Supervisão Ministerial das Agências Reguladoras na Formulação
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Supervisão Ministerial das Agências Reguladoras na Formulação
CATEGORIA: ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO 2º LUGAR - REGULAÇÃO ECONÔMICA AUTOR: BÁRBARA MARCHIORI DE ASSIS SÃO PAULO - SP SUPERVISÃO MINISTERIAL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS IV PRÊMIO SEAE - 2009 Regulação Econômica: governança regulatória e desenho das agências reguladoras Supervisão Ministerial das Agências Reguladoras na Formulação de Políticas Públicas RESUMO A relação entre os Ministérios e as agências reguladoras é conflituosa, na medida em que falta uma formalização que esclareça as competências de cada um. Constata-se o conflito na falta de uniformização nas leis específicas das agências e, foi exatamente em razão dessa conjuntura, que foi elaborado o PL 3.337/2004, com o objetivo de equalizar o desenho institucional das agências. Igualmente existem divergências em relação à revisão ministerial das decisões tomadas pelas agências. O parecer normativo n° AC – 051, da Advocacia-Geral da União, afirmou que a formulação das políticas públicas cabe aos Ministérios, enquanto a implementação seria de responsabilidade das agências. No caso de invasão de competência na formulação das políticas pelas agências, seria cabível recurso hierárquico impróprio. Contudo, não existe um conceito pacífico do que sejam políticas públicas, dificultando a repartição de competências. Sugere-se que a formalização da relação entre os Ministérios e as agências se concretize por meio dos contratos de gestão que, por sua vez, estabeleceriam as diretrizes a serem seguidas. Portanto, faz-se necessário um debate acerca da amplitude da atuação das agências e do seu controle por parte dos Ministérios, sopesando a autonomia dessas entidades e a legitimidade do governo eleito em promover um planejamento estatal. Palavras-chave: agências reguladoras – ministérios – políticas púbicas LISTA DE QUADROS Quadro 1: Previsão legal de dispositivos previstos no modelo básico das Agências Reguladoras ...................................................................................................................... 8 Quadro 2: Agências Reguladoras e Ministérios ............................................................. 18 Quadro 3: Agências de Estado e de Governo ................................................................. 18 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 1 1.1. Colocação do Tema ............................................................................................... 1 1.2. Plano de Exposição................................................................................................ 2 2. AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO CENÁRIO NACIONAL.............................. 4 2.1. Reforma Gerencial do Aparelho do Estado: a implementação das Agências Reguladoras .................................................................................................................. 4 2.2. As Agências Reguladoras e o risco de “captura” .................................................. 9 2.3. Autonomia das Agências Reguladoras................................................................ 12 2.4. Modelo de relação agente-principal .................................................................... 15 2.5. Aspectos Institucionais e Jurídicos das Agências Brasileiras ............................. 17 3. AGÊNCIAS REGULADORAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL ...................... 20 3.1. Estados Unidos da América................................................................................. 20 3.2. Inglaterra.............................................................................................................. 22 3.3. França .................................................................................................................. 23 3.4. Itália..................................................................................................................... 24 3.5. Conclusão ............................................................................................................ 25 4. RELAÇÕES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COM O PODER EXECUTIVO CENTRAL...................................................................................................................... 26 4.1. Preceitos Constitucionais e Políticas Públicas .................................................... 27 4.1.1. Planejamento estatal ......................................................................................... 27 4.1.2. Princípio da Eficiência ..................................................................................... 28 4.1.3. Conclusão ......................................................................................................... 30 4.2. Fixação de Políticas Públicas .............................................................................. 30 4.2.1. Formulação e Implementação de Políticas Públicas ........................................ 30 4.2.2. Uma análise jurídica sobre políticas públicas .................................................. 32 4.2.3. Contrato de Gestão: diretrizes para a formulação de políticas públicas pelas Agências Reguladoras ................................................................................................ 38 4.3. Revisão Ministerial das Políticas Públicas .......................................................... 42 4.3.1. Controle Administrativo................................................................................... 42 4.3.2. Caráter excepcional do recurso hierárquico impróprio e a necessidade de previsão expressa em lei ............................................................................................. 43 4.3.3. Decreto-lei n° 200/67: a avocação presidencial ............................................... 46 5. A ATUAÇÃO DOS MINISTÉRIOS NO PROJETO DE LEI 3.337/2004................ 48 6. CONCLUSÃO............................................................................................................ 52 7. REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 54 1 1. INTRODUÇÃO 1.1. Colocação do Tema As agências reguladoras foram o produto do movimento de descentralização que teve sua força principalmente na década de 90. Pode-se destacar como fundamentos do advento das agências reguladoras no Brasil a necessidade de se criar uma credibilidade regulatória no mercado e a tentativa de contornar a rigidez do modelo burocrático que teria sido reforçado pela Constituição de 1988 (PACHECO, 2006, p. 525). Acompanhando a descentralização, devem existir mecanismos de controle sobre a atuação das agências sem, todavia, retirar-lhes a sua flexibilidade e autonomia. Esse controle deve ser exercido pelos três Poderes, de forma a garantir um verdadeiro checks and balances. Esse trabalho voltou-se unicamente para a análise da supervisão da atuação das agências reguladoras pelo Poder Executivo Central, mais especificamente pelos Ministérios, no que tange às políticas públicas. É importante observar que a AdvocaciaGeral da União (AGU), no parecer normativo n° AC – 051, afirmou que a formulação das políticas públicas cabe aos Ministérios, enquanto a implementação seria de responsabilidade das agências. No caso de invasão de competência na formulação das políticas pelas agências, seria cabível recurso hierárquico impróprio. Contudo, falta no direito um entendimento pacífico acerca das políticas públicas, o que dificulta a distribuição de competências entre as entidades. As políticas públicas apresentam uma definição marcada por uma amplitude, assim não se restringem à noção de serviço público, mas também abrangem as atividades de coordenação e fiscalização dos agentes públicos (FRISCHEISEN, 2000, p. 79). Além disso, é questionável a possibilidade de ingresso de recurso hierárquico impróprio contra as decisões das agências. A resolução do conflito entre as agências reguladoras e os Ministérios deveria ocorrer no Poder Judiciário, uma vez que a inexistência de previsão expressa em lei para o recurso hierárquico impróprio e para a revisão ex officio impede que a decisão final do dirigente da entidade seja revisada pelos Ministérios. Porém, a AGU mostrou-se favorável à intervenção dos Ministérios por meio de tais mecanismos. Percebe-se, portanto, a necessidade de um maior esclarecimento da relação entre os Ministérios e as agências reguladoras. 2 A supervisão ministerial das agências deve ser encarada em dois momentos distintos e que igualmente são bastante polêmicos: (i) um primeiro caracterizado pela fixação das políticas públicas, em que se devem delimitar quais serão as funções dos Ministérios e das agências; e (ii) um segundo marcado pela possibilidade de revisão ministerial, caso houvesse divergência em relação às políticas implementadas pelas agências. Vê-se, por isso, que esse trabalho voltou-se para um melhor entendimento das políticas públicas, buscando uma distribuição mais clara de competências e mais adequada ao ordenamento jurídico e à Administração Pública no Brasil. Igualmente procurou-se discutir como se dá a relação do Ministério com a agência após uma decisão tomada por essa última. Percebe-se, portanto, que esse trabalho procura responder basicamente a três perguntas: (i) o que são políticas públicas; (ii) como deve ser a distribuição de competências entre as agências e os Ministérios na fixação de políticas públicas; e (iii) se é cabível revisão ministerial após uma decisão tomada pela agência. Formular respostas para esses questionamentos permitirá estabelecer uma relação mais eficiente e pacífica entre as agências e o Poder Executivo Central. Esse é objetivo do presente trabalho. 1.2. Plano de Exposição A fim de se compreender qual seria a relação mais adequada entre as agências reguladoras e o Poder Executivo Central, será fundamental a apresentação prévia de alguns conceitos que envolvem a regulação, bem como a contextualização do marco regulatório no âmbito nacional e internacional. Os primeiros capítulos abordarão características gerais da Administração Pública brasileira e suas instituições que, se revelaram, ao longo da história, instrumentos de concentração de poder. Posteriormente, serão abordadas as questões por trás da criação das agências reguladoras, como uma tentativa de afastar os interesses de particulares e permitir políticas de longo prazo. Nas discussões que envolvem as agências, não se pode esquecer a ponderação que deve ser realizada em relação ao risco de “captura” das agências pelos agentes econômicos e a sua autonomia reforçada. Um melhor conhecimento sobre as possibilidades da “captura” e as reais eficiências trazidas por uma autonomia mais ampla permite estabelecer os mecanismos de controle que devem verificar a atuação das agências. 3 Em seguida será relatada a experiência internacional no campo da regulação, com a finalidade de se encontrar exemplos que podem ser reaproveitados no Brasil. Deve-se lembrar que os modelos internacionais devem servir de inspiração, mas não copiados em sua integralidade, já que cada país apresenta suas próprias especificidades e peculiaridades. Ou seja, os modelos importados devem passar por uma reformulação para que se apliquem à realidade nacional. Por fim, será discutida a supervisão ministerial das agências, sendo dividida a análise na fixação de políticas públicas e na sua revisão ministerial. No que tange a determinação de políticas públicas, nota-se uma dificuldade na sua conceituação, assim como na delimitação de suas etapas, em razão do dinamismo característico das políticas. Desse modo, uma reflexão acerca de um possível entendimento jurídico permitirá estabelecer uma relação menos conflituosa entre as agências e os Ministérios no estabelecimento das políticas públicas, distribuindo as tarefas entre as instituições de acordo com as suas capacidades. Essa relação poderá ser determinada de melhor maneira por meio de um contrato de gestão, o que já ocorre em algumas agências. Defende-se a expansão desse instrumento às demais agências reguladoras, o que contribuirá para uma uniformidade no sistema de regulação. No que se refere à revisão ministerial das políticas públicas, primeiramente será tratado do caráter excepcional do recurso hierárquico impróprio, contrapondo-se à posição assumida pela AGU no seu parecer normativo n° AC – 051. A possibilidade da avocação presidencial como maneira de reverter uma decisão da Agência reguladora, também presente no Decreto-lei nº 200/67, será comentada. Por último, serão discutidos os mecanismos de prestação de contas por parte dos Ministérios presentes no Projeto de Lei 3.337/2004, especialmente em relação aos contratos de gestão. Como será demonstrado, esse Projeto de Lei contribui para uma uniformização na atuação e controle das Agências. Em contrapartida, a autonomia pode ser prejudicada. Por fim, as conclusões obtidas ao longo de todo trabalho serão sintetizadas no último capítulo. 4 2. AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO CENÁRIO NACIONAL 2.1. Reforma Gerencial do Aparelho do Estado: a implementação das Agências Reguladoras As instituições exerceram uma função importante na formação de uma ordem econômica moderna no Brasil. Por outro lado, seguindo a linha estruturalista de pensamento, as instituições “são formas de distribuição de renda e poder” (SALOMÃO FILHO, 2009, p. 161). Pode-se dizer que as instituições acabam por afetar a realidade sócio-econômica de forma dúplice, isto é, podem contribuir para o desenvolvimento econômico, mas concomitantemente podem acarretar uma concentração de poder nas mãos dos agentes econômicos de maior influência política e capacidade organizativa. Esse papel das instituições talvez se justifique pelas quatro “gramáticas” que caracterizaram a relação entre as instituições oficiais e a sociedade brasileira. Segundo Nunes (2003) essas quatro “gramáticas” seriam o clientelismo, o corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos (NUNES, 2003, p. 17). O clientelismo é marcado por uma “troca generalizada”, ou seja, consiste em uma relação assimétrica que é reforçada pela desigualdade sócio-econômica que gera laços pessoais em troca de lealdade política. Seria uma das heranças do coronelismo que tenta ser combatida desde a década de 30. Já o corporativismo trouxe normas gerais, formando uma espécie de “cidadania regulada”, que se pôde observar principalmente no mercado de trabalho. No entanto, não se caracterizou por uma igualdade de tratamento, preocupando-se com a manutenção do controle e não necessariamente com a justiça. Em contrapartida, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos eram simultaneamente uma solução ao clientelismo e ao corporativismo, na medida em que traziam uma racionalidade econômica. O universalismo de procedimentos permite uma equalização de tratamento e consiste em uma proteção contra os abusos dos órgãos estatais, trazendo a igualdade que faltava no corporativismo. Já o insulamento burocrático seriam “ilhas” marcadas por uma racionalidade e especialização técnica. Esse insulamento teria a finalidade de proteger o “núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de outras organizações técnicas” (NUNES, 2003, p. 34). 5 Contudo, essas ilhas de excelência técnica não se encontravam submetidas a controles e críticas que poderiam mudar e aprimorar a atuação do Estado. Como essas ilhas técnicas estavam em um oceano de clientelismo, sem a presença de uma transparência nesse arranjo, surge o fenômeno denominado por Cardoso (1975) de “anéis burocráticos” que aborda essa “captura” do aparelho do Estado. Segundo Torres (2004): Provavelmente, o mal maior que esse modelo institucionalizou e potencializou está relacionado com a intimidade incestuosa que se estabeleceu entre a alta burocracia pública e os lobistas que defendiam seus interesses corportativos junto ao Estado (TORRES, 2004, p. 159). Nota-se, então, que o insulamento burocrático e a universalização de procedimentos, que objetivavam modernizar e racionalizar a Administração Pública, acabaram por não produzir os resultados esperados. Na verdade, pode-se dizer que as conseqüências foram a aproximação de grupos de interesses mais organizados e uma burocracia marcada pela ineficiência. Esse cenário abriu espaço para uma postura moralizante da Constituição Federal de 1988 que, por sua vez, retirou de forma significativa as distinções entre os órgãos da Administração Direta e as entidades da Administração Indireta (OLIVEIRA, G. J., 2008, p. 216). Segundo Castor (2000 apud OLIVEIRA, G. J., 2008, p. 216), “os abusos eram invitáveis e assim essa liberdade autoconferida levou ao total descontrole das autarquias, fundações e empresas estatais, transformando-lhes freqüentemente em cabides de empregos e alvo da cobiça clientelísticas dos políticos”1 (CASTOR, 2000, p. 139 apud OLIVEIRA, G. J., 2008, p. 216). Desse modo, abriu-se espaço para uma nova reforma administrativa que tinha como sustentáculo uma redução do papel do Estado. No início da década de 90, o intervencionismo estatal é posto em cheque pela nova tendência mundial que apregoava uma redução da intervenção do Estado no âmbito econômico, o que foi disseminado pelo país em razão das insatisfações com o Poder Público. Após a Constituição de 1988 e, sobretudo, ao longo da década de 90, o tamanho e o papel do Estado passaram para o centro do debate institucional. E a verdade é que o intervencionismo estatal não resistiu à onda mundial de esvaziamento do modelo no qual o Poder Público e as 1 CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. O Brasil não é para amadores: Estado, governo e burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: IBQP-PR, 2000. 6 entidades por ele controladas atuavam como protagonistas do processo econômico. Sem embargo de outras cogitações mais complexas e polêmicas, é fora de dúvida que a sociedade brasileira exibia insatisfação com o Estado no qual se inseria e não desejava vê-lo em um papel onipotente, arbitrário e ativo – desastradamente ativo – no campo econômico (BARROSO, 2002, p. 289). A Administração Pública brasileira foi influenciada pelo modelo conhecido como “Novo Gerencialismo Público”, em que as políticas públicas tinham como meta a busca pela eficiência. “[...] a eficiência passou a ser vista como principal objetivo de qualquer política pública, aliada à importância do fator credibilidade e à delegação das políticas públicas para instituições com ‘independência’ política” (SOUZA, 2006, p. 34, grifo nosso). Junto com a importância dada à eficiência das políticas públicas, em contraposição à lenta burocracia, o elemento da credibilidade torna-se fundamental. Essa credibilidade está relacionada com a presença de regras bem definidas, sem uma discricionariedade dos tomadores de decisão que produzia altos custos de transação. Essa discricionariedade seria reduzida com a delegação das políticas públicas a instituições “independentes”, afastadas da influência dos ciclos eleitorais. Em síntese, o “Novo Gerencialismo Público” busca: (i) a diversificação da organização e do regime jurídico das Administrações Públicas; e (ii) a valorização da autonomia (BUCCI, 2002, p. 33). Uma série de medidas governamentais são tomadas com o objetivo de remover da atuação estatal seu caráter intervencionista e produtivo, e restringi-la a uma função regulatória, principalmente nos setores de infra-estrutura, como telecomunicações, energia e petróleo. Em outras palavras, deu-se início a um processo de privatizações, com o Programa Nacional de Desestatização, criado pela Lei n° 8.031, de 12 de abril de 1990, que concedeu à iniciativa privada uma série de atividades que anteriormente eram “monopólios naturais” ou “quase monopólios” explorados por empresas estatais. Os monopólios naturais, segundo Nusdeo (2006), ocorrem nos cenários em que os custos de produção são menores quando concentrados em uma única empresa. Esses custos seriam “decrescentes à medida que uma produção aumenta, seguindo essa tendência até alcançar toda a produção de mercado” (NUSDEO, 2006, p. 161). Mas foi durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso que foi formulada uma reforma administrativa mais profunda, por meio do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). O MARE produziu o Plano 7 Diretor da Reforma do Estado que, tinha por objeto, em sua essência, a melhoria no desempenho das políticas públicas, que deveriam se voltar para os resultados e não para os procedimentos. Cabe lembrar que esse Plano igualmente propôs a transferência das atividades que não eram tidas como essenciais para os agentes privados. É importante observar que, ao deixar a esfera do Estado, fica patente a necessidade de se criar mecanismos de controle social para garantir que esses setores atuem de forma a contribuir para o desenvolvimento do país, não se limitando meramente aos interesses particulares de maximização dos lucros. Como se trata de áreas monopolísticas, há a necessidade do Poder Público combater falhas de mercado, como as assimetrias de informação e as externalidades negativas, que são sistematicamente transferidas ao consumidor. Em contrapartida, trata-se de setores econômicos que envolvem significativos investimentos, algumas vezes irreversíveis, e ativos fixos que não são facilmente transferíveis para outras atividades, o que torna fundamental a construção de um quadro com riscos minimizados para a atração de capital para a capacidade produtiva. Surge, portanto, a necessidade de elaboração de um marco regulatório no país a fim de que se possa promover uma sinalização para os agentes de mercado da existência de regras claras e previsíveis e, concomitantemente, garantir o bem-estar social dos consumidores. No substrato da criação das agências reguladoras está a comodidade em se dar maior segurança jurídica às empresas que realizam investimentos de longo prazo, facilitando a movimentação dos capitais globalizados, e em possibilitar que a persecução de políticas públicas fique imune às variações de curto e médio prazo da arena político-partidária, imunidade sem a qual a sua implementação teria grandes chances de ficar comprometida por interesses parciais momentâneos (ARAGÃO, 2007, p. 238). No entanto, na maioria dos setores de infra-estrutura, a criação das agências para regular e fiscalizar os novos agentes privados ocorreu somente no final da década de 90, isto é, após a privatização2. Dessa forma, a criação do marco regulatório posterior à privatização acabou por gerar instituições que não estavam preparadas e devidamente estruturadas para mitigar as falhas de mercado e atuar de forma a equilibrar as necessidades dos agentes envolvidos – empresas, governo e consumidores – de forma 2 A única exceção coube ao setor de telecomunicações, onde a criação do marco regulatório e da Agência Reguladora antecederam a privatização. 8 neutra e imparcial. Abrucio e Pó (2006) apontam que “isso acabou por tornar o processo fragmentado, sendo fortemente conduzido pelas concepções dos ministérios e pela burocracia de cada setor, e não por uma diretriz orientadora geral, o que impactou o formato e o funcionamento das agências criadas” (ABRUCIO; PÓ, 2006, p. 683). Outro fator marcante na estruturação das agências reguladoras foi a falta de uniformidade no sistema. É verdade que existem características básicas entre as agências, como o fato de serem autarquias de regime especial e serem criadas por uma lei específica, sem a existência de uma legislação única e geral. Esse regime especial para as agências teria um significado de estabilidade de seus dirigentes, que possuem um mandato fixo. Contudo, pode-se notar diferenças, principalmente nas formas de controle, em razão, provavelmente, da atuação de líderes mais fortes e os próprios interesses por trás daqueles que estruturam as agências reguladoras. O quadro a seguir sintetiza as diferentes formatações encontradas no sistema de regulação no que se refere aos mecanismos de controle: Quadro 1: Previsão legal de dispositivos previstos no modelo básico das Agências Reguladoras Fonte: adaptado de Abrucio; Pó, 2006, p. 692. Conseqüentemente, os mecanismos de prestação de contas e controle social foram relegados a segundo plano, o que gerou o risco de “captura”. Enfim, sem o correto controle social do regulador, os grupos de interesses podem influir e moldar as práticas regulatórias de maneira distorcida. 9 Em setembro de 2003 foi divulgado o Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pela Casa Civil da Presidência da República que identificou a necessidade da ampliação dos mecanismos de controle social. Foi afirmado que, na maioria dos casos, as agências reguladoras não respondiam às consultas públicas com a devida fundamentação e os próprios ministérios não estariam utilizando mecanismos efetivos para aferição da atuação das agências. Conforme descrito no Relatório, “Evidenciou-se, portanto, que o estabelecimento de mecanismos de prestação de contas deve ser priorizado” (BRASIL, Casa Civil da Presidência da República, 2003, p. 26). Dessa forma, o controle da atuação das agências assume o papel de protagonista no Projeto de Lei n° 3.337/2004, que prevê uma série de instrumentos a fim de que se possa permitir um maior controle por parte dos Ministérios. Contudo, tal projeto, que buscava uma uniformização das agências reguladoras, encontra-se no presente momento no plenário, sem perspectivas de uma aprovação a curto prazo. Porém, a autonomia das agências não pode ser mitigada, o que exige formular um modelo que encontre o equilíbrio entre uma proteção contra o risco de “captura” e a autonomia que as agências devem apresentar de modo a garantir a efetividade de suas tarefas. A legitimidade da atuação das agências, e da sua autonomia reforçada, possui como sustentáculo a sua especificidade técnica exigida pela função regulatória, bem como a necessidade de promover a manutenção das políticas públicas nos setores regulados (BRASIL, Casal Civil da Presidência da República, p. 13). Resta saber, então, o ponto ótimo que evite a “captura” da entidade reguladora e garanta a sua autonomia de gestão. Para isso, torna-se primordial uma apreciação mais minuciosa dos conceitos de risco de “captura” e da autonomia das agências reguladoras. 2.2. As Agências Reguladoras e o risco de “captura” A teoria da “captura” trata dos riscos inerentes a uma proximidade entre regulador e regulado, em que os interesses dos agentes econômicos poderiam ser atendidos pelas instituições do Estado que, na verdade, deveriam controlar e fiscalizar a atuação do setor privado. Como demonstrado por Perez (2006), “poderosos grupos inevitavelmente detêm, é bom dizer, grande capacidade de organização, grande capital político e informações que, em última instância, somente eles podem fornecer às autoridades públicas” (PEREZ, 2006, p. 174), ou seja, os agentes privados possuem grande capacidade de influenciar nas decisões tomadas pelas entidades estatais. 10 Em outros termos, a teoria da “captura” trata do risco que uma instituição regulatória corre de sofrer influências externas não transparentes, como do setor privado, ou mesmo do próprio governo, e ser direcionada a tomar medidas que vão de encontro com uma regulação ótima. Com isso, a atuação da entidade deixa de ser pautada pelos princípios de neutralidade, imparcialidade e racionalidade, voltando-se para os interesses de particulares ao invés de buscar o bem-estar econômico e social. Obviamente, o risco de “captura” não se restringe à agência reguladora, mas se aplica a todas as instituições que lidam com os diversos interesses presentes em uma sociedade. No entanto, pelo fato da agência ser uma entidade especializada em um setor, torna-se um alvo mais sujeito à “captura”, em razão do constante contato com os agentes privados do setor regulado. Enfim, pode ocorrer uma identificação entre os interesses dos funcionários do ente regulador e das empresas. Tal fenômeno foi observado por Gesner de Oliveira (2001), que aponta a “identidade técnica” entre a agência reguladora e os agentes econômicos como um agravante para o risco de “captura”. [...] a experiência regulatória dos países maduros revela uma elevada probabilidade de “captura” das agências regulatórias pelos segmentos que deveriam ser regulados. Independentemente de problemas éticos, verificou-se elevada propensão dos “regulados capturarem os reguladores” em virtude da insuficiência de recursos e informação adequada por parte da agência comparativamente às empresas privadas e pela identidade de interesses e cultura profissional entre os técnicos especializados da agência e o segmento regulado. (OLIVEIRA, G., 2001, p. 21.) Nos Estados Unidos, cientistas sociais elaboraram uma espécie de ciclo da relação da agência reguladora com os demais agentes econômicos, que terminaria com a “captura” da entidade. Logo após a sua criação, a agência atuaria de acordo com os preceitos que lhe deram origem, entretanto, posteriormente ocorre o fenômeno da “porta giratória”, isto é, um intercâmbio de trabalhadores entre a entidade e o setor privado. Conseqüentemente, a agência passa a defender os interesses dos grandes grupos comerciais, em detrimento do interesse público (BUCCI, 2002, pp. 72-73). Em síntese, foram levantados pelo Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, alguns fatores agravantes para a “captura” dos entes reguladoras: (i) a interferência partidário-eleitoral; (ii) a dependência da agência na obtenção de informações das empresas reguladas; e 11 (iii) a possibilidade dos ex-funcionários das agências virem a trabalhar nas empresas, ou mesmo de ex-empregados das indústrias virem a compor o quadro técnico da instituição reguladora (BRASIL, Casa Civil da Presidência da República, 2003, p. 12). A influência política gerada pela interferência partidário-eleitoral pode prejudicar os investimentos do setor privado no longo prazo, ao considerar a instabilidade do marco regulatório que se submete às mudanças de humor de cada governo eleito. Não se pode deixar de mencionar, entretanto, que os governos eleitos possuem uma legitimidade para a definição de políticas públicas, mas elas devem seguir uma coerência com as normas preestabelecidas pelo setor. Já em relação ao fornecimento do conhecimento técnico do setor regulado pelas indústrias às agências, deve-se notar um possível cenário de assimetria de informações, na medida em que os dados fornecidos às agências reguladoras poderiam passar por um “filtro” prévio, de acordo com os interesses dos agentes econômicos, mas contrários ao interesse público. A rotatividade do quadro técnico igualmente foi apontada como um dos elementos agravantes, uma vez que afeta a neutralidade e imparcialidade presentes na atuação das agências. Percebe-se a importância de estabelecer uma espécie de quarentena no intervalo de um cargo para outro, conforme previsão nas leis criadoras de algumas agências e no artigo 8º, da Lei 9.986/2000, que determina o impedimento do ex-dirigente para o exercício de atividades no setor regulado pela agência reguladora, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato. Aragão (2003) sugere outros instrumentos que visam impedir a “captura” do regulador, como a impossibilidade de recondução, que evitaria um eventual apoio dos agentes econômicos àqueles que se mostrassem mais inclinados a concretizarem seus interesses, e também a imposição de sanções às empresas que contratassem exdirigentes durante a fase da quarentena. A experiência anglo-saxã revela que a concessão de maior autonomia às agências reguladoras constitui um dos mecanismos de minimização do risco de “captura”. Mas, deve-se observar que essa mesma autonomia pode acarretar o resultado oposto. Os denominados “anéis burocráticos”, identificados na vivência institucional brasileira, demonstram que o insulamento pode trazer prejuízos. Assim, deve-se buscar uma autonomia que seja submetida a instrumentos de controles que, concomitantemente, não tornem a fixação de políticas públicas com pouca efetividade e prejudicadas por uma excessiva burocracia. 12 2.3. Autonomia das Agências Reguladoras A regulação pode ser definida como uma atividade que envolve a transferência de atribuições produtivas para o setor privado, com uma redução da produção direta de bens e serviços praticada pelas instituições estatais. Conseqüentemente, exige-se um controle por parte do Poder Público nos setores econômicos e sociais, com o objetivo de sanar as falhas de mercado e elevar o grau de bem-estar da sociedade (GELIS FILHO, 2006). Como resultado da difusão de um paradigma internacional, que teve seu advento nos Estados Unidos da América, as agências reguladoras são implementadas no país como um novo meio de regulação pública de setores econômicos, substituindo o exercício de atividades de regulação dos órgãos que estavam sob comando direto dos governos. As agências reguladoras teriam maior autonomia que os demais órgãos da administração indireta, pois, segundo Bresser-Pereira (1998), “as agências reguladoras seguem a política do Estado, ou seja, uma política mais geral e permanente, definida na lei”, em contraposição a uma política de governo (BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 156), marcada pela transitoriedade e influências políticas. Essa autonomia revela-se de grande importância, pois, como sublinhado por muitos autores, nota-se como a estrutura da Administração Direta acabou por se corromper nos conhecidos “cartórios” (BRASIL, Casa Civil da Presidência da República, p. 13). É importante observar que as agências reguladoras são caracterizadas por alguns doutrinadores como detentoras de uma independência em relação ao Poder Executivo Central. Na realidade, entretanto, as agências possuem apenas uma “autonomia reforçada” se comparadas com as demais entidades da Administração Indireta, pois, embora apresentem uma maior liberdade de agir, essa autonomia se encontra dentro dos limites fixados por uma instância normativa superior. Além disso, a autonomia regulatória é constrangida pela necessidade de interação com os atores sociais que desejam manifestar suas posições a fim de permitir um exercício adequado das suas atividades nos setores em que atuam. Essa autonomia mais intensa das agências reguladoras se dá em razão da firmeza das suas próprias leis instituidoras em relação à legislação ordinária, uma vez que nelas há a fixação de competências próprias e de mecanismos garantidores do seu exercício. Vale frisar que essa autonomia das agências reguladoras possui intrinsecamente um 13 caráter de poder e dever com o ordenamento que lhe deu causa. Com a autonomia concedida pode executar suas funções como última entidade administrativa sem um controle hierárquico, mas tal autonomia será limitada de acordo com o previsto na lei. Não se pode deixar de mencionar que a autonomia das agências é expressa no Direito Positivo Brasileiro sob três faces distintas, nas quais sua eliminação acarretaria a impossibilidade de se denominar tais entidades como uma agência reguladora: (i) autonomia funcional, que concede à agência reguladora a possibilidade de formulação de políticas públicas, assegurando-lhe a posição de última instância administrativa; (ii) autonomia orgânica, que permite a nomeação dos dirigentes por prazo determinado, inibindo a exoneração sem prévio contraditório e ad nutum; e (iii) autonomia financeira, a fim de evitar a dependência de repasse de recursos do Poder Executivo Central. A sua receita teria como base o recolhimento de “taxas regulatórias”, já que exercem o dever de fiscalização sobre os agentes econômicos. A autonomia financeira das agências reguladoras é mitigada em razão do Princípio de Unidade Orçamentária, o que torna imprescindível a apresentação do orçamento de maneira harmônica e integrada em seu conjunto. Aragão (2003) sugere, como uma forma de tornar a autonomia orçamentária factível, a elaboração de apenas uma previsão global para o Poder Executivo: Uma sugestão a ser aventada, por compatível com o nosso ordenamento jurídico, seria as agências reguladoras, visando ao atendimento do princípio da unidade orçamentária, apresentarem à Administração central apenas uma previsão global de suas receitas e despesas, fazendo, posteriormente, de per se, as necessárias especificações e distribuições entre seus órgãos internos (ARAGÃO, 2003, p. 334). Já os mandatos fixos para os dirigentes das agências reguladoras, combinados com a não coincidência com os mandatos do Presidente da República, revelam-se elementos primordiais para o fortalecimento da autonomia dessas instituições, devido à elevação da previsibilidade das decisões, afastando uma eventual ruptura contratual. Desse modo, a estabilidade garante a permanência de uma conjuntura favorável para a atração de investimentos de longo-prazo, tendo em vista que no cálculo da taxa de risco de um projeto as incertezas provenientes da regulação são tidas como componentes 14 importantes. Pires e Goldstein (2001) demonstram que “A não coincidência de mandatos é desejável para evitar vícios administrativos e estimular a renovação administrativa dos órgãos” (PIRES; GOLDSTEIN, 2001, p. 12). Cabe salientar que o estabelecimento de regras claras para a seleção e nomeação dos dirigentes, assim como para a demissão e substituição, reforça a autonomia da agência, afastando a “captura” por grupos de interesse. Em suma, a nomeação está sujeita à escolha pelo Presidente da República e indicação ao Senado Federal, que sabatina e aprova, enquanto a demissão dos dirigentes não poderá ocorrer sem justa causa. Os dirigentes dos cargos também devem preencher os requisitos de excelência técnica e possuir qualidades pessoais de modo a resistir às pressões inadequadas de certos grupos de interesse. Enfim, o dirigente deve atuar de acordo com a “ética da responsabilidade”, o que significa agir com base nos valores da Administração Pública e assumir a responsabilidade por seus atos, em contraposição a uma “ética da convicção”, em que a culpa é atribuída “ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus que assim criou os homens” (WEBER, 1993, p. 113). Essa “ética da responsabilidade” se aproxima do conceito de accountability utilizado pelos cientistas políticos que, segundo Justen Filho (2002), exprime o quadrinômio da obrigação de prestação de contas de seus atos a terceiros, de disponibilizar dados e informações, de considerar as orientações que lhe são destinadas e, por último, de arcar com as conseqüências de suas falhas (JUSTEN FILHO, 2002, p. 138). O que não se pode abandonar, entretanto, é a idéia de que as agências reguladoras devem passar por um controle parlamentar e judicial, pois a sua autonomia não é de caráter absoluto. Caso algum ato da agência se revele contra a ordem jurídica estabelecida, o Poder Judiciário possui instrumentos para combater essa prática. O fato de ser considerada a última instância administrativa não afasta a possibilidade de recurso ao Judiciário, conforme inciso XXXV do artigo 5º, que prevê o sistema de unidade de jurisdição3. Em relação ao Poder Legislativo, devem ser observados os incisos V e X, do artigo 49 e o artigo 70 da Constituição Federal4, que permitem: (i) a suspensão dos atos 3 Artigo 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Artigo 49: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; 4 15 normativos das agências reguladoras que não se adequarem aos parâmetros determinados pela lei; (ii) a fiscalização e controle pelo Congresso Nacional dos atos da Administração Indireta; e (iii) a fiscalização contábil, orçamentária, operacional e patrimonial. Ressalta-se ainda que as agências possuem um vínculo com o Poder Executivo Central, o que permite aos Ministérios exercerem uma supervisão que, por sua vez, “não quer dizer que, quanto às matérias de competência das agências, a Administração Direta deva necessariamente intervir” (SUNDFELD, 2006, p. 27). Em outras palavras, a supervisão ministerial faz-se necessária, mas não deve violar a autonomia, em suas várias facetas, que foi concedida às agências. As agências estão sujeitas à tutela, mas seus atos não podem ser revistos pelo Poder Executivo Central. Portanto, a autonomia funcional das agências reguladoras garante a execução de políticas ad hoc. 2.4. Modelo de relação agente-principal O modelo agente-principal, que tem sua origem no estudo acerca das organizações burocráticas e estruturas hierárquicas, foi imensamente utilizado nas análises que envolviam o debate sobre a regulação, haja em vista que contribuiu para uma melhor compreensão sobre as novas relações institucionais que emergiam. É bom entender que o agente constitui aquele que executa determinada tarefa transferida ou imposta pelo ator principal. Como demonstrado por Melo (2000), esse modelo apresenta diversas aplicações: No âmbito das organizações e burocracias, o agente representa o empregado contratado pelo principal para realizar uma tarefa préespecificada. No âmbito do mercado, o fornecedor representa o agente que é contratado para produzir bens e serviços para uma empresa conforme estipulado por um contrato. No âmbito do sistema político, os políticos recebem uma delegação do grupo de cidadãos-principal para agir em seu nome. (MELO, 2000, p. 20). X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta. Artigo 70: A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. 16 No debate relacionado com a regulação no país, a utilização desse modelo, na vasta maioria das vezes, é voltada para o entendimento da relação entre reguladores e regulados. No entanto, o modelo agente-principal igualmente pode servir de instrumental para uma melhor compreensão do relacionamento entre o Poder Executivo Central e as agências reguladoras. Os Ministérios assumem o papel do principal, pelo fato de transferirem suas competências para as agências reguladoras, entidades dotadas com personalidade jurídica própria. As agências, por sua vez, assumem a responsabilidade de executarem as atribuições que lhe foram conferidas pelo ator principal. O interessante desse modelo é o destaque que destina a necessidade de um alinhamento de interesses entre os dois atores, bem como de enfrentar a assimetria de informação que existe entre eles. O presente trabalho identificou que a relação entre o Poder Executivo Central e as agências não é pacífica, o que se deve, essencialmente, pela dificuldade em definir a amplitude da atuação de cada um. O propósito desse trabalho é justamente formalizar a relação entre esses atores com a finalidade de alinhar os interesses no setor econômico de regulação das agências. Em princípio, os Ministérios e as agências seguem um mesmo objetivo: garantir o interesse público. Porém, a maneira de promoção desse interesse público pode variar, por isso, a importância de se estabelecer um diálogo que defina as metas e os resultados para determinado setor econômico. Outro problema levantado pelo modelo agenteprincipal trata-se da assimetria de informações. Nesse caso específico, existe uma dependência de informação do Poder Executivo Central perante as agências reguladoras. Nota-se, portanto, que a interação entre essas entidades é crucial, de modo a possibilitar uma equalização de metas e um compartilhamento de informações. Caso contrário, o modelo agente-principal salienta o perigo do risco moral. Como observado por Ferreira (2005), A perspectiva agente-principal ressalta que, quando os interesses de agente e principal não coincidirem e quanto este último tiver um conhecimento limitado sobre a conduta (ou as conseqüências da conduta) do agente, é alta a probabilidade de que haja desvios de comportamento. Quanto maior essa assimetria e quanto mais conflituosos os interesses, mais provável que o agente se afaste da consecução dos objetivos do principal (FERREIRA, 2005, p. 74). 17 O risco moral pode ser definido como desvio na atuação do agente no que se refere aos interesses do principal (FERREIRA, 2005, p. 75). Um agravante para a prevalência desse risco moral é a falta de expertise do principal em relação às atividades executadas pelo agente. Os Ministérios nos anos pós-privatizações sofreram com a migração de sua burocracia técnica para o setor privado, ou mesmo para as agências reguladoras. Conseqüentemente, o Poder Executivo Central passou a apresentar dificuldade em monitorar as tarefas praticadas pelas agências, o que gerou um cenário de dependência do principal em relação ao agente. Conclui-se que os Ministérios devem ter seus quadros de funcionários compostos por pessoal altamente qualificado, além de desenvolver um mecanismo de troca de informações com as agências que permita uma simetria de informação. Cabe observar que igualmente deve ser estabelecida uma relação entre o agente e o principal que permita o estabelecimento e o esclarecimento do comportamento desejado de ambas as partes, isto é, definir quais objetivos devem ser buscados pela agência e as limitações da supervisão ministerial, a fim de que não se viole a autonomia das agências. 2.5. Aspectos Institucionais e Jurídicos das Agências Brasileiras As agências reguladoras, na organização administrativa brasileira, são tidas como autarquias de regime especial, uma vez que apresentam maior autonomia e têm como foco o combate de falhas de mercado, como as assimetrias de informação e os monopólios naturais. O quadro a seguir revela as agências reguladoras que foram constituídas pela Administração Pública brasileira até o momento e com quais Ministérios estabelecem um vínculo. 18 Quadro 2: Agências Reguladoras e Ministérios Fonte: adaptado de Brasil, Casa Civil da Presidência da República, 2003, p. 21. Pode-se dizer que as agências reguladoras instituídas se diferenciam entre si de maneira significativa, em razão, provavelmente, das motivações que ensejaram a criação de cada uma delas. Abrucio e Pó (2006) dividiram a criação das agências em três gerações: (i) a primeira ocorrida entre 1996 e 1997, relacionada com o processo de privatização e com a dificuldade do Estado em investir nos setores de infra-estrutura, além da necessidade de obter recursos para pagamento da dívida pública; (ii) a segunda teve como meta o aumento da eficiência e a modernização do aparelho estatal, ocorrida entre 1999 e 2000; (iii) a terceira geração possui uma grande diversidade de motivações, o que talvez revele a “perda do referencial de regulação dos mercados. [...] Copiavam-se simplesmente instituições em contextos e problemas muito diferentes” (ABRUCIO; PÓ, 2006, pp. 683-684). Salgado (2003) optou pela classificação em agências “de Estado” e agências “de governo”, em que as primeiras apresentariam maior autonomia e atuariam na regulação de setores de atividades essenciais e que exigem investimentos irreversíveis, aproximando-se do modelo norte-americano de agência reguladora. Já as agências “de governo” estariam próximas da noção de autarquia em sentido estrito e, de acordo com a Reforma Gerencial do Estado, deveriam ser chamadas de agências executivas. Quadro 3: Agências de Estado e de Governo Fonte: Salgado, 2003, p. 32. 19 O presente trabalho vai de encontro com a classificação elaborada por Salgado (2003), preferindo a divisão realizada por Di Pietro (2007), que considera todas essas agências como regulatórias. Dessa maneira, as agências seriam categorizadas como Agências que exercem o poder de polícia, como no caso da ANVISA, ANS e ANA, ou que controlam atividades que foram objeto de concessão, permissão ou autorização, como a ANP, ANEEL e ANATEL. Considerar as agências como a ANVISA, ANS e ANA como agências executivas seria um equívoco, pois na verdade as agências executivas não passam de autarquias e fundações governamentais preexistentes que podem vir a receber a qualificação de executiva. Percebe-se que as Agências tidas como “entes de Governo” por Salgado (2003) não são simples autarquias, apresentando leis próprias que, por sua vez, dispõem sobre o regime especial dessas entidades5. A expressão “autarquia de regime especial” envolve uma variedade de elementos. Por exemplo, aplica-se às agências reguladoras o princípio da especialidade, que significa que a sua atuação será limitada – especializada – àquilo que está previsto na sua lei específica. Além disso, cabe observar que não há uma legislação única que se aplique a todas as agências, entretanto, pode-se dizer que existem algumas características que são comuns a todas elas: (i) maior autonomia; (ii) estabilidade de seus dirigentes; (iii) caráter final de seus atos que não podem ser revistos por outros entes da Administração Pública; e (iv) escolha dos dirigentes serão pelo Presidente da República e sabatinados pelo Senado Federal. Pode-se questionar se o modelo de agências regulatórias foi utilizado indiscriminadamente, mas, pelo fato de previsão legal, não se tem como negar que tais entidades são autarquias de regime especial e, portanto, agências reguladoras. Essas características foram inspiradas – e muitas vezes copiadas – da experiência internacional. Com isso, torna-se importante analisar os modelos internacionais, a fim de compreender as razões desse tipo de instituição ter sido adotado no país. 5 Lei 9.984/2000, artigo 3°: Fica criada a Agência Nacional de Águas – ANA, autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira [...]. Lei 9.961/2000, artigo 1º: É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob regime especial [...]. Lei 9.782/1999, artigo 3º: Fica criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia de regime especial [...]. Parágrafo único: A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. Artigo 4º: A Agência atuará como entidade administrativa independente, sendo-lhe assegurada, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de suas atribuições. 20 3. AGÊNCIAS REGULADORAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL Em vários países o modelo de agências reguladoras foi adotado, em função da idéia de redução do papel produtivo do Estado, que deveria se limitar a uma regulação dos setores econômicos. A compreensão da forma como estão estruturadas as agências em outros países contribui para um melhor entendimento de problemas análogos e a identificação de eventuais soluções. Não se defende um mimetismo puro dos modelos de fora, mas sim a análise do Direito Comparado para que sirva de lição e inspiração para a consolidação das agências reguladoras no Brasil. A doutrina e a jurisprudência de outros países igualmente lidam com polêmicas semelhantes com as encontradas por aqui, como a da autonomia reforçada e a extensão do controle por parte do Poder Executivo Central. A análise limitar-se-á a quatro países, e o recorte metodológico compreenderá essencialmente a autonomia concedida a essas entidades e o controle praticado pelo Poder Executivo. 3.1. Estados Unidos da América A primeira agência norte-americana é datada de 1887, a denominada Interstate Commerce Commission, que buscava regulamentar os serviços de transporte ferroviário entre os Estados. Vale ressaltar que essas primeiras agências não procuravam limitar a atuação do mercado, mas sim simplesmente organizá-la de forma a fomentar a concorrência. Foi na década de 30 que a criação das agências reguladoras nos Estados Unidos ganhou força, com base na proposta trazida pelo New Deal. Diferentemente do que ocorreu no Brasil, a idéia era o fortalecimento do papel do Estado, já que com a crise de 1929, a posição liberal foi substituída pela teoria econômica a favor da intervenção do Estado como agente econômico para a superação da crise. Os new dealers buscavam por meio do advento das agências um fortalecimento do Estado com o objetivo de garantir a justiça social. É bom entender que nos EUA as atividades essenciais de infra-estrutura eram fornecidas pelo setor privado, em razão da força da perspectiva liberal e não-estatizante. Com o início da crise, o mercado foi afetado de tal maneira que se exigiu uma 21 interferência do Estado para garantir o fornecimento de serviços essenciais básicos para a sociedade. Nota-se, portanto, que as políticas públicas fomentadas pelo New Deal possuem estreita relação com a regulação que, por sua vez, não detinha um cunho meramente econômico. No início, essas agências eram independentes dos três Poderes. Porém, tiveram suas atividades controladas pelo Congresso, por meio do Administrative Procedure Act (APA), que detalhou os procedimentos a serem obedecidos pelas agências. A partir dos anos 60 surgem iniciativas com a finalidade de ampliar o controle do Executivo e do Legislativo sobre as decisões das agências reguladoras, principalmente durante os governos de Nixon, Ford e Carter (PACHECO, 2006, p. 538). Já na década de 80 houve um processo de desregulação durante o governo do Presidente Ronald Reagan, mas que não chegou a ser implementado de forma radical. Aragão (2003) sustenta que os Estados Unidos e a América Latina/Europa alcançaram um ponto de equilíbrio após partirem de pontos opostos, isto é, os Estados Unidos reduzindo o liberalismo e a América Latina/Europa diminuindo a interferência estatal (ARAGÃO, 2003, p. 227). A autonomia das agências norte-americanas foi debatida em vários casos pela Suprema Corte. No que se refere ao mandato fixo dos dirigentes, no caso Myres v. United States (1926), a Corte decidiu pela competência do Presidente para exonerar livremente, com base em interpretação da seção I do artigo 2º da Constituição NorteAmericana. Essa posição foi alterada com a decisão do caso Humphrey’s Executor v. United States (1935), determinando que a livre exoneração somente era cabível na hipótese de agências executivas, enquanto nas agências regulatórias a demissão deveria ser com justo motivo. Já no caso Morrison v. Olson (1988) foi analisado se a proibição de uma exoneração livre pelo Presidente afetaria o cumprimento de suas competências constitucionais. A conclusão foi que não, pois o Presidente apresentaria outros mecanismos para garantir a execução de suas atribuições. Outro aspecto importante para a autonomia das agências é a eventual revisão de suas decisões. A Suprema Corte determinou que o Judiciário não poderia interferir nas decisões tomadas pelas agências se elas se mostrassem dentro de uma razoabilidade. Se o Congresso deixou questões em aberto, igualmente cabe à agência reguladora tomar a decisão mais adequada, já que apresenta um corpo técnico mais preparado, desde que tal decisão seja razoável. É possível verificar tal sustentação no caso Chevron USA., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc.(1984): 22 If Congress has explicitly left a gap for the agency to fill, there is an Express delegation of authority to the agency to elucidate a specific provision of the statute of the regulation. Such legislative regulations are given controlling weight unless they are arbitrary, capricious, or manifestly contrary to the statute (ESTADOS UNIDOS, Suprema Corte, 1984) 6. Já o Poder Executivo Central impôs às agências reguladoras, por meio da Executive Order nº 12.886/93 – Regulatory Planning and Review, a obrigação de comunicarem as decisões regulatórias antes de as colocarem em prática. Seria uma espécie de acordo entre a agência e o Diretor da Secretaria de Gestão e Orçamento, em que ficaria exposto metas e indicadores de desempenho, e a obrigação de divulgação dos resultados. Tal procedimento evitaria possíveis políticas contrárias as do programa governamental. Percebe-se, portanto, que na estrutura administrativa norte-americana às agências reguladoras apresentam autonomia para a formulação de políticas públicas, entretanto, devem seguir coerência com o plano do governo eleito. 3.2. Inglaterra O advento de entidades independentes ocorreu na Inglaterra por volta do século XIX, com a criação dos chamados quangos. Essas instituições eram criadas à medida que eram promulgadas leis com a finalidade de atender a um interesse público específico. Vale dizer que é instituída uma vasta quantidade de quangos, que eram caracterizados por um falta de homogeneidade. Foi a partir do governo de Margaret Thatcher que a denominação quango foi substituída por agencies ou comissions, e igualmente foram implementadas as Next Step Agencies com o objetivo de regular os mercados onde ocorreram as privatizações. Esse programa do Partido Conservador ficou conhecido como “Novo Gerencialismo Público”. As agências na Inglaterra não se diferenciam dos demais órgãos executivos, na medida em que a Administração Pública é policêntrica. Essas agências teriam como noções-chaves uma autonomia de gestão e a responsabilidade individual de seus dirigentes, embora não apresentem personalidade jurídica própria. O ministro, por outro 6 Se o Congresso deixou uma lacuna para ser preenchida pela agência, há uma expressa delegação de autoridade para a agência elucidar uma provisão específica da lei da regulação. Tais regulações legislativas têm um poder de controle a não ser que elas sejam arbitrárias, caprichosas ou contrárias à lei (ESTADOS UNIDOS, Suprema Corte, 1984, tradução nossa). 23 lado, possui competência para delimitar “as grandes linhas das políticas públicas, a preparação das leis, dos regulamentos, das respostas às questões formuladas pelos parlamentos e ao controle da função administrativa exercida por outros órgãos”7 (MACHIN, 1988, p. 236 apud ARAGÃO, 2003, p. 223). Os Ministérios possuem, portanto, o papel de estabelecer as metas e objetivos a serem atingidos, enquanto as agências são responsáveis por sua execução. Essa relação entre os Ministérios e as agências é fixada por meio de um framework document ou framework agreement (documento de estrutura ou acordo de estrutura). Esse documento representaria a transferência de competências para as agências, consistindo na principal forma de ligação entre as agências e os Ministérios. Cabe observar que os documentos de estrutura apresentam uma natureza quase contratual, em razão da flexibilidade de atuação e das previsões orçamentárias que os Ministérios se obrigam a respeitar perante as agências. Com esse documento, o dirigente das agências detém a autoridade para solicitar recursos financeiros adicionais ou mesmo argumentar a incoerência dos objetivos delimitados pela Administração Pública Central (OLIVEIRA, G. J., 2008, pp. 104-107). Pode-se dizer que a relação dos ministros com as agências é relativamente tranqüila, com a entidade apresentando uma significativa autonomia. Além da tutela exercida pelos ministros, as Agências são controladas administrativamente pelo Council of Tribinals. 3.3. França É interessante observar que as autoridades administrativas independentes não apresentam uma subordinação hierárquica com o Poder Executivo Central, detendo um significativo grau de autonomia. As únicas restrições à autonomia das autoridades administrativas consistem na obrigação de publicar um relatório anual de prestação de contas, além das suas decisões serem controladas pelo Poder Judiciário. Isso é curioso, tendo em vista que a França sempre foi marcada por uma Administração Pública unitária e hierarquizada. Contudo, não se pode deixar de mencionar que as autoridades administrativas independentes são desprovidas de personalidade jurídica. 7 MACHIN, Howard. L’expérience Britannique. In: COLLIARD, Claude-Albert; TIMSIT, Gérard (Coord.). Les Autorités Administratives Indépendantes. Paris: PUF, 1988. 24 As autoridades administrativas francesas também são bastante heterogêneas, não se restringem a uma regulação do setor econômico e dos serviços públicos. Essas instituições possuem um papel de proteger os cidadãos e seus direitos fundamentais. 3.4. Itália As autoridades administrativas de caráter independente na Itália são marcadas por uma heterogeneidade, o que provoca discordâncias acerca das entidades que poderiam ser classificadas como agências reguladoras. Alguns doutrinadores italianos argumentam que qualquer espécie de vínculo com o Poder Executivo Central descaracterizaria a autonomia das instituições e, conseqüentemente, a sua natureza de agência reguladora. Dessa maneira, as agências que apresentassem mecanismos de controle ministerial ou que seus dirigentes fossem indicados pelo governo apresentariam uma “semi-independência”, não detendo a autonomia necessária para se constituir como uma agência reguladora. Contudo, existem posições doutrinárias mais abrangentes, que consideram essas instituições tidas como “semi-independentes” como agências reguladoras. Romano (2000) enumerou os seguintes órgãos como agências reguladoras na Itália: (i) Difensore Civico Regionale, Difensore Civico Comunale e Difensore Civico Provinciale; (ii) Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato; (iii) Autorità per l’Energia Elettrica ed il Gas; (iv) Autorità per le Garanzie nelle Comunicazion; (v) Garanti dei dati Personali; (vi) Comissione di Garanzia per l’Attuazione della Legge sull’Esercizio del Diritto di Sciopero; (vii) Autorità per La Vigilanza sui Lavori Pubblici; (viii) Autoritá per l’Informatica nella Pubblica Amministrazione; (ix) Commissione Nazionale per Le Società e La Borsa; e (x) Istituto Superiore per la Vigilanza sulle Assicurazioni Private (ROMANO, 2000, pp. 25-43). Um dos temas mais debatidos na Itália, assim como no Brasil, é a constitucionalidade da independência das agências perante o Poder Executivo Central. A justificativa utilizada é a necessidade de tutelar valores constitucionais que teriam maior interferência de grupos de interesse, como no caso da concorrência, o que exigiria um órgão com de maior imparcialidade. 25 3.5. Conclusão Pode-se dizer que nos quatro países analisados foram estabelecidos instrumentos que garantissem a autonomia das agências reguladoras e, simultaneamente, um certo controle do Poder Executivo Central de modo a possibilitar uma compatibilidade com a linha dos governos. No caso norte-americano, a autonomia das agências foi garantida por meio do impedimento da exoneração livre dos dirigentes pelo Presidente, bem como pelo impedimento de revisão judicial das decisões das agências, caso se mostrassem dentro de uma razoabilidade. Como mecanismo de controle das políticas públicas praticadas pelas entidades regulatórias, foi exigido que as agências comunicassem suas decisões antes de colocarem em prática, o que evita a propagação de medidas contrárias as estabelecidas pelo Poder Executivo Central. Na Inglaterra, a relação das agências com os Ministérios é tida como pacífico. Os Ministérios são responsáveis pela determinação das linhas gerais das políticas públicas, enquanto as agências garantem a sua execução, por meio de um documento de estrutura marcado pela flexibilidade característica dos contratos. As autoridades administrativas independentes francesas igualmente são marcadas por um significativo grau de autonomia, mas essas entidades possuem a obrigação de conferirem publicidade de seus atos. Já na Itália existe um grande debate acerca do grau de autonomia que as agências devem deter, sem perder a essência dessas entidades. Com base na análise da conjuntura regulatória desses países, nota-se que deve ser estabelecido um diálogo entre as agências e o Poder Executivo Central. A experiência norte-americana revela a importância de buscar uma congruência das políticas públicas praticadas pelas agências. O marco regulatório inglês revela uma possível distribuição de competências entre os Ministérios e as agências reguladoras formalizado por um documento. Em outros termos, os Ministérios assumiriam a responsabilidade de elaboração das grandes linhas das políticas públicas, concedendo as agências a competência para fixar as demais etapas que envolvem as políticas públicas. A maneira pela qual a regulação nos outros países funciona, servirá de inspiração para a construção de um possível formato de relação entre as agências reguladoras e os Ministérios. 26 4. RELAÇÕES DAS AGÊNCIAS REGULADORAS COM O PODER EXECUTIVO CENTRAL É fato que o relacionamento entre as agências reguladoras e os Ministérios apresenta uma série de distorções e aspectos nebulosos. Essa conjuntura é reforçada após a fase de privatizações, devido à perda de funcionários dos Ministérios que deixaram de apresentar uma posição de expertise. Pode-se até mesmo afirmar que o Poder Executivo Central passou a depender do conhecimento técnico fornecido pelas agências, o que dificultava a elaboração de um planejamento pelo governo. Além disso, a falta de uma capacidade técnica poderia ocasionar debates essencialmente políticos para os setores, com a elaboração de políticas públicas pouco efetivas, e até mesmo uma violação da autonomia das Agências para aumentar o poder decisório acerca do setor. Foram constatados pelo Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial essencialmente três problemas: (i) não há um termo de entendimento e as partes operam independentemente; (ii) a própria agência determina a maneira pela qual deve ser supervisionada; e (iii) não há uma interação adequada dos Ministérios com as agências reguladoras, devido a motivações políticas e técnicas, passando aqueles a atuar contra estas últimas (BRASIL, Casa Civil da Presidência da República, 2003, p. 23). Essas distorções, de maneira geral, continuam, em razão da ausência de uma formalização da relação entre essas entidades. Pode-se evidenciar essa proposição com base no Projeto de Lei 3.337/2004, que promoveria uma uniformização das agências, mas se encontra parado no plenário, e no parecer normativo n° AC – 051 da AGU, que defendeu a possibilidade de ingresso de recursos hierárquicos impróprios na formulação de políticas públicas pelas agências e gerou muitas controvérsias. Com isso, faz-se necessário, uma análise meticulosa dessa temática, de modo a vislumbrar uma possibilidade de relacionamento mais adequada à realidade jurídica e institucional brasileira. Serão abordados os temas da função estatal do planejamento e do princípio da eficiência, ambos previstos constitucionalmente. Do mesmo modo, serão tratados os temas da fixação de políticas públicas e da competência de cada ente nessa seara. Por fim, será discutida a questão do recurso hierárquico impróprio, bem como da avocação presidencial. 27 4.1. Preceitos Constitucionais e Políticas Públicas 4.1.1. Planejamento estatal A função de planejamento do Estado está prevista no artigo 174 da Constituição Federal, tendo em vista o seu papel de “agente normativo e regulador da atividade econômica”. Essa função estatal na sociedade capitalista é relativamente nova, tendo sua origem na crise de longa duração com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929. A necessidade de reconstrução, após a Segunda Guerra Mundial, contribuiu para a implementação do planejamento econômico nos países capitalistas, que até a década de 40 era uma prática limitada aos países socialistas. Surge o fenômeno conhecido como Economia Dirigida, isto é, o Estado assume a função de propulsor do desenvolvimento, conferindo um norteamento para a atuação dos agentes econômicos (COMPARATO, 1978, p. 466). Do ponto de vista internacional, há uma consciência patente do papel do Estado para impedir os ciclos depressivos da economia capitalista, da importância do planejamento econômico e da diferença de níveis de desenvolvimento do capitalismo entre os países (COMPARATO, 1978, p. 459). Furtado (1992), ao se utilizar das concepções teóricas keynesianas, discutiu a possibilidade de superação do subdesenvolvimento que, por sua vez, era a forma pela qual se expressa o capitalismo na periferia, e não uma etapa necessária (FURTADO, 1992, p. 12). O projeto de desenvolvimento nacional de Furtado (1992) tem como pressuposto um planejamento estatal que detecte os pontos de estrangulamento da economia, por meio de uma “ação orientadora do Estado dentro de uma estratégia adrede concebida” (FURTADO, 1992, p. 15). Ao aplicar a visão de Furtado (1992) acerca do desenvolvimento à atual conjuntura, pode-se dizer que um dos pontos de estrangulamento é a infra-estrutura do país, isto é, há uma necessidade de expansão da produção de energia elétrica8, de 8 De acordo com a OCDE, “Se seu desempenho em termos de investimento no setor de energia for comparado ao de outros países, o Brasil não está bem colocado (Figura 2.2). Dos países que não fazem parte da OCDE [...], o Brasil surge nas últimas posições, junto com Rússia, atrás da África e bem atrás da China, Índia e Indonésia. Investimentos no setor de energia em países em desenvolvimento geralmente respondem por uma parte maior do PIB do que em países da OCDE, o que freqüentemente se determina entre 1 e 3%. Se a participação é inferior, isso pode indicar que os níveis de investimentos existentes são insuficientes” (OCDE, 2008, p. 87, tradução nossa). 28 melhoria das rodovias9, por exemplo, a fim de que seja possível o desenvolvimento econômico do país. Foi exatamente essa infra-estrutura que passou por um processo de privatizações e concessões nos últimos anos, ficando sob a responsabilidade das agências reguladoras. Ou seja, as agências reguladoras assumiram o papel de executar políticas públicas nos setores considerados essenciais para o crescimento econômico. Contudo, as agências possuem um conhecimento segmentado e fragmentado, isto é, voltam-se apenas para o seu setor econômico. Desse modo, o governo eleito, que compõe o Poder Executivo Central, deve estabelecer uma relação com as agências que lhe permita evidenciar as diretrizes que determinado setor econômico deve seguir dentro de um plano global de desenvolvimento. Por outro lado, as agências são a fonte de informação do setor, contribuindo para o Estado desenvolver um plano que envolva todas as áreas da economia. Nota-se, portanto, a importância de um bom diálogo entre essas entidades, de modo que possibilite a troca de informações necessárias para uma melhor compreensão da realidade. Como demonstra Salomão Filho (2002), A ação planejadora do Estado deve buscar uma ação interventiva que, antes de tudo, permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos de desenvolvimento. Como já anteriormente discutido, o principal problema de qualquer ação econômica, seja estatal ou privada, é um problema de conhecimento. Conhecer a realidade é pressuposto essencial para que se possa modificá-la (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 60, grifo nosso). 4.1.2. Princípio da Eficiência O princípio da eficiência encontra-se disposto no caput do artigo 37 da Constituição Federal, e foi inserido pela Emenda Constitucional nº 19/98. Esse princípio é encarado como um dos mais modernos, pelo fato de não exigir unicamente o cumprimento das obrigações de acordo com os termos da lei, mas também de buscar o melhor resultado possível. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado aponta que o Estado brasileiro “enfrenta [...] um problema de governança, na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas é limitada pela rigidez e 9 O sítio na Internet do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes no tópico “condições de rodovias” fornece de maneira detalhada o estado das rodovias brasileiras. Pode-se constatar que um número significativo de rodovias está em condições precárias, sem sinalização, e algumas até sem pavimentação. Disponível em: http://www1.dnit.gov.br/rodovias/condicoes/index.htm. 29 ineficiência da máquina administrativa” (BRASIL, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995, p. 19). Medauar (2006) entende o princípio da eficiência da seguinte maneira: Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão. (MEDAUAR, 2006, p. 129). Percebe-se que a introdução desse princípio no texto constitucional contribuiu para a quebra do paradigma de atenção única aos procedimentos – burocracia –, o que levou a uma necessidade de analisar a atuação dos agentes públicos e a maneira de organizar a Administração Pública. O princípio da eficiência envolve uma análise dos custos e benefícios, assim como dos custos sociais envolvidos nas práticas administrativas. Não se pode deixar de mencionar que o princípio da eficiência deve ser somado ao princípio da legalidade, e não em substituição deste (DI PIETRO, 2007, pp. 75-76). A inserção de um elemento não característico do Direito, mas sim da Administração, no texto constitucional deve ser compreendida a partir da idéia de que os princípios atuam de modo a interferir no comportamento indiretamente, assumindo um papel de enunciado, que cria novas situações jurídicas, ou identificar valores que já se encontram presentes na sociedade. Em curtas palavras, uma máquina estatal que fornecesse uma resposta adequada e da melhor maneira possível era um dos anseios da sociedade. Nota-se, portanto, que o princípio da eficiência captou uma exigência da população e sua inclusão pode contribuir para uma mudança no comportamento dos agentes públicos. As políticas públicas, além dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, devem ser regidas de acordo com os preceitos por trás da eficiência. A Reforma Gerencial do Aparelho do Estado assumiu a tese de que as políticas públicas seriam concretizadas de maneira mais eficiente por meio da descentralização. Esse pressuposto deu ensejo para a estruturação de Agências Reguladoras e a sua competência no campo das políticas públicas nos setores em que atuam. 30 4.1.3. Conclusão A repartição adequada de competências entre o Poder Executivo Central e as agências reguladoras permite que o planejamento estatal seja elaborado de modo a possibilitar a concretização das políticas públicas, sempre tendo em vista o princípio da eficiência que, por sua vez, deve dirigir toda a atuação estatal. Dessa maneira, faz-se necessário um exame mais detalhado das etapas de construção das políticas públicas. 4.2. Fixação de Políticas Públicas 4.2.1. Formulação e Implementação de Políticas Públicas A definição de políticas públicas é importante para a delimitação das competências das agências reguladoras, a fim de se obter uma noção mais clara de quais atribuições são do Poder Executivo Central e quais são das agências. A AGU afirma que a formulação de políticas públicas seria atribuição do Poder Executivo Central, enquanto a implementação seria de responsabilidade das agências. No entanto, a conceituação de políticas públicas não é pacífica. Como demonstrado por Souza (2006), “não existe uma única, nem melhor definição sobre o que seja política pública”, e continua: Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades de governos, que agem diretamente ou através de delegações, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. (SOUZA, 2006, p. 24.) Em razão da dificuldade de áreas do conhecimento humanístico, como a Ciência Política, em produzir uma definição uniforme para políticas públicas, tem-se como conseqüência um obstáculo para a delimitação das próprias fases pelas quais deve passar a política pública. Em outras palavras, a fronteira entre a formulação e a implementação encontra-se em uma área nebulosa, na medida em que a política pública 31 se caracteriza por um dinamismo que a leva a uma constante adaptação às transformações da realidade socioeconômica. Com isso, durante a implementação de uma política pública, pode-se detectar a sua inadequação para a resolução do problema, o que gera uma necessidade de reformulação. Seria o que Aragão (2003) denomina de Princípio de Retroalimentação da Regulação, isto é, “uma imensa fluidez e constante adaptação às mudanças da realidade sócio-econômica subjacente, fazendo com que a ‘política pública’ e a ‘implementação da política pública’ funcionem de forma circular e retro-operativa” (ARAGÃO, 2003, p. 363). Percebe-se que, pela debilidade em se determinar uma fronteira precisa entre a atuação do Poder Executivo Central e das agências reguladoras, no que se refere a políticas públicas, é no mínimo discutível a possibilidade de ingresso de recurso com base na invasão de competência pelas agências na formulação das políticas públicas. Além disso, é bom entender que se exige expressa previsão legal para o ingresso de recurso hierárquico impróprio. Contudo, não foi esse o entendimento da AGU em seu parecer normativo n° AC – 051 que, por sua vez, admitiu a intervenção ministerial na hipótese de violação de políticas públicas fixadas pelo Poder Executivo Central, mediante recurso hierárquico impróprio ou revisão ex officio. É possível constatar que essa proposição feita pela AGU abre precedentes perigosos para o incentivo à revisão ministerial. De acordo com o parecer da AGU, a formulação das políticas públicas dos setores regulados é de competência dos Ministérios, logo, sua violação pelas agências provoca a incidência da revisão ministerial como mecanismo promotor do realinhamento de suas decisões acerca das políticas públicas estabelecidas para esses setores (BRASIL. Advocacia-Geral da União, 2006). Vital Moreira (2003) condena essa postura, haja em vista que as políticas públicas de atuação das agências reguladoras encontram-se previstas em leis específicas e até mesmo na Constituição (MOREIRA, V., 2003, pp. 228-229). De fato, há um grau de submissão das agências reguladoras às políticas públicas estabelecidas pelo Poder Executivo Central. Contudo, esse controle não pode ser utilizado em prejuízo à autonomia das agências. Um entendimento jurídico para políticas públicas seria interessante, tendo em vista que a partir de sua compreensão poder-se-ia elaborar uma delimitação mais evidente para as competências do Poder Executivo Central e das agências reguladoras. 32 Em curtas palavras, um melhor entendimento jurídico acerca das políticas públicas permitiria uma distribuição de tarefas mais claras entre os Ministérios e as agências e, conseqüentemente, um melhor diálogo entre essas instituições. Com isso em mente, será realizada uma análise jurídica acerca das políticas públicas e, a partir das conclusões formuladas, será proposto qual modelo de execução de políticas públicas seria o mais adequado. Enfim, delimitar qual papel será dos Ministérios e qual será das agências, buscando sempre um alinhamento com a autonomia conferida às agências reguladoras e com a necessidade de uma supervisão ministerial que garanta o controle das políticas. 4.2.2. Uma análise jurídica sobre políticas públicas A segunda metade do século XX foi marcada por uma atuação estatal intervencionista e gestionária, com a implementação de programas com o objetivo de promover a elevação do bem-estar econômico e social da sociedade com a superação do subdesenvolvimento no cenário latino-americano. Essa maior postura atuante do Estado ganha força na Europa após a Segunda Guerra Mundial, onde foi instalado o Estado de bem-estar social, ou seja, um Estado promotor de políticas públicas. É bom entender que as políticas públicas nesse período funcionaram como instrumentos de intervenção do Estado, que passou a coordenar com programas que tinham como base um planejamento nacional. Com isso, o Poder Público passou a governar com base no planejamento do futuro, por meio da determinação de políticas de médio e longo prazo, ao contrário de uma administração limitada à conjuntura presente. Essa ampliação do papel do Estado foi o cenário propulsor das políticas públicas, o que acarretou a necessidade de uma discussão jurídica com a finalidade de se buscar o enquadramento das políticas públicas dentro do ordenamento. Como apontado por Habermas (1997), na Administração Pública moderna reside um alto nível de complexidade e incerteza, o que impossibilita uma prévia determinação normativa. Surgem, então, modalidades de normas distintas, que passam a apresentar uma estrutura instrumental para a concretização de objetivos almejados (HABERMAS, 1997, p. 431). Além disso, não se pode esquecer que a constitucionalização não regulou meramente princípios, regras e direitos, mas igualmente uma vasta gama de políticas 33 públicas (SOUZA, 2005 p. 109). Quando a Constituição Federal passou a garantir uma série de direitos sociais que não são de aplicação imediata, criou-se um elo entre o Direito e as políticas públicas. Foi a partir desse constitucionalismo que os juristas se interessaram pelas políticas públicas. Pode-se encontrar na doutrina três caminhos distintos para a obtenção de uma definição de políticas públicas: (i) como atividade, que apresentaria um arcabouço de normas e atos; (ii) como uma própria norma, mas com características distintas das normas de condutas e de organização estruturadas sobre a coerção; ou (iii) como um programa de ação governamental, que detém um suporte legal para a sua execução. A dificuldade na elaboração de um conceito jurídico de políticas públicas havia sido identificada por Comparato (1997), que buscou, em um primeiro momento, produzir uma definição de ordem negativa, ou seja, concluiu que a política pública não se enquadraria dentro das noções de norma e nem de ato estabelecidas pelo Direito. Comparato (1997) demonstrou que as políticas públicas deveriam ser encaradas como atividades. Mas se a política deve ser claramente distinguida das normas e dos atos, é preciso reconhecer que ela acaba de englobá-los como seus componentes. É que a política pública aparece, antes de tudo, como uma atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado. [...] A política, como conjunto de normas e atos, é unificada pela sua finalidade. Os atos, decisões ou normas que a compõem, tomados isoladamente, são de natureza heterogênea e submetem-se a um regime jurídico que lhe é próprio. (COMPARATO, 1997, pp. 353-354, grifo nosso.) Com isso, uma política pública poderia ser considerada constitucional enquanto uma das normas que compõe o seu quadro poderia ser tida como inconstitucional. Igualmente existiria a possibilidade da política em si ser inconstitucional, mas as normas e os atos que a estruturam não. As políticas públicas podem ser entendidas igualmente como uma categoria normativa, em contraposição à tese de Comparato (1997). Contudo, diferentemente das demais normas de caráter abstrato e geral, as normas que corresponderiam às políticas públicas apresentariam um aspecto concreto, uma vez que objetivariam a obtenção de uma meta determinada por meio de um plano. Essa nova modalidade de norma não possui a estrutura das demais normas prescritivas – “Se...; então...”. Provavelmente se enquadrariam na classificação elaborada por Grau (1978) de normas-objetivos que, por 34 sua vez, estabelecem os resultados que dependem da ação de organismos e organizações (GRAU, 1978, p. 243). A Constituição Federal de 1988 trouxe as denominadas normasprogramáticas, que seriam normas fins para cuja implementação é necessária uma legislação futura. Por outro lado, Bucci (2007) demonstra que as políticas públicas possuem suportes legais, como leis, decretos, contratos de gestão ou até mesmo contratos de concessão. As políticas públicas poderiam ser definidas como um programa ou quadro de ação governamental, pelo fato de ser um conjunto de políticas coordenadas para dar impulso à máquina governamental, concretizando objetivos de interesses públicos ou, do ponto de vista legal, direitos. Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados [...] visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados (BUCCI, 2006, p. 39). Bucci (2006) acaba por afastar a possibilidade de um conceito jurídico para as políticas públicas. A relação entre o Direito e as políticas públicas estaria no suporte legal que elas deteriam e na concretização do interesse público que almejam, mas não poderiam ser consideradas um elemento jurídico em si. Embora estejamos raciocinando há algum tempo sobre a hipótese de um conceito de políticas públicas em direito, é plausível considerar que não haja um conceito jurídico de políticas públicas. Há apenas um conceito de que se servem os juristas (e os não juristas) como guia para o entendimento das políticas públicas e o trabalho nesse campo. Não há propriamente um conceito jurídico, uma vez que as categorias que estruturam o conceito são próprias ou da política ou da administração pública. (BUCCI, 2006, p. 47.) Percebe-se a ausência de uma uniformidade no Direito no que tange às políticas públicas. Para o presente trabalho serão encaradas como arranjos complexos existentes na atuação político-administrativa, apresentando um suporte legal, conforme a linha de pensamento desenvolvida por Bucci (2006), que defende a noção interdisciplinar de políticas públicas. A ciência jurídica deve estar no mínimo apta a compreender e analisar as políticas públicas e, mesmo na falta de um conceito jurídico pacífico, deve 35 procurar desenvolver uma metodologia que permita o trabalho do jurista nos conflitos que envolvam políticas públicas. Dessa maneira, serão assumidos alguns pressupostos em relação às políticas públicas a partir de uma combinação de elementos extraídos da Ciência Política, da Administração Pública, da Economia e do Direito, de modo a permitir a relação pacífica entre as agências e o Poder Executivo Central. Com base em um conjunto de conceitos trazidos das Ciências Sociais, será possível sugerir um mecanismo de formalização dessa relação, bem como diferenciar de maneira patente: (i) diretrizes; (ii) formulação; e (iii) implementação de políticas públicas. Cabe salientar que diretrizes e formulação, muitas vezes, são encaradas como sinônimos, faltando um rigor técnico para sua distinção. Tenta-se produzir, portanto, um modelo ideal de relação entre as agências e os Ministérios. As políticas públicas, de acordo com os preceitos do Direito Econômico, seriam ferramentais indispensáveis para o planejamento, possuindo uma estreita relação com o tema do desenvolvimento. O Poder Executivo Central, ao ser eleito de forma legítima e democrática, é responsável pela produção de um plano, que envolve os mais diversos setores da economia e da sociedade, visando o desenvolvimento do país. Esse plano é primordial para conferir uma unidade à atuação do Estado e uma mesma direção política. Por isso, deve ser responsável pela delimitação das diretrizes, que devem englobar as “metas e prioridades” 10, sem determinar o método pelo qual serão atingidos os objetivos. De acordo com Carvalho Filho (2008), as diretrizes seriam “pontos básicos dos quais se originara a atuação dos órgãos” (CARVALHO FILHO, 2008, p. 111). Aliás, a proposição de que as diretrizes devem ser traçadas pelo Poder Executivo Central pode ser encontrada nas leis criadoras das agências. [..] à ANEEL compete implementar as políticas e diretrizes do ‘Governo Federal’ (art. 2º, Lei nº 9.427/96); [..] a ANP deve observar a política energética, cujas diretrizes são formuladas pelo Presidente da República mediante proposta do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE (arts. 1º, 2º e 8º, I, Lei nº 9.478/97) (ARAGÃO, 2003, p. 363, grifo nosso). Vale ressaltar que ao destinar a responsabilidade de determinação das diretrizes aos Ministérios, permite-se a seleção das prioridades daquele governo e uma maior chance de resposta aos anseios da sociedade, devido ao fato da sociedade ter elegido o 10 O conceito de diretrizes foi formulado a partir da noção que envolve a Lei de Diretrizes Orçamentárias. 36 governo que se encontra no Poder. Um governo regido só por técnicos acaba por não responder à sociedade, pois a burocracia pode voltar-se para si mesma e seus interesses (WEBER, 1969, pp. 129-130). Um dos grandes questionamentos feitos por Weber (1969) era como possibilitar que as decisões político-administrativas traduzissem, de forma adequada, as preferências e os interesses dos eleitores. A escola da escolha pública, ligada a escolha racional, uma das vertentes do neo-institucionalismo, igualmente foca na representação dos interesses sociais e na rejeição da idéia de que a burocracia seria uma entidade neutra dentro do Estado (BUCCI, 2008, p. 232). Weber (1969) considerava que as funções estatais cada vez mais se aprofundavam em seu processo de complexificação, o que acabava por exigir conhecimentos específicos, fenômeno que justificava a racionalização da administração e a delegação de responsabilidades decisórias a corpos técnicos especializados (WEBER, 1969, p. 128). Em contrapartida, na medida em que essa delegação ampliava o exercício da discricionariedade por parte dos burocratas, surge o risco das decisões administrativas não espelharem as preferências políticas dos representantes eleitos, o que frustrava as expectativas de que os interesses dos eleitores pudessem ser adequadamente concretizados nas políticas públicas. Como aponta Carvalho Filho (2008): As instituições administrativas não encontram suas finalidades em si mesmas, agindo no interesse geral tal como definido pelos órgãos políticos. Assim, tais instituições têm por objetivo permitir que a vontade política seja concretizada e efetivada. Enfim, a administração é o meio de execução da decisão política (CARVALHO FILHO, 2008, p. 110). Por isso, opta-se pela determinação das diretrizes pelos Ministérios, mas a parte que exige um maior conhecimento técnico deve ser das agências reguladoras, que, no pensamento de Weber (1969), corresponderia à burocracia especializada que se encontra mais apta a lidar com as complexidades da atuação estatal. O desenvolvimento de um país exige uma administração eficiente da máquina estatal, entretanto, as soluções não devem possuir unicamente como sustentáculo um tecnicismo excessivo. O planejamento para o desenvolvimento deve ponderar a técnica com a política que, por sua vez, pode ser encarada como “um intercâmbio entre o governante e a população” (MATUS, 1996, p. 39). Matus (1996) aborda a necessidade do planejamento e o equilíbrio necessário entre a política e a técnica. 37 é necessário haver a integração do cálculo político com o cálculo técnico; é necessário monitorar constantemente a gestão pública, substituir a improvisação pelo planejamento, contar com um staff altamente qualificado, tomar decisões diárias apoiadas sempre no processamento técnicopolítico dos problemas; para estruturar a agenda e o menu diário de decisões, deve-se ter em vista o julgamento político (MATUS, 1996, p. 39, grifo nosso). Afora a questão das diretrizes recém analisadas, as agências reguladoras devem possuir competência para formular e implementar as políticas públicas em consonância com as diretrizes do Poder Executivo Central. A formulação consiste em uma fase mais técnica; logo, é mais coerente que a instituição que atua diretamente e exerce a regulação técnica no setor desenvolva essa etapa da política pública. Como observado por Dye (2005), a formulação das políticas é elaborada por uma burocracia especializada, e não pelos líderes. “Policy formulation occurs in government bureaucracies [...]. The details of policy proposals are usually formulated by staff members rather than their bosses, but staffs are guided by what they know their leaders want” (DYE, 2005, p. 42)11. Cabe observar ainda que a formulação de uma política pública envolve o emprego de técnicas quantitativas usadas na Economia, como a estatística, a fim de se avaliar a escassez dos recursos frente a concretização de um determinado objetivo. Aliás, de acordo com Bucci (2008), é exatamente a adoção de dados estatísticos que diferenciam as políticas públicas das políticas em sentido amplo, “visto que a estatística confere destaque ao aspecto contingencial das ações governamentais” (BUCCI, 2008, p. 227). Já a implementação seria a execução da política propriamente dita, ou seja, “representa a conversão de novas leis e programas para a prática” (KNILL; TOSUN, 2008, p. 504, tradução nossa). Cabe observar que destinar a formulação e a implementação às agências facilita a avaliação e reestruturação das políticas. Uma política formulada de determinada maneira pode se revelar não eficaz na implementação. A agência deve apresentar uma autonomia suficiente para corrigir os erros da formulação e, assim, concretizar a política pública. 11 A formulação de uma política acontece em burocracias governamentais […] Os detalhes de uma proposta de uma política são geralmente formulados por assessores, ao invés de seus chefes, mas os assessores são guiados pelo que eles acham que seus chefes desejam (DYE, 2005, p. 42, tradução nossa). 38 Por fim, é fundamental um suporte legal para a política pública, conforme apresentado por Bucci (2006). As normas constitucionais e legais devem assumir um papel de “guia e instrumento do administrador” na fixação das políticas públicas (FRISCHEISEN, 2000, p. 79). Embora as leis de criação das agências reguladoras mencionem as competências referentes às políticas públicas, como no caso da agência Nacional do Petróleo (ANP) para “implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e gás natural” no inciso I, do artigo 8º (BRASIL, 1997), elas não conferem sustentação legal. As leis instituidoras das agências não atuam como suporte legal das políticas públicas, tendo em vista a ausência da determinação de metas e resultados e seu alto grau de generalidade (BUCCI, 2006, p. 13). Recomenda-se que o suporte legal das políticas públicas se dê por meio dos contratos de gestão entre as agências e o Poder Executivo Central. Não se pode deixar de mencionar que haveria outras maneiras de se estabelecer essa relação, como por meio dos convênios, por exemplo. Em suma, pretende-se evidenciar que o importante é estabelecer um grau de formalização na relação entre as agências e os Ministérios que leve em consideração as conceituações aqui apresentadas de diretrizes, como responsabilidade do Poder Executivo Central, e de formulação e implementação, como competências das agências. O presente trabalho optou por defender a aplicação generalizada dos contratos de gestão em todas as agências reguladoras. 4.2.3. Contrato de Gestão: diretrizes para a formulação de políticas públicas pelas Agências Reguladoras Os contratos de gestão apresentam um papel duplo dentro da Administração Pública, haja em vista que atuam simultaneamente como instrumentos de controle e autonomização das intuições do Estado (ARAGÃO, 2003, p. 357). A inserção desse contrato no Direito Administrativo tem íntima relação com o princípio constitucional da eficiência, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição12. Moraes (2001) demonstra que “a característica básica do contrato de gestão é a atuação consensual entre o Estado e seus cooperados ou colaboradores na prossecução dos interesses públicos, em respeito ao recentemente consagrado princípio da eficiência” (MORAES, 2001, p. 61). Pode-se 12 Artigo 37: A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]. 39 dizer também que o § 8º do artigo 37 da Constituição Federal se alinha com o princípio da autonomia gerencial (OLIVEIRA, G. J., 2008, p. 224). Na atual Administração Pública, podem-se encontrar contratos de gestão entre a Administração Direta e a Indireta, entre a Administração Direta e entidades privadas da sociedade civil que venham ser tidas como organizações sociais, conforme a Lei nº 9.637/98, ou com dirigentes da própria Administração Direta. Nesse trabalho unicamente será discutida a celebração de contrato de gestão entre a Poder Executivo Central e as agências reguladoras – entre Administração Direta e Indireta. Essa modalidade de contrato de gestão pode ser denominado de “contrato de gestão interno ou endógeno”, segundo a divisão elaborada por Gustavo Justino de Oliveira (2008). Não existe uniformidade em relação à celebração de contratos de gestão com as agências reguladoras, uma vez que apenas algumas leis de criação das agências apresentam essa previsão. Pode-se encontrar a previsão de contratos de gestão nas leis de criação: (i) da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), no artigo 7º da Lei nº 9.427/96; (ii) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), nos artigos 15, VIII, 19 e 20 da Lei nº 9.782/99; e (iii) da Agência Nacional de Saúde (ANS), no artigo 14 da Lei nº 9.9961/2000. É bom observar que os contratos de gestão não são contratos propriamente ditos. Embora os contratos das agências reguladoras com o Poder Executivo Central envolvam pessoas jurídicas distintas, não há antagonismo de interesses, como ocorre nos contratos em geral. Di Pietro (2007) observa que a essência dos contratos de gestão se assemelha a de um convênio. “[...] é inconcebível que os interesses visados pela Administração Direta e Indireta sejam diversos. É incontestável que a sua natureza se aproxima muito mais dos convênios do que dos contratos propriamente ditos” (DI PIETRO, 2007, p. 314). Egon Bockmann Moreira (2003), na sua análise acerca das agências executivas, aponta que os contratos de gestão teriam natureza de ato administrativo complexo, uma vez que decorre da manifestação de vontade de dois ou mais agentes públicos. A ausência do antagonismo de interesses entre os contratantes, bem como a falta de personalidade jurídica própria dos órgãos da Administração Direta, seriam fatores que igualmente descaracterizariam a natureza contratual (MOREIRA, E. B., 2003, p. 22). Nota-se, portanto, que os contratos de gestão são acordos entre as organizações e apresentam caráter normativo e regulamentar, tendo “de ‘contrato’ apenas o nome” (ARAGÃO, 2003, p. 359). 40 No modelo ideal que se procura estabelecer entre as agências e os Ministérios, deveria ocorrer uma uniformização, isto é, todas as agências deveriam apresentar previsão legal de fixação de contrato de gestão. Essa posição também foi defendida pelo Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial, uma vez que seria “uma forma de garantir o monitoramento do desempenho das agências vinculadas” (BRASIL, Casa Civil da Presidência da República, 2003, p. 36). Para isso, seria preciso a alteração do direito positivo, com a elaboração de uma lei geral para as agências reguladoras que incluísse o contrato de gestão, como no PL nº 3.337/2004, ou alteração das leis específicas de algumas agências. A previsão de um contrato de gestão poderia ser incluída ainda na Lei nº 9.986/2000, como defendido pelo Relatório produzido pela Casa Civil. Por meio da elaboração dos contratos de gestão pelos Ministérios com as agências reguladoras, seriam estabelecidas as diretrizes a serem seguidas pelas agências no momento de formulação e implementação das políticas públicas. Em outros termos, as diretrizes abordariam as metas e resultados que deveriam ser buscados, mas os meios de atingir tais objetivos seriam definidos pela agência. Algo análogo seriam as diretivas estabelecidas pela União Européia aos Estados-membros, que obrigam os Estados a obterem um resultado estabelecido, sem determinar os mecanismos para tal, conferindo uma certa margem de manobra (HARTLEY, 2007, p. 205). Vale ressaltar que igualmente seria interessante que os contratos de gestão estabelecessem os indicadores de desempenho a serem utilizados para averiguar a atuação das agências, o que contribuiria para uma melhor aferição do desempenho da entidade. A determinação prévia desses indicadores evita que sejam formulados índices que distorcem a realidade, não representando com fidedignidade o desempenho da agência. Desse modo, a delimitação prévia de indicadores possibilita que sejam elaborados dados passíveis de comparação, de melhor qualidade e, principalmente, com credibilidade. Os contratos de gestão contribuem ainda para um acompanhamento do desempenho das agências, funcionando como um mecanismo de controle importante. A concretização dos resultados descritos no contrato e o tempo de execução das políticas públicas poderiam ser verificados, o que contribui até mesmo para a previsibilidade da atuação das agências. Dessa maneira, os contratos de gestão devem contemplar os objetivos a serem cumpridos pela agência reguladora no prazo determinado pelo contrato e o controle de resultado, para a averiguação do atingimento ou não das metas 41 determinadas. Os contratos de gestão, portanto, assumem, como apontado por Souto (2000), de “resgatar a filosofia do controle finalístico das entidades da Administração Pública Indireta [...], cujas autonomias asseguradas por lei foram descaracterizadas pelo excessivo número de instrumentos de controle administrativos introduzidos pela Administração Direta (SOUTO, 2000, p. 341). O contrato de gestão seria primordial para conferir sustentação legal às políticas públicas, isto é, dar-lhes-ia validade no mundo jurídico. No entanto, a sua efetividade – eficácia social – na prática teria como mecanismo promotor a agência reguladora. A idéia de estabelecer um contrato de gestão como suporte legal das políticas públicas igualmente é interessante, em razão do dinamismo dos setores regulados pelas agências. Dessa maneira, é fundamental um diálogo entre a Poder Executivo Central e as agências reguladoras, de modo a permitir uma flexibilidade e facilitar a identificação de novos problemas nos setores em que atuam. Mortati13 (1991 apud ARAGÃO, 2003) acredita que essa relação deve ser classificada como de direção, isto é, o Poder Executivo Central é responsável por um direcionamento das políticas públicas, mas isso não significa mitigar a autonomia das agências. [...] diversamente da relação hierárquica, temos a relação de direção, [...] que tem como conteúdo o poder do superior influenciar a atividade do outro mediante a indicação das linhas gerais nas quais este deve se inspirar no desenvolvimento de suas funções; e correlativamente, no poder de supervisioná-la para mantê-las de acordo com as diretivas. A relação de direção pode assumir configurações diversas [...], mas o elementos que lhe confere tipicidade é o fato deste vínculo não tolher a liberdade de escolha confiada ao destinatário das diretivas (que devem ser observadas em relação às circunstâncias dos casos singulares) (MORTATI, 1991, pp. 222-223 apud ARAGÃO, 2003, p. 364). Conclui-se que o poder de direção fixa as diretrizes e exerce unicamente um controle de resultado, não se caracterizando por ações que envolvem substituição, avocação e revogação. Tampouco o Poder Executivo Central pode dar ordens irrestritamente, na medida em que não se trata de uma subordinação hierárquica. Dessa maneira, pelo fato da relação das agências reguladoras com os Ministérios ser classificada como uma de direção, e não de hierarquia, pode-se excluir a possibilidade dos Ministérios terem competência para a revogação, avocação ou mesmo para os recursos hierárquicos. 13 MORTATI, Constantino. Istituzione di Diritto Pubblico. 10ª edição. Padova: Editora CEDAM, 1991. 42 4.3. Revisão Ministerial das Políticas Públicas 4.3.1. Controle Administrativo A atuação da Administração Pública está submetida ao controle do Poder Judiciário e Legislativo, assim como dela mesma, com a finalidade de garantir que sua atuação seja conforme os princípios dispostos no ordenamento jurídico, contribuindo para a proteção do interesse público. O controle da Administração Pública pode ser classificado de diversas maneiras, como, por exemplo, quanto ao momento – prévio, concomitante ou posterior. O controle administrativo, foco do presente trabalho, é a verificação da atuação da Administração Pública exercida por ela mesma, que, no âmbito federal é denominada de supervisão ministerial, conforme o Decreto-lei nº 200/67. É importante que seja praticado pelo Poder Executivo Central uma supervisão ministerial prévia e concomitante a fixação de políticas públicas pelas agências reguladoras, com o objetivo de preservar o alinhamento das decisões dessas entidades no setor econômico em que atuam. As metas e resultados, bem como os indicadores de desempenho devem estar bem definidos. A Administração Pública poderá reexaminar os seus atos por meio de recursos administrativos, como o recurso hierárquico impróprio, que possibilita o reexame de atos de uma entidade por autoridades sem relação hierárquica. De maneira geral, esse recurso é interposto contra ato praticado pela entidade perante o Ministério que está vinculada. Trata-se de uma supervisão ministerial posterior ao ato, controle este que não poderá ser aplicado às decisões das agências reguladoras. Como será observado, às agências se aplica um regime especial, além da necessidade expressa previsão legal para o cabimento desse recurso hierárquico impróprio. No entanto, é possível encontrar na Administração Pública brasileira exemplos da utilização indevida do recurso hierárquico impróprio contra as decisões tomadas pelas agências reguladoras, como o recurso hierárquico impróprio movido pelos operadores portuários do porto de Salvador contra decisão da ANTAQ de cobrança de uma taxa pela entrega de contêineres aos recintos alfandegários. Houve conhecimento e provimento desse recurso pelo Ministério dos Transportes, o que gerou uma série debates e o parecer normativo n° AC – 051 da AGU, que se posicionou a favor do 43 recurso hierárquico impróprio contra a formulação de políticas públicas pelas agências, ferindo de maneira substancial a autonomia dessas entidades. 4.3.2. Caráter excepcional do recurso hierárquico impróprio e a necessidade de previsão expressa em lei Como resultado da descentralização administrativa, inerente ao princípio da especialidade das entidades da Administração Pública Indireta, surge a idéia de controle administrativo. A transferência da execução de determinadas políticas públicas do Poder Executivo Central para um ente dotado de personalidade jurídica deve ser acompanhada de uma fiscalização, com o fim de garantir a observância da legalidade e o cumprimento do interesse público. Essa descentralização gera uma relação de direito-dever para com o Poder Executivo Central: De um lado, a capacidade de auto-administração, que lhes confere o direito de exercer, com independência, o serviço que lhes foi outorgado por lei, podendo opor esse direito até mesmo à pessoa política que as instruiu. De outro lado, o dever de desempenhar esse serviço, que as coloca sob fiscalização do Poder Público; este precisa assegurar-se de que aquela atividade que era sua e foi transferida para outra pessoa jurídica seja executada adequadamente. (DI PIETRO, 2007, p. 451.) É importante observar que esse controle é caracterizado por uma vinculação da Administração Indireta com a Administração Direta, diferentemente de uma relação hierárquica que envolveria uma subordinação. Em outras palavras, entre as formas de controle administrativo – tutela, autotutela e controle hierárquico – a tutela seria a modalidade aplicável às agências reguladoras, tendo em vista que pode ser definida como uma “fiscalização que os órgãos centrais das pessoas públicas políticas (União, Estados e Municípios) exercem sobre as pessoas administrativas descentralizadas, nos limites definidos em lei” (DI PIETRO, 2007, p. 452, grifo nosso). A autotutela dos entes regulatórios também consiste em uma forma de controle, devido à capacidade das agências de verificar a legalidade, conveniência e oportunidade de seus atos. A hierarquia, em contrapartida, existe dentro de uma mesma pessoa jurídica, ou seja, enquanto a tutela encontra-se interligada com a descentralização, a hierarquia está relacionada com a desconcentração. 44 No caso das agências reguladoras, como entidades da Administração Indireta, essa vinculação ocorre com os Ministérios. Essa tutela poderá assumir as formas preventivas e repressivas, desde que tais modalidades estejam previstas em lei e se indiquem os atos que as ensejam. Não se pode esquecer, entretanto, que, em geral, não cabem recursos contra atos da Administração Indireta perante a Administração Direta, e que tais recursos não constituem atos de tutela. O recurso poderá ser utilizado nas hipóteses de relação de subordinação hierárquica, o que não ocorre no caso das agências reguladoras, ou poderá ser excepcionalmente utilizado se houver previsão legal expressa, conhecido como recurso hierárquico impróprio. Percebe-se, portanto, que no caso das agências reguladoras, resta unicamente ao interessado recorrer ao Poder Judiciário após a prolatação da decisão final do dirigente da entidade. Igualmente não se aplica ao cenário mencionado a revisão ex officio. Com base no Direito Positivo Brasileiro, pode-se afirmar que nenhuma lei prevê a existência de recurso administrativo hierárquico impróprio contra as decisões das agências reguladoras. A admissão de recursos hierárquicos impróprios deitaria por terra todo o arcabouço institucional traçado pelo ordenamento jurídico das agências reguladoras, tornando inócua, por exemplo, a vedação de exoneração ad nutum dos seus dirigentes. O espírito da disciplina destas entidades, que é justamente o de afastá-las das injunções político-eleitorais fugazes e casuísticas, restaria totalmente corrompido se o Ministério ou o Presidente da República pudesse a qualquer momento impor, caso a caso, a sua vontade pela simples alegação de violação de política pública. (ARAGÃO, 2007, p. 244.) Enfim, deve-se evitar a confusão entre a supervisão exercida pelo Poder Executivo Central com uma execução condicionada ou subordinada. As leis de criação de cada agência reguladora contribuem para deixar de forma explícita essas distinções. Um dos agentes econômicos regulados pela ANTAQ interpôs recurso hierárquico impróprio ao Ministério dos Transportes contra decisão da agência em relação à cobrança de taxas pela entrega de contêineres aos recintos alfandegários. A AGU argumentou no parecer normativo n° AC – 051 que o recurso hierárquico impróprio seria uma das maneiras de manifestação da supervisão ministerial e, “como inexiste área administrativa imune à supervisão ministerial” (BRASIL, Advocacia-Geral 45 da União, 2006), seria cabível o recurso hierárquico impróprio de modo a atender às políticas públicas legalmente formuladas pelos Ministérios. No entanto, deve-se observar que igualmente o Decreto-lei n° 200/67 não faz referência ao recurso hierárquico impróprio ao tratar dos instrumentos da supervisão ministerial previstos no art. 26, parágrafo único. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Mandado de Segurança n° 8.810/DF, concluiu que o uso do recurso hierárquico impróprio, como medida para a execução da supervisão ministerial, viola o princípio da legalidade, haja em vista que tal instrumento processual deve constar em lei. Ou seja, como não está presente no Decreto-lei n° 200/67 – nem na Constituição –, a utilização desse recurso está condicionada a sua menção em lei específica de criação da agência reguladora. Como não há previsão do recurso hierárquico impróprio na lei de criação das Agências, o seu uso encontra-se legalmente impedido. O Ministro Luiz Fux, no seu voto-vista no julgamento do Mandado de Segurança referido, esclarece que: A supervisão ministerial a que referem os Arts. 19 e 20 do DL 200/67 limita-se a supervisão e controle das atividades exercidas pelos órgãos subordinados ao Ministro de Estado. Tal supervisão, como assentou o Supremo Tribunal Federal (MS 20.246), é bem diferente do recurso hierárquico impróprio. Supervisão, no dizer do Supremo Tribunal Federal, é competência genérica, não se confundindo com intervenção em grau de recurso. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2003, pp. 11-12.) O não-cabimento de recurso hierárquico impróprio para as agências com autonomia reforçada não é pacífico na jurisprudência e doutrina brasileiras. No Despacho nº 266/1995, do Ex-Ministro da Justiça Nelson Jobim, foi admitido ingresso de recurso hierárquico relativo às decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Em princípio, deve-se observar que o CADE pode ser qualificado como uma agência de caráter autônomo, entretanto, não desempenha atividades regulatórias, mas sim a adjudicação no campo da concorrência, lidando com o mercado como um todo. Por apresentar uma autonomia comparável a das agências reguladoras, o cabimento de recurso hierárquico impróprio igualmente não seria possível. O Ex-Ministro da Justiça Nelson Jobim defendeu o cabimento com base no artigo 5º, LV, da Constituição Federal14 e na necessidade das políticas públicas 14 Artigo 5º: [...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 46 relevantes serem analisadas pela Administração Pública Central. Tais argumentos são contestáveis, devido à lei das agências regulamentarem mecanismos de recursos internos à própria entidade, o que atenderia a essa exigência constitucional. Além disso, no que se referem às políticas públicas, as leis de criação de cada agência prevêem os mecanismos adequados para a sua coordenação e as competências das entidades autônomas nesse campo. O Mandado de Segurança 10.138/DF afirmou a impossibilidade de cabimento do recurso hierárquico impróprio contra as decisões colegiadas do CADE (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2005). Cabe salientar que os artigos 84, II, e 87, parágrafo único, I, da Constituição Federal15 são utilizados como fundamentos para o ingresso de recurso hierárquico impróprio. No que tange às entidades da Administração Indireta, a coordenação e supervisão previstas nesses dispositivos não podem ser encaradas como hierarquia, mas sim como tutela, de acordo com o estabelecido expressamente pelo legislador (ARAGÃO, 2003, p. 347). Vê-se, por isso, que a estrutura administrativa marcada pela hierarquia, verificase dentro da própria entidade. Desse modo, a Administração Indireta não é subordinada hierarquicamente ao Poder Executivo Central, possuindo apenas um vínculo. A conjectura de subordinação das entidades descentralizadas aos Ministérios vai de encontro com a noção de personalidade jurídica própria. O Poder Executivo Central somente poderá interferir nas agências reguladoras quando estiver expresso na lei. 4.3.3. Decreto-lei n° 200/67: a avocação presidencial O parecer normativo n° AC – 051 da AGU defende que avocação presidencial pode ser utilizada “em qualquer circunstância” e “não há exceção a essa eminência, a qual, de resto, é também derivação natural do regime presidencialista adotado pela Constituição”, e essa prerrogativa não exclui o poder regulador. Contudo, a análise sistemática do ordenamento permite concluir exatamente o contrário, isto é, a avocação deve ser utilizada de forma excepcional, e não de modo generalizado como defendido pela AGU. 15 Artigo 84: Compete privativamente ao Presidente da República: [...] II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; Artigo 87: [...] Parágrafo único – Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: I – exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal a área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República. 47 O artigo 170 do Decreto-lei n° 200/67 determina que “O Presidente da República, por motivo relevante de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal”, isto é, aborda a figura da avocação presidencial. Regis Fernandes de Oliveira (2005) demonstra que a avocação seria uma modalidade de controle hierárquico, envolvendo, portanto, a relação de órgãos da Administração Direta. “É a avocação conseqüência da disposição hierárquica dos órgãos e agentes públicos” (OLIVEIRA, R. F., 2005, p. 188). Percebe-se que esse dispositivo não se aplica à Administração Indireta, na medida em que o vínculo dessas entidades com a Administração Direta não constitui uma subordinação. Cabe salientar que, mesmo que a Administração Indireta estivesse subordinada ao artigo 170, tal conjuntura foi modificada ao se considerar: (i) a previsão constitucional da Administração Indireta, que garante a descentralização e uma certa autonomia dessas entidades; e (ii) a derrogação promovida pelas leis específicas das Agências Reguladoras (ARAGÃO, 2007, p. 248). É importante observar que no caso das agências reguladoras existe ainda o princípio da especialidade, pois a lei de criação de cada agência determina de maneira precisa as funções que deve executar. A especialidade das agências já excluiria a possibilidade de avocação, haja em vista que seria preciso que o órgão superior não tivesse concedido à entidade de forma exclusiva suas competências (OLIVEIRA R. F., 2005, p. 188). Nota-se ainda que a Lei nº 9.784/99, conhecida como a Lei do Processo Administrativo, dispõe, no seu artigo 15, que “será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior (BRASIL, 1999, grifo da autora)”. Esse dispositivo evidencia o requisito da subordinação hierárquica entre os órgãos para o cabimento da avocação, assim, como foi demonstrado, a relação entre as agências reguladoras e o Poder Executivo Central envolve uma relação de direção. Como aponta Aragão (2007): Isso porque as agências reguladoras não são, por óbvio, hierarquicamente subordinadas ao Presidente da República, mas fazem parte de uma relação de direção, através da qual são fixadas diretrizes e controlados os resultados, o que implica a sua incompatibilidade com o instrumento da avocação (ARAGÃO, 2007, p. 248, grifo nosso). 48 5. A ATUAÇÃO DOS MINISTÉRIOS NO PROJETO DE LEI 3.337/2004 O Projeto de Lei 3.337/2004 foi encaminhado ao Congresso Nacional por meio da Casa Civil da Presidência da República e tinha como objetivo equalizar a atuação das agências reguladoras, o que conferiria uma uniformização do desenho institucional da regulação no país. Percebe-se que o Projeto de Lei levaria a uma generalização de dispositivos que se encontravam em algumas das leis especiais das agências, como a previsão do contrato de gestão. É bom entender que existem no ordenamento jurídico brasileiro leis gerais que tratam da Administração Pública Federal, entretanto, elas não tratam dos temas gerais que envolvem as agências reguladoras, como a Lei nº 9.784/1999, que determina um regramento específico para o processo administrativo. Vale ressaltar a Lei nº 9.986/2000, que regula meramente os Recursos Humanos das agências. Não se pode deixar de mencionar que o PL 3.337/2004 igualmente busca remover imprecisões que acarretavam invasão de competências pelas entidades, principalmente no que se refere às políticas públicas, harmonizando a sua operacionalização. Contudo, deve-se observar que o Projeto de Lei igualmente gera preocupações pelo fato de suprimir de maneira significativa a autonomia das agências reguladoras. Pacheco (2006) é contrária à uniformidade trazida por esse Projeto de Lei, tendo em vista que existem diferenças essenciais entre as agências, principalmente quando se compara aquelas que atuam no setor de infra-estrutura e as de regulação social (PACHECO, 2006, p. 535). Contudo, essa equalização não significa necessariamente desrespeitar as especificidades dos setores em que atuam as agências. A previsão do contrato de gestão permite que sejam estabelecidas diretrizes coerentes e metas de acordo com as características de cada setor. O Projeto de Lei busca, essencialmente, garantir os mesmos mecanismos de controle. O Capítulo II do PL 3.337/2004 trata da prestação de contas e do controle social, dedicando uma parcela substancial ao controle que será exercido pelos Ministérios, que será possível por meio de (i) relatório anual, (ii) contrato de gestão e desempenho e (iii) ouvidoria. O artigo 8º do Projeto de Lei dispõe acerca do relatório anual, em que deverá ser destacado “o cumprimento da política do setor definida pelos Poderes Legislativo e Executivo”. 49 A previsão de um relatório consiste em uma alternativa interessante para o acompanhamento das tarefas executadas pelas agências e igualmente para uma maior transparência. No entanto, o artigo pode deixar dúvidas sobre “a política definida pelos Poderes”, ou seja, permanece a dificuldade na repartição entre as agências e os Ministérios de funções que envolvem políticas públicas. Uma redação mais adequada seria aquela que focasse no cumprimento de metas, sem abrir margens para a determinação dos métodos pelos Ministérios e, conseqüentemente, uma violação à autonomia das agências reguladoras. Esse Projeto de Lei preocupou-se em adequar o grau de autonomia das agências reguladoras em relação aos Ministérios, entretanto, essa “adequação” pode ter significado um controle excessivo, ao invés de uma formalização dessa relação a fim de dirimir os conflitos de competência. A figura do Ouvidor está prevista na Seção III do Capítulo II e, nos termos do Projeto de Lei, ele será nomeado pelo Presidente da República para um mandato de dois anos. O ouvidor atuará com a Diretoria sem uma subordinação hierárquica, devendo produzir pareceres sobre a atuação das agências que deverão ser encaminhados, inclusive, para os Ministérios. Atualmente o modelo de Ouvidoria varia bastante entre as agências, conforme explicitado no Quadro 1 desse trabalho. Cabe salientar que o papel da Ouvidoria contribui para a prestação de contas, mas pode limitar a autonomia da entidade dependendo da forma que está inserida na estrutura das agências. De acordo com o Projeto de Lei, no § 2º, do artigo 14, “O Ouvidor terá acesso a todos os assuntos e contará com o apoio administrativo de que necessitar” (grifo nosso). Tal dispositivo revela que o Ouvidor assume uma função que vai além da normalidade, o que prejudicaria a autonomia das agências. Fears have been expressed in Brazil that the Ouvidor could become a “watchdog” by the Executive, introducing de facto a double line of command in the agencies. The Brazilian association of regulatory agencies, ABAR, expressed the view that the bill will create the possibility of permanent interference, instead of using it as a purely intermediary measure facilitating the relations between the users, the regulated firms and the public administration (OCDE, 2008, p. 225).16 16 No Brasil há receios que o Ouvidor possa se tornar um “cão de guarda” do Executivo, introduzindo de facto um comando duplo nas agências. A Associação Brasileira de Agências Reguladoras, ABAR, acredita que a lei criará a possibilidade de ingerência permanente, ao invés de ser usada como uma medida intermediária facilitando, assim, as relações entre usuários, firmas reguladoras e a administração pública (OCDE, 2008, p. 225, tradução nossa). 50 A Seção II do Capítulo II do PL 3.337/2004 trata exclusivamente do contrato de gestão e desempenho. Como demonstrado ao longo do trabalho, o contrato de gestão pode ser uma alternativa interessante para conferir suporte legal às políticas públicas e formalizar o diálogo entre as agências e os Ministérios. Porém, pode igualmente contribuir para uma redução da autonomia das autoridades regulatórias se mal utilizada. É fundamental observar que a previsão do contrato de gestão no Projeto de Lei trouxe muitas discussões, tendo em vista que sua utilização servia para uma redução da autonomia, e não para ampliá-la, o que vai de encontro com o § 8º do artigo 37 da Constituição Federal. Em relatório produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi apontado que o Projeto de Lei infringe características essenciais dos contratos de gestão, como a adesão livre pelas entidades ao contrato, bem como a negociação consensual, que pode ter como conseqüência a não celebração em hipótese de uma negociação mal-sucedida (OCDE, 2008, p. 222). Pelo fato dos contratos de gestão se apresentarem no PL 3.337/2004 como instrumentos obrigatórios que acabam por restringir a autonomia dessas entidades, há discussões no Congresso Nacional acerca desse Projeto de Lei que defende uma substituição dos contratos por Planos Estratégicos de Trabalho, Gestão e Desempenho. O Plano Estratégico de Trabalho seguiria a lógica de planejamento de longo prazo com uma duração de quatro anos e possibilidade de revisão, conforme a idéia do Plano Plurianual. Já o Plano de Gestão e Desempenho consistiria na implantação anual do Plano Estratégico de Trabalho, assumindo o papel do planejamento de curto prazo da agência reguladora (OCDE, 2008, p. 222). Percebe-se que o meio de formalização da relação entre os Ministérios e as agências reguladoras pode assumir diversas faces, como contratos de gestão e desempenho ou mesmo os Planos Estratégicos, que possuem uma patente inspiração nos Planos que envolvem o orçamento público. Contudo, mais importante do que a forma em si, é garantir que os mecanismos usados não sejam deturpados para mitigar a autonomia reforçada das Agências e contribuam para um diálogo entre as entidades. Deve-se ter em mente a necessidade de um Plano Nacional que promova o desenvolvimento do país, por isso a importância das diretrizes gerais serem passadas para as agências pelos Ministérios, com a finalidade de garantir a coerência com o Projeto Nacional e com os próprios anseios da sociedade que são representados pelo governo eleito. Em contrapartida, a agência, como uma burocracia técnica, deve ter a 51 autonomia para determinar os métodos efetivos para a concretização da política pública, respeitando o princípio constitucional da eficiência. 52 6. CONCLUSÃO O parecer normativo n° AC – 051 da AGU consiste em um precedente perigoso, tendo em vista que pode contribuir para o ingresso equivocado de recursos hierárquicos impróprios contra as decisões proferidas pelas agências reguladoras, o que desrespeitaria a autonomia conferida a essas entidades. A alegação pela AGU de que a formulação das políticas públicas caberia aos Ministérios, enquanto a implementação às agências, apresenta pouco rigor técnico, na medida em que não existe uma definição jurídica consolidada para políticas públicas. Com isso, a falta de uma compreensão adequada do que se tratam as políticas públicas pode levar a construções teóricas demasiadamente simplistas que, por sua vez, não se preocupam com todas as etapas do processo que envolve a fixação dessas políticas. Cabe mencionar ainda que a ausência de uma definição pacífica para políticas públicas torna no mínimo contestável a possibilidade de recurso hierárquico impróprio. Além disso, deve-se lembrar que o cabimento dessa espécie de recurso é condicionado à expressa previsão legal, o que não ocorre no ordenamento jurídico brasileiro. O Decreto-lei n° 200/67 faz referência à supervisão ministerial no seu Título IV, onde não há qualquer menção ao recurso hierárquico impróprio como um dos mecanismos promotores do controle ministerial. Como defendido pelo Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, não se deve confundir a supervisão ministerial, que detém um caráter genérico, com a intervenção em grau de recurso (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2003). As políticas públicas assumiram um papel fundamental na atual realidade brasileira, principalmente após a Constituição Federal de 1988 que estabeleceu uma série de normas que necessitavam de uma regulação posterior, a fim de se garantir a sua implementação. Vale ressaltar que o país necessita de um plano governamental para a superação dos seus problemas sócio-econômicos, o que exige a formulação de políticas públicas pelo Estado que deve possuir o respaldo da sociedade. No caso da regulação, uma conceituação de políticas públicas seria interessante para facilitar a delimitação de competências entre as agências reguladoras e os Ministérios, aproximando essas entidades e tornando o diálogo entre elas menos conflituoso. Na busca por uma definição de políticas públicas, Bucci (2006) conclui que esse instituto foge do escopo jurídico, e que deveria ser entendido como um programa de ação governamental. Ao considerar a natureza autônoma das agências reguladoras, bem 53 como a importância de formalizar o diálogo dessas entidades com os Ministérios, a celebração de um contrato de gestão seria interessante. Nesse contrato, os Ministérios estabeleceriam as diretrizes, que devem ser compreendidas como as metas e resultados que o Poder Executivo Central deseja atingir em determinado setor econômico. As agências reguladoras, em contrapartida, seriam competentes pela formulação e implementação das políticas públicas, isto é, os métodos a serem adotados para a concretização da política caberiam às agências. A formulação deve ser encarada com um processo que exige conhecimentos técnicos específicos, por isso a melhor qualidade da política se for praticada por uma burocracia especializada. Cabe salientar que é essencial diferenciar diretriz de formulação, que muitas vezes são entendidas como etapas equivalentes. Tal distribuição de competências revela-se mais razoável, uma vez que as políticas públicas são caracterizadas por um processo dinâmico, de constante reavaliação da sua efetividade – Princípio de Retroalimentação da Regulação. Se a formulação fosse competência dos Ministérios e, no momento da implementação pela agência, a política pública se revelasse inadequada, a agência deveria comunicar o Ministério da pouca efetividade da política pública para que este a reformulasse. Enfim, percebe-se que destinar a formulação a um ente e a implementação a outro traz sérios prejuízos a agilidade e efetividade da política pública. O Poder Executivo Central deve focar na elaboração de diretrizes, haja em vista que é responsável pela elaboração de um plano de desenvolvimento do país que envolva os vários setores da economia e da sociedade. O Poder Executivo Central teria uma melhor compreensão do global da realidade sócio-econômica, enquanto as Agências são marcadas pela sua especialidade naquele setor. Vê-se, por isso, que a supervisão ministerial deve se limitar à construção de diretrizes para a atuação das agências reguladoras, determinando os resultados desejados por meio de contratos de gestão. É bom entender que o Poder Executivo Central, por meio do contrato de gestão, deverá exercer unicamente um poder de direção sobre as agências, conferindo a essas entidades um norte geral que deve ser seguido. No que tange a um controle posterior das agências, ou seja, após a tomada de decisões por essas entidades, sempre haverá a possibilidade de controle exercido pelo Poder Judiciário, que garantirá a legalidade da atuação das agências. 54 7. REFERÊNCIAS ABRUCIO, Fernando Luiz; PÓ, Marcos Vinícius. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças, in Revista Brasileira de Administração Pública (RAP), v. 4, pp. 679-698, 2006. ARAGÃO. Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Supervisão Ministerial das Agências Reguladoras: limites, possibilidades e o parecer AGU n° AC – 051, 237, in Revista de Direito. Administrativo, v. 245, pp. 237-62, 2007. BARROSO, Luis Roberto. 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