supertour - Addiopizzo Travel
Transcrição
supertour - Addiopizzo Travel
SUPERTOUR DESTINOS/TENDÊNCIAS/CONSUMO/LISTAS & MAIS Por JÚLIA GOUVEIA ([email protected]) Arte PRISCILLA BOFFO A rota anti-Máfia pelas vielas de Palermo, na Sicília ITÁLIA foto: diomidia Turistas contra o crime Na Sicília, a VT embarcou em um tour que visita lugares e personagens marcantes na luta anti-Máfia Por Lucila Runnacles viagem e turismo abril 2011 37 SUPERTOUR bro do dia em que prenderam Domenico Raccuglia, o número 2 da Cosa Nostra”. “Milhares de adultos, jovens e crianças se juntaram na frente da questura para vê-lo de perto. Foi um dia emocionante.” Depois de um par de horas de caminhada, o almoço foi no restaurante Antica Focacceria San Francesco (afsf.it). A comida do lugar é famosa em Palermo, e a casa se engajou na luta ao se recusar a pagar o pizzo em 2005. Aproveite para provar uma das delícias locais: o anelletti al forno, uma espécie de torta de macarrão com carne, molho de tomate, ervilha e muito queijo. Finalize com o cannoli, o doce de ricota famoso da ilha, que você talvez já tenha experimentado, numa versão mais simples, na Mooca, o bairro italiano por excelência de São Paulo. No dia seguinte, o grupo foi à pequena cidade de Partinico, a 35 quilômetros de Palermo. Ali é a sede do canal de televisão comunitário TeleJato, do jornalista Pino Maniaci, que faz constantemente denúncias contra a organização criminosa. Maniaci tem escolta poli- ©2 P ense rápido: quando se fala em Sicília, qual a primeira coisa que vem à sua mente: belas praias? Ruínas greco-romanas? Vulcões em erupção? Ok, se “máfia” foi a primeira ideia que passou pela sua cabeça, não se culpe. A Máfia ainda é uma (triste) presença no dia a dia dos sicilianos – ela controla o tráfico de drogas e extorque comerciantes. Por isso, muitos turistas que visitam as belas cidades da região vão embora com a incômoda sensação de estar ajudando a financiar a Cosa Nostra, o famoso grupo mafioso local. Foi para combater essa convivência forçada que os jovens Edoardo Zafutto, Francesca Vaninni e Dario Riccobono criaram em Palermo, a capital siciliana, o circuito turístico Pizzo Free. Pizzo é o nome que se dá à extorsão mensal que a Cosa Nostra siciliana exige dos comerciantes da região para que eles “possam” funcionar. Um alvará, por assim dizer. Quem se recusa a pagar é retaliado. É algo tão antigo que mal é questionado pela população. A ideia do tour é percorrer lojas, restaurantes e hotéis de pro- 38 abril 2010 viagem e turismo prietários que não sucumbem às ordens dos mafiosos. “Essa é a Sicília que nós queremos mostrar”, diz Edoardo, de 35 anos, um dos fundadores da agência Addio Pizzo Travel (addiopizzotravel.it). Para quem quiser participar, as saídas são organizadas de acordo com a demanda. O próximo grupo está previsto para o feriado da Páscoa, de 21 a 25 de abril, e custa desde € 750, com hospedagem, refeições e transporte interno incluídos. Os pacotes têm duração de duas a seis noites, passam por Palermo e cidades como Cinisi e Corleone – esta última, famosa por emprestar o sobrenome de adoção a Vito Corleone, o Poderoso Chefão do livro de Mario Puzzo e do filme homônimo de Francis Ford Coppola. A VT embarcou em um programa máfia free de dois dias. O ponto de partida, no centro de Palermo, foi a Piazza della Memoria. Esse local tributa os vários juízes que foram assassinados pela Cosa Nostra enquanto se investigavam casos da Máfia. Não muito longe dali está a questura (centro de polícia), outra parada obrigatória. Edoardo, que acompanha o grupo, comenta: “Lem- fotos: ©1 Tino Soriano/getty images, ©2 Lucila Runnacles ©1 Siciliano mostra o símbolo dos estabelecimentos pizzo free e, à esquerda, a esplanada do restaurante Antica Focacceria San Francesco cial 24 horas por dia e não só recebe os turistas como os convida a participar de seu telejornal. Bem pertinho dali fica Cinisi, cidade onde foi filmado o longa I Cento Passi (Os Cem Passos), de Marco Tullio Giordana. O filme conta a história real de Giuseppe Peppino Impastato, um ativista político que cortou relações com os pais para lutar contra a organização criminosa. Ele foi assassinado por seus opositores em 1978: amarraram-no aos trilhos de um trem com uma carga de explosivos. Os tais 100 passos são a distância entre a casa do herói e a do chefão mafioso local Tano Badalamenti. Em homenagem a Impastato foi criada a Casa Peppino Impastato (peppinoimpastato.com), onde Giovanni Impastato cuida da memória do irmão. A italiana Sara Ascalone, que esteve no tour comigo, comoveu-se com o que viu. “Tenho esperança de que atos como estes se transformem um dia num movimento cultural de força”. Os sicilianos têm hoje mais esperança do que há dez ou 20 anos. E muito mais altivez.