ± 0.13 0.77 ± 0.05* a, d, f, VIS-A 122.3 ± 53.1 122.7 ± 61.0 103.3 ± 62.6 28.3± 18.5* a, d, f, SUB-A 478.7 ± 134.5 254.3 ± 168.6 412.1 ± 205.2 123.1 ± 55.5* a, d, V/S 0.24 ± 0.09 0.37 ± 0.22 0.31 ± 0.22 0.22 ± 0.09 COL 199.7 ± 32.6 243.1 ± 66.3 195.3 ± 37.8 166.9 ± 36.0* e, f, LDL-C 124.7 ± 30.5 156.5 ± 60.1 125.2 ± 32.1 102.2 ± 32.6* a HDL-C 41.0 ± 9.9 53.2 ± 17.2 46.3 ± 11.7 51.1 ± 12.8 TG 169.8 ± 57.6 163.3 ± 74.5 119.3 ± 56.9 68.1 ± 21.4* a, f, VLDL-C 34.0 ± 11.2 32.8 ± 14.9 23.9 ± 11.5 13.6 ± 4.3* a, d, UR.A 5.2 ± 1.1 5.7 ± 1.1 5.3 ± 1.3 4.3 ± 0.51* a, d, f, S-BP 141.7 ± 29.9 133.1 ± 19.7 134.5 ± 17.8 104.5 ± 12.1* a, d, f, D-BP 91.7 ± 9.8 86.5 ± 7.7 89.8 ± 10.9 68.6 ± 7.1* a, d, f, FPG 3.1 ± 2.0 6.5 ± 8.7 5.7 ± 6.6 1.9 ± 1.4 FPI 3.1 ± 2.0 6.5 ± 8.7 5.7 ± 6.6 1.9 ± 1.4 GLU-A 11388 ± 4408 10418 ± 3559 4468 ± 2060 4230 ± 3341* a, c, e, f, INS-A 3887 ± 944 7458 ± 4759 8326 ± 5351 4708 ± 1796 FFA 0.273 ± 0.152 0.285 ± 0.160 0.217 ± 0.098 0.218 ± 0.085 %FFA 67.7 ± 13.5 75.3 ± 13.4 70.5 ± 19.8 37.0 ± 12.6* a, d, f, Abreviações : IMC : índice de massa corporal, WHR : relação cintura/quadril, VIS-A : área visceral abdominal , SUB-A : área subcutânea abdominal, V/S : relação visceral/subcutânea, Col : Colesterol, LDL-C : LDL-colesterol, TG : Triglicérides, VLDL-C : VLDL-colesterol, SBP : pressão sanguínea sistólica, D-BP : pressão sanguínea de diastólica. Significância : p < 0.05. * Análise de variância (ANOVA) entre os grupos : a = diabéticos vs não-obesos, b = diabéticos vs alterados, c = diabéticos vs não-diabéticos, d = não-diabéticos vs não-obesos, e = não-diabéticos vs alterados, f = alterados vs não-obesos. 42 A. C. Lerário Diabetes & Metabolism Trinta e oito pacientes (76%) apresentaram área visceral aumentada, enquanto que os 12 remanescentes (24%) tiveram área visceral < 65 cm², dentro do normal. Os obesos com maior área visceral , apresentaram significativamente maiores concentrações plasmáticas em jejum de colesterol total, triglicérides, LDL, VLDL e maior pressão arterial diastólica, do que aqueles com menor gordura visceral. Porém, não foi constatada nenhuma correlação estatisticamente significativa entre os dois grupos no que diz respeito a pressão sanguínea sistólica e HDL, glicose, insulina e ácidos graxos livres (FFA) (figuras -1 e 2). Quando enfocados exclusivamente os 31 obesos, com tolerância à glicose normal, e dividindo-os em tercis de acordo com a área intra abdominal, não houve diferença estatisticamente significativa, em nenhum dos parâmetros estudados, exceto por pressão diastólica aumentada no grupo dos obesos com aumento da área visceral (3° tercil). lheres normais. Para pacientes obesas, a comparação de 3 grupos apresentados, não evidenciou diferenças estatísticamente significativas em insulina de jejum e FFA, mas a dosagem de insulina no teste de tolerância à glicose foi significativamente baixa em pacientes diabéticas em relação aos outros 2 grupos. 37 (74%) das mulheres obesas eram brancas caucasianas (CC) com descendência européia, e 13 (26%) eram de diferentes miscigenações de negros-africanos, índios e brancos não caucasianos (N-C). No grupo de controle, 3 N-C (27%), 8 C (73%), nenhuma diferença significativa entre C e N-C foi observada nas medições efetuadas. Nas pacientes obesas, essa mesma comparação não apresentou diferenças significativas nos dados atropométricos e pressão sanguínea, exceção feita para o nível de ácido úrico ( 6,08 ± 1,49 vs 5,18 ± 1,00 mg/dl, p < 0,01) no grupo de não caucasianas (N-C). Com base nessas observações, os dados relativos à raça de pacientes obesas e não obesas, foram agrupados dentro de cada grupo de pacientes. A distribuição de gordura e insulinemia:- Quando os dados para obesos foram comparados com seus “verdadeiros” níveis em jejum de insulina, i.e. > 4,7 m UI/ml (média + 2 desvios padrão-SD em indivíduos normais) ou mais baixo (dentro do valor normal), não houve diferenças estatísticas, exceto para baixos V/S (p < 0,05) e HDL ( p < 0,05) e altos ácido úrico ( p< 0,02) nos pacientes com hiperinsulinemia de jejum. Correlação de fatores de risco cardio vasculares com obesidade e distribuição de gordura: - A relação entre fatores de risco cardio vasculares, obesidade e distribuição de gordura como avaliou a correlação das variáveis testadas em análise multifatorial é mostrada na tabela-2. Uma correlação significante foi observada entre área visceral abdomina e triglicérides ( e VLDL-colesterol ), pressões sanguíneas sistólicas e diastólicas. A área subcutânea visceral mostra somente correlação negativa com colesterol total e com LDL-colesterol. A razão V/S foi correlacionada com colesterol total, LDL, triglicérides e VLDL. Entretanto, os índices antropométricos BMI e WHR não foram significativamente correlacionados com risco cardiovascular. ■ DISCUSSÃO Obesidade é altamente associada com diabete não insulino-dependente, e ambos são considerados importantes fatores de risco para doença cardiovascular (CVD), provavelmente associados a outros fatores como lipidiosaumentados, hiperinsulinemia, intolerância a carboidratos e pressão sanguínea aumentada. Esses fatores são frequentemente observados nesses pacientes como resultado de componentes genéticos e/ou fatores de risco ambientais e diminuição da atividade física [ 10, 18, 19]. De fato, nossos pacientes obesos (BMI > 30) apresentam ácido úrico e lipídios aumentados (colesterol total, LDL-colesterol e triglicérides) e alta pressão sanguínea sitólica e diastólica. A prevalência de diabete e intolerância à glico- Comparação entre gordura visceral e fatores antropométricos do risco cardiovascular:- Para investigar a relação entre distribuição de gordura abdominal e outros parâmetros de gordura e pressão arterial , os obesos foram divididos em dois grupos dependendo da área de gordura visceral fosse ≥ 65 cm² (Vh) ou < 65 cm² (Vn) isto é ± 2 desvios padrão, para os resultados obtidos em nossa clínica em pacientes normais para gordura visceral intra abdominal. TABELA II Correlação entre fatores de risco cardiovasculares e indices de distribuição de gordura em 50 mulheres obesas (não-diabéticas : n = 31; alteradas : n = 13; diabéticas : n = 6). oGTT área glicose oGTT área insulina oGTT FF A FFA menor Colest total Colest HDL Colest VLDL Colest LDL Triglic total PS Sistólica PS Diastólica BMI 0.05 – 0.07 – 0.13 – 0.25 – 0.26 0.03 – 0.22 0.03 0.23 0.23 WHR 0.26 0.14 0.15 0.001 – 0.21 0.23 0.001 0.23 0.11 0.09 gor VIS-A (V) 0.21 – 0.15 0.07 0.24 – 0.13 0.37 * * 0.21 0.37 * * 0.29 * * 0.48 * * gor SUB-A (S) – 0.10 0.13 – 0.10 – 0.30 * – 0.21 – 0.01 – 0.29 * – 0.01 0.01 0.12 V/S 0.14 – 0.12 0.14 0.29 * – 0.10 0.28 * 0.28 * 0.28 * 0.15 0.22 * p < 0.05. * * p < 0.01. OGTT = teste de tolerância de glicose oral. FFA = ácidos graxos livres. PS = pressão sanguínea, gor= gordura Vol. 01, supl. 1, 1997 FATORES DE RISCO EM MULHERES OBESAS ... 43 FIGUA -1. Comparação de idade e medidas em 50 mulheres obesas conforme área de gordura visceral no abdomém: área visceral ≥ 65 cm² (Vh), (n=38) e área visceral < 65 cm² (Vn), (n=12); * < p < 0,05; V/S= proporção áreas gorduras visceral x subcutânea. Dados apresentados como média ± SD. FIGURA 2. Comparação de aspectos metabólicos em 50 mulheres obesas, conforme área de gordura visceral no abdomém. área visceral ≥ 65 cm² (Vh), (n=38) e área visceral < 65 cm² (Vn), (n=12); * p < 0,05. Dados apresentados conforme média ± SD. se neste grupo de pacientes obesos (12% e 39% respectivamente) foi aumentada em comparação com os não obesos na mesma faixa etária [20]. Para obesidade moderada observada em nossos pacientes, os dados publicados são ainda inconclusivos quanto a prever o aumento da incidência de doença coronariana e diabetes, exceto quando outro fator de risco está associado [5]. Estudo cruzados e prospectivos indicam que pode haver uma correlação grande ou pequena entre obesidade moderada e diabetes ou doença cardiovascular em diferentes populações [3, 5, 19, 21]. Os possíveis fatores dessa discrepância incluem as diferentes intensidades de outro fator de risco que pode coexistir e/ou as características da distribuição da gordura [5, 7, 19]. Realmente alguns estu- 44 A. C. Lerário dos [7, 8, 22, 24] indicam que a gordura visceral abdominal, analisada por diferentes técnicas, é intimamente relacionada a diabetes e dislipidemia e poderia assim, ser um melhor diagnosticador do risco cardiovascular. Recentes estudos clínicos e epidemiológicos definiram a resistência à insulina e hiperinsulinemia como o defeito responsável pelas alterações metabólicas relacionadas ao risco aumentado nesses pacientes com obesidade visceral [21] . Em nosso estudo [23, 28] as mulheres obesas com uma área grande de gordura visceral em CT abdominal, e sem diferenças no BMI e WHR comparadas com outras mulheres com área visceral normal, lípides plasmáticos aumentados (col., LDL, TG, VLDL) e hipertensão diastólica, também apresentaram correlação entre estes parâmetros, que são concordantes com outros estudos [21, 23, 28]. Entretanto, não foram encontrados diferenças entre insulinemia de jejum e ácidos graxos livres FFA e glicose durante o oGTT. Quando os pacientes obesos foram analisados quanto ao nível de insulina aumentado ou normal, não foram observadas diferenças significativas nos parâmetros metabólicos ou pressão sanguínea; exceto por maior HDL-colesterol e ácido úrico , nos indivíduos com gordura visceral. O fato de não haver ocorrido um aumento significativo nos níveis de insulina de jejum nos indivíduos obesos com maior quantidade de gordura visceral, é contraditório à relatos que mostram aumento nos níveis de insulina [13, 22, 26, 28, 30], porém estão de acordo com observações de Fujioka et al [27] em mulheres japonesas com este tipo de obesidade. Uma explicação para essa divergência seria aterogenicidade de etiopatogeina do diabete, devido à diferenças em populações ou reações cruzadas na insulina ou seu precursor, a pro insulina [30,31]. A maioria dos estudos porém, mostram uma correlação significativa entre gordura abdominal e WHR, independentemente do BMI e insulina sérica, seja pelo ensaio usual que não tem reação cruzada com a pro insulia, ou pelo método específico (no qual a pro insulia não apresenta reação cruzada apreciável) no que diz respeito a homens obesos e não obesos [32, 33]. Além disso, num estudo das células gordurosas do omento, obtidas de biópsias cirúrgicas de homens e mulheres obesos [43], demonstra que os homens obesos tem maiores depósitos de gordura , com grandes adipócitos que apresentam maior sensibilidade hormonal da atividade da lipase, e maior sensibilidade ß-3 adrenorreceptor, associado com maior WHR, insulina circulante, glicose e pressão sanguínea, do que no grupo de mulheres. Hiperinsulinemia foi descrita na obesidade e em pacientes com tolerância à glicose alterada. Porém, não há correlação consistente entre o grau de hiperinsulinemia e obesidade, dessa forma o papel da hiperinsulinemia na história natural do diabete mellitus permanece controverso [35]. Em nosso coorte de obesos, ambos os grupos com glicose normal ou tolerância à glicose alterada apresentou “verdadeiras” insulinas de jejum aumentadas em comparação com indivíduos normais, entretanto nenhuma diferença foi notada em relação a áreas de insulina. Nossas constatações não confirmam Reaven et al [13], que indica que a “verdadeira” insulina é aumentada em obesos com intolerância à Diabetes & Metabolism glicose, porém estão em conformidade com Shiraishi et al [12], que indica um aumento desproporcional da secreção da insulina é responsável pela hiperinsulinemia na presença de intolerância à glicose. Hiperinsulinemia e resistência à insulina são fatores de risco importantes, porém, não necessariamente relacionado ao complexo sindrômico determinado por fatores genéticos e ambientais [5, 8, 36]. Concluindo, nossos dados confirmam mais uma vez que obesos apresentam fatores de risco cardiovasculares mais altos e maior prevalência de diabete que não obesos. Nas mulheres obesas com distribuição de gordura abdominal predominante, a gordura visceral correlacionou-se com níveis mais altos de triglicérides, VLDL e pressão sanguínea, enquanto que a área visceral subcutânea correlacionou de forma negativa com colesterol e LDL-colesterol. A resistência à insulia e hiperinsulinemia, que são frequentemente designadas por vários autores como defeito primário em patogenese de DMNID, não correlacionou-se com áreas de gordura intra-abdominais em nosso estudo, presumivelmente devido à especifidade de determinação da insulina e/ou heterogeneidade da população de diabéticos e/ou o sexo feminino em comparação com constatações feitas em estudos de obesos do sexo masculino. Referências 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Feinleib M. Epidemiology of obesity in relation to health hazards. Ann Int Med, 1985, 103, 1019- 1023. Kannel W.B. Lipids, diabetes and coronary heart desease : insights from the Framingham Study. Am Heart J, 1985, 110, 1100-1107. Keys A. Overweight, obesity, coronary heart disease and mortality. Nutr Rev, 1980, 38, 297- 307. Mann GV. The influence of obesity and health : part 2. N Engl J Med, 1974, 291, 226-232. Larsson B. Obesity, fat distribution and cardiovascular disease. Int J Obesity, 1991, 15, 53- 57. Vague J. 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Balarac* A associação entre hipertensão arterial e diabetes é de uma freqüência maior do que aquela determinada pelo acaso. Os mecanismos desta associação são diferentes conforme os tipos de indivíduos. O risco de morbidade e mortalidade ligados à associação hipertensão arterial-diabetes é alto, mas a prevenção é possível porque os medicamentos antihipertensivos são eficazes. É portanto do maior interesse que se apliquem os meios necessários para individualizar o diagnóstico e o tratamento de uma hipertensão arterial em um diabético. ■ ESTADO DA QUESTÃO 1. Epidemiologia da hipertensão arterial nos diabéticos 1-1. Prevalência da hipertensão arterial nos diabéticos O resultado das pesquisas epidemiológicas mostrou que a hipertensão arterial é mais freqüente em diabéticos, insulino-dependentes ou não, que em não diabéticos. A amplitude do problema é mostrado por quatro pesquisas recentes em populações representativas: - A pesquisa da OMS de 1985 foi feita com 6.695 diabéticos de ambos os sexos de 35 a 54 anos de idade em 14 países dos quais 3 países da Ásia, mas nenhum da África. A prevalência de hipertensão arterial (PAS > 160 mmHg ou PAD > 95 mmHg ou sob tratamento) foi de 31,8% (29,5 a 64,8% conforme o país) nos homens e de 36,0% (29,5 a 65,3% conforme o país) nas mulheres. Neste trabalho não estão disponíveis os resultados separados para os DMIDs e DMNIDs [1]; ✍ : M. Marre, Service de Médecine B, Centre Hospitalier Universitaire, 49033 Angers, Cedex 01. Tél.:41 35 44 99. Fax: (33) 41 73 82 30. - No estudo PROCAM feito com 4.043 homens e 1.333 mulheres da região de Munster e com idade entre 50 e 65 anos, a prevalência de hipertensão arterial nos diabéticos foi superior a 50% [2]; - No ensaio MRFIT, um importante trabalho de diagnóstico foi efetuado em 347.978 homens com idade entre 35 e 57 anos: a prevalência de hipertensão arterial (PAS > 160 mmHg) foi de 13,0% nos diabéticos contra 4,6% nos não diabéticos. Este trabalho não separou DMIDs e DMNIDs [3]; - O Estudo Hipertensão em Diabetes foi realizado em 3.648 pacientes com diabetes de tipo II de descoberta recente. Nestes pacientes de ambos os sexos (59% homens) com idade de 52 anos em média, a prevalência da hipertensão arterial definida conforme as regras da OMS foi de 35% nos homens e de 59% nas mulheres [4]. Mesmo que as estimativas sejam tão variáveis, o problema é portanto de uma amplitude considerável porque nessas populações de diabéticos de idade madura, a hipertensão arterial ocorre em 1 indivíduo de cada 8 a 2 indivíduos de cada 3. Enfim, a definição de hipertensão arterial é arbitrária. Nas últimas recomendações da OMS, a definição de hipertensão arterial foi abaixada (PAS ≥ 140 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg) [5,6]. Tarnow et al estudaram as conseqüências dessa modificação da definição sobre a prevalência da hipertensão arterial na população de sua clínica especializada: esta definição nos indivíduos normoalbuminúricos (definição no Anexo 1) atinge 42% dos DMIDs e 71% dos DMNIDs, contra 15 e 51%, respectivamente, utilizando-se a definição anterior da OMS (PAS ≥ 160 mmHg ou PAD ≥ 95 mmHg) [7]. * Texto estabelecido pelo comitê de especialistas acima e validado pelos membros do conselho de administração e científico da ALFEDIAM Vol. 01, supl. 1, 1997 Os fatores responsáveis pelo número excessivo de hipertensos nos DMNIDs são múltiplos. Ao contrário, nos DMIDs a prevalência excessiva de hipertensão é explicada inteiramente e somente pela proporção de DMIDs que tem uma nefropatia diabética [8]. 1-2 Riscos ligados à associação de hipertensão arterial e diabetes No que diz respeito ao risco dessa associação e do benefício potencial do tratamento, dois terrenos diferentes devem ser considerados: as moléstias renais e as moléstias cardiovasculares. Moléstias renais - A hipertensão arterial e o diabetes são as causas principais da insuficiência renal terminal. De acordo com os dados do US Renal Data System, 57% dos novos casos são atribuídos ao diabetes e à hipertensão arterial. Num estudo controlado baseado em uma população representativa, Perneger et al calcularam que o risco de insuficiência renal estava mais aumentado pela presença de diabetes : risco relativo de 33,7 para o diabetes insulino-dependente e de 7 para o não insulino-dependente [9]. Qualquer que seja a etnia dos indivíduos, os DMNIDs correm risco menor de insuficiência renal do que os DMIDs, mas por serem mais numerosos dão origem a um número de casos mais importante do que os DMIDs. Este fato foi verificado na França metropolitana. Na França de alémmar, a proporção de diabéticos entre os pacientes em hemodiálise é tão grande como nos EUA. Este fato se deve à grande proporção de DMNIDs hipertensos entre os franceses de etnia não caucasiana, e este é um problema importante de saúde pública [10, 11]. Moléstias cardiovasculares - Na pesquisa MRFIT [3], o risco relativo de morte dos hipertensos comparado aos normotensos era de 1,88 para os diabéticos contra 3,35 para os não diabéticos. Ao contrário, apesar de um risco relativo menor, a prevalência de hipertensão arterial era maior para os diabéticos, a proporção de mortes atribuídas à hipertensão arterial era de 23,6% para os diabéticos contra 14,6% para os não diabéticos. O risco relativo de morte diabético/não diabético decresce linearmente quando o nível da pressão arterial aumenta, passando de 4,4 nos homens com pressão arterial sistólica é inferior a 160 mmHg a 1,9 naqueles em que a PAS é ≥ 200 mmHg. O mesmo fenômeno é observado para o consumo de cigarros e taxas de colesterol. Ao contrário, o risco relativo de morte diabético/não diabético é pouco influenciado pela idade, pelo menos no grupo etário estudado. Existe portanto para os diabéticos como para o conjunto de pacientes, uma interrelação entre os fatores de risco. Entre nós foi igualmente demonstrado na Enquete Prospectiva Parisiense : 7.166 indivíduos com idade de 44 a 55 anos em 1968-1972 foram acompanhados em média durante 15,6 anos; o risco relativo de morte diabético/não diabético foi de 2 para os já diabéticos e de 2,7 para aqueles em que a diabetes foi descoberta na ocasião da enquete [12]. HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETES 47 Retinopatia diabética - A existência de uma hipertensão arterial é um fator de risco para retinopatia diabética exudativa nos DMNIDs [13]; nos DMIDs, uma microalbuminúria é um fator de risco para retinopatia proliferativa [14]. 1-3 Associação entre hipertensão arterial e outros fatores de risco cardiovasculares nos diabéticos - A proporção de indivíduos hipertensos é mais elevada entre os indivíduos que tem uma intolerância à glicose e ainda mais elevada nos DMNIDs do que entre os indivíduos que tem uma tolerância à glicose normal. Esta associação entre intolerância à glicose e hipertensão arterial é independente da idade, da obesidade e de tratamentos antihipertensivos. Inversamente, a prevalência da intolerância à glicose é muito mais elevada entre os hipertensos não tratados e ainda mais elevada entre os hipertensos tratados do que nos indivíduos normotensos [15]. Uma insulinoresistência e uma hiperinsulinemia são encontradas muitas vezes no diabetes de tipo II e na intolerância à glicose. Um aumento das taxas de insulina durante uma hiperglicemia provocada por via oral foi também colocada em evidência na hipertensão arterial, depois de ser levado em conta o efeito da sobrecarga ponderal, da idade, do sexo e da tolerância à glicose. Isto sugere bem a existência de uma insulinoresistência na hipertensão arterial essencial. Existe uma associação que não é fortuita entre hiperinsulinismo, intolerância à glicose ou diabetes não insulino-dependente, hipertrigliceridemia, baixa do HDL colesterol, distribuição andróide da gordura (observada em volta do tronco e dos quadris) e hipertensão arterial que teriam como substrato comum a insulinoresistência, chamada “síndrome metabólica” ou “síndrome de insulinoresistência” [16, 17]. Estas relações estatísticas levam a se pensar na possibilidade de um efeito pressor da insulina. A insulina induz a um aumento do tonus simpático e a uma retenção tubular de sódio. Ela favorece também o acúmulo intracelular de Na++ e Ca++ e estimularia a proliferação de células musculares lisas da parede dos vasos, o que levaria a um aumento da resistência vascular periférica. Entretanto, o efeito pressor eventual da insulinoterapia a longo termo não foi demonstrada [17]. Como aponta Alderman [18], não existe limiar de normalidade da pressão arterial ou de taxa de colesterol. Uma decisão terapêutica deveria portanto estar baseada sobre o risco absoluto de moléstia cardiovascular estimada por meio da soma dos fatores de risco. Tal cálculo foi efetuado a título de exemplo para o risco, em 10 anos, de cardiopatia isquêmica e de acidente vascular cerebral por meio de uma equação obtida na enquete de Framingham [19]. O resultado é apresentado na Tabela I. O risco de cardiopatia isquêmica de um diabético cuja pressão arterial sistólica é de 140 mmHg é igual aquele de um indivíduo não diabético com características idênticas cuja pressão arterial é de 170 mmHg. No que concerne o risco de acidente vascular cerebral, a diferença é de 20 mmHg. Uma ilustração dos benefícios potenciais do tratamento antihipertensivo é apresentada na Tabela II. Nesta tabela, os riscos absolutos são calculados segundo os mesmos princípios que na Tabela I e o Número de Indivíduos a serem Tratados (NIT), para se evi- 48 B. Bauduceau Diabetes & Metabolism TABELA I. Bases decisionais baseadas na equação de Framingham. PAS(mmHg) Cardiopatias isquêmicas (%) não diabético diabético AVC (%) não diabético diabético 140 17,5 22,3 3,0 4,9 150 19,2 24,1 3,9 6,1 160 20,8 25,9 4,9 7,8 170 22,3 27,6 6,1 9,7 180 23,9 29,3 7,6 11,9 Cálculos efetuados para um homem de 60 anos sem hipertrofia ventricular esquerda, não fumante, com as equações fornecidas por Anderson et al [19]. AVC : Acidente Vascular Cerebral. TABELA II. Riscos em 10 anos relacionados à hipertensão arterial e benefício potencial do tratamento em indivíduos com PAS de 180 mmHg, segundo o sexo, idade e presença de diabetes Idade Sexo PA S Diabetes CI(%) AVC(%) NIT-CI NIT-AVC 40 homem 180 não 9,6 1,8 74 139 40 homem 180 sim 13 2,8 55 89 60 homem 180 não 23,8 7,6 30 33 60 homem 180 sim 29,3 11,9 2,4 21 60 mulher 180 não 16,2 5,6 44 45 60 mulher 180 sim 26,7 13 27 19 PAS : pressão arterial sistólica; CI : cardiopatia isquêmica ; AVC : acidente vascular cerebral. NIT-CI : número de indivíduos a serem tratados para evitar uma cardiopatia isquêmica, sob a hipótese de uma redução de 14% do risco (Collins et al. [21]) graças ao tratamento antihipertensivo. NIT-AVC : número de indivíduos a serem tratados para evitar um acidente vascular cerebral, sob a hipótese de uma redução de 42% do risco (Collins et al. [21]) graças ao tratamento antihipertensivo. tar um acidente, é obtido segundo o método de Laupacis et al [20] : 1/ (redução relativa do risco x risco absoluto). As reduções relativas do risco são aquelas calculadas por Collins et al. em sua meta-análise de 14 ensaios controlados de tratamento da hipertensão arterial (redução de 14% do risco de cardiopatia isquêmica e de 42% do risco de acidente vascular cerebral) [21]. O número de indivíduos a serem tratados para evitar um acidente exprime o benefício individual do tratamento. Estes números são constantemente superiores nos diabéticos quando comparados aos não-diabéticos, qualquer que seja a idade e o sexo. Yudkin utilizou a mesma abordagem ao utilizar os dados de diagnóstico da enquete MRFIT e as mortes como critério de julgamento [22]. Nos hipertensos não-diabéticos, 1.178 pacientes-ano de tratamento antihipertensivo são necessários para prevenir uma morte ; nos diabéticos hipertensos, 615 pacientes-ano de tratamento são suficientes. 2. Relações entre hipertensão arterial e nefropatia nos diabéticos Os rins podem ser vítimas ou culpados pela hipertensão arterial, no diabetes e em outras condições : as diferentes nefropatias, e particularmente as moléstias glomerulares, induzem quase sempre a uma hipertensão arterial ; por outro lado, uma hipertensão arterial pode repercutir sobre o funcionamento renal e causar lesões por muito tempo reversíveis e depois irreversíveis que conduzem à insuficiência real crônica terminal. As hipertensões arteriais, qualquer que seja seu mecanismo, aceleram a evolução da nefropatia, e isto é particularmente verdadeiro para os pacientes diabéticos. A natureza destas relações é melhor analisada confrontando-se os valores da pressão arterial com a albumina urinária em um indivíduo [23] (Tabela III). Em caso de hipertensão arterial permanente e de normoalbuminúria na ausência de tratamento antihipertensivo, trata-se de uma hipertensão arterial essencial sem repercussão renal. No caso de hipertensão arterial permanente associada a uma microalbuminúria (definição no Anexo 1), esta última indica a gravidade da hipertensão arterial da mesma forma que uma hipertrofia ventricular esquerda, outra possível conseqüência da hipertensão arterial. No caso de uma proteinúria clínica (definição no Anexo 1), associada a uma hipertensão arterial em um DMID, a existência de uma retinopatia diabética será um elemento a favor de uma hipertensão arterial secundária à uma nefropatia diabética. A existência de uma microalbuminúria, mesmo sem hipertensão arterial, Vol. 01, supl. 1, 1997 HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETES indica um risco cardiovascular maior. Nos DMIDs, uma microalbuminúria permanente isolada está habitualmente relacionada a uma nefropatia diabética no início. Nos DMNIDs, como na população em geral, ela pode estar também relacionada a um outro fator de risco cardiovascular (obesidade, hiperlipemia, estilo de vida, patologia uronefrológica), do que com o diabetes [24]. Nos DMNIDs, cerca de um terço das proteinúrias clínicas são devidas a uma outra moléstia renal que não o diabetes, e um outro terço à esclerose arterial secundária à hipertensão [25, 26]. Nos DMIDs, como nos DMNIDs, a existência de uma proteinúria clínica não pode ser relacionada ao diabetes (em vista da duração insuficiente do diabetes e/ou da ausência de retinopatia diabética) e o paciente deve ser encaminhado a um nefrologista. 49 3.3. Diabetes, hipertensão arterial e injeção de contrastes radiológicos - Existe um risco suplementar de insuficiência renal aguda pela injeção de contrastes radiológicos em um diabético hipertenso, sobretudo se ele tiver depleção de sódio (particularmente através de tratamento diurético de longo prazo) ou através de uma redução pré-existente da função renal [28]. É recomendável que se garanta uma repleção volêmica suficiente nos diabéticos hipertensos antes de se submeterem a exames radiológicos que utilizem esses produtos. 4. Quais são as provas de um benefício atribuível ao tratamento da hipertensão arterial nos diabéticos? A resposta é diferente , dependendo da utilização dos antihipertensivos no tratamento da hipertensão arterial ou no tratamento da nefropatia diabética. 3. Aspectos particulares 3.1. Moléstias endócrinas - A associação de um diabetes e de uma hipertensão arterial pode ser reveladora de uma causa comum cirurgicamente curável ; os outros sintomas ou sinais relacionados à secreção endócrina inapropriada orientarão a pesquisa diagnóstica (feocromocitoma, acromegalia, hipercorticismo metabólico, hipermineralocorticismo). 3.2. Diabetes, hipertensão arterial e estenose das artérias renais - Estudos de autópsias sugerem que a freqüência de estenoses ateromatosas das artérias renais é maior nos diabéticos do que nos outros hipertensos [27]. Diante de um quadro sugestivo (hipertensão arterial resistente ao tratamento, hipocalemia, hipertensão arterial acelerada, má tolerância a um tratamento com inibidor da ECA), deve-se pesquisar uma estenose uni ou bilateral das artérias renais. 4-1. Tratamento da hipertensão arterial nos diabéticos Não existe hoje estudo disponível que haja testado especificamente o interesse da redução de uma hipertensão arterial nos diabéticos insulino-dependentes ou não, em termos de benefício clínico, isto é, a prevenção primária e secundária das complicações da hipertensão arterial. Os benefícios atribuíveis ao tratamento da hipertensão arterial foram demonstrados na população geral. As recomendações adotadas para a população geral repousam sobre a prova do aumento da incidência de moléstias renais, de acidentes cardiovasculares mortais e não mortais (insuficiência coronariana e acidentes vasculares cerebrais) proporcionais às cifras de pressão arterial sistólica e diastólica [5, 6]. As sociedades médicas especializadas em hipertensão arterial recomendam que se obtenha cifras de pressão arterial inferiores a 140/90 mmHg. O risco atribuível a um dado nível de pressão arterial é maior nos diabéticos do que nos TABELA III. Relações entre hipertensão e nefropatia nos diabéticos Normoalbuminúria DMID Hipertensão arterial permanente Sem hipertensão arterial permanente DMNID Hipertensão arterial permanente Sem hipertensão arterial permanente Microalbuminúria Proteinúria clínica Hipertensão arterial essencial não complicada Sem problemas Hipertensão arterial complicada* Nefropatia diabética inicial Nefropatia diabética** Associação DMNID Hipertensão*** Hipertensão e DMNID complicadas*, *** Sem problemas ?*** Acompanhamento*** Nefropatia diabética** ou de outra natureza Insuficiência cardíaca ou outra causa de proteinúria? Nefropatia diabética** ou de outra natureza Insuficiência cardíaca ou outra causa de proteinúria? Nefropatia diabética** DMID : Diabetes Insulino-dependente; DMNID : Diabetes Não Insulino-Dependente. * Procurar uma hipertrofia ventricular esquerda. ** Confirmar retinopatia diabética. ***Pesquisar os outros fatores de risco cardiovasculares 50 B. Bauduceau não diabéticos (veja acima). Como conseqüência, é aceitável que se aplique as recomendações da OMS [6] aos diabéticos que tenham como único fator de risco uma hipertensão arterial. 4-2. Utilização de medicamentos antihipertensivos no tratamento da nefropatia diabética - Ensaios terapêuticos foram realizados com uma classe particular de medicamentos antihipertensivos, os inibidores do enzima de conversão : - nos DMIDs : • no estado de nefropatia estabelecida (definida por uma proteinúria clínica, ou macroalbuminúria, definição no Anexo 1), nos DMIDs que tenham uma pressão arterial < 140/90 mmHg seja espontaneamente, seja por efeito de tratamento antihipertensivo tradicional, o Enalapril e o Captopril reduzem o risco de duplicação da creatinina plasmática ou de morte renal em aproximadamente 50% [29, 30]; • no estado de nefropatia inicial (definida como uma microalbuminúria sem hipertensão arterial), o Enalapril ou o Captopril previnem ou retardam o aparecimento de uma nefropatia estabelecida [31, 32]. Entretanto, não está ainda provado que essa estratégia preserva a filtração glomerular desses indivíduos, e reduz o seu risco excessivo de mortalidade cardiovascular. - nos DMNIDs, uma taxa elevada de albumina urinária (microalbuminúria ou proteinúria clínica) indica um risco cardiovascular multiplicado por 3 em relação aos DMNIDs normoalbuminúricos [33]. No entanto, nenhum ensaio provou que uma intervenção terapêutica baseada nesse marcador reduz o risco previsto por ele. No que diz respeito ao risco renal indicado por uma microalbuminúria nos DMNIDs, somente um ensaio utilizando Enalapril contra placebo durante 5 anos mostrou uma pequena ascensão da creatinina plasmática com o Enalapril [34]. 5. Formas de tratamento da hipertensão arterial nos diabéticos Serão consideradas as formas de tratamento não medicamentosas e as formas medicamentosas. 5.1. Formas não medicamentosas Estilo de vida - Uma atividade física regular pode reduzir a pressão arterial [35]. Ela deve ser adaptada às capacidades físicas e à idade do paciente : 30 a 40 minutos três a quatro vezes por semana, a 40 a 60% do consumo máximo de oxigênio. Ela também é benéfica tanto para os pacientes hipertensos tratados como para os normotensos. A atividade física, por si só, melhora o perfil lipídico (elevação do HDL-colesterol e reduz particularmente os triglicerídeos) [36]. - O tabagismo : o risco cardiovascular absoluto conferido pelo consumo de tabaco está multiplicado por três nos diabéticos comparado aos não diabéticos [3]. É um marca- Diabetes & Metabolism dor de risco de nefropatia nos DMIDs [37]. A parada absoluta de todo o consumo de tabaco é, portanto, altamente recomendável para todos diabéticos. - O excesso de peso : o ganho de peso se acompanha de uma elevação da pressão arterial e a perda de peso de uma redução da mesma [38]. Este efeito é independente e aditivo pela relação com a redução da ingestão de sódio que está associado a um regime hipocalórico [38]. Alimentação - Os princípios são idênticos, seja o diabético hipertenso ou não [39] : a aporte calórico deve ser reduzido no indivíduo obeso, e equilibrado qualquer que seja o peso do paciente : 45 a 55% de carboidratos, cerca de 15% de proteínas e 35% de lípides. Um aporte de carboidratos superior a 50% pode levar a uma hipertrigliceridemia, marcador de risco cardiovascular nos diabéticos ; os ácidos graxos monoinsaturados são aconselháveis até um máximo de 20% do total das calorias. Os regimes hipoproteícos (menos do que 0,8g por kg de peso e por dia) não estão indicados a não ser nos diabéticos com insuficiência renal. O aporte diário recomendável de sódio deve ser inferior ou igual a 100 µmol (2400 mg). Os regimes mais restritivos não são recomendados a não ser em situações particulares (insuficiência cardíaca, ou insuficiência renal avançada). O consumo excessivo de álcool pode causar uma elevação da pressão arterial [40]. Mas um consumo moderado de álcool, particularmente sob a forma de vinho tinto (menos de três copos por dia) poderia proteger do risco cardiovascular [41]. A pressão arterial pode se reduzir sob o efeito do consumo importante de ácidos graxos Ômega 3 presente no óleo de peixe [42]. 5.2. Formas medicamentosas Diuréticos - Os diuréticos podem ser utilizados de modo lógico no diabético hipertenso, já que este apresenta uma hipervolemia com retenção hidro-sódica. Eles são eficazes, de utilização simples, e de preço baixo [43]. Eles podem ter efeitos metabólicos indesejáveis na população geral ; estes efeitos estão relacionados com a dose utilizada, e são mais freqüentes para os diuréticos tiazídicos do que para os diuréticos de alça. Estes efeitos metabólicos estão na maioria das vezes relacionados diretamente com uma redução da calemia : piora da intolerância à glicose por redução da secreção de insulina e/ou acentuação da insulino-resistência ; risco de coma hiperosmolar, particularmente no indivíduo idoso ; elevação moderada do colesterol LDL e dos triglicerídeos ; aumento da uricemia. Estes efeitos são detectáveis com os diuréticos tiazídicos quando sua posologia ultrapassa o equivalente a 25 mg de hidroclorotiazida por dia [44,45]. Além dessa dose, um estudo controlado realizado na população geral indica um risco aumentado de parada cardíaca, sem dúvida relacionado com a baixa da calemia [46]. Os diuréticos poupadores de potássio não parecem ter efeito metabólico, mas são contra-indicados em caso de nefropatia diabética, em virtude da retenção hidro-sódica que ela provoca. A impotência sexual no homem diabético hipertenso pode ser acentuada pelo tratamento com diuréticos. Vol. 01, supl. 1, 1997 Betabloqueadores - Os betabloquadores são medicamentos aprovados no tratamento da hipertensão arterial ; sua eficácia foi comprovada no tratamento da insuficiência coronariana e na prevenção do enfarte do miocárdio, causa principal de mortalidade prematura nos diabéticos [43]. Os betabloqueadores não cardioseletivos em doses altas podem reduzir a secreção de insulina e diminuir a tolerância à glicose. Eles podem mascarar os sinais adrenérgicos da hipoglicemia nos diabéticos tratados com insulina ou sulfamidas hipoglicemiantes. Eles podem modificar o perfil lipídico de uma forma não desejável ; elevação do colesterol LDL, dos triglicerídeos e redução do HDL-colesterol. Eles podem agravar uma arteriopatia periférica e/ ou uma impotência pré-existente. Os betabloqueadores cardioseletivos não impedem a retomada da glicemia após uma hipoglicemia induzida por insulina [47]. No geral, os betabloqueadores podem ser utilizados nos diabéticos. Naqueles tratados com insulina ou sulfamidas hipoglicemiantes, os betabloqueadores cardioseletivos serão utilizados preferencialmente. Antagonistas do cálcio - Os antagonistas do cálcio são tão bem tolerados nos diabéticos como nos não diabéticos. Eles não provocam retenção hidro-sódica e não tem efeito metabólico deletério. Ainda não está demonstrado o significado clínico das variações da excreção urinária da albumina com os antagonistas de cálcio. É preciso lembrar que não foi possível demonstrar o benefício de certas diidropiridinas na prevenção secundária da insuficiência coronária [48, 49]. HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETES 51 bidores de enzima de conversão não foi demonstrado ; somente um estudo contra placebo sugere que o Enalapril poderia retardar a elevação da creatinina plasmática nos diabéticos não insulino-dependentes micro- ou macroalbuminúricos normotensos [34]. Antihipertensivos de ação central - Os antihipertensivos de ação central são eficazes, mas de uma utilização quase sempre limitada nos diabéticos em razão de seus possíveis efeitos secundários : hipotensão ortostática, aparecimento ou agravamento de uma impotência. Eles não podem ser indicados como tratamento de primeira escolha na hipertensão arterial dos diabéticos [43]. Alfabloqueadores - Os alfabloqueadores não tem efeito sobre o metabolismo glicídico, e poderiam modificar favoravelmente o metabolismo lipídico. Entretanto, sua utilização torna-se difícil pelo risco de hipotensão ortostática. Por esta razão não se pode encorajar sua utilização como primeira ou segunda escolha nos diabéticos [43]. Outros vasodilatadores - A hidralazina e o minoxidil não tem efeito metabólico particular. Eles induzem uma potente vasodilatação arterial. O risco de retenção hidrosódica e de descompensação de uma insuficiência coronariana na sua utilização faz com que não sejam recomendados como tratamento de primeira ou segunda escolha na hipertensão arterial dos diabéticos [43]. O efeito dos antagonistas dos receptores de angiotensina II ainda não foi avaliada nos diabéticos. ■ RECOMENDAÇÕES Inibidores do Enzima de Conversão - Eles são eficazes e bem tolerados nos diabéticos. Eles não modificam o perfil metabólico. No entanto, foi relatado que seu uso em diabéticos tratados com insulina ou antidiabéticos orais confere um risco suplementar de hospitalização por hipoglicemia [50]. Nos indivíduos portadores de uma insuficiência renal com neuropatia vegetativa, eles podem facilmente induzir uma hipercalemia causada pelo hiporeninismo-hipoaldosteronismo freqüente nestes indivíduos. Nos indivíduos diabéticos com insuficiência renal, o tratamento com inibidor de enzima de conversão deve ser começado com doses baixas [43]. No caso de estenose pré-existente das artérias renais, o tratamento com inibidores de enzima de conversão pode levar a uma redução dramática da filtração glomerular, principalmente se o indivíduo está em tratamento com diuréticos (veja recomendações abaixo). Ao lado de sua propriedade hipotensora, os inibidores de enzima de conversão demonstraram seu efeito no tratamento da insuficiência cardíaca e do pós-enfarto do miocárdio [51, 52]. Nos DMIDs o Enalapril e o Captopril podem retardar a progressão da insuficiência renal em caso de nefropatia diabética estabelecida [29, 30] e prevenir o aparecimento de proteinúria clínica no estado de nefropatia diabética inicial [31, 32], benefícios que não são atribuídos somente ao seu efeito hipotensor [29, 30, 53, 54]. Nos DMNIDs, um benefício especificamente atribuível aos ini- 1. Como medir a pressão arterial de um diabético? A medida ocasional da pressão arterial fica sendo a medida de referência para definir uma hipertensão arterial, tanto nos diabéticos como nos não-diabéticos. As recomendações foram emitidas pelo Grupo da Sociedade Francesa de Hipertensão Arterial [55, 56]. 1-1. Método de referência [55] - Ele é o método de referência para o clínicos gerais e para os especialistas. Resumidamente : utiliza-se um esfigmomanômetro de mercúrio cujo manguito é colocado e ajustado depois da palpação da artéria humeral do braço. O centro da bolsa inflável é aplicado acima do batimento humeral ficando sua borda inferior situada pelo menos a 2,5 cm ou dois dedos acima da fosseta antecubital. O tambor do estetoscópio, que não deve tocar o manguito para evitar a percepção de ruídos parasitas, é colocado sobre o batimento arterial humeral apertando-se o mínimo possível. O manguito é inflado até 30 mmHg acima do ponto de desaparecimento do pulso radial. A seguir desinfla-se 2 a 3 mmHg por segundo e à medida que a pressão diminui os ruídos de Korotkoff tornam-se audíveis. A PAS é a pressão na qual se percebe o primeiro ruído de Korotkoff (fase I) e a PAD é aquela em que desaparecem os ruídos de Korotkoff (fase V). Os resultados podem ser estimados perto de 2 mmHg. Três leituras da pressão arterial 52 B. Bauduceau Diabetes & Metabolism devem ser efetuadas nas mesmas condições e é a terceira medida que será considerada como representativa. Em cada leitura, o manguito deve ser desinflado completamente e é conveniente esperar pelo menos um minuto para que o sangue venoso seja drenado afim de se evitar uma superestimativa da pressão. A pressão arterial é igualmente medida depois de um minuto na posição supina para detectar uma eventual hipotensão ortostática cuja freqüência é conhecida nos diabéticos. No indivíduo obeso, é necessário utilizar-se um manguito adaptado ao tamanho do braço, um manguito muito curto ocasiona uma elevação das cifras tensionais. No indivíduo idoso a diminuição da compliance arterial pode ter como conseqüência uma superestimativa da PAS e uma subestimativa da PAD. Finalmente, na criança, é preciso se utilizar um manguito pequeno adaptado ao tamanho do braço e comparar os resultados obtidos às normas que são função do sexo e da altura. Na prática, a OMS recomenda que se empregue um manguito em que a bolsa inflável cubra 2/3 do comprimento do braço e pelo menos 2/3 de seu perímetro. Bolsa inflável Criança Braço magro Adulto normal Obeso largura (cm) comprimento (cm) 8 à 11 8 à 11 11 à 13 16 à 20 13 à 20 13 à 20 20 à 28 32 à 42 A pressão arterial é medida em mmHg e os valores da freqüência cardíaca devem igualmente ser registrados. O diagnóstico da hipertensão arterial pode ser retido até que se disponha de pelo menos três medidas patológicas da pressão em duas consultas diferentes. A medida ocasional da pressão arterial não oferece, entretanto, nada mais do que uma abordagem parcial ao estado tensional (efeito “avental branco”, variação importante ao longo do nectêmero). Estes inconvenientes originaram o desenvolvimento de outros métodos de medida da pressão arterial : autoaferição, Dinamap® e medida ambulatorial da pressão arterial. 1-2. Autoaferição da pressão arterial [56] - Este método demanda uma aprendizagem que constitui um verdadeiro ato médico e que pode ser um fator limitante da técnica. O tensiômetro eletrônico deve ser controlado no consultório médico tendo como referência o método auscultatório com um aparelho de mercúrio. O manguito é colocado na parte superior do braço para comprimir a artéria humeral e ele registra as variações dos ruídos ou das oscilações detectadas ao longo da desinsuflação. As medidas devem ser efetuadas antes da refeição, após 5 minutos de repouso em um ambiente calmo, sem haver bebido ou fumado. Os resultados obtidos são significativos quando as medidas são suficientemente numerosas e repetidas. 1-3. Registro automatizado não ambulatorial (Dinamap®) [6] - O Dinamap®, monitor de medida oscilométrica não invasiva da pressão arterial, mede automaticamente as pressões arteriais sistólica, diastólica e média e a freqüência cardíaca. As pressões arteriais fornecidas estão bem correlacionadas à pressão arterial radial do sangue. Esta técnica de medição, que suprime o efeito “avental branco”, não pode entretanto ser praticado ambulatorialmente. Um registro de duração limitada a uma hora seria representativo do perfil tensional do indivíduo. 1-4. Medida Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) [6, 57] - Este método dá uma apreciação do ritmo nectemeral da pressão arterial. Nos diabéticos, pode-se observar uma modificação da curva tensional nectemeral com desaparecimento da redução tensional noturna fisiológica : correlações foram observadas entre os dados da MAPA e a prevalência das complicações degenerativas do diabetes [58, 59]. O registro será praticado durante um dia de atividades habituais do indivíduo. A prática esportiva, dirigir automóvel, uma fibrilação auricular são a causa de uma alteração da qualidade dos dados. O horário de aferição pode ser entre às 8 e 10h da manhã. Os registros com objetivo comparativo devem ser efetuados no mesmo braço, respeitando um horário de aferição idêntico. Uma medida a cada ¼ de hora durante o dia e a cada ½ hora durante a noite é recomendável. Solicita-se ao paciente anotar o horário de acordar, dormir, da tomada de medicamentos, das refeições e de esforços físicos. A análise dos dados é feita depois da eliminação dos artefatos. Ela permite que se obtenha os níveis médios de PAS e PAD, da freqüência cardíaca e também a curva-padrão para o nectêmero, o período diurno (722h) e o período noturno (22-7h). 2. Com que cifras de pressão arterial define-se uma hipertensão arterial num diabético? A OMS recomenda que se considere como hipertenso um diabético com menos de 60 anos de idade tendo uma pressão arterial ≥ 140/90 mmHg [6]. Entretanto, os riscos atribuídos a uma elevação moderada da pressão arterial em um diabético levaram o Comitê Nacional de Hipertensão Arterial Americana [5] e a Associação Americana de Diabetes [60] a propor valores mais baixos : 130/85 mmHg, e esta qualquer que seja a condição do diabético. Tendo em vista os dados epidemiológicos enunciados mais acima, o grupo signatário desse trabalho recomenda que se considere um diabético tendo uma PAS > 160 mmHg e/ou PAD > 90 mmHg a uma hipertensão arterial permanente, qualquer que seja o tipo do diabetes, a idade e o sexo do indivíduo. Um diabético tendo uma pressão arterial inferior a 140/ 80 mmHg pode ser considerado como tendo uma pressão arterial normal, qualquer que seja o tipo de diabetes, a idade e o sexo, exceção feita às mulheres grávidas e indivíduos com menos de 18 anos de idade. Para estas duas últimas categorias de indivíduos, recomendações particulares foram emitidas para a população geral e elas devem ser aplicadas aos diabéticos [5, 6]. Vol. 01, supl. 1, 1997 HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETES Para os diabéticos tendo uma PAS entre 140 e 160 mmHg, e/ou uma PAD entre 80 e 90 mmHg, recomenda-se aos médicos encarregados desses pacientes de ter uma atitude de vigilância. Esta deve em particular levar em conta a existência de outros fatores de risco associados ao diabetes, e de marcadores intermediários de risco para os órgãos-alvo, particularmente a existência de uma microalbuminúria e/ ou de uma hipertrofia ventricular esquerda confirmada por ECG (ecocardiograma). No caso de um diabético que tenha uma PAD inferior a 80 mmHg e uma PAS superior a 160 mmHg, trata-se de um diabético com uma hipertensão sistólica isolada portanto o risco e o benefício do tratamento foram definidos para a população geral de indivíduos idosos [61, 62]. No caso de um diabético com PAD inferior a 80 mmHg e PAS entre 140 e 160 mmHg, a atitude de vigilância proposta acima é igualmente recomendável para os indivíduos com menos de 60 anos. Estas recomendações estão resumidas na Tabela IV. TABELA IV. Definição de uma hipertensão arterial num diabético. Estas recomendações são aplicáveis aos diabéticos insulino-dependentes e diabéticos não insulino-dependentes. HA permanente Zona de vigilância Valores normais Pressão arterial sistólica (mmHg) Pressão arterial diastólica (mmHg) > 160 > 90 140-160 80-90 < 140 < 80 3. Quais controles da hipertensão arterial devem ser praticados em um diabético? 3-1. Controle de primeira intenção Este é derivado das recomendações médicas concernentes ao controle do diabetes, por um lado, e por outro lado aquele da hipertensão. Ele deve incluir particularmente: - para o diabetes : a medida da glicemia e da hemoglobina glicosilada ; - a pesquisa de fatores de risco associados : obesidade, tabagismo, dislipidemia, hiperuricemia ; - o exame dos órgãos-alvo e a pesquisa de sinais da gravidade da hipertensão e do diabetes : creatinina (ver Anexo 2) e ionograma plasmático, detecção de uma proteinúria e/ ou hematúria (um algorítmo de detecção é apresentado na Figura 1), exame do sedimento urinário, eletrocardiograma, exame do fundo de olho (pesquisa de alteração devida ao diabetes e/ou à hipertensão arterial). Este controle deve ser repetido anualmente na ausência de anormalidade. 3-2. Recomendações em caso de anormalidade Em caso de anormalidade no controle do diabetes, da existência de uma repercussão dele (particularmente reti- 53 nopatia diabética), da existência de outros fatores de risco cardiovasculares : o médico deve seguir as recomendações referentes a essas diferentes áreas. Em caso de calemia inferior a 3,5 µmol/l, na ausência de causa medicamentosa : é recomendável pesquisar sinais funcionais e físicos que lembrem uma causa comum à hipertensão arterial e ao diabetes (moléstia endócrina). Em caso de associação a um dano renal ou de hipertensão arterial resistente ao tratamento, o médico deve buscar uma causa renal para a hipocalemia e recomenda-se encaminhar o paciente a um especialista em hipertensão arterial e/ou nefrologista. Em caso de microalbuminúria permanente : - em um DMID, mesmo que a pressão arterial esteja abaixo de 140/80 mmHg, esta pode ser o sinal do início de uma nefropatia diabética. Trata-se de uma condição de prognóstico grave, principalmente em indivíduo com menos de 50 anos; a conduta de controle e as decisões de tratamento devem ser feitas com o acordo de um especialista em diabetes e/ou nefrologista; - em um DMNID (inclusive os DMNID tratados com insulina), a existência de uma microalbuminúria indica a gravidade da hipertensão arterial, da mesma forma que as anormalidades ecocardiográficas e/ou eletrocardiográficas. Se a pressão arterial é inferior a 140/90 mmHg, esta anormalidade requer uma atitude de vigilância em paralelo ao controle do diabetes e dos outros fatores de risco cardiovascular, mas nenhuma estratégia terapêutica particular demonstrou benefício nesta situação. Em caso de proteinúria clínica (ou microalbuminúria): É altamente provável que a hipertensão arterial seja secundária a uma nefropatia diabética se existe uma retinopatia diabética em um DMID. Em um DMNID, a probabilidade é menor. É preciso assegurar a ausência de sinal ou sintoma indicador de uma outra patologia uro-nefrológica, especialmente de uma outra moléstia renal ou de uma hipertensão arterial grave ou maligna. É recomendável que encaminhe o paciente a um especialista em hipertensão arterial e/ou diabetes. Em caso de insuficiência renal (creatinina plasmática ≥ 130 µmol/l), de hipertensão arterial resistente ao tratamento ou de deterioração brusca da função renal com os inibidores da ECA : na ausência de proteinúria, uma alteração vascular renal deve ser pesquisada; a realização de exames complementares (à procura de uma estenose das artérias renais, particularmente) será recomendável; ela será guiada por um especialista em hipertensão arterial e/ou nefrologista. 4. Decisão do tratamento da hipertensão arterial num diabético 4-1. Recomendações gerais - Uma árvore de decisão é apresentada na Figura 2 que é aplicável a todos os diabéticos, qualquer que seja o tipo de diabetes, idade ou sexo, e qualquer que seja a condição cardiovascular e renal do 54 B. Bauduceau Diabetes & Metabolism indivíduo. A primeira medida é a utilização dos meios não medicamentosos de redução da pressão arterial, isto é, redução da obesidade, redução da ingestão alimentar de sódio, exercício físico regular, redução da quantidade de álcool ingerida quando ela é maior do que 3 copos de vinho tinto por dia, e parada completa e definitiva do consumo de tabaco. Salvo situação em particular, estas medidas são suficientes nos indivíduos em que as cifras da pressão estejam num intervalo que necessite de uma vigilância particular, isto é, PAS entre 140 e 160 mmHg e/ou PAD entre 80 e 90 mmHg. Se, apesar da aplicação correta destas medidas não-medicamentosas, a PAS permanece superior a 160 mmHg e/ ou PAD superior a 90 mmHg, os meios medicamentosos estão justificados para manter a pressão arterial abaixo dessas cifras. Quatro classes de medicamentos podem ser utilizados em primeira intenção : diuréticos, betabloqueadores, inibidores da enzima de conversão, antagonistas do cálcio. Vale lembrar que os diuréticos e os betabloqueadores mostraram sua eficácia na prevenção primária das complicações da hipertensão arterial nos não-diabéticos. É necessário individualizar o tratamento antihipertensivo em função da condição particular do paciente. Em caso de fracasso, o aumento das doses dos medicamentos, e sua associação, devem ser feitas segundo as regras gerais de tratamento da hipertensão arterial editadas pela OMS [6]. 4-2. Situações particulares O diabético hipertenso idoso - A posologia inicial dos medicamentos deve ser a metade da posologia inicial usual. Devem ser descartadas uma hipotensão postural e desidratação; no plano biológico, é recomendável avaliar a glicemia, natremia, calemia e creatinina plasmática durante o tratamento. O diabético hipertenso com nefropatia diabética - Em caso de nefropatia diabética, existe uma retenção hidro-sódica que justifica a utilização preferencial dos diuréticos de alça. Nos DMID, foi demonstrado que o Captopril e o Enalapril retardam a progressão da insuficiência renal independentemente de seu efeito hipotensor [29,30]. Nestes indivíduos, é recomendável avaliar a calemia antes da introdução ou do aumento da posologia de um inibidor da ECA. No DMID portador de uma nefropatia diabética inicial, os inibidores da ECA podem ser utilizados para retardar o aparecimento de uma proteinúria clínica [31, 32], mesmo naqueles indivíduos com pressão arterial inferior a 140/80 mmHg. O diabético hipertenso com hipotensão ortostática Nestes indivíduos, o tratamento da hipertensão arterial é difícil. A MAPA pode ser útil para avaliar os níveis de pressão arterial durante o nectêmero. Certos medicamentos antihipertensivos não podem ser utilizados a não ser com precaução, nestes pacientes : alfabloqueadores, antihipertensivos de ação central. Amostras de urina ao acaso < 20 mg/l ≥ 20 mg/l Normoalbuminúria Micro-Macroalbuminúria? Repetir o exame pelo menos 1 vez/ano 2ª amostra < 20 mg/l ≥ 20 mg/l Micro ou Macroalbuminúria permanente* FIG. 1. Algoritmo de detecção de uma micro- ou macroalbuminúria ; * : a excreção urinária de albumina pode ser utilmente quantificada para avaliar sua progressão (ver Anexo 1). A sensibilidade de uma concentração urinária de albumina > 20 mg/l para detectar uma micro- ou macroalbuminúria permanente é de 91% e sua especificidade é de 83%. A sensibilidade de 2 amostras sucessivas ³ 20 mg/l é de 83% e sua especificidade é de 97%. Veja ref. [63]. 56 B. Bauduceau Diabetes & Metabolism FIG. 2. Árvore de decisão de tratamento antihipertensivo em um diabético. PAS: pressão arterial sistólica; PAD pressão arterial diastólica; ECA: enzima conversor da angiotensina. *: no indivíduo idoso, uma PAS entre 160 e 140 mmHg é aceitável se a PAD está < 90 mmHg. ■ CONCLUSÃO Estas recomendações foram elaboradas em Março de 1995 com base no estado atual dos conhecimentos. Elas deverão ser revisadas periodicamente para levar em conta o progresso dos conhecimentos. Referências 1 2 3 4 5 6 The WHO multinational study of vascular disease in diabetics. Prevalence of small and large vessel disease in diabetic patients from 14 centres. Diabetologia, 1985, 28, 615-640. Assmann G, Schulte H. The Prospective Cardiovascular Munster (PROCAM) study : prevalence of hyperlipidemia in persons with hypertension and/or diabetes mellitus and the relationship to coronary heart disease. Am Heart J, 1988, 116, 1713-1724. Stamler J, Vaccaro O, Neaton JD, Wentworth D. 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BMJ, 1990, 300, 975-978. 45 Harper R, Ennis CN, Sheridan B, Atkinson AB, Johnston GD, Bell PM. Effect of low dose versus conventional dose thiazide diuretic on insulin action in essential hypertension. BMJ, 1994, 309, 226230. 46 Siscovick DS, Raghunathan TE, Psaty BM, Koepsell TD, Wicklund KG, Lin X, Cobb L, Rautaharju PM, Copass MK, Wagner EH. Diuretic therapy for hypertension and the risk of primary cardiac arrest. N Engl J Med, 1994, 330, 1852-1857. 47 Passa Ph, Gauville C, Bentz F, Assan R, Canivet J. Effets de l’acebutolol sur les réactions endocriniennes et métaboliques induites par une hypoglycémie aigue. Etude chez des sujets normaux et des diabétiques insulino-dépendants. Nouv Presse Méd, 1979, 8, 3951-3955. 48 Waters D, Lesperance J, Francetich M et al. Montreal Heart Institute Study : a controlled trial to assess the effect of a calcium antagonist upon the progression of coronary artherosclerosis. Circulation, 1989, 80 (suppl. 2) : 11-266. 49 Goldbourt U, Behar S, Reicher-Reiss H, Zion M, Mandelzweig L, Kaplinsky E. For the Sprint Study Group : Early administration of nifedipine in suspected myocardial infarction ; the Secondary Prevention Reinfarction Israel Nifedipine Trial 2 Study. Arch Intern Med, 1993, 153, 345-353. 50 Herings RMC, de Boer A, Stricker NHCh, Leufkens HGM, Porsius A. Hypoglycaemia associated with use of inhibitors of angiotensin converting enzyme, Lancet, 1995, 345, 1195-1198. 51 Pfeffer MA, Braunwald E, Moye LA, Basta L, Brown EJ Jr, Duddy TE, Davis BR, Geltman EM, Goldman S, Flaker GC et al. Effect of captopril on mortality and morbidity in patients with left ventricular dysfunction after myocardial infarction. Results of the survival and ventricular enlargement trial. N Engl J Med, 1992, 327, 669677. 52 Yusuf S, Pepine CJ, Garces C, Pouleur H, Salem D, Kostis J, Benedict C, Rousseau M, Bourassa M, Pitt B. Effect of enalapril on myocardial infarction and unstable angina in patients with low ejection fractions. Lancet, 1992, 340, 1173-1178. 53 Hallab M, Gallois Y, Chatellier G, Rohmer V, Fressinaud Ph, Marre M. Comparison of reduction in microalbuminuria by enalapril and hydrochlorothiazide in normotensive patients with insulin dependent diabetes. BMJ, 1993, 306, 175-182. 54 Kasiske BL, Kalil RS, Ma JZ, Liao M, Keane WF. Effect of antihypertensive therapy on the kidney in patients with diabetes : a meta-regression analysis. Ann Int Med, 1993, 118, 129-138. 55 Poggi L, André JL, Lyon A, Mallion JM, Plouin PF, Safar M. Mesure clinique de la pression artérielle. Recommandations de la Société Française d’Hypertension artérielle. Groupe de la mesure. Arch Mal Cœur, 1988, 81 (suppl. HTA), 13-20. 56 Société Française d’Hypertension artérielle. Groupe de la mesure. Comité National de lutte contre l’HTA. Recommandations pour l’automesure de la pression artérielle avec un tensiomètre électronique. Arch Mal cœur, 1989, 82, 1001-1005. 5 7 Staessen JA, Fagard RH, Lijren PJ, Thijs L, Van Hoof R, Amery AK. Mean and range of ambulatory pressure in normotensive subjects from a meta-analysis of 23 studies. Am J Cardiol, 1991, 67, 723-727. 60 B. Bauduceau 5 8 Liniger C, Favre L, Assal JP. Twenty-four hour blood pressure and heart rate profiles of diabetic patients with abnormal cardiovascular reflexes. Diabetic Med., 1991, 8, 420-427. 59 Benhamou PY, Halimi S, De Gaudemaris R. et al. Early disturbances of ambulatory blood pressure in normotensive type 1 diabetic patients with microalbuminuria. Diabetes Care, 1992, 15, 16141619. 60 ADA Consensus : treatment of Hypertension in Diabetes Mellitus. Diabetes Care, 1993, 16, 1394-1410. 61 MRC working Party : Medical Research Council Trial of treatment of hypertension in older adults : principal results. BMJ, 1992, 304, 405-412. 62 Beard K, Bulpitt C, Mascie-Taylor H, O’Malley K, Sever P, Webb S. Management of elderly with sustained hypertension. BMJ, 1992, 304, 412-416. 63 Bouhanick B, Berrut G, Chameau AM et al. Predictive value of testing random urine sample to detect microalbuminuria in diabetic subjects during outpatients visits. Diabète Métab, 1992, 18, 54-8. 64 Mogensen CE, Chachati A, Christensen CK et al. Microalbuminuria : an early marker of renal involvement in diabetes. Uremia Investigation, 1985-86, 9, 85-95. 65 Cockcroft DW, Gault MH. Prediction of creatinine clearance from serum creatinine. Nephron, 1976, 16, 31-41. Anexo 1: - A excreção urinária de albumina pode ser quantificada sobre uma amostra de urina das 24 horas, da noite, ou amostras de urina da manhã. Se durante o Diabetes & Metabolism período de 1 a 6 meses, ela estiver em pelo menos 2/3 das amostras em uma das classes abaixo, trata-se de uma normoalbuminúria, macroalbuminúria, ou de macroalbuminúria permanente; < 30 mg/24 horas, ou < 20 mg/min, ou < 20 mg/l: normoalbuminúria; 30 - 300 mg/24 horas, ou 20 - 200 mg/min ou > 200 mg/min ou > 200 mg/l : macroalbuminúria. Se um paciente apresenta em três amostras consecutivas, uma normoalbuminúria, uma microalbuminúria e uma macroalbuminúria, admite-se que o mesmo apresenta uma microalbuminúria permanente. O termo “proteinúria clínica”(i.e., proteinúria detectável no leito do paciente, através de uma tira reagente do tipo ALBUSTRIX®) equivale a uma macroalbuminúria [64]. Anexo 2: - A filtragem glomerular pode ser medida pelo clearance das substâncias exógenas como o 125I - Iodothalamate ou o 51Cr - EDTA. Na impossibilidade, podemos medí-la corretamente, calculando-se o clearance da creatina a partir da fórmula de Cockcroft e Gault [65]: Clearance = (140 - idade (anos)) x peso (kg) f x creatina plasmática (µM) onde f = 0,84 para os homens, e 0,961 para as mulheres ISSN : 0338-1684 & Diabetes Metabolism Editorial Nova classificação e critérios para o diagnóstico do diabetes mellitus : A. C. Lerário 65 Revisão Recentes avanços em nefropatia diabética: quais os malefícios da glicose? : G E Striker, L J Striker 68 Ação da insulina no homem: A J Scheen, P J Lefèbre 77 Artigos originais Terapia intensiva de insulina a curto prazo no diabetes que requer insulina: efetividade e fatores que predizem o sucesso : L Meyer, H Grulet, B Guerci, A Gross, V Durlach, M Leutenegger 86 As implicações do Ensaio Clínico de Controle e Complicações do Diabetes (ECCD) são possíveis na clínica diária ? : J F Gautier, J P Beressi, H Blanc, P Vexian, Ph Passa 93 Clínica médica A noite do diabético insulino-dependente : D Bennis, G Slama 98 Ainda há lugar para o uso de diuréticos e ß-bloqueadores no tratamento da hipertensão em diabéticos ? : Ph Passa 103 Consenso da ALFEDIAM A hipoglicemia do paciente diabético : A Grimaldi, A Slama, N Tubiana-Rufi, A Heurtier, J-L Selam, A Scheem, C Sachon, B Vialettes, J J Robert, L Perlemuter 106 AGOSTO AT L  N T I C A 1997 Vol.1 e d i t o r a 2 & Diabetes Metabolism REVISTA CLÍNICA E BIOLÓGICA ATLÂNTICA MULTIMÍDIA 16 rue de la Cerisaie 75004 Paris tel (33) (0) 1 4029 9254 fax (33) (0) 1 4277 4255 ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO Avenida Graça Aranha, 182/9°andar 20030-003 Rio de Janeiro RJ tel: (021) 533 32 00 fax: (021) 533 08 29 PUBLICIDADE Maurício Galvão Anderson R. Corgie Assad Abdalla 693 05622-010 São Paulo - SP tel: (011) 9993 6885 tel/fax: (011) 844 1885 Lei de Imprensa n° 56528 Publicação mensal Assinatura anual: Médicos R$ 150 Instituições R$ 200 © Masson Editeur Paris, editado no Brasil por Atlântica Multimídia, 1997 Tiragem: 9.000 exemplares Diabetes & Metabolism é a publicação oficial da Associação de Língua Francesa para o Estudo do Diabetes e das Doenças Metabólicas (Alfediam) EDIÇÃO FRANCESA Pr esidente Presidente Prof. Gérard Cathelineau (França) ice-presidente Vice-pr esidente Prof. Philippe Vague Secretário etário geral Secr Prof. Jean-Marcel Brun Secretário Secr etário adjunto Dra. Claire Lévy-Marchal esoureir eiro Tesour eir o Dr. Jean-Pierre Sauvanet Diabetes & Metabolism, revista fundada em 1975 por Jean Canivet e Pierre Lefebvre, é publicada pela Editora Masson (Paris) Editor-chefe Editor -chefe Prof. Pierre Saï (França) Editores-chefe Editor es-chefe delegados André Scheen (Bélgica), Jean-Frédéric Blicklé (França) Clínica Médica André Grimaldi (França) Diretora Internacional Dir etora Inter nacional para o Brasil Dra. Tania Leme da Rocha Martinez Editores Editor es Roger Assan, Michel Beylot, Pierre Chatelain, (França), Jean-Louis Chiasson (Canadá), Paul Czernichow (França), Jean-Pierre Felber (Suíça), Henri Gin (França), Giuseppe Paolisso (Itália) EDIÇÃO BRASILEIRA Diretora Dir etora Executiva Cleide Simões Temer Dir etora Científica Diretora Dra. Tania Leme da Rocha Martinez Editor -Chefe Editor-Chefe Dr. Jean-Louis Peytavin Dir etor Comer cial Diretor Comercial Maurício Galvão Anderson Conselho Científico Adolpho Milech Adriana Costa e Forti Antonio Carlos Lerário Antonio Roberto Chacra Bernardo Leo Wajchenberg Edgar Niclewicz Francisco Bandeira Helena Schmid Jorge Luiz Gross Laércio Franco Leão Zagury Leila Araújo Luiz Cézar Póvoa Maria Marcílio Rabelo Revisão Científica Profª. Lucia Machado Lopes Tradução Dra Alice C. G. Anderson Dra. Márcia Regina Volpe Indexado em : BIOSIS (Biological Abstracts) - CABS - Chemical Abstracts - Current Contents : Life Sciences - Excerpta Medica - Medline (Index medicus) - Pascal (INIST/CNRS) - Reserch Alert - Science Citation Index - SCI Search. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997,1, 65 - 67 Editorial NOVA CLASSIFICAÇAO E CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO DO DIABETES MELLITUS A. C. Lerário pesar do Diabetes Mellitus ser conhecido desde a antigüidade, ainda persiste certa dificuldade para se estabelecer critérios precisos e adequados para a sua classificação e diagnóstico, uma vez que, os mecanismos etipatogênicos da doença permanecem não perfeitamente conhecidos. A classificação e os critérios diagnósticos para o diabetes atualmente mais amplamente empregados foram obtidos em 1979 através do consenso de um grupo de renomados especialistas norte americanos sob o patrocínio do National Institutes of Health. Um ano mais tarde, estes critérios foram referendados com mínimas modificações por um comitê internacional nomeado pela Organização Mundial da Saúde, passando então a ser utilizada em praticamente todo o mundo, em substituição as diferentes classificações existentes. Com o advento dos novos conhecimentos adquiridos sobre a etiologia e patogenia do diabetes nos anos que se seguiram, muitos estudiosos da área passaram a manifestar a necessidade de uma revisão da nomenclatura, do critérios diagnósticos e da classificação da doença. Com o intuito de atualizar os critérios até então correntes, adequando-os aos novos conceitos adquiridos sobre a doença, formou-se recentemente um novo Comitê de Especialistas em Diabetes patrocinado pela Associação Americana de Diabetes (ADA) em conjunto com o National Institutes of Health e de outros centros de controle e prevenção da doença ligados ao governo norte americano para que se fizesse uma revisão das recomendações anteriores, procurando-se desta vez adotar uma terminologia mais apropriada e uniforme e uma classificação mais funcional. O resultado deste trabalho cuja base classificatória baseou-se o quanto possível na etiologia e não mais na sistemática anterior que considerava como base o tipo de tratamento farmacológico da doença, foi apresentado na 57ª Reunião Anual da American Diabetes Association em Boston, USA e publicada na edição de julho de 1977 da revista Diabetes Care. Discutida em reunião específica durante o último Congresso da International Diabetes Federation realizado em julho passado em Helsinki, na Finlândia, concluiuse em recomendar sua aplicação pela comunidade internacional, fazendo-se no texto final pequenas modificações. Espera-se portanto, que a mesma venha ser referendada brevemente pela Organização Mundial da Saúde para substituir a classificação atualmente vingente. A Procuraremos a seguir apresentar um resumo das principais recomendações propostas para nova classificação e critérios diagnósticos: 66 A. C. Lerário Diabetes & Metabolism ■ CLASSIFICAÇÃO dominante com uma deficiência de insulina relativa a uma predominante deficiência da secreção de insulina com resistência à insulina As principais modificações realizadas se constituíram em: • Eliminar o termo “diabetes mellitus insulino dependente (DMID)” e “diabetes mellitus não insulino dependente (DMNID)” • Manter os termos “tipo 1” e “tipo 2” utilizando entretanto, algarismos arábicos e lugar dos numerais romanos anteriormente empregados. • O diabetes tipo 1 é caracterizado pela destruição da célula ß pancreática, usualmente levando a absoluta deficiência de insulina pancreática. Duas formas a caracterizariam: a imuno mediada e a idiopática. A imuno mediada resulta da destruição auto-imune mediada das células ß pancreáticas e a idiopática forma cuja etiologia permanece desconhecida • O diabetes tipo 2 é definido para indivíduos que apresentam uma resistência à insulina e usualmente tem uma deficiência parcial da secreção de insulina. Indivíduos com o diabetes tipo 2 apresentariam alterações que variam desde uma resistência a insulina pre- • Um novo estágio de homeostase alterada da glicose denominada “ glicemia de jejum alterada (impaired fasting glucose ou IFG)” foi definida como a glicemia de jejum igual ou maior a 110 mg/dl mas menor que 126 mg/dl. O estágio denominado “ tolerância a glicose alterada (impaired glucose tolerance ou IGT) “ permanece e é definida por um valor glicêmico maior ou igual a 140 mg/dl mas menor do que 200 mg/dl no teste de tolerância a glicose. Ambos IFG ou IGT são referidos a estágios metabólicos da homeostase alterada da glicose que se situam em uma posição intermediária entre a homeostase normal da glicose e o diabetes. Apesar de não se constituírem em uma entidade clínica, são fatores de risco para o diabetes futuro e a doença cardiovascular. • A glicemia de jejum maior que 110 mg/dl foi determinada como o limite superior da normalidade. Apresentamos na tabela 1 a nova classificação do diabetes com base etiológica recomendada: TABELA 1. Classificação do diabetes ( ADA/NIH 97) I. Diabetes tipo 1 II. Diabetes tipo 2 III. Outros tipos específicos A . Defeitos genéticos da célula ß (MODY1, MODY2, MODY3) B . Defeitos genéticos da ação da insulina (Leprechaunismo, Resistência à insulina tipo A, etc) C . Doenças do pâncreas exócrino ( Pancreatites, traumas, pancreatite, hemocromatose etc.) D . Endocrinopatias (Acromegalia, Síndrome de Cushing, feocromocitoma, glucagonoma etc) E . Induzido por drogas ou substancias químicas Diazoxido, vacor, pentamidine, acido nicotínico) F . Infeções (rubéola congenita, citomegalovirus, outras) G . Formas incomuns de diabetes imuno mediado (Stiff-man syndrome, anticorpos anti receptor de insulina, outras) H . Outras síndromes genéticas associadas ao diabetes (Síndromes de Down, Klinefelter, Turner, Wolfram, outras) IV. Diabetes Gestacional Vol. 01, 1997 NOVA CLASSIFICAÇÃO E CRITÉRIOS PARA ... 67 TABELA 2. Diagnóstico do diabetes Estágio Glicemia de jejum (FPG) Glicemia casual o GTT Diabetes FPG ≥ 126 mg/dl Glicose casual ≥ 200 mg/dl com sintomas Glicose plasmática de 2 horas ≥ 200 mg/dl Homeostase alterada da glicose Glicose de jejum alterada (IGF) ≥ 110 e < 126 mg/dl Tolerância a glicose alterada (IGT) = 2hPG ≥ 140 e < 200 mg/dl Normal FPG < 110 mg/dl 2h PG < 140 mg/dl ■ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS: • • Os critérios diagnósticos sofreram modificações em relação aos previamente recomendados (tabela 2) . Três alternativas para o diagnóstico do diabetes são possíveis, entretanto a glicemia plasmática de jejum é a preferencial. No momento a hemoglobina glicosilada (HbA1C) não é recomendada para o diagnóstico. Glicemia de jejum ≥ a 126 mg/dl (confirmado por um segundo teste) é diagnóstico de diabetes. Esta recomendação é baseada em novos dados populacionais que demonstram um aumento acentuado de resultados adversos (isto é, alterações microvasculares) em pacientes que apresentem níveis glicêmicos pouco superiores a esta concentração e um risco elevado de doença macrovascular. • Estes critérios revisados são válidos para diagnóstico e não para tratamento ou como parâmetro para o controle terapêutico. REFERÊNCIAS 1. National Diabetes Data Group Classification and Diagnosis of diabetes mellitus and other categories of glucose intolerance Diabetes 28: 1039-1057, 1979 2. World Health Organization Diabetes Mellitus Report of a WHO Study Group. Geneva, WHO 1985 (Tech Rep. Ser. No 727) 3. Diabetes Care 20: 1183-1197,1997 Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 68 - 76 Revisão RECENTES AVANÇOS EM NEFROPATIA DIABÉTICA: QUAIS OS MALEFÍCIOS DA GLICOSE? G.E. Striker, L. J. Striker E mbora as complicações renais do diabetes mellitus sejam multifatoriais e influenciadas por vários fatores como hipertensão sistêmica e hiperlipemia, o papel da hiperglicemia tem sido recentemente enfatizado por testes clínicos e dados experimentais. Nesta composição nós revisaremos alguns dos mais recentes testes terapêuticos, como também dados experimentais do nosso próprio laboratório, sugerindo que os produtos finais da glicosilação (AGEs) apresentam um papel no desenvolvimento e progressão da nefropatia diabética. A nefropatia diabética é a causa mais comum de doença renal em fase final (ESRD) nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos [1]. A incidência e prevalência da ESRD em pacientes com diabetes mellitus insulino-dependente (DMID) varia entre os grupos raciais, sendo mais comum em caucasianos que nos americanos africanos, asiáticos, hispânicos ou americanos nativos [2]. O oposto é verdade para a ESRD devido ao diabetes mellitus não insulino-dependente (DMNID). Os índices para cada região dos Estados-Unidos e do mundo parecem estar diretamente relacionados coma incidência e prevalência de DMID ou DMNID [3]. Os fatores que conduzem ao início da doença renal no paciente diabético suscetível e os que determinam subseqüentemente os índices de progressão para o estado terminal de falência renal, não foram completamente elucidados, mas sabe-se que os controles da glicemia e hipertensão são importantes. A resposta ao controle metabólico “rigoroso” em pacientes DMID tem sido objeto de consideráveis controvérsias. Muitos experimentos que incluiram poucos pacientes, obtiveram conclusões contraditórias sobre o efeito do controle metabólico “rigoroso” que permanece como ponto principal de controvérsias, uma vez que o mesmo induz o risco de complicações hipoglicêmicas. Uma análise dos estudos de Steno demonstra que somente os participantes de um coorte de tratamento intensivo que apre- ✍ : G.E. e L.J. Stricker, Renal Cell Biology Section, NIDDK, NIH, Bethesda, Maryland, USA sentavam a taxa de excreção de albumina (AER) maior que 100 mg/dia, demonstraram maior chance de progredir para AER maior que 300 mg/dia [4]. Um estudo com 213 pacientes que desenvolveram DMID antes dos 15 anos de idade, entre 1961 e 1980, e que continuaram em crise diabética até 1991, revelou que a incidência cumulativa de albuminúria persistente (dipstick positivo) diminuiu de 30 % para 5,8 % [5]. O valor médio da hemoglobina glicosilada foi 7,0 % no período final do estudo, sendo maior nos pacientes diabéticos que apresentaram proteinúria persistente. Este estudo de uma população homogênea sugere que o controle da glicose exerce um efeito distinto daquele efeito devido a propensão genética à doença renal, este postulado tem apresentado suporte considerável [6]. Estudos randomizados, prospectivos, visando a divulgação do controle metabólico “rigoroso” e controle da pressão sangüínea, são assuntos desta seção. DMNID não será considerada, exeto na seção de recomendações. Embora muitos médicos acreditem que os dados dos testes sejam condizentes com DMID, estes também podem ser relevantes para DMNID, mas esta opinião aguarda confirmação por experimentos clínicos. Definição da nefropatia diabética A definição de nefropatia diabética tem passado por consideráveis modificações. O método mais fidedigno para o diagnóstico é o histológico, mas não é uma prática aceita na maiorias dos casos. Assim métodos alternativos, como a AER, tem sido propostos por vários grupos, como substitutos. Mais de 90 % dos pacientes com proteinúria positiva (> 300 mg/dia) progridem para ESRD [1]. Este fato conduziu a estudos sobre o pequeno grau de perda de albumina pela urina, também chamado “microalbuminúria”. Este termo não se refere ao tamanho da molécula, mas a quantidade de albumina presente na urina. O limite superior do valor normal de AER é aproximadamente 40 mg/dia, mas o risco atual de desenvolver albuminúria permanente e doença renal progressiva, foi claramente estabelecido para os que apresentam AER > 100 mg/dia. A maioria dos estudos sobre os estágios precoces da nefropatia diabética, é baseada nas análises de vários níveis de microalbuminúria. Po- Vol. 01, 1997 rém, os níveis de microalbuminúria (especialmente os mais baixos) podem apresentar variações consideráveis. Freqüência Alguns estudos tem a finalidade de divulgar a proporção de pacientes com DMID e DMNID que desenvolveram doenças renais. Uma vez que a microalbuminúria é um fator de risco bem definido, vários estudos a têm utilizado como critério de triagem dos pacientes DMID. Um estudo recente apresentou AER elevada (20-200 mg/min) em quase 22 % dos pacientes dinamarqueses com diabetes há mais de 5 anos [7]. Foi selecionado um grande grupo (1.888 participantes) de pacientes DMID, não hipertensos, atendidos no hospital das clínicas na Inglaterra, e neste grupo a incidência de AER > 30-250 mg/min em amostra de urina overnight foi de 3,7 % [8]. Esta diferença foi devida, provavelmente a inclusão de pacientes com diabetes a menos de 5 anos e a exclusão dos hipertensos. Todavia, estes estudos em duas populações caucasianos diferentes de pacientes DMID, estabeleceu o fato de que havia uma AER elevada num número significativo de pacientes, o que serviu de base para a história natural subseqüente e para estudos intervencionistas sobre nefropatia diabética. ■ PAPEL DA GLICOSE NO CONTROLE DA NEFROPATIA DIABÉTICA: CONTROLE DO DIABETES E AVALIAÇÃO DAS COMPLICAÇÕES (ECCD). EXPERIÊNCIA Estudos em animais experimentais tem mostrado que o controle “severo” da glicemia pode prevenir o desenvolvimento de proteinúria e nefropatia, mas resultados similares não tem sido convictamente demonstrados no homem. O ECCD foi testado para recorrer esta questão nos DMID [9]. O ECCD foi uma avaliação clínica randomizada que comparou o gerenciamento convencional do diabetes com o tratamento intensivo designado para conseguir níveis de glicose sanguínea o mais próximo possível do normal. Foram levantadas duas questões distintas: 1) O tratamento intensivo previne ou retarda o desenvolvimento de complicações em pacientes que não as tiveram durante as observações iniciais (coorte de prevenção primária) ? e 2) O tratamento intensivo previne ou retarda a progressão de complicações em pacientes que tiveram evidências destas, durante o período inicial (coorte de intervenção secundária) ? DESCRIÇÃO DA AVALIAÇÃO Características iniciais - Os participantes do ECCD tinham entre 13 e 39 anos, com tempo de DMID entre 1 e 15 anos, sem complicações micro ou macrovasculares, função renal normal e sendo todos normotensos (PA < 140/90 mmHg). 96 % eram caucasianos e aproximadamente 50 % mulheres. Para os 725 indivíduos do coorte de prevenção primária, a duração do DMID estava entre 1 e 5 anos. Eles não apresentavam retinopatia, apresentavam AER urinária < 28 RECENTES AVANÇOS EM NEFROPATIA DIABÉTICA ... 69 mg/min e níveis séricos de peptídeo C pós estímulo, < 0,5 pmol/ml. Os 715 participantes do coorte de intervenção secundária tinham tempo de diabetes entre 1 e 15 anos, retinopatia de mínima à moderada e AER < 139 mg/min. No global não haviam outras diferenças significativas entre os dois grupos, no período inicial do estudo. Foram acompanhados por 9 anos, 278 participantes e a maioria dos outros 1.163 pacientes foram acompanhados por pelo menos 4 anos. Randomização e plano de tratamento - Tratamento convencional: Os participantes receberam 1 ou 2 injeções diárias, contendo uma mistura de insulina intermediária e lenta, as quais não foram ajustadas usualmente nos primeiros dias, apesar das glicoses, urinária e sangüínea, serem dosadas diariamente. As metas terapêuticas foram: ausência de hiperglicemia, hipoglicemia, cetonúria e manutenção do crescimento, desenvolvimento e peso normal. Em adição ao cuidado recebido pelo grupo de terapia convencional, o grupo de tratamento intensivo tinha glicemia medida 4 vezes/dia (e uma vez por semana às 03:00h), e foi necessário manter a glicose sangüínea entre 70 e 120 mg/dl, para ajustar suas dosagens de insulina. Avaliação da função renal - Foram coletadas, em visitas anuais, amostras para: urinálise, urocultura (para todas as mulheres), AER, clearance de creatinina, albumina e creatinina plasmática. O índice de filtração glomerular (GFR) foi anualmente estimado por Ccr. Por três anos, GFR foi dosado pelo clearence de insulina por I125, usando técnicas válidas nos Estados Unidos. para modificações de dietas em doenças renais (estudo MDRD) [10]. RESULTADOS Resultados globais O acompanhamento em média foi de 6,5 anos (entre 3 e 9). Foram coletados dados de 99 % da população total estudada. O critério de tratamento teve adesão de 97 %, na randomização assinalada, em ambos os grupos; como verificado pela média dos níveis iniciais de HbA1c, que não apresentou diferença entre os grupos. Ao final do estudo os valores foram de 7,2 % e 9,1 % (p < 0.001) para os grupos de tratamento intensivo e convencional respectivamente; a mortalidade não apresentou diferenças significativas entre os grupos. A incidência de hipoglicemia severa foi 3 vezes maior, no grupo de tratamento intensivo (62 % de participantes/ ano); que no grupo de tratamento convencional (19 % de participantes/ano); não ocorreram mortes, infarto do miocardio ou recaídas atribuídas a hipoglicemia. O número de intercorrências passíveis de hospitalização, não diferiu entre os grupos. Porém, no grupo de tratamento intensivo houve um aumento de 33 % na média de risco em ultrapassar 120 % do peso corpóreo ideal. Resultado renal Debatendo a análise - Poucos participantes do grupo de tratamento intensivo, em ambos os coortes, desenvolveram 70 G. E. Striker microalbuminúria (> 40 mg / 24 h) ou albuminúria (> 300 mg / 24 h) [9]. Ocorreu uma diminuição de 34 % no risco de microalbuminúria no coorte de intervenção primária e de 56 % no de intervenção secundária do grupo de terapia intensiva. Porém, só 2 participantes do grupo de intervenção primária e 5, do de intervenção secundária desenvolveram albuminúria (> 300 mg / 24 h), ou uma C cr < 70 ml / min / 1,73 m2 no coorte global. Análise secundária dos resultados renais Uma análise detalhada dos resultados de função renal no ECCD foi recentemente publicada [11]. • AER > 28 µg/min - No coorte de prevenção primária, 41/346 participantes do grupo de tratamento intensivo e 67/ 378 do grupo de terapia convencional desenvolveram microalbuminúria > 28 mg/min. Assim, a incidência cumulativa de microalbuminúria, para tempo superior a 9 anos, foi de 16 % no grupo de tratamento intensivo e 27 % no grupo de terapia convencional, representando 34 % de redução no risco (p = 0,04). O risco aumentou gradualmente, com o passar do tempo, no grupo de tratamento convencional (de 2.7 - 4.8 casos/100 pessoas-ano) e diminuiu no grupo de terapia intensiva (3.2 - 1.6 casos/100 pessoas-ano). Após 9 anos, 26 % do coorte de prevenção secundária do grupo de tratamento intensivo e 42 % do grupo de terapia convencional, desenvolveram microalbuminúria >28 µg/ min; indicando uma redução de 43 % no risco (p < 0.0001). Em contraste aos resultados do coorte de prevenção primária, o índice de desenvolvimento de microalbuminúria caiu em ambos os grupos de tratamento, convencional e intensivo, após 9 anos de acompanhamento, e a diferença entre os grupos permaneceu estável. Nos coortes combinados, houve uma redução de 39 % no risco relativo de microalbuminúria no grupo de terapia intensiva (p < 0.0001). • AER > 70 µg/min (em pacientes com níveis basais < 28 mg/min) - Dentro do coorte de prevenção primária, 10 pacientes do grupo de tratamento intensivo e 18, da terapia convencional desenvolveram AER > 70 µg/min para uma incidência global respectiva de 7,0 % e 20 % (P<0,002), e no grupo de tratamento intensivo a redução média do risco absoluto foi de 56 %. Dentro do coorte de intervenção secundária, 32 participantes do grupo de tratamento intensivo e 43 do grupo de tratamento convencional desenvolveram AER > 70 µg/min para uma incidência cumulativa, respectivamente de 10 % e 20 % (p < 0,002), e uma redução média de 56 % do risco absoluto. No grupo de tratamento intensivo combinado, 32/671 pacientes desenvolveram AER > 70 µg/min, comparado com 61/694 do grupo de terapia convencional, apresentando uma redução de 51 % do risco absoluto. Embora fosse pequeno o número de participantes de cada grupo que alcançou estes níveis de AER, as diferenças entre tratamento convencional e intensivo foram significativas e a terapia intensiva mostrou-se benéfica. • AER > 208 µg/min - Somente 3 participantes do tratamento intensivo e 6 do convencional, no coorte de prevenção primária, desenvolveram AER > 208 µg/min. Dentro Diabetes & Metabolism do coorte de intervenção secundária, 15/363 pacientes do grupo de tratamento intensivo e 31/357 do grupo de tratamento convencional desenvolveram AER > 208 mg/min, os índices de incidência cumulativa foram respectivamente 5,2 % e 11,4 % (p < 0,01), com média de redução de risco equivalente a 56 % para o grupo de terapia intensiva. Embora houvesse, com o passar do tempo, uma queda na tendência para o risco, no grupo de tratamento intensivo, e um aumento no grupo de terapia convencional, o número de casos foi pequeno e as tendências não foram significativas. Resumo da análise secundária da AER Coorte de prevenção primária - A análise secundária revelou quatro pontos importantes no grupo de terapia intensiva: Primeiro - A terapia intensiva reduziu o risco de desenvolvimento de microalbuminúria constante (tanto para 28, como para 70 µg/min) e de albuminúria clínica (> 208 µg/ min) para 51 % e 67 % respectivamente. Microalbuminúria contínua é um teste mais restrito para tratamento intensivo e pode representar, melhor que a determinação da AER; os verdadeiros benefícios do controle glicêmico, uma vez que a presença e queda de microalbuminúria pode aumentar ou diminuir, especialmente em níveis baixos de AER. Segundo - Enquanto havia aumento na prevalência de AER elevada em ambos os grupos de tratamento, o acréscimo foi mais rápido e maior no grupo de terapia convencional. Este dado mostra que enquanto havia um risco global de aumento de AER em ambos os grupos de tratamento, este foi brando no grupo de terapia intensiva. Terceiro - A maioria dos benefícios da terapia intensiva, relativa a taxa de mudança na AER, foi alcançada no primeiro ano. As etapas a longo prazo dos grupos de tratamento intensivo e convencional não diferiram e as taxas de mudanças em ambos os grupos foram, surpreendentemente, as mesmas após o primeiro ano. Porém, dentro do grupo de tratamento intensivo, estas taxas, no quadrante superior de progressão, aumentaram com o tempo, o que não ocorreu com o índice médio de progressão pelo grupo geral. Assim, o sub grupo de terapia intensiva foi beneficiado. A taxa de AER aumentou no grupo de terapia convencional, tanto para a média global quanto para o quadrante superior. Foi notado um importante aumento no índice AER apresentado pelo grupos de tratamento intensivo e convencional, 43 % e 45 % respectivamente. Houve um aumento de 20 % ao ano em 8 % do grupo de tratamento intensivo e em 10 % do grupo de tratamento convencional. Assim os dados demonstram que o tratamento intensivo diminui o risco de AER elevada. Porém, é surpreendente que isto refletiu essencialmente em 15 % da queda de AER encontrada no primeiro ano, no grupo de tratamento intensivo. Finalmente, pode ser notado que um grande grupo de pacientes dos grupos de tratamento demonstrou progressão: 43 % no grupo de tratamento intensivo e 45 % no convencional. Coorte de prevenção secundária - Não houve diferença entre os grupos em um ano, exceto pelo fato de que no coorte 72 G. E. Striker de prevenção secundária do tratamento intensivo, o índice de AER apresentou - 0,25 % de aumento por ano, e no grupo de terapia convencional este foi de 6,5 %. Resultando em uma redução de 56 % no risco de obter proteinúria clinicamente aparente no grupo de terapia intensiva. Ao final do estudo não houve diferença significativa no declive de AER, entre os dois grupos de tratamento. Índice de Filtração Glomerular (GFR) Ao final do estudo não houve diferença em Ccr ou Clearence de insulina, em qualquer dos coortes entre os grupos de tratamento (121-125 ml/min / 1,73 m2). Em ambos os coortes, aproximadamente 35-40 % dos indivíduos tinham elevada GFR (>130 ml/min / 1,73 m2) entre 3 e 5 anos. Hipertensão A hipertensão não apresentou diferenças significativas entre os coortes e grupos de tratamento (18 % no grupo de tratamento convencional e 16 % no grupo de tratamento intensivo) DISCUSSÃO DE ESTUDO DO ECCD Neste estudo, a conseqüência renal mais avaliada foi a AER. O número de participantes que desenvolveram alterações da GFR, foi pequeno demais para apresentar diferenças estatísticas. Houve uma redução global no risco de desenvolvimento de AER elevada (34 % no grupo de prevenção primária, 39 % no grupo de intervenção secundária e 39 % para o estudo global). Os efeitos benéficos da terapia intensa no coorte de prevenção primária foram observados no primeiro ano. Depois disso, os índices de mudança foram semelhantes entre os grupos de tratamento intensivo e convencional. Significativo foi que 40 % de todos os participantes tiveram índices positivos de alteração do AER. Não se sabe se este benefício aparente irá resultar em diminuição do desenvolvimento de ESRD em pacientes diabéticos, mas sugere que poderia pelo menos, postergá-la em pacientes DMID que receberem terapia intensiva precoce. No coorte de prevenção secundária, não houve diferença, em um ano, nos grupos de tratamento. Porém o AER não aumentou no grupo de tratamento intensivo e aumentou 6,5 % ao ano no grupo de tratamento convencional. Devido a importância desse problema e ao fato de que outros pontos importantes como cegueira e doenças macrovasculares não foram obtidos durante o ECCD, um estudo observativo dos participantes está em andamento. ■ O PAPEL DA GLICOSILAÇÃO PRECOCE EM NEFROPATIA DIABÉTICA INTRODUÇÃO Lesões glomerulares no diabetes mellitus pelo controle glicêmico rigoroso, com o tratamento tem sido extensamente caracterizadas imunoquimicamente, e tem-se identificado os componentes da matriz extracelular (ECM) que se acu- Diabetes & Metabolism mulam no glomérulo, levando a obliteração do tufo [1215]. Porém os eventos patológicos que levam as lesões, não tem sido elucidados. O acúmulo de ECM no glomérulo é secundário (pelo menos parcialmente) aos desarranjos metabólicos, uma vez que as lesões glomerulares e ativação dos genes ECM tem sido prevenidos pelo controle glicêmico rigoroso, com o tratamento com streptozotocin (STZ) em ratos diabéticos [16] in vitro, a regulação da expressão do gene, do colágeno tipo IV, laminina B1 e fibronectina tem sido encontrada em células mesangiais e endoteliais, cultivadas em meios ricos em glicose, sugerindo que a hiperglicemia per se influe nas lesões glomerulares [17,18]. Agora existem evidências consideráveis sugerindo que alguns dos efeitos deletérios da glicose ocorram pela formação de AGEs que resultam da interação entre proteína e glicose [19,20]. Aldeídos ou ceto-grupos de redução de açúcares, logo reagem com aminoácidos para formar bases de Shiff, que resultam em produtos intermediários chamados: produtos de glicosilação imediata de Amadori. Nos últimos estágios, a formação dos AGEs resulta de uma série de rearranjos químicos lentos, produzindo ductos estáveis. Ainda existem muitos AGEs que não foram identificados. Uma das suas propriedades mais importantes é que eles continuam a formar ligações-cruzadas com proteínas e a polimerizar na ausência de glicose livre. Isto pode responder por alguns dos defeitos duradouros da AGEs e explicar porque a deteriorização da função do órgão pode ocorrer na ausência de hiperglicemia, Metade dos AGEs tem sido implicada numa série de complicações do diabetes e idosos. Um dos meios pelo qual os AGEs pode contribuir para a lesão glomerular é se ligando a proteínas de longa duração, como colágeno, prevenindo assim sua remoção normal. AGEs também podem se ligar a proteínas como IgG ou LDL, contribuindo para deposição de múltiplas proteínas no glomérulo do diabético. Recentes observações determinaram que a remoção do LDL pelo seus receptores fica muito prejudicada quando os AGEs estão ligados aos lipídeos [20]. Os mecanismos pelos quais os AGEs alteram as funções celulares ainda não foram completamente compreendidos. Os AGEs são reconhecidos pelos polipeptídeos nas superfícies celulares e vários sítios de ligação tem sido identificados a distância [20]. O receptor melhor caracterizado é conhecido como RAGE (receptor AGE), ele é um membro da super-família das imunoglobulinas [21-23]. Estes receptores são mediadores da ativação e migração de macrófagos e monócitos. Nas células endoteliais a ocupação do RAGE é seguida pela ativação do fator de transcrição NF-Kappa B. Este conduz a uma expressão exarcebada de algumas superfícies celulares de adesão de moléculas, como as VCAM-1, podendo ser assim um fator contribuinte para a patogênese da aterosclerose [21]. Os AGEs ligam-se a superfície de múltiplas células, como macrófagos, linfócitos, células endoteliais ou mesangiais. A natureza do sinal intracelular que segue a ocupação do receptor ainda não foi elucidada, mas várias células liberam citocinas que precedem a exposição de AGEs. Estas incluem IL-1, INF-gamma, TNFα, IGF-1 e PDGF os quais tem demonstrado influência sobre a função celular glo- Vol. 01, 1997 merular [20]. AGEs também aumentam a permeabilidade da célula endotelial e induzem a produção do fator tecidual, isto pode ser percebido por alterações no tônus vascular do paciente diabético [21]. EFEITOS DOS AGEs NO GLOMÉRULO IN VITRO E IN VIVO Experimentos in vitro: Uma vez que a expansão mesangial apresenta o papel principal no desenvolvimento e progressão da glomerulosclerose diabética, nós buscamos examinar a resposta das células mesagiais isoladas para AGEs in vitro. Achamos uma supra-regulação de vários genes ECM, quando células mesangiais de camundongos foram enxertadas em discos de AGE-Albumina [24]. Houve aumento nos níveis de colágeno tipo IV, heparam sulfate proteoglycan, e mRNA de laminina B1. Este aumento foi mediado pelos RAGEs, uma vez que eles foram inibidos quando as células foram incubadas com AGE na presença de anticorpos anti-proteínas ligadoras de AGE hepático. Experimentos in vivo: Nós recentemente caracterizamos algumas das respostas glomerulares imediatas para AGEs em cobaias normais. A co-administração de aminoguanidina que é um inibidor específico da ligação-cruzada, com preparados de AGE forneceram os meios para acessar a especificidade das respostas glomerulares. Foram preparados derivados de albumina AGEs, por incubação de albumina sérica de ratos (MSA) com 50 mM de glicose-6fosfato. MSA inalterado foi incubado nas mesmas condições, porém sem a glicose-6-fosfato, como controle para AGE modificado de MSA. Os ratos receberam injeções diárias de AGE-MSA (6 mg/dia) e AGE-MSA mais aminoguanidina AGE-MSA, 6 mg/dia; aminoguanidina 10 mg/ dia; (AGE + AG) por 3-4 semanas. Umas cobaias não injetadas e outras injetadas com MSA inalterado serviram como controle. Nenhuma lesão foi encontrada nas cobaias injetadas, analisadas por microscopia ótica [25]. A quantidade de laminina e colágeno tipo IV presente nos glomérulos, revelada por microscopia imunofluorescente, apareceu idêntica em todos os grupos. Haviam rastros de IgG e IgM nos espaços mesangiais na terceira semana, mas não na quarta, tanto no grupo de ratos AGE como no grupo AGE-AG. AGEs foram detectados em áreas mesangiais dos ratos AGEMSA por imunofluorescência e apresentaram-se reduzidos nos ratos AGE+AG. Isto era conivente com um aumento do AGE ligado ao colágeno de rim de cobaias AGE-MSA, quando comparado com cobaias AGE+AG, mediante quantificação por método de ELISA. Uma vez que um dos primeiros eventos da nefropatia diabética é a hipertrofia glomerular, nós medimos o volume glomerular usando um programa assistido computadorizado [5, 26] e encontramos que a razão volume glomerular/peso corpóreo apresentou um aumento de 39% em camundongos AGE-MSA. Porém, camundongos injetados com AGE-MSA tratados com aminoguanidina, tiveram um aumento significativamente menor do volume glomerular. O número relativo de células por glomérulo, RECENTES AVANÇOS EM NEFROPATIA DIABÉTICA ... 73 também foi determinado pela contagem de núcleos de 50 glomérulos sucessivos. Nenhuma diferença foi encontrada entre os grupos. Uma vez que os glomérulos dos ratos podem ser isolados por microdissecção, foi usado o método de PCR competitivo desenvolvido em nosso laboratório, o qual tem sensibilidade suficiente para quantificar níveis de cDNA das amostras [27-30]. Os cDNAs para todas as reações de PCR foi obtido por transcrição reversa in situ de “pool” de glomérulos microdissectados. O cDNA de cada tubo de PCR era equivalente 1/10 de um glomérulo. Quantidades decrescentes de cDNA competitivo foram adicionadas aos tubos contendo o cDNA dos pacientes. O cDNA competitivo foi construído por criação de novos sítios de restrição (colágeno IVα1) ou deleções (laminina B1, TGFß1, α-SMA, actina ß) que foram separados dos produtos PCR por eletroforese em gel de agarose 4 %. As bandas amplificadas foram escaneadas por densidômetro a laser e coradas por brometo de itídio. A relação da densidade das bandas entre o cDNA competitivo e o cDNA das cobaias foi calculada para cada linha e analisada em função da quantidade de cDNA inicial. O mRNA de laminina B1 glomerular estava aumentado 2,2 vezes nos camundongos AGE-MSA. Considerando que a aminoguanidina impediu o aumento de mRNA de laminina B1 em todos os ratos AGE-MSA (AGE-MSA versus NORMAL, P < 0.01) (Fig.1). FIG.1. Análise representativa da reação de polimerase em cadeia O nível de mRNA de colágeno α1IV aumentou 1,7 nos camundongos AGE-MSA e 1,4 nos camundongos AGE + AG. Estes resultados não apresentaram diferenças significativas daqueles dos camundongos MSA ou normal. Níveis de actina α do músculo liso tanto quanto mRNA de actina ß foram semelhantes em ambos os grupos. Colágeno tipo I Alfa I não foi detectado em nenhum grupo. 74 G. E. Striker Diabetes & Metabolism FIG. 2 – A expressão do mRNA foi usada como medida em glomérulo isolado para controle dos ratos injetados com MSA, AGE-MSA e AGE aminoguanidina. DISCUSSÃOSOBREOPAPELDOSAGEsNANEFROPATIADIABÉTICA Várias observações sugerem que a expressão do gene ECM é supra-regulada durante a fase inicial da nefropatia diabética [5, 30, 31]. Análise do RNA total do rim de ratos diabéticos STZ revelou um aumento no mRNA de laminina B1 [32]. Tanto a laminina B1 e o mRNA do colágeno tipo IV foram supra-regulados nos glomérulos dos ratos diabéticos STZ [16], embora estas mudanças fossem repelidas quando o nível de glicose estava reduzido pelo tratamento com insulina. Uma vez que o controle de glicose reduz o índice de formação e a abundancia dos AGEs, tem sido difícil separar os efeitos patológicos da hiperglicemia dos efeitos dos AGEs. Isto tem sido parcialmente concluído através do uso de aminoguanidina, um inibidor da formação do AGE [20]. Esta droga, um componente pequeno hidrazine-símile, não previne a formação de produtos precoces da reação não enzimática açúcar-proteína (ductos de Amadori) mas reagem com os produtos de sua fragmentação, previnindo subsequentes rearranjos. Portanto, isto inibe a formação de AGEs reativos e previne ligação-cruzada proteíca. Da mesma forma que as lesões glomerulares foram reduzidas nos ratos diabéticos STZ tratados com aminoguanidina [33], os AGEs estavam implicados em seus desenvolvimentos, mais que a hiperglicemia (Fig. 2). Outro argumento que sustenta o papel dos AGEs é o fato de que eles podem acumular-se no soro e tecidos dos pacientes diabéticos [20, 34]. Por exemplo, o colágeno extraído das paredes arteriais dos pacientes diabéticos continham grande quantidade de AGEs quando comparados com AGE dos indivíduos não diabéticos [20]. O aumento foi maior nos pacientes diabéticos com ESRD, provavelmente devido a maior atuação do rim na eliminação do AGEs [34]. Como complemento, grandes quantidades de pyrraline (um AGE) acumuladas nos glomérulos de pacientes com nefropatia diabética em estágio final [35]. In vivo, a administração prolongada de AGEs exógenos, formados em albumina de animais normais, resultou em grandes disfunções vasculares, associadas com a resistência a agentes vaso- dilatadores. Ratos normais, injetados com AGEs por vários meses, desenvolveram hipertrofia renal e glomerular e esclerose mesangial [33]. Neste estudo, nós encontramos que a administração de AGEs em ratos normais induz a várias alterações características dos estágios iniciais da nefropatia diabética. A hipertrofia glomerular descrita em pacientes DMID [5] e animais experimentais, foi reproduzida por injecção de AGE. Dentro do rim, nós encontramos que a hipertrofia glomerular não estava associada com o aumento concomitante do tamanho do rim, seguido da administração de AGE. Isto é conivente com os nossos achados prévios, que o crescimentodo rim e glomérulos são independentementes regulados [26]. A supra-expressão da laminina B1 e mRNA de colágeno α1IV, induzida por AGE, foi específica, por causa da regulação prevenida pela coadministração de aminoguanidina. Uma vez que não houve mudanças na actina ß ou actina α de músculo liso, AGEs não levaram a supra-regulação generalizada da expressão do gene glomerular. Embora o colágeno intersticial (colágeno tipo 1) tenha sido reportado em avançadas lesões glomerulares diabéticas, em humanos, este colágeno não faz parte da resposta precoce em ratos AGE-MSA [36]. Nós também encontramos supra-regulação da TGF-ß, a qual tem sido reportada como sendo alta em glomérulos de ratos diabéticos STZ [37]. 76 G. E. Striker ■ CONCLUSÕES Os resultados do ECCD e de outros experimentos clínicos forneceram fortes evidências de que a rigorosa manutenção da glicose em níveis normais previne o início da nefropatia aproximadamente em 50% das DMID recentes e retarda o início da nefropatia em pacientes com retinopatia instalada. Existem evidências consideráveis que os efeitos deletérios da hiperglicemia podem ser mediados por AGEs. Nosso trabalho forneceu a primeira evidência in vivo que AGES exógenos induzem a supra-expressão dos genes glomerulares ECM em ratos normais. Estes dados sustentam seus papéis como mediadores do desenvolvimento de nefropatia diabética, independente de outros fatores metabólicos ou genéticos. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 BIBLIOGRAFIA Striker GE, Peten EP, Carome MA et al. The kidney disease of diabetes mellitus (KDDM) : a cell and molecular biology approach. Diab Metab Rev, 1993, 9, 37-57. Renal US. Data System : USRDS 1995 Annual Data Report. National Institutes of Health, National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases, Bethesda, MD, April 1995, U.S. Government Printing Office. Cowie CC, Port FK, Wolfe RA, Savage PJ, Moll PP, Hawthorne VM. Disparities in the incidence of diabetic end-stage renal disease according to race and type of diabetes. N Engl J Med, 1989, 321, 1074-1079. Mathiesen ET, Ronn B, Jensen T et al. 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Ela também é necessária para a manutenção de taxas normais de oxidação da glicose, seu armazenamento em tecidos insulino-sensíveis e prevenção de produção excessiva de substratos gliconeogênicos. Vários métodos tem sido desenvolvidos para avaliar a ação da insulina in vivo especialmente no fígado e músculo esquelético. Tais métodos avaliam os efeitos endógenos e exógenos da insulina, usando respectivamente “open-loop approach” (interrupção do feedback por inibição da secreção de insulina endógena) e o “closed-loop approach” (modelo matemático curva do feedback insulina-glicose). Houve nos últimos dez anos grande melhora no conhecimento das sucessivas etapas da ação da insulina celular. Os níveis de pré-receptores, receptores e pós-receptores devem ser considerados uma vez que eles podem ser afetados em estados insulinoresistentes. Este progresso geral na compreensão da ação da insulina no homem nos aproxima da complexa fisiopatologia do diabetes mellitus não insulinodependente e abre novas perspectivas para o tratamento da síndrome de insulinoresistência a qual é associada com vários fatores de risco para aterosclerose Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 77-85 SUMMARY Insulin action is crucial for the regulation of glucose metabolism. Insulin plays a key role in suppressing endogenous glucose production by the liver, both in fasting and postprandial states. Insulin is also necessary for the maintenance of normal rates of glucose oxidation and storage in insulin-sensitive tissues and for the prevention of excessive gluconeogenic substrate production. Various methods have been developed to assess insulin action in vivo, essentially at liver and muscle sites. Such methods evaluate the effect of exogenous or endogenous insulin, using respectively the open-loop approach (interruption of the feedback loop by inhibiting endogenous insulin secretion) or the closed-loop approach (mathematical modelling of the insulin-glucose feedback loop). Knowledge of the successive steps of cellular insulin action has markedly improved during the last ten years. Preceptor, receptor and postreceptor levels need to be considered since they may be affected in insulin-resistant states. This general progress in the understanding of insulin action in man improves our approach to the complex pathophysiology of non-insulin-dependent diabetes mellitus and opens up new prospects for treatment of the insulin-resistant syndrome which is associated with several atherosclerotic risk factors. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 105-110. Unitermos : Clamp de glicose, insulino-sensibilidade, teste intravenoso de tolerância a glicose, modelo mínimo, diabetes tipo 2, síndrome X. Keywords : glucose clamp, insulin resistance, insulin sensitivity, intravenous glucose tolerance test, minimal model, Type-2 diabetes, syndrome X. ✍ : P.J. Lefèbvre, Divisão de Diabete, Doenças nutricionais e metábolicas, CHU Sart Tilman (B35), B-4000 Liege 1, Belgium, tel : 3241667238, fax : 3241667068. Divisão de Diabete, Nutrição e Doenças Metabólicas, Departamento de Medicina, CHU Liège, Belgium. 78 A.J.Scheen Diabetes & Metabolism A ação da insulina representa um papel chave o feedback de glicose-insulina. Há uma interc o municação continua entre os tecidos insulin o sensíveis e as células beta das ilhotas pancreáticas de Langerhans, e este closed-loop biológico tem o papel principal na homeostase da glicose plasmática [1,2]. As anormalidades da ação da insulina estão envolvidas em várias desordens que conduzem a doença aterosclerótica cardiovascular: diabetes mellitus não insulino-dependente (tipo 2), quando o fornecimento de insulina pelas células beta é deficitário, e sindromes polimetabólicas incluindo obesidade abdominal, deficiência da tolerância a glicose, hipertensão e dislipidemias quando as células beta são capazes de superar a resistência à insulina mantendo o hiperinsulinismo [3,6]. Neste artigo considerase a ação da insulina no metabolismo da glicose no indivíduo normal, as técnicas disponíveis para medir a ação da insulina in vivo, as várias etapas da ação da insulina e a ação falha da insulina em estados de resistência à insulina. n ■ AÇÃO DA INSULINA NO METABOLISMO DA GLICOSE EM INDIVÍDUOS NORMAIS Embora a insulina exerça efeitos diferentes (regulação da gordura e metabolismo de proteínas, transporte iônico, crescimento e diferenciação celular) sua ação foi considerada principalmente no contexto do metabolismo da glicose [7]. Essencialmente a ação da insulina no metabolismo da glicose combina a inibição da glicose hepática e estimulação da captura de glicose pelos tecidos insulino-sensíveis nos estados de jejum e pós alimentação [2,7,8]. Papel chave da ação da insulina no feedback glicoseinsulina: a insulina inibe a produção de glicose hepática e estimula a absorção de glicose no tecido periférico para man- ter a homeostase de glicose plasmática [10]. Em jejum: após uma noite em jejum existe uma estabilidade, os níveis de produção de glicose (principalmente pelo fígado vias glicogenólise e gliconeogênese) igualam-se aos níveis de utilização e a concentração de glicose plasmática permanece estável. Nestas condições o índice do turnover de glicose em adultos saudáveis é aproximadamente 2,0 - 2,5 mg/kg/min. Os fatores que regulam a homeostase da glicose no jejum são as necessidades teciduais de glicose, disponibilidade dos precursores de glicogênicos (lactado, glicerol, alanina) e fontes alternativas de energia (ácidos graxos livres), o glucagon que apoia a produção de glicose pelo fígado, a insulina que restringe o efeito do glucagon no fígado e previne a lipólise e proteólise acelerada (evitando assim a produção excessiva de substratos gliconeogênicos) enquanto limita a absorção de glicose em tecidos insulino-sensíveis (principalmente músculo esquelético e tecido gorduroso) [2,7,8]. Estado de alimentação : Após alimentação os níveis de glicose plasmática são determinados por mudanças nas taxas de oferta e remoção de glicose no sistema circulatório. Inicialmente a oferta e a remoção de glicose aumentam, mas a taxa de glicose ofertada excede a captação de glicose. Subseqüentemente a situação se inverte. Inicialmente a oferta de glicose ao sistema circulatório representa a soma da glicose ingerida não extraída pelos tecidos esplancnicos e a liberação residual da glicose produzida endogenamente pelo fígado. Logo após a alimentação ocorre uma supressão da oferta da glicose produzida endogenamente pelo fígado, dependente principalmente da resposta a insulina. Os principais responsáveis pela captação de glicose da circulação sistêmica são: fígado, intestino delgado, músculo esquelético, cérebro e tecido adiposo. A magnitude da absorção de glicose pelo músculo, fígado e tecido adiposo é influenciada pela concentração de glicose e insulina plasmática, considerando que a absorção de glicose pelo cérebro e tecidos esplâncnicos não hepáticos é fortemente determinada pela concentração de glicose plasmática [2,7,8]. ■ DOSAGEM DA AÇÃO DA INSULINA IN VIVO SECREÇÃO PÂNCREAS INSULINA PLASMÁTICA FÍGADO INSULINA SINAL SAÍDA INIBIÇÃO HOMEOSTASE AÇÃO DA INSULINA GLICOSE PLASMÁTICA ESTÍMULO ABSORÇÃO INSULINA PLASMÁTICA REMOTA TECIDOS FIG. 1. Papel-chave da ação da insulina no feedback loop da glicoseinsulina. Quase todos os testes que são usados para quantificar a ação da insulina in vivo têm avaliado mudanças nos níveis de glicose do sangue [1,9,13]. Os testes de ação de insulina podem ser classificados entre os que medem indiretamente a ação de insulina endógena no estado basal ou mais freqüentemente em resposta a estímulos de glicose, e os que fornecem quantificações diretas das respostas metabólicas a insulina exógena. Histórico : Em 1930, Himsworth introduziu o primeiro padrão para medir a sensibilidade in vivo da insulina comparando dois testes de tolerância a glicose oral, um com e outro sem injeção de insulina intravenosa [14]. Através deste, Himsworth distinguiu o paciente diabético “insulinosensível” do “insulino-insensível”. Posteriormente a taxa 80 A.J.Scheen de decréscimo de glicose (K) foi proposta como índice de sensibilidade a insulina, sendo após injeção de insulina exógena (teste de tolerância com insulina intravenosa: KITT) [15] ou após o estimulo insulina endógena(teste de tolerância a glicose intravenosa : KIVGTT) [10]. Finalmente, com a técnica do radioimunoensaio, conseguiu-se uma dosagem sensível e específica da insulina plasmática e permitiu-se uma avaliação da sensibilidade a insulina baseada em uma relação quantitativa entre concentrações de insulina plasmática e alguns processos metabólicos insulino-dependentes [10]. Open-loop approach : Na avaliação da sensibilidade a insulina uma vantagem pode ser obtida usando métodos que previnem o feedback entre células beta e insulino-sensibilidade tecidual in vivo [1, 10 - 13]. Uma vez que o feedback é interrompido, torna-se possível manter o controle da glicose plasmática e os níveis de insulina através de infusões exógenas, e examinar a relação de dose-resposta entre insulina e processos metabólicos específicos. Dois tipos de metodologia tem sido usadas para deflagrar o feedback glicose-insulina in vivo: teste de supressão de insulina e clamp de glicose [1, 10, 13]. O teste de supressão insulínica ou pancreática, criado por Reaven [16] inicialmente usava meios farmacológicos (epinefrina + propranolol ou somatostatina) para submeter o pâncreas a ocultar a concentração de glicose plasmática [1,10]. Insulina foi infundida para obter um nível de insulina plasmática constante. A glicose foi também infundida numa taxa constante, e o resultante estado estável da concentração de glicose plasmática (SSPG) foi considerado como medida de sensibilidade dos tecidos a insulina: Para a maior concentração de SSPG, tem-se o maior grau de resistência à insulina. Foi demonstrado que resultados similares podem ser obtidos por infusão de glicose e insulina em taxas prefixadas sem outras intervenções farmacológicas para facilitar a realização do teste [17, 18]. Dos métodos disponíveis, a técnica do clamp euglicêmico-hiperinsulinemico fornece a caracterização mais precisa da ação da insulina no metabolismo dos carboidratos in vivo [1, 10 - 13, 19]. Isto envolve a aplicação do princípio de feedback negativo para o sistema de regulação dos níveis de glicose plasmática. Após um período apropriado ao qual é previsto alcançar o estado estável (pelo menos em 120 minutos), a taxa de infusão de glicose (M) necessária para manter a euglicemia é igual a taxa de glicose periférica disponível, permitindo que os níveis de insulina plasmática, gerados por infusão contínua de insulina, sejam altos o suficiente para suprimir completamente a produção de glicose endógena (principalmente hepática). M é considerado um indicador da ação da insulina na periferia, principalmente no músculo esquelético [1, 1013, 19]. Tem havido uma crescente tendência em usar o clamp de glicose com outros procedimentos para obter mais informações sobre o metabolismo da glicose e sua modulação pela insulina. Em particular a técnica de diluição isotópica estuda o estado-estável negativo ou comportamento transitório do sistema de controle da glicose sangüínea em Diabetes & Metabolism especial para avaliar a produção de glicose hepática, uma caracterização regional permite o uso da técnica de balanço local para estudar o metabolismo de glicose tecidual, e/ou avaliação calorimétrica indireta relativa a oxidação energética, ou seja, glicose versus ácidos graxos [10]. Closed-loop approach : O uso de um modelo computadorizado torna possível evitar a necessidade de cortar o feedback entre insulina plasmática e glicose. Isto resultou em protocolos que evidenciam várias técnicas complexas inerentes a performance do clamp de glicose. Foram desenvolvidos métodos que empregam o modelo de glicose cinética para avaliar a insulino-sensibilidade, com insulina secretada endogenamente [1, 21]. Estes métodos só são aplicados se existir significativa secreção de insulina endógena. Dois modelos foram propostos: Um modelo “estrutural” por Turner [22] e um modelo “mínimo” por Bergman [23]. O modelo estrutural pode ser usado numa tentativa de simplificar a avaliação da sensibilidade a insulina, ou seja, incluindo os melhores dados fisiológicos disponíveis para as funções normais dos diferentes tecidos como cérebro, tecido adiposo, fígado e músculo esquelético para descrever a relação entre glicose e insulina [22]. Graus diferentes de sensibilidade a insulina e função de células beta podem ser incluídos neste modelo. Este pode ser usado no estado basal (HOMA) [24] ou para aumentar a precisão durante a infusão contínua de glicose (CIGMA) [25]. Em larga escala, o modelo mínimo emprega uma “caixa-preta” com avaliação qualitativa das interações, porém com pouca presunção quantitativa [23]. O teste consiste em injeção intravenosa de glicose para estimular a secreção de insulina endógena. São coletadas amostras de sangue em intervalos acima de três horas para calcular a glicose e a insulina plasmática. Se um modelo apropriado do metabolismo de glicose puder ser efetivado e se for fornecido um cálculo do padrão da insulina o computador pode deduzir a sensibilidade individual a insulina no processo de conta para quantificar a dinâmica da glicose plasmática [1, 23, 26]. Este tem a única vantagem de diferenciar a insulino-sensibilidade S1 da efetividade da glicose S6 [1, 23, 26]. ■ VÁRIAS ETAPAS DA AÇÃO DA INSULINA IN VIVO A ação da insulina resulta de uma complexa seqüência de eventos intra e extracelulares [5, 27, 28]. Defeitos dos pré receptores, receptores e pós-receptores podem contribuir para a resistência à insulina (Fig 2). Nível de pré-receptor : Para a insulina alcançar seus tecidos alvos, precisa circular nos capilares e se difundir pelo endotélio vascular. Defeitos na capilarização dos músculos [29] e/ou na difusão trans-capilar da insulina [30] foram sugeridos como limitantes das etapas de ação da insulina. A insulina pode também influenciar na absorção de glicose por aumentar o fluxo sangüíneo aos tecidos insulino-sensíveis no estado pós-prandial. Tem sido proposto que o fluxo sangüíneo muscular pode ser um fator importante na ação da insulina e que o prejuízo deste processo pode contribuir Vol. 02, 1997 AÇÃO DA INSULINA NO HOMEM para o desenvolvimento da resistência à insulina nos músculos esqueléticos [31, 32]. Nível de receptor : A resistência à insulina nesta etapa pode resultar de um defeito específico na ligação da insulina per se e/ou anormalidade na função do receptor de insulina [33]. Uma redução na ligação da insulina devido a uma diminuição no número de receptores de insulina (down regulation) sem alteração na afinidade do receptor de insulina foi descrita em indivíduos obesos hiperinsulinêmicos [33]. A atividade da tirosina-quinase devido ao seu papel importante no mecanismo de liberação da insulina tem sido examinada em vários tipos de células [33], e a maioria dos investigadores encontrou uma redução severa na sua atividade em pacientes diabéticos não insulino-dependentes [34]. Finalmente, várias mutações no gene receptor de insulina tem sido reportadas em pacientes com síndromes genéticas raras de extrema resistência à insulina, mas não em indivíduos com diabete tipo 2 ou síndrome comum X [5]. Várias etapas contribuem para a ação da insulina celular : Nível de pré-receptor (difusão transcapilar de insulina), nível de receptor (ligação e ativação da tirosina-quinase) e nível de pós receptor (cascata da ativação intracelular). Nível de pós-receptor : Na maioria dos casos, defeitos na pós-ligação na ação da insulina podem ser explicados por um desses três distúrbios metabólicos: geração defeituosa do segundo mensageiro da insulina, diminuição do transporte de glicose intracelular, ou anormalidade do transporte pós-glicose durante alguma etapa enzimática envolvendo utilização de glicose [27, 28, 34]. Após a autofosforilação, do receptor substratos de proteína endógenos são fosforilados a resíduo de tirosina. Como estes substratos servem com moléculas liberadoras, defeitos na fosforilação de substratos podem ser a causa de resistência à insulina. O substrato proteico receptor de insulina endógena mais freqüentemente estudado é o IRS-1 [27]. PRÉ-RECEPTOR DENSIDADE FLUXO SANGÜÍNEO C A P I L A R DIFUSÃO INSULINA RECEPTOR I N T E R S T Í C I O PÓS-RECEPTOR TRANSLOCAÇÃO DO GLUT4 INSULINA TIROSINA QUINASE LIGAÇÃO ATIVAÇÃO MEMBRANA CELULAR ATP IRS-1 SEGUNDO MENSAGEIRO ESTÍMULO DAS ENZIMAS-CHAVE FIG. 2. Etapas que contribuem para a ação da insulina celular : Nível de pré-receptor (difusão transcapilar de insulina), nível de receptor (ligação e ativação da tirosina-quinase) e nível de pós receptor (cascata da ativação intracelular) 81 Após a geração do segundo mensageiro para insulina, o transporte da glicose é ativado. Este efeito é produzido pela translocação de um grande pool intracelular de transportadores de glicose dos microssomos para a membrana plasmática. GLUT4 é o transportador insulino-regulável encontrado nos tecidos insulino-sensíveis, ou seja, músculo e adipócitos [28]. A glicose pode ser armazenada como glicogênio ou oxidada dentro da célula muscular. A glicogeneo-sintase, enzima chave na regulação da síntese de glicogeneo é sensível a insulina. Em diabetes tipo 2 e estados pré diabéticos foi demonstrado que a glicogeneo-sintase apresenta resistência a estímulo com insulina [35]. A oxidação representa o outro maior destino para a disposição da glicose. O regulador chave da oxidação da glicose é a desidrogenase pirúvica, uma enzima cuja atividade também é regulada pela insulina. Pacientes diabéticos não insulino-dependentes apresentaram insulina com estabilidade de estímulo prejudicada tanto em adipócitos como em músculos [36]. Devido a competição entre glicose e ácidos graxos livres no músculo esquelético, foi proposta uma hipótese metabólica para resistência à insulina [37, 38]. ■ AÇÃO FALHA DA INSULINA EM ESTADOS INSULINO-RESISTENTES A resistência à insulina representa um papel significativo em muitas condições [5, 6] : vários estados fisiológicos (puberdade, gravidez, idosos, sedentarismo, etc.), várias entidades patológicas (obesidade, diabetes mellitus, hipertensão, dislipidemia e doença cardiovascular aterosclerótica, disfunção ovariana, várias síndromes de severa resistência à insulina, etc.) e em várias situações farmacológicas (corticosteróides, algumas pílulas contraceptivas, vários diuréticos, etc.). Nós iremos resumidamente considerar duas entidades freqüentes: diabetes não insulino-dependente e síndrome insulino-resistente ou síndrome X. Diabetes não insulino-dependente : O aumento da produção de glicose pelo fígado representa o maior fator de contribuição para hiperglicemia tanto em estados pós-absortivos como em pós-prandiais, no diabetes tipo 2. Devido a elevação basal absoluta dos níveis de insulina plasmática que são freqüentemente observados em estados pós-absortivos nos diabéticos tipo 2, torna-se evidente a resistência hepática à insulina e sua contribuição para a excessiva produção de glicose pelo fígado [36, 39 - 41]. Após uma refeição, também é evidente a inibição da produção de glicose hepática, embora isto pareça ser mais devido a redução da primeira fase da resposta da insulina, do que a resistência hepática per se [42]. A documentação mais conclusiva de resistência à insulina em obesidade e diabetes tipo 2 provém de estudos empregando a técnica do clamp de glicose euglicêmico hiperinsulinêmico [9, 10 - 13 ,36, 43]. A aplicação desta técnica no estudo de pacientes diabéticos não insulino-dependentes tem demonstrado que a resistência à insulina apresenta 84 A.J.Scheen papel principal tanto no fígado quanto nos sítios musculares, e que o defeito da ação da insulina predomina no nível do pós-receptor [9, 36, 43, 44]. Embora um defeito na secreção de insulina seja uma característica constante no diabetes mellitus não insulinodependente, ainda é muito controverso e assunto de pesquisa constante se o defeito primário no diabetes tipo 2 afeta a ação ou a secreção de insulina [45, 46]. Síndrome X : Reaven [3] despertou considerável interesse na comunidade científica [4-6,47] apresentando sua teoria sobre resistência à insulina como mecanismo subjacente para uma série de anormalidades (incluindo diabetes, hipertensão e dislipidemias) e sugerindo que a sindrome X esteja envolvida na gênese da doença coronariana cardíaca. Porém, Lebovitz [48] num estudo recente concluiu que para provar a existência da síndrome X e fazer elucidações sobre sua causa e patogênese, serão necessários estudos com agentes terapêuticos específicos. Um estudo piloto (The BigPro trial) foi realizado recentemente na França com “metformina” [49], e vários compostos farmacológicos (denominados “insulino-sensitivos”) atualmente sob investigações em tentativas pré-clínicas [50,51]. ■ CONCLUSÃO Numerosas investigações in vitro e in vivo nos útimos dez anos foram realizadas para melhorar nossos conhecimentos sobre os mecanismos da ação da insulina no metabolismo da glicose humana. Obviamente, a resistência à insulina representa um papel crucial na patogênese do diabetes não insulino-dependente, embora seu papel primário permaneça controverso. Considerando o recente reconhecimento de que a resistência à insulina consiste em um conjunto de desordens e anormalidades bioquímicas, é importante desenvolver novas drogas (“insulino-sensitivas”) e demonstrar que tais recursos farmacológicos podem prevenir ou retardar o diabetes não insulino-dependente e/ou doença aterosclerótica cardiovascular [50,51]. Diabetes & Metabolism 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 1 2 3 4 5 6 7 8 BIBLIOGRAFIA Begman RN, Finegood DT, Ader M. Assessment of insulin sensitivy in vivo. Endocr Rev, 1985, 6, 45-86. Gerich JE. Control of glycaemia. Baillière’s Clin Endocrinol Metab, 1993, 7, 551-586. Reaven GM. Role of insulin resistance in human disease. Diabetes, 1988, 37, 1595-1607. DeFronzo RA, Ferrannini E. 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Lefèbvre PJ, Scheen AJ. Improving the action of insulin. Clin Invest Med, 1995, 18, 340-347. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 86-92 Artigo Original TERAPIA INTENSIVA DE INSULINA A CURTO PRAZO NO DIABETES QUE REQUER INSULINA: EFETIVIDADE E FATORES QUE PREDIZEM O SUCESSO. L.Meyer (1), H.Grulet (2), B.Guerci (1), A.Gross (2), V.Durlach (2), M.Leutenegger (2). RESUMO Diabetes que requer insulina (DRI) é uma permanente condição de desequilíbrio na glicemia, que ocorre apesar de uma dieta regulada e tratamento com doses máximas de anti-diabéticos orais (glibenclamida 15 mg / dia + metformina 1.700 mg/dia). Este relatório descreve os resultados de 2 anos de estudo prospectivo em 75 pacientes DRI, tratados para eliminar suas necessidades de insulina. Todos tinham secreção residual de insulina endógena (residual endogenous insulin secretion-REIS)-peptídeo C urinário > 80 µg/24 h e/ou peptídeo C basal > 2,4 ng/ml- e foram tratados por 10 dias com infusão subcutânea de insulina através de bomba portátil. REIS foi medido, e a resistência à insulina foi determinada por teste de tolerância à insulina (ITT) para definir seus índices de sensibilidade à insulina (DG/G) antes e depois de 10 dias de terapia intensiva. Os pacientes eram monitorizados como ambulatoriais e a tentativa de remissão foi considerada como fracasso (F) ou sucesso (S). Trinta dos 75 pacientes (40 %) tiveram remissão em 1 ano, e 14/67 (21 %) em 2 anos. Nenhum critério clínico diferenciou os sucessos dos fracassos em 1 ano, nem mesmo o grau inicial de desequilíbrio da glicemia ou do REIS previram as trocas metabólicas que ocorreram durante a insulinoterapia. Porém a queda da insulina requerida (IR) (- 26 % para os fracassos e - 39 % para os sucessos, p < 0.05) e aumento no DG/G (68 ± 51 % para F e 176 ± 50 % para S, p < 0,01) após a insulinoterapia foi indicativo de suas condições após 1 ano. Curvas de características operacionais mostram que uma diminuição de 35 % na IR e um aumento de 80 % na DG/G foi indicativo de sucesso (S) em 1 ano, com especificidade e sensibilidade de aproximadamente 70 %.Concluí-se que a diminuição de IR diária e aumento da DG/G durante o tratamento insulínico são fatores prognósticos do curso da DRI após temporário e intensivo tratamento com insulina. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 86-92. SUMMARY Insulin-requiring diabetes (IRD) is a condition of permanent blood glucose imbalance which occurs despite a regulated diet and treatment with maximum doses of oral anti-diabetic drugs (glibenclamide 15 mg/d + metformin 1,700 mg/d). This report describes the results of a 2-year prospective study in 75 IRD patients treated to eliminate their insulin requirement. All had residual endogenous insulin secretion (REIS) (urinary C peptide > 80 µg / 24 h and/or basal C peptide > 2.4 ng/ml) and were treated for 10 days by subcutaneous insulin infusion via a portable pump. REIS was measured, and insulin resistance was determined by an insulin tolerance test (ITT) to define their insulin sensitivity index (DG/G) before and after 10-day intensive therapy. The patients were monitored as outpatients, and the attempt at remission was considered to be a failure (F) or a success (S). Thirty of the 75 patients (40 %) were in remission at 1 year, and 14/67 (21 %) at 2 years. No clinical criterion differentiated successes from failures at 1 year, nor was the initial degree of blood glucose imbalance or the REIS predictive of the metabolic changes that occurred after insulin therapy. However, the drop in the insulin requirement (IR) (- 26 % for F and - 39 % for S, p < 0.05) and the increases in the DG/G index (68 ± 51 % for F and 176 ± 50 % for S, p < 0.01) after insulin therapy were indicative of their condition 1 year later. Receiving operating characteristic curves showed that a 35 % decrease in IR and an 80 % increase in DG/G were indicative of a successful outcome at 1 year, with a specificity and sensitivity of about 70 %. It is concluded that a decrease in daily IR and an increase in the DG/G index during insulin treatment are prognostic indicators of the course of insulin-requiring diabetics after temporary intensive insulin treatment. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 75 - 79. Unitermos : Diabetes que requer insulina, insulinoterapia intensiva temporária, teste de tolerância à insulina. Keywords : insulin-requiring diabetes, temporary intensive insulin therapy, insulin tolerance test. ✍ : L.Meyer, Service de Diabétologie, Maladies Métaboliques, Nutrition, CHU de Nancy, Hôpital Jeanne d´Arc BP 303,54201 Toul Cedex, France. Tel:(33) 03 83 65 64 49. Fax: (33) 03 83 65 63 33. (1) Service de Diabétologie, Maladies Métaboliques, Nutrition CHU de Nancy, Hôpital Jeanne d´Arc, BP 303 Toul Cedex. (2) Clinique Médicale 13, Hôpital Robert Debré, 51092 Reims, France. 88 L. Meyer D iabetes tipo II cujos pacientes se tornaram insensíveis às doses terapêuticas máximas de anti-diabéticos orais - condição chamada dediabetes que requer insulina (DRI) (insulinrequiring diabetes-IRD) é um problema difícil e freqüente. DRI [1] inclui um número de condições fisiopatológicas com diferentes graus de resistência à insulina e relativo déficit de insulina [2] o qual é exacerbado pela toxicidade da glicose [3]. As várias formas de terapêutica insulínica geralmente propostas são pouco aceitas e freqüentemente são acompanhadas por aumento de peso, sem realização de balanço metabólico satisfatório. Este relatório descreve os resultados de uma estratégia de insulinoterapia temporária intensiva (temporary intensive insulin therapyTIIT) para alcançar remissão da necessidade de insulina dos pacientes DRI, que ainda tenham alguma secreção de insulina endógena residual (REIS). ■ PACIENTES E MÉTODOS O estudo foi feito em um total de 75 pacientes (36 homens, 39 mulheres, idade média de 56 ± 8 anos) que tinham diabetes por 12 ± 6 anos e que sofriam de crônico desequilíbrio da glicemia, apesar de restrita e monitorizada dieta e de doses máximas de anti-diabéticos orais (glibenclamida 15 mg/dia e metformina 1700 mg/dia). O índice de massa corporal foi de 30 ± 5 kg/m2, o desequilíbrio da glicose foi refletido pela hemoglobina glicosilada-HbA1c de 9,7 ± 1,5 %( normal : 3,5 - 6,5 %). Diabetes & Metabolism peptídeo C basal 2,4 ng/ml e/ou peptídeo C urinário > 80 µg / 24 h, foram incluídos. Insulinoterapia : Foi iniciada imediatamente após o período de 48 h, insulinoterapia sob infusão subcutânea contínua (H Tron V 100, H Tron C 100) com a intenção de manter a glicemia de jejum abaixo de 1,20 g/l e a pós-prandial abaixo de 1,60 g/l durante 10 dias. A dose de insulina (bolus e infusão basal) foi calculada usando algoritmos padrões [6]. A insulinoterapia foi interrompida após a manutenção da glicemia em níveis normais; e o tratamento com antidiabéticos orais foi continuado. Os pacientes foram monitorizados por 48 h antes da decisão de continuar o tratamento com anti-diabéticos orais à nível ambulatorial. Após a insulinoterapia, todos os testes laboratoriais foram repetidos ambulatorialmente e os pacientes monitorizados regularmente (cada 3 meses no período de 24 meses). Em cada visita o peso do paciente e história dietética foram verificados, assim como glicemia de jejum e HbA1c. O paciente foi classificado remissão de sucesso (S) quando a glicemia de jejum menor 1,40 g/l e HbA1c < 8 %; ou como fracasso de remissão (F) quando glicemia de jejum maior > 1,40 g/l e HbA1c > 8 %. Métodos de ensaio : HbA1c foi medido por cromatografia líquida de alta performa (BioRad kit). Peptídeo C foi feito por radioimunoensaio (BYK-Sangtec kit), com valores normais de 1,2 - 2,4 ng/ml no basal e de 40-80 µg / 24 h no urinário. A glicemia foi feita pelo método da glicose oxidase e triglicérides plasmáticos por ELISA. Critérios de exclusão : Pacientes foram excluídos pelas seguintes razões : idade maior 70 anos, creatinina plasmática > 130 µmol/l (1,45 mg/dl), diabetes por menos de 2 anos, presença de anticorpos anti-ilhotas, alguma intercorrência que cause desequilíbrio do balanço da glicose, retinopatia isquêmica severa ou doença coronariana instável. Análises estatísticas : Os dados foram analisados usando teste não paramétrico de Wilcoxon e os coeficientes correlacionados foram calculados por Spearman. Protocolo experimental : Durante 1 mês de período préinfusão, os medicamentos e a dieta dos pacientes foram conferidos e causas secundárias (iatrogenia, distúrbios inflamatórios ou endócrinos) foram monitorizadas para assegurar que eles não eram os responsáveis da ineficácia dos antidiabéticos orais. Os pacientes foram incluídos no estudo se eles ainda estivessem sofrendo de desequilíbrio metabólico franco (HbA1c > 8 % e glicemia jejum 1,80 g/l) no fim deste período. Durante as primeiras 48 h de hospitalização, amostras foram colhidas para medir HbA1c, glicemia capilar (antes e após 90 minutos da alimentação), peptídio C basal e triglicérides plasmáticos. Os pacientes também foram submetidos a um teste de tolerância à insulina modificado (ITT): injeção e.v. 0,1UI /kg e glicemia dosada nos tempos: -5, 0, 3, 5, 7, 10 e 15 minutos. O índice DG/G = G0 - G15/G0 (onde G0 = glicemia tempo 0, G15 = glicemia tempo 15) [5]. Esse índice reflete a queda da glicemia após a injeção de insulina assim como uma função inicial do nível da glicemia, os valores normais em pacientes não diabéticos é 0,5 - 0,7 (50 % - 70 %). Somente pacientes que tinham REIS (secreção de insulina endógena residual) com Oito do 75 pacientes iniciais não completaram o estudo. A fig.1 mostra os resultados, com 30/75 sucesso (40 %) em 12 meses e 14/67 (21 %) em 24 meses. Mais da metade dos fracassos ocorreram nos primeiros 3 meses e um total de 75% nos primeiros 6 meses. ■ RESULTADOS Parâmetros clínicos iniciais : Nem a idade do paciente, tampouco a duração da doença, massa corporal antes da insulinoterapia tiveram qualquer efeito na estabilização da glicemia, aos 12 ou aos 24 meses. Parâmetros laboratoriais iniciais : No que diz respeito ao balanço da glicose , a dosagem de HbA1c inicial dos casos com sucesso (9,6 %) e dos fracassos (9,8 %) não foram significativamente diferentes aos 12 ou aos 24 meses (S = 9,4 %; F = 9,7 %); glicemia de jejum inicial para os dois grupos foram iguais (2,15 g/l vs. 2,12 g/l e 2,0 g/l vs. 2,1 g/l respectivamente) (Tabela 1). Para os REIS com inclusão das concentrações urinárias de peptídeo C (urina de 24 h) obteve o mesmo sucesso e fracasso tanto nos 12 e 24 meses (105 µg/24h vs. 85 µg/24 h e 100 µg/24 h vs. 84 µg/24h), Vol. 01, 1997 TERAPIA INTENSIVA DE INSULINA ... FIG. 1 – Taxa de sucesso (%) durante o seguimento a longo prazo. assim como a concentração basal plasmática de peptíceo C (2,7 ng/l vs. 2,45 ng/l e 2,8 ng/l vs. 2,4 ng/l). A necessidade inicial de insulina diária para o primeiro dia normoglicêmico e o índice inicial DG/G não previram o resultado aos 12 e 24 meses (Tabela 1). Entretanto os triglicérides plasmático inicialmente elevados teve boa correlação, aos 12 meses, com os fracassos eventuais (3,34 ± 2 < 37 g/l vs. 2,27 ± 2,18 g/l, p < 0,05) Mudanças nos parâmetros durante a insulinoterapia : Mudanças na glicemia e na secreção endógena de insulina dos pacientes S e nos F durante o tratamento foram semeTABELA 1 – Características metabólicas iniciais de pacientes que responderam com sucesso (S) ou com fracasso (F) aos 12 meses. Glicemia de jejum prétratamento (g/l) Dose de insulina dia 1 (IU/kg/d) TG (g/l) Sucesso 2.15 ± 0.55 0.71 ± 0.24 3.34 ± 2.37 Fracasso 2.12 ± 0.66 0.75 ± 0.24 2.27 ± 2.18 NS NS p < 0.05 p TABELA 2 – Características metabólicas de possível sucesso (S) e fracasso (F) dos pacientes no fim da insulinoterapia. Glicemia de jejum pósinsulina (g/l) Dose de insulina dia 10 (IU/kg/d) Aumento em DG/G TG (g/l) Sucesso 1.24±0.36 0.44±0.29 +276±150 1.57±1.05 Fracasso 1.18±0.34 0.56±0.26 +168±51 1.82±1.48 < 0.05 < 0.05 p NS < 0.05 89 lhantes. Entretanto a necessidade diária de insulina (insulin requirement-IR) diminuiu mais no S que no F (Tabela II). A necessidade de insulina (IR) dos pacientes F diminuiu 26 % e dos pacientes S 39 % (p < 0,05). Mudanças similares ocorreram no teste de tolerância à insulina. O índice DG/G dos pacientes S (0,25 ± 0,008) aos 12 meses foram melhores que os pacientes F (0,19 ± 0,06, p < 0,05). Os triglicerídeos plasmáticos dos pacientes S diminuíram mais no final do tratamento (-1,66 ± 2,36 g/l) do que os pacientes F (- 0.7 ± 0,78 g/l). Assim os parâmetros que diretamente ou indiretamente refletem a resistência insulínica após insulinoterapia transitória, mudaram diferentemente nos 2 grupos. Uma comparação precoce (após 9 meses; 30 casos) e ambos com sucesso à longo prazo (15 meses) mostraram que a necessidade de insulina diária diminuiu pouco nos precoces (18,5 %) que nos fracassos tardios (- 42 %, p < 0,05); e que a diminuição foi menos marcante para os bem sucedidos (-35 %) que nos fracassos tardios. Um aumento no índice DG/G para 3 grupos foi também diferente (+ 20 %, +10 %, +176 % respectivamente para os fracassos precoces, fracassos tardios e sucesso, p < 0,02). Foram usadas curvas ROC (receiver operating characteristic) para estudar a sensibilidade e especificidade destes parâmetros para prognóstico tardio, baseados nos variados valores dos pontos iniciais. As figuras 2 e 3 mostram as mudanças na dose de insulina diária entre o primeiro e o décimo dia de normoglicemia e as mudanças no índice DG/G durante o mesmo período. ■ DISCUSSÃO Pacientes nos quais a resistência aos anti-diabéticos orais, era devida a pouca adesão à dieta e/ou outras causas não foram incluídos neste estudos. Pacientes verdadeiramente DRI selecionados tinham produção residual de insulina endógena, e a saída do estudo foi principalmente devido a severa resistência insulínica, intensificada pela toxicidade da glicose. Vários estudos consideram a influência da glicemia normal transitória na secreção de insulina, na resistência à insulina no diabetes tipo II e nos pacientes DRI. Os resultados são variáveis, porém parece haver um consenso que um período normal de glicemia melhora a secreção de insulina e reduz a resistência à insulina, como avaliou clamping [7-11]. Os resultados deste trabalho confirmaram esse consenso, mostrando uma melhora do índice DG/G e menor necessidade de insulina diária, indicando maior sensibilidade à insulina. Essa mudança ocorreu em todos os pacientes, porém foi mais significativa nos pacientes com sucesso tardio a longo prazo. Embora vários estudos tenham sido apresentados, eles possuíam amostras menores, diferem consideravelmente nos métodos usados e freqüentemente na falta de acompanhamento à longo prazo, fazendo seus resultados difíceis de serem comparados com os nossos. [12-16]. Nós estudamos previamente 59 pacientes DRI, usando os mesmos métodos e acompanhamento, que nesse estudo, e concluímos que a secreção endógena de insulina tem valor prognóstico [17]. 90 L. Meyer Diabetes & Metabolism FIG 2 – Curvas ROC mostrando relativa mudança da necessidade de insulina no 1º dia de infusão contínua por bomba. Análise de especificidade e sensibilidade dos valores mutáveis em 12 meses. ( sensibilidade; especificidade) FIG 3 – Curvas ROC mostrando percentagem relativa na mudança do índice DG/G inicial, entre os primeiros e os últimos dias de infusão contínua por bomba. Análise da especificidade e sensibilidade dos vários resultados em 12 meses ( sensibilidade; especificidade) Todos os pacientes no início tinham alguma produção residual de insulina endógena. Embora no presente estudo não revelou nenhum valor preditivo antes do início do tratamento, durante a insulinoterapia intensiva a curto prazo, as mudanças de certos parâmetros nos pacientes que eram controlados por anti-diabéticos orais, diferem dos pacientes que não o eram. Um estudo anterior de nossa equipe, mostrou que o teste de tolerância à insulina usado para medir a resistência a insulina era reprodutivo e diretamente relacionado com clamping [5], como previamente relatado por Bonara et al. [18]. Esses estudos foram recentemente confirmados por Gelding et al.[19]. No presente estudo, um maior aumento no índice de DG/G para os eventuais sucessos, foi indicativo de maior queda da resistência à insulina nestes pacientes. A maior queda na necessidade de insulina diária, para os futuros sucessos durante o tratamento proveu informação semelhante. As curvas ROC demonstraram que houve diminuição de 35 % da necessidade de insulina diária durante o tratamento; valor preditivo aproximadamente de 70 % de mudança metabólica em 10 meses (sensibilidade) com especificidade de 65 %. Concomitantemente, 80 % melhoraram o índice DG/G durante a insulinoterapia, o que foi indicativo de melhora no metabolismo nos 12 meses, com sensibilidade de 73 % e especificidade de 72 %. A combinação entre a queda da necessidade diária de insulina (35 %) com a melhora do índice DG/G (80 %), estabeleceu uma boa relação entre especificidade e sensibilidade para prever mudanças nos 12 meses. A taxa relativamente baixa de sucesso aos 12 meses (40 %) foi devido ao grande número de fracassos precoces (75 % ocorreram nos primeiros 6 meses). Esses fracassos precoces foram devidos àqueles pacientes cuja sensibilidade à insulina respondeu pouco ao tratamento. Nós acreditamos que, ampliar o critério de interrupção do tratamento com insulina descrito acima, poderia levar à considerável redução do número de fracassos precoces. Também acreditamos que produzir uma remissão da necessidade de insulina, constitui uma alternativa útil no tratamento dos pacientes DRI, contanto que eles sejam selecionados corretamente e o tratamento com insulina seja acertado para cada indivíduo. BIBLIOGRAFIA 1 Leutenegger M, Gross A, Ostermann G, Grulet H, Pasqual C, Dijoux B. Le diabète insulinorequérant. Diabete Metab, 1988, 14, 463470. 2 De Fronzo RA. The triumvirate : B cell, muscle, liver. A collusion responsible for NIDDM. 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Passa RESUMO O ECCD foi desenvolvido em centros de excelência através de um coorte em pacientes selecionados e motivados. O objetivo do presente estudo foi avaliar os resultados de 1 ano de acompanhamento em pacientes com DMID (diabetes mellitus insulino dependente) sob insulinoterapia intensiva. De 1° de outubro de 1993 a 31 de dezembro de 1994, todos os pacientes hospitalizados abaixo de 55 anos de idade, com níveis de HbAlc acima de 8% e recebendo 2 aplicações diárias de insulina, foram convidados a mudar para 3 aplicações (insulina de curta duração pela manhã e ao meio dia, e uma mistura de insulina de curta ação e insulina intermediária à noite). Os pacientes foram instruídos a aumentar a monitorização da glicemia própria e encontrar o diabetologista mais freqüentemente (1 vez a cada 2 meses). Cinco pacientes recusaram e 45 aceitaram a proposta: 22 mulheres e 23 homens (idade média 31,8 ± 10,9 anos), índice de massa corporal 23,5 ± 2,9 kg/m2, duração do diabetes 12,8 ± 10,1 anos, HbA1c 10,0 ± 2,0 %. Cinco pacientes foram perdidos no acompanhamento, 2 pacientes pediram transferência de suas fichas médicas, 3 retornaram para 2 aplicações diárias, 5 consultaram apenas 1 vez durante o acompanhamento de 1 ano. Para 29 pacientes vistos após 1 ano de acompanhamento, a diminuição dos níveis de HbA1c de 10,0 ± 1,9 % para 9,5 ± 1,8 % não foi estatisticamente significativo. Dezesseis pacientes reclamaram da ocorrência aumentada de hipoglicemia (3 comas). Na prática clínica rotineira, a prescrição da insulinaterapia intensiva aos pacientes DMID não selecionados pode estar associada ao alto número de pacientes perdidos no acompanhamento (17 % em nosso estudo). O aumento do número de injeções de insulina pode melhorar o controle glicêmico, somente se houver auto-monitorização e se a vigilância médica for intensificada também. Entretanto, muitos pacientes diabéticos mal controlados são relutantes em cumprir estas recomendações. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 93-97. SUMMARY The Diabetes Control and Complications Trial was conducted in heavily-equipped centres on a selected and motivated patient cohort. The aim of the present study was to evaluate at one-year follow-up the results of intensive insulin therapy in patients with insulin-dependent diabetes mellitus attending a department of diabetology. From October 1, 1993, to December 31, 1994, all our hospitalised patients under 55 years of age with HbA1c levels above 8 % and receiving 2 daily insulin injections were offered the opportunity to shift to 3 daily injections (short-acting insulin in the morning and at midday, and a mixture of short-acting and intermediate insulin in the evening). Patients were instructed to increase blood glucose self-monitoring and to see their diabetologist more often (once every two months). Five patients refused and 45 accepted this proposal : 22 women and 23 men (mean age 31.8 ± 10.9 yr), BMI 23.5 ± 2.9 kg/ m2, duration of diabetes 12.8 ± 10.1 yr, HbA1c 10.0 ± 2.0 %. Five patients were lost to follow-up, 2 asked to have their medical file transferred, 3 returned to 2 daily injections, and 5 consulted only once during the year of follow-up. For the 29 patients seen after one-year follow-up, the decrease in HbAlc levels from 10.0 ± 1.9 % to 9.5 ± 1.8% was not statistically significant. Sixteen patients complained of increased occurrence of hypoglycaemia (3 comas). In routine clinical practice, the prescription of intensive insulin therapy to non-selected insulin-dependent diabetic patients can be associated with a high number of patients lost to follow-up (17 % in our study). An increase in the number of daily insulin injections will improve glycaemic control only if self-monitoring and medical surveillance are also intensified. However, many long-term poorlycontrolled insulin-dependent diabetic patients are reluctant to comply with these recommendations. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 415-419. Unitermos : Diabetes mellitus insulino dependente; ECCD, insulinoterapia intensiva, clínica prática diária. Key-words : Insulin-dependent diabetes mellitus, DCCT, intensive insulin therapy, daily clinical practice. ✍ : J.F. Gautier, Service de diabétologie, Hôpital SaintLouis, avenue Claude Vellefaux, 75475 Paris Cedex 10, France. Tel: (33) (0) 1 42 49 44 26, Fax: (33) (0) 1 42 49 41 78. 94 J. F. Gautier N os últimos 15 anos, notáveis progressos foram feitos na França no tratamento dos pacientes com diabetes mellitus insulino dependente (DMID). Apesar de não haver evidência irrefutável à respeito, nós acreditamos que o controle glicêmico dos DMID foi melhorado. Após os estudos feitos na Europa nos últimos anos 70 e 80, os esforços para conseguir melhores níveis glicêmicos aumentaram. Esse aperfeiçoamento foi possível devido ao aumento dos esforços educacionais dos pacientes e seus familiares, ao espetacular desenvolvimento dos monitores de glicemia, e a introdução dos injetores de insulina tipo “Pen”, que diminuiu a relutância do paciente a usar injeções múltiplas de insulina. É difícil avaliar os papeis respectivos destes desenvolvimentos, assim como a dosagem da hemoglobina glicosilada (HbA1c) no aperfeiçoamento do controle do DMID. Entretanto, muitos DMID ainda são mal controlados em médio ou a longo prazo. Os resultados do ECCD publicados em junho de 1993 apresentam provas científicas indiscutíveis, baseadas numa extensa amostra de jovens pacientes DMID, que melhoraram o controle glicêmico (-2 % HbA1c) numa duração média de 6,5 anos, reduziram a incidência (prevenção primária) e melhoraram o curso (prevenção secundária) da retinopatia, nefropatia e neuropatia diabética [7]. Mais recentemente, foi sugerido que a nefropatia diabética pode ocorrer quando a HbA1c eleva-se acima de certos níveis iniciais [8]. Esses dados podem encorajar os médicos a estabelecer metas terapêuticas mais ambiciosas para os DMID, especialmente aqueles que prestam assistência em centros especializados para diabéticos. O objetivo deste estudo é avaliar a possibilidade de se conseguir resultados de uma terapêutica insulínica mais agressiva como padrão, em pacientes com DMID assistidos pelo departamento de Diabetologia do Hospital Saint-Louis em Paris, França, pacientes que eram mal controlados por 2 injeções diárias de insulina. As características dos pacientes incluídos no estudo foram comparados com aqueles pacientes DMID que eram seguidos em nosso departamento, e que já tinham recebido insulinoterapia agressiva. Diabetes & Metabolism • 3 injeções diárias de insulina constituída de insulina de ação curta pela manhã e ao meio dia, combinada com mistura de insulina rápida e intermediária aplicada pré-prandialmente à noite (através de injetores de insulina tipo Pen). • Após determinar que cada paciente tivesse acesso e soubesse como operar bem o glicosímetro, nós solicitamos que fizessem pelo menos uma medida da glicemia capilar antes da aplicação da insulina (3 auto-monitorizações ao dia) e que marcassem o resultado num diário. • As bases confiáveis para auto-monitorização da glicemia (i.e. - doses adaptadas de insulina aos níveis da glicemia capilar, exercício físico, aporte alimentar, etc) foram ensinadas a cada paciente e reiteradas pelos médicos, enfermeiras, nutricionistas do departamento. Se houvesse hiperglicemia (glicemia > 12 mmol/l) durante 2 exames seguidos, os níveis de cetonúria foram avaliados através das tiras urinárias (Keto-Diastix®, Bayer Diagnósticos) • Um familiar de cada paciente foi orientado para certificar que uma terceira parte estivesse disponível em caso de hipoglicemia severa. • O número de visitas dos pacientes à clínica foi aumentado para uma a cada 2 meses. • Finalmente, todos os pacientes diabéticos seguidos no departamento tinham acesso a assistência 24 horas por dia. 50 pacientes foram selecionados entre 10 de outubro de 1993 e 31 de dezembro de 1994. 5 pacientes recusaram nossa proposta de modificar seu tratamento. As principais características desses 45 pacientes incluídos no estudo estão na tabela I. Eles tinham em média 12,8 ± 10,1 anos de doença, e eram mal controlados com hemoglobina glicosilada média de 10,0 ± 2,0 %. TABELA 1 – Características de 45 pacientes DMID incluídos no estudo Idade (anos) 31,8 ± 10,9 Proporção sexo (M/H) 22/23 Duração do diabetes (anos) 12,8 ± 10,1 Duração do acompanhamento(anos) 2 ■ PACIENTES E MÉTODOS Pacientes - A partir de 1 de outubro de 1993, 4 meses após a publicação do ECCD, nós oferecemos a todo paciente com DMID a hospitalização por 5 dias em nosso hospital, a oportunidade de participar neste estudo, cuidando que os seguintes critérios de inclusão fossem seguidos: homens ou mulheres com idade abaixo de 55 anos; acompanhamento regular no departamento por pelo menos nos 2 últimos anos; hemoglobina glicosilada maior do que 8 %, os quais estivessem sendo tratados com 2 injeções diárias de insulina. Pacientes com neuropatia severa e aqueles cujos sintomas clínicos de hipoglicemia foram incompletos ou ausentes foram excluídos. Após isso, cada paciente recebeu explicação completa dos resultados do DCCI a nível individual e informe das vantagens e desvantagens da insulinoterapia intensiva, lhe foi dado a oportunidade para mudar para o seguinte regime : 4,6 ± 3,2 Índice de massa corporal (kg/m ) 23,5 ± 2,9 HbA1C (1%) 10,0 ± 2,0 Seguindo liberação do hospital, cada paciente foi examinado por um diabetologista, que anotou os dados da visita, peso do paciente, número de hipoglicemia clinicamente relevante, número de detecções de cetonúria e hemoglobina glicosilada. Hemoglobina glicosilada foi geralmente avaliada por cromatografia fase líquida de alta performance (Diamat, BioRad, valor normal < 6 %). Durante algumas visitas, uma avaliação foi feita por gota de sangue capilar por métodos de inibição imunoaglutinação (DCA 2000™, Bayer Diagnostic) o qual em nossa experiência subestimou a HbA1c plasmática por aproximadamente 12 %. Um fator de correção foi usado para podermos comparar os resultados, através do estudo longitudinal (Leblanc et al, dados não publicados). Vol. 01, 1997 AS IMPLICAÇÕES DO ECCD ... 95 TABELA II – Características dos pacientes com diabetes mellitus insulino dependente vistos ambulatorialmente em nossa clínica entre 1º de outubro de 1995 e 31 de dezembro de 1995. Número Idade (anos) Proporção sexo (M/H) CSII* 4 injeções 3 injeções 2 injeções 42 13 121 87 45.3 ± 16.8 31.9 ± 10.1 33.7 ± 10.0 39.4 ± 11.9 16/26 9/4 64/57 58/29 Duração do diabetes (anos) 13.9 ± 12.2 13.5 ± 11.7 13.3 ± 9.2 15.6 ± 10.1 Índice de massa corporal (kg/m2) 23.4 ± 2.2 24.2 ± 2.9 23.8 ± 2.8 23.5 ± 2.9 HbA1C (1%) 7.8 ± 1.2 6.9 ± 1.0 8.2 ± 1.4 8.2 ± 1.6 Intervalo médio entre visitas (meses) 2.2 ± 0.8 2.5 ± 1.9 3.8 ± 2.4 5.4 ± 4.4 *CSII : Continous subcutâneos insulin infusion (Infusão subcutânea continua de insulina) Os pacientes deste estudo foram comparados com outros DMID com idade abaixo de 55 anos, que foram examinados no departamento entre 1º de outubro de 1995 e 31 de dezembro de 1995: 42 pacientes que usaram continuamente infusão de insulina por bomba portátil; 13 tratados com 4 injeções diárias de insulina (método basal bolus); 121 com 3 injeções diárias e 87 com 2 injeções diárias. As características clínicas dessas pacientes estão na Tabela II. Análise estatística - Os resultados dos estudos estão expressos como valores médios ± SD. A avaliação dos vários parâmetros em comparação com valores iniciais foram feitos pelo teste Scheffe seguido análise de variância (Anova) ■ RESULTADOS Cinco pacientes (4 homens e 1 mulher) falharam no seguimento dos 12 meses, não houve tentativa para localizálos. Dois pacientes pediram transferência para outro hospital. Um jovem paciente morreu por causa desconhecida pou- cos meses após o início do estudo. No total, 8 pacientes em 45 (17 %) foram perdidos. Três pacientes mudaram para 2 doses diárias de insulina, por conta própria, notando-se após segunda ou terceira visita hospitalar. Apesar de nossos pedidos, nenhum paciente observou a regularidade de 2 meses entre 2 visitas. A freqüência foi 1 vez a cada 3 ou 4 meses. 5 pacientes foram vistos apenas 1 vez no ano inteiro. Para 29 pacientes (64 %) que foram vistos no acompanhamento de 1 ano, a média de ganho de peso foi 2,6 ± 3,9 kg (NS). A média da HbA1c (Fig.1) decresceu significativamente de 10,0 % ± 1,9% para 9,2 ± 1,7 % após 2-4 meses (p<0,05). Entretanto, no acompanhamento, esse nível elevou para 9,5 % ± 1,8 % o que não é estatisticamente diferente dos valores de base. Hemoglobina glicosilada diminuiu significativamente (ao menos 1 %) em 6 pacientes (20,7 %). A incidência mensal de hipoglicemia clinicamente significativa, que requereu aporte urgente de glicose, aumentou para 16 pacientes. 3 pacientes apresentaram coma hipoglicêmico, somente um teve essa experiência anteriormente no período de dois meses antes do estudo. 3 pacientes disseram ter pequenas hipoglicemias. Outros 3 pacientes foram hospitalizados por hiperglicemia prolongada e cetose, destes somente um havia tido experiência similar prévia. ■ DISCUSSÃO Tempo (meses) FIG.1 – Níveis de HbA1c em 29 pacientes seguidos durante 1 ano, após a troca de regime de insulina. O asterisco denota a diferença significati- Este estudo pragmático, levado a cabo em base rotineira que pode estar disponível em qualquer centro de diabetologia, acabou em resultados desapontadores. Num grupo de pacientes com DMID com maus controles glicêmicos a longo prazo, que regularmente eram assistidos no departamento, a introdução de insulinoterapia agressiva foi associada a perda de 17 % de acompanhamento. Para aqueles vistos no seguimento de 1 ano, houve ganho de peso e aumento clinicamente relevante de hipoglicemias não associados com uma diminuição significativa dos níveis de HbA1c. Somente 6 pacientes alcançaram uma redução significativa 1% dos valores de base de HbA1c. Estes resultados são pobres e provavelmente teriam sido piores num período de acompanhamento maior. O objetivo inicial desse estudo pragmáti- 96 J. F. Gautier co, que apresenta óbvias deficiências metodológicas, era avaliar os resultados de uma insulinoterapia mais agressiva, para pacientes DMID com idade abaixo de 55 anos de idade e que ao longo prazo vinham sendo mal controlados com 2 aplicações diárias de insulina. O estudo não foi randomizado com grupo controle cujo tratamento insuficiente e seguimento médico permissivo não se modificariam durante esse período. Com estas considerações, e sabendo da ligação entre hiperglicemia crônica e incidência da microangiopatia diabética, achamos que um estudo dessa forma seria indesejável do ponto de vista ético. Em comparação com representativa amostra de pacientes DMID de idade semelhante que se beneficiariam com apropriado tratamento insulínico e melhoraram o controle glicêmico, os pacientes foram obviamente tratados de forma insuficiente. Em alguns casos, isto foi devido a falta de rigor do médico. No entanto, na maioria das vezes, foram os pacientes que recusaram as múltiplas injeções diárias de insulina, a monitorização da glicemia, as visitas regulares em pequeno intervalo de tempo. As conclusões feitas pele nosso estudo somente são aplicáveis neste tipo de paciente, cujo número continua infelizmente muito elevado. Este estudo foi baseado nos resultados do ECCD [9], porém não devem ser comparados. No ECCD, os 1441 pacientes estudados foram selecionados entre mais de 6000 pacientes, que foram qualificados para inclusão, somente após terem sidos avaliados durante 4 meses demonstrando que eles cumpririam as instruções do diabetologista. Estes pacientes de 13-39 anos (média de 27 anos) tinham diabetes por menos de 6 anos, e uma HbA1c média de 9 %. Os nossos pacientes eram mais velhos, tinham diabetes por 13 anos e eram menos controlados. No ECCD os pacientes foram seguidos por 29 centros especializados de diabetes, selecionados de 101 centros na América do Norte. Com a finalidade de padronizar no ECCD, os departamentos tiveram treinamento dos médicos e não médicos, incluindo enfermeiras especializadas, nutricionistas e assistentes sociais. A equipe deveria ser capaz de ter contato telefônico diário, durante as primeiras semanas do estudo, contato telefônico semanal e consulta mensal durante o resto do estudo [10-11]. Finalmente como foi um serviço gratuito, um grande benefício para inclusão no ECCD, foi uma motivação adicional, que não houve no estudo francês, cujo tratamento é 100 % responsabilidade do governo. O seguimento médico em nosso estudo foi menos rigoroso que o ECCD. Porém parece ser impossível de se melhorar a rotina de seguimento do paciente num departamento de diabetes francês, visto que os pacientes não se beneficiaram com esta atenção especial do estudo clínico. Numa meta-análise de otimização de insulina feita por Wang et al. [12], a taxa de pacientes perdidos no acompanhamento foi de aproximadamente 10 % e a melhora dos níveis glicêmicos, após a insulinoterapia, foi estatisticamente significativa. Este, entretanto, foi feito em pequeno grupo de pacientes com DMID e num curto período de acompanhamento. Os resultados do Microalbuminuria Collaborative Study Group foram recentemente publicados. Após ser randomizados, pacientes DMID com microalbuminúria re- Diabetes & Metabolism ceberam uma insulinoterapia intensiva (n=36) ou convencional (n=34). Após seguimento médio de 5 anos (2-8 anos), 14 % dos pacientes sob terapia intensiva deixaram o estudo. A hemoglobina glicosilada que era significativamente mais baixa nos pacientes sob insulinoterapia intensiva durante os 3 primeiros anos do estudo, tornaramse comparáveis com os da terapia convencional durante os 2 últimos anos [13] . Os estudos feitos por Jörgens et al, na Alemanha, intensificaram a insulinoterapia intensiva durante hospitalização de 5 dias. Foi feito em 697 pacientes DMID com idade média de 26 ± 7 anos e portadores de diabetes de 8 ± 7 anos ; 118 pacientes receberam cuidados em centro de diabetes, 579 consultados em clínicas médicas de hospitais gerais com pelo menos um médico e uma enfermeira treinados em diabetologia. Após 1, 2 e 3 anos, 80 % dos pacientes receberam 3 aplicações diárias de insulina e 10 % foram tratados por infusão contínua subcutânea. Reduções significativas de HbA1c foram observadas e a ocorrência de hipoglicemia diminuiu nos pacientes tratados em centros especializados e em hospitais gerais [14]. Embora a maioria dos estudos a respeito da insulinoterapia intensiva mostrou uma melhora do controle glicêmico, indicado pela diminuição da HbA1c, alguns obtiveram resultados contraditórios. No estudo conduzido por Hardy et al., pacientes DMID com idade média de 37 anos (21 homens) e 32 anos (18 mulheres) trocaram de 2 aplicações diárias para doses em bolus aplicadas por injetores tipo Pen. No primeiro ano, 5 pacientes foram perdidos no acompanhamento, e 4 mulheres tiveram que interromper o tratamento devido ao mal controle glicêmico. A HbA1c permaneceu a mesma nos homens, mas aumentou de 9,6 % para 10,7 % nas mulheres [15]. Num estudo dinamarquês conduzido por Mortensen et al., 130 crianças de 9 a 18 anos foram alteradas de 2 para 3 ou mais doses diárias, através de injetores tipo Pen. Os dados foram analisados retrospectivamente. A HbA1c permaneceu estável nos pacientes masculinos, porém aumentou em 20 % em 70 pacientes femininos [16]. Esses dados indicam que a distinção deve ser feita entre os pacientes e os meios usados para atingi-lo. Aumentar as injeções de insulina não leva, necessariamente, a melhora do controle glicêmico. Os esforços para otimizar o controle glicêmico deve ser iniciado ao se diagnosticar o DMID. O paciente deve ser informado clara e concisamente das metas do tratamento e dos meios para que essas metas sejam alcançadas, assim como explicação das vantagens e desvantagens. Aos pacientes devem ser oferecidas oportunidades de escolher o regime de insulina a ser aplicado, de acordo com as características intelectuais, psicológicas, sociais e profissionais. É provável que os pacientes tratados em centros de diabetologia com um confortável regime de insulina e permissivo seguimento médico, apresentaram um mal controle glicêmico, estão pouco dispostos e provavelmente incapazes de melhorar o controle. Também é possível que a atitude do diabetologista reflete a expectativa do paciente. Mesmo havendo uma mudança radical da atitude médica, isso por si só não seria suficiente, na visão da pouca complacência e resultados obtidos no presente estudo. Vol. 01, 1997 O ECCD e seus resultados são notáveis. Esses dados deveriam encorajar os diabetologistas franceses e, no mundo inteiro, a ajudar os pacientes com DMID a diminuir seus níveis glicêmicos, tanto quanto possível. Infelizmente, essa melhoria implica em aumento do número dos episódios de hipoglicemia. Essas metas não são sempre obtidas em pacientes relutantes psicologicamente a suportar certas limitações, a fim de obter melhorias na saúde. O resultado de nossa tentativa de melhorar os cuidados dos pacientes com DMID com pouco controle glicêmico a longo prazo foi desanimador. Entretanto, ele enfatizou a constante necessidade de avaliar qualquer mudança na terapêutica em pacientes que sofrem cronicamente de uma doença, que por ora não tem cura. AS IMPLICAÇÕES DO ECCD ... 6 7 8 9 10 11 BIBLIOGRAFIA 1 Pirart J. Diabète et complications dégénératives. Présentation d’une étude prospective portant sur 4 400 cas observés entre 1947 et 1973. Diabete Metab, 1977, 97-107 and 173-182. 2 Eschwege E, Job D, Guyot-Argenton C, Aubry JP, Tchobroutsky G. Delayed progression of diabetic retinopathy by divided insulin administration : a further follow-up. Diabetologia, 1979, 16, 1315. 3 The Kroc Collaborative Study Group. Blood glucose control and the evolution of diabetic retinopathy and albuminuria. N Engl J Med, 1984, 311, 365-372. 4 Lauritzen T, Larsen KF, Larsen HN, Deckert T. Steno Study Group. Two-year experience with continuous subcutaneous insulin infusion in relation to retinopathy and neuropathy. Diabetes, 1985, 34, S3, 74-79. 5 Feldt-Rasmussen B, Mathiesen ER, Deckert T. Effect of two years of strict metabolic control on progression of incipient nephropathy in insulin-dependent diabetes. Lancet, 1986, ii, 1300-1304. 12 13 14 15 16 97 Dahl-Jorgensen K, Hanssen KF, Kierulf P, Bjoro T, Sandvik L, Agenaes O. 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A noite do diabético insulino-dependente poderá, contudo, ser um período privilegiado de observação de um período glicêmico, particularmente representativo (não de atividade física nem de aporte alimentar durante 6 a 8 horas) reprodutível nas condições ambulatórias, e cujo estudo poderá permitir melhorar o equilíbrio noturno, depois diurno, dos pacientes tratados pela insulinoterapia intensiva. Os resultados do DCCT mostram que o número de hipoglicemias severas foram multiplicados por 3 a 5 no grupo tratado por uma insulinoterapia intensiva e que 55 % das hipoglicemias acontecem durante a noite, sendo 43 % entre meia-noite e 8:00 horas, a maioria não sendo sentidas [1,2]. A repetição de hipoglicemias noturnas não sentidas, mesmo mínimas, conduz, em termos, a uma diminuição das hipoglicemias diurnas [3] e uma diminuição prolongada da resposta dos hormônios da contra-regulação [4]. Assim, as hipoglicemias noturnas não sentidas podem conduzir à chegada de hipoglicemias diurnas severas porque não precedidas dos habituais sintomas de alarme [5]. A procura específica do equilíbrio glicêmico noturno não se limita a despistar e evitar as hipoglicemias, ela visa evitar as hiperglicemias matinais mantidas pelos pacientes que estão com medo das hipoglicemias noturnas, hiperglicemia que vai parcialmente condicionar o equilíbrio diurno. Nossa experiência no hospital à noite nos permite desenvolver também uma estratégia de busca do equilíbrio noturno que ✍ : G.Slama, Service de diabétologie de l’Hôtel-Dieu, 1 Place du Parvis Notre-Dame, 75004 Paris, tel: (33) (0) 1 42 34 84 04, Fax: (33) (0) 1 43 54 15 64 será necessário propor a todos os pacientes cujo objetivo esperado é a obtenção de uma glicemia tão próxima possível da normal. Esta hospitalização de uma noite permite definir alguns parâmetros operacionais: procedimento geral do perfil glicêmico noturno no diabético tratado com insulina (Fig. 1) e parâmetros glicêmicos importantes deste perfil (Fig. 2). Um perfil noturno pode também ser dividido em três terços (Fig. 1): primeiro terço: o início da noite (das 19:00 horas à meia-noite), período durante o qual uma hiperglicemia é em geral observada às vezes pela chegada dos glicídios no sistema portal e pelo início da ação tardia demais da insulina injetada à noite ; segundo terço: no meio da noite (da meia-noite às 4:00 horas da manhã): período “de hipoglicemia” ligada a uma hipersensibilidade à insulina fisiológica encontrada no sujeito não diabético como também no sujeito diabético, este período corresponde igualmente ao período máximo de ação da insulina rápida injetada à noite; terceiro terço: o fim da noite (das 4:00 às 8:00 horas): período de subida glicêmica ligada a uma secreção fisiológica de hormônio de crescimento no meio da noite, mas igualmente no fim da ação da insulina lenta, “curta” demais, injetada à noite [6]. O segundo terço da noite é, portanto, o período de máximo risco de hipoglicemia noturna (mais de 75% em nossa experiência). Inversamente, a subida, quase fisiológica das glicemias no final da noite, incita mais prudência na determinação do objetivo glicêmico desejado ao despertar. O perfil glicêmico da noite É irreal, nas condições ambulatoriais, pedir ao paciente para fazer perfis glicêmicos noturnos. Certas glicemias bem escolhidas podem, apesar disso, ajudá-los a analisar seu perfil glicêmico : as glicemias de início de noite : pré-prandial, pós-prandial (PP) e glicemia da noite (GN) realizadas nesta sucessão, permitem avaliar o percurso glicêmica prandial cuja amplitude está ligada à duração da espera entre a injeção e a refeição, e igualmente apreciar o decréscimo glicêmico entre a glicemia pós-prandial e a glicemia da noite (delta Vol. 01, 1997 NOITE DO DIABÉTICO INSULINO-DEPENDENTE Primeiro • refeição • início da ação da insulina injetada Segundo • digestão • diminuição das necessidades fisiológicas • ação acumulada das insulinas injetadas Terceiro • aumento das necessidades fisiológicas • fim da ação da insulina lenta HIPERGLICEMIA NO INÍCIO DA NOITE HIPERGLICEMIA NO MEIO DA NOITE HIPERGLICEMIA NO FINAL DA NOITE 99 FIG. 1. Os 3 terços da noite: 3 períodos que necessitam cada um de uma adaptação específica da insulina e da alimentação. FIG. 2. Os parâmetros importantes do perfil glicêmico noturno: G22h: glicemia medida a 22h, delta G 22h/Gmin = decréscimo glicêmico entre G 22h e a glicemia mais baixa da noite Gmin, isto é, freqüentemente a glicemia medida “sistematicamente” entre 2 e 4 horas da manhã (não necessariamente a mais baixa da noite). PP/GN). A relação positiva que existe entre a glicemia da noite e a chegada de hipoglicemias noturnas é bem aceita [713] da mesma forma que a que existe entre o risco de hipoglicemia e um nível baixo (demais) de hemoglobina glicosilada [8-9]. Contudo, é importante notar que nenhum valor de glicemia da noite protege 100 % de uma hipoglicemia noturna. Entretanto, o prenúncio das hipoglicemias noturnas melhora quando se dá por conta, igualmente, do decréscimo glicêmico entre a glicemia pós-prandial e a glicemia da noite e ainda mais do nível da glicemia do deitar mesmo [14]. O principal problema é o da determinação do início recomendável desta glicemia da noite que limita ao máximo o risco de hipoglicemia noturna. Este início é dado segundo os autores entre 1,08 a 1,60 g/l [7-12]. De nossa parte, nós temos proposto um prognóstico mais personalizado das hipoglicemias noturnas, calculando um valor inicial de glicemia da noite individual que considera o conjunto dos parâmetros glicêmicos e insulinicos de um dado paciente [15]. Ainda devem ser realizados esforços no sentido da consideração da extrema variabilidade inter-individual dos perfis noturnos, contudo, nossa experiência mostra que é melhor tolerar uma “pequena” hiperglicemia (1,70 g/l) ao dormir para reduzir ao máximo a frequência das hipoglicemias noturnas [16]. No meio da noite A realização de uma glicemia no meio da noite nos parece absolutamente necessária para melhor compreender o equilíbrio glicêmico noturno. Bem entendido, não se trata de fazer todas as noites, mas, considerando a estabilidade e a reprodutibilidade dos perfis noturnos, a glicemia do meio da noite poderá ser realizada uma a duas (até três) vezes por mês em caso de dúvida sobre a chegada de hipoglicemias noturnas ou ainda na ocasião de cada modificação da dose de insulina da noite. Nesta ótica, a análise do perfil glicêmico da noite combinada à glicemia do meio da noite (delta PP/GN/Gmin) permite melhor despistar os decréscimos glicêmicos brutais que estão, em geral, ligados a um excesso de insulina rápida à noite e são bastante provedores de hipoglicemias noturnas. O fim da noite A glicemia do despertar deve ser sistematicamente medida (e habitualmente de maneira muito espontânea), assim como a análise da urina na manhã, sempre muito esquecida, e que pode levar a outros elementos de interpretação do perfil glicêmico noturno. Quando a glicemia do despertar é a única realizada, sua interpretação, geralmente, é difícil, tanto para o paciente quanto para o médico quando esses não dispõem da totalidade do perfil noturno. Três situações esquemáticas podem ser descritas em prática para esta glicemia do despertar, que pode ser: normal, baixa ou alta. Nos dois primeiros casos, deve ser dada a devida atenção : considerando a evolução fisiológica do perfil glicêmico noturno, uma glicemia normal ao despertar está em geral associada a uma glicemia mais baixa a muito baixa no meio da noite. Uma tendência à hipoglicemia ao despertar traduz sistematicamente que uma hipoglicemia mais profunda é chegada no meio da noite. É por isto que parece mais apropriado pedir ao paciente para tolerar uma pequena hiperglicemia ao despertar (ao menos 1,20 g/l). Isto pode concorrer para limitar o risco de hipoglicemia noturna (se a dose da insulina rápida da noite está corretamente adapta- 100 D. Bennis da). A situação finalmente mais difícil para analisar é aquela na qual se encontra uma hiperglicemia ao despertar, na maioria dos casos associada a uma hiperglicemia de início de noite. Esta situação pode corresponder a quatro tipos de perfis glicêmicos diferentes correspondendo eles próprios às situações radicalmente diferentes (Fig. 3). É necessário sublinhar que, para a maioria dos pacientes, a existência de uma hiperglicemia importante ao despertar está atribuída à chegada de uma hipoglicemia noturna não sentida seguida de um salto hiperglicêmico, o “famoso” efeito Somogyi, sobre o qual sabe-se agora que foi largamente superestimado [17-18]. De fato, a situação mencionada (hiper ao deitar / hiper ao acordar) pode estar associada a uma hiperglicemia permanente da noite, a uma diminuição da glicemia no meio da noite com uma subida glicêmica no final da mesma, a uma hipoglicemia noturna sentida e corrigida demais, a uma hipoglicemia noturna não sentida com uma subida glicêmica no final da noite, fora de todo efeito Somogyi. Em todos os casos, a prática de uma glicemia no meio da noite é o que permitirá fazer a diferença entre estas diferentes situações. Se a glicemia do meio da noite é elevada, trata-se de uma hiperglicemia permanente e a dose noturna de insulina lenta deve ser aumentada. Quando a glicemia da noite está perto de 1g/l com uma subida glicêmica de fim de noite, trata-se na maioria dos casos de um “problema” de insulina, seja insulina lenta muito curta, seja relação inadaptada entre insulina ordinária (elevada demais) e insulina lenta (fraca demais). Podese tratar também de um fenômeno de madrugada que é mais raro e não explica as hiperglicemias matinais de mais de 2g/l ainda que o equilíbrio noturno seja satisfatório. Neste caso, na ausência da glicemia de meio da noite, o paciente terá tendência a aumentar sua dose noturna de insulina lenta e portanto correrá o risco de acarretar uma hipoglicemia noturna (mais ou menos desconhecida) seguida de uma hiperglicemia ligada ao fim da ação da insulina lenta. A outra situação na qual pudemos observar uma hipoglicemia noturna não sentida com uma subida glicêmica importante ao acordar é aquela onde a relação insulina ordinária / insulina intermediária é muito desequilibrada em favor da insulina ordinária : isto se explica pelo fato que a maioria dos pacientes têm tendência a utilizar o instrumento “insulina ordinária” seja para corrigir uma hiperglicemia pré-prandial da noite importante demais, e/ou para corrigir uma hiperglicemia pós-prandial da noite no lugar de aguardar tempo suficiente entre a injeção e a refeição. Levando-se em conta a cinética de ação da insulina ordinária, o efeito máximo é obtido entre meia-noite, 2 e 3 horas da manhã, e pode prolongar-se até 4 horas da manhã, sobretudo quando a injeção é feita na coxa. O decréscimo glicêmico importante do meio da noite ligado à superdosagem de insulina ordinária vai favorecer a chegada de hipoglicemias noturnas, mantidas pela entrada em ação da insulina lenta em quantidade adequada : a glicemia ao despertar é então normal ou baixa. Se a quantidade de insulina lenta da noite é, entretanto, fraca demais, assiste-se então a uma subida glicêmica de final de noite. O problema é que no caso da hipoglicemia noturna, os pacientes, como já se ensinou, têm tendência a diminuir sua dose de insulina lenta agravando ainda o dese- Diabetes & Metabolism O perfil ideal 1g 1a A hiperglicemia permanente 1g Quantidade de insulina insuficiente (rápida ou lenta) 1b A hiperglicemia em fim de noite 1g Insulina lenta curta demais 1c Hipoglicemia com correção excessiva 1g Excesso de insulina rápida Glicídios+++ 1d Hipoglicemia não sentida / Hiperglicemia 1g Inadequação rápida / lenta e / ou insulina lenta curta demais 19 21 22h30 24 2 1e 4 6 8 FIG. 3. Os diferentes tipos esquemáticos de perfis glicêmicos noturnos observados no hospital de noite e suas causas. quilíbrio. Nessas condições, isto é, em caso de hipoglicemia entre 2 e 4 horas da manhã, propomos a nossos pacientes diminuir sua dose de insulina rápida da noite e de manter ou aumentar a dose de insulina intermediária. Isto permite alongar a duração de ação desta última [20]. Nos parece que com um prazo suficiente entre a injeção e a refeição (30 minutos até 45 ou 60 minutos) a dose de insulina necessária para corrigir o primeiro terço da noite possa ser limitada de 4 a 6 unidades, evitando os decréscimos glicêmicos importantes demais no meio da noite e as hipoglicemias noturnas. A dose de insulina rápida deve ser limitada de maneira a obter uma relação insulina rápida / insulina lenta, tal qual a relação das doses Insulina rápida / Insulina lenta ≤ 20 % Na prática, nossa estratégia de busca do equilíbrio glicêmico noturno é por ordem cronológica a seguinte (Fig. 4) : Vol. 01, 1997 NOITE DO DIABÉTICO INSULINO-DEPENDENTE 101 Para evitar as hipoglicemias noturnas, nós aconselhamos: 1 - Privilegiar a insulina intermediária em relação a insulina rápida na injeção da noite; isto permite aumentar a duração de ação da insulina intermediária noturna. Este fenômeno é pouco conhecido : a duração da ação de uma insulina aumenta quando se aumenta a dose [20] ; 2 - Praticar uma auto-monitorização glicêmica regular na noite, notadamente a glicemia da noite a completar-se regularmente por um perfil noturno para verificar que as jornadas glicêmicas correspondem bem aos objetivos desejados ; 3 - Praticar regularmente uma glicemia de meio de noite ao menos uma vez a cada 15 dias, senão uma vez por semana para despistar eventual hipoglicemia noturna que necessitaria reajustar a quantidade e a repartição dos glicídios. Se apesar disto a hiperglicemia do despertar continuar, podese então recorrer à injeção de insulina intermediária por volta das 22h, sabendo que quase sempre isto conduz a aumentar de maneira importante as doses de insulina rápida do jantar e favorece as hipoglicemias noturnas (a injeção de NPH ao deitar é muito mais adaptada no mundo anglo-saxão onde o jantar acontece entre 17 e 18h, do que no estilo de vida mais mediterrâneo da França). Estes conselhos devem ser realizados de maneira progressiva modificando cada um dos parâmetros para individualizar seu respectivo efeito, esperando-se alguns dias entre cada modificação. Esta maneira de proceder permite fazer da noite um verdadeiro “instrumento educativo” suficientemente puro, que pode, em seguida, ser aplicado ao dia, situação mais complexa onde se misturam stress, atividade física, refeições que se encai- 1 - Impedir a hiperglicemia pré-prandial no lugar de corrigí-la com a insulina rápida, isto ajustando as doses de insulina lenta da manhã e/ou da insulina rápida do meio-dia, e/ ou esperando por um maior tempo entre a injeção e a refeição para que a hiperglicemia se corrija; 2 - Procurar uma jornada glicêmica de aproximadamente 0,60 g/l entre a glicemia pré-prandial e a glicemia pós-prandial, isto observando um prazo otimizado entre a injeção e a refeição (ao menos 30 minutos se a glicemia pré-prandial é correta, aumentando este prazo se a situação se repete para obter uma glicemia pós-prandial correta); 3 - Limitar a pequenas doses a insulina rápida da noite ao máximo 6U, para evitar as hipoglicemias tardias até 3 a 4 horas da manhã. É necessário evitar, em particular, fazer acréscimo de insulina rápida quando a glicemia pré-prandial está elevada e neste caso aumentar antes de tudo o prazo, de maneira a evitar um decréscimo glicêmico pós-prandial brutal (ela deve ser menor ou igual a 0,40 g/l se a glicemia da noite é feita às 22h, menor ou igual a 0,60 g/l se a glicemia da noite é feita por volta de 23h30); 4 - Se pequenas doses de insulina rápida e um prazo correto entre a injeção e a refeição não são suficientes para controlar a glicemia pós-prandial, pensar a fazer as injeções no ventre para obter uma reabsorção mais rápida; 5 - se o conjunto dessas medidas não é suficiente para corrigir a hiperglicemia pós-prandial, pode-se recomendar a redução da quantidade de glicídios do jantar, eventualmente repondo uma parte dos glicídios através de um lanche ao deitar em função da glicemia da noite e do perfil glicêmico habitual. G 19h G19h ³ 2 g/l G19h = 1 - 1,50 g/l ●Tomar a injeção observando o prazo habitual ●Refeição ●Corrigir a hiperglicemia com um prazo de 15 a 30 min ●Se a hiperglicemia se repete todos os dias, aumentar a dose de insulina de manhã ou do meio dia ●Refeição GPP ± GC GC < 1,50 g/l ●Lanche (20g de glicídios) ●Verificar glicemia (2 - 4 h da manhã) ●Aumentar aporte de glicídios e / ou ●Diminuir a dose de insulina rápida nos dias seguintes GC > 1,50 g/l Análise delta da glicemia GPP/GN nos dias precedentes < 0,50 g/l ●Não lanchar ●Controle da glicemia 2 - 4h, duas vezes / mês > 0,50 g/l ●Lanche ●Diminuir a dose de insulina rápida noturna de 2 em 2 U ●Aumentar o prazo habitual se GPP elevada ●Controlar a glicemia de 2 - 4h e o delta GPP/GC até obtenção de um delta satisfatório FIG. 4. Prevenção das hipoglicemias noturnas : árvore deliberativa permitindo estabelecer as relações entre a auto-vigilância glicêmica e a adaptação das doses de insulina e da alimentação (G 19h = glicemia de 19h, GPP = glicemia pós-prandial, GN = glicemia da noite) 102 D. Bennis xam. Enfim, a realização de um perfil noturno na hospitalização da noite nas condições quase ambulatórias completa a vigilância verificando que a cinética das glicemias noturnas está bem dentro do objetivo desejado, a saber conservar um perfil noturno harmonioso e não decair sob uma glicemia de 0,80 g/l para limitar ao máximo a chegada de hipoglicemias não sentidas. Nesta ótica, pode-se perguntar se a realização de uma estrutura do tipo hospitalar de noite não se impõe em toda unidade ou serviço de diabetologia [13]. BIBLIOGRAFIA 1 Santiago JV. Lessons from the Diabetes Control and Complications Trial. Diabetes, 1993, 42, 1549-1554. 2 The DCCT Research Group. 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Medicamentos dispendiosos, num segmento caracterizado por forte concorrência e portanto objeto de promoção agressiva, os agentes antihipertensivos modernos uniram-se em seus esforços para colocar em evidência os efeitos potencialmente deletérios dos antihipertensivos clássicos que são os diuréticos e os ß-bloqueadores, particularmente no tratamento dos diabéticos. Entretanto, esses medicamentos mantém uma posição inconteste no tratamento da HA junto aos diabéticos, e não devem ser considerados como ultrapassados. Para maior clareza dessa nota de medicina prática, as indicações para diuréticos e ß-bloqueadores serão revisitadas sucessivamente para o diabete mellitus insulino-dependente (DMID) e diabete mellitus não insulino-dependente (DMNID). ■ DMID Uma elevação da pressão arterial é observável apenas após o aparecimento de microalbuminúria, o primeiro sinal funcional da nefropatia diabética [3]. No estágio inicial da nefropatia, definido por uma excreção urinária de albumina entre 30 e 300 mg/24 h, (20 - 200 ✍ : Ph. Passa, Service de Diabétologie, Hôpital Saint-Louis, 75010 Paris mg/l), constatada em duas amostras, na ausência de infecção urinária, a pressão arterial pode ser normal e inferior a 140/90 mmHg, ou levemente elevada. Qualquer que seja o nível da pressão arterial, é legítimo desenvolver um tratamento através de um IECA em monoterapia que reduz a excreção urinária de albumina e os números da pressão arterial para valores dentro do estritamente normal [4]. No estado de nefropatia clínica (albuminúria superior a 300 mg / 24 h), com funções renais normais, uma HA leve a moderada é quase que uma constante. Os IECAs permitem, em monoterapia, reduzir a albuminúria e normalizar a pressão arterial. Quando a pressão arterial se mantém superior a 140/90 mmHg, é necessário associar ao IECA um segundo agente antihipertensivo. Freqüentemente a escolha recai sobre um antagonista de cálcio. É mais proveitoso recorrer a pequenas doses de diurético, furosemida 20 mg ou hidroclorotiazida 6,25 - 12,5 mg por dia, pois o diurético potencializa a atividade antihipertensiva dos IECA. O recurso de lançar mão de um diurético é particularmente indicado para os diabéticos, que tem uma dieta rica em sódio, o que permite reduzir a sobrecarga do sistema renina-angiotensina-aldosterona e reduzir a atividade antihipertensiva do IECA. Nos pacientes com nefropatia clínica e insuficiência renal, o tratamento antihipertensivo é o único meio de diminuir o rítmo da progressão da deterioração da filtragem glomerular, e de postergar o estado de insuficiência renal terminal. Lembremo-nos que foram os trabalhos de Morgensen de um lado e de Parving de outro, que nos permitiram estabelecer este fato de importância capital. Esses autores utilizaram-se de um ß-bloqueador cardio seletivo, o metoprolol e um diurético, o furosemida [5,6]. Os trabalhos mais recentes de Bjorck et al.[7], Lewis et a.l [8] mostraram que o enalapril de um lado e o captopril de outro, associados a 104 Ph.Passa Diabetes & Metabolism um tratamento antihipertensivo clássico, preservam a função renal. No estado avançado de nefropatia diabética, a HA é uma constante, e habitualmente severa. A estrita normalização da pressão arterial é difícil de se obter, e necessita sempre uma “biterapia” ou mesmo de uma “triterapia”. Em associação com um IECA cuja posologia deve ser reduzida e adaptada em função do nível da função renal, deve-se usar um diurético de alça uma vez que é quase uma constante nesses pacientes a hipervolemia e retenção hidrosalina [9]. Os diuréticos de alça são os únicos que conservam sua eficácia em caso de insuficiência renal, enquanto que os diuréticos “poupadores” de potássio são formalmente contra-indicados em razão do risco de hipercalemia [10]. Se a pressão arterial se mantém elevada mesmo sob tratamento de um IECA associado a um diurético de alça deve-se recorrer a um terceiro agente antihipertensivo. Os ß-bloqueadores cárdio seletivos, em dosagem moderada, são, para esses pacientes, uma excelente indicação. Seus efeitos deletérios sobre o metabolismo glicídico ou lipídico são marginais nesse estado do diabetes. Deve-se, entretanto, sublinhar que os ß-bloqueadores, mesmo os cardioseletivos, modificam ou suprimem os sintomas cardiovasculares (taquicardia, palpitações), prognosticadores da hipoglicemia, devendo-se portanto prevenir o paciente quanto a esse fato. Uma justificativa suplementar à prescrição dos ß-bloqueadores ao paciente com nefropatia e insuficiência renal é devido ao fato de que freqüentemente, esses pacientes são portadores de doença coronariana sintomática ou assintomática. Os ß-bloqueadores já demonstraram sua eficácia na prevenção secundária para redução da mortalidade cárdio vascular [11, 12], um problema no DMID com insuficiência renal. do sal alimentar e um diurético em doses moderadas é uma prescrição que apresenta resultados remarcavelmente eficazes. Nos DMID com insuficiência renal terminal, sessões de diálise duas ou três vezes por semana, permitem corrigir a hipervolemia e controlar corretamente a pressão arterial. Quando esse não é o caso, os ß-bloqueadores em doses moderadas e os diuréticos de alça em doses elevadas são os agentes antihipertensivos de eleição. No paciente DMNID com disfunção renal, nefropatia em estágio inicial, com ou sem insuficiência renal, as indicações de diuréticos e ß-bloqueadores são as mesmas que para os DMID, apesar de dispormos de um número consideravelmente menor de estudos científicos corretos para nos guiar na escolha terapêutica. A prescrição de um ß bloqueador cardioseletivo é ainda a mais apropriada para o paciente DMNID albuminúrico, por tratar-se de paciente com alto risco de mortalidade coronariana. ■ DMNID A forma mais freqüente de HA é a hipertensão com predominância sistólica devido a uma doença vascular difusa, responsável por má complacência dos vasos grandes. Esse tipo de HA está associado a um aumento da mortalidade cardiovascular, e sua correção permite melhorar a expectativa de vida [13]. Os antagonistas do cálcio devem ser utilizados como primeira escolha. Eles são os mais eficazes, porém normalizar a pressão arterial é difícil nesse quadro. Habitualmente, associa-se um IECA, um vasodilatador e/ou um ß bloqueador cárdio seletivo. Não é raro observar pacientes tratados através de uma “quatriterapia” com pressão arterial superior a 160/90 mmHg. Estes pacientes, aparentemente resistentes a tratamento antihipertensivo, freqüentemente tem aportes de sódio consideráveis. Diminuição DMNID com hipertensão essencial - Os IECA e os antagonistas do cálcio utilizados separadamente ou em associação, dependendo do nível de pressão arterial, são de modo geral recomendados como terapia de primeira intenção, uma vez que são desprovidos de efeitos metabólicos indesejáveis. É no DMNID obeso que os diuréticos e os ß-bloqueadores devem ser utilizados com precaução, evitando-se posologias mais agressivas. Os ß-bloqueadores, sejam cardioseletivos ou não, podem reduzir a secreção de insulina e diminuir a tolerância glicídica. Podem estar associados a uma elevação do colesterolLDL, dos triglicérides e a uma redução do colesterol-HDL. Podem ainda, agravar uma arteriopatia periférica e/ou uma impotência pré-existente, condições não raras no DMNID hipertenso. Os diuréticos à base das tiazidas podem agravar a intolerância à glicose pela redução da secreção de insulina ou potencialização da resistência à insulina foram tidos responsáveis por comas hiperosmolares em idosos diabéticos. Eles acarretam um aumento do colesterol-LDL e dos triglicérides, e elevação da uricemia. Estes efeitos metabólicos deletérios são detectáveis apenas quando a posologia ultrapassa o equivalente a 25 mg de hidroclorotiazida [14] por dia; aparentam estar associados à uma hipocalcemia secundária e a perda de potássio pela urina. Os efeitos metabólicos indesejáveis aparentemente são bem menos severos quando se recorre a um diurético de alça ou a uma tiazida, com posologia equivalente a 6,25 ou 12,5 mg de hidroclorotiazida [15]. ■ CONCLUSÃO Apesar das vantagens dos IECAs e dos antagonistas do cálcio, os diuréticos e os ß-bloqueadores cardioseletivos, em doses moderadas, conservam-se como indicações indiscutíveis no tratamento da HA associada ao DMNID ou ao DMID. Os efeitos metabólicos deletérios desses medicamentos, cruciais para o hipertenso, obeso, intolerante à glicose foram por demasiado estigmatizados junto aos diabéticos, fato que por si só é lamentável. Não devemos nos esquecer que os grandes ensaios terapêuticos, que demostraram que o tratamento antihipertensivo está associado à uma redução da mortalidade cárdio vascular, utilizaram diuréticos e ß-bloqueadores, e que até Vol. 02, 1997 o presente não dispomos da mesma evidência clínica com os IECAs ou antagonistas do cálcio. Numa época em que a redução dos custos da saúde é um imperativo, deve-se sublinhar igualmente, que o custo do tratamento diário com um diurético é da ordem de FF 0,30; FF 1,00 com um ßbloqueador; FF 3,00 com um antagonista do cálcio e FF 5,00 com IECA (R$ 1,00 = FF 6,20). De 1980 a 1993, as vendas em farmácia (na França) de agentes antihipertensivos prescritos a diabéticos passaram, em francos constantes (ajustado para levar em conta a inflação no período) de 110 MF a 980 MF (R$ 17,70 a R$ 158,00), ou seja um crescimento de 791%. Este crescimento está associado ao aumento no número de diabéticos hipertensos sob tratamento, o que é excelente, mas também, e sobretudo devido à explosão de vendas dos antihipertensivos modernos cuja prescrição para o paciente diabético não encontra justificativa sempre [16]. Contrariamente à crença, os IECAs e os antagonistas do cálcio não possuem um poder antihipertensivo maior do que o dos diuréticos e ß-bloqueadores. Variável de um paciente a outro, a redução da pressão arterial média PAM = ( PAD + 1/3 x ( [PAS - PAD] ) é na média de cerca de 10 a 12 mmHg para essas quatro classes de agentes anti-hipertensivos. BIBLIOGRAFIA 1 Mogensen CE, Keane WF, Bennet Ph et al. 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Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 106-112 Consenso da ALFEDIAM A HIPOGLICEMIA DO PACIENTE DIABÉTICO A. Grimaldi (Coordenador), G. Slama, N. Tubiana-Rufi, A. Heurtier, J.L. Selam, A. Scheen, C. Sachon, B. Vialettes, J.J. Robert, L. Perlemuter * O risco hipoglicêmico é inerente às terapias que visam aumentar a insulinemia, seja da DMID, seja do tratamento do DMNID, pelas sulfoniluréias hipoglicemiantes. Contudo, o risco hipoglicêmico depende primeiro e antes de tudo da estabilidade glicêmica condicionada pela existência de uma secreção insulínica residual. Assim, a chegada de hipoglicemias repetidas é inevitável no curso do DMID, ao menos quando o objetivo terapêutico é a prevenção da microangiopatia graças a uma insulinoterapia otimizada. Ao contrário, o tratamento por sulfoniluréias, ou mesmo por insulina, de um DMNID não deve conduzir a hipoglicemias repetidas se as modalidades do tratamento foram bem definidas e se o paciente foi corretamente educado. De fato, a prescrição de medicamentos hipolgicemiantes supõe: de um lado uma avaliação do risco hipoglicêmico, função não somente da estabilidade do diabetes e dos objetivos de equilíbrio glicêmico, mas também da idade do paciente, de seu trabalho e de seu modo de vida, da existência eventual de uma insuficiência renal ou de uma patologia cárdio-vascular. ■ A HIPOGLICEMIA DO DMID Equilíbrio glicêmico e risco hipoglicêmico. Correlação com a HBAlc [1, 2] - No diabético insulino privado (peptida C negativo) o risco hipoglicêmico aumenta paralelamente ao equilíbrio do DMID. Dito de outra forma, quanto mais baixa for a HBAlc, maior o risco hipoglicêmico. A busca da estrita normoglicemia no diabético insulino privado não nos parece realista a não ser no caso de situações particulares tais como a gravidez. Um objetivo sensato para a prevenção da microangiopatia parece ser uma glicemia média em torno de 1,50 g/l cor- ✍ : A. Grimaldi, Service de Diabétologie et métabolisme, Hôpital Pitié-Salpétrière, 47-83 boulevard de l’hôpital, 75651 Paris cedex 13, France. Reçu le 27 septembre 1996. respondente a uma HBAlc em torno de 7 % (normal 4 a 6 %), ao preço de um risco estatístico de 2 a 3 hipoglicemias moderadas diurnas por semana, às quais é necessário acrescentar um risco de hipoglicemias noturnas frequentes mas, quase sempre (em 80 a 90 % dos casos), assintomáticas. Este equilíbrio glicêmico se acompanha globalmente de um risco de hipoglicemia que necessita do recurso a uma terceira pessoa (hipoglicemia severa) estimada em torno de 0,3/ano/paciente e de um risco de coma hipoglicêmico ou de crise convulsiva provocada pela hipoglicemia estimada em torno de 0,1/ano/paciente. Este risco é na realidade desigualmente repartido entre os diabéticos e deve portanto ser avaliado para cada paciente. Risco de seqüelas [3] - uma hipoglicemia profunda (< 0,20 g/l), que sobrevém num adulto jovem, não deixa habitualmente nenhuma seqüela cerebral se sua duração é inferior a 2 horas. Por outro lado, o risco de seqüelas cerebrais aumenta se a hipoglicemia é acompanhada por uma isquemia cerebral ou por um estado convulsivo. É uma das razões pelas quais as hipoglicemias severas devem ser evitadas após a idade de 70 anos, restando revisar os objetivos de equilíbrio glicêmico aceitando uma HbAlc mais elevada. Da mesma forma a hipoglicemia severa pode ser responsável por acidentes cárdiovasculares no hipertenso ou no coronário ou de hemorragia retino-vítrea em caso de neovascularização ainda não tratada por laser. As hipoglicemias severas podem igualmente provocar numa criança, seqüelas cerebrais responsáveis pela alteração do desenvolvimento psicomotor que pode ser a epilepsia. Mortalidade [4] - Em compensação, o risco de mortalidade secundária a uma hipoglicemia parece pequeno, inferior a 1% sobre um período de 40 anos de tratamento in- * Texto realizado pelo comitê dos peritos acima mencionados e válido pelos membros dos conselhos de administração e científica da ALFEDIAM. Vol. 01, 1997 sulínico. Todavia, vários estudos recentes insistem no aumento da freqüênciade de mortes inexplicáveis durante o sono em DMID de menos de 40 anos na ausência de patologia cárdio-vascular conhecida ou de tentativa de suicídio reconhecível. Se a responsabilidade da hipoglicemia foi suspeitada, isto não seria mais que um fator motivador que até o presente não foi positivamente estabelecido. Alterações das funções congnitivas [5-10] - O risco cumulativo, a longo prazo, das hipoglicemias sobre as funções cognitivas, isto é, o risco de uma encefalopatia hipoglicêmica infra-clínica, permanece puramente especulativo. As alterações encontradas nos pacientes objetos de hipoglicemias severas são mínimas e de difícil interpretação. Em compensação, as hipoglicemias repetidas, mesmo não severas, atingindo crianças novas, poderão repercurtir sobre o desenvolvimento de suas funções superiores. Esta é uma das razões pela qual o cuidado das crianças diabética deve ser confiado a pediatras diabetólogos experientes. Risco traumático [11] - De fato, o principal risco da hipoglicemia no DMID adulto jovem é traumático, seja de quedas, provocadas pela ataxia cerebelosa hipoglicêmica, ou por acidentes nas vias públicas, secundários às pertubações visuais ou às alterações das funções cognitivas (diminuição da vigilância e atraso de reação) provocadas pela neuroglicopenia. Em todos os casos, importa avaliar o risco hipoglicêmico de cada paciente para definir o melhor ajuste individual entre o risco, a longo prazo, da hiperglicemia, e o risco a curto prazo da hipoglicemia. Trata-se, portanto, de um risco assumido. Quais são os fatores de risco e quais são os DMID em alto risco de hipoglicemia? Inadequação entre doses de insulinas, aporte glicídico, e atividade física - Entre os erros mais freqüentes de pacientes com hipoglicemias severas, encontra-se o atraso ou a insuficiência dos aportes glicídicos alimentares, a falta de adaptação ao tratamento antes e depois de uma atividade física não habitual, a não modificação das doses de insulina, apesar da repetição de indisposições hipoglicêmicas à mesma hora, a ausência da normalização glicêmica imediata a despeito de uma percepção de sintomas de alerta. Mas em 15 a 35 % dos casos, não se acha nenhuma dessas causas como origem de uma hipoglicemia severa. Hipoglicemia e instabilidade glicêmica - O risco de hipoglicemia severa aumenta em caso de instabilidade glicêmica marcada por flutuações glicêmicas importantes (> 2g/l) inexplicadas por aportes alimentares e que chegam de maneira imprevisível no decorrer do mesmo dia e de um dia para outro. As variações glicêmicas noturnas de grande extensão com antecedentes de hipoglicemias severas são encontradas em particular: • nos pacientes que têm uma pancreatite calcificante A HIPOGLICEMIA DO PACIENTE DIABÉTICO 107 crônica que associa ao déficit insulino-secretório um defeito de secreção do glucagon; e que se alimentam frequentemente de maneira irregular; • nos pacientes com insuficiência renal avançada; • nos pacientes que têm uma neuropatia vegetativa digestiva, em particular, uma gastroparisia, explicando a ocorrência de hipoglicemias pós prandiais repetidas; • nas pessoas magras que têm uma grande labilidade emotiva e que apresentam quase sempre uma sensibilidade aumentada simultaneamente com a insulina e com as catecolaminas; • nas pessoas que têm perturbações psiquiátricas responsáveis por manipulação mais ou menos consciente do tratamento; • nas crianças com menos de 8 anos e sobretudo antes dos 4 anos. Déficit da contra-regulação hormonal - O risco hipoglicêmico é elevado nos pacientes DMID que têm um déficit da contra-regulação hormonal (além da ausência de resposta do glucagon à hipoglicemia que aparece rapidamente nos DMID peptide C negativo); insuficiência hipofisária ou insuficiência suprarenal, associadas algumas vezes ao diabetes no quadro de poli-endocrinopatias auto-imunes, a buscar, em caso de hipoglicemias severas inexplicadas, associação a um aumento da sensibilidade à insulina. Intoxicação alcoólica [12] - A intoxicação alcoólica aguda eleva de maneira importante o risco de hipoglicemia severa, de traumatismo secundário e de coma com sequela cerebral. Efetivamente, a intoxicação alcoólica é responsável por um bloqueio da neoglicogênese e por uma toxicidade cerebral própria. O risco é tanto maior que esta alcoolização aguda pode ser acompanhada por uma diminuição de aportes glicídicos e por uma atividade física importante. A intoxicação alcoólica crônica com dano hepato-celular e desnutrição favorece igualmente a chegada de hipoglicemias de jejum. ß-bloqueadores e hipoglicemia - A tomada de ß-bloqueadores foi acusada de mascarar os sintomas de alerta da hipoglicemia e de atrasar o retorno à euglicemia. De fato, os ß-bloqueadores só suprimem as palpitações (que aliás desaparecem espontaneamente quase sempre após alguns anos de diabetes). Sozinhos, os ß-bloqueadores não cárdio-seletivos diminuem a glicogenólise e a neoglicogênese hepáticas. Em compensação, os ß-bloqueadores impedem o aumento do gasto cardíaco provocado normalmente pela hipoglicemia. Logo, esta argumentação participa na salvaguarda do débito glicóico cerebral... O tratamento ß-bloqueador pode, portanto, agravar a neuroglicopenia. Além disso, o bloqueio do efeito ß-adrenérgico desmascara o efeito alfa-adrenérgico e a estimulação parasimpática, responsáveis por um impulso hipertensivo e por uma bradicardia. Se é, portanto, possível, e às vezes necessário, prescrever ß-bloqueadores cárdio-seletivos aos DMID hipertensos ou coronários, sua utilização deve ser prudente nos pacientes que apresentam repetidas hipoglicemias severas. 108 A. Grimaldi Aplicação sub-cutânea de insulina por bomba [13,14] - Os tratamentos por aplicação sub-cutânea contínua de insulina por bomba portátil foram inicialmente suspeitos de aumentar o risco de hipoglicemia grave. De fato, vários estudos prospectivos, dentre os quais o DCCT, mostravam que ao equilíbrio glicêmico igual, o tratamento por bomba não provoca mais hipoglicemias severas. Pelo contrário, o tratamento por bomba de pacientes que têm um diabetes instável, responsável por repetidas hipoglicemias severas, seria acompanhado por uma redução importante de comas hipoglicêmicas, incluindo-se o jovem. Insulina humana [15] - A insulina humana foi suspeita de conduzir uma diminuição dos sintomas de alerta neurovegetativos e um enfraquecimento da contra-regulação hormonal. Esta suspeita parece ilegítima e seria de fato para aproximar as modificações sintomáticas da hipoglicemia secundárias à intensificação da insulinoterapia. A não percepção dos sintomas de alerta da hipoglicemia A falta de percepção da hipoglicemia [16-19] - O principal fator de risco de repetidas hipoglicemias graves, excluindo os erros ou desajustes psicológicos, é a falta ou a inconstância dos sintomas de alerta neurovegetativos, chegando perto de 40 % dos DMID. De fato, quase 20 % dos pacientes mantêm um sintoma de alerta neuroglicopênico (perturbações visuais, formigamento das extremidades, sensação de esquisitice, retardamento intelectual, perturbações do humor, perturbações da linguagem...) que conduz ao auto-açucaramento. Em compensação, 20 % não percebem mais estes sintomas de alerta ou são incapazes de os analisar ou mesmo de realizar o reaçucaramento e são, portanto, ameaças de hipoglicemias severas repetidas. Esta perda de percepção da hipoglicemia não é essencialmente secundária à neuropatia vegetativa, embora ela seja freqüente nos diabéticos idosos e quando o diabetes é velha. Ela parece principalmente induzida pela repetição das próprias hipoglicemias, conduzindo uma baixa da entrada glicêmica de resposta adrenérgica. Importa, porém, distinguir duas situações: • De um lado a baixa global e paralela das entradas glicêmicas de secreção de adrenalina, de percepção dos sintomas neuro-vegetativos, e de aparição dos sintomas neuroglicopênicos. Os sintomas neuro-vegetativos guardam seu valor de alerta mas sobrevém para as glicemias mais baixas; • De outro lado, uma perda seletiva da resposta neurovegetativa ainda que a entrada de neuroglicopenia permaneça normal ou mesmo se eleve com aparição de perturbações das funções cognitivas, ou até mesmo, perturbações eletroencefalográficas, para os valores glicêmicos mais altos que os valores de entrada habituais. Os sintomas neurovegetativos retardados perdem, daí em diante, seu valor de alerta. As hipoglicemias noturnas desconhecidas [20-23] - As hipoglicemias noturnas desconhecidas podem ser responsá- Diabetes & Metabolism veis por manifestações de neuroglicopenia persistente após o despertar, mesmo que a glicemia tenha retornado ao normal (perturbações de humor, perda de concentração intelectual e da atenção, diminuição da memória, cefaléias ou até mesmo astenia). Entretanto, quase sempre as hipoglicemias são assintomáticas. Elas podem provocar uma insensibilidade à hipoglicemia com baixa da entrada de percepção da hipoglicemia abaixo de 0,40 g/l e isto, acontece, logicamente, durante o dia. Elas podem igualmente explicar um conflito entre uma taxa de HbAlc satisfatória e um registro de auto-vigilância colocando em evidência hipoglicemias diurnas. As hipoglicemias noturnas são particularmente freqüentes quando as doses de insulina cotidianas ultrapassam 0,85 U/kg na criança, 1,2 U/kg no adolescente ou 0,75 U/kg no adulto. Elas devem ser sistematicamente procuradas pela medida da glicemia capilar noturna do diabético. Em compensação, a importância do efeito Somogyi, com salto hiperglicêmico ao acordar, seguido de uma hipoglicemia noturna assintomática, é hoje relativizada à medida em que a baixa da insulinemia, no fim da noite, aparece como a causa determinante da hipoglicemia do despertar. É, pelo contrário, a normoglicemia ao despertar que é, quase sempre, estatisticamente associada à hipoglicemia noturna. Entretanto, a hipoglicemia noturna pode ser responsável por uma resistência à insulina prolongada de 12 a 24 horas, elevando notavelmente o pico glicêmico após o café da manhã. Conseqüências práticas Com a busca de um perfeito equilíbrio glicêmico temese a chegada do seguinte círculo vicioso: o aumento da freqüência das hipoglicemias moderadas leva a uma falta de percepção da hipoglicemia, esta falta de percepção é responsável por hipoglicemias severas mais frequentes, a repetição das hipoglicemias provoca perturbações das funções cognitivas conduzindo as hipoglicemias cada vez mais severas... A busca de um bom equilíbrio glicêmico, necessário para evitar a longo prazo as complicações degenerativas do diabetes, deve, portanto, ser acompanhada imperativamente de uma estratégia de prevenção das hipoglicemias severas graças às seguintes medidas: Individualizar o objetivo glicêmico [24] - Na maioria dos casos, a prevenção das complicações severas do diabetes pode ser obtida por uma HbAlc compreendida entre 6,5 e 7,5 %. Nas crianças menores de 7 anos e nas pessoas maiores de 70 anos, o objetivo deve ser individualizado, levando em conta a relação benefício/risco. Nas pessoas que apresentam acidentes hipoglicêmicos severos repetidos, convêm rever o objetivo glicêmico e aceitar as HbAlc mais elevadas, às vezes, de maneira transitória durante algumas semanas. De fato, estudos recentes mostraram que os períodos nos quais se evitam por muitas semanas a hipoglicemia, permitem restaurar a percepção dos sintomas de alerta neuro-vegetativos da hipoglicemia, pelo menos parcialmente, e quando o diabetes tem menos de 15 anos. Vol. 01, 1997 A HIPOGLICEMIA DO PACIENTE DIABÉTICO 109 Educar o paciente e seus cuidados - Convém insistir sobre a educação do paciente em face do risco hipoglicêmico e sobre a verificação, no momento das consultas, da adequação de seus comportamentos: as prováveis reabsorções. Para limitar a variação de reabsorção, aconselha-se ainda hoje, escolher o mesmo território (braços, coxas, barriga, nádegas) para uma injeção de horário fixo; • rever com o paciente seus sintomas da hipoglicemia, mesmo os mínimos, e propor-lhe treinar-se a adivinhar sua taxa de glicemia comparando o valor suposto à “glicemia real” medida [25]; • Propor, se necessário lanches na meio da manhã e no meio da tarde, para evitar a chegada de hipoglicemias de fim de manhã e/ou de fim de tarde. Todavia, estes lanches são facultativos, dependendo da avaliação do risco hipoglicêmico (Tabela 1); • assegurar-se que o paciente tenha consigo permanentemente uma carteira de diabético, precisando seu tratamento e lembrando a conduta correta em caso de uma hipoglicemia. Ele deve, igualmente, carregar permanentemente consigo (em seu bolso) o equivalente a 15 gramas de glicídios de fácil ingestão (Quadro I); • Controlar a técnica de preenchimento da seringa e da injeção (ou da utilização das canetas de insulina). Convém lembrar aqui a diferença de concentração de insulina em cartucho (100 unidades/ml) para uso exclusivo de canetas, e de insulina em frasco (40 unidades/ml) para as seringas, insistindo sobre os riscos inerentes à disponibilidade no mercado destas duas dosagens diferentes. Aliás, convém prescrever agulhas curtas (mas não muito curtas) ou aconselhar ao doente de contrair a pele no momento da injeção, para as pessoas magras, que têm uma panícula adiposa subcutânea reduzida, para evitar que a injeção de insulina não seja feita em intra-muscular [26]. Os pontos das injeções devem ser trocados de maneira a evitar o aparecimento de lipohipertrofias. Em caso de lipohipertrofias, convém não injetar mais insulina nas respectivas zonas, afim de evitar TABELA 1 - Lanches obtendo 15 gramas de glicídios. Para uma normalização glicêmica = efeito hiperglicêmico rápido (forma líquida) • 3 envelopes de açúcar; • uma pequena garrafa de suco de fruta (= 12,5 cl); • 1/2 copo de soda (= 100 ml); • duas colheres de café rasas de geléia ou mel; Para uma prevenção da hipoglicemia = efeito hiperglicêmico lento (forma sólida + lipídios ou fibras) • 30 g de pão com um queijo; • 30 g de pão ou dois biscoitos com manteiga ou margarina; • uma fruta média; • 3 a 4 “bolos secos” ou bolachas; • 1/2 croissant; • 4 “quadrados”de chocolate; • 1 Mars® (ou equivalente) • 1 barra de cereais (do tipo Jump) • 2 frutas secas (ameixas, figos secos,...) Trata-se de recomendações válidas para os adultos. Para as crianças, aconselha-se normalmente 1g de açúcar para 20 kg de peso. • Aconselhar, em caso de atividade física programada prolongada, a diminuir a dose de insulina de injeção precedente de 25 a 50 %, a controlar de maneira repetida a glicemia capilar, a tomar lanches suplementares adaptados. Em caso de esforço não programado ou em caso de esforço breve intenso , controlar a glicemia e tomar lanches, privilegiando durante o esforço os açúcares de rápida absorção (água adoçada, suco de fruta,...). Em todo caso, o doente terá previnido a prolongação por 12 a 24 horas do efeito hipoglicemiante de um intenso esforço contínuo. Em consequência, o doente DMID diminuirá as doses de insulina lenta da noite, de 25 a 50% e/ou tomará um lanche suficiente ao se deitar, após um dia de atividade física intensa, para evitar a chegada da hipoglicemia noturna; • Lembrar que a maior parte dos esportes são autorizados aos DMID mediante o respeito às precauções recomendadas. Entretanto, o risco hipoglicêmico contra-indica esportes como escaladas ou mergulhos solitários, corrida de carro (mas não os “rallyes”) e pilotagem de avião. Da mesma forma, certos trabalhos são proibidos aos diabéticos insulinos-dependentes, em razão do risco hipoglicêmico: motoristas de ônibus, motoristas de caminhão, motoristas de táxi, pilotos de avião, militares, pedreiros,...; • Recomendar ao paciente DMID, nos momentos de seus trajetos de carro (sobretudo se eles são longos), controlar a glicemia capilar antes de pegar no volante. Aconselhar-lo a parar a cada duas horas para controlar sua glicemia capilar e tomar, se necessário, lanches. Insistir-se-á sobre a necessidade de ter açúcar disponível no carro e de parar imediatamente ao menor sintoma de mau-estar; • Rever com o paciente, graças à leitura do caderno de auto-vigilância glicêmica, a adequação de suas decisões terapêuticas para a prevenção ou para o tratamento de uma hipoglicemia. A constância do caderno de auto-vigilância permite igualmente contabilizar as hipoglicemias, marcar as horas e as condições da chegada; • Lembrar que a normalização glicêmica inicial no momento da hipoglicemia deve ser efetuada de improviso com 15 a 20 gramas de glicídios (1 g de açúcar para 20 kg na criança), o controle da glicemia capilar sendo realizado secundariamente logo após a primeira normalização glicêmica. Se este controle mostra uma glicemia inferior a 0,40 g/ l, uma segunda dose de reaçucaramento pode ser ingerida sem demora, mas a persistência de uma sensação de mau- 110 A. Grimaldi estar não deve levar o doente a continuar seu reaçucaramento sem controle da glicemia (após uma espera de aproximadamente 30 minutos). De fato, a absorção de quantidades mais importantes de glicídios, não conduz a um reaçucaramento mais rápido, mas somente uma hiperglicemia secundária mais importante. Por outro lado, a impressão de mau-estar pode permanecer durante muitas horas ainda que a glicemia tenha subido acima dos valores normais; • Organizar a formação da roda (de amigos) para o reconhecimento e o tratamento da hipoglicemia. A roda de amigos deve ser advertida dos sintomas de alerta da hipoglicemia (palidez súbita, suores, midríase, tremores, movimentos anormais, “esquisitice”, mudança abrupta do humor, diminuição do débito verbal, lentidão da imaginação, incoerências, ausências, confusão,...) da urgência do reaçucaramento, da frequência da negação da hipoglicemia nos diabéticos. Em caso da negação do mau-estar pelo próprio diabético, geralmente é inútil tentar convencê-lo de que está com mau-estar, é necessário, em compensação, tentar reaçucará-lo sem grosserias ou favorecer seu auto-reaçucaramento. É importante verificar que o paciente tenha em sua casa, em seu local de trabalho e de lazer ampolas de Glucagon® não vencidas e seringas, e que um membro de sua roda de amigos seja capaz de injetá-la, lembrando que, quando o doente voltar à consciência, é importante assegurar um aporte glicídico oral para evitar a reincidência da hipoglicemia. As equipes de cuidados devem, portanto, conhecer a manipulação do Glucagon ® e sua aplicação. O paciente terá igualmente em sua casa ampolas de soluto glicóico hipertônico a 30%, a ser injetado por meio intra-venoso por uma enfermeira ou por um médico, em caso de coma hipoglicêmico profundo. Diminuir o risco da hipoglicemia noturna [27] • Intensificando a auto-vigilância glicêmica quando as doses importantes de insulina (superiores a 0,85 U/kg na criança, 1,2 U/kg no adolescente, e a 0,75 U/kg no adulto) se fizerem necessárias; • Aconselhando freqüentemente uma limitação da porcentagem de insulina rápida injetada antes do jantar a menos de 30% da dose total da insulina injetada à noite; • Pedindo ao paciente controlar sistematicamente a glicemia ao deitar-se antes de tomar um lanche contendo glicídios lentos se ela está inferior a um valor inicial fixado individualmente (freqüentemente em torno de 1,40 g/l, mas podendo ir de 1,20 a 2 g/l); • Fixando como objetivo uma glicemia ao acordar, normalmente não, mas na ordem de 1,40 g/l, até 1,60 g/l, no momento de um tratamento por múltiplas injeções e na ordem de 1,20 g/l no momento de um tratamento por bomba; • Aconselhando ao paciente controlar, de maneira sistemática, a glicemia, por volta das 3 horas da manhã por exemplo, uma ou duas vezes por mês (o risco da glicemia inferior a 0,50 g/l é avaliado a 30% cada noite, 80 a 90% dessas hipoglicemias noturnas sendo assintomáticas). Hipoglicemias noturnas repetidas serão sistematicamente encontradas em caso de perda de percepção dos sintomas neu- Diabetes & Metabolism rovegetativos de alerta da hipoglicemia ou em caso de discordância entre uma HbAlc satisfatória e glicemias diurnas elevadas. Encontrar uma melhora da estabilidade glicêmica [28] A estabilidade glicêmica pode melhorar através de uma revisão do esquema de insulinoterapia, podendo necessitar do recurso a 3 ou até mesmo 4 injeções por dia, em particular o transporte da injeção de insulina lenta ao deitar-se, ou da prescrição de um tratamento por bomba de insulina. Advertir um terceiro - Para os diabéticos com risco de hipoglicemias severas, é importante verificar que um terceiro possa informar-se, cada manhã, do despertar do paciente. Esta precaução é indispensável em caso de infusão contínua de insulina por bomba portátil. A parada automática do débito da bomba pode, em certos modelos, ser programada. Qualquer que seja a pessoa é importante que ao menos alguém esteja informado do diabetes e do risco hipoglicêmico (em casa, no trabalho, até mesmo no hotel,...) e tenha os meios de intervir (acesso às chaves do apartamento). Combater a angústia obssessiva da hiperglicemia [29] Certos pacientes, que têm uma angústia obssessiva das complicações degenerativa e da hiperglicemia, multiplicam por si próprios as injeções suplementares de insulina rápida no decorrer do dia, procurando até mesmo, deliberadamente a chegada de hipoglicemias que lhes assegurem seu “bom equilíbrio metabólico”. Estes pacientes fazem freqüentemente hipoglicemias severas às quais eles subestimam consciente ou insconscientemente a gravidade. Às vezes, é essencial propor-lhes um encargo psicológico e obter uma limitação do número de auto-controles e de injeções cotidianas. Limitar o medo da hipoglicemia - Pelo contrário, certos pacientes diabéticos expressam um “medo” da hipoglicemia, e isto por várias razões: antecedente de hipoglicemia “dramática”, medo de uma perda de controle, angústia por uma perda de anonimato em público, medo da hipoglicemia noturna e de suas conseqüências (supostas) nos pacientes que vivem sozinhos, surgimento, causado pela hipoglicemia, de um autêntico “ataque de pânico” com impressão de morte iminente, acesso melancólico... Estes pacientes têm, portanto, tendência a fazer tudo para evitar as hipoglicemias e a reaçucarar-se exageradamente desde que sua glicemia atingida seja de 0,80 g/l, até 1,20 g/l. O risco de tal atitude é de sustentar uma hiperglicemia permanente com taxas de HbAlc superiores a 10%, carregando um risco maior da chegada de complicações degenerativas. É fundamental procurar melhorar o equilíbrio glicêmico destes pacientes, sempre tranqüilizando-lhes, em particular, graças à multiplicação dos auto-controles cotidianos, 4 a 6 vezes por dia, se necessário. Bem à parte, está o caso de pacientes temerosos das hipoglicemias por medo de um excesso ponderal secundário aos reaçucaramentos. Este medo é freqüentemente originário de uma sub insulinização deliberada e associa-se aos casos mais graves de desequilíbrio do comportamento alimentar necessitando de um encargo psico-nutricional. Vol. 01, 1997 ■ A HIPOGLICEMIA DOS DMNID TRATADOS POR SULFONILURÉIAS HIPOGLICEMIANTES Freqüência e gravidade [30-32] As hipoglicemias graves sob sulfoniluréias hipoglicemiantes são muito mais raras, com uma incidência anual de 2 casos para cada 10.000 pessoas. Em compensação, sua gravidade é extrema, em caso de coma hipoglicêmico, com 5 a 10 % de morte e 5 a 10 % de seqüelas cerebrais, segundo estudos realizados. Entretanto, as pequenas hipoglicemias distantes das refeições são freqüentes e quase sempre negligenciadas. Elas são testemunhas de uma superdosagem de medicamentos cuja correção é a melhor prevenção da chegada de hipoglicemias graves. A gravidade das hipoglicemias explica-se por diversas razões: O terreno de eleição - A pessoa com mais de 65 anos, o insuficiente renal e o paciente desnutrido constituem os sujeitos de risco. Ainda mais, as conseqüências neurológicas e cárdio-vasculares da hipoglicemia podem ser terríveis nos pacientes freqüentemente hipertensos e ateromatosos. A prolongação da hipoglicemia [33] - A prolongação da hipoglicemia em razão da duração da ação das sulfoniluréias hipoglicemiantes, em particular do carbutamida (Glucidoral®) e do clorpropamida (Diabinese®) que não devem ser prescritos em primeira opção. Convém lembrar que a duração da ação das sulfoniluréias hipoglicemiantes é distintamente superior a sua meia-vida plasmática. Sua duração de ação e a de seus metábolos hepáticos podem, por outro lado, ser prolongados em caso de insuficiência renal. Tal é o caso notadamente do glibenclamida (Daonil®, Euglucon®). A falta da percepção dos sintomas neuro-vegetativos de alerta - Os sintomas de alerta da hipoglicemia não são sempre percebidos pelo paciente idoso que mergulha progressivamente no coma. Prevenção A prevenção destas hipoglicemias severas provocadas pelas sulfoniluréias hipoglicemiantes a adesão a um certo número de regras: Avaliar a indicação - Avaliar bem a indicação do medicamento comparando o benefício e o risco incorrido. Em particular, na pessoa acima dos 75 anos ou mais, que não têm retinopatia diabética, pode-se aceitar glicemias em jejum de 2 g/l. Insuficiência renal severa - Renunciar à utilização das sulfoniluréias hipoglicêmiantes em caso de insuficiência renal com um clearance inferior a 50 ml/min. As duas sulfoniluréias hipoglicemiantes que podem ser utilizados em caso de insuficiência renal moderada são o Tolbutamida (Dolipol® - sulfoniluréia de 1ª geração) e a Glipizida (Glibene- A HIPOGLICEMIA DO PACIENTE DIABÉTICO 111 se® - sulfoniluréia de 2ª geração) que guardam uma semivida curta em caso de insuficiência renal. Em caso de insuficiência renal avançada, todos os sulfoniluréias são contra indicados. Se a dieta não é suficiente para obter um bom equilíbrio glicêmico, é necessário então, recorrer sistematicamente à insulinoterapia (cuja meia-vida é prolongada pela insuficiência renal com os riscos hipoglicêmicos acrescentados às pessoas desnutridas). Pessoas muito idosas - Nas pessoas muito idosas que perderam uma parte de sua autonomia e de sua capacidade de auto-vigilância, a tomada cotidiana de sulfoniluréias hipoglicemiantes, quase sempre associada à numerosos medicamentos, aparace particularmente perigosa. A insulinoterapia feita a domicílio por uma enfermeira após controle da glicemia capilar é preferível, e tem a vantagem da vigilância cotidiana. Associações medicamentosas [34] - Um certo número de associações medicamentosas potencializam a ação das sulfoniluréias hipoglicemiantes, em particular a associação com o “miconazol” (Daktarin®), o “cotrimoxazol” (Bactrim®), os “fibratos”, certos anti-inflamatórios não estéroides, o “dextropropoxifeno (Antalvic® e Diantalvic®)... e todos os medicamentos suscetíveis de conduzir uma insuficiência renal aguda que provoca um acúmulo do medicamento e de seus metabolitos ativos. Alguns casos de hipoglicemia moderada foram reportados quando da prescrição de inibidores da enzima de conversão (IEC). O mecanismo invocado - aumento da sensibilidade à insulina fica a examinar. Modalidades de prescrição - Convém começar o tratamento da DMNID através de prescrições dietéticas e através da atividade física regular. O tratamento hipoglicemiante não será empreendido secundariamente a não ser em caso de necessidade, começando por posologias fracas. Informação do doente - O doente deve ser informado do risco hipoglicêmico. Ele deve ter consigo o dobro da receita prescrita para mostrar a todo médico que prescreve novos medicamentos afim de assegurar sua compatibilidade com a sulfoniluréia hipoglicemiante. Convém pedir ao doente não tomar seu comprimido de sulfoniluréia hipoglicemiante se lhe falta uma refeição, ou se ele tem uma atividade física importante, mesmo se esta medida é insuficiente em razão da duração da ação prolongada das sulfoniluréias hipoglicemiantes. Em caso de atividade física importante não habitual, o doente deve ter com ele glicídios de fácil absorção. Controle sistemático das glicemias pré-prandiais - Convém verificar sistematicamente a glicemia no final da tarde, por volta de 18:00 e 19:00 horas, isto é, no momento onde ela é mais baixa. Uma glicemia inferior a 1,20 g/l levaria a rever a posologia das sulfoniluréias hipoglicemiantes. Tratamento - O coma hipoglicêmico provocado pelas sulfoniluréias hipoglicemiantes deve ser tratado por injeções 112 A. Grimaldi intra-venosas de 2 a 3 ampolas de glicose hipertônica a 30 %, seguidas da colocação de uma perfusão de glicose a 5 ou 10 % prolongada durante pelo menos 24 horas, ao consumo adaptado em função dos controles da glicemia capilar realizadas de maneira aproximada no início de todas as horas, depois de forma mais espaçada. Em compensação, o recurso ao Glucagon® é desaconselhado em razão de seu efeito insulino-secretor que arrisca agravar a hipoglicemia já provocada pela hipersecreção da insulina. Aliás, no caso de associação ao acarbose que atrasa a digestão e a absorção dos dissacarídeos, é recomendado administrar, em caso de hipoglicemia severa, a glicose e não a sacarose. ■ CONCLUSÃO A prescrição de insulina ou de sulfoniluréias hipoglicemiantes permite um risco hipoglicêmico. Este risco aumenta paralelamente com a busca de um bom equilíbrio glicêmico indispensável para a prevenção das complicações degenerativas do diabetes. A tomada calculada do risco hipoglicêmico supõe, portanto : Diabetes & Metabolism • por um lado uma individualização dos objetivos glicêmicos e da terapêutica; • por outro lado uma educação prática do paciente e daqueles que o cercam. Uma diminuição do risco hipoglicêmico do DMID, poderá ocorrer notadamente com : • da colocação no mercado do glucagon administrado por via nasal; • do melhoramento da farmacocinética das insulinas rápidas e das insulinas lentas injetadas por via sub-cutânea; • da continuidade da busca de novas vias de administração da insulina, notadamente a via peritoneal (conforme trabalhos do EVADIAC); • da invenção de um eletrodo à glicose, permitindo uma medida contínua da glicemia e do disparo de um alarme em caso de hipoglicemia; • da busca dos mecanismos fisiopatológicos de “desensibilização” à hipoglicemia (não percepção dos sintomas de alerta) e dos eventuais meios farmacológicos de correção; • da busca das possíveis conseqüências das hipoglicemias severas repetidas nas funções cognitivas e sua prevenção. & Diabetes Metabolism Editorial Pierre Saï 114 Revisão Determinantes genéticos do diabetes tipo 2 : estratégias e resultados recentes : G Velho, Ph. Froguel 116 Artigos originais Efeitos da sobrecarga de triptofano no metabolismo dos aminoácidos em pacientes diabéticos tipo 1 : V. Fierabracci, M. Novelli, A. M. Ciccarone, P. Masiello, L. Benzi, R. Navalesi, E. Bergamini 128 Diabetes tipo 2 associado à maior prevalência de depressão nos idosos : L. Amato, G. Paolisso, F. Cacciatore, N. Ferrara, S. Canonico, F. Rengo, M. Varricchio 135 Nota Histór ica Histórica O 75º aniversário da descoberta da insulina : H. Lestradet 144 Consenso da ALFEDIAM As dislipidemias do paciente diabético : J. M. Brun, P. Drouin, F. Berthezene, B. Jacolot, D. Pometta 150 Rastreamento, acompanhamento e tratamento da retinopatia diabética : P. Massin, K. Angioi-Duprez, F. Bacin, B. Cathelineau, G. Cathelineau, G. Chaine, G. Coscas, J. Flament, J. Sahel, P. Tutut, P. J. Guilausseau, A. Gaudric 153 SETEMBRO AT L  N T I C A 1997 Vol.1 e d i t o r a 3 & Diabetes Metabolism REVISTA CLÍNICA E BIOLÓGICA ATLÂNTICA MULTIMÍDIA 16 rue de la Cerisaie 75004 Paris tel (33) (0) 1 4029 9254 fax (33) (0) 1 4277 4255 ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO Avenida Graça Aranha, 182/9°andar 20030-003 Rio de Janeiro RJ tel: (021) 533 32 00 fax: (021) 533 08 29 PUBLICIDADE Maurício Galvão Anderson R. Corgie Assad Abdalla 693 05622-010 São Paulo - SP tel: (011) 9993 6885 tel/fax: (011) 844 1885 Lei de Imprensa n° 14.370 Publicação mensal Assinatura anual: Médicos R$ 150 Instituições R$ 200 © Masson Editeur Paris, editado no Brasil por Atlântica Multimídia, 1997 Tiragem: 8.000 exemplares Diabetes & Metabolism é a publicação oficial da Associação de Língua Francesa para o Estudo do Diabetes e das Doenças Metabólicas (Alfediam) EDIÇÃO FRANCESA Pr esidente Presidente Prof. Gérard Cathelineau (França) ice-presidente Vice-pr esidente Prof. Philippe Vague Secretário etário geral Secr Prof. Jean-Marcel Brun Secretário Secr etário adjunto Dra. Claire Lévy-Marchal esoureir eiro Tesour eir o Dr. Jean-Pierre Sauvanet Diabetes & Metabolism, revista fundada em 1975 por Jean Canivet e Pierre Lefebvre, é publicada pela Editora Masson (Paris) Editor-chefe Editor -chefe Prof. Pierre Saï (França) Editores-chefe Editor es-chefe delegados André Scheen (Bélgica), Jean-Frédéric Blicklé (França) Editor executivo James Gray Clínica Médica André Grimaldi (França) Editores Editor es Roger Assan, Michel Beylot, Pierre Chatelain, (França), Jean-Louis Chiasson (Canadá), Paul Czernichow (França), Jean-Pierre Felber (Suíça), Henri Gin (França), Giuseppe Paolisso (Itália) EDIÇÃO BRASILEIRA Diretora Dir etora Executiva Cleide Simões Temer Dir etora Científica Diretora Dra. Tania Leme da Rocha Martinez Editor -Chefe Editor-Chefe Dr. Jean-Louis Peytavin Dir etor Comer cial Diretor Comercial Maurício Galvão Anderson Conselho Científico Adolpho Milech Adriana Costa e Forti Antonio Carlos Lerário Antonio Roberto Chacra Bernardo Leo Wajchenberg Edgar Niclewicz Francisco Bandeira Helena Schmid Jorge Luiz Gross Laércio Franco Leão Zagury Leila Araújo Luiz Cézar Póvoa Maria Marcílio Rabelo Revisão Científica Profª. Lucia Machado Lopes Tradução Dra. Alice C. G. Anderson Dra. Márcia Regina Volpe Dra. Chantal Serero-Corcos Indexado em : BIOSIS (Biological Abstracts) - CABS - Chemical Abstracts - Current Contents : Life Sciences - Excerpta Medica - Medline (Index medicus) - Pascal (INIST/CNRS) - Reserch Alert - Science Citation Index - SCI Search. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997,1, 114 Editorial Professeur Pierre SAÏ, Rédacteur-en-Chef E n tant que Rédacteur-en-Chef de Diabetes & Metabolism, au nom de tous les membres du Comité de Rédaction, je me réjouis de la naissance de la version brésilienne de notre revue. Je formule sincèrement à tous ceux qui ont oeuvré à cette entreprise, en particulier les Docteurs Tania Leme da Rocha MARTINEZ et Jean-Louis PEYTAVIN, tous mes voeux de succès. Plus globalement, je tiens à vous faire part, au nom de l’ALFEDIAM, du plaisir que nous avons à ce que, au travers de cette entreprise, un pont soit jeté entre notre association et votre merveilleux pays. Faisons en sorte, les uns et les autres, que ce lien soit, dans l’avenir, renforcé. Je tiens aussi à féliciter l’un de vos membres éminents, le Professeur Antonio Roberto CHACRA, Professeur d’Endocrinologie à l’Université Fédérale de São Paulo, pour sa nomination à la vice-présidence de l’International Diabetes Federation. Pour en rester à Diabetes & Metabolism, puisse cette revue vous offrir, vous qui oeuvrez dans nos belles disciplines, toutes les informations que vous souhaitez pour votre pratique et pour votre réflexion scientifique. Diabetes & Metabolism, dans sa version “mère” poursuit un double objectif : - le premier, grâce en particulier aux revues de synthèse et aux articles de recherche, vise à transmettre des informations fondamentales pointues; - le deuxième objectif est centré sur des informations médicales plus appliquées. Cet objectif se concrétise, par exemple, par la publication régulière, sous l’impulsion de l’ALFEDIAM, de recommandations de bonnes pratiques médicales dans tous les domaines de la Diabétologie. Bien sûr, ce n’est là qu’un aperçu des rubriques que nous essayons de vous offrir ! Mais il faut aussi qu’une revue scientifique soit “vivante”. C’est la raison pour laquelle, en dehors des articles de recherche qui suivent une procédure incontournable et codifiée d’expertise internationale rigoureuse, il faudrait que la version brésilienne de Diabetes & Metabolism aille, comme l’édition “mère”, dans le sens d’une interactivité entre les rédacteurs et les lecteurs. Je vous encourage donc, en particulier par le jeu des “Lettres à la rédaction” ou dans une rubrique “Débats-Points de vue”, à réagir à certaines publications pour faire part de vos remarques, de votre expérience, etc... De cette façon, vous aurez le plaisir de participer à la “respiration” de ce que vous devez considérer comme votre revue. Encore une fois, au nom de la rédaction de Diabetes & Metabolism et de l’ALFEDIAM, je vous prie de recevoir nos confraternelles et amicales salutations. C omo Redator-Chefe de Diabetes & Metabolism (Paris), e em nome de todos os membros do comitê de redação, sinto-me gratificado pelo nascimento da edição brasileira de nossa publicação. Envio a todos aqueles que contribuíram para a execução desse projeto, em particular aos Drs. Tania Leme da Rocha Martinez e Jean-Louis Peytavin, nossos votos de successo. No âmbito geral, quero transmitir-lhes, em nome da ALFEDIAM, minha satisfação de que através desse projeto seja construída uma ponte entre nossa associação e seu país maravilhoso. Façamos com que esta se torne mais sólida no futuro através de um processo fecundo de intercâmbio de idéias. Felicito por meio desse, um dos mais brilhantes membros da Sociedade Brasileira de Diabetes, o Professor Doutor Antonio Roberto Chacra, Professor da Universidade Federal de São Paulo, por sua nomeação à Vice-Presidência da Internacional Diabetes Federation. Esperamos que Diabetes & Metabolism (São Paulo) possa oferecer aos que trabalham na disciplina, todas as informações que desejem em sua clínica, e que sirva de alimento para reflexão científica. Diabetes & Metabolism (Paris) busca atingir dois objetivos, a saber: - primeiro, graças notadamente aos artigos de revisão e aos de pesquisa original, transmitir informações fundamentalmente novas; - segundo, estar centrado sobre informações médicas práticas. Este objetivo se concretiza através da publicação, sob a égide da ALFEDIAM, da série de Consensos sobre as práticas médicas em todos os domínios da diabetologia. Evidentemente esses são apenas alguns itens que procuramos, através de Diabetes & Metabolism oferecer ao leitor. É preciso também que uma revista científica seja “vibrante”. Por esse motivo, além dos artigos de pesquisa que seguem rigorosamente o padrão internacional, encorajo a edição brasileira a manter uma interação entre os redatores e os próprios leitores através de uma seção de “Cartas à Redação” ou ainda uma que aborde “Pontos de Vista em Debate”, em que o leitor poderá opinar sobre matérias publicadas, contribuindo com sua experiência, suas observações etc. Dessa forma vocês poderão participar e “respirar” a revista que devem considerar como sua. Mais uma vez, em nome da redação de Diabetes & Metabolism (Paris) e da ALFEDIAM, nossa saudação fraterna. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 116 - 127 Revisão DETERMINANTES GENÉTICOS DO DIABETES TIPO 2 : ESTRATÉGIAS E RESULTADOS RECENTES. G. Velho, Ph. Froguel. RESUMO O diabetes tipo 2 (DMNID) é uma alteração clínica e geneticamente heterogênea. Recentes avanços na genética molecular permitiram o reconhecimento de genes envolvidos em alguns subtipos de DMNID com modo bem-definido de herança e uma forte associação com fatores genéticos. Foi demonstrado que o maturity onset diabetes of the young (MODY), uma forma autossômica dominante do DMNID, é causada, ou associada a mutações de pelo menos quatro genes. Foi também demonstrado que uma forma de diabetes transmitida por via materna, geralmente associada com surdez, é devida a mutações do DNA mitocondrial. Apesar destes sucessos, muito pouco é conhecido sobre genes de suscetibilidade para as formas poligênicas comuns do DMNID. Estudos sobre genes envolvidos na secreção ou ação da insulina têm sido muito bem sucedidos em demonstrar as implicações dos genes IRS-1, Rad, receptor de glucagon, receptor de sulfoniluréia (SUR), entre outros, numa pequena percentagem de casos de DMNID em populações particulares. Apesar disso, os principais genes de suscetibilidade para DMNID, ainda estão para serem descritos. A finalidade desta revisão foi considerar as estratégias que podem ser usadas para identificar as determinações genéticas do DMNID, e resumir os resultados significativos da literatura recente. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 116-127 SUMMARY Non-insulin-dependent diabetes mellitus (NIDDM) is a clinically and genetically heterogeneous disorder. Recent advances in molecular genetics have allowed recognition of the genes involved in some subtypes of NIDDM with a well-defined mode of inheritance and a strong association with genetic factors. Thus, maturityonset diabetes of the young (MODY), an autosomal dominant form of NIDDM, was shown to be caused by, or associated with, mutations in at least four genes. A maternally transmitted form of diabetes, often associated with deafness, was shown to be due to mutations in mitochondrial DNA. Despite these successes, little is known about susceptibility genes to the common polygenic forms of NIDDM. Studies of genes involved in insulin secretion or insulin action have been successful to a certain extent by showing the implication of the IRS-1 gene, the Rad gene, the glucagon receptor gene, or the sulfonylurea receptor (SUR) gene (among others) in a low percentage of cases of NIDDM in particular populations. However, the majority of susceptibility genes to NIDDM are still to be described. The aim of this review was to consider the strategies that can be used to identify the genetic determinants of NIDDM, and to summarise the significant results of recent literature.Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 7-17. Unitermos : diabetes tipo 2, genética molecular, maturity onset diabetes of the young, genes de suscetibilidade, mapeamento de exclusão, gene candidato e análise de ligação. Key-words : non-insulin-dependent diabetes mellitus, molecular genetics, maturity onset diabetes of the young, susceptibility genes, linkage analysis, candidate gene, exclusion mapping. ✍ INSERM U-358, Hôpital Saint-Louis, Paris, France (G.V.). CNRS EP10, Institut Pasteur de Lille et C.H.U., Lille, France (P.F.). : G. Velho, INSERM U-358, Hôpital Saint-Louis, 16 rue de la Grange-aux-Belles, 75010 Paris, France. Tel. : (33) 1 42 02 40 58. Fax : (33) 1 42 40 10 16. E-mail : [email protected]. Vol. 01, 1997 DETERMINANTES GENÉTICOS 117 D MNID é uma síndrome heterogênea resultante de defeitos na secreção e ação da insulina [1]. DMNID parece consistir de subtipos nos quais a suscetibilidade genética está, por um lado, fortemente associada a fatores ambientais e, por outro lado, a formas genéticas. Embora algumas formas monogenéticas de DMNID tenham sido identificadas (veja abaixo), esta parece ser, na maioria dos casos, uma alteração poligênica. DMNID pode resultar da combinação de vários defeitos genéticos, ou da ação simultânea de vários alelos desfavoráveis, ou de combinações de variantes frequentes de vários loci que podem ter efeitos deletérios quando na presença de fatores ambientais desfavoráveis [2]. DMNID também é provavelmente multigênica, o que significa que diferentes combinações de defeitos genéticos podem existir entre pacientes diabéticos. A natureza dos eventos bioquímicos primários que levam ao diabetes ainda permanece desconhecida, na maioria das formas da síndrome [3]. Fatores genéticos e ambientais podem afetar a secreção e ação da insulina, participando assim da fisiopatologia da hiperglicemia [4]. Uma variedade de fatores ambientais pode ser implicada na expressão clínica do DMNID, como o grau e o tipo de obesidade, sedentarismo, desnutrição em período fetal e perinatal, uso de drogas como esteróides, diuréticos e agentes antihipertensivos. É notório que a obesidade, um dos chamados determinantes ambientais do DMNID, também está sob o controle genético [5]. Ambas as desordens estão frequentemente associadas e compartilham várias anormalidades metabólicas, o que sugere que também podem compartilhar algumas suscetibilidades genéticas [6]. O objetivo deste artigo foi considerar as estratégias usadas para identificar os determinantes genéticos do DMNID, e resumir os resultados mais significativos da literatura recente [7]. ■ COMO ENCONTRAR GENES ENVOLVIDOS NO DMNID. Aprendizado através de MODY - Entre as formas monogênicas do DMNID, MODY, que tem sido intensamente investigado, é caracterizado por início em idades precoces (infância, adolescência e adultos jovens) e herança autossômica dominante [8]. MODY tem sido um modelo interessante para estudos genéticos do DMNID devido ao seu modo bem-definido de herança, alta incidência e início em idade precoce, admitindo uma coleção de genealogias de várias gerações. A variação fenotípica dos indivíduos com MODY sugere que esta doença seja geneticamente heterogênea, e esta observação tem sido confirmada por estudos genéticos [8]. O DNA de várias famílias, com muitos indivíduos afetados por MODY foi analisado e duas abordagens foram usadas para identificar os genes responsáveis pelo MODY. Uma foi observar o locus que codifica as proteínas que parecem estar envolvidas no controle da homeostase do açúcar sanguíneo, o qual poderia estar defeituoso [9]. A outra consistiu em realizar um mapeamento de exclusão, por investigação sistemática do genoma [10, 11]. FIG. 1 - A) Representação esquemática do gene GCK do cromossomo 7p. As caixas pretas representam as regiões de codificação (exons); M1 e M2 são marcadores polimorfos de DNA. B) Família F422. Indivíduos afetados são representados por símbolos pretos; m1 e m2 são alelos dos marcadores M1 e M2, respectivamente. Nesta família de diabéticos podem ser notados co-segregados com haplotipos 2:2 (m1:m2) [7]. Reimpresso por Froguel et al [7]. Ambas foram bem sucedidas, e atualmente é aceito que MODY incorpora várias entidades monogênicas diferentes: diabetes relacionado ao gene HNF-4α (MODY-1) no cromossomo 20q [10, veja nota adicionada na justificativa]; diabetes causado por mutações da glicoquinase (GCK, MODY-2) gene no cromossomo 7p [12] ; diabetes relacionado ao gene HNF-1α (GCK, MODY-3) no cromossomo 12q [11, veja nota adicionada na justificativa], e uma ou mais formas de diabetes relacionadas a outros loci ainda por serem identificados [11]. A abordagem do “gene candidato” é direta quando o gene é logo localizado no homem. Os investigadores colhem marcadores polimórficos localizados perto do gene de interesse, genotipam em famílias e procuram por uma cosegregação (i.e., ligação) com a genealogia de um alelo do marcador e o fenótipo do diabetes (Fig. 1). Sob estas condições, a análise da ligação é o teste mais rigoroso para avaliar genes candidatos do aspecto monogênico [13]. Uma ligação positiva entre um marcador e uma característica (por exemplo DMNID) reflete o fato de que o marcador e o gene associado com a característica estão perto um do outro, no mesmo cromossomo e são portanto herdados juntos (Fig. 2). A assertiva da ligação se baseia em análises estatísticas do padrão hereditário de distribuição da afinidade, tanto da característica quanto dos alelos do marcador. O índice de probabilidade (L) da ligação contra a não-ligação é calculado com base nos dados observados, e o logaritmo decimal de L (lodscore) é relatado. É exigido normalmente um L de 3 (índice de probabilidade de 1.000 para 1) para afirmar a ligação, e um L de -2 para excluí-la [14]. Além disso, a razão recombinada entre o marcador e a característica nas famílias fornece uma estimativa da distância genética entre o marcador e o gene responsável pela característica. (Fig. 2) Quando não existir indicação de qual gene pode estar envolvido na doença, ou quando o gene candidato não for localizado no genoma, pode ser usada a abordagem de ge- 118 G. Velho Diabetes & Metabolism LOCALIZAÇÃO INICIAL marcador 1 GENE DIABETES 10% recombinação LOCALIZAÇÃO PRECISA marcador 2 marcador 3 GENE DIABETES 1% recombinação FIG.2 - Clonagem posicional dos genes do diabetes. Uma ligação positiva entre um marcador e o DMNID reflete o fato de que o marcador e o gene do diabetes estão próximos um do outro, no mesmo cromossomo, e são herdados juntos. Uma ligação positiva permite a determinação aproximada da distância entre o marcador e o gene. Neste exemplo, a contribuição da co-segregação do marcador e as características do DMNID sugerem que a recombinação entre o marcador e o gene ocorreu em 10% da meiose. Esta fração da recombinação corresponde a uma distância de 10 milhões de pares de base. A genotipagem de marcadores adicionais próximos, cujo alinhamento na região é conhecido, pode indicar a localização precisa do gene. nética reversa para identificar genes de suscetibilidade em famílias [15]. Esta abordagem depende da distribuição ubíqua de DNA polimórficos no genoma [16], e consiste na genotipagem e na realização de análises de ligação com consecutivos marcadores de DNA (polimorfismo), excluindo gradativamente as regiões não relacionadas do cromossomo. Isto tem sido estimado para doenças monogênicas, onde 250 marcadores de DNA altamente polimórficos espaçam aproximadamente 20 centimorgans (20 milhões de pares de base) o que separadamente seria suficiente para cobrir o genoma humano [17]. Uma vez que seja encontrada a doença ou o fenótipo ligados a uma região particular, os marcadores adicionais localizados na região são genotipados em famílias, para limitar o intervalo genético contendo gene, aproximadamente 1% de recombinação ou 1 milhão de pares de bases (Fig. 2). Pode ser gerado um mapa físico da região por meio de fragmentos de DNA humano clonados em levedura (cromossomos artificiais de leveduras ou YACs) [18]. Quanto a este aspecto, podem ser usadas técnicas de biologia molecular para identificar o gene. Estas técnicas incluem o sequenciamento, em larga escala, da região do DNA e comparação com sequências de genes conhecidos de banco de dados de genes humanos, ratos e camundongos; a hibridização com sondas poli-CpG, uma vez que as extensões de CG (ilhas CpG) se localizam geralmente nas regiões promotoras dos genes; e uma técnica de captura com sondas de genoteca de cDNA de células ß, de músculo ou fígado. Estas técnicas tem sido usadas para identificação de genes MODY-1 e MODY-3. Que dizer sobre o leque de variedades DMNID? (heterogêneo, multifatorial, poligênico, multigênico e fenotipicamente mal definido) - A análise da ligação é uma pode- rosa ferramenta para detectar genes de suscetibilidade em doenças com um modo bem definido de hereditariedade. Porém, no caso de doenças complexas como o DMNID, a detecção da ligação entre a característica e o marcador pode ser dificultada por vários fatores [2, 7]. O DMNID tem tido um modo obscuro de transmissão, o qual poderia ser relacionado à sua heterogeneidade genética e penetração parcial. Estudos em modelos animais sugerem que o estado de tolerância à glicose em um indivíduo resulta da interação de numerosos genes [19]. O número do maior e do menor gene contribuinte para DMNID é desconhecido e podem estar implicados diferentes genes ou combinações de genes em diferentes indivíduos diabéticos. A heterogeneidade genética pode estar presente até dentro da mesma genealogia, como no caso de indivíduos que não carregam o alelo de suscetibilidade para o gene particular, o qual co-segrega no parentesco, e que podem expressar doença devido a outro fator genético e/ou ambiental. Estudos sobre a genética do DMNID também são dificultados pela falta de uma certeza sobre a definição de fenótipo “afetado” e fenótipo “não afetado” (uma vez que os níveis da glicose são constantes entre populações). Esta confusão surge em parte devido a idade variada do início da doença, e em parte devido a sua penetração parcial, a qual pode ser influenciada por outros fatores genéticos e ambientais, como idade e obesidade. Além disso, no DMNID, é rara a análise de ligações favoráveis em genealogias de várias gerações com muitos indivíduos afetados (Fig. 3) [20]. Isso se deve ao início da doença na meia idade e à mortalidade precoce relacionada ao diabetes. Estratégias para identificar os determinantes genéticos do DMNID - As estratégias gerais para identificação dos determinantes genéticos do DMNID podem ser representadas por duas grandes abordagens : gene candidato e mapeamento de exclusão (pesquisa genômica total) [21]. Em ambos os casos, podem ser associados estudos de ligação básica e de ligação não-básica (associação) para se obter maior precisão. Antes da aplicação de qualquer uma destas estratégias, devem ser coletados DNA e dados fenotípicos do maior número possível de famílias com múltiplos indivíduos afetados, de coortes de indivíduos diabéticos não relacionados e não diabéticos. A caracterização fenotípica FIG. 3 - Árvore genealógica típica de parentes com início de DMNID em idade adulta, disponível para estudos genéticos. A) Na geração I, somente avós não afetados são avaliados, considerando que os avós afetados morreram cedo devido a complicações diabéticas. Na geração III o fenótipo afetado ainda não pôde ser discriminado. B) Além disso, a heterogeneidade genética na geração II pode ser esperada, nesta situação, uma vez que ambos os avós foram afetados. 120 G. Velho Tabela I. Caracterização de fenótipos para estudos genéticos do DMNID. tolerância à glicose glicose plasmática em jejum teste de tolerância à glicose oral (oGTT) função de célula beta contribuição do modelo de homeostase (HOMA) teste de tolerância a glicose intravenosa (IGTT) Clamp hiperglicêmico infusão contínua de glicose (CIGMA) sensibilidade a insulina HOMA CIGMA modelo mínimo IGTT clamp euglicêmico hiperinsulinêmico teste de tolerância à insulina destes indivíduos deve ser o mais abrangente possível [2, 7]. Desta forma, mais subgrupos homogêneos de indivíduos e famílias podem ser ordenados, com base nos subfenótipos. Isto inclui diferentes estados de tolerância à glicose, dados clínicos como idade de início do diabetes, presença de doenças associadas (hipertensão, dislipidemia, obesidade) ou complicações vasculares do diabetes. Como a sensibilidade à insulina e a função de células ß têm provavelmente determinantes genéticos separados, também podem ser estabelecidos subfenótipos para testes que determinem esses parâmetros, e podem ser usados aspectos biológicos e quantitativos em análises genéticas para identificar o locus ligado à variação da característica (ligação característica quantitativa ou associação QTL) [22]. Porém, é notório que a hiperglicemia do DMNID e a medicação hipoglicemiante podem influenciar a associação QTL. Então, o QTL pareceria ser mais apropriado para situações de hiperglicemia leve com início recente. Isso pode incluir estudos dos determinantes genéticos do DMNID em modelos animais (não tratados) [19], ou investigação do locus envolvido na homeostase da glicose, em filhos de indivíduos DMNID normoglicêmicos ou hiperglicêmicos leves [23]. A tabela I lista os testes mais frequentemente usados para avaliar a ação e a secreção de insulina (veja em [24-27] uma discussão de metodologia e uma revisão por Turner et al [2] de uma discussão sobre a aplicação de estudos genéticos). Quando se planeja a caracterização fenotípica de famílias e coortes com DMNID, pode se notar que sempre existe relação custo/benefício entre a complexidade do teste e o número de indivíduos a ser testado. Abordagem do gene candidato - O estudo dos genes candidatos tem sido, sem dúvida, a abordagem mais usada para investigar determinantes genéticos do DMNID. As razões para a candidatura são numerosas [21] : conhecimento ou presunção da função biológica (insulina, receptor de insulina, transportadores de glicose), o locus implicado nos subtipos de DMNID, como MODY (glicoquinase, região 12q e 20q do cromossomo), a região sintênica para o locus em modelos animais, o locus implicado nas doenças hereditárias que incluem diabetes (DNA mitocondrial) ; o locus Diabetes & Metabolism envolvido em condições associadas como obesidade, síndrome X, regulação do apetite (neuropeptídeo Y, receptor D2 dopamina, lipoproteína lipase, receptor ß-3 adrenérgico, receptor de glicorticóide) e o produto diferencial expresso em tecidos diabéticos e normais (RAD, um novo membro da super-família de proteínas Ras, expresso no músculo [28]). Podem ser usadas diversas estratégias para testar genes candidatos em DMNID [2]. Pode ser feita a análise da ligação através do método lodscore para estudar MODY, ou outras genealogias com fenótipo bem-definido. Este método também pode ser usado para estudar vários núcleos familiares pequenos, nos quais somente um dos pais é afetado, com a finalidade de excluir o principal efeito genético. De qualquer modo, a análise de pares de filhos fornece a alternativa mais satisfatória para o estudo das formas comuns de DMNID (Fig. 4) [29]. Esta análise demonstra melhor o que é compartilhado pelos filhos, do que poderia ser esperado pela casualidade dos marcadores genéticos paternos associados com o diabetes. Como são analisados somente os filhos diabéticos, nenhuma suposição sobre o modo de herança do diabetes é necessária e são evitados os problemas relacionados à definição de fenótipo “não afetado”. Porém, para otimizar a análise, são necessários marcadores altamente heterozigotos (>80 %) [16]. Quando um par de filhos compartilha um alelo particular num determinado locus, transmitido a ambos pelo mesmo pai, este alelo é considerado como partilhado “identidade por descendência”. (IBD). Quando não é possível determinar se o alelo compartilhado pelos filhos foi transmitido pelo mesmo pai, o alelo é considerado como partilhado “identidade por estado” (IBS). A análise em pares de filhos IBD é um excelente teste para detectar ligação, mas necessita da disponibilidade de ambos os pais para genotipagem e exclui famílias com ambos os pais afetados. A análise IBS é menos eficaz [30], mas provavelmente mais usada, considerando identidade por descendência a b c d S1 identidade por estado ? ? S2 S1 S2 S1 S2 IBD Probabilidade IBS Probabilidade a a a a ac ad bc bd 2 1 1 0 25% 25% 25% 25% 2 1 1 0 ? ? ? ? c c c c FIG.4 - Análise de pares de filhos. Identidade por descendência (IBD) : a probabilidade que dois filhos diabéticos compartilhem nenhum, um ou dois dos alelos paternos em um determinado locus é 25%, 50% e 25% respectivamente. Distorção desta distribuição num locus em particular pode indicar ligação do locus com diabetes. Identidade por estado (IBS) : as probabilidades de concordância nula, parcial e completa são calculadas para as frequências de alelos do marcador na população. Novamente, a distorção dessa distribuição em um locus particular pode indicar ligação a, b, c e d alelos paternos em um determinado locus. Vol. 01, 1997 a estrutura das famílias DMNID disponíveis (Fig. 3) [20, 31]. O método IBS avalia a partilha de alelos pelos filhos em relação à freqüência dos alelos em uma população de referência, o que é preferível a fazê-lo em relação à partilha dos alelos paternos. Portanto, necessita da determinação da frequência dos alelos na população geral da qual os filhos foram selecionados, uma vez que a diferença nas combinações genéticas entre pares de filhos diabéticos e a população controle pode levar a resultados falso-positivos. A análise IBS também requer um grande número de pares (400 ou mais) para superar a heterogeneidade genética intra e entre pares. Genes candidatos também podem ser avaliados em populações de indivíduos não diabéticos, ou com diabetes não relatado, pela comparação da frequência dos diferentes alelos dos marcadores entre os dois grupos [32]. Diferenças significativas nas frequências do alelo ou genótipo entre os dois grupos podem indicar que o marcador encontra-se em desequilíbrio da ligação com a mutação patogênica no gene candidato, ou com outro gene das proximidades. Associações falso-positivas geralmente resultam de combinações inadequadas do caso ou da população controle, especialmente em relação à etnia (diferenças nas combinações genéticas). Estudos de população/associação são ferramentas menos eficientes que a análise de ligação e a análise de pares de filhos, quando a heterogeneidade genética está envolvida. No caso de DMNID, são necessários um grande número de indivíduos e controles (entre 500 e 1.000 em cada grupo) para superar a heterogeneidade e detectar o gene de contribuição secundária. O estudo das complexas características do DMNID necessitará provavelmente novos métodos estatísticos e analíticos, mais adequados à estrutura das famílias DMNID analisadas. Um destes é o Transmission Disequilibrium Test (TDT) proposto por Spilman e colaboradores [33]. O TDT detecta a presença simultânea de ligação e ligação desequilibrada (associação de alelos), mas não pode fazer essa detecção se as duas não estiverem presentes. Assim, este teste poderá ser usado para detectar ligação entre uma doença e um marcador, quando a associação populacional tiver sido encontrada. O TDT considera os pais que são heterozigotos (+/-) para o alelo mostrado ser associado com a doença (+), e avalia a frequência com a qual o (+) alelo ou seu (-) substituto é transmitido para a prole afetada. Existe evidência de ligação entre o marcador e a característica se a frequência da transmissão do (+) alelo for maior que 50%. O TDT tem várias vantagens quando comparado com testes convencionais para ligação : não requer suposições sobre o modo de herança do diabetes nem dados sobre os vários membros afetados da família, ou sobre filhos não afetados. Portanto, pode ser usado para testar ligação em pequenos núcleos familiares. Também tem se mostrado eficiente em detectar ligação no caso de doenças com halotipo de suscetibilidade muito prevalente na população em geral, como o alelo VNTR classe-1 da região do gene insulina no diabetes mellitus insulino-dependente (DMID) [34]. O TDT também é eficiente quando um gene variante raro é ligado à doença, como no caso de variante no exon 2 do gene receptor de glucagon no DMNID [35]. Quando o gene DETERMINANTES GENÉTICOS 121 candidato for clonado e determinada sua organização intron-exon, torna-se possível procurar diretamente mutações nos indivíduos afetados. Para genes pequenos, é possível fazer o sequenciamento direto de todo o gene [36]. Para genes grandes, pode ser usado um dos métodos de “varredura molecular” destinado a detectar alterações na sequência de nucleotídeos em fragmentos de DNA, como fita simples do polimorfismo conformacional (SSCP) [37] ou análise heterodúplex [38], para localizar a mutação dentro do gene antes do sequenciamento. Uma vez encontrada a variante, podem ser testadas associação e/ou ligação com diabetes em populações e famílias [35], e poderá ser definido o perfil clínico dos indivíduos que possuem a variante [39, 40]. Estudos em indivíduos normoglicêmicos levam à definição de defeitos primários precoces da secreção ou ação da insulina, associados à mutação [39, 41]. A caracterização detalhada dos mecanismos fisiopatológicos da mutação pode ser obtida in vitro após expressão dos alelos mutantes em linhagens de células específicas [42], e in vivo em animais transgênicos [43-45]. Abordagem do mapeamento de exclusão - O mapeamento de exclusão é uma abordagem genética comum para traços monogenéticos [15, 46]. Em princípio, consiste na genotipagem do genoma completo com marcadores polimórficos anônimos para identificar regiões ligadas à determinada doença e traçar o mapa das áreas das quais os genes da doença foram excluídos. Esta abordagem do genoma total é um novo desafio para a genética das doenças multifatoriais. Para superar as dificuldades devido ao alto grau de heterogeneidade de tais doenças, são essenciais grandes recursos familiares e um mapa de alta densidade de marcadores altamente polimórficos. A França, a Finlândia, os E.U.A e vários outros países têm reunido coleções de DNA de centenas de famílias de DMNID, durante os últimos anos. Atualmente, está disponível para estudos genéticos um mapa fidedigno dos milhares de micro-satélites (principalmente repetições CA polimórficas) [16]. Para uma boa chance de encontrar o locus ligado a DMNID, é necessária a genotipagem de 250-500 marcadores (separados por intervalos de 10 a 20 cM) em, no mínimo, 300 pares de filhos afetados (e no mínimo 800 pares de filhos são necessários para confirmar a ligação). É possível ocorrer resultados falsopositivos, devido ao grande número de marcadores testados. Sendo assim, é necessário um critério rigoroso para a ligação (p < 10-4), em um primeiro estudo, para minimizar o desvio devido a múltiplos testes. Podem ser usados métodos estatísticos em estudos simulados para determinar o valor provável do cut-off que representa a ligação para uma série de marcadores em um dado grupo de pares de filhos. Uma vez que poucos marcadores candidatos são testados, a ligação pode ser confirmada em estudos replicados por valor nominal p = 0,01. Por isso, as considerações sobre a genotipagem limitam a investigação sobre gene de suscetibilidade em diabetes. O desenvolvimento de uma tecnologia automatizada de medida de fragmento de DNA baseada em fluorescência tem permitido a tipagem de marcadores micro-satélites, com grande confiabilidade [47]. Esta nova biotecnologia tem sido usada com sucesso para 122 G. Velho a identificação de locus DMID [48,49], e a genética do DMNID será certamente beneficiada por este avanço. Contudo, como já foi discutido no caso de MODY, o mapa de exclusão é apenas a etapa preliminar da identificação e caracterização de genes do diabetes. Além da análise de pares de filhos em famílias DMNID, o mapa de exclusão será mais útil para a identificação de locus de MODY remanescentes, por análise de ligação (25% das famílias MODY não estão ligadas aos 3 loci conhecidos) [11], e também podem ser usados em estudos de população/associação em coortes inatos isolados de DMNID e indivíduos controle [2]. O DMNID pode ser menos heterogêneo em comunidades inatas isoladas que em populações nativas, o que poderia diminuir a probabilidade de observar associação espúria. Portanto, a evidência de associação poderia talvez dever-se ser mais frequentemente ao desequilíbrio de ligação entre o marcador e o gene ativo de diabetes do que devido aos resultados falso-positivos. ■ DETERMINANTES GENÉTICOS DO DMNID : ATUALIZAÇÃO Apesar da forte evidência de fundo genético, são atualmente conhecidos menos de 10 % dos fatores de riscos genéticos para DMNID, em comparação com 65 % para DMID [49]. Isto parece ser devido à grande heterogeneidade clínica e genética do DMNID. Tem sido intensamente investigada uma série de DMNID com um modo de herança bemdefinido e forte associação com fatores genéticos, como MODY ou diabetes de herança materna e surdez (DMID), resultando em esclarecimentos sobre sua fisiopatologia e etiologia [8, 39]. Para a série poligênica do DMNID, os progressos são mais lentos. Os resultados destas investigações serão revisados nas seções seguintes deste artigo. Genética do MODY - Mutações no gene da glicoquinase parecem ser a causa mais comum de MODY, uma vez que na França foram encontradas em aproximadamente 50 % das famílias investigadas [8, 12]. A glicoquinase fosforila a glicose à glicose-6-fosfato em células pancreáticas ß e hepatócitos, e tem o papel principal na regulação e integração do metabolismo da glicose [50]. Foram observadas mais de 40 diferentes mutações GCK [8]. Os estudos têm mostrado prejuízo na atividade enzimática das proteínas mutantes, com os decréscimos do Vmax e/ou da afinidade da enzima pela glicose [42]. Um prejuízo na atividade enzimática do GCK mutante resulta em decréscimo do fluxo glicolítico na célula ß [51], o que se reflete in vivo como defeito no sensor de glicose, levando a uma mudança proporcional na curva dose-resposta da secreção de insulina induzida por glicose [52, 53]. Foi observado uma redução na síntese de glicose pósprandial no fígado [54], sugerindo prejuízo na fosforilação de glicose hepática. A hiperglicemia crônica dos pacientes GCK-deficientes é mantida por ambos os mecanismos. Neste aspecto, a atenuação da expressão da glicoquinase hepática e pancreática em ratos transgênicos resulta em defeitos pancreáticos e hepáticos comparáveis aos observados nos indivíduos GCK-deficientes [43-45]. A Diabetes & Metabolism hiperglicemia associada com mutações GCK é geralmente branda e se desenvolve durante os primeiros anos de vida (idade precoce de diagnóstico : 12 meses) ; sua penetração em famílias afetadas é rápida e os indivíduos que possuem a mutação são geralmente afetados antes da puberdade (G. Velho e P. Froguel: resultados não publicados). Em contraste com a hiperglicemia familiar suave devida à deficiência de glicoquinase, o MODY ligado ao gene do cromossomo 12q (HNF-1α) é uma forma severa de diabetes, geralmente envolvendo a necessidade de insulina e associada com complicações microvasculares [40]. Neste caso, indivíduos afetados em uma família isolada, na qual o MODY está ligado ao locus MODY-1 (HNF-4α) no cromossomo 20 (genealogia RW) também apresentam uma forma grave de diabetes que requer insulinoterapia em aproximadamente 30 % dos casos e é associada com complicações microvasculares [55]. Em aproximadamente 25 % das famílias com MODY testadas na França, o diabetes parece estar ligado ao locus 12q. Esta proporção pode ser maior em outros países da Europa e nos E.U.A. Foi observado um defeito na insulina secretora na ausência de resistência à insulina em indivíduos MODY-3 [41, 56]. Sendo assim, é provável que o gene causador (HNF-1α) esteja implicado na função das células pancreáticas ß, tanto em MODY-1 como na deficiência GCK diabética. Mutações do DNA mitocondrial - Outro exemplo de que a definição de subgrupo clínico específico de DMNID tem facilitado a pesquisa genética é o screening (triagem) de DNA mitocondrial em pacientes com diabetes de herança materna. Este screening tem levado a identificação da transição A-para-G no gene mitocondrial tRNA Leu(UUR) do bp3243, que co-segrega com diabetes e surdez nestas famílias [57]. Em algumas populações, esta síndrome MIDD (diabetes e surdez de herança materna) pode representar 13 % de todos os casos de DMNID [58, 59]. A mesma mutação tem sido observada em pacientes com MELAS, uma síndrome mitocondrial com miopatia, encefalopatia, acidose láctica e episódios semelhantes a AVCs (stroke-like), os quais são geralmente acompanhados por diabetes e surdez [60]. Os mecanismos subjacentes das diferentes expressões fenotípicas (MIDD (diabetes e surdez de herança materna) ou MELAS) são desconhecidos, mas podem ser relacionado com o variável grau de heteroplasmina nos diferentes tecidos. Detectamos a transição 3243 A-para-G em 5 famílias caucasianas francesas MIDD (diabetes e surdez de herança materna) [61, 62], e foi realizada uma avaliação detalhada da secreção de insulina e insulino-sensibilidade em portadores da mutação que sofreram mudança da tolerância à glicose de normal para deficiente, para DMNID [39]. Foram encontradas anormalidades na secreção da insulina em todos os indivíduos testados, incluindo aqueles com tolerância normal à glicose. Os mecanismos fisiopatológicos que levam ao DMNID e MIDD (diabetes e surdez de herança materna) nesta síndrome são provavelmente complexos e multifatoriais, podendo incluir defeitos na produção de insulina e toxicidade da glicose, assim como resistência à insulina. Porém, o defeito na secreção de insulina regula- Vol. 01, 1997 da pela glicose é uma anormalidade precoce, possivelmente primária nos portadores da mutação. Este defeito provavelmente resulta de redução progressiva da fosforilação oxidativa nas células ß, causada por acúmulo do DNA mitocondrial mutante. Neste caso, são associadas ao diabetes várias outras síndromes causadas por pontos de mutações, deleções ou duplicações de tDNA e caracterizadas por queda da fosforilação oxidativa [58]. Genética das formas comuns da DMNID - A maioria dos genes identificados que tem importância nas formas comuns do DMNID foi encontrada através da abordagem do gene candidato. Por razões óbvias, os genes insulina e receptor de insulina estavam entre os primeiros a serem estudados, porém suas contribuições para a suscetibilidade genética do DMNID parecem ser pequenas. Quase todos os pacientes DMNID têm uma insulina estruturalmente normal, e têm sido relatadas mutações nas regiões de codificação do gene insulina (cromossomo11p) em menos de 10 famílias [63]. Porém, mutações na região promotora podem afetar a regulação do gene insulina, levando à queda da transcrição, e hipoinsulinemia absoluta ou relativa. Foi observado um alelo variante do promotor em aproximadamente 5 % dos pacientes DMNID, americanos negros, em associação com a queda da atividade da transcrição de 1/3 para ¼ do índice normal [64]. Este alelo mutante promotor de insulina poderia contribuir com a síntese prejudicada de insulina nesta população. Até agora, já foram encontradas mais de 50 mutações diferentes nas regiões de codificação dos genes receptores de insulina no cromossomo 19p [65]. Porém, os pacientes com estas mutações raramente apresentam a forma comum de DMNID mas antes síndromes de severa resistência à insulina associada a leprechaunismo, ou com acantose nigricans, hirsutismo e severa hiperinsulinemia [66]. Tem sido detectadas mutações nas regiões de codificação do gene que codifica o primeiro substrato insulino-receptor para quinase (IRS-1) no cromossomo 2q em populações DMNID dinamarquesas, francesas, finlandesas e indianas do sul [67-69]. Porém, nestas populações, a freqüência das mutações em pacientes diabéticos foi alta mas não significativamente diferente da freqüência do grupo controle. Somente foi observada uma associação significativa entre a mutação do codon 972 IRS-1 e o DMNID quando se combinaram dados de quatro grupos étnicos, aumentando assim o poder de detecção de uma associação positiva [69]. Outras mutações e polimorfismos no gene IRS-1 foram encontradas associadas com o decréscimo da sensibilidade a insulina em um coorte japonês, e foram observadas com maior frequência em indivíduos DMNID do que em indivíduos não diabéticos [70]. Porém, a ligação do locus IRS-1 com DMNID foi excluída em um pequeno número de famílias americanas brancas do Utah [71]. Juntos, estes resultados sugerem que o gene IRS-1 pode atuar como gene de suscetibilidade para DMNID, o qual não é necessário nem suficiente para a expressão da doença, mas mesmo assim modula o fenótipo dos pacientes, particularmente quando associado à obesidade. De maneira semelhante, foi observada uma associação entre polimorfismo do gene DETERMINANTES GENÉTICOS 123 glicogênio sintase do músculo (GSY1) no cromossomo 19q e foi observado DMNID em uma população finlandesa [72]. A sensibilidade à insulina diminuiu em portadores do alelo raro, sugerindo que este gene pode influenciar a expressão do diabetes nestes indivíduos. Esta associação também foi observada em MIDD (diabetes e surdez de herança materna) japoneses [73], mas não em franceses [74]. Análise em pares de filhos [75, 76] e a triagem SSCP das regiões de codificação e promotora [76, 77] excluíram o GYS1 como o principal gene do diabetes em famílias DMNID caucasianas de Utah, índios Pima e dinamarqueses. As proteínas Ras são uma família de proteínas GTP-ligantes que desempenha um papel na regulação do crescimento celular e metabolismo em vários tecidos. O gene que codifica uma destas proteínas foi encontrado super-expressado no músculo esquelético dos pacientes DMNID [28]. Foi encontrado polimorfismo neste gene RAD (Ras associado com diabetes) no cromossomo 16q como associado ao diabetes num pequeno coorte de indivíduos brancos DMNID americanos [78], mas não no coorte DMNID da Finlândia [79]. Além disso, a ligação com diabetes foi excluída em famílias de Utah [71]. Estes resultados aguardam confirmação em outras populações. Outros genes tem sido implicados na suscetibilidade a resistência à insulina. Embora não pareçam estar diretamente ligados ou associados ao DMNID, eles podem modular a expressão do diabetes. Um polimorfismo comum no codon 905 do gene que codifica a subunidade reguladora glicogênio-associada da proteína fosfatase-1 do músculo esquelético foi associado à resistência à insulina e à hipersecreção de insulina em indivíduos dinamarqueses DMNID [80]. Uma mutação no gene intestinal proteína 2 ácido graxo ligante (FABP2) no cromossomo 4q foi associada ao aumento da ligação ácido graxo, oxidação e resistência à insulina em índios Pima do Arizona [23], o grupo étnico com a mais alta prevalência de DMNID e resistência à insulina do mundo. Um ponto de mutação no gene que codifica o receptor ß 3 adrenérgico foi associado com aumento da capacidade de ganhar peso em populações de indivíduos obesos [5]. A mesma mutação também foi associada com redução do índice metabólico, ao início precoce do diabetes [81], e ao desenvolvimento de obesidade e resistência à insulina [82] nas duas populações DMNID. Embora a resistência à insulina seja um fator de risco para o desenvolvimento de DMNID, a expressão completa do diabetes provavelmente requer defeitos ou deficiência da função das células ß [83]. Assim, o DMNID pode ser considerado como uma falência genética programada da célula ß para compensar a resistência à insulina genética ou ambiental [84]. O gene GCK tem sido intensamente investigado em várias populações. Têm sido observadas associações positivas entre o DMNID de início tardio e alelos GCK em americanos negros e crioulos mauritâneos [85], sugerindo que o locus GCK pode estar implicado no diabetes destas populações. Não foram encontradas mutações nas regiões de codificação GCK nestes indivíduos ou em outros coortes ou populações, sugerindo que a glicoquinase é provavelmente o principal gene de suscetibilidade para o DMNID de início em idade tardia [86]. No entanto, estu- 124 G. Velho dos em ratos transgênicos têm demonstrado que mutações contracorrente nas regiões reguladoras do promotor apresentam efeitos drásticos na transcrição [87]. A hipótese de que algumas formas de diabetes possam estar associadas com mutações nestas regiões reguladoras é sustentada pela co-segregação de uma variante da região promotora pancreática em uma família francesa portadora de DMNID de início tardio [86]. Além disso, foi recentemente demonstrado que esta variante estava associada com a função reduzida da célula ß em indivíduos japoneses-americanos com tolerância à glicose normal ou prejudicada, e que este defeito progredia durante o período de 5 anos de acompanhamento[88]. Este alelo mutante poderia contribuir para o alto risco de tolerância anormal à glicose nesta população. Investigações recentes têm sugerido que dois outros genes candidatos expressos em células ß estão implicados na suscetibilidade ao DMNID. Foi identificado um único ponto de mutação no exon2 do gene receptor de glucagon [35]. Esta mutação foi associada com diabetes em coortes DMNID da França e da Sardenha [35], da Alemanha [89] e da Inglaterra [90], mas não em outros coortes da Alemanha [91], da Holanda [92] ou do Japão [93]. Aproximadamente 5% dos indivíduos DMNID testados na França eram portadores desta mutação, que co-segrega com diabetes em suas famílias quando a ligação foi avaliada pelo teste de desequilíbrio de transmissão. Uma análise funcional do local pós-mutagenesis e transfecção dentro de células renais de filhotes de hamster mostrou que a afinidade de ligação do receptor mutante era três vezes menor que a do receptor wild-type [35]. O mecanismo fisiopatológico associado com a mutação permanece desconhecido mas parece ter relação com a ação insulino-trópica do glucagon. O fechamento dos canais K+ATP-sensitivos (IKATP) é a etapa chave da trajetória da exocitose de insulina. IKATP é composto por duas sub-unidades codificadas pelo gene locado no 4.5 Kb separado do cromossomo 11p : o receptor sulfoniluréia (SUR), que acredita ser o sensor ATP/ADP do IKATP, e o pequeno canal ionico retificado inferiormente (BIR). O gene SUR chamou pela primeira vez a atenção quando foi demonstrado que mutações em suas regiões de codificação eram responsáveis por casos de hiperinsulinemia hipoglicemia familiar persistente em crianças [94]. Esta observação incentivou vários grupos a investigar seu papel potencial em pacientes com DMNID. Foi observada uma associação entre polimorfismo no gene SUR e diabetes em indivíduos britânicos e americanos DMNID [95], mas nenhuma ligação foi encontrada em pares de filhos mexicanos-americanos [96] e japoneses [97]. Observamos associações destes polimorfismos com o DMNID e a obesidade em dois coortes de franceses caucasianos [98]. É notório que a associação com diabetes parece ser dependente do alto IMC dos indivíduos diabéticos, quando comparado com os controles. O mecanismo molecular do qual um defeito no locus SUR poderia contribuir para obesidade e hiperglicemia permanece obscuro, mas pode implicar na secreção inadequada de insulina nos indivíduos com alto risco para obesidade e diabetes, devido a outros possíveis aditivos genéticos e fatores ambientais. Estas observações enfatizam a complexa interação entre obesidade e diabetes. Diabetes & Metabolism ■ CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS Todos estes defeitos genéticos juntos justificam apenas uma baixa porcentagem do total de casos de DMNID. A maioria dos genes de suscetibilidade para DMNID ainda não foi descrita. O fato de que o DMNID é uma alteração geneticamente heterogênea, implica em que vários defeitos primários contribuem para a suscetibilidade à doença. Parece sensato postular que as combinações de genes deletérios não são as mesmas em DMNID obesos ou magros, com início precoce ou tardio, em casos esporádicos ou em pacientes com história familiar bem definida. Vários genes poderiam participar nas formas de DMNID : genes envolvendo o metabolismo da glicose, sensíveis a glicose ou crescimento de células pancreáticas ß; genes codificadores de receptores transmembrana de proteína G dupla dos hormônios do eixo entero-insular; genes codificadores de cálcio ou canais de potássio ou proteínas envolvidas no transporte vesicular e exocitose de insulina ; genes codificadores de proteínas envolvidas na ação de insulina nos músculos, adipócitos ou fígado. A clonagem destes genes e a identificação de marcadores polimórficos na vizinhança permitirão a ligação e a realização de estudos, enquanto a caracterização e o sequenciamento dos genes permitirão seu screening direto quanto a mutações. Novas abordagens, como mostra de cDNA e clonagem de subtração, podem ser usadas para clonar novos genes codificadores para proteínas com funções desconhecidas mas com expressão diferenciada nos tecidos dos pacientes e controles [28]. Além disso, a dissecação genética de hiperglicemia em modelos animais de diabetes permite testar identificação das regiões candidatas em humanos [19]. Porém, a abordagem do gene candidato tem suas limitações, uma vez que pelo menos alguns genes de suscetibilidade para DMNID são codificados provavelmente por proteínas com funções desconhecidas ou função não implicada no metabolismo da glicose. Assim, é provável que seja necessária uma estratégia combinada entre o gene candidato e o mapeamento de exclusão para descobrir os determinantes genéticos do DMNID. Já dispomos, hoje em dia, de todas as ferramentas necessárias para esta tarefa, e a pesquisa do genoma está em desenvolvimento em vários laboratórios. Recentemente, foram relatados resultados satisfatórios em dois estudos. Foi observada forte ligação genética entre o DMNID e marcadores no cromossomo 2q, em um grupo de pares de filhos mexicanos-americanos [99]. Este gene desconhecido (DMNID-1) poderia explicar mais de 30 % dos riscos genéticos de desenvolvimento de diabetes nesta população. Também foi relatada uma ligação genética entre o DMNID e marcadores no cromossomo 12q em um pequeno coorte de famílias finlandesas caracterizado por DMNID de início tardio com defeito na secreção de insulina [100]. Neste estudo nenhuma ligação foi observada quando todas as famílias do coorte foram testadas juntas, sem estratificação pelo status da insulina secretora. A região do cromossomo ligado ao diabetes, nestas famílias, contém o locus MODY-3. É possível que o MODY-3 e este locus DMNID-2 representem diferentes genes do cromossomo 2. Alternativamente, eles podem representar diferen- Vol. 01, 1997 tes alelos num único gene. Como estão sendo estudadas diferentes populações de indivíduos diabéticos de grupos étnicos específicos (índios Pima, japoneses, índios Tamis, franceses-caucasianos), é provável que venha a ser mapeada e clonada uma grande variedades de diferentes genes envolvidos na homeostase da glicose. O objetivo é o rastreamento dos genes do diabetes. Recentemente, o MODY-3 foi identificado como o gene codificador do Fator Nuclear alfa 1 do Hepatócito (HNF1α), um fator de transcrição expressado no fígado, ilhotas pancreáticas e outros tecidos (Yamagata et al. Nature, 1996, 384, 455-458). Foram encontradas várias mutações diferentes no HNF-1α em famílias MODY em várias populações. Simultaneamente, o MODY-1 foi identificado como o gene codificador do Fator Nuclear alfa 4 do hepatócito (HNF-4α), um membro da super-família do receptor hormonal de esteróide/tiróide e regulador contra corrente da expressão do HNF-1α (Yamagata et al. Nature, 1996, 384, 458-460). Uma mutação sem sentido (Q268X) foi encontrada como cosegregada com o MODY na genealogia RW. BIBLIOGRAFIA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 DeFronzo RA. The triumvirate : B-cell, muscle, liver. A collusion responsible for NIDDM. Diabetes, 1988, 37, 667-687. Turner RC, Hattersley AT, Shaw JTE, Levy JC. Type II diabetes : clinical aspects of molecular biological studies. Diabetes, 1995, 44, 1-10. Taylor SI, Accili D, Imai Y. Insulin resistance or insulin deficiency : which is the primary cause of NIDDM ? Diabetes, 1994, 43, 735-740. Hamman RF. Genetic and environmental determinants of non-insulin-dependent diabetes mellitus (NlDDM). Diabetes Metab Rev, 1992, 8, 287-338. Clément K, Vaisse C, Manning BS et al. Genetic variation in the ß(3)-adrenergic receptor and an increased capacity to gain weight in patients with morbid obesity. N Engl J Med, 1995, 333, 352-354. Carmelli D, Cardon LR, Fabsitz R. 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A relação entre a concentração plasmática de cada aminoácido neutro de cadeia grande (AANCG) e a soma dos outros foi calculada para servir como índice para o transporte competitivo destes aminoácidos no cérebro. Os resultados mostraram que após a sobrecarga de triptofano, os níveis plasmáticos em pacientes diabéticos aumentou menos que em controles saudáveis, sugerindo um catabolismo hepático aumentado deste aminoácido (como relatado para animais diabéticos). Foram observadas pequenas mudanças nas concentrações plasmáticas pós-sobrecarga de outros aminoácidos. Porém, o incremento na relação de triptofano/AANCG em controles (basal, 0,12 ± 0,01; 120 min após sobrecarga, 0,89 ± 0,04; 240 min, 0,51 ± 0,03), foi acentuadamente atenuado em pacientes diabéticos (basal, 0,11 ± 0,01, sem significado; 120 min, 0,46 ± 0,04, p < 0,01; 240 min, 0,31 ± 0,04, p < 0,01). As variações observadas de alguns aminoácidos depois a sobrecarga de triptofano eram ligeiramente maiores em controles que em indivíduos diabéticos. Estas diferenças, que podem acontecer em menor proporção depois de uma dieta rica em proteínas, poderiam modificar a disponibilidade dos precursores de aminoácidos para a síntese de neurotransmissores pelo cérebro. Assim, como acontece em certas espécies animais, um prejuízo no acúmulo de triptofano e serotonina no cérebro pode acontecer em pacientes diabéticos, como resultado de um controle metabólico alterado do triptofano. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 128-134. SUMMARY Tolerance to an oral tryptophan load (50 mg/kg body weight) was evaluated in a group of 15 insulin-dependent diabetic patients of both sexes in poor metabolic control. Tryptophan was measured fluorometrically, and the plasma levels of the other physiological amino acids were determined by HPLC. The ratio of the plasma concentration of each large neutral amino acid (LNAA) to the sum of the others was calculated to serve as an index for the competitive transport of these amino acids into the brain. The results show that post-loading plasma tryptophan levels in diabetic patients increased less than in healthy controls, suggesting enhanced liver catabolism of this amino acid (as reported for diabetic animals). Small changes were observed in the post-loading plasma concentrations of other amino acids. Therefore, the increment in the tryptophan/LNAA ratio in controls (basal, 0.12 ± 0.01 ; 120 min after the load, 0.89 ± 0.04 ; 240 min, 0.51 ± 0.03) was greatly attenuated in diabetic patients (basal, 0.11 ± 0.01, NS ; 120 min, 0.46 ± 0.04, p < 0.01 ; 240 min, 0.31 ± 0.04, p < 0.01). Post-loading excursions in some other ratios were slightly larger in control than diabetic subjects. These differences, which may occur to a lesser extent after a protein-rich meal, could modify the availability of precursor amino acids to the brain for synthesis of neurotransmitters. Thus, as happens in certain animal species, an impairment of the post-absorptive accumulation of tryptophan and serotonin in the brain may occur in diabetic patients as a result of altered metabolic disposal of tryptophan. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 51-56. Unitermos: diabetes mellitus insulino-dependente, metabolismo de aminoácidos, triptofano, aminoácidos neutros de cadeias grandes. Key-words : insulin-dependent diabetes mellitus, amino acid metabolism, tryptophan, large neutral amino acids. ✍ (1) Istituto di Patologia Generale, via Roma 55 – Scuola Medica, 56126 Pisa, Itália (2) Cattedra di malattie del Metabolismo, Istituto di Clinica Medica II, Universita de Pisa, 56126, Pisa, Itália : P. Masiello, Istituto di Patologia Generale, via Roma 55 – Scuola Medica, 56126 Pisa, Itália. Tel : +39 50 560506, Fax : +39 50 550 306 Vol. 03, 1997 N o diabetes mellitus, o metabolismo do aminoácido pode estar alterado como resultado da deterioração da secreção da insulina e/ou da sua ação em tecidos periféricos. As concentrações plasmáticas de aminoácidos de cadeias ramificadas (AACR) estão normalmente aumentadas em diabetes [1, 2], devido à alteração da sua captação e utilização ou sua liberação pelos tecidos [3]. Desde que os AACRs compartilham um mecanismo de transporte pela barreira hemato-encefálica com outros aminoácidos neutros de cadeias grandes (AANCGs) [4], mudanças na captação do triptofano, fenilalanina e tirosina no cérebro podem acontecer durante o diabetes e possivelmente podem induzir modificações nas concentrações cerebrais destes aminoácidos, que são os precursores dos neurotransmissores serotonina e catecolaminas. Assim, a disponibilidade do triptofano plasmático, como também a administração de triptofano, podem influenciar os níveis cerebrais de triptofano e a síntese de serotonina, tanto em roedores [5-7], quanto em primatas [8]. Também, deve ser considerado que o metabolismo do triptofano pode sofrer modificações durante o diabetes. Em ratos tratados com streptozotocin, a taxa do catabólito hepático deste aminoácido aumenta in vitro [9] e in vivo, após a sobrecarga de triptofano [7]. Num estudo posterior, uma sobrecarga de triptofano foi administrada diferentemente em animais diabéticos e em controles, levando a captações diferentes de AANCGs no cérebro [7]. Baseados nestes resultados experimentais e considerando os dados limitados disponíveis para o homem, investigamos a tolerância de uma sobrecarga oral de triptofano em um grupo de pacientes diabéticos tipo 1 (insulino-dependentes). Medimos as concentrações plasmáticas de aminoácidos fisiológicos, inclusive triptofano e seu produto metabólico, a cinurenina, nestes pacientes e em controles saudáveis. Foram determinadas também as excreções urinárias de triptofano e cinurenina. Calculamos as relações plasmáticas de cada AANCG e a soma dos outros, em indivíduos não-diabéticos e diabéticos, para obter um índice útil para o transporte competitivo de cada AANCG no cérebro [10]. ■ PACIENTES E MÉTODOS Quinze pacientes de ambos os sexos com diabetes mellitus tipo 1 e nove indivíduos saudáveis de controle de ambos os sexos, igualados para idade e índice de massa corporal (IMC), foram incluídos no estudo (Tabela 1). Em todos os pacientes, o diabetes tinha ocorrido antes de 30 anos de idade e a insulinaterapia foi iniciada dentro de um ano após o diagnóstico. Todos os pacientes estavam com mal controle metabólico (HbA1c 10,1 ± 0,7 %). A insulinoterapia foi executada por um regime de múltiplas injeções, que consistia na administração de doses de insulina de ação curta em bolus, antes do café da manhã, almoço e jantar, e com uma dose suplementar de insulina de ação intermediária à noite. As doses diárias médias de insulina eram 38,5 ± 6 e 12 ± 4 IU, para a insulina de ação EFEITOS DA SOBRECARGA DE TRIPTOFANO 129 TABELA 1 - Características dos indivíduos do estudo. Relação de sexo (M/F) Idade (anos) Duração da doença (anos) Índice de massa corporal (kg/m2) Glicose plasmática (mg/dl) HbA1c (%) Indivíduos Saudáveis (n = 9) Pacientes diabéticos (n = 15) 4/5 6/9 32 ± 3 39 ± 4 – 12,0 ± 4,3 24,0 ± 3,2 24,6 ± 2,2 74 ± 4 228 ± 10 * 4,9 ± 0,5 10,1 ± 0,7 ** Valores = médias ± DP. * p < 0,01 vs indivíduos saudáveis (T-Teste de Student para dados não pareados). ** Os valores referenciais para HbA1c são de 4 a 6,1 %. curta e o suplementar de ação intermediária, respectivamente. A insulina suplementar de ação intermediária foi retirada 36 h antes do estudo. Por razões éticas, foi descontinuada a insulina de ação curta 12 h antes do estudo. Como o tempo de ação das preparações de insulina se estendem, até 8 h para a insulina de ação curta e 14 h para a insulina suplementar de ação intermediária [11], os pacientes podem ser considerados totalmente insulino-deficientes, durante o estudo. Testes rotineiros de funções hepáticas e renais estavam normais em ambos os grupos, de diabéticos e controles. Os indivíduos foram informados da natureza, do propósito e dos possíveis efeitos colaterais envolvidos no estudo, antes que eles dessem o seu consentimento em participar. Protocolos Experimentais - Todos os indivíduos foram estudados após a sobrecarga, às 8 h da manhã, depois de 12 a 14 h de jejum noturno. Controles e indivíduos diabéticos receberam triptofano por via oral (50 mg/kg de peso corporal) dissolvido em um copo de bebida sabor laranja adoçada com sacarina. Alguns dos indivíduos de ambos os grupos, reclamaram de sonolência moderada, dentro das primeiras três horas depois de ingestão de triptofano. Amostras de sangue foram colhidas logo antes e 30, 60, 90, 120, 180, 240, 300 e 360 min após sobrecarga. Urina foi coletada uma vez antes (período de 24 h pré-sobrecarga) e duas vezes após sobrecarga (períodos de 0 a 6 h e 6 a 24 h pós-sobrecarga). O plasma foi separado por centrifugação, aliquotado e armazenado a -20°C até ser analisado. Procedimentos Analíticos - Todas as amostras de plasma e urina foram usadas para a determinação do triptofano por um método fluorimétrico [12] e da cinurenina pela técnica 130 V. Fierabracci Diabetes & Metabolism espectofotométrica de Joseph e Risby [13]. Em 4 e 7 amostras de plasma de indivíduos controle e diabéticos, respectivamente, as concentrações fisiológicas dos aminoácidos foram medidas aos 0, 120, 240 e 300 min após sobrecarga de triptofano por Cromatografia Líquida de Alto Desempenho - CLAD (High Performance Liquid Chromatography HPLC) usando um sistema Waters gradient HPLC system (Waters Associates, Milford, MA., USA) [14]. As amostras foram desproteinizadas através de ultrafiltração, usando uma membrana Millipore PLGC, em um dispositivo Amicon Centricon, e após serem secadas à vácuo, foram submetidas a uma derivação de pré-coluna com fenil isotiocianato. O derivado de aminoácido feniltiocarbamil resultante foi separado em uma coluna de fase invertida (30 cm x 3,9 mm), imersa em um banho-maria à 46 °C e espectofometricamente detectado à 254 nm. Análise Estatística - Dados no texto, tabelas e figuras são expressos como médias ± DP. A análise estatística dos valores plasmáticos de triptofano e cinurenina (Fig. 1 e 2) foi executada usando o teste de ANOVA, para medidas repetidas, seguida pelo T-Teste de Student para dados não pareados, para demonstrar qualquer diferença significativa (p < 0,01) nos valores pós-sobrecarga entre indivíduos saudáveis e diabéticos. O significado estatístico das diferenças nas relações das concentração plasmáticas de AANCGs também foi avaliado por ANOVA. O limiar significativo foi fixado em p < 0,05 em todos os casos. ■ RESULTADOS 400 40 300 30 PLASMA CINURENINA (nmol / ml) PLASMA TRIPTOFANO (nmol / ml) A Figura 1 mostra que as concentrações plasmáticas de triptofano em pacientes diabéticos não eram significativa- mente diferentes dos controles, no estado basal, e aumentaram numa taxa semelhante, durante o período de absorção após a sobrecarga de triptofano, alcançando um platô semelhante aos 90 min. Elas se tornaram significativamente mais baixas que aquelas dos controles até 4 h depois da administração do aminoácido, antes de se aproximar dos níveis dos controles às 5 e 6 h, após sobrecarga. Em pacientes diabéticos, os níveis plasmáticos de cinurenina póssobrecarga (Fig. 2) também divergiram dos observados no grupo de controle, mas só se tornaram significativamente menor às 4 e 5 h. A excreção urinária pré-sobrecarga de triptofano e cinurenina (Tabela 2) estava mais alta em pacientes diabéticos que em controles. Em seguida a ingestão de aminoácido, a excreção de triptofano sempre foi exuberante em pacientes diabéticos, considerando que excreção de cinurenina aumentou muito rapidamente em controles (Tabela 2). A Tabela 3 mostra as concentrações plasmáticas fisiológicas de aminoácidos antes e depois do bolus de triptofano (foram omitidas medidas aos 300 min para simplificar). Em controles, só as concentrações de tirosina estavam significativamente reduzidas aos 120 min, no que diz respeito aos valores pré-sobrecarga. Em pacientes diabéticos, esta diminuição não estava aparente às 2 h, mas foram observadas mudanças significativas em hidroxiprolina, taurina, tirosina, metionina e ornitina 240 min após sobrecarga de triptofano. A comparação entre indivíduos controle e diabéticos mostrou que o aumento típico de AACR ocorreu em condições basais para os últimos. Após a ingestão de triptofano, os níveis de AACR em pacientes diabéticos permaneceram altos, enquanto que taurina, arginina e prolina diminuíram aos 240 min, em relação aos controles. A tirosina era significativamente mais alta em diabéticos que em indivíduos controle aos 120 min, es- 200 100 0 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 TEMPO (horas) FIG. 1 - Níveis plasmáticos de triptofano depois da administração oral (50 mg/kg) em indivíduos controle saudáveis (•–•) e indivíduos diabéticos tipo 1 (0—0). Valores são a média ± DP de 9 e 15 casos, respectivamente. * p < 0,05, ** p < 0,01 vs controles (T-Teste de Student para dados não pareados). 0 1 2 3 4 5 6 TEMPO (horas) FIG. 2 - Níveis plasmáticos de cinurenina depois da administração oral (50 mg/kg) em indivíduos controle saudáveis (•–•) e indivíduos diabéticos tipo 1 (0—0). Valores são a média ± DP de 9 e 15 casos, respectivamente. * p < 0,05, ** p < 0,01 vs controles (T-Teste de Student para dados não pareados). Vol. 03, 1997 EFEITOS DA SOBRECARGA DE TRIPTOFANO 131 TABELA 2 - Excreções urinárias de triptofano e cinurenina após sobrecarga oral de triptofano (50 mg/kg) em pacientes diabéticos tipo 1 e controles não diabéticos. Tempo de intervalo da coleta de urina Excreção de triptofano (mg/h) Excreção de cinurenina (mg/h) Controles (n = 9) Diabéticos (n = 15) Controles (n = 9) Diabéticos (n = 15) 24 h antes da sobrecarga 0,66 ± 0,09 1,63 ± 0,14** 0,10 ± 0,01 0,15 ± 0,01** 0-6 h após sobrecarga 2.10 ± 0,30 4,13 ± 0,36** 7,78 ± 1,9 3,79 ± 0,70** 6-24 h após sobrecarga 0,80 ± 0,13 1,27 ± 0,14** 0,47 ± 0,09 0,23 ± 0,04 * Valores = médias ± DP. * p < 0,05. ** p < 0,01 vs indivíduos controle (T-Teste de Student para dados não pareados). A diurese foi maior que 50 a 60 % em diabéticos que em controles, tanto antes quanto após sobrecarga de triptofano TABELA 3 - Concentrações plasmáticas de aminoácidos fisiológicos em pacientes diabéticos tipo 1 e controles não diabéticos, antes e aos 120 e 240 min depois de uma sobrecarga de triptofano oral. Concentração plasmática de aminoácido (nmol/ml) ASP GLU HPR SER ASN GLY GLN TAU HIS THR ALA ARG PRO TYR VAL MET CYS ILE LEU PHE TRP ORN LYS Controles (n = 4) Basal 12 ±6 57 ±10 27 ±6 119 ±18 64 ±7 191 ±15 410 ±45 62 ±4 85 ±10 114 ±10 290 ±11 86 ±10 199 ±12 61 ±6 193 ±14 36 ±6 33 ±3 69 ±4 108 ±8 120min 12 ±3 68 ±11 19 ±1 102 ±10 54 ±5 159 ±10 394 ±18 50 ±4 73 ±3 99 ±22 252 ±30 83 ±8 180 ±18 44c ±3 180 ±21 29 ±6 51 ±7 51 ±10 14 ±4 111 ±8 58 ±6 172 ±10 437 ±51 65 ±7 78 ±3 111 ±15 267 ±12 100 ±7 181 ±11 52 ±3 184 ±18 23 ±2 43 ±3 63 ±2 240 min 9 ±2 66 ±11 60 ±5 71 ±8 172 ±10 96 ±14 49 365d ±3 ±22 55 ±8 164 ±11 118 ±5 48 238d ±1 ±25 58 ±5 164 ±11 Diabéticos(n = 7) 13 ±3 70 ±6 34 ±7 123 ±12 68 ±5 198 ±26 405 ±44 60 ±5 75 ±6 115 ±9 284 ±31 85 ±9 167 ±10 70 277b ±5 ±16 35 ±6 68a ±11 97a 149a ±7 ±10 67 ±5 69 ±6 66 ±10 199 ±27 120 min 18 ±4 67 ±11 32 ±7 123 ±10 63 ±5 150 ±10 420 ±22 58 ±1 73 ±5 103 ±8 265 ±48 88 ±9 144 ±18 65a 258b ±4 ±13 32 ±5 67 ±9 87b 134a ±5 ±8 61 277bd ±5 ±18 59 ±10 164 ±15 240 min 7 ±1 78 ±16 15c ±3 109 ±9 55 ±6 150 ±13 411 ±34 42bd ±3 65 ±4 91 ±8 250 ±31 78a 131a ±5 ±11 53d 263b ±1 ±10 17c ±2 65 ±12 79 ±7 55 178d ±4 ±19 47 ±4 163 ±15 Basal 144 ±12 Valores = média ± DP. a p < 0,05, b p < 0,01 vs controles não diabéticos; c p < 0,05, d p < 0,01 vs basal (T-Teste de Student para dados não pareados). sencialmente por causa de uma redução precoce nos valores dos controles. A Tabela 4 mostra que não havia diferenças significativaa entre os grupos controle e diabético no estado basal, com respeito as relações das concentrações plasmáticas de cada AANCG para a soma dos outros. Em seguida a ingestão de triptofano, o aumento da relação plasmática de TRP/AANCG, era muito maior em controles que em indivíduos diabéticos. Todas as outras relações mostraram uma redução significativa (p < 0,05 pelo menos) 132 V. Fierabracci Diabetes & Metabolism TABELA IV - Relações das concentrações plasmáticas para aminoácidos neutros de cadeias grandes em pacientes diabéticos tipo 1 (n = 7) e controles não-diabéticos (n = 4), antes e em vários intervalos de tempo, depois de uma sobrecarga de triptofano oral. Relações TRP/AANCG TYR/AANCG PHE/AANCG LEU/AANCG ILE/AANCG VAL/AANCG Basal 120 min 240 min 300 min Controles 0,12 ± 0,01 0,89 ± 0,04 § 0,51 ± 0,03 § 0,28 ± 0,02 § Diabéticos 0,11 ± 0,01 0,46 ± 0,04 §* 0,31 ± 0,04 §* 0,18 ± 0,04 Controles 0,12 ± 0,02 0,06 ± 0,01 § 0,08 ± 0,01 0,08 ± 0,01 Diabéticos 0,11 ± 0,01 0,08 ± 0,01 § 0,07 ± 0,01 § 0,07 ± 0,01 § Controles 0,14 ± 0,02 0,07 ± 0,01 § 0,07 ± 0,01 § 0,09 ± 0,01 Diabéticos 0,10 ± 0,01 0,07 ± 0,01 § 0,07 ± 0,04 § 0,08 ± 0,01 Controles 0,25 ± 0,02 0,12 ± 0,01 § 0,20 ± 0,01 0,25 ± 0,01 Diabéticos 0,26 ± 0,02 0,18 ± 0,02 § 0,23 ± 0,03 0,29 ± 0,03 Controles 0,14 ± 0,01 0,07 ± 0,01 § 0,10 ± 0,01 § 0,11 ± 0,01 Diabéticos 0,16 ± 0,02 0,11 ± 0,01 §* 0,11 ± 0,01 § 0,13 ± 0,02 Controles 0,53 ± 0,04 0,29 ± 0,02 § 0,35 ± 0,02 § 0,48 ± 0,01 Diabéticos 0,62 ± 0,04 0,41 ± 0,02 §* 0,52 ± 0,02 §* 0,60 ± 0,01 * TRP/AANCG : Relação da concentração plasmática de triptofano (TRP)/tirosina (TYR) + fenilalanina (PHE) + leucina (LEU) + isoleucina (ILE) + valina (VAL). TYR/AANCG : TYR/TRP + PHE + LEU + ILE + VAL. LEU/AANCG : LEU/TRP + TYR + PHE + ILE + VAL. ILE/ AANCG : ILE/ TRP + TYR + PHE + LEU + VAL. VAL/AANCG : VAL/TRP + TYR + PHE + LEU + ILE. Valores = média ± DP. § p < 0,05 pelo menos vs valores basais; * p < 0,05 pelo menos vs controles (T-Teste de Student para dados não pareados). De acordo com análise de variância (ANOVA), que também foi executada em dados da Tabela IV, o efeito do tempo foi altamente significativo (p < 0,01) para todas relações ; e o efeito do diabetes foi significativo (p < 0,02, pelo menos) para as relações TRP/AANCG, LEU/AANCGA, ILE/AANCGA e VAL/AANCGA; a interação foi significativa (p < 0,01) somente para a relação TRP/AANCG. 120 min após sobrecarga. Nesse tempo, as análises dos pacientes diabéticos foram consistentemente mais baixas que em controles (30 % vs 50 %), comparados com os valores basais. Cinco horas depois da ingestão de triptofano, todas as relações tinham voltado a valores não significativamente diferentes das basais, com exceção de TRP/AANCG em controles (que ainda estava aumentada) e TYR/AANCG em pacientes diabéticos (que ainda estava reduzida). ■ DISCUSSÃO Os efeitos da deficiência e da administração de insulina, nas concentrações plasmáticas de aminoácidos, foram explorados em numerosos estudos animais [1, 15] e humanos [2, 16]. Em conformidade com esses trabalhos, a principal mudança observada no presente estudo em pacientes diabéticos tipo 1 mal controlados foi o aumento dos níveis plasmáticos de AACR. Ao contrário dos resultados para ratos streptozotocin-diabéticos [7], a triptofanemia basal em pacientes diabéticos estava igual em controles, apesar da taxa de excreção urinária aumentada para esse aminoácido, que estava correlacionada com uma diurese aumentada. Um dos achados principais deste estudo é que a sobrecarga de triptofano revelou anormalidades ocultas no metabolismo de triptofano em pacientes diabéticos. Assim, as concentrações plasmáticas de triptofano pós-sobrecarga nestes pacientes não eram tão altas quanto em controles. É improvável que isso seja devido a absorção prejudicada no intestino, desde que nenhuma diferença significativa na triptofanemia foi observada entre controles e indivíduos diabéticos, dentro dos primeiros 90 min, após a sobrecarga. Além disso, foi observado em animais diabéticos que o transporte intestinal de aminoácidos, inclusive AANCG, não estava diminuído [17] e que o número de transportadores de aminoácidos pode estar até mesmo aumentado [18]. Portanto, o limitado aumento pós-sobrecarga dos níveis sangüíneos de triptofano pode ser atribuído a um metabolismo de triptofano acelerado no fígado, devido a atividade aumentada da triptofano 2-3-dioxigenase, como descrito para ratos diabéticos [9]. Visto que a cinurenina, o primeiro produto dessa atividade enzimática, alcançou concentrações plasmáticas mais baixas póssobrecarga em pacientes diabéticos que em controles, e foi excretada pela urina numa taxa mais baixa que nos controles, é provável que o aumento dos níveis do catabólito do triptofano no fígado diabético também aconteça depois 134 V. Fierabracci da catalisação através da triptofano 2-3-dioxigenase. Uma explicação alternativa para a tolerância aumentada de pacientes diabéticos para a sobrecarga de triptofano poderia ser a excreção urinária aumentada de aminoácido em controles. Não obstante, uma análise quantitativa de nossos dados (a diferença nas quantias excretadas que são exatamente uma fração pequena da dose ingerida) indicou que é pouco provável que este fator por si mesmo responderia pela discrepância entre triptofano e cinurenina plasmáticos entre indivíduos saudáveis e diabéticos. A sobrecarga de triptofano não teve maiores efeitos nas concentrações plasmáticas dos outros aminoácidos em qualquer controle ou no grupo de diabéticos, com exceção de uma ligeira redução de 30 % nos níveis de tirosina no primeiro e mudanças tardias em alguns aminoácidos, inclusive tirosina, nos últimos (veja Tabela 3). Ainda, quando a relação de cada AANCG para a soma dos outros foi considerada, foram observadas diferenças relevantes entre diabéticos e controles, devido à diferente manipulação da sobrecarga de triptofano e às persistentes diferenças nas concentrações de AACR, como confirmado por ANOVA (p < 0,02 pelo menos). Como resultado, foram atenuados ambos - o aumento pós-sobrecarga da relação de TRP/AANCG e as diminuições nas outras relações nos controles - em pacientes diabéticos. As proporções das concentrações plasmáticas de AANCG são o principal determinante de sua captação no cérebro. Essa captação envolve um transportador comum [4] influenciando a disponibilidade dos precursores para a síntese de serotonina e catecolaminas. Não está definitivamente estabelecido (particularmente no homem) como as diferenças na captação desses precursores provocam mudanças nos níveis desses neurotransmissores no cérebro. Entretanto, tem-se demonstrado em algumas espécies animais, inclusive primatas, que a síntese de serotonina pode ser influenciada por grandes alterações no suprimento cerebral de triptofano [5-8]. Além disso, tem sido frequentemente relatado que até mesmo misturas fisiológicas de aminoácidos, como aquelas derivadas de comidas ricas em proteínas consumidas por indivíduos saudáveis, podem diminuir a relação plasmática TRP/AANCG para um grau que provavelmente afeta a síntese de serotonina no cérebro [19, 20], e possivelmente determinar mudanças no humor e no comportamento [21, 22]. Estes relatórios e nossos próprios dados sugerem que os diabéticos são particularmente propensos às reduções agudas na relação TRP/AANCG, após uma alimentação rica em proteína. Comparados aos indivíduos saudáveis, são afetados a acumulação de AACR e a aceleração do clearance de triptofano na circulação sangüínea. Como resultado, variações anormais na síntese de serotonina no cérebro podem acontecer, pelo menos com efeitos a curto prazo. Não pode ser afirmado até o momento que apenas mudanças detectáveis nas relações plasmáticas de triptofano ou de tirosina em pacientes diabéticos, podem significar efeitos a longo prazo no funcionamento do sistema nervoso central ou periférico, especialmente naquelas doenças de longa duração. Em conclusão, nossos resultados indicam que uma alteração na distribuição de triptofano pós-sobrecarga em pa- Diabetes & Metabolism cientes diabéticos mal controlados pode levar a níveis sangüíneos do aminoácido administrado mais baixos do que em indivíduos não diabéticos. Este fenômeno, junto com o aumento persistente dos níveis sangüíneos de AACR, causa redução mais acentuada nos testes de pós-sobrecarga na relação plasmática TRP/AANCG, do que em indivíduos saudáveis. Considerando o que é conhecido em condições semelhantes para outras espécies animais, um prejuízo na acumulação aguda pós-sobrecarga de triptofano e serotonina no cérebro é provável ocorrer em pacientes diabéticos. Neste particular, nossos resultados podem ser úteis aos clínicos que administram triptofano em grandes doses para o tratamento de insônia [23] ou depressão [24]. BIBLIOGRAFIA 1 Crandall EA, Fernstrom JD. 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The technique of precursor loading : a review. Neuropsychobiology, 1977, 3, 164-172. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 135 - 142 Artigo original DIABETES TIPO 2 ESTÁ ASSOCIADO À MAIOR PREVALÊNCIA DE DEPRESSÃO NOS IDOSOS L. Amato (1), G. Paolisso (1), F. Cacciatore (2), N. Ferrara (2), S. Canonico (3), F. Rengo (2), M. Varricchio (1) para o Osservatorio Geriatrico of Campania Region Group RESUMO Investigamos a associação de diabetes mellitus não insulino-dependente (DMNID-diabetes tipo 2) e sintomas de depressão numa comunidade representativa de idosos, independentemente de outra condições como sexo, idade, status socio-familiar, incapacidade, deterioração cognitiva e várias outras doenças crônicas como doença pulmonar obstrutiva crônica, doença articular degenerativa, doença cardíaca, cirrose hepática, colelitíase, úlcera péptica e cálculos renais. Um total de 1339 idosos que moram no sul da Itália foram selecionados, randomizados por listas eleitorais. Todos os pacientes foram testados pela Escala Geriátrica de Depressão (EGD) para detectar depressão. O Mini-Mental State Examination (MMSE) foi usado para avaliar a função cognitiva; o índice da Atividade da Vida Diária (AVD) foi usado para avaliar a incapacidade. O diabetes Mellitus não insulino-dependente afetou 14,7 % da amostra. Depressão foi mais prevalente nas mulheres > 75 anos de idade do que em mulheres mais jovens (15,9 % vs. 8,1 % ; p < 0,001). Em análise de regressão linear múltipla, diabetes mellitus foi significativamente associado à depressão, independentemente de idade, sexo, solidão, doença pulmonar obstrutiva crônica, alteração cognitiva, doença articular degenerativa, doenças cardíacas, renais, cirrose hepática e colelitíase. Foi concluído que o DMNID é significativamente associado com a depressão no idoso e que pode haver implicações clínicas para a manutenção do controle glicêmico. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 135-142. SUMMARY We investigated the association of non-insulin-dependent (Type 2) diabetes mellitus and depression symptoms in a representative community-dwelling elderly population independently of other conditions such as gender, age, status, disability, cognitive impairment and a number of chronic medical conditions such as chronic obstructive lung disease, degenerative joint disease, heart disease, cirrhosis of the liver, cholelithiasis, peptic ulcer and kidney stones. A total of 1339 elderly subjects living in southern Italy were randomly selected from electoral rolls and evaluated. All subjects were tested by the Geriatric Depression Scale to detect depression, the Mini-Mental State Examination to study cognitive function and the Activity Daily Living Index to evaluate disability. Non-insulindependent diabetes mellitus affected 14.7 % of our sample. Depression was more prevalent in women over 75 years of age than in younger women (15.9 vs 8.1 %, p < 0.001). In multiple linear regression analysis, diabetes mellitus was found to be significantly associated with depression independently of age, gender, loneliness, cognitive impairment, chronic obstructive lung disease, degenerative joint disease, heart diseases, cancer, kidney disease, cirrhosis of the liver and cholelithiasis. It is concluded that non-insulin-dependent diabetes mellitus is significantly associated with depression in the elderly, which may have clinical implications for the achievement of sufficient blood glucose control. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 314-318. Unitermos : DMNID, depressão, pacientes idosos, alteração cognitiva. Key-words : non-insulin-dependent diabetes mellitus, depression, elderly patients, cognitive impairment. ✍ : G. Paolisso, Department of Geriatric Medicine and Metabolic Disease, Servizio di Astanteria Medica, Piazza Miraglia 2, 80138 Nápoles (Itália). Tel : +39 81 566 5016, Fax : +39 81 441499 (1) Departamento de Medicina Geriátrica e Doenças Metabólicas, Universidade de Nápoles 2. (2) Cadeira de Medicina Geriátrica, Universidade Frederico II, Nápoles. (3) Cadeira de Cirurgia Geriátrica, Universidade de Nápoles 2. Vol. 01, 1997 O aumento da população idosa nos países ocidentais criou importantes problemas de saúde. No que diz respeito a isso, a coexistência de múltiplas condições crônicas, referido aqui como comorbidade, parece representar o papel principal. A associação íntima do estado de saúde geral é documentada, não apenas na alteração funcional na idade tardia [1], mas também com a depressão e as desordens psiquiátricas [2]. A taxa de prevalência de depressão nos idosos é controversa. Foi observada a sintomatologia depressiva com prevalência maior [3] e menor [4, 5] em relação aos adultos jovens. Berkman et al [6] demonstrou que a idade por si própria contribui pouco para a sintomatologia, entretanto a comorbidade parece ter um papel importante para a instalação da depressão [6]. Entre as doenças mais frequentes, o diabetes mellitus tem alta prevalência e incidência nos idosos [7-9]. Alguns relatórios sugerem uma relação entre os fatores psicológicos e o diabetes mellitus [10-15]. O diabetes por si mesmo causaria depressão ou ambas doenças apareceriam coincidentemente. Além disso, a depressão pode afetar a aderência ao tratamento, dessa forma influenciando muito o controle glicêmico [16, 17] A associação entre a depressão e o diabetes foi frequentemente relatada em adultos, em pacientes com larga faixa etária (18 à 70 anos). A situação dos pacientes idosos, como um todo, ainda é negligenciada. O propósito desse estudo é considerar a prevalência do diabetes e depressão em grande amostra de pacientes idosos (idade 65-96 anos) na região de Campana, sudeste da Itália, com os respectivos dados derivados da EGD e o impacto das principais variações da pontuação da EGD. ■ PACIENTES E MÉTODOS A amostra inclui 1780 pacientes acima de 65 anos de idade (57,5 % mulheres). Todos os pacientes moravam na região de Campana, sudeste italiano, e foram selecionados randomizadamente através das listas eleitorais. A fração da amostra foi de 0,3 %. Em toda a população idosa convidada, 441 (24,7 %) recusaram-se a participar. 195 (14,6 % da população estudada) maravam só, sem marido, mulher e/ ou familiares. Somente 0,5 % dos pacientes estudados moravam em instituições. Os pacientes estudados (n = 1339) foram entrevistados em suas casas por médicos treinados. Os relatórios continham dados clínicos e funcionais. A sintomatologia depressiva foi detectada pela EGD que prevê um efetivo modo de screening (triagem) para a depressão aguda e crônica [18-19]. A EGD é um questionário que consiste de 30 itens tipo verdadeiro e falso sem nenhum conteúdo somático específico. Essa escala foi escolhida devido à alta proporção de incultos (principalmente de analfabetos) na população estudada. Os idosos com pontuação abaixo de 10 não foram considerados depressivos, pontuação de 10-20 como borderline, os com 20 ou mais foram considerados depressivos [20]. Dentre os testes neuro psicológicos incluídos está o Mini Mental State Examination (MMSE), que foi usado para avaliar o estado cognitivo (30 itens que avaliam diferentes DIABETES E DEPRESSÃO 139 domínios da função cognitiva). A pontuação varia de 30 para a melhor resposta e 0 para a pior. Uma pontuação abaixo de 24 indica a deficiência cognitiva [21]. A incapacidade foi medida pelo Índice da Atividade Diária (AVD) [22] no qual a pontuação varia de 0 a 5 para o maior nível de incapacidade. Os indivíduos diabéticos foram identificados como aqueles que fazem dieta, usam de hipoglicemiantes orais e/ou de insulina para o controle da glicemia. Os dados referentes aos diabéticos também incluem a idade dos pacientes no momento que foi dado o diagnóstico (< 20 anos; 20-50 anos ; > 50 anos) , informações da historia familiar do diabetes, idade do início da doença. Os dados laboratoriais (glicose de jejum) das últimas 4 semanas também foram disponíveis para os entrevistadores. Pacientes com glicemia de jejum > 140 mg/ml foram considerados diabéticos. Somente um paciente, que foi excluído da análise, tinha diabetes mellitus diagnosticado antes de 20 anos de idade. De acordo com a idade no início da doença e o tipo de terapia usada para manter o controle metabólico, todos os outros pacientes foram considerados não insulino dependentes. As doenças crônicas como a doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer, doenças articulares degenerativas, doenças cardíacas, úlcera péptica, doença renal, cirrose hepática, colelitíase e cálculos renais foram avaliados pelo histórico médico do paciente e confirmados pelo médico. Em cada paciente, o índice da massa corporal (IMC) também foi avaliado. Cálculos e análise estatística - A prevalência da depressão e do diabetes foi determinada por sexo e idade. Para a determinação da idade, a amostra foi dividida em 2 grupos : idosos (< 75 anos) e muito idosos (> 75 anos). As diferenças na prevalência entre os grupos foram avaliadas pelo teste de Qui-quadrado. A análise de uma só direção de variância foi usada para testar as diferenças nas pontuações médias, para pacientes com e sem diabetes em relação a idade, pontuação de MMSE, AVD, e IMC. Foram usadas análises de regressão linear múltipla, para controlar o efeito interferente potencial na pontuação da EGD. Na análise, a pontuação de EGD foi considerada como variável dependente ; a idade, a pontuação de MMSE e AVD foram consideradas como valores contínuos ; doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças articulares degenerativas, cardíacas, cirrose hepática, colelitíase e cálculos renais foram dicotomizados como presentes ou ausentes. Os dados do status socio-familiar foram analisados considerando pacientes que vivem sozinhos como equivalente a 1. Foi feita também a análise múltipla de regressão passo a passo para estudar a contribuição relativa de cada covariante ao modelo total. As análises estatísticas foram feitas no computador IBM usando o programa SPSS. A significância foi de p < 0,05. Os dados são apresentados com desvio padrão médio (+/-). ■ RESULTADOS As características do estudo estão resumidas na Tabela 1. A prevalência de mulheres foi demonstrada, e ¼ dos pacientes tinham severo distúrbio cognitivo. Somente 7 % dos 140 L. Amato Diabetes & Metabolism TABELA 1 - Variáveis para 1339 indivíduos idosos da comunidade Variável Desvio padrão Mulheres (n = 772) Idade (65-96) (1339) Porcentagem de respostas 57,7 74,22 (6,36) 14,8 MMSE (pontuação 0-30) (= 1292) 75,1 24 e mais (n = 970) 24,9 < (n = 332) Idade 73,9±5,9 Controles (n = 1142) p = NS 63M / 134F p < 0,001 74,2±6,4 27,1±0,8 IMC (kg/m2) 27,8±0,9 p = NS 27,1±0,8 MMSE (pontuação) 24,2±7,0 p<0,01 25,5±6,4 AVD (pontuação) 0,41±1,2 p<0,001 11,1±6,5 EGD (pontuação) 13,2±6,8 p<0,001 11,1±6,5 Todos os resultados em +/- desvio padrão; IMC = índice de massa corporal, MMSE = Mini Mental State Examination; AVD = atividades da vida diária; EGD = escala geriátrica de depressão. 11,44 (6,61) 0 – 10 (n = 595) 46,00 11 – 20 (n = 571) 44,2 21 –30 (n = 127) 9,8 AVD (nenhuma função perdida) (0-5) (n = 1328) 99,2 Nenhuma função perdida (n = 1255) 93,0 Uma função perdida (n = 24) 1,8 Duas ou mais funções perdidas (n = 69) 5,2 IMC (kg/m2) (n = 1315) DMNID (n = 197) Sexo Sozinho (n = 195) EGD (pontuação 0-30) (n = 1292) TABELA 2 - Características das pessoas com diabetes vs. grupo controle 26,57 (5,14) MMSE = Mini Mental State Examination ; EGD = Escala Geriátrica de Depressão ; AVD = Atividade de Vida Diária pacientes tinham grau de incapacidade moderado para severo. O IMC mostra uma tendência aos acima do peso. Cento e noventa e sete pacientes dentre 1339 estudados eram diabéticos (67 % mulheres). As características dos pacientes com diabetes comparados com aqueles sem diabetes estão na Tabela 2. Apesar de semelhante faixa etária, os indivíduos com diabetes eram levemente acima do peso, tinham alteração cognitiva mais severa, eram mais incapacitados e tinham mais sintomas depressivos do que aqueles sem diabetes. Os sintomas depressivos eram mais prevalentes em indivíduos com diabetes (13,6 %) do que aqueles sem diabetes (8,7 %) (p = 0,04).Homens com diabetes eram freqüentemente mais depressivos (11,4 %) do que homens sem (6,6 %, p = 0,001). Resultados semelhantes foram encontrados, quando a prevalência dos sintomas depressivos foram calculados em mulheres com (14,7 %) e sem diabetes (10,6 %; p = 0,01). A idade do início da doença e o uso de insulina ou hipoglicemiantes orais foram critérios ineficazes para determinar se os indivíduos diabéticos eram deprimidos ou não. No total do estudo da população, a depressão teve uma prevalência de 9,8 %. Homens mais jovens e maiores de 75 anos tiveram prevalência semelhante (6,0 % v.s. 8,8 %, p = NS), enquanto que para as mulheres acima de 75 anos teve prevalência de depressão maior do que para mulheres jovens ( 15,9 v.s. 8,1 %, p < 0,001). Devido à comorbidade no início da depressão, foram estudadas também a prevalência de outras doenças importantes (Tabela 3). Um número consistente de pacientes foram afetados por doença pulmonar obstrutiva crônica, doença articular degenerativa, doença cardíaca, câncer, úlcera péptica, doença renal, cirrose hepática, colelitíase e cálculos renais. Assim, foi feita a análise de regressão linear múltipla, para estudar a contribuição independentemente de diabetes mellitus para a depressão. O diabetes foi responsável por significantes proporção de variabilidade na EGD, independentemente de sexo, idade, pontuação no MMSE, pontuação na AVD, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença articular degenerativa, doença cardíaca, câncer, úlcera péptica, doença renal, cirrose hepática, colelitíase e cálculo renal (Tabela 4). O modelo inteiro respondeu por 23 % de variabilidade no índice EGD. A análise de regressão linear múltipla passo a passo permitiu calcular que as doenças como doença pulmonar obstrutiva crônica, doença articular degenerativa, doença cardíaca, câncer, úlcera péptica, doença renal, cirrose hepática, colelitíase e TABELA 3 - Prevalência de diferentes doenças crônicas investigadas na amostra total (n=1339) Doença Depressão amostra (n) % 127 9,8 Dç. Articular degenerativa 911 68,0 Dç. Pulmonar obstrutiva crônica 508 37,9 Dç. Cardíaca 351 26,2 Diabetes 197 14,7 Úlcera péptica 140 10,5 Colelitíase 123 9,2 Dç. Renal 56 4,2 Calculo renal 48 3,6 Câncer 46 3,4 Cirrose hepática 36 2,7 142 L. Amato Diabetes & Metabolism TABELA 4 - Análise de regressão linear mútipla para controlar o efeito “confound” na EGD (variável dependente) Variável explanatória B S.E.M. Valor p Sexo 0.99 0.36 .006 Idade 0.07 0.02 .01 Status 1.27 0.47 .007 - 0.31 0.03 .0000 AVD (score) 0.44 0.25 .08 Diabetes 1.17 0.46 .01 Doença cardíaca 1.03 0.38 .008 Doença pulmonar obstrutiva crônica 1.07 0.35 .003 Doença articular degenerativa 1.30 0.36 .0004 Câncer 2.36 0.90 .009 MMSE (score) Doença renal 1.68 0.85 .05 Cirrose hepática 2.59 1.02 .01 Colelitíase 1.53 0.58 .009 (Constante) 9.14 2.49 .0003 cálculo renal representaram 6 % da variabilidade total do modelo. Incapacidade, úlcera péptica e cálculos renais estavam no modelo, porém não eram significantes. ■ DISCUSSÃO Nosso estudo enfocou a relação entre a depressão e o diabetes mellitus não insulino- dependente (DMNID) nos idosos. Em nossa amostragem, a depressão foi mais prevalente em mulheres que em homens, especialmente em idade avançada. Observamos a prevalência de diabetes similar aos estudos epidemiológicos envolvendo a mesma faixa etária. A depressão foi mais prevalente em diabéticos que em não diabéticos. Este achado ainda permaneceu válido após ajuste apropriado para idade, sexo, grau de incapacidade, alterações cognitivas, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença articular degenerativa, doença cardíaca, câncer, doença renal, cirrose hepática e colelitíase. A ocorrência de depressão em diabéticos poderia ser explicada por três processos casuais. Primeiramente, os fatores psicológicos poderiam representar algum papel, no início da depressão em adultos com diabetes [23]. Entretanto, as observações clínicas não são à favor dessa possibilidade. Em segundo lugar, a depressão pode resultar ou ser o resultado de anormalidades biológicas comuns tanto na depressão como no diabetes [24, 25]. Finalmente, as mudanças na concentração plasmática de cortisol [26, 28], na atividade do eixo hipotalâmico-pituitário [29, 30] e nos neurotransmissores (principalmente norepinefrina e serotonina) [3134], também poderiam contribuir. Além disso, o diabetes e a depressão poderiam ser ocasionalmente associados. A associação entre diabetes e depressão também possuem certas implicações clínicas. Foi sugerido que o curso da depressão em pacientes diabéticos é mais severo do que em pacientes psiquiátricos, nos quais a depressão é diagnosticada e tratada [39]. Com respeito aos idosos, a depressão é freqüentemente considerada normal para a idade, sendo com freqüência não detectada e subtratada [40]. Além disso a investigação de depressão em pacientes diabéticos é com freqüência difícil, devido à clínica pouco evidente. Alguns estudos demonstram que a depressão afeta o controle glicêmico [16, 17], enquanto que o tratamento da depressão é associado com melhora da glicemia, independentemente da ação da secreção da insulina [14]. Um estudo prospectivo demonstrou uma maior prevalência de depressão em mulheres, provavelmente por causa de haver mais viúvas do que de viúvos [35]. Esta hipótese é fortalecida pelos nossos dados, que demonstram a relação da depressão e solidão. A comorbidade é considerada como a maior variável que afeta a depressão [6], este achado é confirmado por nosso estudo. De fato, nos nossos dados, a adição de comorbidade (no caso de doença pulmonar obstrutiva crônica, doença articular degenerativa, doença cardíaca, câncer, úlcera péptica, doença renal, cirrose hepática, colelitíase e cálculo renal) foi correlacionada positivamente com a pontuação da EGD e acometeu 6 % das variáveis em todo o modelo estudado. Nos idosos, depressão e alteração cognitiva foram estudados em inúmeros relatórios, levando a resultados contraditórios. A relação entre depressão e alteração cognitiva ainda é debatida [36]. Alguns autores não detectaram associação [37], enquanto que outros acharam o contrário [38]. No nosso estudo, a alteração cognitiva foi inversamente relacionado à depressão (T = 10,5 ; p = 0,0001). Dessa forma não podem ser excluídas que as discrepâncias nos estudos desta associação, diabetes e alteração cognitiva, são devidas às diferentes escalas usadas para avaliação da depressão e alteração cognitiva. Concluindo, nosso estudo demonstrou que a associação entre depressão e diabetes tipo 2 existe nos idosos apesar da pequena faixa etária. Investigações posteriores devem fornecer maiores informações à respeito da fisiopatologia dessa associação. 1 2 3 4 5 6 7 8 BIBLIOGRAFIA Dessonville C, Gallagher D, Thompson LW, et al. 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Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 144-149 SUMMARY When a medical problem is studied intensively by several investigators in the world, a solution may sometimes be found simultaneously in different countries. Seventy-five years after the discovery of insulin, the chronology of this event can be reconsidered objectively and the role of each of the protagonists evaluated. The stubbornness of Banting and Best, the technical abilities of Collip and the active support of Macleod were determinant in the use of insulin for the treatment of diabetic patients. Moreover, in the long line of experimentalists and physicians, Lancereaux and Paulesco also deserve special mention. . Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 112-117. Unitermos : insulina, descoberta, Paulesco, Banting, Best. Key-words : insulin, discovery, Paulesco, Banting, Best. ✍ : H.Lestradet, 7 place du Tertre, 75018 Paris *Membro da Academia de Medicina. Vol. 01, 1997 H á 75 anos, a aplicação cotidiana da injeção de insulina tem salvado de morte inevitável milhões de crianças e adultos. Trata-se de uma das maiores conquistas da medicina. É portanto, mais do que justo homenagearmos os que merecem. Porém, uma surpreendente sucessão de desentendimentos, indelicadezas, silêncios e omissões, isto agravado por um prêmio Nobel atribuído de maneira precipitada, fez com que se criasse uma lenda que, até hoje, se mantém em torno desta descoberta [1]. É possível hoje, depois que todos os protagonistas desapareceram deixando ainda uma lembrança muito viva, situar com serenidade cada um no seu devido lugar [2, 3]. O diabetes é conhecido desde a antigüidade. Um passo enorme foi dado graças à Thomas Willis (1673) que separou, nitidamente, o diabetes mellitus do diabetes insípidus. A partir de Claude Bernard (1855),o maior sinal biológico do diabetes, a hiperglicemia, assim como o papel essencial do fígado ficaram conhecidos. Porém, no que se diz respeito à insulina e a seu uso no homem, tudo começa com Lancereaux [4]. Este, já em 1887, demonstra claramente, num estudo anatomoclínico muito importante , que o diabetes do magro está ligado à atrofia pancreática enquanto nos diabéticos pletóricos o pâncreas está sempre “normal”. Em 1889, Minkowski e Von Mehring [5] efetuam a ablação total do pâncreas seguindo a técnica de Marinotti [6], a fim de estudarem a participação deste órgão na digestão das gorduras, criando assim por inadvertência, um diabetes consumptivo experimental e confirmando o papel essencial do pâncreas no diabetes do magro. Lépine [7] sugere que o pâncreas secreta no sangue um fermento glicolítico. A partir desta data, as pesquisas se intensificam com o objetivo de tentar isolar uma substância ativa proveniente das ilhotas descritas por Langherans em 1869, fonte de secreção da substância responsável, como pensava Laguesse. No mesmo ano, Hedon demonstra que o transplante de pâncreas modifica o distúrbio da glicemia. Opie em 1910 [10] junta mais de 400 trabalhos sobre estes ensaios de comprovação da secreção interna do pâncreas que Jean de Meyer em 1909 [11] propõe chamar de insulina. De fato um nome vai dominar esta história antes de 1914, o de Zuelzer [12], que trabalha em Berlim. Está pronto para provar que um extrato pancreático permite tirar certos indivíduos do coma diabético. Infelizmente, o extrato é mal tolerado, sua injeção provoca febre elevada e convulsões. Entretanto o mesmo Minkowski que demonstrou alguns anos antes em Strasbourg a origem pancreática do diabetes - e nesta época é considerado o homem da diabetologia e atua como professor em Breslau - bloqueia todas as experiências porque acha perigoso o extrato usado por Zuelzer. Este não desiste e após negociações, obtém alguns créditos dos laboratórios Hoffman-Laroche. Infelizmente, surge a guerra de 1914 e o hospital onde Zuelzer trabalha é requisitado. Zuelzer morre em 1952 nos Estados Unidos onde se refugiou em 1934, sem nunca retomar este estudo. Na França, na mesma época Gley, Achard e Binet estão preocupados com a mesma questão [13, 14]. Gardin ganha a medalha de Ouro do Internato para recompensar estudo 75º ANIVERSÁRIO DA INSULINA 145 demonstrando uma certa eficácia dos extratos tanto no cachorro quanto no homem. Dificuldades eram encontradas por estes primeiros pesquisadores devido a natureza peptídica do hormônio e a sua hidrólise pela ação proteolítica da tripsine que estava mal ou não eliminada. Dois outros nomes merecem ser mencionados igualmente: o de Scott e de Kleiner que trabalham no Rockefeller Institute de Nova York e apuraram os extratos até que eles se tornassem eficazes. Mas, infelizmente, para eles o grande guru do diabetes na época - o doutor Allen [18] - que apenas valorizava a dieta faminta como tratamento do diabetes, usou de todos os meios para que eles abandonassem as pesquisas que contrariavam os seus conceitos. De fato, a descoberta, fruto de muita paciência e de uma técnica experimental impecável, virá de um fisiologista romeno, Nicolas Paulesco. Este nasceu em Bucareste em 1869. Os Paulescos eram muito cultos e melômanos. Nicolas Paulesco vem estudar medicina em Paris em 1888. Ele é “externo dos hospitais” em 1892 e em seguida interno no Hospital do Perpétuo Socorro, e se torna o aluno e amigo de Lancereaux. Paralelamente à medicina, Paulesco faz o seu doutorado em Ciências. No momento em que ele prepara sua tese no laboratório da Sorbonne, o Professor Dastre confia-lhe os estudos de certos problemas indefinidos e entre eles pesquisas com a finalidade de isolar o princípio antidiabético do pâncreas. Durante três anos, Paulesco dedicou seus estudos neste sentido. Em 1900, ele foi nomeado Professor Agregado de Fisiologia na Universidade de Bucareste. É lá que ele prosseguirá a sua carreira durante, mais 30 anos. Apesar dos amigos o chamarem freqüentemente, ele nunca mais retornara à França. Efetivamente, ele sofre de insuficiência renal crônica que provoca nele hematúrias graves e anemia. Apesar das crises, ele continua trabalhando, mas é obrigado a evitar as viagens. Por este isolamento ele torna-se cada vez mais esquecido. Contudo, Paulesco se especializa cada vez mais na área das glândulas de secreção interna: hipófise, tireóide, supra-renais. É importante lembrar que Paulesco é um experimentador importante e assinalar os seus estudos que deram origem a intervenções sobre a hipófise e que foram prosseguidas por Cushing. Em 1916, após longos anos de trabalho, Paulesco efetua as suas primeiras experimentações decisivas sobre o pâncreas. De fato, ele mesmo preparou um extrato de pâncreas e o injetou num cachorro que ficou diabético após pancreatectomia. Os sintomas do diabetes foram, temporariamente, suprimidos. A primeira guerra mundial impediu a divulgação dos trabalhos de Paulesco, enquanto a Romênia está sendo ocupada pelo exército alemão dirigido pelo Marechal Von Makensen, numa pequena fração livre do território combatem o exército romeno e o francês dirigido pelo General Berthelot. Logo em 1920, a editora Doin publica o segundo volume do tratado de fisiologia escrito em conjunto por Paulesco e Lancereaux [20]. Os autores publicam neste volume os resultados das observações sobre os cães diabéticos. Em 1921, Paulesco apresenta sobre o mesmo assunto quatro notas na Sociedade Biológica de Paris. A primeira trata do efeito do extrato pancreático sobre a glicemia no animal diabético, bem como sobre a glicosúria, a cetonúria e a uréia 146 H. Lestradet sangüínea e urinária. A segunda indica os efeitos deste extrato no animal não diabético. A terceira mostra a influência da quantidade de pâncreas no animal diabético. A quarta trata do intervalo de tempo entre a injeção e o início dos efeitos no animal diabético [21]. Ele junta esses resultados num artigo fundamental intitulado “Pesquisa sobre o papel do pâncreas na assimilação nutritiva”; este artigo foi recebido no dia 22 de junho de 1921 e publicado no dia 31 de agosto nos “Arquivos Internacionais de Fisiologia” [22], lido por todos os fisiologistas e editado, simultaneamente, em Paris e Liège (Bélgica). É importante acrescentar que no dia 10 de abril de 1922, ele obtém do Ministério da Indústria e do Comércio da Romênia uma patente de invenção, patente 6254, intitulada: “a pancreína e o seu processo de fabricação”. Paulesco comprovou que a ebulição destruía a atividade do extrato e que nele, mesmo que a maior parte das proteínas precipitada pelo álcool ou pela neutralização pela soda do extrato acidificado, ainda encontrava-se a substância ativa. Paulesco ainda informava que o extrato não tinha nenhuma eficácia por via oral. A partir deste momento, tudo poderia acontecer. A extração do produto e sua utilização no homem uma vez tomadas todas as precauções para que o produto injetado fosse perfeitamente tolerado. Por um motivo mal definido, talvez por causa do seu estado de saúde precário, Paulesco contentou-se durante meses com esta brilhante demonstração experimental que satisfazia, certamente, o fisiologista solitário que era. Ele não teve a chance de evoluir num meio médico suficientemente estimulante, nem obteve a colaboração de algumas pessoas ambiciosas, que poderiam tê-lo levado a preparar com mais urgência estes extratos perfeitamente purificados e aplicáveis ao tratamento do diabetes. Paulesco apenas começou, timidamente, estas preparações a partir de fevereiro de 1922 Entretanto, do outro lado do Atlântico, estava se desenvolvendo uma história paralela que merece ser contada com alguns detalhes [2]. Frédéric G. Banting, nascido no dia 14 de novembro de 1891 numa fazenda canadense, quinto filho de William e Margareth Banting, é um grandalhão saudável, não muito esperto e estudando com dificuldades. Alistado no exército canadense, ele luta como médico na linha de combate; e fica ferido em Cambrai. Em 1o de julho de 1920, aos 29 anos de idade, ele se torna cirurgião ortopedista e instala-se numa pequena cidade de Ontário (London) seguindo os conselhos do Dr. Starr. Porém, durante o mês de julho, ele não atende nenhum paciente exceto, talvez, um alcoólatra que pede-lhe uma receita para comprar um pouco de álcool, pois só era vendido com receita médica. Ele recebe naquele mês, a quantia de 4 dólares. Frédéric Banting está sozinho, seus pais não podem ajudá-lo. Para ocupar-se, ele tenta consertar uma garagem e um velho carro Ford de 5a mão. É a miséria. Em outubro de 1920, para sobreviver, ele aceita o cargo de auxiliar de anatomista por meio período e recebe 2 dólares por hora. No decorrer do mês de outubro, nesta pequena escola de medicina de London, ele tem que preparar para os alunos um relatório sobre o metabolismo dos glicídios. Ele não tem absolutamente nenhuma idéia ou noção sobre Diabetes & Metabolism este assunto, sendo então obrigado a estudar para colocar seus conhecimentos em dia. Na noite do dia 30 de outubro, ele lê um artigo escrito por Baron, sobre litíase pancreática provocando atrofia do pâncreas. De repente, ele tem uma idéia e escreve num pequeno caderno a frase seguinte: “ligar os canais escretores do pâncreas, deixar o cão viver até observar a degenerescência dos acinos, deixar as ilhotas de Langherans intactas e tentar isolar a secreção interna que permite tratar a glicosúria”. No dia seguinte, Banting comunica sua idéia a Starr. O Dr. Starr conhecendo Macleod (Professor de Fisiologia em Toronto), envia seu protegido para ele, pois a idéia lhe parece interessante. Banting encontra Macleod no dia 2 de novembro de 1920 numa entrevista bastante fria. Macleod, Professor de Fisiologia, muito famoso e vê, nesta proposta, um projeto mal preparado. Porém, com esta idéia e após reflexão, Macleod acha que seria interessante começar um ensaio sobre este assunto já que muita gente está pesquisando neste sentido. Finalmente, Macleod propõe para este jovem médico desempregado, Frédéric Banting, um projeto que ele acha ser realizável durante o verão de1921, quando Macleod se ausentará por três meses devido a uma viagem à Europa. A princípio, estes ensaios iam começar seis meses mais tarde, após o período de exames em medicina, ou seja, em maio de 1921. No intervalo, Banting sobrevive graças a seu emprego de auxiliar de anatomista. Na época da Páscoa de 1921, Banting interrompe o seu noivado com Eddy Roach. Ele parece ter esquecido momentaneamente o seu projeto pois, ainda sem dinheiro, ele responde a um anúncio de uma Companhia de Petróleo (Arctic Company), que precisa de um médico. Ele viaja até a cidade de St. Thomas, algumas milhas longe de Toronto, onde ele faz as provas de admissão. Ele é contratado, mas alguns dias depois, ele recebe uma carta da Companhia informando que o cargo de médico fora suprimido. Ele então volta ao seu projeto de pesquisa, pega o trem para Toronto onde Macleod, que não se esqueceu do compromisso com ele, oferece-lhe um local no porão da faculdade para realizar os ensaios de ablação de pâncreas em dez cães. Macleod providencia também, depois de um sorteio entre dois candidatos, a ajuda de um jovem estudante de fisiologia e bioquímica. O nome dele é Charles Best e tem a vantagem de saber dosar a glicose no sangue e na urina. Tudo isso, no espírito de Macleod era apenas a preparação de uma experimentação mais elaborada que ele próprio realizaria em outubro, na volta da Europa. Para isso ele contava com a ajuda de um Professor da Universidade de Alberta chamado Collip que tinha feito a solicitação de passar o seu ano sabático junto com ele. O projeto então, já estava sendo organizado e planejado. O local previsto se libera em maio de 1921. No dia 14 de maio, eles visitam a sala, que parece mais uma sala de despejo do que uma sala de experimentação, precisando de uma boa faxina. No dia 16 de maio, Best faz as últimas provas e encontra-se liberado no dia 17. Logo de manhã, ele inicia a limpeza no local junto com Banting. Varre-se, raspa-se e lava-se as paredes. Lava-se com tanta água que chega a vazar na sala debaixo. O professor responsável pelos locais, vem imediatamente protestar se bem que apenas o cão será limpo e escovado. Banting trouxe seus próprios Vol. 01, 1997 instrumentos de cirurgião. Os lençóis para as preparações foram emprestados e no mesmo dia 17 a tarde se inicia a primeira pancreatectomia, na presença de Macleod, sobre um setter inglês (no 385). A intervenção é prevista em dois tempos seguindo a técnica de Hédon dita da “marcotte” que consiste, num primeiro tempo, em dissecar o pâncreas conservando um pedículo colocado fora do abdome, debaixo da pele. Num segundo tempo, oito dias mais tarde, o animal tendo se recuperado da cirurgia, tira-se este pedículo tornando assim o animal diabético. Em teoria, parece muito simples, na realidade trata-se de uma cirurgia muito difícil. Para o cão no 385, a primeira etapa se desenrola de maneira bastante boa; ela dura 80 minutos, mas o animal vem a falecer no terceiro dia. No dia 18 de maio, Banting e Best agem sozinhos. Naquele dia, o primeiro cão morre devido a uma dose excessiva de anestésico e o segundo de hemorragia. No dia 19 de maio, o cão no 386 sobrevive à cirurgia, mas falece no dia 21. Quatro novos cachorros falecem sucessivamente de hemorragia ou infecção. No domingo, dia 22 de maio, o animal no 387 sobrevive à primeira cirurgia. Não tem mais cachorros disponíveis para as próximas experimentações e sai-se nas ruas de Toronto para capturar, clandestinamente, outros cachorros. No dia 28 de maio, Banting retira o pedículo pancreático do animal no 387. Desta vez a glicemia sobe e a glicose aparece na urina, mas infelizmente o cachorro morre de infecção no dia 1o de junho. Sem desanimar, Banting continua os ensaios em 10 outros cães. No final da semana, 7 morrem. No dia 14 de junho, Macleod, pronto para viajar para a Europa, deixa para Banting, as seguintes instruções : 1 Tentar conseguir alguns cães diabéticos. 2 - Experimentar nestes animais um transplante subcutâneo ou intraperitonial de um pedaço de pâncreas; ou então aplicar por injeção endovenosa ou ainda subcutânea extratos pancreáticos. Durante semanas de um verão tórrido, sozinho ou com Best (este passa alguns dias no exército), as tentativas vão prosseguir sem protocolo bem definido, sem anotações regulares [2]. Um número importante de cães são sacrificados. Entretanto, pouco a pouco, a técnica melhora se bem que no dia 30 de junho, Banting e Best decidem iniciar a segunda etapa ou seja, manter vivo o cachorro diabético. Eles conseguem alguns resultados positivos sobre a glicemia, (cães no 406, 409, 410 e 492), mas finalmente todos os animais falecem seja de infecção, seja de caquexia ou seja rapidamente após administração endovenosa de extratos grosseiramente filtrados. No dia 6 de setembro, chega uma longa carta de Macleod que, afinal, volta da Escócia no dia 21 de setembro. Ele recupera a direção dos ensaios e discute as técnicas. Algumas experimentações, melhor conduzidas, permitem, apesar de choques e hipertermias importantes, conseguir resultados suficientes para serem apresentados a um pequeno grupo de médicos em Toronto. Após algumas discussões entre Banting (que tinha um temperamento difícil) e Macleod, os preliminares são apresentados dia 10 de novembro. A apresentação é debatida e decide-se cercar me- 75º ANIVERSÁRIO DA INSULINA 147 lhor o problema, manter os animais vivos por mais tempo e sobretudo solicitar a ajuda de Collip que chega de Toronto para seu ano sabático e iniciar seu trabalho dia 12 de dezembro. Collip revela-se um excelente técnico e prepara extratos pancreáticos cada vez mais ativos. A colaboração entre Banting e Collip não vai ser fácil. De um lado, Banting, homem pouco organizado, correndo atrás de uma idéia e do outro lado, Collip, homem meticuloso que captou o interesse deste trabalho apesar de um início pouco promissor. Macleod entendeu também que o estudo merecia ser realizado. Ele conhece os ensaios de Paulesco e os menciona na primeira publicação em fevereiro de 1922 [23]. Trata-se agora de iniciar, rapidamente, as experimentações no homem. Uma comunicação de estudos preliminares é programada para o dia 30 de dezembro de 1921 em New Haven onde aconteceria uma reunião de fisiologistas. Macleod designa Banting para apresentar o projeto. Infelizmente, Banting tem muitas dificuldades em se expressar, se bem que Macleod retoma os diferentes elementos, responde às perguntas e às críticas, o que provoca, da parte de Banting, amargas reclamações. Banting está convencido, naquele momento, que Macleod quer apropriar-se da paternidade do trabalho que ele considera exclusivamente dele. Enquanto isso, em New Haven, o Dr. Clows, que trabalha com um laboratório de produtos farmacêuticos, em Indianápolis, mostra-se interessado por esta comunicação e propõe a sua ajuda para extração do produto que tende a ficar mais e mais eficaz. Em janeiro de 1922, os ensaios são prosseguidos no cão e no coelho com o extrato preparado por Collip. Observase as mesmas hipoglicemias. Banting excitado com os resultados, tenta levar Macleod e Collip a iniciar as experimentações no ser humano. Encontra-se um voluntário na pessoa da jovem Léonard Thompson de 14 anos. Algo curioso acontece. Banting briga com Collip e quer, absolutamente, preparar, ele próprio, o extrato* junto com Best para tratar este jovem rapaz que está falecendo de coma diabético. A aplicação ocorre na tarde do dia 11 de janeiro de 1922. Ela é efetuada por Jefferey residente da enfermaria. No dia anterior e posterior à aplicação do remédio, os resultados foram os seguintes: a glicemia baixa de 4,4 g/l para 3,4 g/l, mas a glicosúria que antes era de 324g/24 horas (91g/l em 3,6 litros), passa no dia seguinte para 341 g/24 horas(84 g/ l em 4,06 litros). A cetonúria não é modificada. Nenhum benefício clínico é constatado. A única coisa que parece relevante é um abcesso, devido às impurezas do extrato, que desenvolve no local de uma das aplicações. É, portanto, evidente que esta primeira aplicação não trouxe nenhuma melhora. Depois deste fracasso, não se cogita mais em usar o extrato de Banting. Durante este espaço de tempo Collip prepara outro extrato que será aplicado doze dias mais tarde (dia 23 de janeiro), durante onze dias seguidos. * Banting acredita na atividade do extrato que ele preparou porque Marjorie, a cachorra que recebe regularmente este extrato sobrevive desde o mês de dezembro. Infelizmente, não está nada certo [2] que a pancreatectomia tenha sido total. 148 H. Lestradet Nestes onze dias, a glicosúria ficou, praticamente, reduzida a zero, e o estado clínico do paciente melhorou de maneira relevante. Parece então evidente que o extrato mal apurado de Banting foi ineficaz enquanto o do Collip mostra-se muito satisfatório. Nota-se o espírito pouco científico de Banting que apenas contentava-se de correlações entre suas descrições e suas lembranças e não com fatos. É assim que no discurso de recepção do Prêmio Nobel, Banting disse literalmente “logo após a aplicação de seu extrato, a glicemia baixa e a glicose desaparece da urina” [25]. A partir deste momento, a ocorrência dos eventos acelera-se. No “Journal of Laboratory and Clinical Medicine”, um artigo assinado por Banting e Best é publicado no dia 22 de fevereiro de 1922. As conclusões deste artigo são imprecisas e além disso foram encontrados 18 erros entre as tabelas e o texto que, hoje em dia, não passariam a barreira de uma banca de leitura. O que sobressai neste artigo é que Banting e Best citam Paulesco na bibliografia, relatando exatamente o contrário de tudo que ele publicou. Mas o que importa é que, graças a eficácia do extrato preparado por Collip, o estado clínico de Léonard Thompson, bem como o de Elizabeth Hughes, filha de um americano e em seguida de Jim Havens, citando apenas os pacientes os mais famosos, melhora de maneira espetacular. A comunidade científica interessa-se por este assunto. Um laboratório contribui com sua capacidade técnica. A divulgação e a propaganda são feitas essencialmente nos jornais (a título anedótico sob a pena de Hemingway). Depois de um curto período de insegurança, no mês de março de 1922, Collip encontra certas dificuldades em preparar o extrato, dificuldades essas rapidamente superadas graças ao ponto isoelétrico da insulina. Daí em diante os eventos vão se precipitando. É assim que no dia 3 de maio em Washington, Macleod pode apresentar um estudo bem estruturado que recebeu, fato raro na história da fisiologia, ovação do público de pé. Lembramos para a pequena história, a briga entre Macleod e Banting que leva Best na sua atitude de oposição, não comparecendo ao congresso e acusando Macleod de roubar-lhe o estudo. Depois disso, desenvolvem-se rapidamente as primeiras insulinas: o Iletin conhece um êxito crescente. Dezenas de milhares de diabéticos nos Estados Unidos, no Canadá, e logo no mundo inteiro serão tratados e não morrerão mais de coma diabético. É o início de uma nova era, a da insulinoterapia, abrindo campo para todos os estudos seguintes sobre o diabetes. Leva entre outras conseqüências a descoberta da fórmula da insulina graças a Sanger e graças às dosagens radioimunológicas de Berson e Yalow em 1960. No que diz respeito à descoberta da insulina, a história ainda não está terminada. Enquanto, indiscutivelmente, Paulesco tinha publicado um estudo irretocável irrevogável no plano experimental, enquanto de outro lado Collip tinha conseguido preparar um extrato definitivamente eficaz [24], surpreendentemente o Prêmio Nobel foi atribuído de maneira precipitada em 1923 apenas a Banting e Macleod. Esta decisão provocou polêmicas violentas no Canadá e no mundo inteiro. Sabe-se que Banting logo não gostou da notícia; ele realmente odiava Macleod e dividiu ostensivamente o prêmio com Best. Macleod por sua vez aceitou a Diabetes & Metabolism honra sem a menor reticência conhecendo perfeitamente o trabalho de Paulesco. Em todo caso, Macleod foi o coordenador dos eventos que levaram à descoberta do extrato pancreático eficaz no homem. Ele dividiu, então, o prêmio com Collip, homenageando-o. Em contra partida, no que diz respeito a Paulesco, uma conspiração silenciosa estabeleceu-se e apesar dos pretextos do mesmo, nem Banting, nem Best, nem Macleod, nunca quiseram reconhecer abertamente a prioridade indiscutível da descoberta de Paulesco. Esta atitude prolongou-se durante anos apesar das solicitações repetidas de vários médicos (Young, Funck, Sordelli, Arthus, Sharpey, Schaffer, Trendelenburg, Bajad, Rentchnick [26] de Glasgow, de Eric Martin [28] de Genebra) e apesar de todos os esforços do Dr. Pavel de Bucareste. Este tentou reabilitar o trabalho do compatriota Paulesco na ocasião do cinqüentenário da descoberta da insulina [29, 30]. Quando uma descoberta médica está pronta para acontecer, é freqüente que ela aconteça sob céus diferentes sem mesmo que os pesquisadores se conheçam. Neste caso, é certo que o trabalho de Paulesco era conhecido pelos autores canadenses [23]. Claro, a obstinação de Banting e Best, as qualidades técnicas de Collip, o apoio ativo de Macleod foram determinantes no uso da insulina no paciente diabético. Nesta longa cadeia de experimentadores e médicos, seria injusto não devolver a Lancereaux e a Paulesco, os dois grandes esquecidos, o lugar eminente que eles merecem. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 BIBLIOGRAFIA Cheymol J. A propos de la découverte de l’insuline par Banting et Best. Bull Acad Natle Med, 1971, 155, 836-852. Bliss M. The discovery of insulin. 1982, University Chicago Press, 304 p. Lestradet H. La découverte de l’insuline. Bull Acad Natle Med, 1996, 180, 437-448. Lancereaux E. Le diabète maigre : les symptômes, son évolution, son pronostic, son traitement, ses rapports avec les altérations du pancréas. Etudes comparatives du diabète maigre et du diabète gras. Coup d’œil rétrospectif sur les diabètes. Union Médicale N 15 : 161 (167 ; N°16 : 205-211 ; 31 janvier et 7 février 1880). Mering (Von) J et Minkowski O. 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Vários fatores predispõem à arteriosclerose, a saber : Hipertensão Arterial (HA), Obesidade Abdominal, Hiperglicemia, Nefropatia, a partir do estado de microproteinúria. As anomalias lipídicas são, no entretanto, um dos elementos mais importantes, principalmente se levarmos em consideração que os fatores acima interagem com o metabolismo das lipoproteínas. A dislipidemia e a hipertriglicidemia em particular, podem potencializar os fenômenos de trombose. A combinação desses diferentes fatores num mesmo paciente, e um eventual tabagismo, se traduz em um aumento quase exponencial do risco cardiovascular. O controle das anomalias das lipoproteínas plasmáticas no diabético é um dos objetivos terapêuticos primordiais na prevenção das complicações cardiovasculares. ■ ANOMALIAS LIPÍDICAS NO DIABÉTICO Anomalias quantitativas das lipoproteínas plasmáticas. - No diabético tipo 1 bem controlado, o colesterol total e os triglicérides são geralmente normais, ou no limite superior da normalidade. O colesterol-HDL é normal ou ligeiramente aumentado. Os pacientes em desequilíbrio podem ter uma taxa de colesterol e triglicérides aumentados. O paciente diabético tipo 2 tem frequentemente o nível de triglicérides aumentado e o de colesterol-HDL baixo, * Texto realizado pelo comitê dos peritos acima mencionados e validado pelos membros dos conselhos de administração e científica da ALFEDIAM. notadamente a fração HDL 2, tendo ainda o colesterolLDL normal ou ligeiramente aumentado. Anomalias similares são observadas nos pacientes intolerantes à glicose e às vezes obesos, porém os diabéticos obesos tem anomalias lipídicas consideravelmente mais significativas do que o obeso não diabético. As taxas elevadas de triglicérides estão correlacionadas a baixas taxas de colesterol-HDL, ao grau de obesidade abdominal e à glicemia. O emagrecimento proporciona uma redução significativa no nível de triglicérides. Não nos parece haver uma diferença importante nos níveis de Lp(a) entre diabéticos e não diabéticos. Anomalias qualitativas na composição e distribuição das lipoproteínas plasmáticas. - Os diabéticos em desequilíbrio, particularmente os de tipo 2, tem um aumento significativo de VLDL, ricos em triglicérides, um aumento de lipoproteínas de densidade intermediária, uma modificação na composição dos LDL, que são densas e pequenas. A estrutura do HDL é modificada através e em particular, pelo enriquecimento do conteúdo em triglicérides, uma baixa de Apo A1, um aumento dos índices colesterol/proteínas, colesterol/Apo A1, fosfolipídios/Apo A1. Estudos experimentais já demonstraram que as lipoproteínas são modificadas pelos fenômenos de glicação, oxidação, formação de produtos avançados de glicosilação e pelos fenômenos de agregação. Os LDL oxidados e glicosados têm, in vitro , um clearance reduzido de 10 a 25 %, sua epuração pelos macrófagos é responsável pela formação das células esponjosas que iniciam o processo de aterogênese. As anomalias lipídicas do paciente diabético tipo 2 são aparentemente parte integrante da síndrome de resistência à insulina (SRI). As mesmas anomalias são encontradas em pacientes resistentes à insulina, ainda não diabéticos. Esses têm um excesso de gordura intra-abdominal, um aumento de produção de VLDL devido ao aumento no fluxo de ácidos graxos livres e de glicose, a atividade li- Vol. 01, 1997 DISLIPIDEMIAS DO DIABÉTICO 151 poproteica-lipase e hepática-lipase é diminuída, seus triglicérides aumentados, o HDL é baixo pelo aumento do clearance e pelo aumento da transferência de colesterol ester sobre as partículas ricas em triglicérides. Seus LDL são pequenos e densos. Um programa de exercícios físicos faz parte do acompanhamento das anomalias lipídicas. Uma avaliação das complicações e do estado cardiovascular é necessária antes iniciar o programa de exercícios. ■ BALANÇO INICIAL DESEJÁVEL EM TODO DIABÉTICO ■ CONTROLE GLICÊMICO Avaliação do equilíbrio glicêmico : glicemia de jejum, glicemia pós-prandial, hemoglobina A1 (glicosada). Balanço lipídico : aspecto do soro, concentração do colesterol total, dos triglicérides, do colesterol-HDL pelo método de precipitação. O colesterol-LDL será calculado através da fórmula de Friewald abaixo, na qual a concentração é expressa em g/l (Colesterol-LDL = colesterol total - colesterol-HDL - (triglicérides/5). Notar que em caso de hipertriglicidemia superior a 3 g/l, a fórmula de Friewald não é utilizável. Avaliação clínica do risco cardiovascular : antecedentes familiares, sedentarismo, tabagismo, índice de massa corporal (IMC), período de menopausa para a mulher, relação cintura/quadril, pressão arterial. Dosagem de microalbuminúria. As anomalias lipídicas acompanham sobretudo o diabetes em desequilíbrio. Frequentemente apresentam melhoras remarcáveis através de tratamento eficaz para hiperglicemia. Nos diabéticos tipo 1 cetosos, pode existir uma hipertriglicidemia que sofrerá melhora rapidamente graças à uma insulinoterapia adequada. No diabético tipo 2, o tratamento da hiperglicemia melhora o quadro lipídico, porém frequentemente de maneira incompleta. A melhora da resistência à insulina, através do emagrecimento, é o melhor caminho. Assim, o tratamento das dislipidemias do paciente diabético deve ser através da otimização do controle glicêmico graças ao regime dietético, à atividade física e, se necessário, aos hipoglicemiantes orais (sulfoniluréias ou biguanidas) e/ou à insulinoterapia. A escolha entre essas indicações dependerá do tipo do diabetes. Se a glicemia é bem controlada e no entanto os lipídios plasmáticos permanecem elevados, não se deve modificar o tratamento do diabetes. O emagrecimento é bastante eficaz nesses casos. ■ GUIA DE INTERVENÇÃO Os princípios não são diferentes daqueles aplicáveis à população em geral, porém, devido ao alto risco cardiovascular presente no paciente diabético, as modalidades de intervenção são de modo geral mais enérgicas : bom controle do diabetes, abandono do tabagismo e prevenção no adulto jovem ainda não fumante, emagrecimento para aproximar-se do peso ideal, controle severo da hipertensão arterial (os IECAs e os antagonistas do cálcio são recomendados), taxa de colesterol-LDL superior a 1,30 g/l (3,36 mmol/l), taxa de triglicérides superior a 1,5 g/l (1,7 mmol/l), taxa de colesterol-HDL inferior a 0,4 g/l (1,0 mmol/l) para mulheres, taxa de colesterol-HDL inferior a 0,35 g/l (0,9 mmol/l) para homens, necessitam de acompanhamento. As dosagens devem entretanto ser repetidas com um intervalo de três a quatro semanas antes de se decidir por uma intervenção terapêutica. Toda intervenção começará por medidas dietéticas e por um programa de exercícios físicos. O regime é hipocalórico se existir um sobre peso. É similar ao regime para pacientes hiperlipidêmicos não diabéticos, limitando o aporte de glicídios em 50 - 55 % do aporte calórico total. Os açúcares simples e o álcool são proibidos, porém tolerados em pequenas quantidades quando das refeições, para os pacientes diabéticos não hipertriglicêmicos de peso normal. O aporte de gordura saturada é inferior a 10 % do aporte calórico, e o aporte de colesterol inferior a 300 mg/dia. ■ O TRATAMENTO COM HIPOLIPIDEMIANTES Se o resultado da adaptação ao regime dietético, dos exercícios físicos e da melhora do equilíbrio glicêmico é insuficiente após um período de três meses, será necessário a utilização dos hipolipidemiantes. Apesar de não dispormos de estudos de intervenção demonstrando os benefícios desse tratamento na prevenção da macroangiopatia diabética, podemos extrapolar a partir dos dados obtidos com pacientes hiperlipidêmicos não diabéticos. Quando muitos forem os fatores de risco ou no caso de prevenção secundária, se a dislipidemia tiver evidência de forma genética associada ao diabetes, o tratamento hipolipidemiante poderá ser imediatamente instaurado pois sabemos que as medidas precedentes não serão suficientes para atingir os objetivos lipídicos. A escolha do hipolipidemiante depende essencialmente da anomalia lipídica observada: - Os fibratos de segunda geração são eficazes e são frequentemente o tratamento de eleição, sobretudo nas hiperlipidemias mistas e hipertriglicidemias. - Os inibidores da coenzima HMG A-redutase agem mais sobre o colesterol-LDL, mas podem também reduzir a taxa dos triglicérides apesar de num grau inferior ao dos fibratos. - As resinas têm tendência a aumentar a taxa de triglicérides e são, por esse motivo, freqüentemente contra indicadas para o diabético. São igualmente contra indicadas em caso de neuropatia digestiva. 152 J. M. Brun Diabetes & Metabolism TABELA 1 - Objetivos lipídicos do tratamento Grau de Risco Cardiovascular sem outro fator que o diabetes HDL ≥ 0,40 g/l na mulher (1,04 mmol/l) ou HDL ≥ 0,35 g/l no homem (0,91 mmol/l) Colesterol Total Colesterol-LDL calculado Triglicérides ≤ 2,30 g/l ≤ 5,9 mmol/l ≤ 1,60 g/l ≤ 4,1 mmol/l ≤ 2 g/l ≤ 2,3 mmol/l com um ou vários fatores de risco HDL ≥ 0,40 g/l na mulher ou ≤ 2 g/l ≤ 1,30 g/l * HDL ≥ 0,35 g/l no homem ≤ 5,2 mmol/l ≤ 3,4 mmol/l e/ou tabagismo, HTA, ATCD familiaux, HVG, protéinuria. ou em prevenção segundária (aterosclerose documentada na clínica e nas analises biológicas) ≤ 1,5 g/l ≤ 1,7 mmol/l *Esses objetivos podem, por outro lado, ser considerados com alguma nuança nos pacientes idosos com expectativa de vida reduzida. Quando existirem anomalias lipídicas importantes, confirmando uma hiperlipidemia associada, o mais útil frequentemente é encaminhar o paciente a um centro especializado para um diagnóstico inicial da hiperlipidemia e precisar de forma qualitativa as anomalias presentes. Os pacientes que têm uma taxa de triglicérides superior a 10 g/l têm um risco de pancreatite aguda, e necessitam de medidas dietéticas e terapêuticas imediatas em um centro especializado. Podem ser úteis em associação com um fibrato ou um inibidor da coenzima HMG A-redutase (estatina) nos diabéticos com uma hipercolesterolemia pura ou em associação predominante. - Os anti-oxidantes são objeto de estudos em curso atualmente e nenhuma recomendação formal pode ser emanada por ora. - A suplementação com óleo de peixe é suscetível de baixar o nível das taxas de triglicérides e pode melhorar outros fatores como a reatividade plaquetária e a viscosidade sanguínea. Seu papel deletério tendo em vista o equilíbrio glicêmico foi discutido, uma elevação do colesterolLDL pode vir a ser observada. Novos estudos de longo prazo em pacientes diabéticos são necessários antes de aconselharmos sua utilização. • Avaliação das estratégias de diagnóstico da arteriosclerose no diabético com particular atenção à isquemia silenciosa. • Ensaio prospectivo de longo prazo da intervenção terapêutica, comparando-se a eficácia dos diversos hipolipidemiantes, com interesse particular em demonstrar o benefício de uma redução agressiva da taxa de colesterol-LDL nos diabéticos. • Interesse do tratamento com TRH na mulher diabética na pós menopausa. 1 ■ TEMAS PARA PESQUISAS FUTURAS • Estudo dos marcadores genéticos do risco cardiovascular no diabético. 2 3 • Complemento dos estudos das anomalias qualitativas das lipoproteínas e de seu papel aterogênico no diabético. 4 BIBLIOGRAFIA Recommendations of the European Atherosclerosis Society prepared by the International Task Force for the Prevention of Coronary Heart Disease. 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É a primeira causa de cegueira antes dos 50 anos e a terceira depois dos 50, após a degenerescência macular ligada à idade e ao glaucoma. A prevalência da retinopatia diabética aumenta com a duração do diabetes e a importância da hiperglicemia crônica. Na população diabética, aproximadamente 45% dos diabéticos tratados com insulina e 17 % tratados com hipoglicemiantes orais, têm retinopatia diabética. Após 20 anos de evolução do diabetes, mais de 90 % dos diabéticos tipo 1 e mais de 60 % dos diabéticos tipo 2 apresentam uma retinopatia diabética. A evolução da retinopatia diabética é bastante conhecida. É importante saber que a diminuição visual aparece somente após um longo período de evolução silenciosa da retinopatia diabética e suas complicações. O doente pode não sentir nenhum sinal funcional, nem redução da visão, sendo ele já portador da retinopatia diabética avançada e de lesões com alto risco de cegueira. Importante é tentar rastrear precocemente as lesões da retinopatia diabética, porque a cegueira pode ser prevenida quando o tratamento é realizado a tempo. Por isto, um acompanhamento oftalmológico deve ser feito regularmente durante a vida do diabético e o tratamento com laser deve ser realizado antes que a retinopatia diabética tenha causado uma perda irreversível da visão. Uma cooperação entre o oftalmologista, o diabetológo e o clínico geral é indispensável para motivar o paciente a aceitar um acompanhamento oftalmológico regular. As bases deste acompanhamento e as modalidades do tratamento são bastante conhecidas e amplamente aceitas pela comunidade médica, mas, infelizmente, muitos pacientes ainda não beneficiam se do acompanhamento oftalmológico necessário. O objetivo destas recomendações é de contribuir a racionalizar e generalizar o acompanhamento oftalmológico dos diabéticos. ■ CLASSIFICAÇÃO DA RETINOPATIA DIABÉTICA A retinopatia diabética é uma manifestação da microangiopatia diabética. Ela é provocada por dois processos patológicos : a hiperpermeabilidade da parede dos capilares retinianos, fonte de edema retiniano, e a oclusão dos capilares retinianos, responsável pela isquemia retiniana ; a partir do momento em que a isquemia retiniana estende-se, uma proliferação reacional de neovasos se produz na superfície da retina, e em seguida no corpo vítreo. Os fenômenos edematosos predominam na região central da retina, na macula, e os fenômenos oclusivos afetam principalmente a retina periférica. A retinopatia diabética se inicia por uma fase não proliferativa e evolui para a retinopatia diabética não proliferativa severa (ou pré-proliferativa) caracterizada por uma isquemia retiniana, e em seguida para a retinopatia diabética proliferativa caracterizada pela proliferação dos neovasos na superficie da retina, na papila e na superfície posterior do corpo vítreo. A perda da visão pode resultar em diversos mecanismos : edema macular, que provoca uma diminuição progressiva da visão central; isquemia macular, hemorragia intra-vítreo responsável da perda brutal e quase completa da visão; descolamento da retina, provocado por uma (1) Definição OMS da redução visual : a acuidade visual contida entre 1/20 e 3/10 após correção ótica ótima. (2) Definição OMS da cegueira : acuidade visual binocular corrigida inferior a 1/20 ou campo visual inferior a 10º ✍ : P. Massin, Service d’Ophtalmologie, Hôpital Lariboisière, 2 rue Ambroise Paré, 75010 Paris France * Texto realizado pelo comitê dos peritos acima mencionados e validado pelos membros dos conselhos de administração e científica da ALFEDIAM 154 P. Massin TABELA 1 - Classificação da retinopatia diabética (RD) (segundo a classificação do ETDRS) [11, 12]. Diabetes & Metabolism TABELA 2 - Classificação da retinopatia diabética: léxico. CLASSIFICAÇÃO DA RETINOPATIA DIABÉTICA Não há retinopatia diabética (no biomicroscopio ou na angiografia se ela é praticada) Não há retinopatia diabética Retinopatia diabética não proliferativa mínima Retinopatia diabética não proliferativa RD não proliferativa mínima RD não proliferativa moderada RD não proliferativa severa (ou RD pré-proliferativa) Pequeno número de microaneurismas e/ou micro-oclusões capilares e difusões intraretinianas localizadas se uma angiografia é realizada Retinopatia diabética proliferativa* RD proliferativa mínima RD proliferativa moderada RD proliferativa severa RD proliferativa complicada - Bastante numerosos, numerosos, muito numerosos microaneurismas e/ou hemorragias em chama de vela ou puntiformes - Alguns, bastante numerosos, numerosos nódulos algodonosos - Anomalias microvasculares intra-retinianas pouco numerosas (em menos de um quadrante) - Anomalias venosas (em menos de dois quadrantes) - Hemorragias intra-retinianas extensas em menos de dois quadrantes - Dilatações e propagações capilares extensas em angiografia - Territórios de isquemia retiniana localizados, de pequeno tamanho, poucos ou bastante numerosos na periferia e/ou no pólo superior na angiografia Maculopatia diabética** Maculopatia edematosa edema macular localizado cercado de exsudatos edema macular difuso na região central - edema macular não citóido - edema macular citóido Maculapatia esquêmica * Proliferativa: com neovasos pré-retinianos e/ou pré-papilares ** A MD pode estar presente nas diferentes fases da retinopatia diabética. contração do tecido fibroso de sustentação dos neovasos e que provoca igualmente uma perda profunda da visão. Enfim, na última fase da evolução da retinopatia diabética, um descolamento da retina complexo e/ou um glaucoma neovascular podem ser responsáveis pela cegueira definitiva. Um exame precoce do fundo de olho a partir da descoberta do diabetes, sendo repetido regularmente no decorrer da vida do diabético, é indispensável para identificar as fases iniciais da retinopatia diabética, afim de realizar, eventualmente, os tratamentos que permitirão diminuir o risco de uma perda severa da acuidade visual. Antes de detalhar as modalidades do acompanhamento oftalmológico dos pacientes diabéticos, é necessário apresentar a classificação da retinopatia diabética. Ela é definida a partir de lesões observadas no fundo de olho e/ou angiografia. Esta classificação define as diferentes fases da retinopatia diabética e dá uma indicação facilmente compreensível da gravidade e do prognóstico. (Tabela 1 e 2). A utilização de uma linguagem estandardizada na descrição do fundo de olho e o relatório da angiografia permite uma melhor comunicação entre os oftalmologistas, os clínicos gerais e os diabetólogos (Tabela 2 em anexo). ■ RASTREAMENTO E ACOMPANHAMENTO DA RETINOPATIA DIABÉTICA Modalidades do exame oftalmológico do diabético Realizado pelo oftalmologista, o exame ocular do diabético compreende : Retinopatia diabética não proliferativa moderada Retiniopatia diabética não proliferativa severa (ou pré-proliferativa) - Hemorragias retinianas extensas em 4 quadrantes e/ou anomalias venosas, tortuosidade venosa, em 2 quadrantes e/ou anomalias microvasculares intraretinianas numerosas em 1 quadrante - Amplos territórios de isquemia retiniana periférica na angiografia (superfície fixada arbitrariamente em mais de 25 superfícies papilares) Retinopatia diabética proliferativa mínima Neovasos pré-retinianos < 1/2 superfície papilar em 1 ou vários quadrantes Retinopatia diabética proliferativa moderada Neovasos pré-retinianos ≥ 1/2 superfície papilar em 1 ou vários quadrantes ou neovasos prépapilares < 1/4-1/3 superfície papilar Retinopatia diabética proliferativa severa Neovasos pré-papilares ≥ 1/4-1/3 superfície papilar Retinopatia diabética proliferativa complicada - Hemorragia intra-vitrosa, pré-retiniana - Descolamento da retina - Rubeose, glaucome neovascular * Nas fases da retinopatia diabética proliferativa, podem existir todos os sintomas da retinopatia diabética não proliferativa ** As formas de “alto risco” de cegueira são as fases da retinopatia diabética proliferativa severa e complicada Vol. 01, 1997 - um interrogatório sobre a anamnese do diabético, o equilíbrio glicêmico (taxa da hemoglobina glicosilada) e tensional, a existência de outras complicações do diabetess (microalbuminúria, complicações cardiovasculares); - a analise dos sintomas visuais; - a medida da acuidade visual com correção ótica; - a medida da pressão intra-ocular (procura do glaucoma); - o exame da íris e do cristalino (procura da rubeose e da catarata); - o exame do corpo vítreo e do fundo de olho após dilatação pupilar (colírio com 1% de tropicamide (Mydriacyl 1 %®) e/ou colírio com 1% de ciclopentolato (Cicloplégico®) e colírio fenilefrina (Colírio Anestésico®) 2,5 a 10% sem ultrapassar duas instilações). Duas técnicas complementares podem ser utilizadas para o exame da retina : a biomicroscopia e a angiografia fluorescémica. Biomicroscopia do fundo de olho - Feita com a lâmpada de fenda, com a ajuda de uma lente de exame com ou sem contato corneano. O exame do fundo de olho deve ser completo, e incluir a análise cuidadosa da região macular, da papila e da retina periférica. O uso do filtro verde da lâmpada de fenda facilita a detecção precoce dos neovasos e de outras anomalias vasculares do fundo de olho. Os patientes apresentando lesões evidentes de retinopatia diabética, bem como todos os patientes nos quais o exame do fundo de olho deixa uma dúvida sobre a existência ou não de lesões mínimas de retinopatia diabética, devem ser submetidos a um exame angiográfico do fundo de olho. Exame angiográfico do fundo de olho - A angiografia fluorescémica é indispensável quando existe uma retinopatia diabética. Ela pode ser igualmente praticada como metodo de rastreamento nos portadores de diabetes tipo 1 tendo mais de 5 anos de evolução do diabetes ou como primeiro exame de referência nos diabéticos tipo 2, mesmo se o exame do fundo de olho parece normal. A angiografia permite, de fato, pôr em evidência sinais infraclínicos de retinopatia diabética ou sinais discretos que podem não ser revelados perante o exame biomicroscópico. Ela serve igualmente de guia no tratamento por fotocoagulação. Ela é precedida de fotografias sem injeção do pólo posterior e eventualmente da periferia retiniana. A seqüência angiográfica (após injeção intravenosa de fluoresceïna) será centrada no pólo posterior, imagens periféricas serão sistematicamente realizadas nos oito campos do fundo de olho, e o exame incluirá sempre uma imagem tardia, centrada na macula, uma após 5 minutos e outra 10 minutos depois a injeção de fluoresceïna. Rastreamento da retinopatia diabética e freqüência de acompanhamento (Tabela 3) As modalidades de acompanhamento oftalmológico do diabético baseiam-se a partir dos dados epidemiológicos e o conhecimento da evolução espontânea da retinopatia RETINOPATIA DIABÉTICA 155 TABELA 3 - Rastreamento e acompanhamento da retinopatia diabética (RD). RASTREAMENTO DA RETINOPATIA DIABÉTICA Diabetes tipo 1 Exame do fundo de olho logo após a descoberta do diabetes (nas crianças, primeiro exame na idade de 10 anos) Fundo de olho anual, seguido pela primeira angiografia logo após os primeiros sinais de retinopatia diabética ( e eventualmente de maneira sistemática após 5 anos de diabetes) Diabetes tipo 2 Exame do fundo de olho na descoberta do diabetes e angiografia logo após os primeiros sinais de retinopatia diabética ( e eventualmente angiografia sistemática na descoberta do diabetes). Em seguida acompanhamento anual ou mais frequente conforme os resultados do primeiro fundo de olho ACOMPANHAMENTO DA RETINOPATIA DIABÉTICA Não há retinopatia diabética acompanhamento anual do fundo de olho Retinopatia diabética mínima FO + angiografia anual Retinopatia diabética não proliferativa moderada FO + angiografia, de 6 meses em 6 meses ou de ano em ano, função da maculopatia associada Caso o tratamento for por laser macular FO + angiografia, 4 a 6 meses, após o tratamento Retinopatia diabética não proliferativa severa (ou pre-proliferativa) FO + angiografia, cada 6 meses (exceto condições particulares) Fotocoagulação panretiniana (FPR) a prever em caso de gravidez, de normalização rapida da glicemia, de cirurgia da catarata, de Retinopatia Diabética Proliferativa ou de Retinopatia Diabética Pré-proliferativa controlateral, num indivíduo de acompanhamento aleatório Retinopatia diabética proliferativa Fotocoagulação panretiniana (rapidez função da gravidade da RD) FO + angiografia, 2 a 4 meses, após o fim do tratamento Em alguns casos particulares, os controles angiográficos podem ser indicados com intervalos de tempo mais curtos que os prescritos. diabética. Toda descoberta do diabetes deve ser acompanhado de um exame oftalmológico. Entretanto é preciso distinguir o caso dos diabéticos tipo 1 e dos diabéticos tipo 2. Diabético tipo 1 - Num diabético tipo 1, o início do diabetes é conhecido com precisão. A retinopatia diabética, em 156 P. Massin geral, não aparece antes de 7 anos de evolução do diabetes, porém, após 20 anos de evolução, 90 a 95% dos diabéticos têm uma retinopatia diabética. Um exame do fundo de olho será realizado logo na descoberta do diabetes, anualmente. Uma angiografia de referência poderá ser realizada a partir do 5º ano do diabetes, mesmo se o exame biomicroscópico do fundo de olho aparecer normal, e deverá ser repetido a cada 2 ou 3 anos. Uma angiografia fluorescémica deve ser feita imperativamente logo após os primeiros sinais biomicroscópicos da retinopatia diabética. Sua freqüência ulterior será função dos resultados do exame do fundo de olho. Nas crianças, não é necessário que o primeiro exame oftalmológico seja realizado antes da idade de 10 anos. Diabetes tipo 2 - Nos diabéticos tipo 2, o início da doença diabética é freqüentemente desconhecido. O exame oftalmológico inicial poderá descobrir uma retinopatia diabética mais ou menos avançada (20 % dos diabéticos tipo 2 já têm uma retinopatia diabética quando o diabetes é diagnosticado). Um exame do fundo de olho é imperativo logo na descoberta do diabetes. Uma angiografia é necessária caso já exista uma retinopatia diabética. Uma angiografia de referência poderá ser feita mesmo que o exame biomicroscópico do fundo de olho parecer normal. Depois, um acompanhamento oftalmológico será realizada cada ano ou mais freqüentemente, caso exista uma retinopatia diabética na descoberta do diabetes. Circunstâncias particulares Na vida do diabético existem períodos durante os quais o risco de uma evolução rápida da retinopatia torna necessário um acompanhamento oftalmológico reforçado. A puberdade e a adolescência (período entre 13 e 18 anos) - Nas crianças diabéticas, a prevalênça da retinopatia diabética é fraca, e notadamente não há retinopatia proliferativa antes da puberdade. A puberdade e a adolescência constituem um período de alto risco de evolução da retinopatia diabética, e justificam um acompanhamento oftalmológico reforçado. O período entre 16 e 18 anos é particularmente crítico, o acompanhamento oftalmológico deve ser feito freqüentemente; caso uma retinopatia diabética exista, um controle oftalmológico é justificado a cada 3 ou 6 meses. A gravidez - No decorrer da gravidez existe um risco maior de progressão da retinopatia diabética. É necessário examinar o fundo de olho antes da gravidez; na ausência da retinopatia diabética no início da gravidez um acompanhamento oftalmológico trimestral e no pós-parto deve ser realizado. Se uma retinopatia diabética for diagnosticada no início da gravidez, é necessário um acompanhamento oftalmológico mensal. Se são indicadas, as angiografias podem ser realizadas, nenhum efeito teratogênico foi descrito. A fotocoagulação pode também ser realizada no decorrer da gravidez, caso ela se revele necessária. Diabetes & Metabolism A normalização rápida da glicemia a partir de um tratamento intensivo exige um exame prévio e um acompanhamento freqüente do fundo de olho. Na realidade, durante e após este período existe um risco sério de agravação da retinopatia diabética. A constatação de uma retinopatia diabética proliferativa, deve levar a realização de uma fotocoagulação panretiniana antes ou durante o período da normalização glicémica. A constatação de uma retinopatia diabética pré-proliferativa incite a normalizar progressivamente a glicemia sob controle freqüente do fundo de olho e/ou realizar uma fotocoagulação panretiniana anteriormente. ■ TRATAMENTO DA RETINOPATIA DIABÉTICA Tratamento da retinopatia diabética com laser Tratamento da retinopatia diabética proliferativa - A fotocoagulação panretiniana (FPR) é o tratamento da retinopatia diabética proliferativa. Sua eficácia foi demonstrada a partir de um estudo prospectivo nos E.U.A ; a DRS (Diabetic Retinopathy Study) demonstrou que a FPR permite reduzir consideravelmente o risco de cegueira ligado a retinopatia diabética proliferativa. Isto foi confirmado com uma ampla experiência clínica na França e na Europa [3, 7, 8]. A fotocoagulação panretiniana é indicada em todos os casos da retinopatia diabética proliferativa na presença de neovasos prepapilares ou de hemorragia pré-retiniana ou intra-vítreo. É também indicada, mas pode ser realizada mais lentamente, quando são evidenciados neovasos preretinianos isolados. A fotocoagulação panretiniana será realizada em diversas sessões, cujo espaço entre uma e outra, depende da gravidade da retinopatia diabética proliferativa. Por exemplo, o tratamento deverá ser terminado em 1 ou 2 meses, no caso de retinopatia diabética proliferativa associado à fatores de “alto risco” (extensos neovasos prepapilares e/ou neovasos preretinianos ou prepapilares associados a hemorragia pré-retiniana ou intra-vítreo) ou em caso de rubeose iridiana; entretanto, para os neovasos preretinianos isolados, a fotocoagulação pode ser realizada em uma sessão mensal ou cada dois meses, num período de 6 meses a um ano. Tratamento da retinopatia diabética pré-proliferativa - O ETDRS (Early Treatment of Diabetic Retinopathy Study), estudo prospectivo feito nos Estados Unidos demonstrou que um tratamento precoce por fotocoagulação panretiniana de uma retinopatia diabética pré-proliferativa ou de uma retinopatia diabética proliferativa iniciante, só reduz fracamente a perda da visão em comparação a um tratamento realizado em fases mais avançadas. Todavia, uma fotocoagulação dos territórios esquêmicos pode ser indicada antes mesmo da aparição dos neovasos, em particular : - em caso de gravidez ; - em caso de normalização rápida da glicemia devido a Vol. 01, 1997 um tratamento hipoglicemiante intensivo; - antes ou depois da cirurgia da catarata ; - num paciente cujo acompanhamento é difícil ; - quando existe uma neovascularização do outro olho, ou no caso de retinopatia diabética pré-proliferativa bilateral. A fotocoagulação deve então, ser conduzida lentamente para minimizar os efeitos secundários da fotocoagulação panretiniana, principalmente o edema macular. Tratamento da maculopatia diabética - As lesões focais extra-maculares cercadas de exsudatos ameaçando a macula devem ser tratadas por fotocoagulação a laser, mesmo se a acuidade visual é normal. Diversos estudos randômizados demostraram a eficácia da fotocoagulação com laser do centro dos exsudatos circinados para preservar a acuidade visual [10]. O edema difuso da região central, quando é acompanhado de uma redução visual significativa e moderada, pode exigir uma fotocoagulação intercalada perifoveolar não confluente (“grid”). Este tratamento apresenta resultados inconstantes e sua realização é delicada : pode se esperar, pelo menos, que a queda visual seja freiada. Neste tipo de edema, algumas circunstâncias particulares como uma insuficiência renal, uma pressão arterial sem controle, um desequilíbrio glicêmico evidente, levam a suspensão do tratamento até correção destas anomalias. Depois de uma recente cirurgia da catarata, ou de uma fotocoagulação panretiniana realizada recentemente, a fotocoagulação do edema macular pode ser adiado de 6 meses a 1 ano, pois estas duas circunstancias podem gerar edemas maculares espontaneadamente reversíveis. Tratamento médico da retinopatia diabética Correlação entre os fatores gerais e a retinopatia diabética - O efeito benéfico de um bom equilíbrio glicêmico na incidência e progressão da retinopatia diabética tinha sido sugerido em diversos estudos [15]. Recentemente, o DCCT (Diabetic Control and Complications Trial Research Group) demostrou o efeito benéfico de um equilíbrio estrito da glicemia por insulinoterapia intensiva, na incidência e na progressão da retinopatia diabética, nos diabéticos tipo 1 sem retinopatia diabética ou portadores de retinopatia diabética de mínima para moderada [6]. Este efeito benéfico foi demonstrado a médio e longo prazo. O efeito benéfico do bom equilíbrio glicêmico nos diabéticos tipo 2 é igualmente sugerido mas ainda não provado. Um efeito benéfico do equilíbrio da pressão arterial sobre a importância do edema macular é provável, mas nenhum teste clínico demonstrou até hoje que um tratamento anti-hipertensivo pode freiar a evolução da retinopatia diabética e/ou do edema macular. Tratamentos medicamentosos - Alguns estudos testaram a influência dos tratamentos medicamentosos na progressão das fases iniciais da retinopatia diabética. Dois estudos mostraram o efeito benéfico dos anti-agregantes plaquetários (ticlopidine, e aspirina de 1g por dia) para freiar o RETINOPATIA DIABÉTICA 157 aumento do número de microaneurismas, o efeito da ticlopidine é observado somente nos diabéticos insulino-dependentes [4,17]. De outro lado, o ETDRS não demonstrou o efeito benéfico da aspirina (com 650 mg por dia) na evolução da retinopatia diabética evoluída; entretanto não existe efeito deletério da aspirina, principalmente não há aumento do risco de hemorragia no caso da retinopatia proliferativa [9]. Não foi demonstrado efeito benéfico dos inibidores da aldose reductase, tal como o sorbinil na progressão da retinopatia diabética. Um estudo multicêntrico com o Teolrestat está em estudo na América do Norte. ■ TRATAMENTO DA CATARATA DO DIABÉTICO A cirurgia da catarata no diabético precisa de precauções particulares, principalmente nos pacientes que tenham uma retinopatia diabética, devido o risco maior de agravação da retinopatia. A técnica cirúrgica recomendada é a extração extra-capsular, que seja manual ou pela facoemulsificação, com a implantação de um cristalino artificial na bolsa capsular, de diâmetro ótico igual ou superior a 6,5 mm. Em pré-operatório, uma procura dos focos infecciosos e seu tratamento serão sistematicamente realizados em razão do risco maior de endoftalmia no diabético ; uma antibioprofilaxia poderá ser considerada. Um exame préoperatório do fundo de olho deve ser realizado assim como uma angiografia fluorescémica, enquanto a catarata o permite. No caso de catarata obturida impedindo o exame do fundo de olho, uma angiografia pré-operatória da íris é recomendada para assegurar que não existe uma rubeose iriniana infra-clínica, assim como uma ultrasonografia em modo B, para procurar uma hemorragia intra-vítreo ou um descolamento da retina. O acompanhamento pós-operatório deve ser mais frequente e mais prolongado do que num paciente não diabético, devido ao risco maior de inflamação do segmento anterior, e da agravação da retinopatia diabética [2, 16]. Caso exista uma retinopatia diabética, uma angiografia fluorescémica deve ser realizada durante os primeiros quinze dias pós-operatórios, e eventualmente, repetida em função dos resultados. Caso um tratamento por fotocoagulação com laser for indicado, principalmente em caso de retinopatia diabética proliferativa ameaçando a visão, ele poderá ser realizado desde os primeiros dias pósoperatórios. ■ CONCLUSÃO A execução em escala nacional deste trabalho, destas medidas de rastreamento, de acompanhamento e de tratamento da retinopatia diabética, deveria diminuir a taxa de cegueira e da redução da visão ligada a retinopatia diabética. Uma colheta de dados atentiva durante o inquérito, um melhor acompanhamento oftalmológico dos diabéticos, como também a colaboração entre oftalmologistas, diabetólogos e clínicos gerais, permitiriam fazer estudos prospectivos sobre a prevenção das complicações oculares do Vol. 01, 1997 diabetes, principalmente nos diabéticos tipo 2. Um estudo epidemiológico francês sobre as complicações oculares do diabetes mostra se necessário. A criação de centros de referência especializados, de livre acesso, qualquer seja o lugar de moradia, é essencial para a avaliação e o tratamento dos casos mais complicados da retinopatia diabética. RETINOPATIA DIABÉTICA 1 2 BIBLIOGRAFIA American Diabetes Association : Clinical Practice recommendations 1995. Screening for diabetic retinopathy. Diabetes Care, 1995, 18, 21-23. Benson WE, Brown GC, Tasman W, McNamara JA, Vander JF. Extracapsular cataract extraction with placement of a posterior chamber lens in patients with diabetic retinopathy. Ophthalmology, 1993, 100, 730-738. ANEXO - Glossário para os relatórios do fundo de olho e da angiografia. Imagens sem preparação (luz verde, luz azul, cor) raros, alguns, numerosos (bastante, muito): - microaneurismas, microhemorragias - exsudatos espalhados / em estrela / em placa central - nódulos algodonosos - anomalias microvasculares intraretinianas dilatação e irregularidade do calibro venoso proliferação fibrovascular, localizada, extensa hemorragia pré-retiniana, intra-vítreo moderada / densa / recente / antiga / extensa / localizada em ressorção / impedido o exame do FO Angiografia Pólo posterior raros, alguns, numerosos (bastante, muito): - microaneurismas - dilatações capilares - anomalias microvasculares intraretinianas (AMIR) não há edema macular edema macular não citóide, discreto/moderado edema macular citóide, parte, completo; com / sem inclusão central boa perfusão do conjunto do pólo posterior pequenos territórios de isquemia isquemia extensa do pólo posterior, ampliamento da zona avascular central Neovascularização Neovasos preretinianos: - um/vários ramos - superfície < ou ≥ ½ superfície capilar Neovasos prepapilares - superfície < ou ≥ 1/4-1/3 superfície papilar Neovasos prepapilares - superfície < ou ≥ 1/4 -1/3 superfície papilar - resto de... - se estendendo na retina - proliferante no vítreo Periferia raros, alguns,numerosos (bastante, muito): - hemorragias retinianas superficiais / profundas - nódulos algodonosos - anomalias venosas (em um ou diversos quadrantes) boa perfusão periférica territórios de isquemia periférica pequenos / amplos / superiores a 25 superfíciespapilares Neovasos preretinianos: - um / vários ramos - surface < ou ≥ ½ superfície papilar (em um ou diversos quadrantes) FPR extensa / densa / confluente / não confluente em fase de realização / incompleta / completa devendo ser ainda densificada 159 Léxico para a evolução sem mudança. estável / agravamento / regressão em relação ao exame de.../ inicial de... etc. Em conclusão Não há retinopatia diabética Retinopatia diabética não proliferativa Mínima / moderada com edema severa ou pré-proliferativa Com / sem edema macular, não citóide / citóide Retinopatia diabética não proliferativa severa ou pré-proliferativa Com / sem edema macular, não citóide / citóide Retinopatia diabética proliferativa Mínima Moderada Severa Complicada Indicações terapêuticas e acompanhamento Não há tratamento por laser previsto Necessidade de uma fotocoagulação no pólo posterior Focal Intercalada perifoveolar (“grid”) Necessidade de uma fotocoagulação panretiniana Novo exame em: 2 anos / 1 ano / 6 meses / 4 meses / 2 meses Indicação para um tratamento cirúrgico 160 P. Massin 3 4 5 6 7 8 9 Coscas G, Soubrane S, Chaine G. Résultats de la photocoagulation panrétinienne au laser à l’argon dans 100 cas de rétinopathie diabétique. Bull Soc Ophtalmol Fr, 1978, LXXVIII, 597-599. The DAMAD Study Group. Effect of aspirin alone and aspirin plus dipyridamole in early diabetic retinopathy. A multicenter randomized controlled clinical trial. Diabetes, 1989, 38, 491-498. La déclaration de Saint-Vincent. Recommandations pour la prévention de la rétinopathie diabétique. Diabète Métabol, 1992, 18, 349-350. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group. The effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med, 1993, 329, 977-986. The Diabetic Retinopathy Study Research Group. Four risk factors sor severe visual loss in diabetic retinopathy. The third report from the Diabetic Retinopathy Study. Arch Ophthalmol, 1979, 97, 654-655. The Diabetic Retinopathy Study Research Group. Photocoagulation treatment of proliferative diabetic retinopathy. Clinical application of Diabetic Retinopathy Study (DRS) findings, DRS report number 8. Ophthalmology, 1981, 88, 583-600. Early Treatment Diabetic Retinopathy Study Research Group. Effects of aspirin treatment on diabetic retinopathy. ETDRS report number 8. Ophthalmology, 1991, 98, 757-765. Diabetes & Metabolism 10 11 12 13 14 15 16 17 Early Treatment Diabetic Retinopathy Study Research Group. Early photocoagulation for diabetic retinopathy ; ETDRS report number 9. Ophthalmology, 1991, 98, 766-785. Early Treatment Diabetic Retinopathy Study Research Group. Grading diabetic retinopathy from stereoscopic color fundus photographs. An extension of the modified Airlie House Classification. ETDRS report number 10. Ophthalmology, 1991, 98, 786-806. Early Treatment Diabetic Retinopathy Study Research Group. Fundus photographic risk factors for progression of diabetic retinopathy. ETDRS report number 12. Ophthalmology, 1991, 98, 823-833. Kohner EM, Porta M. Screening for diabetic retinopathy in Europe : a field guide-book. IDF, Pisa, 1992. Massin-Korobelnik P, Gaudric A. Maculopathie diabétique, revue générale. J Fr Ophtalmol, 1994, 17, 427-453. Massin-Korobelnik P, Guillausseau PJ. Hyperglycémie chronique et rétinopathie diabétique. Sang, Thrombose, Vaisseaux, 1992, 4, 365-372. Pollack A, Leiba H, Bukelman A, Oliver M. Cystoid macular œdema following cataract extraction in patients with diabetes. Br J Ophthalmol, 1992, 76, 221-224. The TIMAD Study Group. Ticlopidine treatment reduces the progression of nonproliferative diabetic retinopathy. Arch Ophthalmol, 1990, 108, 1577-1583. & Diabetes Metabolism Editorial A educação em diabetes : temos acompanhado essa transição histórica ? : Adriana C.Forti 162 Carta ao Editor Influência da monoterapia de 16 semanas com acarbose nos fatores de risco cardiovascular, em pacientes obesos, com diabetes tipo 2 : um estudo duplo-cego controlado, comparado com placebo : A.Calle-Pascual, J.Garcia-Honduvilla, P.J.Martin-Alvarez, J.R.Calle, J.P. Maranes 165 Clínica Médica Como rastrear o risco podológico no paciente diabético ? : J.L.Richard 168 Artigos Originais LDL minimamente oxidado estimado por um novo método no plasma de pacientes com diabetes tipo 2 portadores de nefropatia ou aterosclerose : S.Picard, C.Talussot, A.Serusclat, N.Ambrosio, F.Berthezene 173 Distribuição da insulina sérica de jejum, medida por um teste imuno-enzimático em população não selecionada de 4.032 indivíduos : Y.Gallois, S.Vol, E.Cacès, B.Balkau e o grupo de estudo D.E.S.I.R. 182 Tolerância à glicose alterada em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica : A.Hjalmarsen, U.Aasebo, K.Bikerland, G.Sager, R.Jorde 188 Efeito do ramipril na sensibilidade à insulina em pacientes obesos : P.Valensi, E.Derobert, R.Genthon, J.P.Riou 194 Consenso da ALFEDIAM Neuropatia autônoma no paciente diabético : P.Valensi, J.F.Gautier, G.Amarenco, J.P.Sauvanet, M.Leutenegger, J.R.Attali 198 OUTUBRO AT L  N T I C A 1997 Vol.1 e d i t o r a 4 & Diabetes Metabolism REVISTA CLÍNICA E BIOLÓGICA ATLÂNTICA MULTIMÍDIA 16 rue de la Cerisaie 75004 Paris tel (33) (0) 1 4029 9254 fax (33) (0) 1 4277 4255 ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO Avenida Graça Aranha, 182/9°andar 20030-003 Rio de Janeiro RJ tel: (021) 533 32 00 fax: (021) 533 08 29 PUBLICIDADE Maurício Galvão Anderson R. Corgie Assad Abdalla 693 05622-010 São Paulo - SP tel: (011) 9993 6885 tel/fax: (011) 844 1885 Lei de Imprensa n° 14.370 Publicação mensal Assinatura anual: Médicos R$ 150 Instituições R$ 200 © Masson Editeur Paris, editado no Brasil por Atlântica Multimídia, 1997 Tiragem: 8.000 exemplares Diabetes & Metabolism é a publicação oficial da Associação de Língua Francesa para o Estudo do Diabetes e das Doenças Metabólicas (Alfediam) EDIÇÃO FRANCESA Pr esidente Presidente Prof. Gérard Cathelineau (França) ice-presidente Vice-pr esidente Prof. Philippe Vague Secretário etário geral Secr Prof. Jean-Marcel Brun Secretário Secr etário adjunto Dra. Claire Lévy-Marchal esoureir eiro Tesour eir o Dr. Jean-Pierre Sauvanet Diabetes & Metabolism, revista fundada em 1975 por Jean Canivet e Pierre Lefebvre, é publicada pela Editora Masson (Paris) Editor-chefe Editor -chefe Prof. Pierre Saï (França) Editores-chefe Editor es-chefe delegados André Scheen (Bélgica), Jean-Frédéric Blicklé (França) Editor executivo James Gray Clínica Médica André Grimaldi (França) Editores Editor es Roger Assan, Michel Beylot, Pierre Chatelain, (França), Jean-Louis Chiasson (Canadá), Paul Czernichow (França), Jean-Pierre Felber (Suíça), Henri Gin (França), Giuseppe Paolisso (Itália) EDIÇÃO BRASILEIRA Diretora Dir etora Executiva Claudiane Benavenuto. Dir etora Científica Diretora Dra. Tania Leme da Rocha Martinez Editor -Chefe Editor-Chefe Dr. Jean-Louis Peytavin Dir etor Comer cial Diretor Comercial Maurício Galvão Anderson Conselho Científico Adolpho Milech Adriana Costa e Forti Antonio Carlos Lerário Antonio Roberto Chacra Bernardo Leo Wajchenberg Edgar Niclewicz Francisco Bandeira Helena Schmid Jorge Luiz Gross Laércio Franco Leão Zagury Leila Araújo Luiz Cézar Póvoa Maria Marcílio Rabelo Revisão Científica Profª. Lucia Machado Lopes Tradução Dra. Alice C. G. Anderson Dra. Chantal Serero-Corcos Indexado em : BIOSIS (Biological Abstracts) - CABS - Chemical Abstracts - Current Contents : Life Sciences - Excerpta Medica - Medline (Index medicus) - Pascal (INIST/CNRS) - Reserch Alert - Science Citation Index - SCI Search. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 162 -164 Editorial A EDUCAÇÃO EM DIABETES : TEMOS ACOMPANHADO ESSA TRANSIÇÃO HISTÓRICA ? ADRIANA C. FORTI A ✍ : ADRIANA C. FORTI Av. Ponte Vieira, 2449 CEP 60130-241 Fortaleza – CE – Brasil educação em diabetes é parte essencial do tratamento. Constitui um direito e dever do paciente e também um dever dos responsáveis pela saúde. Com essa afirmativa a Sociedade Brasileira de Diabetes em reunião de consenso, recentemente definiu a importância da educação em diabetes objetivando que o processo educativo deve motivar a adquirir conhecimentos, desenvolver habilidades, mudar hábitos com a finalidade de uma melhor qualidade de vida. É complexa a cadeia que compõe a educação em diabetes. Estamos lidando com uma doença crônica e de complicações letais ; com um paciente, um ser humano, que evolutivamente ou ciclicamente pode estar em pânico, revoltado, deprimido, querendo barganhar, tentando se recuperar ; com um ser humano, o profissional, técnico, muitas vezes de questionável preparo para lidar com educação e utilizando métodos as vezes controversos, e de resultados pouco avaliados. A educação tem sido nos últimos anos uma grande preocupação no sentido de que na medida em que a procura dos novos conhecimentos sobre a ultima técnica diagnóstica, o mais novo medicamento, tem sido acompanhada da necessidade de se encontrar qual o mais efetivo método de educação. Nós, profissionais, acreditamos que a educação é importante e fundamental. E através dessa motivação procuramos tempo, técnicas para nos capacitarmos e em um processo de mudança nos posicionarmos como verdadeiros educadores, enquanto ainda educandos. Somos educadores e educandos, e como somos educandos? Tentando nos enquadrarmos no modelo de Prochaska e Diclemente sobre os estágios cíclicos da mudança de comportamento, em que estágio nos encontramos agora? Pré-contemplação ou contemplação do processo educativo? Estamos na fase de preparação, de tentativa ou já chegamos a ação? Será que demoramos pouco na manutenção dessa mudança que já retornamos ao comportamento original? E como educadores, como diagnosticamos nossos pacientes nesse processo? Que técnicas estamos utilizando para, a partir do diagnóstico individual, eficientemente educarmos o nosso paciente ou o nosso colega profissional de saúde? A diferenciação metodológica e histórica do processo educativo tem evoluído desde a etapa em que como um Deus ou Curandeiro, o profissional, através do uso da empatia consegue a aceitação do paciente, caracterizando o modelo Bio- 164 A. C. Forti médico cuja educação do paciente é orientada na doença; seguindo pelo processo de transferência de informações o profissional no papel de Professor informa o paciente que, como o estudante tradicional, segue esses conhecimentos; a etapa em que, como Instrutor o profissional treina o paciente para se capacitar, caracteriza o modelo biocomportemental onde a educação é orientada na prevenção. As mudanças de comportamento começam a acontecer quando o profissional assume uma atitude de Consultor numa técnica de implementação de atitudes para finalmente, como Facilitador o profissional fortalecer a mudança do estilo de vida, onde o modelo Bio-psicossocial caracteriza o paradigma da prevenção com a educação orientada para a saúde. Temos acompanhado essa transição histórica? O processo educativo deve ser direcionado ao paciente, família, amigos, profissionais de saúde, sociedades científicas, associações de pacientes, indústria farmacêutica, entidades privadas, poderes públicos, enfim sociedade em geral. Educação é Diabetes & Metabolism também o envolvimento de todos em uma verdadeira parceira. Envolver é o grande paradigma. “Se você me fala, eu esqueço, se você me ensina, eu me lembro, se você me envolve, eu aprendo”, já dizia Benjamin Franklin. Vários trabalhos têm sido desenvolvidos no Brasil. Vários serviços, diversos grupos, muitos profissionais vêm trabalhando com diferentes técnicas, diferentes recursos, variadas parceiras. Mas, precisamos que todos nós estejamos trabalhando com educação, individual, em equipe, identificando afinidades na equipe, criando a figura do educador, desenvolvendo esse papel. Precisamos cada vez mais estabelecermos parcerias com técnica, ética, e objetivos definidos. Precisamos discutir, desenvolver estratégias, analisando as características regionais, buscando um modelo próprio. E se pretendemos e devemos encarar educação como realidade nacional precisamos encará-la como ciência onde principalmente deve ser avaliada, e os resultados analisados na busca de um crescimento sempre maior. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 165 -166 Carta ao Editor INFLUÊNCIA DA MONOTERAPIA DE 16 SEMANAS COM ACARBOSE NOS FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR, EM PACIENTES OBESOS, COM DIABETES TIPO 2: UM ESTUDO DUPLO-CEGO CONTROLADO, COMPARADO COM PLACEBO A. CALLE-PASCUAL, J. GARCIA-HONDUVILLA, P.J. MARTIN-ALVAREZ (1), J.R. CALLE, J.P. MARANES A meta do tratamento dos pacientes com diabetes tipo 2 (DMNID), deveria ser melhorar o controle metabólico tanto quanto possível e corrigir os fatores associados aos riscos cardio vasculares [1]. Um recente estudo [2] levado a cabo em ratos obesos com severa resistência à insulina, que desenvolveram lesões ateroscleróticas e isquemia miocárdica, mostrou que o tratamento com acarbose melhora a sensibilidade à insulina, induz à perda de peso e reduz as lesões de isquemia miocárdica. Neste contexto, nós projetamos um estudo comparativo duplo-cego, para investigar os efeitos do tratamento com acarbose nos fatores de risco cardiovasculares em pacientes obesos com DMNID e controle glicêmico aceitável (HbAlc < média + 4 DP), somente com dieta. Quarenta pacientes obesos com diabetes tipo 2 foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos (20 pacientes por grupo), tratados durante 16 semanas com 100 mg de acarbose via oral (50 mg durante as primeiras 4 semanas) ou com placebo. Foram avaliados o índice de sensibilidade à insulina e a redução efetiva da glicose, de acordo com um modelo mínimo. Sete pacientes (4 no grupo de placebo e 3 no grupo de acarbose) foram excluídos do estudo. Uma redução estatisticamente significante do peso corporal (88,71 ± 18,27 vs 83,3 ± 16,68 kg), do índice de massa corporal (35,3 ± 8.86 vs 33,1 ± 8,2 kg.m2), da pressão sangüínea sistólica (149 ± 24 vs 138 ± 22 mmHg), da pressão sangüínea diastólica (87 ± 11 vs 81 ± 10 mmHg) e glicose ✍ : A.L. CALLE-PASCUAL, Department of endocrinology and Nutrition, Hospital Universitario S. Carlos, E-28040 Madrid, Espanha plasmática de jejum (7,9 ± 1,8 vs 7,1 ± 1,6 mmol), como também um aumento no índice de sensibilidade a insulina (2,3 ± 1,0 vs 3,1 ± 1,3) (p < 0,05 em todos os casos), foram obtidos nos pacientes tratados com acarbose, considerando que somente a pressão sangüínea diastólica diminuiu significativamente (89 ± 15 vs 81 ± 10 mmHg ; p < 0,05) nos pacientes tratados com placebo (Tabela 1). Apesar do controle glicêmico de nossos pacientes não ser considerado como ideal de acordo com o critério do Consenso Europeu para a Administração de DMNID, esses podem ser considerados aceitáveis. Por conseguinte, nós sentimos que o tratamento deveria ser enfocado no controle dos fatores de riscos cardiovasculares. Apesar da diminuição dos níveis da glicose plasmática de jejum, os níveis de HbA1c não mudaram significativamente nos pacientes que receberam acarbose, provavelmente porque o nível basal da HbA1c era aceitável, ao contrário do relatado em outros estudos [3, 4], que obtiveram diminuição nesta variável. Como o grau de controle glicêmico pode ser considerado aceitável, a pergunta básica que nosso estudo buscou responder foi se o acarbose poderia provocar uma mudança favorável nos fatores de riscos cardiovasculares. Neste aspecto, os pacientes que receberam acarbose mostraram uma perda de peso significantemente maior do que aqueles que receberam placebo. As pressões sangüíneas sistólicas e diastólicas foram significativamente menores no grupo do acarbose, enquanto somente a pressão sangüínea diastólica diminuiu no grupo do placebo. Esta diminuição na pressão sangüínea foi comparável ao resultado obtido em outros estudos, em que o peso corporal diminuiu de forma semelhante [5, 6]. Por conseguinte, é razoável supor que a diminuição da pressão sangüínea obtida em nosso estudo, po- 166 A. L. Calle-Pascual Diabetes & Metabolism TABELA 1 – Mudanças no peso corporal e dados laboratoriais durante o estudo. PLACEBO Peso corporal (kg) IMC (kg/m2) ACARBOSE Semana 0 Semana 16 Semana 0 Semana 16 89,5 ± 16,1 88,2 ± 16,2 88,7 ± 18,2 83,3 ± 16,6 # 35,9 ± 7,6 35,4 ± 7,6 35,3 ± 8,8 33,1 ± 8,2 # GPJ (mmol) 7,9 ± 2,4 8,0 ± 2,8 7,9 ± 1,8 7,1 ± 1,6 # HbA1c (%) 6,4 ± 1,3 6,4 ± 1,4 6,3 ± 0,8 6,1 ± 0,9 Colesterol (mmol) 5,84 ± 0,90 5,97 ± 0,90 5,81 ± 0,82 5,76 ± 1,08 HDL-Colesterol (mmol) 1,15 ± 0,28 1,13 ± 0,25 1,13 ± 0,3 1,24 ± 0,25 Triglicérides (mmol) 1,76 ± 0,82 1,74 ± 1,00 1,25 ± 0,54 PSS (mm Hg) 156,2 ± 20,6 149,3 ± 25,4 149,11 ± 24,3 138,8 ± 22,1 # PSD (mm Hg) 89,6 ± 15,1 87,8 ± 11,1 81,4 ± 10,1 # 81,8 ± 13,2 # 1,21 ± 0,43 IPJ (pmol) 93 ± 43 82 ± 39 74 ± 42 60 ± 22 I1+3 (pmol) 228 ± 108 246 ± 126 276 ± 246 288 ± 204 ISI (10–4.min.µIU.L–1) 2,4 ± 1,1 2,2 ± 1,6 2,3 ± 1,0 3,1 ± 1,3 # REG (10–2.min–1) 1,1 ± 0,5 1,4 ± 0,3 1,1 ± 0,3 1,3 ± 0,3 GPJ, glicose plasmática de jejum; I1+3, insulina de primeira fase de liberação, IMC, índice de massa corporal; IPJ, insulina plasmática de jejum; ISI, índice de sensibilidade a insulina; PSD, pressão sangüínea diastólica; PSS, pressão sangüínea sistólica; REG, redução efetiva da glicose. # p < 0,05. deria ser atribuída à perda de peso, em vez de um efeito direto do tratamento com acarbose. Os níveis de insulina em jejum e aqueles obtidos durante a primeira fase de liberação da insulina (I1+3), não mudaram durante a terapia com acarbose, considerando que glicemia diminuiu. Isto indica um aumento na ação biológica da insulina, como confirmado pelo aumento no índice de sensibilidade à insulina. A questão sobre o aumento da sensibilidade a insulina, era um efeito direto do acarbose, ou era induzido pela perda de peso permanece indeterminada, embora a última explicação pareça mais provável. Um estudo recente em ratos com severa resistência à insulina [2], mostrou que o acarbose causa uma discreta, mas significante diminuição no peso corporal e um aumento na sensibilidade à insulina. Estas mudanças, que conduziram a uma incidência diminuída de alterações ateroscleróticas nesses animais, foram semelhantes às constatadas em nosso estudo. É incerto porém se o tratamento com acarbose, poderia vir a diminuir a morbidez cardiovascular e a mortalidade em nossos pacientes. BIBLIOGRAFIA 1 Alberti KGMM, Gries FA. Management of non-insulin-dependent diabetes mellitus in Europe: a consensus view. Diabetic Med, 1988, 4, 275-281. 2 Russell JC, Koeslag DG, Dolphin PJ, Amy RM. Beneficial effects of acarbose in the atherosclerosis-prone JCR: LA-corpulent rat. Metabolism, 1993, 42, 218-223. 3 Hotta N, Kakuta H, Sano T et al. Long-term effect of acarbose on glycaemic control in non-insulin-dependent diabetes mellitus: A placebo-controlled double-blind study. Diabetic Med, 1993, 10, 134138. 4 Hoffmann J, Spengler M. Efficacy of 24-week monotherapy with acarbose, glibenclamine, or placebo in NIDDM patients. Diabetes Care, 1994, 17, 561-566. 5 Calle-Pascual AL, Rodriguez C, Camacho F et al. Behaviour modification in obese subjects with type 2 diabetes mellitus. Diab Res Clin Pract, 1992, 15, 157-162. 6 Calle-Pascual AL, Martin-Alvarez PJ, Saavedra A et al. Behaviour modification educative programmes in obese type 2 diabetic patients. Av Diabetol, 1993, 6, 119-124. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 168 - 172 Clínica Médica COMO RASTREAR O RISCO PODOLÓGICO NO PACIENTE DIABÉTICO? J.L. Richard P “ ara atingir o objetivo definido por São Vicente, ou seja reduzir pela metade as amputações do membro inferior no diabético, convém agir nas seguintes áreas : prevenção, e tratamento precoce de toda lesão do pé...Qualquer paciente diabético com riscos de desenvolver complicações a nível do pé, deve ser identificado pelo seu médico.” Declaração de São Vicente: adaptação francesa pelo Conselho Superior do Diabetes. angiopatia é mais freqüente, a idade dos pacientes muitas vezes avançada. Contudo, esta constatação associada ao fato de que na França, a maioria dos diabéticos não são acompanhados pelo diabetólogo, apontam o clínico geral para efetuar o rastreamento; por conseqüência este deve ser realizado através de meios simples, rápidos, fiáveis e baratos. O objetivo deste artigo é demonstrar que tal rastreamento é possível. Apesar do progresso relevante da diabetologia nos últimos dez anos, as ulcerações do pé no diabético sempre constituem um problema maior de saúde pública; este problema está sendo onerado por uma morbidade importante, por um custo elevado para a sociedade, por invalidez e incapacidade funcionais severas agravadas por repercussões psicológicas profundas. Infelizmente, os números alarmantes publicados no final dos anos 80 [1] não parecem ter melhorado [2]; isto apesar de que a maioria dos peritos nessa área, estejam convencidos de que é possível reduzir em 50% o número de amputações dos membros inferiores no diabético e que um dos pontos sublinhados na declaração de São Vicente seja exatamente uma redução da morbidade do “pé diabético”. Aliás, centros pilotos na Europa e nos Estados Unidos obtêm resultados animadores em relação à diminuição de morbidade, e redução no período de internação [2]. Essas divergências entre possibilidade e realidade explicam-se em grande parte pela insuficiência da política de prevenção baseada sobre o rastreamento e sobre o desenvolvimento de estruturas especializadas. Hoje em dia, os distúrbios tróficos dos pés surgem nos diabéticos não insulino-dependentes (tipo 2). As razões desta preponderância são numerosas: comparado ao diabetes insulino-dependente (tipo 1), o diabetes tipo 2 é muitas vezes considerado como menos severo, o seu acompanhamento é menos rigoroso, a educação dos pacientes é menos completa, a macro- ■ FATORES DE RISCO ✍ : J.L. Richard, Service de Diabétologie, Centre Médical, 30240 Le Grau du Roi, França. Alguns dos numerosos fatores que aumentam o risco de aparecimento de ulceração no paciente diabético são hoje em dia bem conhecidos (Tabela 1). Tabela 1 – Fatores de risco do pé diabético Fatores maiores • História prévia de ulceração e de gangrena • Arteriopatia dos membros inferiores • Neuropatia Fatores agravantes • Deformação do pé • Redução da mobilidade articular • Microangiopatia associada (retinopatia, nefropatia) • Idade e/ou duração do diabetes • Fatores psicossociais (isolamento, negação da doença) Vol. 01, nº 4, 1997 História prévia de ulceração e de gangrena do pé A freqüência muito grande de recidiva de distúrbios tróficos do pé no diabético é bem conhecida. Assim, no estudo de Rith-Najarian, a quase totalidade das amputações foram realizadas em diabéticos que já tinham apresentado ulcerações dos pés; a taxa de ulcerações que apareceram no decorrer do follow-up, era nitidamente mais elevada neste grupo comparada ao grupo sem antecedentes de ulceração. Esta taxa de recidiva muito elevada explica-se, provavelmente, pela persistência de fatores permissivos como neuropatia e arteriopatia e pela fragilidade e falta de complacência a médio prazo do tecido neoformado durante a cicatrização. A pesquisa de tal antecedente tanto no inquérito quanto no exame clínico se revela então fundamental. Neuropatia Seu papel predominante é sublinhado pela sua presença em aproximadamente 90% dos diabéticos apresentando uma ulceração do pé.[4]. É antes de mais nada, a neuropatia sensitiva que está em causa, conduzindo à diminuição da sensibilidade do pé, e da percepção dos micro-traumatismos locais (perda da sensação de alarme) cuja força, e sobretudo, cuja repetição, têm como conseqüência a constituição da ulceração (revisão em [5, 6]). A forma mais clássica da ulceração é o mal perfurante plantar, cuja seqüência de constituição (hiperkeratose localizada, inflamação e ulceração) é bem descrita [7]. Para o rastreamento desta neuropatia sensitiva, necessita-se de testes avaliando a sensibilidade vibratória e a baropressão fina da pele. A sensibilidade vibratória, veiculada por fibras mielinizadas de grande diâmetro, a partir dos corpúsculos de Meissner e de Paccini [8], explorase através do diapasão habitual, ou melhor, do modelo graduado com massas deslocando-se sobre os seus dois braços permitindo assim cifrar o patamar da palestesia : uma medida de 4 no exame da cabeça do primeiro metatarso deve ser considerada como indicadora de risco de ulceração [9]. A “biotesiometria” é mais precisa porém de custo mais alto. Trata-se de aparelhos elétricos que vibram, com frequência fixa, e cuja amplitude de vibração pode ser modificada: o resultado é obtido pela diferença de potencial assim aplicado (em volt), proporcional à amplitude utilizada [10]. Apesar de certas dificuldades de aplicação [8] (calibragem, pressão idêntica do aparelho no ponto explorado, cooperação do paciente, interpretação em função da idade, ...), este método tem uma boa reprodutibilidade com coeficientes de variação em torno de 10% [8] e se revela bom prognosticador do risco de ulceração, com uma sensibilidade de aproximadamente de 80%, uma especificidade de 60%, um risco relativo multiplicado por 7 para um patamar superior a 25V no exame da polpa do primeiro pododáctilo [11]. Outros métodos quantitativos de avaliação sensorial são disponíveis para a sensibilidade térmica e a sensibilidade à corrente elétrica [8], porém o seu interesse no rastreamento dos pés é menos documentado. Ao contrário, os monofilamentos de Semmes-Weinstein são um meio rápido e fiável de rastreamento: trata-se de fíos de náilon calibrados, de tal forma que aplicados sobre a pele do paciente a RASTREIO PODOLÓGICO NO DIABÉTICO 169 sua concavidade corresponda a uma força. Em prática, é comprovado que o filamento 5,07 (que corresponde a uma força de 10g) é suficiente para o rastreamento [3, 12, 13]. A face plantar do primeiro pododáctilo parece ser o lugar mais adequado para este teste [13, 14]. A sensibilidade deste simples teste aproxima-se de 100% e sua especificidade os 80% [3], com um risco de ulceração do pé multiplicado por 10, e de amputação por 17, em caso de não percepção do filamento [14]. A neuropatia vegetativa é também implicada na patogenia do pé diabético [8, 15] : a lesão sudoro-motora conduz ao ressecamento e à atrofia da pele , facilitando a hiperkeratose. A perda do tônus vaso-simpático é a conseqüência dos shunt artério-venosos e do aumento do fluxo sangüíneo local com desvio, prejudicando assim o aporte à rede nutritiva e provocando isquemia tissular relativa: isto explica de um lado o calor do pé neuropático, a presença freqüente de pulso célere, e a distensão habitual das veias do dorso do pé, e de outro lado, a fragilidade tissular. Faltam, aos testes propostos para afirmar e quantificar esta neuropatia vegetativa, simplicidade e rapidez para serem adotados no rastreamento rotineiro [8]. A lesão motora da neuropatia periférica contribui também à constituição do pé em risco pela própia lesão dos músculos intrínsecos, com desequilíbrio dos músculos extensores e flexores, conduzindo a anomalias da estática do pé com pododáctilos em garra, pelo pé cavo com proeminência da cabeça do metatarso [4, 6]. De maneira prática, o inquérito dirigido procurando sintomas sugestivos de polineurite, e o exame avaliando os reflexos e evidenciando sinais evocando neuropatia diabética, tais como acima definidos, junto com os testes do diapasão simples e do monofilamento permitem um rastreamento eficaz. Arteriopatia A sua demonstração baseia-se sobre o inquérito e o exame clínico. No entanto, os sinais funcionais de isquemia podem encontrar-se parcialmente mascarados pela neuropatia sensitiva associada; a presença de pulsos periféricos não elimina uma lesão vascular [16] e, vice versa, devido a variações anatômicas congenitais (pediosos). A determinação por doppler da relação entre a pressão sistólica no tornozelo e no braço, facilmente e rapidamente determinadas graças a um aparelho de bolso de custo accessível, é mais fiável. O índice sistólico distal inferior a 0,90-0,80 é considerado em geral indicativo de arteriopatia moderada a severa [17]; no entanto a mediacalcose particularmente freqüente pode dar um resultado falso pela incompressibilidade das arterias, se bem que, apenas o resultado anômalo tem valor. Senão, a medida da pressão transcutânea em oxigênio (Tc PO2) ou da pressão sistólica a nível do primeiro pododáctilo (pletismografia) é indicada, porém fora do quadro do rastreamento simples. Anomalias ósteo-articulares Constitucionais ou conseqüências da neuropatia, as deformidades do pé expõem-no ao risco de ulceração. De fato, elas provocam uma distribuição diferente da pressão 170 J. L. Richard plantar, em regiões as vezes não protegidas anatomicamente para este efeito. É o caso particular do hallux valgo, das deformidades da arcada plantar, dos pododáctilos em garra [16]. Assim, os pododáctilos “em martelo” expõem a cabeça dos metatarsos a pressões elevadas; estas regiões são ainda mais vulneráveis já que as “almofadas plantares” encontram-se achatadas e deslocadas [18]. Do mesmo modo, o pé plano (chato) tem tendência a favorecer ulcerações na região mediana do metatarso, enquanto o pé cavo favorece as ulcerações no local da cabeça do 1° ou do 5° metatarso [6]. Qualquer amputação parcial do pé provoca também anomalias da pressão plantar. Obviamente, as deformidades caricaturais do pé de Charcot dão origem a ulcerações freqüentes, de localização não habitual (medio-pé em caso de pé convexo). O sinal clínico destas zonas de hiperpressão localizada é a presença de calosidade, primeiro estágio do mal perfurante plantar: instala-se um círculo vicioso devido a essa hiperkeratose, aumentando a pressão local [19]. Existem aparelhos mais ou menos sofisticados permitindo a identificação das zonas de hiperpressão (podoscopo, sistema de impressão de Harris-Beath, pedobarografia informatizada...), porém na prática cotidiana, o exame clínico parece suficiente para detectar estas anomalias. A limitação da mobilidade articular é um fator de risco recentemente identificado. Descrita inicialmente para as articulações da mão, a rigidez articular pode também atingir o pé, e principalmente as articulações metatarsofalangianas, a sub-astragaliana, e o tornozelo [16, 2022]. Esta limitação é suscetível de provocar anomalias biomecânicas durante o caminhar, favorecendo o aparecimento de ulcerações, devido à pressão plantar anormalmente elevada [22]. Isto é particularmente nítido para o tornozelo, cuja dorsiflexão deve ser pelo menos de 10° para permitir uma caminhada normal; em torno de 63% dos pacientes diabéticos examinados por Holewski tinham um ângulo inferior a este valor e entre eles 92% tinham uma história prévia de patologia do pé [18]. A limitação do jogo articular no diabético é, em geral, atribuída às anomalias do colágeno peri-articular relacionadas a glicolisação não enzimática excessiva sob a dependência da hiperglicemia. A contribuição da neuropatia neste distúrbio não é descartada. Ainda que o exame articular não tenha sido validado como meio de rastreamento, parece lógico com os dados previamente citados, incluir a medida da dorsiflexão do tornozelo no exame do pé diabético. Outros fatores de risco Implicada diretamente ou não na patogenia do pé diabético [23, 24], a existência de microangiopatia aumenta o risco de lesão no pé. É especialmente o caso da nefropatia diabética [25], com risco particularmente aumentado no paciente em diálise. A retinopatia diabética encontra-se com mais freqüência em caso de lesão do pé [18]: de fato, a queda da acuidade visual prejudica a autoinspeção do pé e a detecção precoce de lesão [26]. A idade avançada e/ou uma longa duração de evolução do diabetes favorecem também o surgimento de ulcera- Diabetes & Metabolism ção, bem como o tabagismo e o etilismo. No entanto, estes fatores são controversos por serem de menor importância mesmo se com freqüência associados aos fatores de risco maiores. Em último lugar, a condição social do diabético deve ser levada em conta. O isolamento do paciente, suas dificuldades financeiras, a falta de higiene, uma imagem não satisfatória de si mesmo, a negação da doença, são outros tantos fatores podendo levar à ulceração do pé negligenciada durante muito tempo, e muitas vezes conduzindo a verdadeiras catástrofes. ■ O RASTREAMENTO NA PRÁTICA Este baseia-se no conhecimento pelo médico dos fatores de risco acima considerados, pesquisados sistematicamente em todos os pacientes diabéticos. É necessário interrogar cuidadosamente o paciente e sobretudo examiná-lo com muita atenção levando-se em conta a ausência, quase constante, de queixa nesses pacientes. Estas medidas parecem óbvias sobretudo quando ignora-se que no decorrer de uma consulta, apenas 10% a 20% dos pés diabéticos são examinados [27, 28]... e mesmo assim trata-se de um número otimista registrado em consultórios especializados. É bem provável que esta taxa seja menor em consultórios não especializados e que uma grande parte dos diabéticos, essencialmente os insulino-dependentes, não beneficiem-se do exame anual dos seus pés. Neste TABELA 2 – Elementos de rastreamento do pé a risco no diabético. Inquérito • Ulceração prévia • Sintomas de neuropatia : caímbras, parestesias... com predominância noturna • Sintomas de arteriopatia • Presença de outras complicações (retinopatia, nefropatia) • contexto social e psicológico Exame clínico (sistemático, quaisquer que sejam os dados do inquérito) • Características dos pulsos periféricos : em “martelo d’água”, filiformes ou abolidos ? • Temperatura do pé : pé quente ? seco ? frio ? cianótico ? • Veias : dilatação ? edema ? • Reflexos (aquiléos+++) • Sensibilidade : prova do diapasão, monofilamentos • Morfologia do pé : deformidades ? calosidades ? • Mobilidade articular (tornozelo) Vol. 01, nº 4, 1997 RASTREIO PODOLÓGICO NO DIABÉTICO 171 BIBLIOGRAFIA 1 Scarlet JJ, Blais MR. Statistics on the diabetic foot. J Am Podiat Assoc, 1989, 79, 306-307. 2 Sussman KE, Reiber G, Albert SF. The diabetic foot problem - a failed system of health care ? Diabetes Res Clin Pract, 1992, 7, 1-8. 3 Rith-Najarian SJ, Stolusky T, Gohdes DM. 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Diabetic Med, 1990, 7, 859-864. caso, a solução seria examinar o paciente sempre descalço; tal precaução multiplica por três a chance do médico examinar os pés do paciente. Outra medida simples seria que todo médico possuísse uma ficha especificamente padronizada para o exame dos pés de cada paciente diabético, de preenchimento fácil e rápido. Os pontos sublinhados na Tabela 2 podem ser preenchidos sem grande dificuldade no decorrer de uma consulta habitual e permitem cercar os pacientes em risco. Na prática , no decurso do exame, pode-se sugerir que o paciente sem fator de risco particular seja reexaminado de maneira sistemática todo ano ou antes , se no intervalo, um destes fatores viessem a aparecer. No paciente a risco, a avaliação do especialista impõe-se para estudar as anomalias, com explorações mais aprofundadas, e iniciar as medidas preventivas (prótese, cirurgia, educação especializada). Deve ser preconizado o acompanhamento com intervalos de tempo mais curtos e regulares, dando ênfase ao exame dos pés e dos sapatos que deverá ser efetuado a cada consulta. 10 Bloom S, Till S, Sönksen P, Smith S. Use of a biothesiometer to measure individual vibration thresholds and their variation in 519 non-diabetic subjects. Br Med J, 1984, 288, 1793-1795. 11 Young MJ, Breddy JL, Veves A, Boulton AJM. The prediction of diabetic neuropathic foot ulceration using vibration perception perception thresholds. Diabetes Care, 1994, 17, 557-560. 12 Holewski JJ, Stess RM, Graf PM, Grunfeld C. Aesthesiometry : quantification of cutaneous pressure sensation in diabetic peripheral neuropathy. J Rehabil Res Dev, 1988, 25, 1-10. 13 Kumar S, Fernando DJS, Veves A, Knowles EA, Young MJ, Boulton AJM. Semmes-Weinstein monofilaments : a simple, effective and inexpensive screening device for identifying diabetic patients at risk of foot ulceration. Diabetes Res Clin Pract, 1991, 13, 63-68. 14 Sosenko JM, Kato M, Soto R, Bild DE. Comparison of quantitative sensory-threshold measures for their association with foot ulceration in diabetic patients. Diabetes Care, 1990, 13, 1057-1061. 15 Gilmore JE, Allen JA, Hayes JR. Autonomic function in neuropathic diabetic patients with foot ulceration. Diabetes Care, 1993, 16, 61-67. De outro lado, é fundamental a educação do paciente no rastreamento; devem ser dados ao paciente, conselhos gerais, que serão discutidos e repetidos com demonstração prática [29]. 16 Holewski JJ, Moss KM, Stess RM, Graf PM, Grunfeld C. Prevalence of foot pathology and lower extremity complications in a diabetic outpatient clinic. J Rehabil Res Dev, 1989, 26, 35-44. 17 Orchard TJ, Strandness DE. Assessment of peripheral vascular disease in diabetes. Diabetes Care, 1993, 16, 1199-1209. 18 Gooding GAW, Stess RM, Graf PM, Moss KM, Louie KS, Grunfeld C. Sonography of the sole of the foot : evidence for foot pad thickness in diabetes and its relationship to ulceration of the foot. Invest Radiol, 1986, 21, 45-48. 19 Young MJ, Cavanagh PR, Thomas G, Johnson MM, Murray H, Boulton AJM. The effect of callus removal on dynamic plantar foot pressures in diabetic patients. Diabetic Med, 1992, 9, 55-57. Inquérito e exame sistemático Paciente a risco? NÃO SIM Fazer check-up anual Avaliação especializada • Educação reforçada • Explorações aprofundadas • Gestos clínicos apropriados Exame sistemático dos pés a cada consulta Acompanhamento regular (2-4 vezes/ano) FIG. 1 – Organograma de rastreamento e de prevenção das ulcerações do pé no diabético. O terceiro aspecto do rastreamento diz respeito ao desenvolvimento de estruturas especializadas de referência e de redes relacionando clínicos, diabetólogos, podólogos e enfermeiras. É graças a este tipo de estrutura que uma verdadeira política de prevenção poderia existir cercando e tratando melhor os pacientes a risco (Fig. 1); assim , os objetivos da Declaração de São Vicente não seriam apenas declarações de intenção. 172 J. L. Richard 2 0 Dellbridge L, Perry P, Marr S, Arnold N, Yue DK, Turtle JR, Reeves TS. Limited joint mobility in the diabetic foot : relationship to neuropathic ulceration. Diabetic Med, 1988, 5, 333337. Diabetes & Metabolism 2 5 Fernando DJS, Hutchinson A, Veves A, Gokal R, Boulton AJM. Risk factors for non-ischaemic foot ulceration in diabetic nephropathy. Diabetic Med, 1991, 8, 223-225. 26 Crausaz F, Clavel S, Liniger C, Albeanu A, Assal JPh. Additional factors associated with plantar ulcers in diabetic neuropathy. Diabetic Med, 1988, 5, 771-775. 2 1 Mueller MJ, Diamond JE, Delitto A, Sinacore DR. Insensitivity, limited joint mobility, and plantar ulcers in patients with diabetes mellitus. Phys Ther, 1989, 69, 453-462. 27 2 2 Fernando DJS, Masson EA, Veves A, Boulton AJM. Relationship of limited joint mobility to abnormal foot pressures and diabetic foot ulceration. Diabetes Care, 1991, 14, 8-11. Cohen SJ. Potential barriers to diabetes care. Diabetes Care, 1983, 6, 499-500. 28 Bailey TS, Yu HM, Rayfield EJ. Patterns of foot examination in a diabetes clinic. Am J Med, 1985, 78, 371-374. 2 3 Logerfo FW, Coffman JD. Vascular and microvascular disease of the foot in diabetes. N Engl J Med, 1984, 311, 1615-1619. 29 Peter-Riesch B, Peter R, Assal JPh. Le pied du patient diabétique. Pathogenèse, prise en charge, prévention. Méd Hyg, 1994, 52, 14971502. 2 4 Flynn MD, Tooke JE. Aetiology of diabetic foot ulceration : a role for the microcirculation ? Diabetic Med, 1992, 9, 320-329. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 173 - 179 Artigo original LDL MINIMAMENTE OXIDADO ESTIMADO POR UM NOVO MÉTODO NO PLASMA DE PACIENTES COM DIABETES TIPO 2 PORTADORES DE NEFROPATIA OU ATEROSCLEROSE S. PICARD, C. TALUSSOT, A. SERUSCLAT, N. AMBROSIO, F. BERTHEZENE RESUMO Um novo método sensível e facilmente reproduzível foi usado para avaliar o estado da oxidação do LDL em pacientes portadores de diabetes tipo 2 e controlar os efeitos e relações entre a oxidação do LDL, a aterosclerose e a nefropatia. A oxidação do LDL foi dosada em 35 pacientes com diabetes tipo 2 e indivíduos controle, na faixa etária de 40 a 60 anos. A aterosclerose foi avaliada por exame clínico, ultrasom vascular e a medida do espessamento da íntima e da média dos vasos (IMT). A excreção de albumina na urina foi controlada por 24 horas. Apesar de não ter sido detectada nenhuma diferença nos valores dos lípides em 22 pacientes com aterosclerose ( ATS+) e em 13 sem aterosclerose (ATS-), a oxidação do LDL foi significativamente maior em ATS+ do que em pacientes ATS- (p = 0,009) ou em indivíduos controle (p = 0,007). A oxidação do LDL também estava aumentada nos 15 pacientes com nefropatia (p = 0,003). A oxidação foi relacionada a pacientes com espessamento da média e íntima (IMT) normal e moderadamente aumentado (≤ 1,05 mm). A determinação do estado de oxidação do LDL poderia, portanto, ser muito útil na avaliação do risco cardiovascular, especialmente em pacientes de alto risco, como os portadores de diabetes mellitus. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 173-179. SUMMARY A new sensitive and reproducible method was used to assess LDL oxidative status in Type 2 diabetic patients and control subjects, and the relationships between LDL oxidation and atherosclerosis or nephropathy were determined. LDL oxidation was measured in 35 patients with Type 2 diabetes and 15 control subjects 40 to 60 years of age. Atherosclerosis was assessed by clinical examination, vascular ultrasound, and measurement of intima-media thickness (IMT). Twenty-four hour urinary albumin excretion measurements were performed. Although no differences in lipid values were found between the 22 diabetic patients with atherosclerosis (ATS+) and the 13 without (ATS–), LDL oxidation was significantly higher in ATS+ than ATS– patients (p = 0.009) or control subjects (p = 0.007). LDL oxidation was also increased in the 15 patients with nephropathy (p = 0.003). Oxidation was correlated with IMT in patients with normal to moderately increased IMT (≤ 1.05 mm). Determination of LDL oxidative status could thus be very helpful in assessing cardiovascular risk, especially in highrisk subjects such as patients with diabetes mellitus. Diabetes & Metabolism, 1997, 22, 25-30. Unitermos: LDL minimamente oxidado, oxidação, aterosclerose, alanina, nefropatia. Key-words : minimally oxidised LDL, oxidation, atherosclerosis, alanine, nephropathy. ✍ : S. Picard, Laboratoire de Métabolisme des Lipides, Hôpital de l’Antiquaille, F-69321 Lyon 05, France. Tél. : (33) (0) 4 72 38 50 60. Fax : (33) (0) 4 72 38 50 59. Laboratory of Lipid Metabolism, Hôpital de l’Antiquaille, F69321 Lyon, France. 174 S. Picard D iabetes mellitus é um fator de risco independente para coronariopatias (DAC), e a patologia cardiovascular é responsável por mais de 75 % da mortalidade em indivíduos com diabetes. A aterosclerose é um processo multifatorial e há um evidente aumento do papel da oxidação de lipoproteína de baixa densidade (LDL) em sua patogênese [2]. Interações complexas ocorrem entre os processos de oxidação e glicolização, e o diabetes é caracterizado por um aumento global na oxidação [3] o que poderia ser responsável, pelo menos em parte, pela aceleração da aterosclerose nessa doença. A oxidação do LDL (ox. LDL) tem sido detectada na parede das artérias [4] mas não na circulação. A oxidação é classicamente avaliada pela formação de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) ou pela demora na formação da conjugação do diene durante a oxidação do cobre. Nenhum destes 2 métodos é facilmente reproduzível ou sensível para permitir a detecção da oxidação do LDL na circulação [5]. Os efeitos biológicos da oxidação do LDL podem ser avaliados pela quantidade de LDL degradado durante a incubação com macrófagos [6]. Apesar deste processo sempre requerer a ionização do LDL, o que pode por si só aumentar a oxidação [7]. O LDL é protegido por anti-oxidantes circulantes e LDL completamente oxidado provavelmente não ocorre na circulação pois este seria prontamente retirado pelo fígado. No entanto, LDL minimamente oxidado (mox LDL) pode ocorrer na circulação e ser completamente oxidado com a penetração na parede das artérias. Desta forma, o mox LDL, poderia ser na circulação um fator de risco para a aterosclerose e sua detecção seria útil em indivíduos de alto-risco, como os pacientes diabéticos. Nosso trabalho anterior mostrou os efeitos da aminoguanidina (AMGN) na oxidação do LDL [8]. Como estes efeitos dependem do status de oxidação do LDL [9] e são aparentemente atribuídos à liberação de peróxidos de LDL por grupos aminas e à subsequente propagação da reação de oxidação, nós desenvolvemos um novo método usando um aminoácido (alanina) para detectar o mox LDL no plasma. A alanina pode se comportar como um anti-oxidante, mas seus efeitos dependem da quantidade de peróxidos presentes no LDL. Os peróxidos são liberados por componentes das aminas como radicais livres (anion superóxido) [9] e muitos deles podem prevenir a ação anti-oxidante da amina. Além do mais, alanina se torna menos antioxidante na proporção que os peróxidos aumentam. Finalmente, isso pode ter um efeito pró-oxidante, aumentando os níveis de propagação da reação de oxidação. Nós usamos este método sensível e facilmente reproduzível para 35 pacientes com diabetes mellitus não insulino-dependente (tipo 2) e 15 indivíduos não diabéticos. Nossos achados mostraram um aumento no estado de LDL oxidado entre pacientes diabéticos com aterosclerose ou nefropatia, condições geralmente associadas com aumento do risco cardiovascular. Diabetes & Metabolism ■ PACIENTES E MÉTODOS PACIENTES Cinqüenta indivíduos (35 com diabetes tipo 2 e 15 não diabéticos), entre 40 e 60 anos de idade deram seu consentimento a esse estudo. Indivíduos controle eram recrutados entre médicos e enfermeiros ou indivíduos obesos com tolerância normal à glicose, nenhum deles tinha evidência de aterosclerose. Para cada pessoa foi levantado um histórico completo incluindo o hábito de fumar e tratamentos. Entre os pacientes diabéticos, seis estavam recebendo insulina (uma injeção à noite de insulina intermediária) em associação com tratamento oral. Exame ocular foi realizado em todos exceto em um paciente diabético (retinopatia = lesão recente ou avançada). A excreção de albumina urinária (UAE) foi medida em amostras urinárias por vinte e quatro horas em trinta e um pacientes (nefropatia = U.A.E > 30mg / 24h), pelo método de nefelometria. Pacientes diabéticos foram diferenciados de acordo com a presença de evidência clínica (ou ultrassonográfica) de doença aterosclerotica. A doença coronária foi definida como infarto do miocárdio prévio, angina ou sinais de isquemia no ECG de repouso ou durante exercício físico. A arteriopatia periférica incluindo claudicação intermitente, ou ausência de pulsos periféricos, ou presença de estenose mostrada pela ecografia com doppler. A aterosclerose da carótida incluindo a presença de placas ou estenose no exame de ultrasom (realizados em 29 pacientes diabéticos e 8 indivíduos do grupo controle), ou uma história de derrame isquêmico. Os pacientes com uma (ou mais) complicações (doença coronária, arteriopatia periférica ou aterosclerose da carótida), foram considerados ateroescleróticos positivos (ATS +), contrapondo-se àqueles sem evidência de aterosclerose (ATS -), e os pacientes foram considerados hipertensos com pressão sangüínea superior a 140/90 mm Hg ou se usavam drogas anti-hipertensivas. MÉTODOS Amostras de plasma fresco foram obtidas de indivíduos em jejum por 12 horas. Sangue (10 a 20 ml) foi coletado em tubos contendo EDTA (0,27 mM de concentração final) e imediatamente centrifugado. Um mililitro de plasma foi usado para medir a concentração de lipoproteína, e o plasma remanescente foi congelado à -20°C ou imediatamente submetido a ultra-centrifugação sérica para isolamento do LDL (D=1019 - 1063), foi depois dialisado com PBS sem EDTA e a proteína contida determinada de acordo com o método de Lowry et al. [10]. Amostras foram mantidas a 4ºC e protegidas da luz durante todo o experimento. A medida da oxidação foi realizada dentro de 48 horas após o sangue ter sido colhido ou amostras serem descongeladas. Concentrações de lipoproteínas e apoproteínas - Colesterol e triglicérides do plasma foram medidos usando-se PAP 1.200 e 1.000 kits enzimáticos respectivamente (Biomerieux, France). O colesterol-HDL foi medido depois da precipitação da Apo-lipoproteína B [11]. O LDL foi calculado Vol. 01, nº 4, 1997 LDL MINIMAMENTE OXIDADO usando-se a fórmula de Friedewald quando a concentração de triglicerídes era menor que 3 mmol/l. As apoproteínas A-I, A-II, e B foram medidas por radioimunoensaio [12, 13]. 1.8 1.4 OD a 234 nm Alanina - A alanina (Sigma Chemical Co, St. Louis, MO) foi diluída em PBS para obter 50 mM de solução. Uma solução fresca foi preparada a cada duas semanas e os efeitos da alanina na formação do diene-conjugado durante a oxidação do cobre do LDL foram rigorosamente idênticos nas soluções preparadas recentemente ou nas soluções de alanina com duas semanas. 175 1.0 0.6 Formação do diene-conjugado - A formação do diene-conjugado (CD) foi monitorada a cada 3 minutos por 5 horas usando-se um espectrofotometro (Uvikon 930, Kontron, Basel, Switzerland) pela medida de absorbância de 234 nm depois de se adicionar LDL isolado a uma solução de 5 mM de sulfato de cobre. A concentração de LDL era de 100 mg de proteína/ml. Os resultados eram expressos como absorbância absoluta em 234 nm. Para cada amostra, a formação de CD foi medida na ausência (curva “0”) ou presença (curva “1”) de 0.1 mM de alanina. Diversos parâmetros foram determinados para cada curva [15] : a diferença (∆) entre a absorbância final e inicial, com o objetivo de avaliar a quantidade de CD formada durante a reação. A rampa (S) i.e. o grau máximo de oxidação, foi medido usando-se a equação de regressão linear correspondente a parte linear da curva (r ³ 0,999). Essa equação foi usada para calcular dois outros parâmetros : “meia vida de formação de CD = “Th” (fig. 1). “Th” foi definido como tempo correspondente à metade da absorbância (delta/2) por analogia com o valor de km em uma reação enzimática. Como esse parâmetro depende tanto do nível máximo de oxidação quanto do tempo de reação, foi usado para caracterizar cada curva. O efeito da alanina na formação de CD foi avaliado comparando-se as curvas “0” e “1” especialmente Th 0 e Th 1 (fig. 1) quanto maior a diferença entre Th 0 e Th 1, maior o efeito da alanina no LDL ácidos graxos e menor a quantidade de peróxidos. O aumento no “Th” induzido pela alanina foi expresso pela porcentagem de crescimento : AOC (Coeficiente de oxidação da alamina = (th 1 - th 0) x 100 / Th 0. Como o AOC é inversamente relacionado ao grau de oxidação do LDL, nós escolhemos para expressar nossos resultados como cAOC (AOC corrigido) que é igual a 150AOC (em nosso experimento, o valor de AOC nunca excedeu 150%) que varia na proporção direta da extenção de oxidação do LDL. Hemoglobina glicosilada foi medida por HPLC. O nível normal variava de 4 a 5,8%. Espessamento da íntima e média (IMT) foi medido usando-se ultrasom modelo B de alta resolução (Hitachi Medico EUB 415, Tokio, Japão) com um transdutor linear elétrico (freqüência 7.5 MHz) [16]. Todas as medidas foram executadas pelo mesmo médico. O coeficiente de variação dessas medidas foi de 6,55 ± 1,68 % (12 indivíduos contro- 0 Th0 Th1 300 Tempo (min) FIG. 1. Definição do coeficiente corrigido de oxidação da alanina (cAOC). AOC reflete os efeitos da alamina na formação do diene-conjugado durante a oxidação do cobre. É definido como (Th1 - Th0) x 100 / Th0. cAOC = 150 - AOC. O cAOC torna-se mais alto na medida em que a oxidação do LDL antecede a oxidação do cobre (ver texto). O - curva “0” = LDL. oxidado em uma solução de sulfato de cobre a 5 mM; • = curva “1”= LDL oxidado em uma solução de 5 mM de sulfato de cobre e 0,1 mM de alanina. le com 28.8 ± 6,2 intervalos de dia entre as determinações de 2 IMT). Estatísticas - Teste de Student, Anova e Qui-Quadrado foram os testes usados para comparar as diferentes populações. A reprodutibilidade durante a pesquisa foi avaliada usando-se o teste de Student. Os valores foram comparados usando análise de regressão não variável. Resultados são expressos como a média ± erro padrão da média (SEM). Todas as comparações foram consideradas estatisticamente significativas quando p < 0,05. ■ RESULTADOS A variação do coeficiente de cAOC na pesquisa foi de 1.6 ± 7 % (n = 5). Esse coeficiente foi determinado repetindo-se duas vezes as medidas de cAOC na mesma preparação de LDL, em dois experimentos diferentes no mesmo dia, ou depois que o LDL foi mantido congelado a -20ºC. por mais de 3 meses (a concentração de vitamina E permaneceu inalterada ; dado não mostrado). O coeficiente de variação inter-ensaio foi de 7,8 ± 2,2% (N=10). O coeficiente de variação para o último período que geralmente reflete a sensibilidade do LDL para oxidação, foi de 16,3 a ± 4.0% nos mesmos experimentos. Os efeitos do estado de oxidação do LDL no cAOC foram estudados medindo-se o cAOC antes e depois da oxidação da pré-oxidação do LDL. Depois da incubação do LDL com 5mM de solução de sulfato de cobre por 35 minutos, cAOC aumentou 95.4 ± 20.4% (n = 8 ; p<0.001). Em alguns experimentos a pré-oxidação foi limitada a apenas 15 minutos e o aumento do cAOC era de 2 a 4 vezes menor do que com 35 minutos de pré-oxidação. A fig 2 mostra experiência com aumento crescente do tempo de 176 S. Picard Diabetes & Metabolism OD a 234 nm 2 1,5 1 0,5 0 40 80 120 160 200 240 280 TEMPO (min) FIG. 2. Medidas do coeficiente corrigido de oxidação da alanina (cAOC) em um indivíduo controle com aumento do tempo de pré-oxidação. O LDL foi oxidado com 5mM de solução de sulfato de cobre (0). Para medir cAOC, a alanina foi acrescentada ao mesmo tempo que o cobre ( ) ou 15 ( ) 25 ( ) ou 35 ( ) minutos depois. Houve uma forte correlação entre o tempo de pré-oxidação e um aumento no cAOC (veja texto). pré-oxidação no qual o cAOC foi medido usando-se o LDL de um indivíduo controle : 0, 15, 25, e 35 minutos de préoxidação, resultaram nos respectivos valores de cAOC de 53, 80, 92 e 109. Havia uma correlação positiva entre o aumento de cAOC e o tempo de pré-oxidação (r = 0.997 ; p = 0,0025). Quando o LDL foi deixado “envelhecendo” por 5,3 ± 0,7 dias a 4º C no escuro, depois do isolamento o cAOC aumentou para 15.7 ± 8.1 % (n = 14, p = 0,05), enquanto o último tempo permaneceu inalterado. Entre os 35 pacientes diabéticos, 22 tinham evidência de aterosclerose e 15 tinham nefropatia (4 com UAE acima de 300 mg/24h). As características clínicas da população e os principais valores biológicos são mostrados na Tabela 1. Não havia diferença nos valores de lipídios entre pacientes diabéticos ATS+ e ATS-. No entanto o valor total de colesterol e triglicérides era significativamente maior e o HDL e ApoA-I mais baixos em diabéticos ATS+ do que no grupo controle. cAOC foi significativamente diferente em pacientes diabéticos ATS+ comparados a ATS- (p = 0,009) ou indivíduos controle (p = 0,07) (Tabela 1). O cAOC foi significativamente maior quando aterosclerose da carótida (p=0,02) ou nefropatia estavam presentes (p=0,003), no entanto não existiu diferença na cAOC em pacientes com ou sem DAC, arteriopatia periférica, hipertensão ou retinopatia (Tabela 2). Não havia correlação entre cAOC e idade ou entre cAOC e duração do diabetes. Não descobrimos efeitos do sexo, hábito de fumar e uso de insulina na cAOC. O.cAOC não foi relacionado ao controle de glicose como demonstrado pela HbA1c. Não foi encontrada correlação entre cAOC e os valores de lipoproteínas. Para demonstrar variações individuais do cAOC acima do tempo, o cAOC foi medido duas vezes em 3 indivíduos controle e 7 diabéticos no período de 0,3 a 8 meses de atraso (121 ± 26 dias). A variação média individual do coeficiente foi 18.5 ± 6,0 %. Quanto aos pacientes com ou sem moderada aterosclerose da carótida (IMT ≤ 1.05) foi considerado haver uma correlação prática entre IMT e cAOC (r = 0.39, p = 0.048) (Fig.3). IMT foi positivamente correlacionado com UAE (r = 0.64, p = 0.0005). TABELA 1. Características biológicas e clínicas da população. Indivíduos controle Diabéticos tipo 2 n M/F , n fumantes, n idade, y IMC, kg/m2 TC Diabéticos ATS - Diabéticos ATS+ 15 35 13 22 4/11 21/14* 6/7 15/7* 2 7 3 4 48.6 ± 1.5 51.2 ± 0.8 49.0 ± 1.1 52.5 ± 1.0*† 25.7 ± 1.4 29.5 ± 1.0 28.3 ± 1.5 30.1 ± 1.3* 5.43 ± 0.25 5.67 ± 0.24 5.20 ± 0.38 5.94 ± 0.30* TG 1.14 ± 0.17 2.72 ± 0.41* 2.09 ± 0.53 3.09 ± 0.56* HDL-C 1.48 ± 0.12 1.17 ± 0.08* 1.34 ± 0.16 1.06 ± 0.06* LDL-C 3.44 ± 0.21 3.40 ± 0.20 3.21 ± 0.35 3.54 ± 0.22 Apo B, g/1 1.12 ± 0.06 1.23 ± 0.05 1.16 ± 0.08 1.27 ± 0.06 Apo A-I, g/1 1.46 ± 0.07 1.22 ± 0.05* 1.22 ± 0.10 1.22 ± 0.05* Apo A-II,g/1 0.38 ± 0.02 0.36 ± 0.03 0.36± 0.06 0.36 ± 0.03 UAE(mg/24h) 115 ± 37 18 ± 5 169 ± 55 cAOC 62.1 ± 4.5 71.8 ± 2.3* 64.1 ± 3.3 76.4 ± 2.8*† IMT(mm) 0.73 ± 0.03 0.87 ± 0.03* 0.77 ± 0.01 0.91 ± 0.04*† Os valores são expressos como médias ± SEM a menos que especificados de outra forma. TC (Colesterol-Total), HDL-C (Colesterol-HDL), LDL-C (Colesterol-LDL), e TG (triglicérides) são expressados em mmol/l. UAE = Excreção urinária de Albumina. cAOC = coeficiente corrigido de oxidação da alanina. IMT = espessamento da íntima dos vasos *= p<0.05 vs. controle; † = p <0.005 vs ATS pacientes diabéticos. 178 S. Picard Diabetes & Metabolism 1 IMT (mm) 0,9 0,8 0,7 0,6 40 50 60 70 80 90 100 110 cAOC FIG. 3. Correlações entre o coeficiente corrigido de oxidação da alanina (cAOC) e espessamento da íntima dos vasos (IMT) em indivíduos com ausência ou moderado aumento na IMT (≤ 1.05 mm): n = 26, r = 0,39, p < 0,05. TABELA 2. cAOC (média ± SEM) em pacientes diabéticos com ou sem complicações. Sem complicações n Com complicações n ATS 13 64.1 ± 3.3 22 76.4 ± 2.8* DAC 28 71.9 ± 2.7 7 71.6 ± 4.9 Aterosclerose da carótida 12 66.5 ± 3.0 19 77.7 ± 3.1* Arteriopatia periférica 26 70.1 ± 2.8 8 77.3 ± 4.8 Hipertensão 18 71.2 ± 3.5 17 72.4 ± 3.1 Retinopatia 26 70.7 ± 2.8 8 73.8 ± 4.2 Nefropatia 16 65.1 ± 3.0 15 78.5 ± 2.7* cAOC = coeficiente corrigido da oxidação da alanina; ATS = Aterosclerose; DAC = Doença arterial coronária. * = p < t0.0.5 vs pacientes sem complicação. ■ DISCUSSÃO Como a oxidação do LDL poderia desempenhar um importante papel na aceleração da aterosclerose em pacientes com diabetes mellitus, a detecção de moxLDL na circulação seria de especial interesse. AMGN inibe a formação dos produtos finais da glicolização competitivamente e está sendo testado atualmente na prevenção de algumas complicações crônicas do diabetes mellitus. Nós mostramos previamente que AMGN pode se ligar a aldeídos e prevenir a modificação do Apo B [8]. Tem-se demonstrado mais recentemente que os efeitos do AMGN na oxidação são mais complexos, dependendo tanto do estado da oxidação do LDL quanto da concentração do AMGN. De fato, peróxidos localizados no ácido graxo do LDL são liberados por AMGN e induzem a propagação da reação [9]. AMGN pode interromper a reação, porém se mais peróxidos estiverem presentes no LDL, uma concentração maior de AMGN é requerida para prevenir a oxidação. Como crê-se que esta propriedade é atribuída por grupos aminas, nós assumimos que os aminoácidos poderiam induzir o mesmo efeito. De fato, a maioria dos aminoácidos solúveis em água eram capazes de inibir a formação do diene-conjugado, quando em altas concentrações (dados não mostrados). A alanina foi escolhida devido à sua estrutura simples, o que faz dela mais estável evitando assim interferências químicas. Os efeitos da alanina na formação do CD é dependente do estado de oxidação do LDL, como mostrado no nosso estudo da formação de CD depois do envelhecimento da pré-oxidação do LDL. As medidas da cAOC foram realizadas com diferentes concentrações de Alanina e 0.1 mM parece ser a melhor escolha. Concentrações mais altas (1 mM) resultaram em uma quase completa inibição da oxidação ; no entanto, concentrações mais baixas (0.01mM) decresceram a sensibilidade do método (curvas “0” e “1” estão muito juntas uma da outra). Quando as concentrações de alanina eram ainda menores (0,001 mM) eles aumentaram a sensibilidade do LDL à oxidação. Um outro aminoácido (histidina) tem também demonstrado ter propriedades antioxidantes, provavelmente pela sua capacidade de se ligar ao cobre [18]. Nós repetimos algumas experiências com diferentes concentrações de cobre (2.5 a 7.5 mM) mas não achamos diferenças significativas nos valores de cAOC entre altas e baixas concentrações. Isto sugere que os efeitos da alanina não foram atribuídos à sua capacidade de ligação ao cobre. Experimentos de envelhecimento demonstraram que a sensibilidade era muito melhor para a cAOC do que para a medida do tempo retardado. A reprodutividade interensaio era cerca de 3 vezes, boa tanto para a cAOC quanto para a medida do tempo retardado. Nós usamos este método para estudar a relação entre oxidação e aterosclerose em pacientes com diabetes tipo 2. Os diabéticos e a população controle não eram diferentes no que diz respeito à idade e massa corporal. A despeito do fato dos triglicérides serem mais altos e o colesterol-HDL mais baixo em diabéticos do que em indivíduos controle, chama a atenção que os diabéticos com ou sem aterosclerose não puderam ser diferenciados baseando-se nos valores dos lipídios. Aterosclerose foi definida pela presença de sintomas clínicos, ou artéria carótida (ou femural) com placas ou estenoses. O fato de que cAOC nos permite diferenciar indivíduos diabéticos com ou sem aterosclerose suporta a noção que a oxidação tem um papel importante na patogênese da aterosclerose. Apesar de indivíduos ATS+ terem sido em sua maioria do sexo masculino (68.2 %) e mais velhos que os indivíduos ATS-, estes fatores não poderiam ser levados em consideração nas diferenças das concentrações de cAOC desde que os mesmos não se relacionavam a diferença de sexo na cAOC; e também, não havia correlação com idade e cAOC. Não havia diferença na cAOC entre indivíduos com ou sem DAC. Isto poderia ter sido atribuído, pelo menos em parte, a alta incidência de isquemia silenciosa, responsável pela baixa estimativa da prevalência de DAC em Vol. 01, nº 4, 1997 diabéticos. Como o aumento de IMT tem sido associado com alta incidência de DAC [19] e a oxidação parece desempenhar um papel importante na aterosclerose (particularmente nos estágios iniciais) [20], nós estudamos as relações entre cAOC e IMT em 26 pacientes com moderado a inexistente aumento na IMT. Uma correlação significativa foi encontrada entre cAOC e IMT (fig. 3), sugerindo que a presença no plasma de LDL minimamente oxidado (expressado por um aumento no IMT) poderia ser uma marcador periférico para o desenvolvimento da aterosclerose. O aumento na cAOC em pacientes com nefropatia foi de particular interesse desde que a microalbuminuria é sabidamente associada a um aumento na mortalidade cardiovascular [21] e nossos resultados mostraram uma correlação positiva entre IMT e UAE. Como receptores scavengers têm sido descritos em células mesangiais [22], LDL oxidado poderia ser nefrotóxico e possivelmente envolvido no desenvolvimento tanto da aterosclerose quanto da nefropatia. Apesar das reações de glicolização e oxidação serem intimamente relacionadas [23, 24], nenhuma relação foi encontrada entre cAOC e HbA1c. Isto sustenta dados epidemiológicos indicativos de que não há relação entre a incidência de aterosclerose e controle de glicose ou duração do diabetes [25]. O método usado no estudo para detectar mox LDL no plasma mostrou que a oxidação estava aumentada no diabético tipo 2 com aterosclerose ou nefropatia. As relações entre oxidação e aceleração da aterosclerose em diabéticos é certamente complexa e requer estudos prospectivos mais adiante para se determinar se a presença na circulação de mox LDL é relacionada ao desenvolvimento tanto da aterosclerose, quanto da glomerulopatia diabética, e se existe uma ligação entre as duas complicações. BIBLIOGRAFIA 1 American Diabetes Association. Role of cardiovascular risk factors in prevention and treatment of macrovascular disease in diabetes. Diabetes Care, 1989, 12, 573-579. 2 Witztum JL, Steinberg D. 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A medida dos níveis séricos de insulina pode prover um screening precoce para estas doenças. Atualmente os testes biológicos de insulina são facilitados pelo kit IMx-Abbott, um teste imunoenzimático que não possui reação cruzada com pro-insulina e dessa forma, nos dá determinação específica de insulina com melhores resultados do que os métodos convencionais. A concentração da insulina de jejum foi determinada em uma população de 4.032 homens e mulheres de 30 a 64 anos de idade, todos voluntários de um check-up médico. As concentrações foram um pouco aumentadas nos homens em todas as idades (valores médios de 5,9 e 5,4 µU/ml, respectivamente para homens e mulheres). Embora diferenças significativas foram achadas na concentração sérica de insulina nas 4 faixas etárias para homens e mulheres, não houve diferença significativa entre as 3 faixas etárias para homens acima de 59 anos (média : 5,8 µU/ml, percentil 95° 14,0 µU/ml) ou entre as duas faixas para mulheres acima de 49 anos (5,2 ; 12,5). As concentrações de jejum foram um pouco acima do limite de normalidade para a faixa etária: homens (6,4 ; 15,6) e mulheres (5,6 ; 14,0). A população de referência consistiu de 3.081 indivíduos não diabéticos, glicosúria negativa, glicemia de jejum e índice de massa corporal (IMC) abaixo do 95° percentil, para suas idades e sexo. Os valores de referência para insulina em jejum foram : 1) mulheres 30-49 anos = média 5,1mU/ml (95% intervalo de confiança:4,9-5,3),95° percentil 11,2 µU/ml (10,9-11,9) ; e 2) homens 30-64 anos e mulheres de 50- 64 anos : média de 5,6 µU/ml (5,4-5,7), 95° percentil 12,6 µU/ml (12,0-13,0). Diabetes & Metabolism 1997, 1, 182-187. SUMMARY As hyperinsulinaemia has been shown to be a risk factor for non-insulindependent diabetes, cardiovascular disease and hypertension, the measurement of serum insulin levels may provide an additional early screening test for these diseases. Biological assaying of insulin is now facilitated by the IMx-Abbott kit, an enzyme immunoassay which does not cross-react with proinsulin and thus provides more specific insulin determination than conventional methods. Fasting insulin concentrations were determined in a population of 4,032 men and women 30 to 64 years of age, all volunteers for a medical check-up. Concentrations were slightly higher for men in all age-classes (median values of 5.9 and 5.4 µU/ml respectively for men and women). Although significant differences were found in serum insulin concentrations between the four ageclasses for men and women, there were no significant differences between the three age-classes for men up to 59 years (median : 5.8 µU/ml, 95th percentile 14.0 µU/ml) or between the two age-classes for women up to 49 years (5.2, 12.5). Fasting concentrations were increased above these age thresholds : men (6.4, 15.6), women (5.6, 14.0). The reference population consisted of 3,081 nondiabetic, glycosuria-negative subjects with a body mass index and glucose concentration lower than the 95th percentiles for their age and sex. The reference values for fasting insulin concentrations were : 1) women 30-49 years : median 5.1 µU/ml (95% confidence interval : 4.9-5.3), 95th percentile 11.2 µU/ml (10.911.9) ; and 2) men 30-64 years and women 50-64 years : median 5.6 µU/ml (5.45.7), 95th percentile 12.6 µU/ml (12.0-13.0). Diabetes & Metabolism 1996, 22, 427-431. Unitermos: insulina, síndrome de resistência à insulina, valores de referência, epidemiologia. Key-words : insulin, insulin-resistance syndrome, reference values, epidemiology. ✍ : Y. Gallois, Secrétariat D.E.S.I.R., IRSA, BP 122, 37520 La Riche Cedex, France. Tel : (33) 02-47-36-36-51. Fax : (33) 02-47-36-36-92. (1) Laboratoire de Biochimie, CHU d’Angers, 49033 Angers Cedex 01, France. (2) Institut Régional pour la Santé (IRSA), BP 122, 37520 La Riche, Cedex, France. (3) INSERM Unité 21, 16 Ave PV Couturier, 94807 Villejuif Cedex, France. D.E.S.I.R. Study Group :INSERM U21 : B. Balkau, E Eschwège, D. Simon ; INSERM U367 : F. Alhenc-Gelas ; CHU d’Angers : A. Bechetoille, Y. Gallois, A. Girault, M. Marre ; Association Régionale de Cardiologie du Centre : M. Brochier ; Centres d’Examens de Santé du Réseau 9 : Alençon - B. Royer, Angers - B. Mermod, Blois - J.M. Le Mauff, Caen - A. Buruil, Chartres - D. Arondel, Châteauroux - M. Novak, Cholet - A. Pétrella, Le Mans - A. d’Hour, Orléans - P. Lépinay, Tours - C. Calvet ; Coordinateur Administratif du Réseau 9 : D. Desclerc-Dulac ; Institut de Recherche en Médecine Générale : BasseNormandie - Ph. Aubourg, Centre - J. Cogneau, C. Rougeron, Pays de Loire - V. Diquero ; Médecins Généralistes des Départements ; Open Rome : J.M. Cohen ; Institut Régional pour la Santé (IRSA) : E. Cacès, M. Cailleau, J.M. Jacquelin, H. Le Clésiau, F. Rakotozafy, J. Tichet, S. Vol. Vol. 01, nº 4, 1997 A resistência à insulina é associada com anormalidades clínicas e metabólicas, e sua presença em pacientes diabéticos não insulinodependentes, doenças cardiovasculares, e hipertensão levou Reaven a definir a síndrome de resistência à insulina ou “síndrome X” [1]. Esta síndrome ainda é objeto de controvérsia [2], e a necessidade de entendê-la melhor é enfatizada pela OMS através da publicação: “Doença cardiovascular e fatores de risco : novas áreas de pesquisa.” [3]. O método de referência para medir a sensibilidade à insulina é o clamp euglicêmico hiperinsulinêmico [4], uma técnica incômoda mesmo efetuada em clínica e certamente inadequado para estudos epidemilológicos. A concentração da insulina de jejum é freqüentemente usada como marcador de resistência à insulina, o qual é correlacionado com pessoas com relativa euglicemia (coeficiente de correlação de 0,6 a 0,8) [5]. É certo que a hiperinsulinemia é um fator de risco e considerado um marcador precoce para doença cardiovascular, diabetes tipo 2 e hipertensão arterial [1, 5, 6]. Orchard recomenda “atenção seja dada à classificação da intolerância à glicose no estado precose de resistência à insulina” [7]. Dessa forma, insulina tornou-se um parâmetro biológico importante. Apesar de a insulina ter sido a primeira substância analisada por radioimunoensaio [8], os métodos convencionais perdem especificidade, desde que os anticorpos policlonais reconhecem não apenas insulina, mas também a pro-insulina e vários produtos da divisão desse precursor. Para nosso estudo epidemiológico, nós escolhemos o IMx-Abbott enzima imunoensaio, o qual não tem reação cruzada com a pro-insulina. Primeiramente nós validamos esse método e estudamos a variação inter e intra ensaio e seu nível de detecção. Em seguida à inclusão dos primeiros 4.032 pacientes no estudo, nós determinamos a distribuição da concentração de insulina de jejum dessa população essencialmente saudável de acordo com sexo e idade. ■ MATERIAL E MÉTODOS População - Nós estudamos os primeiros 1.939 homens e 2.093 mulheres incluídos em nosso acompanhamento de 9 anos conhecido como “D.E.S.I.R” (Données Epidémiologiques Sur le Syndrome d’Insulino-Résistance) o qual incluiu 5.184 homens e mulheres de 30 a 64 anos de idade do centro oeste da França. Os participantes desse estudo foram voluntários, segurados do Sistema de Seguridade Social Francês, o qual oferece exames médicos periódicos gratuitos. Os pacientes foram recrutados em 10 centros de exames de saúde (Centres d’Examens de Santé) e concederam a permissão para participar do estudo. A média de idade desses homens e mulheres foi de 46,6 e 46,7 anos respectivamente. Sangue e urina foram coletados após 12h de jejum. Para 3.473 dos 4.032, o exame clínico também reuniu dados relativos ao status quanto ao diabetes, altura e peso (com pouca roupa) para calcular o índice de massa corporal TESTE IMUNO-ENZIMÁTICO 183 (IMC = peso/altura²). A média (DP) IMC foi de 25,1 kg/m² (3,2) para homens e 23,4 kg/m² (3,9) para mulheres. Não houve dados clínicos disponíveis para 559 pacientes que foram assim excluídos da população de referência. Mais tarde 392 pacientes foram excluídos porque a concentração da glicose de jejum ou o IMC foi acima do percentil 95º para sexo e idade, ou porque eram diabéticos ou tinham glicosúria. A população incluída 1.473 homens e 1.608 mulheres (idade média 46,3 e 46,7 e IMC 24,6 e 22,7 kg/m² respectivamente). Ensaio de Insulina – A insulina foi dosada no laboratório do IRSA (Institut Régional pour la Santé) pelo método de micro enzima imunoensaio (MEIA technic, IMx-Abbott, Rungis, França) o qual usa técnica em Sandwich e dois anticorpos monoclonais de rato, um ligado á micropartículas e outro ligado à fosfatase alcalina. A atividade enzimática foi medida por substrato 4-methil-umbelliferone. Calibração (níveis de insulina de 0, 3, 10, 30, 100, e 300 µU/ml) e controle (três níveis : 8, 40, e 120 µU/ml) foram determinados de acordo com as recomendações do fabricante. A variabilidade intra ensaio foi medida usando 20 alíquotas de três níveis de soro controle, provido pela Abbott. A variação inter ensaio foi medida por mais de 39 ensaios, usando soro de concentração intermediária. O nível de detecção foi definido como (média ± 2 DP) de 10 ensaios de solução de calibração com insulina de concentração zero. O ensaio de insulina pelo método IMx-Abbott foi comparado com radioimuno bi-insulina ensaio (RIA) da Diagnostics Pasteur (Marne-La-Coquette, França), um método em competição com anticorpos policlonais de cobaios. Este método foi calibrado com padrão 66304 da OMS. A concentração de insulina de 83 soros do Serviço de Bioquímica, CHU Angers, variou de 2 à 200 µU/ml. Todos soros com concentração > 10 µU/ml, pelo método IMx-Abbott, foram refeitos e suas concentrações confirmadas. Ensaio de Glicose – O método de glicose-oxidase foi aplicado em plasma fluoro-oxalatado, usando RA 1000 BayerTechnicon. Os reagentes para calibração foram fornecidos pela Bayer Diagnostic (Puteaux, França). A variabilidade intra e inter-ensaio foi de 1,06 % e 1,73 % respectivamente. Este ensaio é rotineiramente submetido ao controle interlaboratorial da Sociedade Francesa de Biologia Clínica. Glicosúria – A positividade foi dada em urina recém emitida, testadas pelas tiras Ames (Labstix) e confirmadas por tiras Boehringer. Análise Estatística – As concentrações de insulina de jejum foram comparadas entre as faixas etárias e entre os sexos usando o teste de Kruskal-Wallis. A correlação entre o estudo dos níveis de insulina medidas pelas duas técnicas usando o coeficiente de correlação de Pearson e regressão linear. A correlação do coeficiente de Spearman foi usado para estimar a ligação entre o nível de insulina e IMC. 186 Y. Gallois Diabetes & Metabolism ■ RESULTADOS O coeficiente de variação intra-ensaio para o ensaio IMxAbbott foi de 3,1, 2,8 e 2,2 % correspondendo à média da concentração de insulina de 5,7, 57,3 e 118,2 µU/ml respectivamente. A variabilidade inter-ensaio foi de 3,5 % (insulina média de 29,9 µU/ml), sendo o nível de detecção de 0,33 µU/ml. No estudo de correlação, a concentração de insulina para 83 soros no IMx-Abbott e RIA foi 18,6 µU/ml e 30,8 µU/ml respectivamente. A concentração de insulina por RIA pode ser estimada pelo ensaio IMx-Abbott usando a equação : RIA = 1,30 IMx + 6,5 (ambos medidos em µU/ml) A distribuição da concentração de insulina de jejum de acordo com idade e sexo foi assimétrica, e nem sempre foi possível normalizar a distribuição por transformação logarítmica (Tabela 1a). Para os homens na população não selecionada, de idade 30 a 59 anos, a distribuição foi constante para essas faixas etárias (p = 0,6) (média 5,8 µU/ml, percentil 95º, 14,0 µU/ ml) . As concentrações foram maiores para homens acima de 59 anos (p = 0,006) (6,4 – 15,6). A distribuição de insulina não foi significativamente diferente entre as faixas etárias em mulheres abaixo de 50 anos de idade (p = 0,4) (5,2 – 12,5) porém foi significativamente maior acima de 49 anos (p = 0,002) (5,6 – 14,0). Os níveis de insulina foram correlacionados com IMC (r = 0,51 para homens e r = 0,46 para mulheres, p < 0,0001), indivíduos com IMC acima do percentil 95º para a sua faixa etária e sexo foram excluídos da população referência. Os níveis de insulina foram maiores nos homens excluídos (média = 6,5 vs. 5,7 µU/ml, p < 0,0001) e mulheres ( 6,3 vs. 5,2 µU/ml, p < 0,0001). A Fig 1 apresenta os percentis da concentração da insulina sérica de jejum segundo faixa etária e sexo, para 3.081 indivíduos da população referência, i.e. aqueles cujos IMC e glicose de jejum abaixo do percentil 95º, que não possuíam diabetes ou glicosúria. A distribuição difere pouco entre as faixas etárias, mostrando uma tendência para aumentar nos homens (p = 0,065), com insulina média de 5,7 µU/ ml (95 % intervalo de confiança: 5,5-6,0) e percentil 95º de 12,9 µU/ml (12,3-13,5). Entretanto houve uma significativa diferença em mulheres (p = 0,009) entre as jovens e as acima de 50 anos de idade (p = 0,002). A concentração média de insulina em mulheres acima de 50 anos foi de 5,1 µU/ml (4,9 - 5,9); o percentil 95º sendo de 11,2 µU/ml (10,9 - 11,9). Em mulheres acima de 49 anos, a concentração média de insulina foi 5,4 µU/ml (5,2 - 5,6), o percentil 95º de 11,6 µU/ml (11,0 - 13,2). (Tabela 1b). Como as concentrações de insulina para mulheres de 50 anos ou mais não diferem significativamente, daqueles valores para homens de 30-64 anos de idade (p = 0,12), é possível agrupar os valores de referência para esses homens e mulheres. A concentração média foi então 5,6 µU/ml (5,45,7), o percentil 95º de 12,6 µU/ml (12,0-13,0). TABELA 1. Distribuição da concentração da insulina de jejum (mU/ml, IMx-Abbott) de acordo com sexo e faixa etária (a) população não selecionada Percentil Faixa etária Sexo n Média DP 5 25 50 75 95 30-39 anos M F 558 600 6,70 6,26 4,15 3,74 2,3 2,5 3,9 4,0 5,7 5,2 8,3 7,5 13,6 12,9 40-49 anos M F 626 652 6,86 6,08 4,20 3,53 2,3 2,4 4,1 3,8 6,0 5,2 8,3 7,3 14,1 12,1 50-59 anos M F 503 567 7,05 6,53 5,10 3,67 2,6 2,5 4,1 4,0 5,7 5,5 8,4 8,2 14,6 14,0 60-64 anos M F 252 274 7,94 6,92 6,44 4,08 2,6 2,6 4,4 4,2 6,4 5,8 9,3 8,7 15,6 14,0 Total M F 1939 2093 7,00 6,36 4,78 3,71 2,4 2,5 4,1 4,0 5,9 5,4 8,5 7,7 14,1 13,1 (b) população de referência por sexo e faixa etária : glicosúria negativa e não diabéticos com IMC e glicose abaixo do percentil 95º Percentil Faixa etária Sexo n Média DP 5 25 50 75 95 30-49 anos M F 915 969 6,41 5,78 3,51 2,98 2,3 2,4 3,9 3,8 5,6 5,1 7,9 7,0 12,5 11,2 50-64 anos M F 558 639 6,66 6,17 3,66 3,03 2,6 2,6 4,1 4,0 5,8 5,4 8,2 7,6 13,0 11,6 Total M F 1473 1608 6,51 5,93 3,57 3,01 2,4 2,5 4,0 3,9 5,7 5,2 8,0 7,2 12,9 11,5 Vol. 01, nº 4, 1997 TESTE IMUNO-ENZIMÁTICO Insulina sérica de jejum (µU/ml) 20 Homens Percentil 15 95º 10 75º 50º 5 25º 5º 0 0 40 50 60 Idade Insulina sérica de jejum (µU/ml) 20 Mulheres Percentil 15 95º 10 75º 50º 5 187 dosar insulina e propõe a metodologia para assegurar a comparação entre os laboratórios e métodos [12]. A concentração da insulina de jejum mostrou-se bastante estável em diferentes faixas etárias, particularmente em homens. Embora a média da concentração de insulina de jejum diferisse nas faixas etárias, as diferenças (0,7 e 0,6 µU/ml em homens e mulheres respectivamente), foram pequenas em comparação com os valores de normalidade. O percentil superior pouco mudou nas diferentes faixas etárias. Essa estabilidade pode ser devido a múltiplos fatores que controlam tanto a secreção de insulina como sua degradação. O envelhecimento freqüentemente tem sido relacionado com diminuição da secreção de insulina, porém esta afirmação não foi confirmada nesse estudo, além de ter sido recentemente questionado por Coordt et. al [13]. A secreção reduzida pode , na realidade estar envolvida apenas com patologias específicas e com fatores ambientais. O imunoensaio IMx-Abbott para medir a insulina é muito conveniente. É totalmente automatizado, não requer uso de material radioativo e mostra baixa variabilidade intra e interensaio. As concentrações de insulina obtidas com esse método específico foram um pouco abaixo dos outros testes convencionais. Os valores de referência dados aqui podem oferecer uma fonte de comparação para outros estudos. 25º 5º 0 0 40 50 60 Idade FIG 1. Distribuição dos principais percentis para a concentração da insulina de jejum (mU/ml ,IMx-Abbott) segundo idade e sexo na população referência (1.473 homens e 1.608 mulheres). ■ DISCUSSÃO As variações inter e intra-ensaio deste estudo foram semelhantes às notadas pelos fabricantes e achados em outros estudos com mesma metodologia. Demonstram considerável melhora nas variações correspondentes para insulina medida por radioimunoensaio [9-10]. O nível de detecção observado de 0,33 µU/ml, foi um terço do indicado pelo fabricante. O método IMx-Abbott teve em média concentração de insulina 40% menor do que o medido por RIA. A explicação para isso, ainda não está clara. A pro-insulina e seus subprodutos não podem ser responsabilizados por diferença tão grande a qual pode ser devida aos produtos de degradação da insulina presentes na circulação [11]. Embora o coeficiente de correlação entre os dois métodos foi alto (0,94) os dados foram dispersados com o RIA, que mostrou maior variabilidade que o IMx-Abbott. A equação da concentração insulina por RIA em termos do IMx-Abbott, foi semelhante, porém não foi idêntica à achada por Sapin et. al [9].Um recente relatório do American Diabetes Association’s Task Force on the Standardization of Insulin Assay detalha os problemas associados com métodos para BIBLIOGRAFIA 1 Reaven G. Role of insulin resistance in human disease. Diabetes, 1988, 37, 1595-1607. 2 Stern MP. The insulin resistance syndrome : the controversy is dead, long live the controversy ! Diabetologia, 1994, 37, 956-958. 3 WHO Scientific Group. 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RESUMO Este estudo investigou o metabolismo da glicose e a resposta dos hormônios mediados pela glicose em pacientes com hipoxemia respiratória crônica. Glicose assim como insulina, glucagon, adrenalina, cortisol e hormônio de crescimento (GH) foram medidos antes e depois aos 30, 60 e 120 minutos durante o Teste de Tolerância Oral à Glicose (oGTT). Os seguintes pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) foram estudados : 10 normoxêmicos (média de paO2 10,9 ± 0,4 kPa), 10 hipoxêmicos (média de pa O2 7,6 ± 0.2 kPa antes e 10,6 ±0,4 depois de 24 horas de oxigenioterapia) e 6 pacientes com hipóxia em oxigênioterapia de longa duração (OTLT) (média de pa O2 10,9 ± 0,7 kPa antes e 7,1 ± 0,3 após 4 horas com menos de 0,5 litros de oxigênio por minuto). Os pacientes hipoxêmicos foram testados duplamente com e sem (ou pelo menos reduzida) oxigenioterapia. Vinte indivíduos saudáveis serviram como controle. A glicemia plasmática aos 120 minutos foi significativamente maior nos pacientes sob OTLT do que nos controles (p < 0,01), pacientes normoxêmicos (p < 0,01) ou pacientes hipoxêmicos (p < 0,01). A área da curva plasmática de glicose e de insulina foi significativamente maior nos pacientes com OTLT e hipoxêmicos em comparação ao controle (p < 0,01 e 0,05, respectivamente). Os valores da glicose nos pacientes com DPOC normoxêmicos foram semelhantes aos do grupo controle. Glucagon, adrenalina, cortisol, e GH mantiveram seus níveis semelhantes entre os grupos. A terapia de 4 horas de baixa dose ou de oxigênio livre entres os intervalos de OTLT ou 24 h de oxigênio suplementar no grupo hipoxêmico não afetou significativamente a glicose nem os níveis hormonais. Foi concluído que os pacientes com severa hipóxia com DPOC têm alteração no metabolismo da glicose, a qual não pode ser simplesmente explicada por mudanças nos hormônios glico-regulatórios ou alteração a curto prazo da oxigenação. Diabetes & Metabolism, 1997, 1, 188-193. SUMMARY This study investigated glucose metabolism and glucose-mediated hormone responses in patients with chronic respiratory hypoxaemia. Glucose as well as insulin, glucagon, adrenaline, cortisol and growth hormone (GH) were measured before and at 30, 60 and 120 min during an oral glucose-tolerance test. The following chronic obstructive pulmonary disease (COPD) patients were studied : 10 normoxaemic (mean paO 2 10.9 ± 0.4 kPa), 10 hypoxaemic (mean paO2 7.6 ± 0.2 kPa before, and 10.6 ± 0.4 after 24-h oxygentherapy, and 6 hypoxaemic patients on long-term oxygen therapy (LTOT) (mean paO2 10.9 ± 0.7 kPa before, and 7.1 ± 0.3 after 4 h with less than 0.5 litre oxygen per minute). The hypoxaemic patients were tested both with and without (or reduced) oxygen therapy. Twenty healthy sex- and age-matched subjects served as controls. Plasma glucose at 120 min was significantly higher in LTOT patients than in controls (p < 0.01), normoxaemic patients (p < 0.01) or hypoxaemic patients (p < 0.01). The areas under the curve for plasma glucose and insulin were significantly higher in both the LTOT and hypoxaemic groups compared to controls (p < 0.01 and 0.05, respectively). Glucose values for normoxaemic COPD patients were similar to those for controls. Glucagon, adrenaline, cortisol and GH levels did not differ significantly between the groups. A 4-h low-dose or oxygen-free interval in the LTOT group or 24 h of oxygen supplementation in the hypoxaemic group did not affect glucose and hormone levels significantly. It is concluded that severely hypoxaemic COPD patients have altered glucose metabolism which cannot be readily explained by changes in glucoregulatory hormones or short-term alterations in oxygena. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 37-42. Key-words : oxygen therapy, glucose, insulin, glucagon, adrenaline, cortisol, growth hormone. Unitermos : oxigenioterapia, glicose, insulina, glucagon, adrenalina, cortisol, hormônio de crescimento. ✍ : A. Hjalmarsen, Department of Pulmonary Medicine, University Hospital of Tromsø, N-9038 Tromsø, Norway. Tel. : 47 776 26000. Fax : 47 776 26863. (1) Departments of Pulmonary Medicine. (2) Hormone Laboratory, Aker Hospital, Oslo, Norway. (3) University Hospital of Tromsø. (4) Clinical Pharmacology and Endocrinology. Vol. 01, nº 4, 1997 A hipoxemia crônica causa profundas mudanças no eixo hipotalâmico-pituitário e também altera a função cardíaca, renal, e o leito vascular pulmonar [1, 3]. Em recente estudo, nós mostramos que o efeito no eixo hipotálamopituitário pode ser reversível com oxigenioterapia de longo prazo (OTLT) [4]. Mais tarde, OTLT pode prolongar a sobrevida, melhorar a função cardiovascular, reverter a policitemia e corrigir disfunções neuropsicológicas nos pacientes com hipoxemia crônica [2, 3, 5-7]. O alto custo e a inconveniência da OTLT tornam imperativa a caracterização da disfunção orgânica neste grupo, assim como pesquisar o limite de hipóxia que causa tal disfunção. É geralmente aceito que um nível persistente de PaO2 ≤ 7,3 ou 8,0 kPa, coexistindo com policitemia e/ou cor pulmonale, requer OTLT para melhorar sobrevida e qualidade de vida [2, 5]. Entretanto, os efeitos da hipoxemia no metabolismo da glicose até o momento foram pouco investigados. Dessa forma o propósito desse estudo foi testar os efeitos da oxigenioterapia e a atuação do oxigênio nos níveis da glicose e dos hormônios durante o oGTT (Teste de Tolerância Oral à Glicose) em pacientes com hipoxemia crônica. ■ PACIENTES E MÉTODOS TOLERÂNCIA À GLICOSE E DOENÇA PULMONAR 189 escala [8]. O teste de tolerância oral à glicose (75 g de glicose) foi feito em todos os pacientes. Pacientes hipoxêmicos foram testados em seu estado basal, após 24 horas de oxigênioterapia que resultou PaO2 > 9,0 kPa. O grupo OTLT foi testado em dias separados, tanto com oxigênioterapia ótima (PaO2 .> 9,0 kPa) e durante hipóxia após 4 horas com 0,5 l de oxigênio/min; dando saturação de O2 entre 85 e 90 %. Amostras sangüíneas e procedimentos analíticos - O sangue arterial para análise dos gases foi obtido por punção da artéria radial, o sangue venoso para dosar glicose e hormônios, insulina, glucagon, adrenalina, cortisol, GH foi colhido nos tempos 0, 30, 60, 120 minutos após sobrecarga oral de 75 g de glicose. Os tubos para dosagem de glicose tinham fluoreto de sódio e foram analisados pelo método da peroxidase após centrifugação à 3800g (Kodak Ektachem Analyser 700 XR, Estman Kodak Co. ,Rochester, NY). Soro para dosar insulina foi congelado à -20º C e posteriormente analisado por RIA (cat. Nº1014, Linco Research Inc., St. Louis, MO, USA). Cortisol sérico foi feito por Luminescência (Amertile), o coeficiente de variação de 4,3 %. O glucagon, a adrenalina e o GH foram preparados e analisados como descritos anteriormente [9] .Os gases sangüíneos foram analisados por CIBA Corning 288 Blood Gas System Analyser (Medfield, MA,USA). A saturação do O2 foi medida por N-100 oxímetro de pulso (Nellcor, CA, USA). Pacientes - Vinte e seis pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – DPOC - e vinte pacientes saudáveis (idade média 62 anos, variação 45-75 anos) foram estudados. Nenhum era obeso (IMC < 30), e todos tiveram glicose de jejum normal. Dados demográficos são apresentados na Tabela 1. Os pacientes com DPOC foram agrupados de acordo com a severidade da hipoxemia e relacionados como: normoxêmicos (PaO2 ≥ 10,0 kPa); hipoxêmicos (PaO2 ≤ 8,5 kPa) e hipoxêmicos em OTLT. Esta última sob OTLT nos 6 meses antecedentes e usando oxigênio líquido continuamente com catéter nasal, que resultou PaO2 ≥ 8,0 kPa. Exceto 3 pacientes em OTLT que usaram regularmente prednisona oral (5-10 mg por dia), esteróides orais não foram tomados durante os últimos quatro meses antecedentes ao teste. Quatro pacientes com edema de tornozelo foram tratados com furosemida. Dois destes pacientes usavam digoxina. Todos os pacientes, exceto dois usaram Beta2 agonistas por via inalatória. As drogas comumente usadas foram esteróides inalatórios em doses abaixo de 1,5 mg/dia, brometo de ipratrópio inalatório quando necessário e teofilina oral em nível abaixo do terapêutico. As doses diárias dessas drogas foram semelhantes nos três grupos (Tabela I). Antes do teste, as drogas orais e inalatórias foram suspensas por 8 horas. Os pacientes não usaram outro medicamento. O número de fumantes está na tabela 1. Os pacientes em OTLT eram não fumantes, por seis meses no mínimo. Todos os pacientes consentiram no estudo e o mesmo foi aprovado pela comissão de ética médica local. Análise Estatística - Os resultados são dados como média e erro padrão da média (SEM). A glicose e as concentrações hormonais durante o oGTT foram convertidos em “área sob a curva” (delta) usando-se a fórmula trapézio. Os grupos foram comparados pelos testes de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney .O teste de Wilcoxon foi usado para comparar resultados do mesmo grupo, p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Para as correlações entre insulina e glicose, idade, IMC, e função pulmonar foi usado o coeficiente de correlação de Spearman. Ensaios - Flowmate spirometer (Jaeger, Germany) foi usado para estimar volume expiratório forçado-1 segundo (FEV1). A OMS registrou performance de acordo com 5 pontos na Insulina Sérica - durante o oGTT, a insulina não teve elevação importante no grupo hipoxêmico, em comparação com o grupo controle (Tabela 2). Entretanto essa diferen- ■ RESULTADOS Pacientes com ou sem OTLT tiveram uma redução marcante FEV1, enquanto que os normoxêmicos tiveram redução moderada FEV1 (Tabela 1). Controles tiveram valores espirométricos normais. Os valores para performance aumentaram de acordo com a severidade da DPOC (Tabela 1) Glicose Plasmática - para indivíduos hipoxêmicos em OTLT, glicose de 120 minutos foi significativamente maior que os controles (p < 0,01), que os pacientes normoxêmicos (p < 0,01) ou pacientes hipoxêmicos (p < 0,01) (Tabela II). A glicose delta foi significativamente maior para os grupos hipoxêmicos e para OTLT versus os controles (p < 0,01 e p = 0,05 respectivamente), e para os OTLT vs. grupo dos normoxêmicos (p < 0,01) (Tabela 3). 190 A. Hjalmarsen Diabetes & Metabolism TABELA I. Características pessoais Grupos Controles Normoxêmicos Hipoxêmicos Hipoxêmicos em OTLT Número 20 10 10 6 Sexo (m : f) 16 : 4 9:1 9 :1 3:3 Idade (anos) 61,5 ± 2,0 62,0 ± 3,0 63,5 ± 3,4 62.0 ± 3.8 IMC (kg/m2) 24.0 ± 0.6 24.0 ± 1.0 21.5 ± 1.1 21.0 ± 2.5 9B2, 10B 3I, 2F, 1D 10B2, 5B, 8T 2T, 2F, 1D, 1V 5B2, 3B, 3P 6T, 4I 3/17 3/7 5/5 0/6 FVC (% de pred.) 106 ± 3.3 96 ± 7.5 61 ± 1.0* 50 ± 5.3* FEV1 (% de pred.) 110 ± 3.1 70 ± 9.0* 34 ± 3.2* 24 ± 3.8* SaO2 % 95.5 ± 0.4 95.5 ± 0.3 87.9 ± 0.8* 87.7 ± 1.1* PaO2 kPa ar respirado O2 terapia 10.9 ± 0.4 7.6 ± 0.2 10.6 ± 0.4 7.1 ± 0.3 10.9± 0.7 PaCO2 kPa ar respirado O2 terapia 5.2 ± 0.1 6.4 ± 0.3 7.0 ± 0.3 7.8 ± 0.9 7.9 ± 0.9 0.5 1.4 3.0 Medicação§ Fumantes/Não fumantes Performance 0 OTLT = Oxigenioterapia de Longo Prazo; IMC = Índice de Massa Corporal; B2 = Beta2-agonista; I = Brometo de Ipratrópio; B = Beclometasonadipropionato/budesonida; T = Teofilina; F = Furosemida; D = Digoxina; V = Verapamil; FVC = Capacidade Vital Forçada; FEV1 = Volume Expiratório Forçado 1 segundo. Os resultados são apresentados como média ± SEM. *p < 0,001 vs. controles. TABELA 2. Glicose plasmática e insulina durante oGTT, pacientes e controles Grupos Nº 0 min 30 min 60 min 120 min Controles glicose insulina 20 20 4.8±0.1 7.8±1.0 7.2±0.2 42.9±3.8 7.3±0.4 57.4±7.1 6.3±0.2 42.7±4.3 Normoxêmico glicose insulina 10 10 4.7±0.5 9.8±1.5 7.8±0.3 59.4±9.4 8.0±0.5 78.0±17.5 6.3±0.3 50.2±8.0 Hipoxêmico (12 horas em O2) glicose insulina 10 10 4.8±0.2 (4.4±0.2) 8.1±1.3 7.4±1.1) 8.1±0.6 (8.2±0.8) 60.1±8.9 (65.2±11.1) 9.1±0.9 (9.1±1.1) 80.0±12.0 (83.2±13.5) 7.4±0.6 (6.5±0.6) 52.3±11.9 (44.0±9.7) 11.0±1.3*††‡ (10.8±1.0*††‡) Hipoxêmico em LTOT glicose 6 4.6±0.2 (4.8±0.2) 9.6±0.8 (8.6±0.8) 11.1±1.4 (10.7±1.5) 4 horas sem O2 (em O2) insulina 6 11.5±2.7 (12.5±3.2) 71.5±25.5 (82.0±22.8) 105.3±31.2 (107.7±30.8) 128.2±34.6 (134.7±33.9) Abreviações: oGTT = Teste de Tolerância Oral à Glicose ; DPOC = Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ; OTLT = Oxigenioterapia de Longo Prazo. Resultados são dados como média ± SEM. Glicose 120 minutos < 7,8 m mol / l. Insulina Basal = 6,20 mil / l. ça foi significativa quando os valores delta para insulina foram usados (Tabela 3). A razão insulina delta/glicose delta não foi mais baixa nos pacientes hipoxêmicos (com ou sem OTLT),em comparação com o controle e os normoxêmicos (Tabela 3). Hormônios Séricos e Plasmáicos - Não houve diferença significativa entre os grupos nas concentrações de gluca- gon, cortisol, adrenalina, GH antes ou depois do oGTT (Tabela 4) Oxigênioterapia - quatro horas de baixa dose ou até remoção do oxigênio nos pacientes OTLT e 24 horas de oxigenioterapia nos pacientes com hipoxemia não produziu mudanças importantes nos níveis hormonais. (Tabela 2 – 4). Vol. 01, nº 4, 1997 TOLERÂNCIA À GLICOSE E DOENÇA PULMONAR 191 TABELA 3. Razão insulina delta /glicose delta durante oGTT em pacientes com DPOC e controles Grupos Nº Delta glicose (mmol/l. 120 min) Delta insulina (miU/l. 120 min) Delta insulina/delta glicose (mmol/miU) Controles 20 15.3 ± 1.7 289 ± 27 25.3 ± 4.5 Normoxêmico 10 19.4 ± 1.3 385 ± 70 20.6 ± 3.5 Hipoxêmico (12 horas em O2) 10 25.0 ± 4.3* (25.8 ± 4.4*) 408 ± 53* (416 ± 54*) 19.9 ± 3.7 (22.8 ± 5.2) 42.3 ± 8.3**†† (37.8 ± 7.3**††) 635 ± 192** (669 ± 174**) 15.0 ± 2.2 (18.8 ± 3.9) Hipoxêmico em LTOT, 4 horas sem O2 (em O2) 6 Legenda = vide Tabela 2 TABELA 4. Glucagon, adrenalina, cortisol, GH durante oGTT em pacientes com DPOC e nos controles Grupos Nº 0 min 30 min 60 min 120 min Controles glucagon adrenalina cotiso; HGH 20 20 20 20 33.9±1.6 62.3±8.7 313±16 1.67±0.47 31.0±1.2 58.4±9.0 270±16 0.86±0.19 27.6±0.8 61.2±10.7 263±18 0.67±0.16 27.8±0.7 61.83±8.3 260±17 0.57±0.10 Normoxêmico glucagon adrenalina cortisol HGH 10 10 10 10 35.7±3.2 54.2±9.1 286±28 0.65±0.17 32.2±2.4 46.3±8.8 251±28 0.51±0.18 32.6±2.1 52.2±15.9 225±27 0.42±0.08 31.1±1.9 45.6±7.2 207±13 0.39±0.05 glucagon adrenalina cortisol HGH 10 10 10 10 31.9±2.3 (31.8±2.0) 40.0±7.4 (32.9±7.0) 318±28 (311±48) 3.29±1.89 (1.73±0.75) 28.2±1.9 (28.7±1.6) 29.3±4.2 (24.5±5.8) 301±26 (296±30) 2.29±1.08 (1.13±0.52) 26.0±1.5 (28.7±1.3) 29.7±5.5 (26.1±6.1) 287±28 (304±26) 3.52±2.61 (1.18±0.52) 25.7±1.2 (26.3±1.0) 28.9±7.1**‡ (40.3±6.6) 251±28 (266±30) 1.23±0.83 (0.62±0.16) 37.3±3.8 (36.3±3.6) 31.8±1.8 (32.5±2.7) 29.3±1.6 (32.0±1.7) 27.6±1.9 (29.0±0.5) 76.7±15.6 (41.2±11.5) 278±58 (270±44) 2.17±0.89 (2.30±1.09) 85.2±9.5 (49.2±10.8) 297±68 (260±39) 1.62±0.45 (3.32±1.46) 58.2±14.6 (42.5±7.8) 300±51 (281±52) 3.70±1.40 (4.48±2.23) 86.7±24.6 (59.7±9.2) 251±17 (246±44) 0.93±0.28 (1.08±0.44) Hipoxêmico (12 horas em O2) Hipoxêmico em LTOT glucagon 6 4 horas sem O2 (em O2) adrenalina 6 cortisol 6 HGH 6 Legenda : GH = Hormônio do Crescimento. Os resultados do glucagon são dados como média ± SEM pmol/l; adrenalina em pg/ml; cortisol em nmol/l e GH em mIE/l. ■ DISCUSSÃO TABELA 5. Correlação de Spearman entre os testes 120 min glicose Delta glicose Delta insulina IMC (n=46) -0.18 -0.35* -0.10 FEV1 (n=46) -0.33* -0.41* -0.41* SaO2 % (n=46) -0.44* -0.37* -0.23 -0.47* -0.31 -0.29 0.39* 0.004 0.09 PaO2 (n=46)§ PaCO2 (n=46)§ Legenda : vide Tabela 1. § Controles foram excluídos. * p<0.05 Correlações - não houve correlação significativa entre glicose aos 120 minutos e saturação de oxigênio (Sat O2 %), FEV1, PaO2, PaCO2. Para glicose delta, houve correlação com FEV1, SatO2 % e IMC (Tabela 5) Neste estudo, os pacientes com DPOC em OTLT, comparados aos controles, tinham maior concentração de glicose no tempo 120 minutos do oGTT, e dessa forma, redução da tolerância à glicose. Os pacientes hipoxêmicos que não usavam OTLT tinham maiores valores para glicose delta do que os controles, indicando reduzida captação da glicose [10,11]. Não podemos excluir que a tolerância reduzida à glicose dos pacientes com OTLT, pode ter sido resultado da medicação. Três destes pacientes estavam usando prednisona, que sabemos ser indutora de intolerância à glicose [12]. A prednisona foi usada por mais de três meses e o intervalo de 8 horas antes do teste, possivelmente foi muito curto para afastar esses efeitos. A influência da prednisona no metabolismo da glicose é dose dependente [13,14] e para nosso conhecimento, não foi ainda demonstrado em baixas doses como neste estudo. 192 A. Hjalmarsen Pacientes hipóxicos não usando OTLT também tiveram concentrações mais altas de glicose que o grupo controle, porém essa diferença não foi estatisticamente significativa. Entretanto, a glicose delta foi significativamente aumentada nesse grupo. A glicose delta em pacientes não insulinodependentes [10], foi bem correlacionada com captação da glicose após sobrecarga oral de glicose e pode ser mais sensível do que a glicose 120 minutos, quando medimos a intolerância à glicose. Estes pacientes hipóxicos não usavam esteróides orais, porém usavam beta2–agonistas, esteróides inalatórios em baixas doses e teofilinas orais de uso freqüente. Essas drogas afetam o metabolismo da glicose em um grau menor que a prednisona oral [15-17], mas não se isentam de serem fatores contribuidores. Os pacientes com severa DPOC tomam algum tipo de medicamento, a retirada dessa medicação seria antiética. Assim a comparação entre esses pacientes e o grupo controle sadio, de forma ideal não é factível. Uma explicação para o aumento da glicose delta nos pacientes hipoxêmicos, poderia ser a resistência à insulina, na qual seriam esperados níveis mais altos de insulina (e que realmente ocorreu) nestes pacientes do que no controle. A razão insulina delta/ glicose delta, a qual é considerada um marcador de resistência à insulina [10, 11, 18], tendeu a diminuir com a disfunção pulmonar severa, o que contradiz a presença de resistência à insulina nestes pacientes hipoxêmicos. O metabolismo da glicose também é regulado por glucagon, adrenalina, cortisol e hormônio de crescimento, os quais possuem efeitos contrários aos da insulina [9, 19]. Esses hormônios aumentam com o stress [9, 19, 20] ; níveis elevados são freqüentes em pacientes com DPOC e ocorre assim intolerância à glicose. Entretanto, não houve diferença significativa nos dois grupos, e não houve tendência a maiores concentrações nos pacientes. Por outro lado a sobrecarga oral de glicose não é um teste dinâmico adequado para esses hormônios contra reguladores, assim seu papel frente a intolerância à glicose não pode ser excluído. Como resultado de severa redução da FEV1 e hipoxemia, os pacientes com DPOC sofrem de perda de peso [21]. Isso também foi notado em nosso estudo em que os pacientes com hipóxia tinham menor IMC que os controles. Em adição a isso, a performance no score OMS [8] aumentou com a função pulmonar reduzida, e é possível que nossos pacientes tenham “síndrome da fadiga”. Embora os mecanismos envolvidos sejam desconhecidos, esta condição está associada com reduzida tolerância à glicose e resposta insulínica anormal, como foi demonstrado em pacientes com câncer [22]. Houve uma correlação negativa entre os parâmetros do metabolismo da glicose e a Sat O2. Dessa forma foi natural esperar que administrando oxigênio aos pacientes hipoxêmicos, ou suprimindo-se oxigênio dos OTLT poderia afetar os níveis de glicose, mas isso não ocorreu. Se a hipoxemia fosse a principal razão para intolerância à glicose, indicaria que o reparo das lesões da hipóxia celular requereria mais de 24 horas de oxigênioterapia fornecido Diabetes & Metabolism por nós. Além disso, naqueles pacientes que já estavam em OTLT, a lesão celular hipóxica prévia poderia persistir apesar da oxigenioterapia, possivelmente por causa dos episódios intermitentes de hipoxemia. Se isso for verdadeiro, pequenas supressões de oxigênio não agravariam o dano celular e o metabolismo da glicose desta forma não seria afetado. Podemos concluir que os pacientes hipóxicos têm alterado o metabolismo da glicose. A causa deve ser por múltiplos fatores e não é afetada por pequenas mudanças nos níveis de oxigênio sangüíneo. BIBLIOGRAFIA 1 Semple PDA, Beastall GH, Watson WS, Hume R. Hypothalamicpituitary dysfunction in respiratory hypoxia. Thorax, 1981, 36, 605-9. 2 Medical Research Council Working Party. Long-term domiciliary oxygen therapy in chronic hypoxic cor pulmonale complicating chronic bronchitis and emphasema. Lancet, 1981, 8222, 681-86. 3 Baudouin SV, Bott J, Ward A, Deane C, Moxham J. 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Diabete & Metabolisme, 1986, 12, 233-38. 19 Vea H, Jorde R, Sager G, Vaaler S, Sundsfjord J. Reproducibility of glycaemic thresholds for activation of counterregulatory hormones and hypoglycaemic symptoms in healthy subjects. Diabetologia, 1992, 35, 958-61. 20 Salter CP, Fluck DC, Stimmler L. Effect of open-heart surgery on growth-hormone levels in man. Lancet, 1972, ii, 853. 21 Schols AMWJ, Soeters PB, Dingemans AMC, Mostert B, Frantzen PJ, Wouters EFM. Prevalence and characteristics of nutritional depletion in patients with stable COPD eligible for pulmonary rehabilitation. Am Rev Respir Dis, 1993, 147, 115156. 22 Rofe AM, Bourgeois CS, Coyle P, Taylor A, Abdi EA. Altered insulin response to glucose in weightlosing cancer patients. Anti-cancer-Res, 1994, 14(2B), 647-50. Diabetes & Metabolism (São Paulo) 1997, 1, 194 - 197 Artigo Original EFEITO DO RAMIPRIL NA SENSIBILIDADE À INSULINA EM PACIENTES OBESOS Estudo de tempo-curso da taxa de infusão de glicose durante um clamp euglicêmico hiperinsulinêmico P. VALENSI (1), E. DEROBERT (2), R. GENTHON (2), J.P. RIOU (3) RESUMO Para avaliar os efeitos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) sobre a ação da insulina em obesidade, cinco mulheres obesas não diabéticas normotensas, foram examinadas em duas ocasiões, como parte de um estudo duplo-cego, randomizado, cruzado, que envolveu dez dias de tratamento com 1,25 mg de Ramipril ou placebo. O estudo consistiu em um clamp euglicêmico hiperinsulinêmico (dois períodos de infusão de insulina com taxas de 0,4 e 1 mU/ kg/min, 2 h em cada período) combinado com calorimetria indireta. Os resultados mais notáveis, envolveram um tempo-curso significativamente mais rápido da taxa de infusão de glicose durante os primeiros 30 min de cada período de infusão da insulina [analisado calculando-se as inclinações (S1 e S2)] tanto depois da administração de Ramipril, quanto de placebo. As médias das taxas de infusão de glicose alcançadas durante os últimos 30 min de cada período de infusão de insulina (G1 e G2), como também o aumento das taxas de oxidação de carboidratos durante o clamp (C1-C0 e C2-C0) e a diminuição dos ácidos graxos não esterificados plasmáticos (A0-A1 e A0-A2), não foram significativamente diferentes com Ramipril ou placebo. De acordo com a análise rigorosa do componente principal S1, S2, G1, G2, C1, C2, A1 e A2 (ortogonalmente para C0 e A0), a sensibilidade à insulina melhorou com Ramipril quando comparada com placebo (p = 0,013). Este estudo sugere fortemente que uma dose fraca de um inibidor da ECA, aumenta a fase de ativação da ação da insulina em pacientes obesos não diabéticos normotensos e pode acelerar a ação da insulina. Diabetes & Metabolism 1997, 1, 194-197. Unitermos: resistência à insulina, obesidade, inibidor da enzima de conversão da angiotensina, clamp euglicêmico hiperinsulinêmico, calorimetria indireta. ✍ : P. Valensi, Service d’Endocrinologie-DiabétologieNutrition, Hôpital Jean Verdier, avenue du 14 Juillet, 93143 Bondy Cedex, France. Tel. : (33) 1-48-02-65-96. Fax : (33) 1-4802-65-79. SUMMARY To assess the effects of angiotensin converting enzyme (ACE) inhibitor on insulin action in obesity, five normotensive nondiabetic obese women were examined on two occasions as part of a double-blind, randomized, cross-over study involving ten days of treatment with either 1.25 mg ramipril or placebo. The study consisted of a euglycaemic hyperinsulinaemic clamp (two periods of insulin infusion at rates of 0.4 and 1 mU/kg/min, 2 h for each step) combined with indirect calorimetry. The most notable results involved a significantly faster time-course of glucose infusion rates during the first 30 min of each insulin infusion period analysed by calculating slopes (S1 and S2) after ramipril than placebo administration. The mean glucose infusion rates reached during the last 30 min of each insulin infusion period (G1 and G2), as well as the increases in carbohydrate oxidation rates during the clamp (C1-C0 and C2-C0) and the decreases in plasma nonesterified fatty acids (A0-A1 and A0-A2), were not significantly different after ramipril and placebo. According to robust principal component analysis of S1, S2, G1, G2, C1, C2, A1 and A2 (orthogonally to C0 and A0), insulin sensitivity was improved with ramipril as compared to placebo (p = 0.013). This study strongly suggests that a low dose of an ACE inhibitor increases the activation phase of insulin action in normotensive nondiabetic obese patients and may accelerate insulin action. Diabetes & Metabolism, 1996, 22, 197-200. Key-words : insulin resistance, obesity, angiotensin converting enzyme inhibitor, euglycaemic hyperinsulinaemic clamp, indirect calorimetry. (1) Service d’Endocrinologie-Diabétologie-Nutrition, Hôpital Jean Verdier, 93140 Bondy, France. (2) Département Médical, Laboratoires Hoechst, Paris-La Défense, France. (3) Centre de Recherche en Nutrition Humaine, Pavillon X, Hôpital Edouard Herriot, 69437 Lyon, France. Vol. 01, nº 4, 1997 A lguns estudos sugeriram que a inibição da enzima de conversão da angiotensina (ECA), tem um efeito benéfico na sensibilidade à insulina em pacientes diabéticos tipo 2 normotensos e hipertensos [1], e em pacientes não diabéticos hipertensos [2]. Este efeito pode ser relacionado a mecanismos hemodinâmicos e/ou metabólicos. A resistência à insulina é uma característica comum da obesidade. Durante aplicação da técnica de clamp euglicêmico hiperinsulinêmico, o aumento da distribuição da glicose é menos marcante em pacientes obesos, depois que a infusão de insulina é iniciada, sugerindo uma lenta ativação dos efeitos da insulina por uma excitação da captação periférica da glicose [3]. O propósito deste estudo piloto foi testar o efeito de uma dose fraca de ramipril no efeito da insulina na captação de glicose e na oxidação do substrato, em mulheres obesas não diabéticas normotensas, enfocando a fase de ativação. ■ PACIENTES E MÉTODOS Pacientes – O grupo de estudo consistiu originalmente em 6 mulheres pré-menopausadas (21 a 47 anos de idade; idade média de 34 anos) com um índice de massa corporal (IMC) entre 28 e 35 kg/m2. Todas tinham pressão sangüínea normal e estavam livres de desordens cardiovasculares. A glicose sangüínea de jejum estava abaixo de 5,7 mmol/l (média ± DP: 4,74 ± 0,51), e os triglicérides sangüíneos estavam abaixo de 3 mmol/l (1,34 ± 0,88). Nenhuma estava sob qualquer forma de tratamento. Desenho do Estudo e Procedimentos – Este estudo duplocego, randomizado, cruzado envolveu duas fases de tratamento de 10 dias, separadas por um período de purificação ³ 15 dias. Após uma fase de pré-inclusão, foram administrados aos pacientes um tablete de 1,25 mg de Ramipril ou um placebo, antes do café da manhã, durante a fase A e o tratamento oposto durante fase B. A duração global do teste, inclusive a fase de pré-inclusão, não excedeu a 60 dias. Nenhuma mudança importante na dieta e na atividade física ocorreu. Foram executadas investigações metabólicas ao término das fases A e B, depois que os pacientes tivessem jejuado durante a noite (o último tablete sendo tomado às 8 h da manhã). Essas investigações consistiram em um clamp euglicêmico hiperinsulinêmico, em dois períodos de infusão de insulina, com taxas de 0,4 e 1 mU.kg–1.min–1, de 2 h cada um. Calorimetria indireta computadorizada de circuito aberto contínua foi executada, primeiro entre 9 e 10 h da manhã e novamente durante os últimos 30 min de cada período de infusão de insulina, usando um monitor metabólico Deltatrac (Datex Instruments, Helsinki, Finlândia) com um sistema de cobertura. A taxa de excreção do nitrogênio não proteico foi determinada em urina coletada antes e ao término da infusão de insulina (2 h da tarde), permitindo que a taxa de oxidação de carboidratos fosse calculada [4]. A insulina plasmática foi medida através de radioimunoensaio (Bi-insulin kit, ERIA, Lyon, França) e os ácidos graxos não esterificados plasmáticos (AGNE) foram dosados RAMIPRIL E SENSIBILIDADE À INSULINA 195 por um método enzimático (NEFA C kit, Biolyon, Dardilly, França). Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Lyon para a Proteção do Pessoal de Pesquisa Biomédica. Na visita de pré-inclusão, os pacientes deram o seu consentimento, após receber informação detalhada sobre o ensaio. O estudo foi abandonado por uma paciente que teve febre, relacionada a uma pneumopatia viral, que aconteceu imediatamente depois do fase A das investigações metabólicas. Assim, os dados foram analisados somente para 5 pacientes. Dados e análises estatísticas – Os pontos que afetaram a eficácia da sensibilidade à insulina foram : o tempo-curso da taxa de infusão de glicose durante os primeiros 30 min de cada período de infusão de insulina, como analisado calculando-se as inclinações (S1 e S2) com o método dos mínimos quadrados; a taxa média de infusão da glicose (G1 e G2) alcançada durante os últimos 30 min (condição estabilizada) de cada período de infusão de insulina; o aumento no nível basal de oxidação de carboidratos (antes de infusão de insulina : C0) para os níveis (C1 e C2) alcançados durante os últimos 30 min de cada período de infusão de insulina (C1-C0 e C2-C0) ; e a diminuição nos AGNE plasmáticos basais (média de 3 amostras coletadas antes da infusão de insulina : A0) para os níveis (média de 3 amostras : A1 e A2) alcançadas durante os últimos 20 min de cada período de infusão (A0-A1 e A0-A2). Para cada uma destas oito variáveis, para o peso corporal e a pressão sangüínea, as comparações estatísticas foram executadas por um estudo de duplo-tratamento, duplo-período, duplo-cruzado ANOVA e complementado pelo teste não paramétrico de Prescott [5], ajustados para cada período efetivo. Em adição, a análise rigorosa do principal componente de S1, S2, G1, G2, C1, C2, A1 e A2 (ortogonalmente para C0 e A0), foi feita usando os resultados obtidos nas 5 pacientes ao término de cada fase, isto é, um conjunto de dez dados. Esta análise foi executada substituindo os valores de cada variável com seu grau [6]. Na análise do componente principal foram construídas combinações lineares, independentes das variáveis que resumem os dados globais, incluídas nessas variáveis. O primeiro componente da análise é uma variável, que é o melhor resumo das variáveis envolvidas. O segundo componente é o segundo melhor resumo, com a limitação de ter uma correlação nula com o primeiro componente, e assim por diante para os outros componentes. Assim, análise do componente principal sintetiza e analisa o fenômeno a ser estudado [7]. Os resultados são expressados em valores médios ± DP. ■ RESULTADOS Não foi observada nenhuma diferença significante no peso corporal e nas mudanças da pressão sangüínea sistólica depois de ramipril ou placebo, considerando que a pressão sangüínea diastólica diminuiu significativamente depois de ramipril, comparada com o placebo (estimativa = – 6,3 ± 2,1 mmHg, p = 0,029). Depois de ramipril e placebo, a insulina plasmática basal (média de 3 amostras), era 196 P. Valensi Diabetes & Metabolism 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 foram significativamente mais altos após ramipril do que com placebo (respectivamente 0,0032 ± 0,0009 vs 0,0006 ± 0,0008, estimativa = + 0,0025 ± 0,0004, p = 0,005 ; e 0,0230 ± 0,0383 vs. 0,0158 ± 0,0501, estimativa = + 0,0418 ± 0,0219, p = 0,077). Quando S1 e S2 foram analisados pelo teste não paramétrico de Prescott, ambos os valores-p foram iguais ao menor valor possível: p = 0,10. A análise rigorosa do componente principal, realizada nas classes no padrão não paramétrico (Fig. 2), mostrou que o segundo eixo contrapõe as duas partes do clamp euglicêmico hiperinsulinêmico. Os valores das correlações de G1, S1 e C1 com o segundo eixo são negativos, enquanto para G2, S2 e C2 são positivos. O valor da correlação de A1 com o segundo eixo estava próximo a 1, enquanto o valor para A1 estava próximo a 0. O primeiro eixo dessa análise rigorosa é um indicador da sensibilidade à insulina, mesmo que os valores das correlações de G1 e G2, S1 e S2, C1 e C2 com este eixo sejam positivos e se contraponham aos valores das correlações de A1 e A2 com este eixo (correlações 0.30 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 0 10 20 Tempo (min) 30 0.30 Taxa de infusão de glicose (mg/min) Taxa de infusão de glicose (mg/min) 1.min –2) Taxa de infusão de glicose (mg/min) 0.30 Taxa de infusão de glicose (mg/min) Taxa de infusão de glicose (mg/min) bem parecida (13,6 ± 5,3 e 14,4 ± 8,2 µU/ml respectivamente), como era a insulina plasmática alcançada (média de 3 amostras), tanto as mais baixas (35,2 ± 7,6 e 37,2 ± 6,4 µU/ ml), quanto as mais altas (75,4 ± 16,9 e 81,4 ± 18,0 µU/ml) taxas de infusão de insulina. G1 e G2 não foram significativamente diferentes com ramipril ou placebo (3,88 ± 1,69 e 4,50 ± 2,16 mg.kg–1.min–1, e 7,65 ± 3,02 e 7,89 ± 3,01 mg.kg–1.min–1 respectivamente). O mesmo foi verdade para C1-C0, C2-C0, A0-A1 e A0-A2. A quantidade de glicose exógena infundida, durante infusão de insulina global (4 h) tendeu a ser mais alta com ramipril que com placebo (p = 0,09). A taxa de infusão de glicose durante os primeiros 30 min de cada período de infusão de insulina, aumentou mais abruptamente depois de ramipril do que com placebo (Fig.1). Na seqüência de placebo/ramipril (3 pacientes), as inclinações foram mais acentuadas ou iguais (para S2 em um paciente) após tratamento com ramipril, e na seqüência de ramipril/placebo (2 pacientes) as inclinações sempre foram mais altas após ramipril. S1 e S2 (mg.kg– 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 0.30 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 0 10 20 Tempo (min) 30 0 10 20 Tempo (min) 30 0 10 20 Tempo (min) 30 0.30 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 0 10 20 Tempo (min) 30 FIG. 1 - Tempo-curso da taxa de infusão da glicose durante o clamp euglicêmico hiperinsulinêmico: a figura enfoca os primeiros 30 min do primeiro período de infusão de insulina (0,4 µU/kg/min) nos 5 pacientes depois do tratamento com ramipril ( — ) ou tratamento com placebo ( — ). As inclinações (S1) durante o primeiro período do “clamp” foram calculadas com estes dados e foram significativamente mais altas com a administração de Ramipril que de placebo. Vol. 01, nº 4, 1997 RAMIPRIL E SENSIBILIDADE À INSULINA 1 A1 Eixo 2 S2 C2 G2 A2 0 C1 G1 S1 -1 -1 0 1 Eixo 1 FIG. 2 - Análise rigorosa do componente principal. Esta figura mostra os valores das correlações de G1, G2, S1, S2, C1, C2, A1 e A2 com os primeiros e segundos eixos desta análise. negativas). Os valores do primeiro eixo foram mais altos com o tratamento com ramipril do que com placebo, em todos os pacientes, menos um, e a diferença global foi estatisticamente significante (p = 0,013). ■ DISCUSSÃO Como este estudo-piloto proporciona resultados completos somente para 5 pacientes, requer uma confirmação com uma série maior. A melhora encontrada na sensibilidade à insulina, depois de tratamento com ramipril, em mulheres obesas normotensas, está de acordo com vários estudos realizados em pacientes com hipertensão essencial e em pacientes diabéticos tipo 2 [1, 2], tratados com inibidores da ECA. Os níveis plasmáticos de insulina, particularmente no segundo período do clamp, mostrou a inibição da liberação hepática da glicose [8]. A quantidade de glicose infundida pode ser considerada como o depósito de glicose corporal. O resultado mais importante de nosso estudo foi mostrar que os valores de S1 e S2 foram significativamente mais altos com a administração de ramipril do que de placebo. Estes valores são indicativos da ativação da captação periférica de glicose insulino-estimulada, durante os primeiros 30 min de infusão de insulina, nos dois períodos do clamp. Esse resultado pode ser devido a dois efeitos diferentes do ramipril, envolvendo tanto um aumento do efeito celular da insulina e bem como um aumento na disponibilidade da insulina para os tecidos-alvo periféricos (hipótese hemodinâmica). 197 Com relação à hipótese metabólica, a degradação reduzida da bradicinina e sua acumulação sistêmica, secundária ao efeito bloqueador dos inibidores de ECA na cininase II, poderia mostrar uma atividade insulina-like. O fato de que a fosfofrutoquinase ser estimulada fortemente através da bradicinina no coração perfundido isolado de rato, é sugestivo de um fluxo glicolítico acelerado [9]. Com relação à hipótese hemodinâmica, os inibidores da ECA dilatam intensamente os vasos sangüíneos do antebraço, efeito esse que poderia estar envolvido no aumento da sensibilidade periférica à insulina obtido com qualquer agente vasodilatador [10]. Tem sido sugerido que a resistência à insulina in vivo, em pacientes obesos, depende de um defeito no efeito hemodinâmico da insulina por meio do fluxo sangüíneo esquelético aumentado [11]. Assim, a compensação para este defeito pelos inibidores da ECA, é uma hipótese atraente. Em conclusão, este estudo sugere fortemente que uma baixa dose de ramipril, um inibidor da ECA, melhora a fase de ativação da ação de insulina. Os respectivos papéis dos fatores metabólicos e vasodilatadores permanecem para serem avaliados. BIBLIOGRAFIA 1 Torlone E, Rambotti AM, Perriello G et al. ACE-inhibition increases hepatic and extrahepatic sensitivity to insulin in patients with type 2 (non-insulin-dependent) diabetes mellitus and arterial hypertension. 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ATTALI * O envolvimento do sistema nervoso autônomo no decurso do diabetes mellitus associa-se a mortalidade aumentada. Um grande estudo prospetivo, mostrou que a neuropatia autôno ma cardíaca (NAC), evidenciada a partir de anomalias das variações de freqüência cardíaca, estava associada a uma taxa de mortalidade de 29% a 10 anos enquanto esta taxa era apenas de 6 % nos pacientes ilesos de NAC [1]. Além disso, certas manifestações patentes da neuropatia autônoma aumentam a morbidade e alteram o conforto de vida. A neuropatia autônoma envolve as pequenas fibras amielínicas dos sistemas simpáticas e parassimpáticas. Alguns estudos necrópsicos efetuados em pacientes diabéticos insulino-dependentes (DID) atingidos de disautonomia severa evidenciaram lesões a nível de gânglios simpáticos, do pneumogástrico e dos troncos nervosos simpáticos [2], o que confirma os numerosos estudos ultraestruturais, realizados no animal (ratos com diabetes induzido por Streptozocina por exemplo). A fisiopatologia da neuropatia autônoma diabética é complexa, devido sobretudo ao envolvimento de vários aparelhos que podem ser atingidos de maneira desigual e variável no tempo e à insuficiência de informações relativas à ✍ : J.R. Attali, Service d’Endocrinologie-DiabétologieNutrition, CHU Jean Verdier, Université Paris Nord, 93143 Bondy, França, tel 33 1 48 02 65 80 fax 33 1 48 02 65 79. Médicos-peritos : P.Valensi (Bondy), J.F. Gautier (Paris), G. Amarenco (Aulnay-sous-Bois), J.P. Sauvanet (Paris), M.Leutenegger (Reims), J.R. Attali (Bondy). sua historia natural ; por outro lado a sua evolução não parece paralela à da Neuropatia Periférica. O essencial dos dados é fornecido pelo estudo da NAC. O papel da influencia do equilíbrio metabólico sobre a NAC, é sugerido pela sua própria demonstração precoce, muitas vezes antes das outras complicações do diabetes, por dados transversais [3], e pelo efeito favorável do equilíbrio otimizado do diabetes tipo 1 [4]. São também propostos fatores imunológicos no diabetes tipo 1. As perturbações das provas autônomas cardíacas na historia do diabetes tipo 2 são também compatíveis com o papel da obesidade nestes pacientes, já que tais perturbações também se encontram com grande freqüência no obeso não diabético [6]. A neuropatia autônoma pode envolver o sistema cardiovascular, o trato digestivo, o sistema uro-genital, o sistema sudoral e a motricidade pupilar [7]. Ela pode ser incriminada em certas hipoglicemias não percebidas pelo paciente. A sua expressão clinica pode ser patente, as vezes com sintomas que geram invalidez e que aumentam a morbidade. Ela é com mais freqüência latente, evidenciada por exames de complexidade variável. O diagnóstico nas formas patentes é delicado pelo caráter inespecífico dos sintomas e pelo envolvimento muitas vezes dissociado dos diferentes órgãos. No estado infra clí- * Texto estabelecido pelo comitê de médicos-peritos e validado pelos membros dos conselhos de administração e científico da Alfediam. Vol. 01, nº 4, 1997 nico, para cada sistema envolvido pela neuropatia autônoma, vários testes são propostos, diferentes pela sensibilidade, reprodutibilidade, interpretação fisio-patológica, pelo custo, e pela dificuldade de realizá-los [8]. Além disso, a neuropatia autônoma não é específica do diabetes e pode ser causada por outras etiologias como o etilismo crônico e a insuficiência renal. O inquérito e certos gestos clínicos simples que deveriam ser praticados rotineiramente em todos os diabéticos permitem às vezes suspeitar uma disautonomia. Os testes complementares, que exigem tempo e muito rigor, devem ser efetuados com ampla freqüência em meio diabetológico especializado. Poucos dados epidemiológicos fiáveis foram publicados até hoje, tais estudos sendo dificultados pelo caráter não específico dos sintomas, pela multiplicidade e fiabilidade dos testes disponíveis, e pela necessidade de se ter uma população de referência (levando em conta a idade). As únicas informações válidas, que permitem reter uma prevalência muito elevada no diabetes tipo 2 são as sobre a NAC. O conhecimento da história natural da neuropatia autônoma merece ser enriquecido. No entanto, a demonstração da NAC em numerosos diabéticos tipo 1 ou 2 logo após o diagnóstico, uma vez passada a fase de grande desequilíbrio glicêmico, junto com sua freqüência maior nos pacientes com complicações microangiopáticas, permitem considerar a NAC como um marcador precoce de risco de microangiopatia. O tratamento das manifestações disautonômicas é essencialmente sintomático. Todavia, para algumas delas, uma melhora significativa pode ser obtida através da própria melhora do controle glicêmico [4]. Até hoje a eficácia dos inibidores da aldose-reductase não foi comprovada ; ensaios estão sendo feitos com a ajuda do ácido gama linolênico, um ácido graxo poli-insaturado em n-6, e outras moléculas também estão sendo investigadas. Apesar da ausência de terapêutica realmente satisfatória, para cada um dos sistemas envolvidos pela neuropatia autônoma, a severidade das suas complicações deve levar a investigá-los de maneira sistemática. Qual a freqüência e quais as modalidades segundo as quais estas complicações devem ser pesquisadas e suas conseqüências avaliadas ? Esta pergunta tem sido abordada pelo comitê de médicos-peritos e as respostas que trazemos são indicativas e precisam ser confirmadas por estudos prospectivos. Abordaremos sucessivamente a neuropatia autônoma do sistema cardiovascular, do trato digestivo, da bexiga, dos órgãos sexuais, da pupila, das glândulas sudoríparas e para finalizar será discutido o problema das hipoglicemias não percebidas. ■ NEUROPATIA AUTONOMA CÁRDIO-VASCULAR No estado infra-clínico, a NAC é uma complicação muito freqüente, encontrada em 20 % a 70 % dependendo das séries. Ela acontece precocemente, afetando mais ou menos 10 % dos pacientes com diabetes tipo 1 recente e aproximadamente 6 % dos pacientes com diabetes tipo 2 NEUROPATIA AUTÔNOMA NO DIABÉTICO 199 recentemente diagnosticado. Um dos maiores interesses do rastreamento da NAC reside no aumento da mortalidade atribuída a esta por várias séries prospectivas [1]. Um segmento QT longo no eletrocardiograma e o surgimento de aritmias ventriculares poderiam ser apontados como possíveis causas em certas mortes súbitas [9]. Além disso, as correlações entre NAC e retinopatia e severidade da nefropatia diabética [10] apontam fortemente a NAC como marcador precoce da microangiopatia diabética. A NAC pode ter uma expressão clínica patente A hipotensão ortostática é a manifestação mais clássica da NAC, às vezes prejudicando o paciente. Ela é definida pela baixa de pressão sistólica de pelo menos 30 mm de Hg e/ou da pressão diastólica de pelo menos 20 mm de Hg após um minuto de ortostatismo. O infarto do miocárdio silencioso pode ter sido ligado em alguns casos a lesões das fibras nervosas autônomas do miocárdio. Portanto a relação entre a NAC e o caráter silencioso da cardiopatia isquêmica, e em particular antes do acontecimento do infarto, não está estabelecida formalmente. A taquicardia permanente é outra manifestação clássica da NAC. No entanto a sua autenticidade é discutível lendo gravações eletrocardiográficas do Holter das 24 horas [11]. Edemas dos membros inferiores também podem ser a conseqüência da disautonomia, pela diminuição do tônus simpático vaso-constritor periférico. A NAC é, com mais freqüência, infra-clínica, sendo evidenciada através de provas estandardizadas Vários métodos foram propostos para investigar as variações de freqüência cardíaca e de pressão arterial em condições de repouso e em condições dinâmicas. São usadas com mais freqüencia as cinco provas propostas por Ewing (Tabela 1) por causa da possível realização e da reprodutibilidade [8,12] destas. Para as três provas explorando o controle parassimpático, o resultado decresce fisiologicamente com a idade e deve ser então interpretado de acordo com a idade do paciente. As provas respiratórias e de ortostatismo são mais freqüentemente perturbadas do que a prova de Valsalva. A presença da NAC pode formalmemte ser afirmada com a perturbação de dois testes. Quando apenas um dos testes está perturbado, trata de uma NAC no princípio. No que diz respeito às provas simpáticas, quase nunca as suas perturbações se encontram independentemente de perturbações do sistema parassimpático. Lembramos que outros testes foram propostos para investigar a resposta tensional : teste ao frio ou teste de acocoramento. A análise espectral das variações de freqüência cardíaca e de pressão arterial também permite investigar o controle vagosimpático. Entretanto, esta técnica ainda não é amplamente disponível no momento. Levando em conta o seu valor prognóstico, parece justificado pesquisar sistematicamente a NAC em todos os pacientes diabéticos, recorrendo a pelo menos dois testes com cardiógrafo ordinário : respiração profunda e ortostatismo. A procura da NAC também parece justificada para poder relacionar à disautonomia manifestações clínicas isoladas 200 M. J. Haardt TABELA 1 – Conjunto de cinco provas estandardizadas propostas por Ewing [8]. Três destas provas investigam as variações de freqüência cardíaca e de pressão arterial, essencialmente sob controle parassimpático : • Respiração profunda de seis ciclos respiratórios por minuto O resultado é expressado pela média das diferenças entre a freqüência cardíaca máxima em inspiração e a freqüência cardíaca mínima em expiração ou pelo rateio destas duas freqüências. • Prova de ortostatismo ativo Após aceleração cardíaca inicial máxima em volta do 15o segundo, o coração desacelera essencialmente sob influência da estimulação parassimpática. O resultado é avaliado pela diferença entre a freqüência máxima e a freqüência cardíaca mínima ou pela relação entre estas duas freqüências. • Prova de Valsalva* Corresponde à uma expiração ativa de 40mm de Hg durante 15 segundos. A resposta é avaliada pela relação entre a freqüência cardíaca máxima durante a fase ativa e a freqüência cardíaca mínima ao soltar a expiração. As duas provas seguintes exploram a resposta tensional, sob dependência simpática : • Pesquisa de hipotensão ortostática : A pressão arterial é medida após 10mn de decúbito e novamente após um minuto de ortostatismo. • Resposta tensional após contração isométrica da mão com a ajuda de dinamômetro : Após determinação da contração maximal, pedese ao paciente para manter durante 5mn um terço deste nível maximal. A pressão arterial é medida a cada minuto e a pressão diastólica eleva-se normalmente de pelo menos 10mm de Hg durante a prova. *contra-indicada em caso de retinopatia severa. (cardiovasculares patentes, digestivas ou urogenitais) ou hipoglicemias sem sintomas adrenérgicos. Contribuição do diabetologista referente - Se um ou mais testes de acima citados são perturbados, parece útil confirmar a disautonomia com uma equipe treinada. Esta mesma equipe está habilitada a completar o rastreamento da NAC com os seguintes elementos : Diabetes & Metabolism • um QT longo no ECG padrão deve ser procurado e se é encontrado, distúrbios paroxísticos do ritmo ventricular devem ser procurados no ECG das 24horas ; • uma gravação ambulatorial da pressão arterial pode ser proposta na medida em que a diminuição noturna desta é muitas vezes amortecida na presença de neuropatia cardíaca ; o que pode agravar outras manifestações da microangiopatia ; • medicações susceptíveis de favorecer o aparecimento de hipotensão ortostática serão investigadas, se possível suspensas ou trocadas ; • o diagnóstico da NAC deve tornar o médico particularmente cauteloso em relação à anestesia geral e deve conduzir a tratar préviamente toda e qualquer infecção broncopulmonar que poderia aumentar o próprio risco da anestesia. Tratamento da NAC A melhora do equilíbrio glicêmico parece desejável na medida em que se revela capaz de estabilizar ou melhorar as provas autônomas cardíacas. As outras terapêuticas baseadas numa abordagem fisio-patológica não demonstraram a sua eficácia. O tratamento da hipotensão ortostática consiste primeiro em afastar os fatores iatrogênicos potenciais : supressão de dieta sem sal, suspensão dos diuréticos e de certos agentes psicotrópicos, modificação dos horários de injeção de insulina (na medida em que a insulina pode causar a queda ortostática da pressão arterial). Podem ser preconizados métodos físicos que podem melhorar o retorno venoso, em particular, faixas de contenção venosa, precauções tais como sentar na beira da cama antes de levantar, nadar. A diidroergotamina, antagonista alfa 2 adrenérgico, pode ser experimentada em primeiro lugar. Como tratamento medicamentoso, os mineralo-corticóides são os mais eficazes : a fludrocortisona na dose de 100 a 300 microg/dia. A midodrina, agonista alfa 1 adrenérgico, pode ser útil pelo seu efeito positivo sobre a constrição arteriolar e venosa e sobre as resistências periféricas. O pindolol, betabloqueador dotado de ação simpatomimética intrínseca, demonstra-se às vezes eficaz. O octreotídeo, análogo da somatostatina, junto com os inibidores da síntese das prostaglandinas (tais como indometacina e ibuprofeno) e os antagonistas dopaminérgicos como a metoclopramida são suscetíveis de corrigir a queda tensional ortostática pós-prandial nos pacientes diabéticos [1]. Finalmente, deve-se mencionar que o tratamento da hipotensão ortostática pode levantar problemas delicados em caso de hipertensão associada. Implicações práticas mínimas após detecção da NAC O diagnóstico da NAC deve conduzir no mínimo às seguintes medidas : • medir a pressão arterial após 10 minutos de decúbito e, novamente após um minuto de ortostatismo. • praticar, anualmente, um ECG padrão, investigando sinais de cardiopatia isquêmica e ficar atento ao aparecimento de um QT longo. • estar, particularmente, atento ao rastreamento das outras complicações do diabetes. Vol. 01, nº 4, 1997 ■ A NEUROPATIA AUTÔNOMA DO TRATO DIGESTIVO A neuropatia autônoma do trato digestivo envolve o esôfago, o estômago, a vesícula biliar, o cólon e o esfíncter anal. Os sintomas são em geral, tardios. Os testes usados para confirmar o diagnóstico não permitem distinguir a lesão do simpático da do parassimpático e o papel dos hormônios. Convém distinguir a lesão do trato digestivo inferior da lesão do trato digestivo superior cuja manifestação essencial é a gastroparesia. A NEUROPATIA DO TRATO DIGESTIVO SUPERIOR [13, 14] Sintomas Variações glicêmicas importantes, freqüentes e rápidas, bem como sintomas digestivos, levantam a suspeita de neuropatia do trato digestivo. Os sintomas digestivos do trato superior refletem uma lesão esofagiana (disfagia, pirose, sintomas de refluxo gastro-esofagiano) e/ou gástrica (anorexia, náuseas, vômitos, dores abdominais, flatulência, distensão abdominal, plenitude ou empachamento pós-prandial). Excepcionalmente, existe uma gastroplegia com intolerância digestiva total. O desequilíbrio glicêmico evocando a existência de gastroparesia, associa, de maneira típica, hipoglicemias pósprandiais imediatas, hiperglicemias a distância das refeições devidas à absorção tardia do bolo alimentar e ao atraso da correção por via oral das hipoglicemias, podendo assim provocar coma hipoglicêmico. Dados do exame clínico Costumam ser modestos. A distensão abdominal com o clássico “marulho” em jejum é um sinal tardio de gastroparesia. Por outro lado, o exame deve eliminar candidíase oral, dentadura em mau estado, hepatomegalia, massa abdominal, sinais que conduziriam a cuidados específicos. Contribuição do referente Quando existem sinais digestivos, é desejável recorrer em primeiro lugar à opinião do gastroenterologista e realizar uma endoscopia digestiva alta, a fim de eliminar os seguintes achados : esofagite, úlcera gástrica ou micose. Se a endoscopia se revela negativa, o esvaziamento gástrico deverá ser explorado. Quando o sintoma é o desequilíbrio glicêmico, o estudo do esvaziamento gástrico pode ser indicado pelo diabetologista sem precisar realizar, préviamente, fibroscopia digestiva alta. A cintilografia gástrica em dupla fase é o método de referência mais preciso e mais fisiológico para estudar o esvaziamento gástrico. Na medida em que a hiperglicemia aguda retarda o esvaziamento gástrico, este exame deve ser efetuado após alguns dias de equilíbrio glicêmico satisfatório. Marcadores radioativos são introduzidos nas refeições testes. A medida da radioatividade residual a intervalos regulares com uma gamafilmadora permite quantificar o esvaziamento gástrico (expressado em tempo de NEUROPATIA AUTÔNOMA NO DIABÉTICO 201 meio-esvaziamento gástrico, em minutos). Os radio-elementos mais usados são o Tecnécio 99 m para os sólidos e o Indio 111 para os líquidos. Em caso de gastroparesia, a cintilografia gástrica evidencia um atraso de evacuação dos sólidos e/ou um distúrbio na evacuação dos líquidos. A evacuação gástrica dos líquidos pode ser freada ou acelerada. Além do mais a prevalência da gastroparesia na população diabética explorada pela cintilografia gástrica varia de 30 a 60 %, dependendo dos estudos. Aproximadamente, 50 % dos pacientes que apresentam um atraso nítido do esvaziamento gástrico, não têm queixa. Entre os sintomas digestivos, a sensação de saciedade precoce parece o sintoma que mais antecipa a gastroparesia. No que diz respeito aos distúrbios do equilíbrio glicêmico secundário à gastroparesia, nenhum estudo, que saibamos, demonstrou diferença no esvaziamento gástrico entre os pacientes apresentando um diabetes instável e/ou mal equilibrado e os pacientes “testemunhos”. O diagnóstico da NAC seria um argumento suplementar a favor da disautonomia digestiva. Tratamento da gastroparesia O tratamento se baseia na melhora do controle glicêmico e no uso de moléculas que aceleram o esvaziamento gástrico. A cisaprida (Prepulsidâ), na dose de 10 mg 4 vezes ao dia, bloqueando os receptores da 5 hidroxitriptamine é o tratamento de primeira intenção. A domperidona e o metoclopramida bloqueando os receptores dopaminérgicos na dose de 10 a 20 mg 4 vezes ao dia, representam uma alternativa à cisaprida. A domperidona (Motiliumâ, Peridalâ, Pleiadonâ) apresenta a vantagem em relação a metoclopramida (Plasilâ) de não ter efeito colateral neurológico central. Se o efeito destas três moléculas é moderado, a cisaprida teria uma eficácia a longo prazo mais interessante. A combinação de vários destes remédios, nunca foi avaliada. A eritromicina (750 mg / dia durante 4 semanas), pelo seu efeito agonista da motilina, é um acelerador potente do esvaziamento gástrico. Em caso de gastroplegia, a internação é necessária. O tratamento inclui repouso do trato digestivo, alimentação parenteral e eritromicina na dose de 3 mg / kg EV de 8/8 hs. Implicações na educação do paciente O diagnóstico da gastroparesia justifica a prática mais estreita da autovigilância glicêmica, a tentativa de modificação dos horários de aplicação injetável de insulina, muitas vezes o início da “insulinoterapia intensiva”, e a redução do consumo de fibras alimentícias. LESÃO DO TRATO DIGESTIVO INFERIOR [7] Sintomas Os distúrbios da motilidade cólica provocam diarréia ou constipação. A constipação intestinal, mais freqüente que a diarréia, é raramente relatada espontaneamente pelo paciente e, muitas vezes, encontrada no inquérito. O caráter urgente, freqüentemente noturno e explosivo da diarréia fala 202 M. J. Haardt a favor da origem disautonômica. É obvio, que outros fatores devem ser previamente afastados. A lesão do esfíncter anal é responsável de incontinência fecal. Investigação etiológica Uma diarréia recente, pode ser a conseqüência da introdução de tratamento pelas biguanidas ou pelos inibidores da alfa-glucosidase. Na presença de diarréia crônica, sobretudo no diabético insulino dependente (DID), deve-se pesquisar um hipertireoidismo ou uma doença celíaca. As características da diarréia, ou a noção de etilismo crônico, podem sugerir uma insuficiência pancreática exócrina. Se este inquérito se revela negativo, uma pesquisa mais exaustiva é justificada. Deve-se considerar uma causa infecciosa porém os exames complementares, tais como a coprocultura, não são de grande utilidade. Exames complementares especializados Estas investigações radiográficas, endoscópicas ou funcionais, podem ser indicadas conjuntamente pelo diabetológo e o gastroenterologista, orientados pela clínica do paciente. Se os resultados são negativos, o diagnóstico de neuropatia digestiva é muito provável. A comprovação da NAC pode, neste caso também, trazer um argumento de peso a favor da origem disautonômica da diarréia ou da constipação crônicas. Tratamento Na presença de uma diarréia crônica confirmada no diabético, é lícito suspeitar de uma causa infecciosa e realizar um teste terapêutico com tetraciclina (1500 mg/dia) durante 2 a 4 semanas porque as diarréias, exclusivamente motoras, são excepcionais. Os tratamentos antidiarréicos habituais, podem ser prescritos à demanda : loperamida (Imosecâ) ou difenoxilate (Colestaseâ, Lomotilâ). Outros tratamentos foram propostos : a colestiramina (Questranâ, resina que liga os sais biliares), a difenilidantoina (Hidantalâ, que inibe a secreção de certos hormônios digestivos) ou a clonidina (Catapressanâ, pelo seu efeito alfa 2 agonista periférico). A melhora do equilíbrio glicêmico (às vezes através de uma insulinoterapia intensiva) muitas vezes provoca a melhora da diarréia. Implicações na educação do paciente A constipação intestinal seria mais freqüente que a diarréia. Deve-se estimular o seguimento das regras higieno dietéticas, e insistir em evitar as auto-medicações. A incontinência anal, conseqüência da atonia do esfíncter anal, é rara e tardia. O tratamento, difícil, é baseado sobre a reeducação. ■ A NEUROPATIA VESICAL A freqüência dos distúrbios do controle vesico-esfincteriano é avaliada em 20 a 88 % dos pacientes, com, para a maioria, uma taxa próxima de 50 %. Não existe nenhuma correlação entre os distúrbios urinários, o tipo ou a duração do diabetes, a idade do paciente, a existência ou não de Diabetes & Metabolism neuropatia periférica ou outras manifestações disautonômicas. A sintomatologia funcional é extremamente variável dependendo dos mecanismos fisiopatológicos dos distúrbios. Assim, na maioria dos casos, distingue-se uma lesão mista atingindo o sistema nervoso somático (principalmente as vias sensitivas e uma lesão vegetativa incluído tanto o sistema simpático, quanto o parasimpático). Sintomas A classificação do tipo de comportamento vesico esfincteriano obtida através das investigações urodinâmicas definem o modo de reatividade vesical no sentido de uma hiperatividade ou uma hipoatividade. Portanto, alguns sinais já podem orientar o diagnóstico : • A bexiga hipoativa, hipocontrátil, hipoestésica, caracteriza-se pelos sintomas seguintes : distúrbio da percepção da necessidade de urinar que torna-se reduzida e atrasada; diminuição da percepção da passagem uretral das urinas; disúria com necessidade de forçar para tentar esvaziar totalmente a bexiga ; as vezes, retenção crônica com percepção pelo paciente de um volume residual pós miccional. • A bexiga hiperativa, ao contrário, caracteriza-se pela urgência, pela necessidade imperiosa demasiadamente precoce com prazo de segurança reduzido, levando à micçoes urgentes e incontinência. Dados do exame clínico O exame neurológico geral não é contributivo. O exame neuroperineal não encontra anomalias ligadas aos sintomas urinários tais como : - distúrbios sensitivos perineais ; hipotonia do esfíncter anal na retirada do dedo no toque retal; diminuição ou abolição dos reflexos do cone medular (reflexo bulbo-cavernoso, reflexo bulbo-anal). Esses últimos elementos podem orientar a etiologia a favor de uma bexiga neurogênica, mas não podem ser nunca patognomônicos e podem existir na ausência de distúrbios urinários e exame neuroperineal. Exames complementares Eles são essenciais para confirmar e caracterizar os distúrbios vesicais. A debimetometria é um bom exame de rastreamento. A disúria se traduz pela diminuição do débito máximo por minuto e do débito médio com prolongação e achatamento da curva. No entanto, existem falsos-negativos (a fraqueza da contractilidade vesical está compensada pela hiperpressão abdominal efetuada pelo paciente) e falsos-positivos (as debitometrias são as vezes de difícil realização nos pacientes assustados pela aparelhagem e constrangidos pela presença dos examinadores). Podem ser propostas debitometrias repetidas ou debitometria ambulatorial. A cistomanometria é o exame de referência [16] que permite monitorar as pressões intra-vesicais durante o enchimento contínuo de um fluido (água ou gás). Ela explora a sensibilidade vesical (que pode ser diminuída ou mesmo 204 M. J. Haardt abolida), a contratilidade e a atividade vesical durante as fases de enchimento e de micção. A cistomanometria permite as seguintes classificações: • bexiga normal • bexiga hiperativa, determinada na presença de contrações desinibidas surgindo a partir de 200 ml de enchimento e superiores a 15 cm de água. • bexiga hipoativa, hiporeflexiva, hipoestésica com grande capacidade. A esfincterometria (estudo das pressões uretrais) tem uma importância bem menor na exploração urodinâmica das bexigas diabéticas, mas pode ser útil para detectar uma hipertonia uretral de denervação ou, ao contrário, uma insuficiência esfincteriana, por lesão neurogênica somática associada importante. Seguem vários testes farmacológicos que podem ser realizados segundo o tipo de bexiga : • testes com parassimpatomiméticos diretos como o teste de Urecolina de Lapidès, que uma vez positivo, constitui um argumento suplementar para o caráter neurogênico da bexiga ; • teste com anti-colinérgicos em caso de bexiga hiperativa. As investigações urodinâmicas permitem, então, acrescentar argumentos a favor da etiologia neurogênica nos distúrbios vesico-esfincterianos. As explorações neuro-fisiológicas perineais podem também, trazer uma contribuição a este diagnóstico. A eletromiografia de detecção dos músculos do períneo, permite encontrar um processo neurogênico periférico nos músculos do assoalho perineal (esfíncter estriado, músculos bulbo-cavernosos) ; o aumento da latência do reflexo bulbo-cavernoso reflete a existência de uma lesão no arco reflexo do nervo pudendo interno - metámeros S2, S3, S4; a alteração dos potenciais evocados somestésicos corticais do nervo pudendo é testemunha de lesão das vias lemniscais com ponto de partida no nervo “honteux” (pudendo interno) ; os potenciais evocados motores por estímulo transcortical magnético podem, também, ser alterados. As velocidades de condução sensitivas distais do nervo dorsal do pênis, bem como, o estudo das latências distais dos nervos pudendos podem também contribuir no diagnóstico de uma lesão neurogênica somática sensitiva associada. Enfim, falta avaliar as respostas cutâneas simpáticas perineais na investigação dos distúrbios vesico-esfíncterianos dos diabéticos. A ultrasonografia vesico-renal é muito útil para detectar de maneira não traumática um resíduo pós-miccional e saber do estado da bexiga e do aparelho urinário alto. Diabetes & Metabolism A urografia excretora, a uretro-citoscopia e a uretrocistografia retrógrada com chapas permiccionais, são exames discutidos caso por caso com o urologista em caso de síndroma obstrutiva. Contribuições do diabetologista referente - Uma vez detectados e caracterizados os distúrbios vesico-esfíncterianos do diabético, é importante levá-los em conta pelas seguintes razões : eles podem alterar a qualidade de vida do paciente pelas complicações, exclusivamente “médicas” que eles implicam (bexiga diabética contrátil, hipoativa), favorecendo a retenção crônica, e assim as infecções de repetição que acabam em pielonefrites e septicemias, ou mais raramente, provocam um refluxo e uma dilatação da árvore urinária. A existência de uma disúria, ou a diminuição da sensação da necessidade de urinar, ou ainda, a percepção da sensação de um resíduo pós-miccional, e a existência de infecções urinárias freqüentes (mais de 2 por ano) indicam a realização de uma ultrasonografia vesical à procura de resíduo. Se o resíduo existe, investigações urológicas são indispensáveis. Um dos problemas essenciais dos distúrbios vesico-esfíncterianos dos diabéticos é de fato a existência de fatores associados : o distúrbio miccional é, na maioria das vezes, multi-factorial devido ao aparecimento rápido da hipertrofia benigna da próstata no homem e de distúrbios vesico-esfíncterianos inerentes à gravidez ou à menopausa na mulher. Na presença desta sintomatologia meio confusa, devese indicar os exames seguintes: • no homem, uma investigação urológica complexa • na mulher, uma avaliação ginecológica • investigações urodinâmicas se os exames são negativos ou se existe uma suspeita de bexiga hiperativa (micções urgentes com incontinência e polaciúria) O tratamento dos distúrbios vesico-esfíncterianos Ele depende do tipo de bexiga, cujo mecanismo fisiopatológico tem sido esclarecido pelo exame urodinâmico. As bexigas hipoativas podem se beneficiar de tratamento parassimpáticomimético direto (Urecolina) ou indireto, por exemplo pelo ambenômio cloreto, por um inibidor da colinesterase, ou por um alfa bloqueador. As outras substâncias experimentadas (metoclopramida, por exemplo) não comprovaram a sua eficácia. A bexiga hiperativa conduz a um tratamento parasimpático anticolinérgico pela oxibutinina em monoterapia ou associado aos inibidores cálcicos ou aos antiespasmódicos. Implicações práticas para a educação do paciente Na ausência de melhora da bexiga hipoativa tratada com remédios, e na presença de retenção crônica, a melhor técnica é a das auto-sondagens. Ela permite acabar com o resíduo e assim impede as infecções. Ela deve ser rigorosamente ensinada ao paciente que será também informado da necessidade de pesquisar regularmente uma infecção urinária e do fato que a glicosúria perde totalmente o seu valor de referência. Vol. 01, nº 4, 1997 ■ A NEUROPATIA GENITAL Dados gerais Em torno de 50 % dos homens diabéticos e 30 % das mulheres diabéticas apresentariam distúrbios genitais. A origem destes distúrbios é considerada multifatorial e quando uma origem neurológica pode ser invocada, ela envolve o sistema nervoso autônomo e os nervos somáticos. No plano fisiopatológico, vários fatores podem ser incluídos na impotência do diabético: • fatores psicogênicos : muitas vezes presentes, mas raramente, os únicos em causa ; origem endocriniana, tal como, hipogonadismo e hiperprolactinemia (excepcionais); • origem arterial ; • fuga venosa ; • fatores iatrogênicos ; • etilismo crônico ; • desequilíbrio glicêmico provocando impotência “funcional”, reversível com a volta do equilíbrio glicêmico correto ; • origem neuropática, disautonômica ou somática. Sintomas Na mulher, o inquérito pode revelar a noção de queda das secreções vaginais e de anorgasmia. No homem, pode tratar-se de ejaculação retrógrada percebida pelo próprio paciente ou detectada pela presença de espermatozóide pelo exame das primeiras urinas emitidas após relação sexual e cujo problema essencial é a infecundidade da relação. Trata-se também e sobretudo, de queda das performances sexuais (distúrbios da ereção). A investigação da impotência só deve ser iniciada na presença de uma verdadeira impotência com duração de pelo menos 3 meses, a pedido do paciente e se o equilíbrio do diabetes é satisfatório (hemoglobina A1c < 8%), e depois de ter afastado um fator iatrogênico ou etilismo. Dados do exame clínico Sinais a favor de uma insuficiência gonádica primitiva ou secundária, ou de uma hiperprolactinemia, devem ser eliminados. Uma origem arterial pode ser evocada na presença de sinais clínicos de arteriopatia cujo diagnóstico deve ser confirmado pela prática de doppler ou ecodoppler. A origem disautonômica, pode ser suspeitada, quando os distúrbios de ereção se associam a uma bexiga neurogênica tipo hipoativa ainda que esta associação não seja constante. Novamente o diagnóstico de NAC traz um argumento a mais. A neuropatia somática pode ser considerada em caso de hipotonia muscular perineal. Testes de primeira intenção A primeira etapa na presença de uma verdadeira impotência sexual inclui as seguintes metas : • realizar uma janela terapêutica em relação aos remédios suspeitos, essencialmente anti-H2 e, obviamente, anti-androgênios ; NEUROPATIA AUTÔNOMA NO DIABÉTICO 205 • proibir bebidas alcoólicas ; • melhorar o equilíbrio glicêmico, o que permite as vezes, a regressão dos distúrbios ; • afastar anomalias hormonais pelas dosagens plasmáticas da testosterona, do estradiol, da FSH, da LH e da prolactina : a origem endocriniana da impotência levaria à explorações complementares e à tratamentos específicos acompanhados por endocrinologistas. Depois desta etapa, pode ser prescrito um tratamento simples por via oral alfabloqueador, como a alfuzosina ou a nicergolina (Sermionâ) em várias tomadas cotidianas e uma tomada precoital. O lugar do referente Em caso de fracasso, o paciente pode ser encaminhado para um centro especializado nos distúrbios sexuais do diabético. A partir daí, podem ser adotadas duas estratégias diferentes : A primeira seria multidisciplinar incluindo a participação de diabetólogos, psicólogos, de laboratórios de investigações funcionais neurovasculares tais como : • a pletismografia peniana noturna realizada, no mínimo durante 2 noites consecutivas; • ou ainda a mesma técnica, porém diurna, sob estimulação sexual visual. A presença de ereções normais em número, duração e qualidade permite eliminar qualquer origem orgânica. A contribuição do psicólogo acostumado a lidar com problemas sexuais parece essencial, para assinalar um fator psicogênico e tentar tratá-lo sem omitir uma eventual patologia do casal. Se a impotência parece ter uma origem orgânica ou mista, na primeira instância, devem ser consideradas as seguintes investigações não-invasivas : • investigações neurológicas incluindo : – pesquisa de origem disautonômica (bexiga neurogênica, NAC), – pesquisa de neuropatia genital somática por investigações neuro-fisiológicas perineais (mencionadas no capítulo anterior) completadas por eletromiografia dos corpos cavernosos e pela determinação dos patamares de sensibilidade térmica e vibratória no dorso do pênis [16, 17] ; • investigações arteriais por ecodoppler explorando a circulação aorto-ilíaca e hipogástrica e a medida das velocidades circulatórias das artérias cavernosas. A segunda estratégia seria tentar logo um teste terapêutico como a injeção intra-cavernosa de prostaglandinas PGE1, mioxisilite ou papaverina (cloridrato de papaverina injetável®). Este teste não permite relacionar os distúrbios a uma etiologia precisa e definida, mas constitui um tratamento da impotência por auto-injeções. Este tratamento só poderá ser prescrito dentro de uma estrutura permitindo um apoio psicoterapêutico e uma descompressão urgente dos corpos cavernosos em caso de pria- 206 M. J. Haardt pismo. Levando em conta este último risco, a posologia deve ser aumentada progressivamente e com cautela. Os outros meios terapêuticos : “as bombas do vazio” que provocam um fluxo sangüíneo e uma ereção representam uma alternativa sem riscos às injeções intracavernosas e à prótese peniana cuja indicação é muito limitada no diabético. Diabetes & Metabolism – ou a alteração da dilatação pupilar no escuro, conseqüência de perturbação simpática [18]; – ou então, mais raramente, uma anomalia infra-clínica de origem parasimpática da contração pupilar. Testes diagnósticos Estas alterações seriam também marcadores precoces da neuropatia. Estes achados devem conduzir à pesquisa de sinais clínicos de disautonomia. TRATAMENTO Tratamento da impotência sexual : • se a origem da impotência é neuropática, os agentes vaso-ativos intracavernosos são, muitas vezes, eficazes e a “bomba do vazio” pode ser experimentada antes de se considerar a prótese peniana; • se a origem é, exclusivamente ou predominantemente psicogênica, tratamentos adequados devem ser propostos (psicoterapia, relaxamento ou remédios psicoestimulantes). Um tratamento alfabloqueador via oral constitui, muitas vezes, uma ajuda. Um tratamento vaso-atívo intracavernoso pode ser prescrito como “starter” para diminuir a angústia do fracasso. • se a origem é arterial, os vaso-atívos intracavernosos são as vezes eficazes. As técnicas de revascularização cirúrgicas são reservadas às lesões próximas e distais resistentes às injeções intracavernosas. Em caso de fracasso destas técnicas, a “bomba do vazio” ou a prótese, podem ser discutidas. • a reeducação perineal pelo fisioterapeuta qualificado é indicada em caso de hipotonia perineal. Ela permite reencontrar um funcionamento perineal correto, essencialmente dos músculos bulbo-cavernosos pela recuperação do esquema corporal. A técnica de reeducação usa o eletroestímulo e o “bio-feedback”. As ejaculações retrógradas podem beneficiar-se de tratamento pelo agonista alfa-1 como a midodrina. Na mulher com queixa de secura vaginal e anorgasmia, a aplicação local de cremes com estrogênio pode ser proposta. A reeducação perineal pode também ser indicada. Diagnosticar e tratar os distúrbios sexuais nos diabéticos, continua sendo uma tarefa muito delicada. Vale insistir na necessidade de obter a motivação dos pacientes para obter um equilíbrio glicêmico melhor e considerar não somente o paciente diabético, mas também o casal como um todo. ■ ANOMALIAS DA MOTRICIDADE PUPILAR Sintomas - A lesão autônoma da motricidade pupilar pode induzir uma falta de adaptação à visão no escuro. O exame clínico permite detectar as seguintes anomalias da motricidade pupilar : Explorações complementares especializadas Trata-se de investigações conduzidas por oftalmologistas experientes. A confirmação formal, bem como, a quantificação das anomalias da motricidade pupilar podem ser fornecidas com boa reprodutibilidade por meios complementares como a videopupilografia ou fotografias das pupilas, levando em conta, a idade que modifica as respostas no escuro e no claro. Implicações práticas Mesmo não existindo tratamento específico conhecido, tais distúrbios têm conseqüências práticas. É necessário chamar atenção do paciente em relação ao risco de dirigir automóveis a noite e passear em lugares sombrios. Uma outra conseqüência tem que ser conhecida pelos médicos : a impossibilidade de dilatar a pupila com atropina. ■ ANOMALIAS DO SISTEMA SUDORAL Sintomas As anomalias da sudorese podem existir sob forma de anidrose ou hiperidrose. A anidrose distal atinge preferencialmente, as extremidades dos membros inferiores que ficam ressecadas. Esta perturbação estende-se nos casos severos, à parte inferior do tronco e aos membros superiores. Ela se associa à redução da capacidade termoreguladora e a anomalias vasomotoras. A hiperidrose (compensadora, que dissipa o calor) atinge, preferencialmente, o rosto e o tronco. Ela se traduz por sudorese difusa no início das refeições, durante o exercício físico, ou durante a noite. Ela é, as vezes, desencadeada pela ingestão de certos alimentos (queijos, álcool, vinagre). Exame cínico Estas anomalias da sudorese podem ser detectadas durante o exame clínico. Vale ressaltar o exame dos pés que integra-se no quadro clínico do pé diabético e todas suas conseqüências. Contribuição do referente diabetologista A distinção entre acessos sudorais de origem disautonômicos e hipoglicemias pode ser problemática. Uma internação com medidas glicêmicas noturnas iterativas, sobretudo nos períodos de hipersudorese, pode justificar-se. Vol. 01, nº 4, 1997 Implicações práticas Na presença de anomalias da sudorese, deve-se informar o paciente do risco de hipertermia e do risco potencial de lesão dos pés nos períodos de muito calor. ■ HIPOGLICEMIAS NÃO PERCEBIDAS Sintomas Trata-se de hipoglicemias surgindo sem percepção dos sintomas adrenérgicos (sudorese, palpitações). O patamar glicêmico de respostas encontra-se abaixado, de maneira que os sintomas neurovegetativos surgem depois (e não antes) dos sinais de neuroglicopenia (distúrbios do humor, perda de concentração intelectual e da atenção, distúrbios oculares, formigamento das extremidades, distúrbios da linguagem). Esta dessensibilização não é, ao contrário do que sempre se pensou, secundária a neuropatia autônoma, mesmo se ela encontra-se de maneira freqüente nos diabéticos idosos e quando o diabetes é antigo. Ela parece, sobretudo, induzida pela repetição das próprias hipoglicemias. Ela atinge os diabéticos tipo 1 e distingue-se da neuropatia autônoma clássica pelas seguintes diferenças : • as anomalias de resposta autonômica são evidenciadas no decurso de estímulos diferentes na presença de NAC. Caso contrário, elas são, unicamente, relacionadas a hipoglicemia. • a elevação da adrenalina em resposta à hipoglicemia é, notavelmente, reduzida em caso de dessensibilização. Esta redução é muito mais moderada em caso de NAC; • a neuropatia autônoma não provoca hipoglicemias iatrogênicas excessivas. • esta dessensibilização é reversível após algumas semanas ou meses de redução destas hipoglicemias. Rastreamento dos episódios de hipoglicemias não percebidas O diagnóstico baseia-se no surgimento de hipoglicemias biológicas as vezes severas sem sinais neurovegetativos, mas com sintomas de neuroglicopenia, ou ainda sem nenhum sinal clínico (dessensibilização global). Diagnóstico diferencial A distinção entre hipoglicemias sem percepção dos sintomas adrenergéticos e a ausência destes sintomas relacionada com a NAC baseia-se nos seguintes elementos : • o diagnóstico da NAC com a ajuda das provas apropriadas ; • a reversibilidade das hipoglicemias não percebidas com a supressão do círculo vicioso mantido pelas hipoglicemias iatrógenas iterativas. Contribuição do referente diabetológico O surgimento de hipoglicemias não percebidas, causadas pela dessensibilização da resposta adrenergética deve conduzir a evitar a insulinoterapia intensiva, pelo menos, NEUROPATIA AUTÔNOMA NO DIABÉTICO 207 TABELA 2 - Check up a procura da neuropatia autônoma a realizar anualmente nos pacientes diabéticos. DADOS CLÍNICOS E PARACLÍNICOS BANAIS (a colher de maneira específica) • Pesquisa de hipotensão ortostática • ECG padrão : pesquisa de sinais de cardiopatia isquêmica e de um QT longo • Pesquisa de sintomas digestivos altos e de diarréia crônica • Pesquisa de distúrbios miccionais • Sedimento urinário • Pesquisa de distúrbios da ereção • Pesquisa de secura dos pés • Exame do caderno de auto-vigilância à procura de hipoglicemias não percebidas. Os médicos peritos propõe a realização sistemática de dois exames destinados a evidenciar a disautonomia num estágio precoce. • Pesquisa de neuropatia autônoma cardíaca pela análise de variações de freqüência cardíaca durante dois testes : de respiração profunda e ortostatismo. • Pesquisa de distúrbios da motricidade pupilar de maneira transitória, enquanto esta última não é contra indicada na presença da NAC. Implicações na educação do paciente e de seus familiares O paciente deve ser bem informado sobre o risco hipoglicêmico e a necessidade de uma prática mais estreita da auto-vigilância glicêmica. Um acompanhamento diabetológico também mais estreito com verificação em cada consulta da adequação de seus comportamentos. Deve ser checado o treinamento dos familiares e dos colegas de trabalho no tratamento da hipoglicemia, em particular na injeção de glucagon, considerada indispensável. Os familiares devem estar atentos aos sintomas de alerta da hipoglicemia; eles devem ser informados da urgência de ingestão de açúcar pelo diabético e da freqüência com a qual o próprio diabético nega a hipoglicemia e portanto a importância da glicemia capilar. ■ CONCLUSÃO A lesão do sistema nervoso autônomo induz inúmeras manifestações clínicas que, pela sua diversidade e severidade, alteram de maneira muito importante o conforto de vida e participam no mau prognóstico da doença e no aumento da mortalidade. Por todas estas razões, ressaltamos a necessidade de detectar, precocemente e de pesquisar anualmente a disautonomia pelo inquérito, pelo exame clínico 208 M. J. Haardt e com alguns exames paraclínicos simples. Sinais precoces de disautonomia cardíaca e pupilar merecem ser mais amplamente pesquisados (Tabela 2). ■ PERSPECTIVAS No que diz respeito a neuropatia autônoma no diabético, vários pontos têm que ser esclarecidos : • Qual é o lugar da neuropatia autônoma na história da doença diabética ? • Qual é a significação prognóstica exata das anomalias infraclínicas, e em particular a da NAC detectada pelos exames estandardizados ? • A NAC tem valor de marcador de risco das complicações crônicas do diabetes ? BIBLIOGRAFIA 1 Ziegler D. Diabetic cardiovascular autonomic neuropathy. Prognosis, Diagnosis and Treatment. Diab, Metab, Rev, 1994, 10, 339383. 2 Duchen LW, Anjorin A, Watkins PJ, Mackay JD. Pathology of autonomic neuropathy in diabetes mellitus. Ann Intern Med, 1980, 92, 301-303. 3 The DCCT Research Group. Factors in development of diabetic neuropathy : baseline analysis of neuropathy in the feasibility phase of diabetes control and complications trial (DCCT). 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Diabetes, 1992, 41, 255-260. & Diabetes Metabolism Editorial Potência das insulinas : Leão Zagury 2 Situação dos diabéticos no Brasil : Fadlo Fraige Filho 4 Clínica Médica Qual objetivo de hipertrigliceridemia enquadra-se no tratamento do diabetes não insulino-dependente ? JM Brun 6 Revisão Em busca de genes para curar o diabetes : uma tarefa possível no século 21? : P. Froguel 11 Diabetes insulino-dependente e antígenos leucocitários humanos : C. Boitard, S. Caillat-Zucman, J. Timsit 16 Diabetes mellitus e as complicações tardias - influência dos fatores genéticos : J. Ruiz 25 Artigos Originais Análise genética dos genes transportadores da glicose em famílias diabéticas francesas não insulino dependentes : S. Lesage, H. Zouali, N. Vionnet, A. Philippi, G. Velho, P. Serradas, P. Passa, F. Demenais, P. Froguel 34 Eficácia da pravastatina em doses baixas em pacientes com hiperlipidemia leve associada ao diabetes mellitus tipo 2 : M Krempf, F Berthezene, JL Wemeau, S Moinade, I Desriac, E Amelineau, P Passa 41 Recomendações ALFEDIAM Coronárias e diabetes : Ph Passa, P Drouin, M Issa- Sayegh, A Blasco, C Masquet, J P Monassier, C Paillole 47 AT L  N T I C A FEVEREIRO e d i t o r a 1998 Vol.2 1 & Diabetes Metabolism REVISTA CLÍNICA E BIOLÓGICA ATLÂNTICA MULTIMÍDIA ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO Av. Rio Branco, 156/2101 Rio de Janeiro RJ CEP 20043-900 tel - fax : 021 533 2300 Email : [email protected] PUBLICIDADE Maurício Galvão Anderson tel: 011 9993 6885 Email : [email protected] Lei de Imprensa n° 14.370 Publicação bimestral Assinatura anual: Médicos R$ 110 Instituições R$ 200 © Masson Editeur Paris, editado no Brasil por Atlântica Multimídia, 1998 Tiragem: 6.500 exemplares Diabetes & Metabolism é a publicação oficial da Associação de Língua Francesa para o Estudo do Diabetes e das Doenças Metabólicas (Alfediam) EDIÇÃO FRANCESA Presidente Prof. Gérard Cathelineau (França) ice-presidente Vice-pr esidente Prof. Philippe Vague Secretário geral Prof. Jean-Marcel Brun Secretário adjunto Dra. Claire Lévy-Marchal esoureir eiro Tesour eir o Dr. Jean-Pierre Sauvanet Diabetes & Metabolism, revista fundada em 1975 por Jean Canivet e Pierre Lefebvre, é publicada pela Editora Masson (Paris) Editor-chefe Prof. Pierre Saï (França) Editores-chefe delegados André Scheen (Bélgica), Jean-Frédéric Blicklé (França) Editor executivo James Gray Clínica Médica André Grimaldi (França) Editores Roger Assan, Michel Beylot, Pierre Chatelain, (França), Jean-Louis Chiasson (Canadá), Paul Czernichow (França), Jean-Pierre Felber (Suíça), Henri Gin (França), Giuseppe Paolisso (Itália) EDIÇÃO BRASILEIRA Diretora Executiva Claudiane Benavenuto Editor-Chefe Dr. Jean-Louis Peytavin Diretor Comercial Maurício Galvão Anderson Conselho Científico Adolpho Milech Adriana Costa e Forti Antonio Carlos Lerário Antonio Roberto Chacra Bernardo Leo Wajchenberg Edgar Niclewicz Fadlo Fraige Filho Francisco Bandeira Helena Schmid Jorge Luiz Gross Laércio Franco Leão Zagury Leila Araújo Luiz Cézar Póvoa Maria Marcílio Rabelo Ricardo Meirelles Tradução Dr. Claudio Ortega Dra. Chantal Serero-Corcos Indexado em : BIOSIS (Biological Abstracts) - CABS - Chemical Abstracts - Current Contents : Life Sciences - Excerpta Medica - Medline (Index medicus) - Pascal (INIST/CNRS) - Reserch Alert - Science Citation Index - SCI Search. Diabetes & Metabolism 1998, 2, 2-3 Editor ial Editorial POTÊNCIA DAS INSULINAS LEÃO ZAGURY N ✍ : LEÃO ZAGURY Chefe do serviço de Diabetes do IEDE. Professor-Associado do Curso de Pós-Graduação em Endocrinologia da PUC-RJ IEDE Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia R. Moncorve Filho, 90 Rio de Janeiro, RJ CEP 20211-340 Tel. 021 221 7577 este ano a insulina completa seu septuagésimo-sexto ano de existência. Descoberta em 1921 por Frederick G. Banting e Charles H. Best, no laboratório de McLeod, em Toronto no Canadá, foi usada pela primeira vez no tratamento do Diabetes do homem em 1922. Um corajoso e desesperado pai ofereceu seu filho para experimentar o novo produto. Como prêmio, ganhou a vida do filho, desperdiçada anos mais tarde em um acidente de motocicleta. Sem dúvida, constitui-se um marco da medicina moderna. A partir daí, foram inúmeros os progressos no tratamento insulinico do diabetes. Os avanços se relacionaram com inúmeros aspectos. No que diz respeito ao temporação, visando a melhor adaptar a atividade hipoglicemiante da insulina ao tratamento do Diabetes humano, o hormônio foi alvo de uma série de alterações no seu estado físico e solubilidade. A potência hipoglicemiante, que inicialmente foi definida em bases fisiológicas, com o aprimoramento da técnica de extração e purificação, passou a ser referida em termos ponderais, comparada a uma preparação padrão internacional. Em 1959, os estudos de Berson e Yalow demonstraram que a injeção de insulina induzia a formação de anticorpos anti-insulina. Este achado conduziu a estudos mais amplos da antegenicidade ficando estabelecido que esta não dependia apenas de diferença na estrutura da molécula do hormônio. Observou-se que a própria insulina homóloga podia determinar a formação de anticorpos, demonstrando-se que, em grande parte, dependia de contaminantes protéicos que apresentavam reação imunológica cruzada com a insulina. A partir daí, chegou-se as hoje comuns insulinas altamente purificadas, obtidas através de técnicas de trocas iônticas, praticamente não imunogênicas. Atualmente, após passar pela insulina desalaninizada, que por si só já constituía um grande avanço, utiliza-se amplamente Insulinas Humanas produzidas em escala industrial através da Escherichia coli e já se inicia com sucesso o uso de análogos de insulina. Entretanto, parece-nos que ainda não foi resolvido a nível mundial o que deveria ser um dos grandes objetivos : a uniformização da potência das insulinas comerciais. Este aspecto extremamente importante ainda permanece pouco discutido, embora observemos movimentação a nível internacional no sentido da solução. No Brasil, felizmente, já o temos resolvido. Achamos importante retornar à discussão da questão da potência das insulinas, para poder contribuir. Quando me iniciei no estudo e tratamento do Diabetes, há 28 anos atrás, as insulinas comerciais no Brasil eram encontradas no mercado farmacêutico nas potências U-20, U40 e U-80. Isto significava que cada milímetro correspondia a 20, 40 ou 80 Unidades respectivamente. Estas preparações implicavam em uso e seringas apropriadas, graduadas especificamente para as respectivas pot6encias a, na maioria dos casos, na mesma seringa havia graduação Vol. 02, nº 1, 1998 para 2 dessas pot6encias. Ocorria também grande confusão com as seringas destinadas à aplicação de vacinas e testes tuberculínicos, que eram graduadas na escala decimal, e muitas vezes utilizadas indevidamente para a aplicação de insulina. Isto tornava a vida do diabético e dos médicos muito complicada. Eram muito freqüentes os erros. Mesmos nos hospitais mais conceituados não se podia confiar que o pessoal encarregado realizasse corretamente as prescrições. Por outro lado, a distribuição nas farmácias também era mais difícil e o diabético que usava insulina na potência de U-80, por exemplo, tinha dificuldade de encontrá-la o que muitas vezes o obrigava a utilizar, temporariamente, insulina de outra potência, aumentado consequentemente a possibilidade de erros. Sem dúvida, enfrentávamos uma epidemia de hipoglicemias provocadas pela dificuldade de entendimento do sistema. Em 1987, quando ocupávamos o cargo de primeiro-secretário da SBD, participamos ativamente das negociações para a modificação da padronização para a escala decimal. Hoje somos um dos países que adotou há mais tempo esta padronização. Dada a nossa experiência, bem sucedida, podemos sugerir que esta modificação seja feita a nível nacional em cada país, envolvendo esforços conjuntos do governo, das associações de diabéticos, hospitais, médicos, farmacêuticos, enfermeiros e fabricantes de seringas e de insulina. Enfrentamos dificuldade adicional naquele momento, porque muitos ainda se utilizavam de seringas de vidro e os pacientes e diretores de hospitais e casas de saúde relutavam em trocá-las pelas descartáveis, alegando perdas financeiras. Hoje, este problema não mais seria agravante, porque já se compreendeu a grande vantagem que constitui o uso de seringas descartáveis e também aqui já se aprendeu a minimizar os custos pela reutilização consciente desse material. Existe uma proposta a nível internacional de jogar fora seringas e insulinas em uso, o que também pensamos por POTÊNCIA DAS INSULINAS 3 aqui, na época da nova padronização, já que diminuiria muito a margem de erros, mas foi impossível de realizar, devido a problemas econômicos financeiros que impediram desprezar este material. No nosso país, a implementação dessa mudança nos obrigou a usar tabelas de conversão que, se não impediram os problemas, sem duvido o minimizaram. Acho fundamental desmitificar a idéia, que grassou no Brasil, de que a nova insulina seria mais forte do que as demais, o que dificultou a aceitação dos pacientes. O fato é que, mesmos médicos e alunos de cursos de pós-graduação, tinham dificuldades para entender o sistema. Por outro lado, pacientes brasileiros, que viajam por diferentes países têm bastante problemas com relação ao uso de diferentes potências de insulina. O uso do sistema decimal é, sem sombra de dúvida, extremamente mais fácil e seguro. Acredito que se for utilizado a nível mundial, teremos feito um grande progresso, em prol dos diabéticos. Outro problema enfrentado pela SBD, foi o fato de não dispormos de seringas de pequenas doses, na ocasião em que foi feita a mudança. Hoje já dispomos das seringas de 30 e 50 unidades, o que veio resolver o problema. Na ocasião, foram necessários entendimentos com os fabricantes de seringas e de insulina, para manter, durante certo tempo, a produção tanto de seringas como de insulina U-40, para uso pediátrico. Decorridos tantos anos, percebemos que os resultados foram muito bons e que hoje diminuíram muito os erros de dosagem de insulina. É interessante observar que, muitos profissionais da área até mesmo desconhecem o fato de, há pouco tempo, termos tido essa variedade de potências de insulina. Por tudo isso, considero a iniciativa de padronização em escala decimal a nível mundial extremamente importante e oportuna, devendo ser fortemente apoiada, para que todos venham a se beneficiar. Diabetes & Metabolism 1998, 2, 4-5 Editor ial Editorial SITUAÇÃO DOS DIABÉTICOS NO BRASIL FADLO FRAIGE FILHO A ✍ : FADLO F. FILHO Prof. Titular da disciplina de Endocrinologia na Faculdade de Medicina do ABC. Presidente da ANAD e FEPAD ANAD - Associação Nacional de Assistência ao Diabético R. Eça de Queiroz, 198 São Paulo, SP CEP 04011-031 Tel 011 549 6704 Diabetes é uma doença silenciosa, de instalação lenta e progressiva e de conseqüências irreversíveis. Por ser sorrateira e praticamente assintomática, no tipo 2, permite que o indivíduo a desenvolva durante até 10 anos, sem diagnóstico e sem se aperceber dos pequenos sinais delatores de sua existência no organismo. Infelizmente, em grande parte de casos, o paciente só se dará conta quando as complicações decorrentes já estiverem instaladas, tais como microangiopatias: Retinopatia levando a déficit visual progressivo, sendo hoje a principal causa de cegueira no mundo, bem como nefropatia que se manifesta como hipertensão arterial, podendo progredir para insuficiência renal e sendo necessário os processos de dialises que arrasam a qualidade de vida e complicam muito nos diabéticos. As macroangiopatias, expressão de um processo de arteriosclerose acelerada se manifestará por enfarte de miocardio em fase etária precoce, AVC, ulcerações e gangrenas de membros inferiores, pioradas pela neuropatia que leva a parestesias, fadiga muscular e impotência sexual no homem. Este quadro existe motivado pela falta de conhecimento e de informação da população em geral e dos profissionais de saúde, reconhecida na Declaração das Américas, que informou que o paciente è mal tratado nas Américas. A Diabetes, se diagnosticada precocemente, poderá ser controlada, uma vez que o paciente tenha orientação segura e conhecimentos específicos através da educação continuada. O paciente educado terá condições de manter melhor controle de suas taxas glicemicas, realizando testes de punção digital variando as doses e tipos de insulina ou o seu hipoglicemiante oral, mantendo uma dieta equilibrada e adequada às suas necessidades e estando atento as diferentes variáveis de seu estado. Isto significa interagir diariamente com sua doença. O profissional atualizado e reciclado estará apto a diagnosticar precocemente a diabetes, orientar alimentação e exercício físico, a insulinizar o paciente quando necessário, a combinar medicações orais e ajuda-lo a manter taxas de glicemia estáveis. A educação em massa através de veículos de divulgação informa a população em geral das principais características da doença, bem como os indivíduos que constituem grupo de risco para o aparecimento da doença. Existem diabéticos em todas as camadas sociais no contexto geo-político, sócio - econômico. É uma doença universal, que atinge indistintamente a todos, e no entanto relegada e não valorizada pelas autoridades de saúde e negligenciada pelos próprios portadores. Por esse motivo temos batalhado junto ao Ministério de Saúde, em nome das Associações do Estado de São Paulo que hoje são em número de 48, pressionando para que algumas atitudes sejam tomadas, tais como: Vol. 02, nº 1, 1998 1. Criação de curso de educação preventiva, em nível nacional com apoio das Associações de Diabetes, Sociedades Médicas, SBD, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (o que já ocorre nas Associações de Diabetes). 2. Estabelecer também em nível nacional, Campanha de Detecção de Diabetes através de glicemia capilar, no dia Nacional do Diabetes. 3. Isentar de taxa de importação, aparelhos, glicosímetros, componentes, tiras reagentes e demais medicamentos e produtos necessários para os diabéticos. 4. Padronização da Insulina Humana na compra pelo Ministério de Saúde, para distribuição no país, tendo em vista ser mais pura, oferecer menos riscos de resistência insulínica e reações imunogênicas oferecer uma gama de insulina mais abrangente para que cada paciente possa adequar o uso, e apresentar preços compatíveis com insulina animal (em grandes concorrências) e todos os laboratórios no Brasil que fabricam e ou comercializam insulina, têm a Insulina humana para fornecer. 5. Epidemiologia - Estatísticas de Diabetes Informatização de dados do paciente diabético, já que não temos no Brasil dados sobre número de hospitalizações, conveniadas e privadas com os respectivos diagnósticos e custos. Que os atestados de óbito sejam corretamente preenchidos, anotando-se quando o Diabetes for causa secundária da morte, uma vez que atualmente encontra-se sub notificado o óbito por Diabetes. Sugerimos ao Ministério da Previdência Social uma conduta dando preferencia ao código diagnostico (C.I.D.) de Diabetes nas várias manifestações e complicações secundárias. Assim poderemos aquilatar a incidência da doença nos auxílios - doenças SITUAÇÃO DOS DIABÉTICOS NO BRASIL 5 temporários, invalidez e aposentadoria, com relativa facilidade visto que a previdência já está em processo de informatização desses dados. 6. Os diabéticos são excluídos na maioria dos Seguro Saúde, pois a Diabetes é considerada doença crônica e como enfermidade “pre-existente”. Mesmo com a nova reforma ficam novamente discriminados visto que mesmo após dois anos de contribuição serão excluídos, se o seguro provar ser doença pre-existente. Não se criaram condições de segurar mas de adaptar por exceções. No Brasil presumivelmente são entre 8 a 10 milhões de diabéticos e a metade desconhece sua condição permitindo a instalação das complicações tardias, decorrentes do descontrole, o que para o país é muito caro, já que leva à faltas ao trabalho, baixa produtividade, internações freqüentes hemodiálise, incapacitação para o trabalho, licenças, afastamentos e aposentadoria e mortes precoces. Tudo isso poderia ser minimizado se houvesse uma política de saúde para a Diabetes, se o poder público atuasse em prevenção educação, a exemplo do que fazem as Associações de Diabetes, como a ANAD - Associação Nacional de Assistência ao Diabético, que mantem continuadamente multiprofissionais treinados e capacitados para oferecer, orientação, acompanhamento e educação ao paciente diabético e a seus familiares, bem como campanhas de detecção gratuitas à população de São Paulo. A partir do momento que tivermos uma população verdadeiramente diagnosticada, informada e continuamente educada a Diabetes deixará de ser um pesadelo, um caminho sem volta para ser algo de fácil convivência e perfeitamente controlável, onde o paciente levará uma vida normal e com qualidade. Diabetes & Metabolism 1998, 2, 6-11 Clínica médica QUAL OBJETIVO DE HIPERTRIGLICERIDEMIA ENQUADRA-SE NO TRATAMENTO DO DIABETES NÃO INSULINO-DEPENDENTE ? J.M. BRUN O diabetes mellitus representa um fator de risco cardiovascular independente e a macroangiopatia é responsável por 75% da mortalidade na população diabética. A gravidade, a precocidade e a freqüência das complicações cardiovasculares, em particular coronarianas, são nitidamente aumentadas até na mulher antes do período da menopausa. Numerosos fatores como hipertensão arterial, obesidade abdominal, hiperglicemia, e, a existência de uma nefropatia logo no estágio da micro-albuminúria, predispõem os diabéticos à aterosclerose. Contudo, a dislipidemia é um dos elementos mais importantes, já que todos os fatores precedentes têm interações com o metabolismo das proteínas. A hiperlipidemia familial pode encontrar-se também no diabético, porém a hiperglicemia, a resistência à insulina ou uma susceptibilidade genética, podem igualmente induzir anomalias quantitativas ou qualitativas mais específicas das lipoproteínas. Por conseqüência, o controle das anomalias lipoprotéicas plasmáticas no diabético, é um dos objetivos terapêuticos primordiais na prevenção das complicações cardiovasculares deste. ■ HIPERTRIGLICERIDEMIA : ANOMALIA LIPÍDICA PRINCIPAL NO DIABÉTICO [17] No diabético insulinodependente, a hipertrigliceridemia surge durante os períodos de desequilíbrio. A insulina é indispensável à ação da lipoproteína lipase ; isto posto, uma carência profunda em insulina tal como observada na acido-cetose, acompanha-se de uma hipertrigliceridemia com ✍ : J.M. Brun, Service d’endocrinologie, Hôpital du Bocage Sud, BP 1542, 21034 Dijon Cedex. Tél. : 04 80 29 34 53. Fax : 04 80 29 35 19. eventual hiperquilomicronemia. Esta última regride rapidamente e completamente com insulinoterapia adaptada. No decorrer do DID desequilibrado, o aumento da produção dos VLDL parece ter um papel mais importante do que a diminuição do seu própio catabolismo. Nos pacientes DID bem equilibrados, os triglicerídeos são de modo geral mais baixos do que o normal devido ao hiperinsulinismo iatrogênico que diminui a secreção de VLDL e aumenta a ação da lipoproteína- lipase. No diabético não-insulinodependente, a hipertrigliceridemia é extremamente freqüente e existe muitas vezes, logo no estágio da intolerância à glicose. Ela corresponde não somente ao aumento da produção dos VLDL, mas também ao aumento das lipoproteínas de densidade intermediária (IDL). Os VLDL dos pacientes diabéticos são de tamanho grande, enriquecidos em triglicerídeos e em apo E. Durante o seu catabolismo, estes VLDL são preferencialmente transformados em lipoproteínas de densidade intermediária (IDL). A resistência à insulina dos adipócitos é responsável pelo fluxo de ácidos graxos livres em direção ao figado. Na presença de glicose e de insulina, estes ácidos graxos favorecem a síntese e a secreção de VLDL. Para a maioria dos diabéticos não insulinodependentes, as capacidades catabólicas dos VLDL são diminuídas. Isto pode corresponder à anomalia da proteína lipase, ou à má interação com os VLDL devido às anomalias de composição destas. O enriquecimento dos triglicerídeos em VLDL, impedindo a ação das lipases, tem um papel provável na presença de IDL. A glicação da apo E pode inibir seu reconhecimento pelo seu receptor específico. O metabolismo pós-prandial das lipoproteínas ricas em triglicerídeos não se desenrola de maneira normal no diabetes mellitus, e a intensidade das perturbações parece ligada à concentração dos triglicerídeos em jejum [22]. Após uma refeição existe um aumento prolongado e importante dos triglicerídeos. Esta hipertrigliceridemia pós-prandial está não Vol. 02, nº 1, 1998 somente relacionada ao aumento dos quilomic rons e de seus metabólitos, mas também ao aumento da produção dos VLDL endógenos provavelmente induzida pelo aumento dos ácidos graxos circulantes. Esta produção exagerada de quilomicrons e de VLDL no período pós-prandial provoca fenômenos de competição para a ação da lipoproteína lipase, e, por conseqüência, a diminuição do catabolismo dos VLDL, já alterado pelas suas anomalias quantitativas. A prevalência das anomalias quantitativas das lipoproteínas no diabético não insulinodependente é muito importante com foi demonstrado numa pesquisa incluindo 1017 pacientes DNID, realizada em 1990-1991 [8]. Segundo os critérios da European Atherosclerosis Society, a prevalência da hipertrigliceridemia exclusiva era de 9,4%, e a hipertrigliceridemia no quadro de uma hiperlipidemia mista era de 51,6%, enquanto a da hipercolesterolemia exclusiva era de 36,8%. Estes números demonstram com evidência que a dislipidemia faz realmente parte integrante da doença. ■ HIPERTRIGLICERIDEMIA : FATOR DE RISCO VASCULAR NO DIABÉTICO Existe hoje um consenso internacional para estabelecer relações sólidas entre hipertrigliceridemia e doença cardiovascular [5, 6, 10, 21, 28]. Entre outras coisas, o estudo de Framingham individualizou um subgrupo com alto risco coronariano associando hipertrigliceridemia e taxa de HDL colesterol baixa [11]. De fato, a diminuição do HDL colesterol acompanha a maioria das hipertrigliceridemias. A hipertrigliceridemia provoca, além do mais, modificações aterógenas da estrútura dos LDL. Mesmo que as relações entre triglicerídeos e doenças cardiovasculares não estejam tão fortes como as que existem com o LDL colesterol, a relação entre risco vascular e hipertrigliceridemia foi bem admitida em 1991 por um grupo de peritos internacionais [21, 28]. A hipertrigliceridemia é, em todos os estudos epidemiológicos, um fator importante de risco em análise univariada. Esta relação persiste em todos os estudos quando o nível do colesterol é levado em conta. Ao contrário, desaparece na maioria das vezes, quando muitos outros fatores associados são levados em conta (glicemia, HDL, pressão arterial, peso, etc). Em análise multivariada, para a população geral, o papel dos triglicerídeos como fator de risco não aparece mais. A dificuldade dos estudos epidemiológicos em matéria de triglicerídeos explica este resultado. A trigliceridemia é, de fato, um parâmetro pouco estável, cuja distribuição não é normal. A dosagem de triglicerídeos é tecnicamente menos fiável do que a do colesterol, e, aproximadamente três vezes mais variável de um instante para o outro no decorrer do nictêmero, e de um dia para o outro. Alem do mais numerosos estudos epidemiológicos não foram realizados em jejum. Para finalizar, estes estudos reuniram patologias heterogêneas nas quais as hipertrigliceridemias são na maioria das vezes associadas a outros fatores de risco. A hipertrigliceridemia revela-se um fator mais ou menos importante dependendo da patologia e da população HIPERTRIGLICERIDEMIA E O DIABETES 7 considerada. Portanto, os triglicerídeos aparecem muitas vezes, em análise multivariada, como fator de risco na mulher. O risco é sempre mais elevado nos subgrupos cujo nível de HDL colesterol é baixo (<40 mg/dl). Em alguns estudos sobre diabéticos, a hipertrigliceridemia parece na maioria das vezes como o primeiro fator de risco vascular, porém, as taxas de triglicerídeos não sendo ajustadas às do HDL colesterol, torna-se difícil concluir sobre a existência de uma relação independente entre trigliceridemia e risco vascular [14, 15, 18, 20, 24, 25, 29]. Para a população geral, os dados mais recentes a respeito, são os do último relatório da meta-análise de M. Austin, que reúne 17 estudos prospectivos com 46.400 homens e 10.864 mulheres com acompanhamento de 8 anos [4]. Estes dados permitem afirmar que a hipertrigliceridemia é fator de risco cardiovascular. Em análise multivariada, qualquer elevação de 1mmol/l (0,87g/l) dos triglicerídeos aumenta o risco coronariano de 32% no homen e de 76% na mulher. Após ajustamento no conjunto dos parâmetros, inclusive o HDL colesterol, os triglicerídeos continuam sendo fator de risco independente, qualquer elevação de 1mmol/l aumentando o risco coronariano de 14% no homen e de 37% na mulher. Estes resultados coincidem com as conclusões do estudo de Framingham [11], no qual os sujeitos que fazem com mais freqüência um infarto do miocárdio são aqueles que têm hipertrigliceridemia com diminuição do HDL colesterol. Os resultados do estudo do PROCAM (Prospective Cardiovascular Munster Study) no qual foram acompanhados 4849 homens durante 8 anos, também confirma que os triglicerídeos representam um fator de risco coronariano independente [2, 3]. Com taxa de colesterol total, LDL e HDL colesterol equivalentes, os indivíduos tendo uma taxa de triglicerídeos superior a 2g/l têm um risco coronariano aumentado de 50% em relação aos que têm uma taxa inferior a 1,50g/l. Por fim, nos estudos de regressão da aterosclerose (CLAS e MARS por exemplo), os pacientes que têm a taxa de triglicerídeos mais elevada agravam mais suas lesões de aterosclerose coronariana. ■ POR QUAIS MECANISMOS A HIPERTRIGLICERIDEMIA É RESPONSÁVEL DO AUMENTO DO RISCO VASCULAR ? A hipertrigliceridemia tem várias conseqüências que podem ser diretamente implicadas na fisiopatologia da aterosclerose: A diminuição do HDL-colesterol - Existe uma relação inversa entre taxa sangüínea de HDL e trigliceridemia. Os HDL dos pacientes hipertrigliceridémicos são essencialmente HDL3 enriquecidos em triglicerídeos e em proteínas. Eles têm tamanho menor e densidade aumentada. É provavelmente através desta relação invertida com o HDL-colesterol que os triglicerídeos têm o seu principal papel na aterosclerose [2]. Modificações qualitativas dos LDL - Existe uma relação 8 J M Brun negativa muito significativa entre a trigliceridemia e o tamanho dos LDL [19]. Nos diabéticos não insulinodependentes e hipertrigliceridémicos, a secreção dos VLDL de tamanho grande, ricos em triglicerídeos, é aumentada. Os LDL são produzidos a partir destas partículas por processos de delipidação. Os produtos desta transformação são partículas pequenas e densas, com catabolismo retardado, mal reconhecidas pelos seus receptores fisiológicos. Seu tempo de vida no plasma é prolongado, tornando-as mais sensíveis ao fenômeno de glicação e oxidação. Suas propriedades fortemente aterógenas são agora bem reconhecidas. Distúrbios da hemóstase - Alguns dados clínicos são a favor do papel patógeno dos triglicerídeos sobre a hemóstase, tanto a nível venoso quanto arterial. Existe uma relação entre triglicerídeos e alteração dos parâmetros da hemóstase (aumento do fator VII e alteração da fibrinólise). Existe correlação entre taxas de triglicerídeos e as do PAI1 [7]. Associação com outros fatores de risco - A hipertrigliceridemia caracteriza-se pelo fato que a anomalia metabólica é, na maioria das vezes, associada ou agravada por outros fatores de risco, situando-se assim no cruzamento de várias patologias. Isto significa que o papel preciso da hipertrigliceridemia é mais difícil de ser evidenciado, mas também e sobretudo que o paciente hipertrigliceridémico é na maioria das vezes um paciente com alto risco vascular. A hipertensão arterial é mais freqüente quando existe uma hiperlipidemia de tipo IIb ou IV. Esta associação é parcialmente explicada pela maior freqüência da obesidade. A sedentariedade associa-se geralmente a uma taxa de triglicerídeos mais elevada e a uma taxa de HDL -colesterol mais baixa. O tabagismo é independentemente associado a uma taxa de LDL-colesterol e de triglicerídeos mais elevada, e a uma taxa de HDL mais baixa[28]. ■ DIAGNÓSTICO DE HIPERTRIGLICERIDEMIA NO DIABÉTICO O diagnostico de hipertrigliceridemia é fácil : baseia-se sobre a descoberta de uma trigliceridemia em jejum superior a 1,50g/l (1,71 mmol/l). Se as taxas de colesterol flutuam pouco, em torno de 0,18g/l de um dia para o outro, as variações da trigliceridemia são três vezes mais importantes. Estas variações são muito mais acentuadas nos pacientes hipertrigliceridémicos, mesmo com dieta estável, e mais ainda nos diabéticos hipertrigliceridémicos, em desequilíbrio glicêmico. Parece então essencial repetir as dosagens duas ou três vezes em quatro semanas, antes de admitir a realidade da hipertrigliceridemia secundária ou associada. A definição do distúrbio lipídico necessita no mínimo a dosagem em jejum do colesterol total, dos triglicerídeos e do HDL -colesterol por técnica de precipitação. A observação do soro é essencial. Toda hipertrigliceridemia provoca opalescência ou lactescência deste. No caso em que constate-se um soro normal com uma taxa de triglicerídeos elevada, deve ser evocado o diagnóstico diferencial de hiper- Diabetes & Metabolism glicerolemia. A observação do soro após 24 horas a 4 °C, pode mostrar a presença de quilomicrons sobrenadando na superfície do tubo, quer de uma excepcional hipertrigliceridemia exógena tipo I, quer com mais freqüência no diabético, no quadro de uma hipertrigliceridemia mista tipo V. Esta observação é muitas vezes transitória, no decorrer de um diabetes muito desequilibrado, em estado de insulinopenia absoluta ou relativa. As investigações devem ser feitas durante um período metabólico estável, a distância de uma afecção aguda, da gravidez, ou de um acidente vascular (este último podendo “normalizar” momentaneamente as explorações lipídicas). Os exames devem ser realizados após a 12a hora de jejum, fora casos bem particulares (como provas de sensibilização com dosagens nas 8a e 12a horas, seguindo uma carga estandardizada). Surgem então três perguntas principais no que diz respeito à interpretação dos resultados : - Trata-se de uma emergência ? - Trata-se de um aumento isolado dos VLDL (tipo IV na classificação de Frederikson) ou associado a um aumento dos LDL (tipo II) ? - Existe, além do diabetes, outra causa possível, em particular medicamentosa, justificando esta hipertrigliceridemia ? A urgência terapêutica é ligada à existência de hipertrigliceridemia superior a 15g/l, sobretudo se existe dores abdominais (o risco maior sendo a pancreatite aguda). Esta situação não é excepcional no diabético em desequilíbrio glicêmico, e responde rapidamente à insulinoterapia. Na quase totalidade dos casos, a presença de hipertrigliceridemia é testemunha de excesso de VLDL. Este aumento pode ser isolado e define a hipertrigliceridemia de fenótipo biológico IV. Esta hipertrigliceridemia exclusiva, endógena, quando é moderada (inferior a 4g/l), pode ser apenas secundária ao diabetes e ser corrigida por simples medidas dietéticas e pela melhora do equilíbrio glicêmico. No entanto, na maioria das vezes, a hipertrigliceridemia não será totalmente corrigida pelas medidas citadas anteriormente, seja pela insuficiência dos resultados obtidos em matéria de equilíbrio glicêmico, ou seja porque esta corresponda de fato a um distúrbio do metabolismo dos triglicerídeos apenas associado ao diabetes. Nesta última eventualidade, as taxas de triglicerídeos são muitas vezes inicialmente mais elevadas (superiores a 4g/l), e antecedentes de hiperlipidemia (hiperlipidemia de tipo IV ou hiperlipidemias familiares combinadas) são encontrados em parentes diabéticos ou não. Neste caso, o equilíbrio glicêmico não é, em geral, o suficiente para normalizar as taxas de triglicerídeos. Enfim, a hipertrigliceridemia pode ser associada a um aumento dos LDL e enquadra-se numa hiperlipidemia de fenótipo biológico tipo IIb. Este tipo de hiperlipidemia é, com mais freqüência, uma anomalia lipídica associada ao diabetes do que um efeito secundário deste, com presença de anomalias similares na família, muitas vezes no quadro de hiperlipidemia familial combinada. Neste caso, as medidas dietéticas e o novo equilíbrio glicêmico não são elementos suficientes para normalizar as constantes lipídicas. Vol. 02, nº 1, 1998 Para finalizar, a hipertrigliceridemia do diabetes pode ser secundária ou agravada por outros fatores que deveriam ser levados em conta na terapêutica - abuso do álcool, insuficiênça renal, hipotireoidismo, certos remédios tais como contraceptivos orais, estrogênios, betabloqueadores, retinóides, corticóides, e diuréticos tiazídicos. ■ QUAL OBJETIVO DE TRIGLICERIDEMIA DEVE SER FIXADO NO DIABÉTICO NÃO INSULINODEPENDENTE ? Os resultados dos estudos prospectivos de intervenção em grande escala, avaliando a morbidade e a mortalidade cardiovasculares, e tendo como objetivo a taxa de triglicerídeos, não ajudam a argumentar a resposta desta pergunta importante. Estamos esperando com grande interesse os resultados dos estudos prospectivos DAIS e FIELD recentemente iniciados, que demonstrarão o interesse de tratar a dislipidemia do diabético. No momento, pode-se propor objetivos terapêuticos usando argumentos fisiopatológicos, da mesma forma que já foi feito a respeito do colesterol, antes dos resultados também recentes dos grandes estudos de intervenção. Estas atitudes terapêuticas encontraram posteriormente as suas justificativas. Quais são os hábitos de tratamento, no momento, na França ? Um inquérito realizado em 1994 pelo Quotidien du medecin e pelos Laboratórios Pierre Fabre entrevistando sobre este tema cerca de 900 clínicos gerais e 200 cardiologistas, mostrou uma atitude muito similar dentro das duas especialidades. Em torno de 32% dos médicos pensam que tem que corrigir a hipertrigliceridemia quando superior a 1,50g/l ; este número aumenta até 45% quando a hipertrigliceridemia é superior a 2g/l, e cai para 15% quando superior a 2,50g/l. A metade dos médicos levam em conta a hipertrigliceridemia quando existem fatores de risco associados, para fixar-se um objetivo terapêutico. Um tratamento medicamentoso é muitas vezes usado em dois tipos de doentes, o coronariopata e o diabético. De cada quatro coronariopatas três recebem a prescrição de um hipolipemiante ; nos pacientes diabéticos a proporção é de dois sobre três. HIPERTRIGLICERIDEMIA E O DIABETES 9 2,3mmol/l (2g/l) [1, 21]. Este valor já é admitido há vários anos por outros consensos, e em particular pelo consenso europeu [23] ; • Na França, as recomendações da ANDEM para a prescrição de hipolipemiantes determinam que a hipertrigliceridemia não constitui, quando isolada, um fator independente de risco coronariano, porém reconhecem um lugar especial à hipertrigliceridemia no obeso, no diabético, ou quando o HDL- colesterol é baixo. Na população geral, a ANDEM dá conselhos higiêno-dietéticos quando a trigliceridemia encontra-se entre 2g/l e 4g/l e “prescrições dietéticas específicas” acima de 4g/l. Para a população diabética, a hipertrigliceridemia é bem estabelecida como fator de risco, mas nenhum valor foi proposto até hoje ; • Se faltam dados epidemiológicos, argumentos fisiopatológicos podem todavia ser colocados. Está, hoje em dia, perfeitamente estabelecido que, assim que a taxa de triglicerídeos ultrapassar 1,50g/l : - O valor do HDL-colesterol (HDL 2 colesterol, verdadeira fração anti-aterogênica), diminui significativamente. Entretanto, uma taxa de HDL-colesterol inferior a 0,35g/l é fator de risco cardiovascular independente [26] ; - Os LDL se modificam, são muitas vezes de tamanho pequeno, densos, oxidáveis, e aterógenos [19] ; - As anomalias da hemóstase, tais como o aumento do ativador do plasminogênio (PAII), são freqüentes. Usando estes argumentos, o ARCOL recomenda considerar a taxa de 1,50g/l como valor limite superior da taxa normal de triglicerídeos; • Em 1995 a ALFEDIAM, nas suas recomendações, no que se refere às dislipidemias do diabético, fixa um objetivo terapêutico de trigliceridemia de 2g/l para os diabéticos que não têm outros fatores de risco e nenhum sintoma de macroangiopatia. O objetivo determinado é de 1,50g/l quando o diabético tem pelo menos um outro fator de risco do que o próprio diabetes ou então na prevenção segundária [9]. Estes números foram adotados por M.R. Taskinen [26]. Estes valores são aqueles que podem ser, hoje em dia, recomendados, podendo contudo ser modificados no sentido de uma diminuição nos próximos anos, pois parece que as anomalias dos LDL e a modificação da distribuição dos HDL surgem assim que a taxa de triglicerídeos ultrapasse 1,30g/l. De um lado, deve-se esperar os resultados dos estudos prospectivos para rever estes valores. De outro lado, a modulação dos valores propostos deveria, além disso , levar em conta as taxas de HDL-colesterol. Na prática, qual é o valor equivalente ao patamar de intervenção terapêutica e/ou qual objetivo deve-se aconselhar no diabético, no que se refere a taxa de triglicerídeos ? ■ COMO, NA PRÁTICA, OBTER O OBJETIVO DE TRIGLICERIDEMIA DESEJADO ? Os números dados pelos diferentes consensos no decorrer destes últimos anos coincidem progressivamente ; • Durante muito tempo, a conduta americana apontou como centro de interesse, as taxas de colesterol, e considerava as taxas de triglicerídeos entre 2g/l e 5g/l como “limites” e fazia intervir a ação terapêutica somente acima de 5g/l. O último consenso americano recomenda de agora em diante um objetivo de triglicerídeos na população geral de A intervenção terapêutica começará sempre pelo reforço das medidas dietéticas insistindo particularmente sobre os glicídeos com índice glicêmico elevado e sobre o álcool. No diabético não insulinodependente, obeso, o emagrecimento é o meio mais eficaz para reduzir a trigliceridemia. O melhor controle possível deve ser obtido antes de se decidir por uma intervenção terapêutica. O exame lipídico 10 J M Brun será então realizado e repetido após otimização do equilíbrio glicêmico. O tipo de tratamento antidiabético usado depende do tipo de diabetes e dos resultados glicêmicos obtidos (antidiabéticos orais ou insulinoterapia). Até hoje, não chegou-se a discutir a indicação de insulinoterapia no diabético não insulinodependente com hipertrigliceridemia importante, mesmo se neste caso, a insulina possa melhorar a situação, na medida em que o paciente não engorde. Quando as medidas dietéticas e a otimização glicêmica não permitem atingir objetivos de hipertrigliceridemia anteriormente definidos, o uso de um hipolipemiante é justificado. Quando a hipertrigliceridemia é isolada, os fibratos são melhor indicados. Quando a hipertrigliceridemia enquadra-se numa hiperlipidemia mista, o uso de fibratos em primeira instância é lógico ; se o resultado é insuficiente, uma estatina pode então ser experimentada, porém sua ação sobre os triglicerídeos é muito menos eficaz do que sobre o colesterol e é muito variável. Nenhum estudo comparativo entre as duas classes de hipolipemiantes permite propor uma escolha motivada. O problema é o mesmo no que se refere aos óleos de peixe que permitem a maioria das vezes baixar a trigliceridemia, e cujo benefício global ainda não foi comprovado. BIBLIOGRAFIA 1 American Diabetes Association. Detection and management of lipid disorders in diabetes. Diabetes care, 1996, 19, 96-102. 2 Assman G, Schulte H. Relation of high-density lipoprotein cholesterol and triglyceride to incidence of atherosclerotic coronary artery disease (the PROCAM experience). Am J Cardiol, 1992, 70, 733-737. 3 Assmann G, Schulte H. 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Estudos sobre genes candidatos e sobre genes mapeados em modelos animais de DMID e DMNID, bem como a avaliação do genoma de famílias diabéticas em diferentes populações, deveriam permitir a identificação da maioria dos genes de susceptibilidade e os alvos moleculares para novos medicamentos potenciais. A busca dos genes do diabetes contribuirá para o desenvolvimento de abordagens previsíveis e das terapêuticas inovadoras do próximo século. Diabetes & Metabolism, 1998, 2, 11-15 Unitermos : diabetes, genes. ✍ : P. Froguel, Institut Pasteur de Lille, 1, rue Calmette, 59019 Lille, France. Tel.: (330 (0) 3 20-87-79-54. Fax : (33) (0) 320-87-72-29. Email : [email protected]. SUMMARY Both insulin-dependent (IDDM) and non-insulin-dependent diabetes mellitus (NIDDM) are clinically and genetically heterogeneous disorders. Recent advances in molecular genetics have led to the recognition of genes involved in IDDM and in some subtypes of NIDDM, including maturity-onset diabetes of the young (MODY). Despite these successes, several IDDM susceptibility genes have not yet been identified, and very little is known about genes contributing to common forms of NIDDM. Studies of candidate genes and of genes mapped in animal models of IDDM or NIDDM, as well as whole genome scanning of diabetic families from different populations, should allow the identification of most diabetes susceptibility genes and of the molecular targets for new potential drugs. Tracking down diabetes genes will thus contribute to the development of novel predictive and therapeutic approaches for the coming century. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, sup 2, 8-13 Keywords : diabetes, genes. Department of Human Genetics, CNRS EP 10, Institut Pasteur de Lille and CHU de Lille. 12 P Froguel ■ DA HIPERGLICEMIA A NOVOS TRATAMENTOS: A CONEXÃO GENÉTICA Diabetes & Metabolism O diabetes mellitus afeta cerca de 4 % da população européia (7 % nos Estados Unidos) e uma pessoa em cada dez tem probabilidade de desenvolver a doença no próximo século. O diabetes mellitus Tipo 1 e Tipo 2 são doenças multifatoriais, isto é, a interação de fatores genéticos e ambientais favorece seu desenvolvimento. Heterogeneidades clínica e genética são extremas em ambos os tipos de diabetes, e o mecanismo que leva à hiperglicemia e suas complicações permanece amplamente desconhecido. Conseqüentemente, os tratamentos usuais, com freqüência, deixam de induzir controle adequado da glicose para evitar complicações vasculares. Atualmente, aceita-se que a identificação dos genes da susceptibilidade ao diabetes não apenas permitirá uma melhor compreensão da patofisiologia envolvida, como também levará a um maior progresso na prevenção do diabetes e na prestação de melhores cuidados aos pacientes. Além disso, no diabetes Tipo 2, o mapeamento dos genes predisponentes ajudará a conseguir uma redefinição nosológica da condição, primeiro passo para identificar alvos para novas e pequenas moléculas no tratamento [1]. Assim, o investimento em estudos genéticos provavelmente será o preço a ser pago para desenvolver novas abordagens prognósticas e terapêuticas. a 500 pares de irmãos, é necessária para que se tenha boa possibilidade de encontrar loci ligados à doença poligênica (embora 800 pares de irmãos possam ser necessários para confirmar a ligação [5]). Portanto, a genotipagem é a fase limitante da taxa na pesquisa dos genes da susceptibilidade ao diabetes. O desenvolvimento de uma tecnologia automatizada, baseada na fluorescência, para determinar os tamanhos dos fragmentos do DNA, tornou possível tipar marcadores microssatélites com maior perfeição e mais confiabilidade [6]. Esta nova tecnologia provou ser eficiente, pela primeira vez, no mapeamento dos loci do DMID [7]. A localização cromossômica das regiões de susceptibilidade ao diabetes é a primeira fase na identificação de genes mórbidos. A genotipagem de mais famílias e a análise de mais marcadores polimórficos estreitamente ligados ajudará a diminuir o intervalo genético. Várias estratégias podem então ser combinadas para isolar um gene de interesse. É digno de nota que a “abordagem candidata posicional”, proposta em 1995 por Francis Collins, diretor do American Human Genome Project, é agora uma realidade: 16.000 localizações físicas de genes foram publicadas até este momento, e 50.000 devem ser durante o próximo ano. Antes do fim deste século, a maioria dos genes humanos deverá estar nos mapas do genoma humano. Assim, progresso no Human Genome Project (seqüenciando todo o genoma humano) também tornará mais eficazes os esforços de clonagem para os genes do diabetes. ■ GENÉTICA REVERSA: UM INSTRUMENTO PARA ELUCIDAR CARACTERES COMPLEXOS ■ GENÔMICA FUNCIONAL PARA IDENTIFICAÇÃO DE ALVOS EM NOVOS LEADS O objetivo da genética reversa é identificar genes patológicos sem que se tenha qualquer idéia quanto à natureza e função dos genes. Na verdade, estratégias de clonagem posicional pretendem identificar os genes tomando por base sua localização cromossômica, determinada pelas análises dos marcadores do DNA em famílias com múltiplos indivíduos afetados. O mapeamento de exclusão é uma abordagem genética comum para os caracteres monogênicos. Em princípio, consiste de genotipar gradualmente todo o genoma com marcadores polimórficos anônimos, excluindo assim regiões cromossômicas sem ligação com a doença, e identificando aquelas a ela ligadas. No DMNID de início precoce, o mapeamento de exclusão nos levou a mapear e finalmente clonar o cromossomo 12q do gene MODY3 [2, 3]. Esta abordagem aleatória é um novo desafio para a genética das doenças multifatoriais. Para superar as dificuldades devidas ao alto grau de heterogeneidade de tais doenças, grandes recursos familiares e um mapa de alta densidade de marcadores altamente polimórficos são essenciais. Bancos de DNA de centenas de famílias com DMNID e DMID foram criados em vários países nos últimos anos. Um mapa confiável de 5.000 marcadores microssatélites (principalmente repetições CA polimórficas) está agora disponível para estudos genéticos, principalmente devido aos esforços de uma equipe francesa liderada por Jean Weissenbach em Genethon [4]. Ênfase deve ser dada ao fato de que a genotipagem de 300 a 600 marcadores (separados por intervalos de 10 a 2 cM), em 300 Entretanto, a identificação dos genes é apenas uma primeira fase para produzir novos medicamentos. Genes de doenças, identificados por essas técnicas, serão avaliados através de inúmeras abordagens funcionais (estudos de expressão de mutantes, transgênicos, etc.) a fim de elucidar sua função (se anteriormente desconhecida) assim como compreender sua contribuição para o processo patológico, e assim facilitar a seleção dos alvos mais promissores para descobrir medicamentos. A investigação clínica em indivíduos que portam mutações do gene alvo aumentarão a precisão da caracterização clínica e metabólica e a subtipagem das formas de diabetes ligadas a este gene, e fornecerão informações inestimáveis sobre a interação entre este gene e fatores ambientais no desenvolvimento da doença. Finalmente, tais estudos não apenas determinarão os alvos para um composto lead potencial, como também fornecerão dados valiosos sobre o número de pacientes que se beneficiam com o novo medicamento. ■ A PRINCIPAL REGIÃO COMPLEXA DO GENE DA HISTOCOMPATIBILIDADE E A NOVA GERAÇÃO DE GENES DO DMID Embora estudos genéticos sobre outros caracteres complexos como a obesidade tenham apenas começado nos seres humanos, a procura dos genes do DMID vem ocorren- Vol. 02, nº 1, 1998 do há algum tempo [8]. Nos seres humanos, duas regiões cromossômicas estão indubitavelmente associadas e ligadas ao DMID [9, 10]: a região HLA no cromossomo 6p21 (DMID1) e a região do gene insulina (DMID2) no cromossomo 11p15. O DMID1 e o DMID2 contribuem com cerca de 40 e 10 %, respectivamente, para a hereditariedade familiar da doença. Entretanto, ainda não se sabe como os genes HLA de classe II influenciam a patogênese do DMID. Inversamente, o locus do DMID2 é o primeiro caso em que uma região órgão-específica foi identificada podendo explicar detalhadamente a localização definitiva do alvo [8]. A função, no desenvolvimento do DMID, de uma seqüência altamente polimórfica do complexo VNTR no promotor do gene insulina foi recentemente demonstrada [11]. De fato, a região VNTR modula a expressão do gene insulina e os alelos VNTR de classe 1 associados ao DMID têm uma expressão do gene reporter mais elevada do que os alelos protetores classe II. Escaneamento total do genoma, realizado por várias equipes em diferentes grupos étnicos [7, 12], revelaram loci adicionais do DMID, embora nenhum fornecendo a contribuição intensa atribuída à região HLA. Atualmente, muitos novos loci putativos de susceptibilidade ao DMID foram mapeados como resultado dessas buscas aleatórias no genoma: DMID3 em 15q26, DMID4 em 11q13, DMID5 e DMID8 em 6q24-27, DMID7 em 2q31 e glicoquinase em 7p [13]. Marcadores adicionais potencialmente ligados podem estar localizados em 8 outros cromossomos. Entretanto, devido a centenas de marcadores genéticos testados, algumas dessas ligações putativas poderiam ter ocorrido apenas por acaso. Até o momento, são conhecidos cerca de dois terços dos fatores de risco genéticos para esta forma de diabetes de início juvenil. A identificação desses genes provavelmente será realizada dentro dos próximos anos, o que ajudará a determinar crianças com risco elevado de desenvolver DMID e a elaborar tratamentos para bloquear a destruição das ilhotas pancreáticas que secretam insulina. ■ GENÉTICA DO DMNID : CONTINUA O PESADELO Entretanto, a situação para o DMNID, que é responsável por aproximadamente 85 % de todos os casos de diabetes, é bastante diferente. Existe forte evidência de que fatores genéticos são cruciais para o desenvolvimento do DMNID: estudos epidemiológicos relataram um agrupamento familiar de DMNID, existe uma elevada taxa de concordância para gêmeos monozigóticos (50-80 %) e existe uma enorme variação na prevalência em diferentes partes do mundo, variando de 2 a 5 % na Europa a mais de 50 % nos índios Pima no Arizona ou nos micronésios. Apesar disso, não mais que 10 % dos fatores de risco genéticos para o DMNID são atualmente conhecidos [1]. Isto pode ser explicado pela extrema heterogeneidade clínica do DMNID, que reflete as formas heterogêneas de hereditariedade. De fato, o DMNID parece ser uma síndrome composta por formas altamente genéticas em uma extremidade do GENES PARA CURAR O DIABETES 13 espectro, e subtipos fortemente associados a fatores ambientais na outra. Portanto, uma primeira abordagem tem sido diferenciar as formas monogênicas potenciais do diabetes, como um paradigma para estudos genéticos [14]. Em alguns aspectos, esta estratégia foi bem sucedida em famílias que mostram DMNID de início precoce ou grave resistência à insulina, levando à identificação de mutações em genes como o da glicoquinase (MODY2, [15]), da insulina [16] e nos genes receptores da insulina [17]. Assim, embora essas mutações sejam responsáveis por anormalidades importantes na secreção ou na ação da insulina em alguns pacientes, sua contribuição global para a doença é bastante pequena. A recente identificação de mutações nos genes familiares do fator nuclear hepático que causam os subtipos MODY1 e MODY3 [3, 18] pode ser de grande interesse, pois foi sugerida uma ligação entre o locus MODY3 e o DMNID de início tardio, pelo menos em famílias diabéticas finlandesas [19]. Muito importante é que anormalidades em outros genes que codificam fatores de transcrição possam também contribuir para outras formas de DMNID ou suas complicações. Em alguns casos, a definição de subgrupos clínicos específicos de DMNID pode facilitar a pesquisa genética. Na verdade, a triagem do DNA mitocondrial de pacientes diabéticos com mães afetadas recentemente levou à identificação de uma mutação única no gene para tRNALeu, que co-segregou com diabetes e surdez nessas famílias [20]. As formas mais comuns de DMNID provavelmente são poligênicas, por exemplo, resultando de uma interação entre diferentes variantes freqüentes de genes que têm efeitos biológicos pequenos e separados sobre a tolerância à glicose e interagem uns com os outros e também com fatores ambientais para levar ao diabetes. Estratégias para procurar os genes da susceptibilidade ao diabetes precisam levar em consideração estes antecedentes genéticos complexos e heterogênesos [14]. A maioria dos genes identificados até agora foram encontrados através da abordagem dos genes candidatos. Esta técnica patofisiológica não é fácil pois a manutenção de uma homeostase normal da glicose no estado pós-prandial depende de três processos importantes [21]. Após a ingestão de glicose, a secreção de insulina é estimulada, o que promove a absorção da glicose pelos tecidos periféricos, primariamente os músculos, e, em menor grau, pelos tecidos adiposos. A insulina também diminui a produção hepática da glicose. No DMNID, todos os três componentes do sistema parecem apresentar defeitos. A razão para a relativa primazia da secreção defeituosa de insulina em relação à ação defeituosa da insulina não está clara, mas estudos em perspectiva de indivíduos com pré-DMNID indicam susceptibilidade genética tanto ao nível da ação da insulina celular quanto da função pancreática das células beta [22, 23]. Os genes que poderiam contribuir para o risco genético de DMNID incluem o primeiro substrato para a quinase receptora da insulina (IRS-1), o gene de ligação do ácido graxo com a proteína 2, o gene receptor adrenérgico beta3, o gene receptor do glucagon e o gene receptor da sulfoniluréia [24, 29]. Entretanto, todos os defeitos descritos, juntos, responsabilizam-se por não mais do que uma baixa 14 P Froguel porcentagem de todos os casos de DMNID, ou tem um efeito fraco sobre a homeostase da glicose. Em anos recentes, novas abordagens tais como estudos da expressão dos genes e clonagem de subtração foram elaborados para clonar novos genes com funções desconhecidas, mas expressos de forma diferente nos tecidos de pacientes e controles [30]. Entretanto, apesar desses progressos, a abordagem do gene candidado apresenta limitações para a identificação de todos os genes diabéticos. Outra abordagem é estudar regiões de sintenia em modelos animais poligênicos do DMNID. Uma vez que regiões cromomossômicas ligadas à obesidade ou à homeostase prejudicada da glicose possam ser localizadas, os pesquisadores serão capazes de examinar o papel desempenhado por regiões sintênicas nos seres humanos. De fato, o estudo da genética do DMNID em seres humanos é dificultado pela interferência de fatores de risco ambientais e pela existência de características patofisiológicas sobrepostas como hipertensão e obesidade. Esta situação torna os modelos animais consangüíneos que espontaneamente desenvolvem as principais características do DMNID, componentes importantes das investigações genéticas. Por exemplo, o pedigree do rato Goto-Kakisaki (GK), espontaneamente diabética, mostra as principais características do DMNID e um controle poligênico dos fenótipos relacionados ao diabetes. Usando marcadores microssatélites polimórficos abrangendo os 21 cromossomos do genoma do rato, uma ligação foi demonstrada entre esses marcadores e 6 loci independentemente segregados de caracteres quantitativos (QTL), predispondo à hiperglicemia em jejum, intolerância à glicose ou secreção alterada de insulina [31]. O escaneamento de todo o genoma de famílias com DMNID com marcadores microssatélites anônimos está agora sendo realizado por diferentes grupos em todo o mundo. Este método pode também ter poder limitado para dissecar os loci quanto a caracteres complexos de doenças [5]. Em particular, tamanho inadequado da amostra e uma incapacidade para reproduzir os resultados em outras populações bem definidas, pode retardar o progresso da pesquisa sobre o DMNID. Vale a pena observar que o locus DMNID1, recentemente mapeado no cromossomo 2 de uma população mexicano-americana relativamente isolada no Texas [32], não foi confirmado por nenhum outro estudo genético. O fato que o DMNID é um distúrbio geneticamente heterogêneo implica que vários defeitos primários contribuem para a susceptibilidade à doença. Parece razoável postular que as combinações de genes deletérios não são as mesmas em formas obesas ou magras do DMNID, em pacientes com início precoce ou tardio da doença, em indivíduos diabético esporádicos ou em pacientes com uma história familiar acentuada de diabetes. Portanto, é do maior interesse estudar populações diabéticas em diferentes grupos étnicos específicos (como caucasianos franceses ou finlandeses, japoneses, indianos, tamís e mexicano-americanos); é provável que uma grande variedade de genes diferentemente envolvidos na homeostase da glicose sejam mapeados e finalmente clonados. Os genes podem estar envolvidos no metabolismo da glicose (diretamente ou através da regulação dos genes), no sensing da glicose ou cres- Diabetes & Metabolism cimento das células beta pancreáticas. Os genes podem codificar receptores da transmembrana acoplados à proteína G para hormônios do eixo êntero-insular, para canais do cálcio ou do potássio, ou para proteínas envolvidas no transporte das vesículas e exocitose da insulina. Genes codificando proteínas envolvidas na ação da insulina no músculo, adipócitos ou fígado, também podem desempenhar um papel no DMNID. ■ DESCOBRINDO NOVOS MEDICAMENTOS PARA O DIABETES Estudos posicionais de clonagem fornecerão indícios para uma compreensão dos mecanismos moleculares do diabetes e doenças relacionadas. Caracterização cuidadosa de tais genes contribuirá para um melhor conhecimento da base molecular dos subtipos dessas condições, permitindo portanto, uma terapia mais racional e a prevenção de distúrbios ou suas complicações. Os dados deste programa de pesquisa também servirão como base para a descoberta de alvos para terapias medicamentosas mais específicas. Neste estágio da pesquisa, o desafio será validar esses alvos e escolher os mais promissores para a descoberta de medicamentos. A fim de avaliar diretamente (o próprio gene é o alvo), ou indiretamente (algum outro componente da via bioquímica envolvendo o gene é o alvo), o potencial de um gene para servir como alvo para o desenvolvimento de novas terapias, será necessário estudar a função exata do gene e a alteração da função da variante presumida, e então colocar ambos no contexto do ambiente celular influenciado pelo gene. Isto será conseguido por estudos funcionais envolvendo 1) o estudo do gene e suas variantes transfectadas passageiras e estáveis para linhagens adequadas de células para estudos in vitro; 2) a geração de animais transgênicos; e 3) investigação clínica cuidadosa dos pacientes com variantes de genes para avaliar os efeitos exatos do gene in vivo. Este conhecimento será a base para configurar pesquisas primárias e secundárias para descobrir medicamentos, adequado para apoiar a busca de novos agentes que possam ser eficazes para tratar o diabetes. Portanto, será necessário realizar experiências para descobrir medicamentos baseados nas células para dar suporte à busca de leads químicos iniciais. Além disso, a tecnologia transgênica fornecerá uma abordagem poderosa para realizar pesquisas secundárias para determinar se um lead químico funciona in vivo em uma via projetada para ser dependente do produto genético humano. Além disso, sistemas de leveduras de dois híbridos poderiam identificar proteínas que interagem com novos produtos genéticos identificados como parte da expressão do gene e do esforço de clonagem posicional. Esses estudos também servirão para produzir alvos alternativos para intervenção terapêutica. Embora os progressos tecnológicos tenham facilitado a análise das especificidades da ligação do DNA, esta técnica precisa de um esforço adicional para um processamento de alta perfeição. A procura dos genes do diabetes está progredindo em todo o mundo, e sua identificação modificará dramatica- Vol. 02, nº 1, 1998 mente nossa compreensão dessas doenças. Colaboração internacional entre grupos multidisciplinares acadêmicos e industriais de pesquisadores e médicos será essencial para acelerar essa busca. O desenvolvimento de novos agentes terapêuticos que dramaticamente aumentarão a qualidade de vida dos pacientes diabéticos é um objetivo que poderá ser atingido no próximo século. GENES PARA CURAR O DIABETES 16 17 18 19 BIBLIOGRAFIA 20 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Froguel P, Häger N, Vionnet N. Genetics of type 2 diabetes. Current Opinion in Endocrinology and Diabetes, 1995, 2, 285-289. Vaxillaire M et al. 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A definição exata dos alelos de susceptibilidade e proteção provou ser um importante fator diagnóstico para se prever o DMID e foi também o primeiro passo para a compreensão do papel das moléculas de classe II, responsáveis pela apresentação dos antígenos, no desenvolvimento das reações autoimunes responsáveis pela destruição das células secretoras de insulina e o subseqüente início do diabetes. Os modelos animais tiveram um papel essencial no estudo das possíveis relações entre o desenvolvimento da autoimunidade do DMID e a expressão dos alelos particulares do complexo maior da histocompatibilidade num terreno de susceptibilidade multigênica. Diabetes & Metabolism 1998, 2, 16-24 Unitermos : diabetes tipo 1, autoimunidade, complexo maior da histocompatibilidade, HLA, apresentação antigênica. ✍ : Ch Boitard, Immunologie clinique, Hôpital Necker, 161 rue de Sèvres, 75743 Paris cedex 15, França SUMMARY The association of diabetes with HLA class I alleles in the early 1970s and with HLA class II alleles in the late 1970s provided a crucial, though indirect, indication of the role of immune phenomena in the development of insulin-dependent diabetes mellitus (IDDM). Genotyping of HLA alleles in the mid-1980s opened up a new era. The very precise definition of susceptibility and protection alleles proved to be an important diagnostic factor in predicting IDDM and was also the first step towards an understanding of the role of class II antigen-presenting molecules in the development of the autoimmune reaction responsible for the destruction of insulin-secreting cells and the subsequent onset of diabetes. Animal models have been instrumental in studying the possible relations between the development of IDDM autoimmunity and the expression of particular major histocompatibility complex alleles on a multigenic susceptibility background. Diabetes & Metabolism 1997, 23, sup2, 23-28 Key-words : insulin-dependent diabetes mellitus, autoimmunity, major histocompatibility complex, HLA, antigen presentation. Vol. 02, nº 1, 1998 A presença de linfócitos autoreativos na periferia e a capacidade de apresentar autoantígenos contra as células T são dois pré-requisitos para o desenvolvimento de reações autoimunes. Existe a hipótese de que os genes do complexo maior da histocompatibilidade (MHC) controlam a susceptibilidade através do papel das moléculas MHC de classe I e de classe II, na seleção do repertório de células T periféricas no timo e através da apresentação restrita de peptídeos autoantígeno-derivados contra os linfócitos T. Entretanto, exceto para modelos experimentais nos quais um repertório de linfócitos com “bias” é gerado em animais transgênicos, existe pouca evidência de que o repertório de célulasT realmente determine susceptibilidade para moléstias autoimunes expontâneas em seres humanos. Uma vez que células T autoreativas são detectadas no estado fisiológico, a autoimunidade expontânea resulta, muito possivelmente, da quebra da tolerância periférica aos autoantígenos do que da seleção anormal de linfócitos autoreativos na periferia. De modo contrário, a expressão de moléculas MHC particulares possivelmente controla a apresentação de autoantígenos às células T autorreativas. A descoberta de uma associação entre o diabetes de tipo 1 e os antígenos HLA de classe I no início da década de 70 foi crucial como uma indicação indireta do papel dos mecanismos imunológicos no desenvolvimento do diabetes mellitus insulino-dependente (DMID). A disponibilidade precoce de marcadores sorológicos para determinantes polimórficos expressos pelos antígenos de classe I levou inicialmente à determinação de uma associação entre o DMID e o HLA-B8, B15 e (na França) B18, com riscos relativos variando de 1 a 3, e a uma associação mais fraca com o HLA-A1 (em desequilíbrio de ligação com B8) e A2. A disponibilidade mais recente de marcadores sorológicos para os antígenos MHC DR-codificados de classe II forneceu a base para a definição de uma associação mais forte entre o DMID e o HLA-DR3 (com riscos relativos variando de 3 a 6) e DR4 (riscos relativos de 6 ou 7) e uma associação mais fraca com DR1 e DR8, pelo menos em indivíduos heterozigotos. Assim, 90-95 % dos pacientes caucasianos com DMID são HLA-DR3 ou DR4 em contraste com 40-45 % na população não diabética. Outros padrões foram observados nos japoneses, nos quais o DMID tem uma menor incidência e está associado ao DR9 (e não ao DR3) e DR4. Estudos familiares deram suporte adicional à ligação entre o DMID e a região MHC por ter sido mostrado que indivíduos diabéticos de uma mesma família partilham um ou dois haplotipos MHC com freqüência maior do que a teoricamente esperada. A associação do diabetes com os alelos HLA é notável pelo menos sob três aspectos. Primeiro, se alguns haplotipos predispõem ao DMID, outros, tal como o haplotipo HLA-DR15, um subtipo do alelo DR2 (risco relativo 0,2 na população caucasiana), confere proteção contra o desenvolvimento da moléstia. Segundo, o risco relativo conferido pelo estado homozigoto do HLA-DR3 e DR4 permanece abaixo daquele dos heterozigotos HLA-DR3/DR4 em muitas populações. Uma possível implicação é que uma susceptibilidade mais alta seja conferida pelos dímeros HLA ANTÍGENOS LEUCOCITÁRIOS HUMANOS 17 de classe II, resultante de uma transcomplementação de cadeias α e β codificadas por cromossomos homólogos. Terceiro, o desequilíbrio de ligação entre os alelos DR e DQ no mesmo haplotipo pode influenciar o efeito de alelos individuais. Po exemplo, haplotipos DR3 foram subdivididos, dependendo do haplotipo B associado, mostrando uma susceptibilidade maior quando associado ao B8 ou B18 do que outros alelos B. Da mesma forma, haplotipos DR4 estendidos associados à susceptibilidade ao diabetes podem incluir o B15. A implicação é que a região HLA pode influenciar a susceptibilidade à moléstia para locos fora da região II. Essas várias observações são concordantes com a associação do DMID com alelos MHC de classe II, especialmente os alelos Bf (BfFl). A genotipagem dos alelos HLA abriu uma nova era no campo da autoimunidade nos meados da década de 80. Houve uma rápida sucessão de avanços técnicos levando ao quadro atual da associação HLA-diabetes. É geralmente aceito que os alelos DQ estão fortemente associados com susceptibilidade e proteção contra o diabetes autoimune. Foi lembrado, entretanto, que os alelos DR modulam significativamente o risco em associação aos alelos DQ. ■ ASSOCIAÇÃO COM ALELOS DQ Um maior conhecimento do papel dos alelos DQ veio da observação de que a maioria das moléculas DQ codificadas nos haplotipos associados ao DMID são compostas de cadeias β carregando uma alanina, uma valina ou uma serina na posição 57 em vez do ácido aspártico mais comumente observado em haplotipos neutros ou protetores [1]. Os alelos correspondentes estão indicados na Tabela I. Um dímero DQ no qual as cadeias α e β estão codificadas em cis (DQA1*0301-DQB1*0302 em haplotipos DR4) carrega riscos altos relativos de diabetes em caucasianos, enquanto outros dímeros foram implicados como conferindo um risco mais baixo. Esses desenvolvimentos forneceram a primeira evidência no diabetes para a identificação de um definitivo marcador molecular relacionado à susceptibilidade e/ou proteção. No entanto, o efeito ímpar da posição DQB 1 57 não pode ser responsabilizado exclusivamente pelo papel do complexo maior de histocompatibilidade, na susceptibilidade ao diabetes. Em particular, ele não explica o efeito heterozigoto visto em indivíduos DR3/DR4 e as discrepâncias relatadas em grupos étnicos não-caucasianos. Entre caucasianos, a susceptibilidade observada em heterozigotos DR3/DR4 que associam DQA1*0501DQB1*0201 e DQA1*0301-DQB1*0302 é usualmente muito maior do que aquela observada em homozigotos correspondentes. Isso sugere que a transcomplementação entre os dois haplotipos permite a codificação de moléculas de susceptibilidade DQA1*0501-DQB1*0302 e DQA1*0301-DQB1*0201 que carregam um forte risco relativo para o diabetes (respectivamente 8-35 e 5-20). De forma interessante, o DQA1*0301-DQB1* 0201, codificado em cis em negros (em haplotipos DR7 e DR9), também 18 C Boitard Diabetes & Metabolism TABELA 1 - Associações DQB1* comuns ao diabetes em caucasianos. Susceptibilidade Proteção DR DQA1* DQB1* DQB1 57 RR* 4 0301 0302 alanina 8-12 3 0501 0201 alanina 3-5 1 0101 0501 alanina — 16 (2) 0102 1601 serina — 15(2) 0102 0602 ácido aspártico 0.2 13 0103 0603 ácido aspártico 0.2 11 0501 0301 ácido aspártico 0,2 - 0,4 ** RR, Riscos relativos de Thorsby et al. [2]. confere um efeito de susceptibilidade nas populações correspondentes [2]. De modo contrário, o papel distinto do transdímero DQA1*0501-DQB1*0302 foi questionado e ele também está codificado em indivíduos DR4/DR11, - 13 ou - 14 sem conferir risco aumentado [3]. Outros exemplos de riscos aumentados conferidos pelos haplotipos complementares carregados pelos heterozigotos são fornecidos na Tabela 2. A associação com DQA1*0301-DQB1*0302, sob a forma de duas cópias nos homozigotos DR4 ou com outros haplotipos que não o DQA1*0501-DQB1*0201 em homozigotos DR4, confere o mais forte risco conhecido. Aquele com DQA1*0501-DB1*0201 isolado é observado em populações em que a freqüência de DQA1*0301 DQB1*0302 é baixa. Finalmente, o efeito protetor do DQA1*0102DQB1*0602 (haplotipos DR15) é dominante. Ele é visto em qualquer indivíduo, inclusive indivíduos heterozigotos que carregam um alelo de susceptibilidade no outro haplotipo (e em indivíduos normoglicêmicos nos quais podem ser detectados autoanticorpos para células das ilhotas). Outros dímeros protetores incluem: DR13 DQA1*0103DQB1*0603 (em caucasianos e negros), DR11 DQA1*0501-DQB1*0301 e DR2 ou DR8 DQA1*0103DQB1*0601 (em japoneses) [2]. TABELA 2 - Efeito sinergístico de haplotipos carregados sob a forma de heterozigoto. Haplotipo População Genes DQ A1-B1 Transdímero DQA1-DQB1 de suspeita de susceptibilidade DR3/DR4 todos grupos étnicos 0501-0201/0301-0302 0501-0302 DR3/DR9 Chineses, negros 0501-0201/0501-0303 0301-0201 negros DR3/DR7 negros 0501-0201/0301-0201 0301-0201 — DR4/DR7 negros /0301-0201 0301-0201 — DR8/DR9 Japoneses 0301-0302/0301-0303 0301-0302 todos grupos étnicos DR9/DR13 Japoneses 0301-0303/0102-0604 0301-0604 Japoneses 0301-0302/0102-0604 0301-0604 DR4/DR13 Populações em que o dímero correspondente em cis carrega alto risco Noruegueses Caucasianos da Flórida DR4/DR8 Japoneses 0301-0302/0301-0302 0301-0302 0301-0302/0404-0402 0401-0302 0301-0402 todos grupos étnicos 20 C Boitard Diabetes & Metabolism ■ O PAPEL DOS ALELOS DR Como previamente mencionado, os haplotipos DR4 conferem susceptibilidade em associação com DQB1*0302 mas não com DQB1*0301. Entretanto, além do principal papel do DQB1*0302, o risco relativo conferido pelo DR4DQB1*0302 varia dependendo da molécula DRB1 associada, o que indica o papel do locus DR para a susceptibilidade ao diabetes [3-6]. Como a cadeia DRα é monomórfica, ela não modula susceptibilidade. O risco conferido pelo DQA1*0301-DQB1*0302 somente é visto em um subgrupo de indivíduos que carregam alelos DR4. Na população francesa [7], a susceptibilidade para o diabetes é observada em indivíduos que carregam DRB1*0402, 0405 e (fracamente) 0401 (Tabela III). A susceptibilidade conferida pelo DQB1*0405 é vista na maioria dos grupos étnicos estudados. Ao contrário, DRB1*0403, 0406 (em orientais), 0404 e 0407 conferem proteção. É preciso se enfatizar que a proteção conferida pelo DRB1*0403 e 0406 é forte o suficiente para superar a susceptibilidade conferida pelo DQA1*0301-DQB1*0302. TABELA 3 - Riscos relativos conferidos pelos alelos DR4 em indivíduos que carregam as moléculas DQ de susceptibilidade. DQA1 DQB1 DRB1 RR 0301 0302 0401 1.6 0301 0302 0404 0.5 0301 0302 0402 2 0301 0302 0405 1.5 0301 0302 0403 0.2 Caillat-Zucman et al. : relato DMID em “Genetic Diversity of HLA. Functional and Medical Implications” D. Charron Ed., 1996, no prelo. ■ DIFERENÇAS ENTRE GRUPOS ÉTNICOS Variações entre os grupos étnicos foram previamente mencionadas e são melhor explicadas pelas diferenças do desequilíbrio de ligação DR-DQ ou pela transcomplementação DQ. Alguns exemplos de discrepâncias em que os alelos de classe II, que aparentemente mostram um efeito de susceptibilidade em alguns grupos e um efeito protetor em outros, são de particular interesse. Um exemplo marcante é a baixa freqüência nas populações chinesa e japonesa com DMID do DQB1*0302 o qual mostra um forte efeito de susceptibilidade em outros grupos étnicos [5, 811]. Enquanto o DQB1*0302 está associado aos alelos de susceptibilidade DRB1*0401, 0402 e 0405 na maioria das populações caucasianas, ele está em forte desequilíbrio de ligação com os alelos protetores DRB1*0403 e 0406 em indivíduos chineses e japoneses, sendo responsáveis pela proteção global conferida pelos haplotipos correspondentes nessas duas populações. O risco relativo conferido pelo DQB1*0302 em associação ao DRB1*0405 em chineses é realmente consideravelmente maior do que aquele conferido pelo DR1*0405, DQB1*0401 ou 0301. O papel dos haplotipos DR9 é outro exemplo das discrepâncias entre diferentes grupos étnicos. Embora neutro em caucasianos, a alta freqüência de DR9 em japoneses relaciona-se à presença de heterodímeros DQA1*0301DQB1*0302 e DQA1*0301-DQB1*0604 codificados em trans nos heterozigotos DR9-DR8 ou DR9-DR13 do que a um efeito direto do DQB1*0303. Um efeito semelhante é visto com os transdímeros DQA1*0301-DQB1*0201 nos heterozigotos DR3-DR9 da população chinesa [2,9]. ■ MODELOS ANIMAIS Estudos paralelos foram feitos em ratos BB e camundongos diabéticos não-obesos (NOD). Em ambas espécies, a principal região de susceptibilidade genética foi mapeada para o MHC, respectivamente os sistemas H2 (no cromossomo 17 do camundongo NOD) e RT1 (no cromossomo 20 do rato BB). A região de classe II do haplotipo RT1u e o alelo I-Ag7 (Aαd/Aβg7) foram definitivamente associados ao desenvolvimento de insulite e diabetes manifesto, respectivamente, no rato e no camundongo [12-17]. A prevenção do diabetes foi conseguida tratando-se o camundongo NOD com anticorpos monoclonais específicos para o I-Ag7, dando suporte ao envolvimento de genes de classe II na patogênese do DMID [18]. No entanto, vale a pena notar que a susceptibilidade para o diabetes conferida pelos alelos I-Ag7 ou RT1u somente é observada em genótipos nos quais eles se associam a genes não-MHC. Camundongos e ratos que exprimem I-Ag7 e RT1u, respectivamente, em genótipos não relacionados, não desenvolvem diabetes. O papel das moléculas MHC de classe II no desenvolvimento do diabetes foi extensivamente estudado em camundongos NOD transgênicos. Camundongos NOD convencionais não exprimem antígenos IE (equivalente-DR). Expressão recobrada de IE por inserção transgênica de uma cadeia Eαd ou Eαk previne o desenvolvimento de insulite e diabetes nos camundongos NOD [19,20]. Outras linhagens transgênicas NOD foram desenvolvidas pela inserção de cadeias IA adicionais (equivalente-DQ), ou totalmente alogenéicas tais como Aαk/Aβk ou mutante nas posições Aβ 56 e 57 (duas posições características no camundongo NOD, especialmente a posição 57 que é ocupada por uma serina) [21]. Camundongos IA transgênicos estão protegidos do desenvolvimento de diabetes manifesto, mas não necessariamente da insulite [22-25]. Assim, os mecanismos de proteção nos transgênicos de classe II são provavelmente diferentes. Eles podem envolver modificações da seleção central das células T, modificações da apresentação de antígenos por captura peptídica, ou modificação da regulação imunológica (equilíbrio entre as respostas celular e humoral). A complexidade dos mecanismos protetores associados à expressão transgênica de classe II é adicionalmente exemplificada em híbridos F1. Diferente da situação nos transgênicos IE, a presença ou ausência de IE (herdado por cruzamento) tem pouca influência neste caso na suscepti- Vol. 02, nº 1, 1998 bilidade para insulite e para diabetes induzida pela ciclofosfamida [26]. A influência de outros genes MHC-codificados torna o papel desta região mais complexo do que inicialmente esperado. A incidência reduzida de diabetes franco em camundongos NOD duplo-recombinante que exprimem Lmp2, Tap 1, Aβg7 e Hsp70 sugere que o envolvimento de outros genes localizados em 5’ e 3’ desta região. Genes candidatos incluem os de classe I, K e D, TNFα/β e genes da superóxido dismutase 2 (a seqüência dos quais, no entanto, não são exclusivas do genótipo NOD). Deve-se acrescentar que o diabetes é prevenido pelo tratamento com anticorpos monoclonais anti-kd (mas não anti-Db) e pela inserção transgênica de gene da classe I Ld [27-29]. ■ ALELOS DE SUSCEPTIBILIDADE DE CLASSE II E APRESENTAÇÃO DO ANTÍGENO As características estruturais únicas identificadas nos alelos de classe II e o papel dos dímeros codificados por transcomplementação dão forte evidência de que os genes MHC têm um papel direto na susceptibilidade para o diabetes autoimune. O amplo grau de polimorfismo dos alelos de classe II permite o agrupamento de diferentes conjuntos de peptídeos para cada molécula individual. Várias bolsas estão presentes ao longo da fenda de ligação dos peptídeos, algumas das quais acomodam um número limitado de possíveis aminoácidos no peptídeo apresentado às células T CD4. Enquanto a primeira bolsa na fenda de ligação dos peptídeos é um sítio hidrofóbico, que acomoda um aminoácido não carregado (da mesma forma que o primeiro do peptídeo apresentado por todas moléculas DR), as bolsas 4 e 6 são discriminantes, permitindo a ligação de diferentes aminoácidos dependendo de que alelo de classe II é considerado. Por exemplo, DRB1*0101, 0401 e 1101 acomodam uma Ala ou Gli, uma Tre ou Ser e uma Arg ou Lis, respectivamente, como o sexto peptídeo ancorado [30]. Resíduos carregados em duas posições-chave na cadeia β (posições 57 e 71) controlam a carga permitida nas posições peptídicas P4 e P9 (posicionados nas bolsas 4 e 9, respectivamente) [31]. O papel do aminoácido na posição 57, que participa da nona bolsa de moléculas DQ, foi especialmente estudado [131-133]. Foi evidenciado, com base em mutagênese sítio-dirigida de sítios polimórficos DQB, que o aminoácido na posição 57 determina diretamente se um dado peptídeo será ou não será apresentado a um clone específico de células T [34]. Os aminoácidos da posição 57 das cadeias DQβ e DRβ definem um polimorfismo que é responsável diretamente por seu papel na susceptibilidade ou proteção ao diabetes e outras moléstias autoimunes em que as mesmas posições influenciam susceptibilidade, tal como o pênfigo [33]. O aminoácido peptídico em particular que se liga à nona bolsa depende da posição 57 estar ocupada por um ácido aspártico ou uma alanina, i.e. uma serina ou uma valina nos alelos DQ e uma serina (DRB1*0405) nos alelos DR. O ácido aspártico na posição 57 forma uma ponte salina com ANTÍGENOS LEUCOCITÁRIOS HUMANOS 21 uma arginina na posição 79 da cadeia DQα associada ou posição 76 da cadeia DQα associada, respectivamente, numa das extremidades da fenda de ligação peptídica, enquanto outros aminoácidos que não formam a ponte salina ligam peptídeos com resíduos de carga negativa na posição 9 de ancoragem. Entretanto, a influência do aminoácido na posição 57 da cadeia DRB1 não deve ser considerada em demasia uma vez que o papel das cadeias DRB1*0401 e 0402, as quais carregam um ácido aspártico nessa posição, foi relacionado à susceptibilidade ao diabetes [33]. A associação à classe II observada no DMID, como em muitas outras moléstias autoimunes, prediz que as moléculas de classe II determinam diretamente a susceptibilidade, dependendo de serem ou não permissivas à apresentação de um peptídeo derivado de um autoantígeno que tenha um papel-chave na ativação da reação autoimune. Como um peptídeo isolado pode se ligar a diferentes moléculas de classe II, com diferentes afinidades, um modelo competitivo de ligação peptídica à classe II foi proposto para explicar a complexidade da associação HLA e a proteção ao DMID. Nesse modelo, a ligação do peptídeo autoantigênico com uma afinidade mais alta para os dímeros de classe II de proteção do que para os de susceptibilidade explica porque a proteção é dominante sobre a susceptibilidade [35]. Entretanto, um maior nível de complexidade ocorre ao ser definido no diabetes um crescente número de autoantígenos a célula β candidata [36]. Considerando-se o número de autoantígenos possíveis, foi proposto que a susceptibilidade está relacionada à ligação de peptídeos de células β que são importantes na manutenção da tolerância imunológica a si próprio, mostrando alta afinidade a dímeros protetores mas baixa afinidade, ou em configuração errada, a dímeros de susceptibilidade [37]. ■ RELAÇÃO ENTRE A INCIDÊNCIA DO DIABETES E A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS ALELOS HLA A alta prevalência do diabetes insulino-dependente nos países escandinavos, onde ela atinge 40/105 por ano na Finlândia [38], está correlacionada com a alta freqüência de dímeros de classe II: DRB1*0301 e 0401 e de DQA1*0301DQB1*0302 e DQA1*0301-DQB1*0201 [3, 39]. Na Sardenha, a alta incidência observada ao longo dos últimos 20 anos está correlacionada com a alta freqüência de DRB1*0301. Freqüências mais baixas dos alelos de classe II correspondentes são observadas em outros países da Europa onde a incidência de DMID também é mais baixa. Em japoneses, uma baixa freqüência de DRB1*03 contrasta com uma alta freqüência de DRB1*04, enquanto que a baixa freqüência de diabetes nessa população (4/105 por ano) pode estar relacionada ao freqüente desequilíbrio de ligação entre os alelos DRB1 de proteção e DQB1 de susceptibilidade (DRB1*0401 ou 0301), o que possivelmente mascara o papel dos alelos de susceptibilidade. Porém, a correlação entre a freqüência dos alelos de susceptibilidade ou proteção e a incidência de diabetes não deveriam mascarar o papel dos fatores ambientais, que di- 22 C Boitard ferem entre áreas geográficas. Observou-se que na Finlândia, e em todos os outros países onde há dados epidemiológicos precisos, que a incidência de DMID aumenta com o tempo [40]. Curiosamente, o aumento anual na curva de incidência de DMID na Finlândia tem sido constante desde o início da década de 50, de fato dobrando entre 1973 e 1992. ■ CONCLUSÕES A importância global do MHC na susceptibilidade genética ao DMID foi estimado no início da década de 40 [41]. Consideradas sua simplicidade e exatidão, a genotipagem HLA de classe II é atualmente usada como parâmetro diagnóstico na previsão do DMID em indivíduos normoglicêmicos. Embora o genótipo HLA somente exclua o risco em 25% da irmandade na qual um indivíduo tenha desenvolvido DMID, ele parece ser o mais útil para triar a população geral (na ausência de uma história familiar de DMID), quando autoanticorpos contra células das ilhotas são detectados em indivíduos normoglicêmicos. Além disso, a detecção de um haplotipo protetor (especialmente o DQB1*0602) diminui consideravelmente o risco em indivíduos em que autoanticorpos contra células das ilhota, tenham sido detectados. 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Diabetes & Metabolism 1998, 2, 25-33 Revisão DIABETES MELLITUS E AS COMPLICAÇÕES TARDIAS : INFLUÊNCIA DOS FATORES GENÉTICOS J. RUIZ RESUMO Estudos em populações, famílias e estudos clássicos epidemiológicos revelaram os aspectos multifatoriais do diabetes mellitus. Várias mutações implicadas na patogênese do diabetes foram descritas na última década. Essas mutações estão localizadas em genes associados ao metabolismo da glicose e formam a base molecular para a heterogeneidade das manifestações clínicas do diabetes mellitus. No entanto, a hiperglicemia crônica associada aos outros fatores de risco vasculares podem, somente em parte, explicar a incidência de complicações micro e macrovasculares. Estudos em famílias revelaram a presença de uma susceptibilidade familiar para algumas complicações vasculares como a nefropatia e moléstia coronariana. Além disso, estas duas complicações vasculares do diabetes mellitus estão freqüentemente associadas no mesmo indivíduo. Essa susceptibilidade familiar não pode ser explicada exclusivamente por fatores ambientais. Conseqüentemente a busca de genes da susceptibilidade para complicações vasculares parece ser uma abordagem lógica. O estudo de genes associados a um risco cardiovascular aumentado tais como os do sistema renina angiotensina, os da cascata da hemostasia ou das lipoproteínas, pode constituir o primeiro passo nesse novo campo de pesquisa. Ainda mais, as vias de glicação e oxidação das lipoproteínas parecem ter um papel no desenvolvimento das complicações vasculares. Por exemplo, os genes da paraoxonase são bons candidatos para o risco vascular aumentado. Esta enzima está completamente ligada ao HDL-colesterol e poderia assim explicar sua capacidade anti-oxidante. O substrato natural dessa enzima é desconhecido mas existem algumas evidências sugerindo que ela possivelmente participa do processo de degradação dos fosfolipídeos oxidados. Estudos funcionais da paraoxonase com outros substratos exógenos revelaram diferentes fenótipos associados a diferentes atividades catalíticas. Além disso, atividades enzimáticas variáveis parecem estar associadas a diferentes polimorfismos do gene da paraoxonase descritos recentemente (nas posições 192 e 55 do gene da paraoxonase). Esses dois polimorfismos foram recentemente estudados em relação à moléstia coronariana em pacientes com diabetes de tipo II. Os dois polimorfismos foram associados à moléstia coronariana mas esses resultados iniciais ainda precisam ser confirmados em diferentes populações. Tais estudos provavelmente irão abrir o caminho no futuro para uma nova abordagem das complicações vasculares do diabetes mellitus. Diabetes & Metabolism, 1998, 2, 25-33 Unitermos : genes, diabetes, complicações. ✍ : J. Ruiz, Division d’Endocrinologie et du Métabolisme, CHUV et PMU, 1011 Lausanne, Switzerland. SUMMARY Epidemiological, population and familial studies have revealed the multifactorial aspect of diabetes mellitus. Several mutations implicated in the pathogenesis of diabetes have been described over the last decade. These mutations are localised within genes associated with glucose metabolism, providing a molecular basis for the heterogeneity in the clinical presentation of diabetes mellitus. However, chronic hyperglyceamia associated with other vascular risk factors can only partly explain the incidence of micro and macrovascular complications. Familial studies have revealed the presence of a familial susceptibility for some vascular complications as nephropathy and coronary heart disease. In addition, these two vascular complications of diabetes mellitus are frequently associated in the same individual. This familial susceptibility could not be exclusively explained by environmental factors. Consequently the quest for susceptibility genes of vascular complications appears as a logical approach. The study of genes associated with an increased cardiovascular risk like the renin angiotensin system, the hemostasis cascade or the lipoproteins, may consitute the first step in this new research avenue. Moreover, glycation and oxidation pathways seem to play a role in the development of vascular complications. For example, the paraoxonase genes are good candidates for an increased vascular risk. This enzyme is entirely bound to HDL-cholesterol and could explain its anti-oxidant capacity. The natural substrate of this enzyme is unknown but there is some evidence suggesting that it may participate in the oxidated phospholipids degradation. Functional studies of paraoxonase with other exogenous substrates have revealed different phenotypes associated with different catalytic activities. In addition, varying enzymatic activities seem to be associated with different polymorphisms of the paraoxonase gene recently described (at position 192 and 55 of the paraoxonase gene), and these two polymorphisms have been recently studied in relation with coronary heart disease in non insulin dependent diabetic patients. The two polymorphisms were associated with coronary heart disease. But these initial results still await confirmation in different populations. Such studies will likely open the way to novel approach of vascular complications in diabetes mellitus. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, sup2, 57-63 Key-words : genes, diabetes, complications. 28 J Ruiz D iabetes mellitus representa uma das moléstias metabólicas mais devastadoras do mundo. As complicações crônicas do diabetes mellitus representam altos custos tanto para o paciente como para a sociedade: maior freqüência de moléstia coronariana e AVC, cegueira, gangrena do pé e moléstia renal. No diabetes mellitus de tipo 1, o estudo DCCT demonstrou recentemente que a microangiopatia pode ser parcialmente prevenida pelo controle ótimo da glicemia obtido com o tratamento intensivo com insulina [1]. Além disso, aproximadamente 50 % das complicações tardias poderiam ser prevenidas pela terapia intensiva com insulina nos diabéticos de tipo 1 e de tipo 2 [1, 2]. Poderia ser postulado que o tratamento intensivo com insulina pode ter uma eficácia maior em pacientes diabéticos de alto risco, mas prevenção primária e secundária implica em altos custos e menor eficácia se todos os pacientes devessem ser tratados. Se os pacientes de alto risco pudessem ser identificados, a eficácia do tratamento intensivo certamente seria melhor. Estudos epidemiológicos identificaram previamente vários fatores de risco para o desenvolvimento de complicações tardias do diabetes mellitus. Entre esses fatores de risco, alguns mostram claramente influências genéticas: fatores étnicos e história familiar. A influência genética no desenvolvimento de complicações crônicas do diabetes mellitus representa agora um novo aspecto dos estudos epidemiológicos. Diabetes & Metabolism modelos não esgotam a questão: eles meramente ilustram a abordagem que deve ser desenvolvida a partir da identificação de fatores de risco genéticos associados a moléstias complexas de etiologia múltipla. No modelo 1 (Fig. 1), a susceptibilidade genética não induz à moléstia diretamente mas sim age aumentando o nível de exposição do fator de risco. Nesse modelo a base genética da moléstia é igual à base genética do fator de risco, mas os fatores de risco podem ter outras causas, genéticas e nãogenéticas. No modelo 2, o fator de risco tem um efeito direto na susceptibilidade à moléstia e o componente genético aumenta esse efeito. A susceptibilidade genética não têm efeito na ausência do fator de risco o qual pode agir por si próprio para causar a moléstia. O modelo 3 é o inverso do modelo 2. O fator de risco não têm efeito na ausência do componente genético e a susceptibilidade genética pode aumentar o risco por si mesma. No modelo 4, nem o componente genético nem o fator de risco podem induzir a moléstia por si mesmo, mas a probabilidade de moléstia está aumentada quando ambos estiverem presentes. No modelo 5, ou o componente genético ou o fator de risco podem influenciar, por si mesmos, a probabilidade de moléstia e os efeitos combinados MODELO 1 ■ A INTERRELAÇÃO ENTRE OS FATORES DE RISCO GENÉTICOS E AMBIENTAIS ASSOCIADOS ÀS COMPLICAÇÕES TARDIAS DO DIABETES MELLITUS A história natural das complicações microvasculares e macrovasculares do diabetes mellitus foi extensivamente estudada. O diabetes de tipo 1 e o de tipo 2 diferem notavelmente na apresentação das complicações tardias. No diabetes mellitus de tipo 1, a incidência e a prevalência de complicações microvasculares estão intimamente relacionadas à duração e ao controle metabólico da moléstia, com as primeiras manifestações clínicas aparecendo entre 5 a 10 anos depois do início do diabetes. De modo inverso, as complicações micro e macrovasculares podem ser as primeiras manifestações clínicas do diabetes de tipo 2. Essa divergência no aparecimento das complicações tardias é devida em parte à latência que existe entre as manifestações biológicas da hiperglicemia e o diagnóstico médico do diabetes mellitus. Outros fatores contribuem grandemente para a incidência e progresso das complicações tardias. Foi levantada a hipótese de que os fatores de risco associados às complicações tardias do diabetes têm múltiplas causas, genéticas e não genéticas. Além disso, o fator de risco propriamente dito pode ter múltiplas causas, algumas delas envolvendo outros fatores genéticos que não seriam os genes da susceptibilidade para as complicações tardias do diabetes mellitus. Ruth Ottman propôs 5 modelos de interação entre os fatores de risco genéticos e ambientais [3]. Esses cinco genótipo fator de risco MODELO 2 MOLÉSTIA genótipo fator de risco MOLÉSTIA MODELO 3 genótipo fator de risco MOLÉSTIA MODELO 4 genótipo MOLÉSTIA fator de risco MODELO 2 genótipo fator de risco MOLÉSTIA Adaptado de Ottman R. (ref.) FIG. 1 - Interação entre fatores de risco genéticos e ambientais. Vol. 02, nº 1, 1998 INFLUÊNCIA DE FATORES GENÉTICOS dos dois pode ser diferente do de cada um agindo isoladamente. Cada um desses cinco modelos leva a diferentes previsões sobre o risco de doença. Pesquisa epidemiológica sobre fatores genéticos associados a complicações tardias do diabetes mellitus deveriam integrar tal abordagem para definir o desenho do estudo e a análise estatística. Os resultados de certa forma contraditórios com respeito a algumas associações com as complicações microvasculares deveriam ser interpretados com cautela, tendo em mente a crucial importância da definição clínica do fenótipo estudado (retinopatia, nefropatia ou moléstia coronariana (CHD)) e o fato de que não existe consenso geral para a definição das complicações do diabetes. Por exemplo, dois estudos japoneses revelaram uma associação entre o polimorfismo do gene de uma enzima conversora da angiotensina I e nefropatia diabética [4, 5] no diabetes de tipo 2. Um outro grupo japonês não encontrou essa associação [6]. Esses estudos, 2 positivos e 1 negativo, não aplicaram a mesma definição clínica para nefropatia diabética. O estudo negativo teve uma abordagem mais conservadora incluindo somente pacientes com proteinúria persistente ou em hemodiálise crônica e os estudos positi- vos incluíram tanto pacientes com microalbuminúria como pacientes com macroalbuminúria. Essas diferenças com respeito à definição clínica do fenótipo poderia explicar em parte os resultados discrepantes. A mesma problemática é encontrada no estudo da microangiopatia diabética, onde as definições clínicas não são sempre idênticas entre diferentes estudos. Em particular a CHD deveria ser definida com exatidão para que os resultados de diferentes estudos possam ser comparados. Realmente, a definição de CHD inclui diferentes estados: infart do miocárdio, moléstia coronariana, angina pectoris e alterações eletrocardiográficas isquêmicas no ECG convencional de repouso. A patogênese desses múltiplos aspectos da CHD nem sempre implica que os mesmos mecanismos e fatores de risco vascular não estejam relacionados a todos aspectos da CHD. Alguns podem ser mais importantes na indução da aterogênese e outros na da trombose. Ainda mais, a patofisiologia que leva às complicações vasculares do diabetes mellitus poderia implicar diferentes estágios de interações com o estado diabético (Fig. 2). Como resultado, o método adotado, (por exemplo a definição do fenótipo, tipo de análise estatística) deveria ser avaliado criticamente. ■ ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA DOS FATORES GENÉTICOS ASSOCIADOS ÀS COMPLICAÇÕES TARDIAS DO DIABETES MELLITUS Hiperglicemia Hiperinsulinemia Anormalidades das lipoproteínas Oxidação Estado hipercoagulável Agregação plaquetária Complicações Micro e Macro vasculares Diabetes Mellitus 29 Alterações hemodinâmicas Obesidade Fatores de crescimento Fatores ambientais Outros FIG 2 - Mecanismos envolvidos nas complicações micro e macrovasculares do diabetes mellitus Genes associados a micro e macroangiopatia podem ser identificados por três métodos diferentes: estudos de famílias, prospectivos e caso-controle. A primeira abordagem oferece grandes vantagens porque ela pode revelar genes principais. Entretanto, os mecanismos implicados nas complicações tardias do diabetes mellitus são provavelmente muito complexos e a análise de ligação não se constitui numa arma muito poderosa para a detecção de genes modificadores. Ao contrário dos estudos familiares, abordagens diferentes que trazem o foco para a identificação de genes candidatos têm um poder muito maior neste âmbito, mesmo que seja necessário testar cada gene do genoma [7]. Estudos de associação tais como os prospectivos e de casocontrole conferem essa perspectiva. A maioria dos estudos epidemiológicos sugere que genes associados a moléstia cardiovascular partilham características comuns com aqueles associados às complicações tardias do diabetes mellitus (Fig. 3). O primeiro passo na busca do gene associado às complicações micro e macrovasculares do diabetes mellitus foi o de testar essa hipótese (Tabela 1). Essa é atualmente a abordagem mais comum e embora os resultados disponíveis não sejam homogêneos, algumas tendências parecem estar emergindo. O sistema renina-angiotensina - O sistema renina-angiotensina parece contribuir para as complicações vasculares. Um grande número de estudos a respeito da associação entre o polimorfismo de inserção/deleção I/D do gene da enzima conversora da angiotensina (ECA) e complicações macrovasculares foi realizado em indivíduos não diabéti- 30 J Ruiz Diabetes & Metabolism Fatores promotores - genéticas - ambientais - hiperglicemia Fatores agravantes - genéticos - ambientais - hiperglicemia + + Início Causas - genéticas - ambientais - hiperglicemia Progressão Complicações estabelecidas anos Complicações da fase final anos - - Fatores de proteção - genéticas - ambientais - tratamento Fatores de retardo - genéticos - ambientais - tratamento FIG. 3. Interação entre fatores de risco e complicações vasculares no diabetes mellitus. cos [8, 9] e diabéticos, com resultados discrepantes e algumas vezes contraditórios. Estudos de associação a respeito do infarto do miocárdio e CHD no diabetes de tipo 1 [10] e II [6, 11, 12] são principalmente concordantes, sugerindo que o polimorfismo ECA-ID é um fator de risco cardiovascular no diabetes. Ao contrário, estudos de associação a respeito do gene da ECA e nefropatia diabética revelaram resultados discordantes. Estudos iniciais em pacientes com diabetes de tipo 1 mostraram uma associação positiva com nefropatia [13, 14] mas esses resultados não foram confirmados por outros grupos [15, 16]. Uma discordância semeTAB. 1- Genes candidatos para as complicações vasculares do diabetes melllitus. Lipídeos Hemodinâmica Fatores de coagulação Outros Apo A1, Apo A4 Renina Fibrinogênio Paraoxonase Apo B Angiotensinogênio PAI 1 Apo C3 Enzima Conversora da Angiotensina Fator de Coagulação Apo E Receptor da Angiotensina II Fator von Willebrand Lipase lipoprotéica Lp(a) CETP lhante existe entre estudos em pacientes com diabetes de tipo 2 [4-6]. Estudos relatando a associação entre o gene da renina e complicações vasculares ainda não foram publicados e os estudos de associação com o gene do angiotensinogênio são principalmente negativos [4, 17]. A via lipídica - A via metabólica lipídica está atualmente sob intensa investigação em virtude de seu papel na aterosclerose. Entre os genes implicados no metabolismo lipoprotéico, alguns parecem ser sérios candidatos para as complicações macrovasculares. Lp (a) é uma forma de lipoproteína de baixa densidade (LDL) modificada pela ligação covalente de uma grande glicoproteína, a apolipoproteína (a). O gene da apolipoproteína (a) é responsável por mais do que 90% da variação das concentrações da lipoproteína (a) plasmática [18]. Esta particularidade confere à Lp(a) o potencial teórico de interferir com dois mecanismos implicados na moléstia macrovascular: 1o - aterogênese (via componente LDL); e 2o - trombose (através do componente apolipoproteína (a). Embora a relação entre o controle do diabetes e a Lp(a) ainda seja controversa, a associação entre altas concentrações de Lp(a) e moléstia macrovascular pode existir tanto em pacientes com diabetes de tipo 2 [19,20] como naqueles de tipo 1 [21]. O papel da Lp(a) nas complicações microvasculares parece ser mais controverso, com estudos negativos [22] e positivos [23]. Outros genes de lipoproteínas, como a apolipoproteína E, parecem ter um papel na macroangiopatia [24]. Além disso, a oxidação das LDL foi implicada no desenvolvimento da CHD através do início de crescimento de células-espuma [25]. Uma vez que a hiperglicemia crônica [25] 32 J Ruiz e os produtos finais da glicosilação [26] parecem predispor à oxidação lipídica, essas vias patofisiológicas podem contribuir para o aumento do risco de moléstia vascular no diabetes. Gene da paraoxonase - Estudos epidemiológicos mostraram que os níveis plasmáticos de HDL estão inversamente correlacionados com o risco de CHD [27] e diabetes mellitus está associado a níveis mais baixos de HDL-colesterol. A paraoxonase sérica humana (PON) é uma enzima inteiramente ligada à HDL, a qual catalisa a hidrólise de organofosfatos, ésteres aromáticos do ácido carboxílico e carbamatos. Seu substrato natural ainda é desconhecido mas pode consistir de lipídeos oxidados [28, 29]. Em concordância com essa hipótese, estudos recentes sugeriram que a PON nas HDL pode proteger contra a indução da resposta inflamatória nas paredes arteriais pela destruição de lipídeos biologicamente ativos em LDL oxidadas [30]. A capacidade anti-inflamatória das HDL pode portanto estar relacionada à presença de PON junto com o fator ativador plaquetário acetil hidrolase nas HDL [31]. Experimentos in vivo também sugerem que a expressão da PON está sob controle genético e relacionada ao desenvolvimento de estrias gordurosas [32]. Como no diabetes mellitus a produção de LDL oxidadas está patofisiologicamente aumentada, fatores que reduzem esses níveis como a PON, deveriam proteger contra a macroangiopatia. Em particular, a modulação dos níveis séricos da PON (ou de sua capacidade enzimática) pode influenciar o risco cardiovascular em pacientes diabéticos. A PON humana exibe uma ampla variedade de atividades em certos substratos exógenos, parcial ou completamente sob controle genético [33]. A relevância clínica desses polimorfismos da PON foi demonstrada pela primeira vez por nosso grupo [34] e em estudos em andamento sobre genes de susceptibilidade para complicações macrovasculares foi identificado um polimorfismo na posição 192 do gene da PON como um fator de risco independente para CHD, em pacientes com diabetes de tipo II. Um segundo polimorfismo afetando a posição 55 do gene da PON envolve uma mudança de metionina (alelo M) para leucina (alelo L), e recentemente foi demonstrada uma associação entre o alelo L e CHD, na mesma população [35]. Foi também demonstrado que há diferenças altamente significantes nas concentrações plasmáticas e nas atividades da paraoxonase em genótipos definidos pelo polimorfismo 55, enquanto que a variante 192 não tem nenhum impacto nas concentrações plasmáticas da enzima. O estudo da relação entre diabetes e a atividade enzimática da PON deu resultados conflitantes. No estudo casocontrole não foi encontrada qualquer diferença entre indivíduos diabéticos e não-diabéticos, enquanto que outros grupos mostraram uma atividade plasmática da PON menor em pacientes diabéticos [36]. Um estudo recente feito pelo mesmo grupo confirmou os resultados anteriores: uma atividade PON menor em pacientes diabéticos, com os níveis mais baixos em pacientes que apresentavam neuropatia periférica [37]. Esses resultados sugerem que a PON poderia estar envolvida na patogênese da micro e macroangiopatia no diabetes, uma hipótese consistente com a sus- Diabetes & Metabolism peita implicação da peroxidação lipídica na susceptibilidade à neuropatia [38]. Numa população não diabética, o estudo do polimorfismo do PON192 e CHD também deu resultados conflitantes. Enquanto um relato americano concluiu que o polimorfismo Gln-Arg 192 do gene da PON estava associado com uma predisposição para aterosclerose coronariana [39], um segundo estudo feito em pacientes finlandeses não confirmou esse achado [40]. Esses resultados opostos poderiam ser explicados por vários fatores. O estudo finlandês tinha um menor poder estatístico, com somente 169 indivíduos comparado a 380 casos do outro estudo. Uma outra explicação poderia ser a definição diferente de CHD entre ambos estudos. Uma última possibilidade seria que a carga genética finlandesa é tal que a associação genética está perdida ou mais fraca devido a outros fatores genéticos ou ambientais, como proposto por Antikainen et al. Finalmente, foi recentemente mostrado que a PON humana é um membro de uma família de multigenes [41]. Isso mostra a necessidade de futuros estudos para determinar as funções individuais, atividades enzimáticas e os papéis patológicos das paraoxonases. ■ CONCLUSÕES A aglutinação familiar de CHD foi reconhecida quarenta anos atrás. Mais recentemente, um fenômeno semelhante foi também identificado para a nefropatia diabética [42]. Esses dados são consistentes com a hipótese de que ao lado da hiperglicemia, os fatores genéticos são o principal determinante da micro e macroangiopatia diabética. Muito progresso foi feito na última década na compreensão dos mecanismos moleculares subjacentes ao desenvolvimento de problemas micro e macrovasculares no diabetes mellitus. Delinear a genética das complicações vasculares do diabetes é um desafio formidável. Na maioria das vezes, mais do que uma mutação gênica estará possivelmente envolvida e as manifestações clínicas das complicações diabéticas resultarão de múltiplas interações entre fatores genéticos e ambientais. As conseqüências clínicas de tal modulação genéticaespecífica do risco vascular seriam que certos indivíduos poderiam estar mais expostos do que outros à micro e macroangiopatia diabética. A identificação desses indivíduos de alto risco deveria ser feita com especial cuidado e o tratamento tanto do diabetes mellitus como dos fatores de risco vascular deveria ser mais agressivo. No entanto, muito trabalho ainda é necessário antes que o teste de susceptibilidade genética de um indivíduo às complicações vasculares do diabetes mellitus, possa ser oferecido como um serviço clínico. 1 BIBLIOGRAFIA DCCT Research Group. The effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med, 1993, 329, 977-986. Vol. 02, nº 1, 1998 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Ohkubo Y, Kishikawa H, Araki E, et al. 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Para avaliar seu papel nos defeitos primários do diabetes, realizamos análises de ligação entre DMNID e 10 marcadores polimórficos próximos aos genes GLUT1, GLUT2 e GLUT4 em 79 famílias francesas DMNID multiplex. As análises de ligação foram realizadas usando tanto métodos paramétricos (lodscore) quanto não-paramétricos (alelos compartilhados entre pares de irmãos afetados). Nenhuma evidência de ligação foi encontrada entre DMNID e as regiões GLUT1, GLUT2 e GLUT4, não importando os métodos e modelos utilizados para a análise. Assim, esses estudos de ligação com famílias demonstram que os loci GLUT1, GLUT2 e GLUT4 não contribuíram significativamente para DMNID neste grupo. A expressão diminuída dos transportadores da glicose observada em alguns pacientes DMNID pode ser secundária a outros defeitos genéticos ou ambientais. Diabetes & Metabolism, 1998, 2, 34-40 Unitermos : Diabetes mellitus não insulino dependente de início tardio, análise de pares de irmãos, análise lodscore, genes GLUT1, GLUT2 e GLUT4. ✍ : P. Froguel, CNRS EP10, Institut Pasteur de Lille, 1 rue du Professeur Calmette, 59019 Lille Cedex, France. Tel. : (33) (0)3-20-87-79-11. Fax : (33) (0)3-20-87-72-29. SUMMARY Impaired glucose-stimulated insulin secretion and impaired insulin-mediated glucose uptake are both prominent phenotypic features of non-insulin-dependent diabetes mellitus (NIDDM). Membrane proteins GLUT1 (HepG2), GLUT2 (liver/ islet), and GLUT4 (muscle/adipose tissue) facilitate glucose uptake into cells, and their genes are candidates for NIDDM. To assess their role in primary defects of diabetes, we performed linkage analyses between NIDDM and 10 polymorphic markers near GLUT1, GLUT2 and GLUT4 genes in 79 multiplex French NIDDM families. Linkage analyses were performed using both parametric (lodscore) and non-parametric (allele sharing among affected sib pairs) methods. No evidence was found for linkage between NIDDM and GLUT1, GLUT2 and GLUT4 regions, regardless of the methods or models used for analyses. Thus, these familial linkage studies demonstrate that GLUT1, GLUT2 and GLUT4 loci did not contribute significantly to NIDDM in this cohort. The decreased expression of glucose transporters observed in some NIDDM patients may be secondary to other genetic or environmental defects. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 137-142. Key-words : Late-onset non-insulin-dependent diabetes mellitus, sib-pair analysis, lodscore analysis, GLUT1, GLUT2 and GLUT4 genes. (1) CNRS EP10, Institut Pasteur de Lille, 1 rue du Professeur Calmette, 59019 Lille Cedex France ; (2) Fondation Jean Dausset - C.E.P.H., 27 rue Juliette Dodu, 75010 Paris France ; (3) Hôpital Saint Louis, INSERM U358, rue de la Grange-auxBelles, 75010 Paris France ; (4) Laboratoire de Physiopathologie de la Nutrition, CNRS URA 307, Université Paris 7-Denis Diderot, 75251 Paris Cedex 05, France ; (5) Service Endocrinologie, Hôpital Saint Louis, 1 avenue Claude Vellefaux, 75010 Paris France. 36 S Lesage A hiperglicemia no diabetes mellitus não insulino dependente (DMNID) resulta de uma combinação de duas alterações principais : sensibilidade diminuída à insulina e disfunção pancreática da célula /Gb. Os defeitos primários na maioria dos casos de DMNID ainda são desconhecidos [1]. Estudos em gêmeos e análise da segregação na DMNID familiar sugere um papel chave para fatores hereditários no desenvolvimento da diabetes [2], embora os mecanismos moleculares envolvidos não estejam bem compreendidos. Mutações que levam a subtipos específicos de DMNID foram identificados no gene insulina, no gene receptor da insulina, na glicoquinase e no DNA mitocondrial [3, 4]. Entretanto, nenhum locus importante de susceptibilidade DMNID foi identificado até o momento em uma população caucasiana. Entre genes candidatos que possivelmente contribuem para os antecedentes genéticos da DMNID, são de particular interesse aqueles que codificam os facilitadores do transporte da glicose (GLUT). GLUT1 expresso na maioria das células, desempenha um papel importante na absorção basal da glicose. Acredita-se que GLUT2 tenha um papel importante, pelo menos nos roedores, no significado normal da glicose e na secreção de insulina responsiva à glicose. Uma expressão anormal do gene GLUT2 foi encontrada nas células beta do rato Zucker espontaneamente diabético [5] antes do aparecimento da hiperglicemia [6]. O gene GLUT4 codifica a isoforma transportadora de glicose que media o transporte de glicose estimulado pela insulina no músculo e nos tecido adiposo [7]. A expressão reduzida do gene GLUT4 está associada a transporte diminuído de glicose em indivíduos obesos e com DMNID [8]. Para avaliar a contribuição dos genes GLUT para os determinantes genéticos da DMNID, estudos de associações comparando as freqëências dos alelos dos polimorfismos genéticos em grupos de pacientes com DMNID e em indivíduos normoglicêmicos foram realizados em diferentes grupos étnicos. Apenas um desses estudos sugeriu que uma variação genética em GLUT1 pode estar associada a risco aumentado de DMNID [9]. Muitos poucos estudos de ligação dos genes GLUT com famílias foram relatados, e todos mostraram resultados negativos [10]. Entretanto, esses estudos foram realizados com um pequeno número de famílias e os resultados não excluem o possível papel desses genes em outras populações. Portanto, genotipamos marcadores polimórficos próximos aos genes GLUT1, GLUT2 e GLUT4 em 79 famílias caucasianas francesas com DMNID. Como a DMNID parece segregar-se como um caracter dominante autossômico nessas famílias, examinamos a possibilidade de uma co-hereditariedade desses marcadores com a doença, usando tanto o método lodscore quanto a análise não-paramétrica com pares de irmãos. ■ MATERIAIS E MÉTODOS INDIVÍDUOS Uma campanha multimídia foi realizada na França com a finalidade de selecionar para estudos genéticos famílias com tendência ao diabetes [11]. Setenta e nove famílias (531 indivíduos) foram escolhidas tomando por base a Diabetes & Metabolism DMNID em pelo menos duas gerações consecutivas. Dados clínicos foram obtidos de cada indivíduo durante um exame padronizado realizado pelo Departamento de Endocrinologia do Hospital Saint Louis em Paris, ou pelo médico particular das pessoas. Alguns indivíduos fizeram um teste padrão de tolerância à glicose com 75g administrados oralmente (OGTT) (n = 210), mas amostras de glicose no plasma em jejum foram obtidas em todos os casos (n = 531). Os indivíduos foram considerados afetados se estivessem sendo tratados devido a DMNID, se os resultados do OGTT mostrassem que eles tinham DMNID ou tolerância prejudicada à glicose (IGT) de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde [12], ou se apresentassem um valor plasmático para a glicose em jejum de /Lf 6,1 mmol/l em duas medidas separadas. Assim sendo, 281 indivíduos foram considerados afetados, incluindo 207 com DMNID manifesta, 31 com IGT e 43 com hiperglicemia leve em jejum (FH); os restantes 250 foram considerados não afetados. Um total de 177 (62 %) dos indivíduos diabéticos foram tratados com agentes orais (n = 146) ou insulina (n = 31). ESTUDOS GENÉTICOS Polimorfismos estudados - Os genes GLUT1, GLUT2 e GLUT4 foram mapeados nos cromossomos 1p, 3q e 17p, respectivamente. Dez marcadores polimórficos abrangendo as regiões de GLUT1, GLUT2 e GLUT4 foram genotipados em todos os membros da família. No locus GLUT2, além de um microsatélite altamente informativo [13], usamos uma sonda cDNA phTL3 que detecta dois polimorfismos de comprimento de fragmento de restrição de 2 alelos (RFLP) com Eco RI e dois outros RFLPs de dois alelos com TaqI [14]. Como nenhum marcador altamente polimórfico existia nos loci GLUT1 e GLUT4, marcadores adicionais localizados na vizinhança desses dois loci foram testados quanto a ligação. Três marcadores na região GLUT1 foram usados: sonda cDNA HepG2 que detecta um RFLP no locus GLUT1 com XbaI, a sonda humana L Myc que detecta um RFLP no locus MYCL1 com EcoRI, e a sonda anônima 1-11B que detecta um RFLP informativo de quatro alelos no locus D1S15 com BgIII. Quatro marcadores DNA na região GLUT4 foram tipados: a sonda cDNA AMY#7 detectou um RFLP no locus GLUT4 com KpnI, digestos MspI hibridizados com sondas genômicas pHF121 e pMCT35-1 revelaram RFLPs respectivamente nos loci D17S1 e D17S31 ; e o marcador VNTR altamente informativo pYNZ22 no locus D17S30 foi detectado por digestos RsaI (todas as informações sobre esses marcadores podem ser encontradas na Data Base Genoma, GDB). Análise do polimorfismo do comprimento do fragmento de restrição (RFLP) – O DNA foi extraído do sangue total ou de linhagens de células linfoblastóides usando métodospadrão e digerido com enzimas de restrição de acordo com as instruções do fabricante (Amersham, Reino Unido). Os fragmentos de DNA foram separados por eletroforese em gel de agarose a 0,8% durante 14 horas a 30 V e colocados em membranas de nylon (Hybond N+, Amersham). Sondas foram rotuladas por priming aleatório. As membranas fo- Vol. 02, nº 1, 1998 GENES TRANSPORTADORES DA GLICOSE ram pré-hibridizadas a 65oC durante 2 horas e então hibridizadas na mesma solução com a sonda adequada (/Ga-32P) dCTP rotulada. Lavagem em filtro foi feita a 42oC em condições cada vez mais rigorosas. Análise microsatélite - Para a genotipagem microsatélite GLUT2, o fragmento DNA genômico correspondendo a intron 4 do GLUT2 foi amplificado pela reação em cadeia da polimerase (PCR) usando primers oligonucleotídeos específicos [13]. Produtos PCR não rotulados foram separados por eletroforese em um gel com uréia 8 mol/l e poliacrilamida 6% desnaturante e colocado em membranas de nylon Hybond N+ (Amersham). Os filtros foram então hibridizados com um de dois primers de amplificação (/Ga32P) rotulados com dCTP por transferase terminal. Após 3 horas de hibridização, os filtros foram lavados e autorradiografados durante 1 a 2 horas. ANÁLISE DE LIGAÇÃO Cálculos lodscore - Análises de ligação baseadas no método lodscore foram realizadas usando programas Linkage Package (versão 5.1) [15]. Lodscores de dois pontos para pesquisar a ligação entre cada marcador e a doença foram computados com o programa MLINK. As posições relativas e as distâncias entre os marcadores nas regiões GLUT1 e GLUT4 foram determinadas nas famílias estudadas usando o programa ILINK. Análises de multipontos entre a doença e os marcadores foram então realizadas com o programa 37 LINKMAP. Haplotipos para os quatro marcadores no locus GLUT2 foram gerados e analisados. Indivíduos com hiperglicemia leve em jejum (FH) foram considerados afetados ou desconhecidos. Como a forma de hereditariedade da DMNID era desconhecida, a ligação foi investigada sob diferentes modelos genéticos, conforme descrito anteriormente [16]. Todos os modelos consideram que a transmissão familiar da doença é devida a um único gene com dois alelos D e d, sendo D o alelo que aumenta a susceptibilidade à DMNID. Como as famílias escolhidas tinham DMNID há pelo menos duas gerações, duas formas de hereditariedade foram consideradas: dominante, em que as penetrâncias dependentes de sexo e idade, fDD e fDd são iguais; e codominantes, em que a penetrância para o heterozigoto está entre aquelas dos dois homozigotos. Duas situações alternativas foram consideradas para cada forma considerada de hereditariedade DMNID, com a preocupação de minimizar o risco de falsa exclusão : um gene raro de susceptibilidade com uma penetrância elevada para toda a vida e uma taxa elevada de fenocópias, e um gene mais freqüente de susceptibilidade com uma penetrância moderada para toda a vida e uma baixa taxa de fenocópias. Os parâmetros foram escolhidos para combinar com os riscos de morbidade específicos para sexo e idade na população francesa [17]. Três classes etárias foram definidas: /Ld 35, 35-55, /Lf 55 anos, que apresentavam riscos cumulativos de morbidade respectivamente de 0,5, 2,4 e 6 % nos homens e 0,5, 2 e 4 % nas mulheres. Os modelos genéticos são descritos na Tabela I. TABELA 1 - Modelos genéticos considerados nas análises de ligação de DMNID Parâmetros sob cada modelo Idade e classes de susceptibilidade sexo-específica Homens Mulheres 35 anos 35-55 anos 55 anos 35 anos 35-55 anos 55 anos DOM 1 (q = 0.01) fDD fDd fdd*(%) 0.20 0.20 0.001 (20 %) 0.63 0.63 0.013 (50 %) 0.90 0.90 0.043 (70 %) 0.20 0.20 0.001 (20 %) 0.50 0.50 0.01 (50 %) 0.60 0.60 0.029 (70 %) DOM 2 (q = 0.05) fDD fDd fdd*(%) 0.05 0.25 0.05 0.25 0.00003 (0.5 %) 0.00055 (2 %) 0.59 0.59 0.0033 (5 %) 0.05 0.20 0.05 0.20 0.00003 (0.5 %) 0.00044 (2 %) 0.39 0.39 0.0022 (5 %) 0.72 0.36 0.0266 (40 %) 0.09 0.32 0.05 0.16 0.00055 (10 %) 0.0044 (20 %) 0.48 0.24 0.66 0.17 0.00415 (5 %) 0.06 0.23 0.02 0.06 0.00003 (0.5 %) 0.00055 (2 %) 0.44 0.11 0.00277(5 %) COD 1 (q = 0.05) fDD 0.09 0.40 fDd 0.05 0.20 fdd*(%) 0.00055 (10 %) 0.0055 (20 %) 0.0177 (40 %) COD 2 (q = 0.15) fDD fDd fdd*(%) 0.06 0.28 0.02 0.07 0.00003 (0.5 %) 0.00069 (2 %) q é a freqüência do alelo da doença (D) e fDD, fDd e fdd são as respectivas penetrâncias dos genótipos DD, Dd e dd sob as formas dominantes (DOM1, DOM2) e codominantes (COD1, COD2) de hereditariedade. *a proporção das fenocópias entre indivíduos afetados é indicada entre parênteses. 38 S Lesage Diabetes & Metabolism Análise dos pares de irmãos - Este método não-paramétrico de análise, conforme descrito por Elston [18], compara a proporção média de alelos marcadores idênticos-pordescendência (IBD) estimados entre pares de irmãos afetados, com aqueles esperados tomando por base ausência de ligação, usando um teste-t unilateral. Na ausência de ligação, a proporção média dos alelos IBD em pares afetados deveria ser igual a 0,5, enquanto que deveria ser maior que 0,5 se o marcador estiver ligado à doença. As 79 famílias DMNID compreendiam 221 pares de irmãos afetados (in- TABELA 2 - Análises de ligação do gene DMNID versus os genes GLUT1, GLUT2 e GLUT4 em um conjunto de 79 famílias DMNID. Gene θ) Valores Lodscore em várias frações de recombinação (θ Modelo genético θ = 0.00 θ = 0.01 θ = 0.05 θ = 0.10 θ = 0.20 θ = 0.30 θ = 0.40 GLUT1 DOM1 DOM2 COD1 COD2 + + 0.74 0.36 0.75 0.74 + + 0.53 0.23 0.76 0.73 + + + + 0.09 0.15 0.78 0.70 + + + + 0.52 0.40 0.74 0.63 + + + + 0.73 0.48 0.54 0.42 + + + + 0.49 0.30 0.29 0.21 + + + + 0.16 0.09 0.08 0.06 GLUT2 Haplotype DOM1 DOM2 COD1 COD2 - 7.38 4.83 2.14 1.17 - 6.22 4.21 1.89 1.04 - 3.28 2.44 1.11 0.62 - 1.33 1.14 0.48 0.26 + 0.24 - 0.01 + 0.07 + 0.07 + + + + 0.42 0.19 0.14 0.10 + + + + 0.15 0.07 0.05 0.04 GLUT4 DOM1 DOM2 COD1 COD2 - 2.49 1.57 0.60 0.25 - 2.24 1.39 0.54 0.21 - 1.53 0.90 0.36 0.10 - 0.98 0.54 0.20 0.01 - 0.39 - 0.18 - 0.05 + 0.05 + + 0.13 0.04 0.00 0.04 - 0.03 + 0.00 + 0.00 + 0.01 Os valores lodscore totais das 79 famílias com DMNID foram computados usando um método lodscore presumindo dois modelos genéticos dominantes (DOM1 e DOM2) e codominantes (COD1 e COD2) em várias frações recombinantes. Os haplotipos GLUT2 foram realizados com repetição 15 (CA), polimorfismos EcoRI e TaqI. TABELA 3 Análises de ligação do gene DMNID versus marcadores localizados na vizinhança dos genes GLUT1 e GLUT4 em um conjunto de 79 famílias com DMNID. Marcador θ) Valores Lodscore em várias frações de recombinação (θ Modelo genético θ = 0.00 θ = 0.01 θ = 0.05 θ = 0.10 θ = 0.20 θ = 0.30 θ = 0.40 GLUT1MYCL1 DOM1 DOM2 COD1 COD2 + + 1.19 0.22 0.43 0.59 + + 0.96 0.11 0.45 0.61 - 0.30 + 0.21 + 0.52 + 0.65 + 0.19 + 0.42 + 0.54 + 0.64 + 0.52 + 0.47 + 0.43 + 0.48 + 0.39 + 0.30 + 0.24 + 0.26 + 0.13 + 0.09 + 0.07 + 0.07 GLUT1D1S15 DOM1 DOM2 COD1 COD2 + + 3.82 0.71 0.38 0.73 + + 3.20 0.43 0.45 0.75 - 1.62 + 0.27 + 0.64 + 0.80 - 0.60 + 0.65 + 0.72 + 0.78 + 0.19 + 0.71 + 0.58 + 0.57 + 0.24 + 0.42 + 0.31 + 0.30 + 0.08 + 0.12 + 0.09 + 0.08 GLUT4D17S15 DOM1 DOM2 COD1 COD2 - 5.92 3.66 1.77 1.00 - 5.15 3.30 1.62 0.91 - 3.32 2.24 1.14 0.64 - 2.05 1.40 0.73 0.39 - 0.76 0.52 0.27 0.13 - 0.23 0.16 0.08 0.03 - 0.04 - 0.03 - 0.01 + 0.00 GLUT4D17S31 DOM1 DOM2 COD1 COD2 - 6.51 4.26 2.60 1.86 - 5.83 3.91 2.45 1.76 - 4.16 2.87 1.91 1.39 - 2.88 2.00 1.40 1.02 - 1.34 0.94 0.69 0.51 - 0.51 0.37 0.28 0.20 - GLUT4D17S30 DOM1 DOM2 COD1 COD2 - 22.14 - 12.08 - 7.75 - 4.41 - 19.66 - 11.03 - 7.21 - 4.14 - 13.51 - 7.91 - 5.46 - 3.22 - 8.93 - 5.39 - 3.87 - 2.32 - 3.87 - 2.45 - 1.83 - 1.12 Os valores lodscore totais nas famílias DMNID foram calculados sob os mesmos modelos genéticos descritos na Tabela 1. - 1.43 - 0.93 - 0.72 - 0.44 0.11 0.09 0.07 0.05 - 0.33 - 0.21 - 0.17 - 0.10 Vol. 02, nº 1, 1998 divíduos com DMNID, IGT ou FH manifestos). As análises foram realizadas considerando os indivíduos com FH ou afetados ou desconhecidos. As análises de pares de irmãos foram realizadas com o programa de computador SIBPAL do pacote S.A.G.E. (RC Elston, JE Bailly-Wilson, GE Bonney, BJ Keats, AF Wilson, observações não publicadas disponíveis no Departamento de Biometria e Genética, Centro Médico da Universidade do Estado da Louisiana, Nova Orleans, LA). As freqüências dos alelos foram computadas a partir dos dados escolhendo um indivíduo de cada família aleatoriamente. GENES TRANSPORTADORES DA GLICOSE TABELA 4 - Análises de pares de irmãos nas regiões GLUT1, GLUT2 e GLUT4 em um conjunto de 79 famílias DMNID. Locus Proporção estimada do marcador alelos compartilhados IBD ± desvio padrão para todos pares de irmãos afetados Valor-P GLUT1 0.51 ± 0.013 n = 206 0.1 L-Myc 0.51 ± 0.014 n = 204 0.1 ■ RESULTADOS D1S15 0.51 ± 0.016 n = 203 0.1 Método lodscore - Nenhuma evidência de ligação entre o locus GLUT1 e a DMNID foi encontrada, não importando o modelo genético testado em uma fração de recombinação θ = 0,00. O lodscore máximo foi + 0,78 em θ = 0,05 sob o modelo codominante (COD1) (Tabela 2). GLUT 1 foi mapeado com relação a dois marcadores presentes nessas famílias com DMNID. A ordem dos loci na região GLUT1 e as distâncias estimadas em centimorgans são as seguintes : 1qterMYCL1-5.3-GLUT1-17,5-DIS15-1pter. Análises de ligação de dois pontos e multipontos dos marcadores presentes MYCL1 e D1S15 confirmaram nossos achados (Tabela 3). A ligação também podia ser excluída entre DMNID e os marcadores do locus GLUT2 (Tabela 2). A ligação foi rejeitada no locus GLUT4 [lodscore de - 2,49 em uma fração de recombinação θ = 0,00 sob o modelo dominante (DOM1), Tabela 2]. A ordem dos loci na região GLUT4 e as distâncias estimadas em centimorgans são as seguintes : 17qter-D17S3013,3-D17S31-3,7-D17S1-5,2-GLUT4-17pter. Análises de ligação e multipontos dos marcadores presentes D17S30, D17S31 e D17S1 confirmaram nossos achados (Tabela 3). A ligação entre o diabetes e os marcadores GLUT1, GLUT2 e GLUT4 também foi excluída quando sujeitos com hiperglicemia leve em jejum (FH) foram considerados desconhecidos (dados não apresentados). GLUT2-EcoRI-1 0.50 ± 0.009 n = 216 0.3 GLUT2-EcoRI-2 0.50 ± 0.011 n = 217 0.3 GLUT2-TaqI 0.49 ± 0.010 n = 221 1.000 GLUT2-(CA)15 0.50 ± 0.020 n = 203 0.4 GLUT4 0.50 ± 0.010 n = 206 0.3 D17S15 0.49 ± 0.014 n = 206 1.000 D17S31 0.48 ± 0.013 n = 206 1.000 D17S30 0.45 ± 0.023 n = 204 1.000 Análise de pares de irmãos - As proporções médias dos alelos marcadores GLUT1, GLUT2 e GLUT4 compartilhando IBD entre os 221 pares de irmãos afetados não aumentaram significativamente, confirmando a ausência de ligação entre DMNID e os genes transportadores de glicose (Tabela 4). ■ DISCUSSÃO Estudos realizados com famílias sobre ligação de genes candidatos, como os realizados aqui, são meios poderosos de detectar importantes determinantes genéticos na DMNID. Nenhuma evidência de ligação entre DMNID e os genes GLUT1, GLUT2 e GLUT4 foi encontrada nas famílias com DMNID, sugerindo que esses genes não estavam primariamente envolvidos na fisiopatologia da diabetes de Tipo 2, pelo menos neste grupo. Entretanto, os resultados da ligação negativa não podem excluir a possibilidade de 39 Resultados das análises com pares de irmãos entre DMNID de início tardio e genes candidatos (GLUT1, GLUT2 e GLUT4). Marcadores polimórficos na vizinhança dos loci GLUT1 e GLUT4 são LMyc-D1S15 e D17S15-D17S31-D17S30, respectivamente. Três marcadores iatrogênicos no gene GLUT2 também foram analisados em um conjunto de 79 famílias com DMNID. Indivíduos com diabetes manifesto, aqueles com tolerância prejudicada à glicose e aqueles com leve hiperglicemia em jejum foram considerados afetados. n: número de todos os pares de irmãos afetados. que mutações nesses genes desempenhem um papel nos antecedentes poligênicos da doença, um papel importante em algumas famílias, ou que alguns alelos desses genes possam estar em desequilíbrio de ligação com o diabetes de Tipo 2. Com relação a isto, uma alteração conservadora do aminoácido valina para isoleucina (identificada em um único paciente diabético) aboliu a atividade de transporte do transportador GLUT2 expresso em óvulos de Xenopus [19]. Entretanto, os efeitos desta anomalia sobre a patogênese do diabetes não insulino dependente não estão claros. Contrastando com a grande abundância de GLUT2 nas ilhotas do rato, demonstrou-se recentemente que as ilhotas humanas expressam distintamente níveis baixos de mRNA e proteínas transportadoras de glicose [20]. Uma rara mutação no codon 383 no gene GLUT4 foi identificada em indivíduos diabéticos [21,22], mas esta mutação não estava associada com o diabetes [23]. Triagem direta da região de codificação de GLUT1 em uma população japonesa com 40 S Lesage DMNID não conseguiu identificar nenhuma mutação [24]. Concluindo, esses resultados demonstram que os loci GLUT1, GLUT2 e GLUT4 não contribuem significativamente para a DMNID neste grupo de famílias caucasianas francesas. A expressão diminuída dos transportadores de glicose observada em alguns pacientes com DMNID provavelmente era secundária a outros defeitos genéticos ou ambientais. Com relação a isto, o gene ras associado com a diabete (RAD) parece estar envolvido nos mecanismos da resistência à insulina da DMNID através da inibição da translocação do GLUT3 no músculo [25]. BIBLIOGRAFIA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 De Fronzo RA. The triumvirate : B-cell, muscle, liver. A collusion responsible for NIDDM. Diabetes, 1988, 37, 667-687. Barnett AH. Diabetes, Race and Genes. Diabetic Med, 1989, 6, 7883. Froguel P, Hager J, Vionnet N. The genetics of type II diabetes. Current Opinion in Endocrinology and Diabetes, 1995, 2, 285-289. Froguel P, Zouali H, Vionnet N, et al. 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Diabetes & Metabolism 1998, 2, 41-46 Artigo Or ig inal Orig iginal EFICÁCIA DA PRAVASTATINA EM DOSES BAIXAS EM PACIENTES COM HIPERLIPIDEMIA LEVE ASSOCIADA AO DIABETES MELLITUS TIPO 2 M. KREMPF (1), F. BERTHEZÈNE (2), J.L. WEMEAU (3), S. MOINADE (4), I. DESRIAC (5), E. AMELINEAU (5), P. PASSA (6) RESUMO Um estudo controlado por placebo, paralelo, duplo-cego, randomizado, durante um período de 16 semanas, foi elaborado para determinar os efeitos da pravastatina em doses baixas sobre as concentrações de colesterol de pacientes com hipercolesterolemia leve e diabetes mellitus não insulino dependente (DMNID). Após um período de 6 a 8 semanas sob dieta rigorosa, um nível médio de colesterol sérico total (CT) de > 5,2 mmol/l (200 mg/dl) e < 7,8 mmol/l (300 mg/dl) foi exigido para inclusão. O controle metabólico do diabetes foi determinado por um nível de hemoglobina Alc (HbAlc) inferior ao dobro do limite normal superior em duas ocasiões. Dos oitenta e seis (86) pacientes, recrutados em 5 clínicas francesas para diabéticos e distribuídos ao acaso numa proporção de 1:1 (10 mg de pravastatina ou placebo), 74 completaram o estudo. Houve 12 interrupções: 5 (11,6 %) no grupo tratado com pravastatina e 7 (16,3%) no grupo tratado com placebo. As desistências foram devidas a um evento adverso em 1 paciente (2,3 %) do grupo pravastatina e em 5 pacientes (11,6 %) do grupo placebo. Trinta e cinco (35) pacientes placebo e 14 pacientes pravastatina tiveram suas doses de tratamento dobradas na semana 8: a dose de tratamento foi dobrada na semana 8 nos casos em que não se observava resposta ao tratamento (CT na semana 7 > 5,2 mmol/l e diminuição de CT < 15% dos valores iniciais). Na semana 16, a pravastatina diminuiu o CT de 6,4 para 5,6 mmol/l (-13,8%, p < 0,001 versus placebo), o colesterol de lipoproteínas de baixa densidade (LDL-C) de 4,3 para 3,4 mmol/l (- 20,4%, p < 0,001 versus placebo), e o colesterol de lipoproteínas de alta densidade aumentou levemente (HDL-C) de 1,18 para 1,25 mmol/l ( + 6,7 %). Os efeitos colaterais foram semelhantes para ambos os grupos. A glicose sangüínea controle não se alterou quando avaliada por medidas em série da HbAlc que permaneceram inalteradas durante o tratamento. Este estudo demonstrou que a pravastatina em doses baixas é eficaz para diminuir os níveis de colesterol em pacientes com hipercolesterolemia e DMNID. Diabetes & Metabolism, 1998, 2, 41-46 Unitermos : pravastatina, hipercolesterolemia, diabetes não insulino dependente. ✍ : M.Krempf, Clínica de Endocrinologia, Hôtel Dieu, BP 1005, 44035 Nantes Cedex 01, França. Tel.: 02 40 08 30 72. Fax: 02 40 08 30 79. SUMMARY A 16 week, randomized, double-blind, parallel, placebo-controlled study was designed to determine the effects of low-dose pravastatin on cholesterol concentrations in patients with mild hypercholesterolemia and non-insulin-dependent diabetes mellitus (NIDDM). Following a 6-to 8-week dietary run-in period, a mean serum total cholesterol (TC) level > 5.2 mmol/l (200 mg/dl), but < 7.8 mmol/ l (300 mg/dl) was required for entry. Metabolic control of diabetes was determined by a hemoglobin Alc (HbAlc) level less than twice the upper limit of normal on two occasions. Eighty six (86) patients recruited in 5 French diabetic clinics, were randomized in a ratio of 1 :1 (pravastatin 10 mg or placebo), and 74 completed the study. There were 12 discontinuations : 5 (11.6 %) in the pravastatin group and 7 (16.3 %) in the placebo group. Drop-out was due to an adverse event in 1 patient (2.3 %) in the pravastatin group and in 5 patients (11.6 %) in the placebo group. Thirty five (35) placebo patients and 14 pravastatin patients had their dose of treatment doubled at week 8 : the dose of treatment was to be doubled at week 8 in the event of non-response to treatment (TC at week 7 > 5.2 mmol/l and TC decrease < 15 % from baseline). At week 16, pravastatin lowered TC from 6.4 to 5.6 mmol/l (- 13.8 %, p < 0.001 versus placebo), low-density lipoprotein cholesterol (LDL-C) from 4.3 to 3.4 mmol/l (- 20.4 %, p < 0.001 versus placebo) and slightly increased high-density lipoprotein cholesterol (HDLC) from 1.18 to 1.25 mmol/l (+ 6.7 %). Side effects were similar in both groups. Blood glucose control was not altered as assessed by serial HbAlc measurements which were unchanged during treatment. This study demonstrated that lowdose pravastatin is effective in lowering cholesterol levels in patients with hypercholesterolemia and NIDDM. Diabetes & Metabolism, 1997, 23, 131-136. Key-words : pravastatin, hypercholesterolemia, non-insulin-dependent diabetes. (1) Clínica de Endocrinologia, Hôtel Dieu, Nantes, França; (2) Centro Hospitalar, Hôpital de l’Antiquaille, Lyon, França; (3) Unité de soins normalisés, Lille, França; (4) Serviço de Endocrinologia, Hôpital St. Jacques, Clermont-Ferrand, França; (5) Bristol-Myers Squibb, Paris, França; (6) Serviço de Endocrinologia, Hôpital St. Louis, Paris, França. 42 M Krempf A terosclerose é a complicação mais comum do diabetes nos países desenvolvidos [1, 2]. Ocorre em pessoas mais jovens e progride mais rapidamente em pacientes com diabetes mellitus não insulino dependente (DMNID) que apresentam incidência mais elevada de cardiopatia coronariana fatal em comparação com a população não diabética [2, 3, 4]. Os fatores que predispõem os diabéticos à aterosclerose prematura não foram totalmente esclarecidos. Estão envolvidos, provavelmente, o controle precário da glicose no sangue, a pressão arterial elevada, a hiperinsulinemia e as anormalidades lipídicas [2]. A hiperlipidemia foi considerada um fator de risco importante na doença aterosclerótica [5, 6] e o DMNID freqüentemente induz dislipoproteinemia caracterizada por anormalidades no metabolismo das lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e das lipoproteínas de alta densidade (HDL) [7]. Como os fatores de risco da cardiopatia coronariana são multiplicativos [6], o tratamento do metabolismo lipídico anormal pode reduzir os riscos de morbidade e mortalidade vasculares no DMNID. Na verdade, não há aumento na incidência de cardiopatia coronariana entre diabéticos em certas populações com concentrações baixas de colesterol sangüíneo total como os índios Pima, os chineses ou os japoneses [8, 9]. Inibidores da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A reduziram o LDL colesterol no plasma diminuindo a síntese endógena do colesterol [10]. A pravastatina provou sua eficácia reduzindo o LDL colesterol em pacientes hipercolesterolêmicos e é bem tolerada pela população em geral [11, 12]. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da pravastatina em doses baixas em pacientes com DMNID e hipercolesterolemia leve. ■ PACIENTES E MÉTODOS Pacientes - Indivíduos entre 40 e 70 anos de idade foram recrutados em cinco clínicas francesas para diabéticos. Todos apresentavam história de diabetes mellitus não insulino dependente durante no mínimo um ano e hipercolesterolemia primária leve de acordo com a conferência de consenso americana [13] sobre dislipidemia em pacientes com elevado risco de CHD (isto é, níveis de colesterol total em jejum entre 5,2 e 7,8 mmol/l [200 a 300 mg/dl]). Para todos os pacientes, HbAlc devia ser inferior a 200 % do limite normal superior. Nenhum paciente tinha níveis de triglicerídios abaixo de 2,28 mmol/l (200 mg/dl). Todos os pacientes faziam dieta devido ao diabetes e recebiam ou um agente oral ou insulina. Os pacientes com hipercolesterolemia familiar de tipo homozigoto ou com triglicerídios > 5,7 mmol/l, ou tomando agentes para reduzir os lipídeos, preparados com óleo de peixes, diuréticos da família da tiazida, beta bloqueadores, ou apresentando função cardíaca, hepática, da tiróide ou renal anormais foram excluídos. Mulheres na pré-me- Diabetes & Metabolism nopausa, a menos que cirurgicamente estéreis, ou com dispositivo intrauterino durante no mínimo seis meses, não foram incluídas. Pacientes com diabetes mellitus tipo 1 ou qualquer outra doença que pudesse oferecer risco ao paciente ou interferir com o objetivo do estudo não foram incluídos. O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética local e foi explicado aos pacientes que deram consentimento informado. Protocolo experimental - O estudo consistiu de um período de dieta de 6 a 8 semanas, seguido por um período de tratamento duplo cego de 16 semanas. Oito semanas antes do início do período duplo cego, os pacientes foram orientados quanto à dieta de acordo com as recomendações da American Diabetes Association [14]. Os pacientes foram triados em duas visitas com um intervalo de uma semana, durante as duas semanas que precederam o período duplo cego (semana 0). Durante essas duas visitas para triagem, o LDL colesterol foi determinado de acordo com a fórmula de Friedewald [15] após 10 a 12 horas de jejum. Os pacientes foram escolhidos pela média das duas medidas. Confirmou-se que o diabetes estava adequadamente controlado, e HbAlc foi determinada. Na semana 0, os pacientes que satisfizeram aos critérios de inclusão (níveis de colesterol total de 5,2 a 7,8 mmol/ l e LDL-C > 3,4 mmol/l) receberam 10 mg de pravastatina, ou placebo equivalente, e foram instruídos a tomar um comprimido por via oral à noite, continuando a obedecer as orientações com relação à dieta. Peso e pressão arterial foram registrados. Um exame oftalmológico também foi realizado. Os pacientes voltaram após 7, 8 e 16 semanas de tratamento. A obediência ao tratamento e possíveis eventos adversos foram verificados e as avaliações de laboratório foram realizadas. Os pacientes que não atingiram a resposta alvo na avaliação da semana 7 (C-total < 5,2 mmol/l [200 mg/dl] ou diminuição de < 15% dos valores iniciais) tiveram a dose do medicamento (ou do placebo) dobradas durante as 8 semanas restantes. Exame oftalmológico foi realizado por um oftalmologista na semana 0 e na semana 16 com a finalidade de examinar a córnea, a presença de opacidades no cristalino ou no vítreo e a acuidade visual. Lipídeos séricos e parâmetros laboratoriais foram determinados nas semanas -2, -1, 7 e 16. HbAlc foi determinada no início (semana -1) e nas semanas 7 e 16. Método analítico - O colesterol total sérico (CT) e os triglicerídios (TG) foram determinados enzimaticamente (Boehringer Mannheim, Meillan, França). O LDL colesterol foi calculado de acordo com a fórmula de Friedewald. O colesterol de lipoproteínas de alta densidade (HDL) foi determinado após precipitação com cloreto de fosfotungstato-manganês. As apolipoproteínas A1, A2, B (Apo A1, A2, B) foram medidas por radioimunoensaio (Behring, França) e Lp(a) por nefelemetria imunolaser (ImmunoFrance, Paris, França). A HbAlc foi medida por cromatografia de afinidade (faixa normal 4 a 6 %). Vol. 02, nº 1, 1998 EFICÁCIA DA PRAVASTATINA 43 Método estatístico - As variáveis da eficácia primária foram os lipídeos séricos em jejum (isto é, CT, LDL-C, HDLC e TG). Todos os valores para cada variável foram transformados em logarítmos naturais para a análise. A análise da covariância da alteração dos valores iniciais (semana -1) em valores logtransformados, com o valor inicial como covariável, foi realizada para comparar os grupos de tratamento. Médias ajustadas para o tratamento (em logs) foram então novamente transformadas em unidades comuns por exponenciação, para fornecer resumo estatístico em termos de alteração percentual média ajustada. Análises a cada visita e ao término do estudo foram realizadas para todos os pacientes registrando os dados para cada visita. Médias geométricas, valores mínimos e máximos foram usados para resumir os resultados dos lipídeos, por tratamento, a cada visita. Da mesma forma, as médias geométricas e a análise das alterações percentuais médias ajustadas da covariância dos valores iniciais foram apresentados para Apo A1, Apo A2, Apo B e Lp(a). Os resultados oftalmológicos foram resumidos como números de opacidades presentes na semana 0 (inicial) e na semana 16. A acuidade visual (sem correção) foi resumida como o número de pacientes que melhoraram, pioraram ou não apresentaram alteração entre os valores iniciais e a semana 16. Os resultados da hemoglobina Alc, as variáveis hematológicas (hemoglobina, glóbulos vermelhos, hematócrito, glóbulos brancos e plaquetas) e as variáveis bioquímicas (uréia, creatinina, ácido úrico, cálcio, bilirrubina total, fosfatase alcalina, AST, ALT, gama GT, proteína total, albumina e CPK) foram resumidos e analisados pelos mesmos métodos (médias geométricas e análise da covariância da alteração dos valores iniciais) usados para as variáveis lipídicas. Os resultados da eficácia e da segurança laboratoriais foram relatados como estatisticamente significantes se um valor p bilateral de 0,05 ou menos fosse atingido. Os dados foram processados e analisados usando o Sistema de Análise Estatística, versão 5.18 do pacote de software (SAS Institute, Inc., Chicago, EUA). TABELA 1 -Todos pacientes randomizados. Resumo das características iniciais em dois grupos estudados. ■ RESULTADOS ambos os grupos apresentavam história familiar de CHD. Apenas 1 paciente no grupo pravastatina e 2 no grupo placebo eram fumantes. As razões para interrupção no grupo pravastatina foram: um (2,3 %) por um evento adverso (hiperidrose), perda durante o acompanhamento (n = 3 ;7,0 %) e razões pessoais (n = 1 ; 2,3 %); e no grupo placebo: evento adverso (n = 4; 9,3 %: fraqueza, insuficiência cardíaca, dor torácica, obstrução intestinal), morte (n = 1; 2,3 %: septicemia), critérios de inclusão não satisfeitos (n = 1; 2,3 %), perda durante acompanhamento (n = 1; 2,3 %). Amostra de pacientes - Um total de 86 pacientes foram incluídos no estudo. Destes, 43 foram aleatoriamente alocados para receber 10 mg de pravastatina, e 43 para receber placebo sob condições duplo-cego. As características iniciais dos pacientes constam da Tabela 1. Os grupos de tratamento eram comparáveis em relação a idade, sexo, peso, pressão arterial, níveis de hemoglobina Alc e níveis de CT. O nível de CT inicial médio era de 6,6 mmol/l. Com exceção de uma história pessoal de angina pectoris, que era mais freqüente no grupo com pravastatina (7 % versus 2 %), os grupos de tratamento eram comparáveis com relação à prevalência de fatores de risco de cardiopatia coronariana (CHD). O fator de risco mais comum era pertencer ao gênero masculino (65 % no grupo pravastatina e 51 % no grupo placebo). Doze porcento dos pacientes em Pravastatina 10 mg (n = 43) Placebo 57.9 42.0-70.0 56.2 41.0-70.0 0.239 Sexo (número de pacientes (%)) Homem 28 (65.1) Mulher 15 (34.9) 22 (51.2) 21 (48.8) 0.194 Peso (kg) Média Faixa 72.6 48.0-96.5 0.863 Altura (cm) Média 165.6 Faixa 148.0-184.0 164.8 148.0-182.0 0.667 Pressão sangüínea sistólica sentado (mmHg) Média Faixa 141.9 113.0-179.0 141.3 110.0-180.0 0.813 Pressão sangüínea diastólica sentado (mmHg) Média Faixa 81.8 64.5-97.5 82.5 70.0-98.0 0.661 Hb Alc (%) Média Faixa 7.5 5.2-13.5 7.0 5.9-12.3 0.214 Idade (anos) Média Faixa 72.2 54.5-113.0 p-valor (n = 43) Eficácia - Trinta e cinco pacientes placebo e 14 pacientes pravastatina tiveram sua dose medicamentosa dobrada na semana 8 para o resto das semanas do estudo. Pacientes de ambos os grupos apresentaram pequenas diminuições no colesterol total médio (CT) devido a dieta 44 M Krempf Diabetes & Metabolism TABELA 2 Média ± desvio padrão das concentrações de lípides (mmol/l) depois 7 e 16 semanas de tratamento TC LDL-C HDL-C TG Baseline Pravastatina Placebo 6.8 ± 0.13 6.6 ± 0.14 4.6 ± 0.13 4.5 ± 0.15 1.21 ± 0.05 1.21 ± 0.05 1.89 ± 0.14 1.76 ± 0.17 Semana 7 Pravastatina Placebo 5.5 ± 0.16 6.5* ± 0.16 3.5 ± 0.14 4.5* ± 0.15 1.28 ± 0.05 1.26 ± 0.05 1.62 ± 0.15 1.62 ± 0.15 Semana 16 Pravastatina Placebo 5.7 ± 0.18 6.8* ± 0.20 3.6 ± 0.16 4.7* ± 0.16 1.30 ± 0.05 1.25 ± 0.06 1.76 ± 0.19 2.17 ± 0.53 * p < 0.001 entre grupo. TC : colesterol total ; LDL-C : LDL-colesterol ; HDL-C : HDL-colesterol ; TG : triglicérides. TC 6,1%* LDL-C 6,8%* HDL-C 6,7% 2,4% TG Apo A1 Apo A2 Apo B Lp(a) 7,4%* 5,8% 0,4% -0,1% -9,0% -1,1% -2,6% -7,9% -13,8% -6,5% -15,1% -20,4% * p < 0,001 entre grupo * p < 0,001 entre grupo FIG. 1. Alteração percentual média dos valores inicias para lipídeos após 16 semanas de tratamento com pravastatina ou placebo . FIG. 2. Alteração percentual média dos valores iniciais das apolipoproteínas e Lp(a) após 16 semanas de tratamento com pravastatina ou placebo . (6,7 mmol/l no início versus 6,35 mmol/l na semana 8). No término do estudo, uma diminuição significativa (Tabela 2) foi observada no grupo com pravastatina em comparação com o grupo controle (p < 0,001). As alterações percentuais médias ajustadas dos valores iniciais indicaram uma diminuição média no grupo pravastatina de 15,4 % na semana 7, e 13,8 % na semana 16 (Fig. 1) em comparação com aumentos de 2,9 % e 6,1 % nas semanas 7 e 16 no grupo placebo. Na semana 16, 58 % (22/38) dos pacientes no grupo pravastatina e 6 % (2/35) no grupo placebo foram definidos como tendo respondido ao tratamento (nível CT < 5,2 mmol/l ou diminuição no CT > 15 % dos valores iniciais). O LDL-C diminuiu (Tabela 2) no grupo pravastatina na semana 7 (- 21,3 %), permanecendo inalterado através de todo o estudo, enquanto que um aumento foi observado no grupo placebo (p < 0,001). A diminuição percentual média no grupo pravastatina variou de 20 a 21 % durante o período de tratamento (Fig. 1). Nenhuma diferença estatística foi observada entre os 2 grupos para HDL-C (Tabela 2, Fig. 1). Em comparação com o grupo placebo, a pravastatina diminuiu os TG (pravastatina versus placebo: - 12,5 % versus + 0,8 %, p = 0,060 na semana 7 e - 9,0 % versus + 5,8 %, p = 0,146 na semana 16). Conforme se esperava, a apolipoproteína B diminuiu significativamente no grupo pravastatina (p < 0,001) mas nenhuma alteração significativa foi observada para Apo A1 ou Apo A2. As concentrações Lp(a) estavam na faixa normal (< 30 g/l) no início do estudo e não se alteraram em ambos os grupos (Fig. 2). Efeitos colaterais - Nenhuma modificação no controle da glicose sangüínea foi observada. Os valores iniciais de HbAlc estavam elevados em ambos os grupos, mas não significativamente diferentes (p = 0,214). Nenhuma alteração foi observada na semana 7 ou na semana 16 em quaisquer dos pacientes. A pressão arterial não aumentou e o peso corporal permaneceu constante. Nenhuma alteração foi observada na acuidade visual (sem correção) nos grupos com pravastatina e placebo. Nenhum paciente de ambos os grupos de tratamento apresentou opacidades oculares na semana 16 que já não estivessem presentes no início. Em geral, eventos adversos foram relatados em quatro pacientes (9,3 %) com pravastatina (hiperidrose, fraqueza, erupção cutânea, cefaléia), e em sete (16,3 %) pacientes com placebo. O caso de hiperidrose com pravastatina foi relatado como um evento adverso sério. No grupo placebo, 6 eventos adversos foram considera- Vol. 02, nº 1, 1998 dos sérios : um paciente morreu devido a cetoacidose, distúrbio da coagulação e septicemia durante o estudo, e outro paciente, que havia interrompido o tratamento devido a obstrucão intestinal, morreu devido a septicemia três semanas depois. Os outros eventos adversos sérios relatados com placebo foram fraqueza, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e dor torácica. Nenhuma diferença estatística foi observada na hematologia ou na bioquímica do sangue nos dois grupos. Aumentos variando de 5 a 20 % foram observados para gama GT, fosfatase alcalina, AST, ALT e CPK em ambos os grupos, mas nenhum paciente interrompeu a medicação devido a anormalidades laboratoriais. ■ DISCUSSÃO Este estudo controlado por placebo, duplo cego, foi elaborado para avaliar os efeitos de doses clínicas (10 mg) de pravastatina sobre os lipídeos séricos em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 com hipercolesterolemia leve primária. Embora o protoloco permitisse que a dose do medicamento estudado fosse dobrada na semana 8 se uma resposta satisfatória (TC < 5,2 mmol/l ou uma diminuição > 15 % dos valores iniciais) não fosse conseguida na semana 7, menos do que um terço dos pacientes recebendo pravastatina exigiu ajuste da dose, enquanto que mais de dois terços do grupo placebo necessitaram este ajuste. O grupo pravastatina mostrou uma redução significativamente maior em CT do que o grupo placebo, após sete semanas de tratamento. Na semana 16, a redução média no CT no grupo pravastatina foi de 13,8 %, em comparação com um aumento médio de 6,1 % no grupo placebo. Pacientes tomando pravastatina tiveram uma redução no LDLC de 20,4 % na semana 16 em comparação com um aumento de 6,8 % no grupo placebo. As diferenças entre os grupos de tratamento foram estatisticamente altamente significantes. Como se esperava para os resultados LDL-C, houve uma redução significativa na Apo B pela pravastatina em todas avaliações. Este resultado é compatível com aqueles de três relatos recentes sobre pravastatina em pacientes com DMNID no Japão [16, 17, 18]. Resultados semelhantes também foram relatados com a simvastatina ou lovastatina, dois outros inibidores da HMG-CoA redutase, em um número menor de pacientes diabéticos [19, 23]. Não está claro como a pravastatina diminuiu as partículas LDL no DMNID neste e em estudos anteriores. A pravastatina abaixa o colesterol plasmático aumentando a síntese dos receptores LDL hepáticos, resultando em remoção aumentada das frações das LDL da circulação [10]. Os pacientes com DMNID geralmente têm uma superprodução de LDL e uma taxa elevada de depuração desta lipoproteína [7]. Como a pravastatina aumenta a atividade dos receptores das LDL, pode não diminuir eficazmente os níveis de LDL em pacientes que já têm uma taxa aumentada de modificação LDL. Além disso, a glicosilação ou composição diferente das LDL em pacientes com DMNID não controlado, poderia interferir com o estímulo da pravastatina no catabolismo das LDL mediado pelo receptor [22, 24]. No EFICÁCIA DA PRAVASTATINA 45 DMNID a pravastatina pode reduzir o LDL colesterol por dois mecanismos: uma melhora na regulação da colesterogênese como recentemente foi demonstrado com a simvastatina [22] e/ou superestimulação do catabolismo hepático das LDL. Um estudo cinético poderia ser útil para esclarecer este problema [25]. Embora as diferenças não sejam estatisticamente significantes, os pacientes com pravastatina mostraram uma maior redução média no TG sérico, do que os pacientes com placebo. Isto é compatível com dados em ratos normais mostrando que a pravastatina suprime a secreção de VLDL [26]. Além disso, como os remanescentes das VLDL, assim como a secreção das VLDL são removidos pelos receptores das LDL, a diminuição das VLDL e subseqüentemente dos triglicerídios poderia também ser explicada por uma depuração aumentada dos receptores das LDL. Os níveis de HDL-C não aumentaram significantemente em 6,7 % dos pacientes recebendo pravastatina em comparação com aumentos de 2,4 % nos pacientes recebendo placebo. Nenhuma diferença estatisticamente significante foi observada entre os grupos de tratamento para Apo A1 ou A2. Isto é compatível com resultados anteriores obtidos usando a pravastatina ou a lovastatina. Alguns estudos relataram níveis elevados de HDL colesterol em pacientes com hipercolesterolemia recebendo as estatinas durante o primeiro mês de tratamento e uma volta ao valor inicial após 3 a 6 meses [18, 19]. Este efeito está possivelmente relacionado a um maior nível de triglicerídios no início desses estudos, pois foi demonstrado que a produção de partículas HDL poderia ser estimulada por um catabolismo aumentado das VLDL [19]. Lp(a) é freqüentemente considerado um fator de risco independente para a cardiopatia isquêmica e tende a ser mais elevado nos pacientes com DMNID com precário controle metabólico [27, 28]. O valor médio observado em nossa população não foi maior que os valores controle, provavelmente porque o contrôle da glicose sangüínea era razoável em nossos pacientes. Nenhuma diferença estatisticamente significante foi observada entre os grupos de tratamento na alteração percentual média ajustada no início para Lp(a). Os inibidores da HMG-CoA redutase geralmente não diminuem Lp(a) em pacientes hiperlipidêmicos e nosso estudo estende este achado a pacientes diabéticos [16, 27]. Nenhum efeito colateral relacionado ao medicamento foi observado. O controle da glicose sangüínea, a concentração de hemoglobina glicosilada e os tratamentos para o diabetes não diferiram em ambos os grupos, e permaneceram inalterados durante todo o estudo. Isto sublinha o fato que o efeito da pravastatina nos lipídeos sangüíneos não pode estar relacionado a qualquer alteração na glicose sangüínea, pois demonstrou-se que o tratamento da hiperglicemia pode, em si, reverter as anormalidades das lipoproteínas plasmáticas no DMNID [29, 30, 31]. Nenhum de nossos pacientes apresentou anormalidades sérias nas enzimas hepáticas ou na creatinoquinase. Não houve relatos de dor muscular. Demonstrou-se que doses muito elevadas de lovastatina podem produzir catarata em cães [9]. Tais resultados nunca foram relatados no homem, mas os diabéticos parecem correr risco elevado de catarata 46 M Krempf e a falta de opacidades no cristalino no grupo pravastatina é de particular interesse. Os principais achados deste estudo são inteiramente compatíveis com os resultados relatados para grandes números de pacientes não diabéticos em muitos outros estudos com pravastatina e estudos anteriores com inibidores da HMGCoA redutase. Este estudo mostra que pacientes moderadamente hipercolesterolêmicos com DMNID obtém redução satisfatória em TC e LDL-C dentro de 7 semanas com tão pouco quanto 10 mg de pravastatina uma vez ao dia, sem qualquer aumento significativo na incidência de eventos adversos. Este estudo sugere que a pravastatina pode ser útil para tratar dislipidemia em pacientes diabéticos tipo 2 de acordo com as recomendações da ALFEDIAM [32]. Este estudo foi financiado pela companhia Bristol-Myers Squibb. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 BIBLIOGRAFIA Stamler H, Vaccaro O, Neaton JD. Wentworth for the Multiple Risk factor Intervention Trial Research Group. 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Recommandations de l’ALFEDIAM. Diabete Metab, 1995, 21, 59-63. Diabetes & Metabolism 1998, 2, 47-52 Recomendações ALFEDIAM CORONÁRIAS E DIABETES PH. PASSA, P. DROUIN, M. ISSA-SAYEGH, A. BLASCO, C. MASQUET, J.P. MONASSIER, C. PAILLOLE* O diabetes é fator de risco independente e importante de mortalidade cardiovascular essencialmente relacionada à doença coronariana, representando a maior causa de falecimento precoce nos diabéticos insulino-dependentes (DID) e nos diabéticos não insulino-dependentes(DNID). Vários estudos mostraram os resultados seguintes : - Em os pacientes DNID de meia idade, de sexo masculino, o risco de falecimento de origem coronariana é multiplicado por aproximadamente 3 [1]. Este excesso de mortalidade encontra-se nos indivíduos de 65 a 75 anos, e é ainda mais acentuado no sexo feminino [2, 3]. - A isquemia miocárdica silenciosa (IMS) é aproximadamente 2 vezes mais frequente nos diabéticos do que na população geral, isto explica a relativa frequência do infarto do miocárdio sem dor e a incidência de morte súbita como primeiras manifestações da doença coronariana nesta população [4]. - Após infarto do miocárdio, a mortalidade a 8 dias, 1 mês, e 1 ano é dobrada nos pacientes diabéticos em relação aos não diabéticos. Estes resultados foram encontrados em todos os estudos realizados estes últimos 20 anos. Na presença destes dados, dos progressos realizados na deteção invasiva e não invasiva da doença coronariana, e ✍ : Ph. Passa, Service de Diabétologie, Hôpital Saint-Louis, 1, avenue Claude Vellefaux, 75010 Paris, França Peritos : Ph. Passa, (Diabétologue, Paris), P. Drouin (Diabétologue, Nancy), M. Issa-Sayegh (Diabétologue, Cannes), A. Blasco (Cardiologue, Saint-Denis), C. Masquet (Cardiologue, Paris), J.P. Monassier (Cardiologue, Mulhouse), C. Paillole (Cardiologue, Paris). levando em conta a melhora dos tratamentos médicos e cirúrgicos da isquemia miocárdica, parece mais do desejável rever e discutir a avaliação e o tratamento cardiológicos dos diabéticos, com objetivo de reduzir esta “sobremortalidade” coronoriana. No entanto, convem sublinhar desde logo, que o acompanhamento dos diabéticos não depende apenas dos diabetologistas. Mais de 1.500.000 DNID, na França, são tratados por clínicos gerais. No surgimento de uma localização vascular da doença e em particular coronariana, numerosos diabéticos são então acompanhados pelo cardiologista. A comunicação entre estes diferentes especialistas é, na maioria das vezes, insuficiente ou melhor, inexistente. ■ ASPECTOS CLÍNICOS DIFERENTES DA INSUFICIÊNCIA CORONARIANA NOS PACIENTES DIABÉTICOS Geralmente, não espera-se uma diminuição da acuidade visual no diabético para solicitar uma fundoscopia. O raciocíno deve ser semelhante para o diagnóstico de uma insuficiência coronariana. Todos os DNID deveriam beneficiar-se, pelo menos uma vez ao ano, de um exame cardiovascular completo (incluindo inquérito cauteloso pesquisando eventuais sintomas funcionais cardiovasculares) e de um * Texto estabelecido pelo comitê de peritos acima citados e validado pelos membros dos conselhos científico e de administração da ALFEDIAM. 48 Ph Passa ECG padrão interpretado por um médico competente. Para os DID ultrapassando a idade de 35 anos e/ou com duração do diabetes superior a 15 anos, as recomendações são idênticas. No decurso destes exames anuais ou no decorrer de uma consulta sistemática, podem apresentar-se as seguintes eventualidades : A - O paciente é totalmente assintomático e o ECG de repouso é normal : é o caso mais frequente. B - Existe angina de peito ao esforço, estável, com ECG de repouso normal ou patológico. C - Existe angina de peito instável, com dores precordiais em repouso, provocadas pelo frio, e por esforços mínimos. D - O paciente é assintomático porém o ECG revela distúrbios da repolarização evocando isquemia miocárdica ou infarto do miocárdio despercebido. E - Existe uma sintomatologia torácica atípica com ou sem anomalias eletrocardiográficas de difícil interpretação, eventualidade não excepcional no sexo feminino. ■ CONDUTA PARA EXPLORAÇÃO CARDIOLÓGICA DOS DIABÉTICOS