ANO III (2004) - Nº 22 a Nº 33
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ANO III (2004) - Nº 22 a Nº 33
Artigo do Mês-Ano III - Nº 33-Dezembro de 2004 VERGONHA? O QUE É ISSO MESMO? “Meu filho, procure nunca ser de todos ao mesmo tempo. Dizem que ‘quem não tem vergonha todo o mundo é seu’; a verdade, porém, é que quem não tem vergonha é que é de todo o mundo.” (Barão de Cotegipe) Brasília presenciou, na semana passada, um espetáculo deprimente de atraso mental, de vagabundagem oficial e de falta de vergonha federal. Como todos fomos informados, hordas de esquerdopatas crônicos ocuparam a Esplanada dos Ministérios para protestar contra a “reforma educacional” e a política econômica do governo petista e para exigir do mesmo que acelere o programa de reforma agrária. O atraso mental dos estudantes que não estudam, dos intelectuais que não pensam e dos agricultores que não plantam ali reunidos só é comparável ao do governo petista, que não governa. Equivale, para usarmos uma linguagem popular, a alguém, em pleno ano da graça de 2004, declarar-se torcedor do Rio Cricket Team, equipe de futebol há bastante tempo extinta, que disputou os primeiros campeonatos do “velho e violento esporte bretão” na cidade, naqueles tempos de fato maravilhosa, de São Sebastião do Rio de Janeiro... Sim, ser comunista hoje em dia, depois do que a história do século XX nos ensinou, é como torcer pelo Rio Cricket, ou como cheirar rapé para espirrar, ou tentar comprar roupas nas falecidas lojas Ducal. A vagabundagem oficial, no sentido de ser exercida às claras, sem qualquer preocupação com a necessidade de esconder os próprios erros que a maioria das pessoas experimenta – como a dos estudantes que, às escondidas, cabulam aulas, por exemplo – pode ser resumida em poucas perguntas: será que aqueles milhares de tontos não tinham nada de útil para fazer durante uma semana inteira? Será que todos estavam de férias? Será que aqueles estudantes, em época bastante próxima da realização dos exames finais, estão levando a sério os seus pretensos “estudos”? Será que aqueles pseudoagricultores não tinham mais o que fazer no campo, sei lá, plantar, regar, colher, secar, descascar? Será que aquele bispo e alguns religiosos presentes não tinham um trabalho importantíssimo para fazer em suas dioceses e paróquias e o deixaram de lado para protestar contra o que não conhecem a fundo e para exigir o inexeqüível? A falta de vergonha federal é que – pasmem-se! – tudo aquilo contou com o patrocínio financeiro de dois ministérios, do Banco Popular do Brasil, da Petrobrás e da Caixa Econômica Federal, segundo a imprensa toda divulgou! Falta de vergonha, falta de compostura, falta de ética e de respeito a padrões morais mínimos exigidos pelo sistema democrático! Como podemos aceitar que um governo patrocine um protesto...contra ele próprio? Será que o PT não se deu ainda conta que, desde o primeiro dia de 2002, deixou a oposição que sempre exerceu com rancor e passou a ser governo, que até aqui, já na metade do mandato, jamais exerceu com um mínimo de pendor? Dizer que a reforma agrária que aquelas hordas pretendem é uma exaltação ao carro de boi e um abandono da tecnologia moderna é chover no molhado; falar que a reforma educacional que os “movimentos sociais” pretendem consegue ser pior e mais atrasada do que o próprio projeto cubanizante engendrado pelo Ministério da Educação é regar o mar e atestar que a única fonte razoável de decisões deste governo, que é a chamada equipe econômica, é soprar em meio a um vendaval. Por isso, não vamos aqui perder tempo mostrando que a roda é redonda. O que desejamos deixar à reflexão do leitor é a falta de vergonha de nossas autoridades, quando gastam o dinheiro dos contribuintes para patrocinar um evento claramente político, bem como – com o perdão da palavra – a burrice de, em o fazendo, o referido exemplo ser contra quem o está pagando diretamente. E já não é a primeira e nem a segunda vez que isto ocorre neste governo da falsa esperança: houve o caso da ex-ministra Benedita, que foi rezar com o dinheiro público, o do show do PT patrocinado pelo Banco do Brasil e muitos outros exemplos de falta de compostura pública. Sinceramente, para quem tem o hábito de raciocinar e de respeitar a ética – além, naturalmente, o de pagar impostos – é água demais, até mesmo para um camelo... [email protected] Artigo do Mês-Ano III - Nº 32- Novembro de 2004 DUAS DU S MAÇÃS PODRES “Entre maçãs podres, a margem de escolha é pequena” (W. Shakespeare, “A Megera Domada”, palavras de Hortênsio) Há mais diferenças entre “política fiscal e política monetária” e “regime fiscal e regime monetário” do que a vã filosofia keynesiana costuma vislumbrar e elas são tão marcantes quanto a falta de atenção, ou a ignorância geral a respeito de sua existência. Isto, infelizmente, sempre levou e continua a levar muita gente boa – inclusive a grande maioria dos economistas, especialmente os da tradição keynesiana – a produzir análises inteiramente equivocadas e que levam, evidentemente, a recomendações também incorretas sobre o verdadeiro estado dos chamados “fundamentos macroeconômicos” da economia brasileira, o que é terrível, porque, desde Hipócrates, sabe-se que, se os diagnósticos são mal feitos, as terapias, além de não curarem, podem ser fatais. Enquanto as expressões “política fiscal e política monetária” referem-se ao estado atual, à situação corrente das variáveis fiscais e monetárias, tais como o superávit corrente, o déficit nominal (necessidades de financiamento do setor público), a carga tributária, as despesas do setor público, a base monetária, a dívida interna e a taxa de juros, os termos “regime fiscal e regime monetário” aplicam-se não apenas ao que está acontecendo com as variáveis fiscais e monetárias, mas, principalmente, com o que vai acontecer, ou que se espera que venha a acontecer, à sua evolução futura, mês a mês, trimestre a trimestre, ano a ano, por um considerável horizonte de tempo. É a velha diferença, conhecida por todos os iniciados em Matemática Financeira, entre valor corrente e valor atual: se xt é, por exemplo, o total de despesas do governo no ano corrente t, o valor atual (Vx) dessas despesas em um período de, digamos, 15 anos, é dado, sendo e a base do sistema natural de logaritmos e r a taxa de juros, utilizada como fator de desconto, por: Vx = t ∫ t+15 e – rt f (t) dt Seguindo os ensinamentos de Alfred Marshall, em carta a um ex-aluno datada de 1906, devemos agora lançar fora a matemática e fixarmo-nos no que ela nos forneceu de importante. Escrevendo em bom português, a fórmula acima expressa tão somente a soma de todos os dispêndios públicos, do ano t até os quinze anos seguintes, calculados todos no momento atual, que é o próprio período t. Este seria o regime de gastos; o regime fiscal seria o valor atual dos gastos e receitas calculados conjuntamente, assim como o regime monetário seria o valor atual dos fluxos das variáveis monetárias, tais como a base monetária, o M1 e o crédito.. Dessas considerações e da observação daquilo que o governo como um todo (equipe econômica e “equipe política”) vem fazendo e que produz efeitos nas variáveis fiscais e monetárias, emerge naturalmente um fato importante, que decorre da simples aritmética, sem qualquer conotação com doutrinas econômicas: embora a política fiscal esteja produzindo superávits primários (da ordem de 4,25% do PIB neste ano e de 4,5% do PIB em 2005, como deseja o governo), o regime fiscal não pode ser caracterizado como sendo de austeridade, já que, se considerarmos o valor presente dos gastos do setor público, podemos observar, facilmente, que tende a ser bastante alto, para não dizermos explosivo. O fato concreto, de que muitos se esquecem ou fingem não saber, é que um funcionário contratado hoje aumenta a despesa pública hoje e no futuro, até o limite de vida do referido funcionário; uma estatal criada (como a Hemobrás) ou ressuscitada agora (como a Sudene), uma polpuda indenização presenteada a um exterrorista qualquer, ou um novo ministério, comissão ou conselho, significam gastos agora e no futuro, deste governo e dos demais que se lhe sucederem, mesmo que algum desses, governos, por um laivo de bom senso, resolva pôr um termo nesse furor gastador . Não podemos deixar de enfatizar que, se a política fiscal pode ser conduzida pela equipe econômica do governo, o regime fiscal depende da “equipe política” e do Congresso, já que nenhum ministro da Fazenda tem poderes, por exemplo, para fazer uma reforma tributária ou para demitir funcionários públicos ociosos. A política monetária, por sua vez, depende do Banco Central, mas o regime monetário, isto é, o comportamento das autoridades monetárias não apenas hoje, mas também no futuro, depende fundamentalmente de duas coisas: (a) a independência ou não do Banco Central em relação a pressões de natureza política e (b) o regime fiscal, que vai determinar as necessidades de financiamento do setor público. Assim, na inexistência da autonomia de fato e de direito da autoridade monetária, permanece a iminência de que, cedo ou tarde, acabe prevalecendo a dominância política, o que determinará que aquilo que hoje é fato – o aperto monetário -, por não ter garantias de direito de que poderá ser mantido, seja compulsoriamente abandonado, trazendo de volta o “tigre” da inflação. Nas condições atuais, o Banco Central do Brasil fica engaiolado nas paredes do curtíssimo prazo, sem qualquer garantia de que poderá ver o sol do longo prazo, ou seja, de que poderá anunciar com segurança metas de inflação (ou dos agregados monetários) para prazos maiores. Isto, evidentemente, prejudica tanto o controle da inflação quanto as possibilidades de investimentos de longo prazo, essenciais para o crescimento da economia. Por isso, o que o Copom vem fazendo ao elevar a taxa de juros para manter a inflação dentro das metas estabelecidas, embora represente uma postura correta, não garante, em uma perspectiva de médio e longo prazos, que a inflação possa ser mantida sob controle, dado, primeiro, que a autonomia do Banco Central é uma permanente dúvida, dependendo mais dos rumores políticos e dos humores do ocupante do Palácio do Planalto do que de um arranjo institucional e, segundo, que o valor presente das contas do setor público é, claramente, deficitário. A conclusão é que o governo está, na verdade, trocando duas maçãs podres: ao aumentar a taxa Selic, o Copom consegue manter sob controle a taxa de inflação, mas está fazendo subir a dívida interna, o que significa que está contribuindo para elevar o valor presente do déficit nominal (ou necessidades de financiamento) do setor público, o que importa que, na ausência de alteração considerável no regime fiscal (evento de probabilidade nula em governos de esquerda, como os do PSDB e o atual), a manutenção da inflação dentro das metas exigirá taxas de juros cada vez maiores e, portanto, necessidades de financiamento também cada vez mais fortes. Portanto, a ser mantida essa falta de coordenação entre o que as equipes econômicas fazem e o que é feito (ou deixa de ser) pelas “equipes políticas”, as maçãs estarão, mais cedo ou mais tarde, inteiramente apodrecidas, até que a possibilidade de troca desapareça. [email protected] Artigo do Mês-Ano III - Nº 31-Outubro de 2004 SERÁ PROPOSITAL? “Lasciate ogni speranza, voi che entrate” ( Dante Alighieri, “ Divina Comédia”, pórtico do Inferno) Infelizmente, viver e trabalhar em nosso país nestes últimos tempos vem sendo um verdadeiro inferno. Poder-se-ia perfeitamente colocar nas salas de desembarque de cada porto e aeroporto internacional o pórtico que o genial escritor italiano imaginou orlar a entrada do inferno... Se você é honesto, chamam-no de trouxa; se trabalhador, de otário; se religioso, de conservador ultrapassado; se empreendedor, de ladrão; se não é de esquerda, de entreguista; se é da classe média, de burguês e, se é isso tudo, de um ser execrável. Nesta semana, moleques de uma favela do Rio tomaram um ônibus (cuja passagem não pagaram), fumaram maconha dentro dele, desceram na praia do Leblon e assaltaram pessoas que passeavam pelo calçadão ou na areia, derrubando-as e tomando-lhes os pertences. Em vídeo mostrado na TV, a cena – que, diga-se de passagem, tem sido freqüente naquela área em que se paga um dos IPTU´s mais altos do Brasil – aparece um bando desses marginais, todos com idade e musculatura para, já que não querem estudar, trabalhar, cercando uma pessoa, jogando-a na areia, agredindo-a e roubando-a, até que surgem dois policiais militares que, ao verem o que se passa, simplesmente, dão as costas e vão-se embora... Há poucos dias, um advogado publicou artigo em um jornal de grande circulação no Rio de Janeiro defendendo veementemente – como só advogados o fazem – o voto dos presidiários, pois, segundo ele, isto seria expressão da mais pura democracia e contribuiria para aperfeiçoar o sistema prisional do país... Um outro articulista do mesmo jornal, sociólogo da Unicamp (como não poderia deixar de ser), defende a atual greve dos bancários, que já se estende por semanas e vem prejudicando milhões de aposentados e de correntistas, primeiro, utilizando o surrado eufemismo de trocar a palavra greve por “movimento” e segundo, mostrando que seria justíssima como fonte legítima de se mostrar à sociedade que os banqueiros seriam uma quadrilha de ladrões a assaltar os cofres públicos e os bolsos dos cidadãos... O governo federal, por sua vez, anuncia com estardalhaço as PPP´s (Parcerias Público- Privadas), com vistas a viabilizar os investimentos em infra-estrutura, que se constituem em um verdadeiro hino - talvez inspirado no da Internacional Socialista ao capitalismo Sem Riscos e sob o controle do Estado, uma vez que o este – vale dizer, o contribuinte – vai atuar nas duas pontas, emprestando via BNDES os recursos aos candidatos a “empresários” e cobrindo no longo prazo seus eventuais prejuízos, uma nítida transgressão à Lei de Responsabilidade Fiscal; além disso, prevê o anteprojeto das PPP´s que remunerará todos os projetos apresentados nas licitações, mesmo os que não forem vencedores, o que gerará certamente uma verdadeira indústria de projetos; e, para completar, declara que o controle de toda a festa, para que não haja corrupção, ficará a cargo da “ sociedade civil”, o que é o mesmo que afirmar que não haverá controle algum... O ministro-cantor-compositor da Cultura, Gilberto Gil, declara, em palestra na FINEP sobre a questão dos direitos autorais, que “existe um conflito neste campo, pois uma obra de arte, embora pertença ao seu autor, também pertence à sociedade”, sem mencionar, contudo, se ele próprio abre mão dos polpudos direitos autorais que suas composições devem lhe render... Cidadãos honestos vivem enjaulados em suas casas nas grandes cidades, aterrorizados diante do quadro lamentável de violência urbana que estamos presenciando. No Rio de Janeiro, traficantes fecham, pela milésima vez, o comércio de um bairro – desta vez, nas proximidades da Central do Brasil – em “ protesto” contra a morte de um deles pela polícia... Um “banqueiro” do jogo do bicho, conhecido por sua truculência e violência, é assassinado ao sair de uma academia de ginástica na Zona Oeste e os jornais relatam que o crime deve ter sido praticado por um grupo de policiais, que com ele disputavam o controle sobre atividades ilegais... O ex-governador, marido da atual governadora do Rio, declara que o estado fluminense não tratará com igualdade os municípios em que os candidatos apoiados por ele não forem eleitos para as prefeituras... A Ministra do Meio Ambiente bate o pé e recusa-se a admitir o plantio de soja transgênica, o Presidente Luiz Inácio lava as mãos e empurra a decisão para o Congresso que, por sua vez, em sua tartaruguesca lerdeza, não se manifesta, o que leva agricultores do Rio Grande do Sul a anunciarem que irão fazer o plantio mesmo sem a votação da lei. Funcionários da Justiça paulista ficam mais de 90 dias em greve... Funcionários e técnicos administrativos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro permanecem de braços cruzados por quase quatro meses, invadem as dependências da Divisão de Informática e promovem churrascos de confraternização, enquanto professores e alunos mantêm normalmente as suas atividades. O MST invade, depreda o que não lhe pertence, mata e vende gado que não é seu, praticamente em todo o Brasil... Moradores de uma “comunidade carente” carioca invadem um edifício na Barra da Tijuca cujas obras estão paralisadas há anos... O Ministro Chefe da Casa Civil palpita sobre a taxa de juros e deita falação sobre a economia brasileira, além de mostrar que possui o dom da ubiqüidade, já que preside vinte e um conselhos, comissões e grupos de estudos, desses que são constituídos quando não se pretende resolver problema algum... Poderíamos desfilar inúmeros outros fatos como esses, mas cremos que os que mencionamos são necessários e suficientes para percebermos que vivemos em um Estado sem lei e sem autoridade e que a situação social gerada por esse lamentável estado de coisas é bastante preocupante. Onde vamos parar? Onde vai dar tudo isto? Será que é de propósito? Será que é uma cizânia social planejada pelo gramscismo militante, para que da desorganização possa nascer o que eles chamam de “um outro mundo possível”? Sinceramente, tudo leva a crer que sim, pois o mais rupestre dos cérebros há de convir que é a única resposta plausível para a pergunta que nos sai do peito: a quem pode interessar o atual estado de coisas? [email protected] Artigo do Mês-Ano III-Nº 30 Setembro de 2004 CRIME SEM CASTIGO “Uno dei più grandi freni dei delitti non è la crudeltà delle pene, ma l’infalibilità di esse” (Cesare Beccaria, “Dei delitti e delle pene”) O que pensaria o grande jurista italiano do século XVIII de um ministro da Justiça que, reconhecendo a total falência do sistema penal brasileiro dos preâmbulos do século XXI, em que quadrilhas organizadas continuam a comandar o crime de dentro de presídios superlotados, sob a aparente conivência de quem deveria cuidar de seu isolamento, propusesse duas medidas para “resolver” a questão: primeira, alterar a nomenclatura dos delitos, abrandando-a com eufemismos como o da abolição da classificação de “hediondos” para crimes verdadeiramente hediondos e segunda, propor, ao invés da construção de mais presídios e do aparelhamento técnico e moral das forças que devem zelar pela segurança pública, a adoção de penas ditas “alternativas”, a serem cumpridas fora dos muros das casas de detenção? Certamente, diria algo como “questo è um paese di pazzi”. Sim, porque escapa à mais rudimentar das inteligências e ao mais elementar bom senso que tais propostas possam ser apresentadas como pretensas soluções para problema tão grave quanto o da violência que campeia, livre, leve e solta – nos dois sentidos – nesta terra que encantou Caminha. Causa espanto, também, que tenha partido de um eminente advogado, na avaliação de seus próprios pares. Embora nossa praia não seja a do Direito, como estudiosos da Escola Austríaca de Economia, esforçamo-nos para nos incluir entre aqueles economistas que Hayek denominava de “bons”, isto é, aqueles que procuram esgarçar o seu conhecimento para além das tímidas fronteiras da Teoria Econômica, investigando as relações da Economia com os demais ramos das ciências humanas, entre os quais, evidentemente, está o que estuda a Lei. Ao procurar interligar as diversas ciências sociais, nada mais fazemos do que seguir os conselhos praxeológicos de Mises, magistralmente expostos em seu Human Action. Mas o que chama a atenção é que, mesmo que nos atenhamos exclusivamente à Teoria Econômica, não conseguimos encontrar explicação plausível para as duas propostas acima mencionadas, no sentido de que possam contribuir para reduzir os índices de criminalidade. Primeiro, porque o ministro Bastos, ao propor que se deixe de considerar como “hediondos” diversos crimes, como os de seqüestro e estupro, brande um argumento extremamente falacioso, o de que, desde que tais delitos passaram a ser considerados como tal pela lei, seu número aumentou e que, portanto, o maior rigor classificatório teria sido não apenas inócuo, mas prejudicial. Advogados não costumam ser versados nas matemáticas, mas parece-nos que, pelo menos enquanto cursam o segundo grau, têm que aprender a diferença entre números absolutos e números relativos! O que importa não é o número de crimes, mas sim a sua quantidade em relação a algum total, que pode ser, por exemplo, a população como um todo, ou o número total de delinqüentes de todos os tipos de crimes. Assim, se o número de crimes “hediondos” subir em um determinado período, mas esses totais subirem mais do que proporcionalmente, é evidente que o número relativo, ou a “taxa” de crimes hediondos, irá declinar. Não estamos afirmando – na ausência de dados – que isto tenha acontecido, apenas estamos mostrando com lógica elementar que o argumento do Dr. Bastos é precário e carece de maiores e melhores quantificações e qualificações. Em segundo lugar, a partir de meados dos anos 60, graças ao trabalho pioneiro excepcional de economistas do calibre de George Stigler, Gary Becker (laureados com o Nobel), Sam Peltzman e Isaac Ehrlich, entre outros – todos da Universidade de Chicago - , a Teoria Econômica passou a meter o nariz onde deveria ter sido chamada há muito tempo, já que, dentre todas as ciências sociais, é a que possui o instrumental de análise mais poderoso, para investigar as causas que levam as pessoas a delinqüir. Infelizmente, parece que este ente holístico denominado “sociedade” prefere, quando se trata de elaborar análises sobre a criminalidade, as opiniões de sociólogos, politicólogos, cujas ferramentas de análise, comparadas às que os economistas dispõem, parecem-se com estilingues diante de fuzis AR-15... Em seu hoje clássico Crime and Punishment, o mais criativo dentre todos os economistas de Chicago, Gary Becker, aplica os fundamentos microeconômicos da Teoria da Utilidade para explicar as escolhas face às atividades ilegais, mostrando, com as ferramentas lógicas da moderna Economia, o que a sensibilidade de juristas pretéritos, como Beccaria, já havia captado: que, diante da escolha entre cometer ou não um delito, a probabilidade de que venha a ser punido é tão ou mais importante do que o rigor da pena esperada a ser imposta ao criminoso. O peso de cada uma dessas variáveis – pena e probabilidade de punição – varia de acordo com cada tipo de delito, conforme trabalhos posteriores de Peltzman e, especialmente, Ehrlich, demonstraram, utilizando sofisticadas técnicas econométricas. Assim, pode ser que de nada adiante estabelecer uma pena como a de cortar as mãos de todos os ladrões, se a probabilidade de que eles venham a ser pegos, condenados e apenados for baixa; pelo contrário, quando prevalece a perversa combinação de penas brandas com baixíssima probabilidade de apenamento, muitas vezes abrandada por “bom comportamento” e em ambiente em que grassa a corrupção, os criminosos potenciais podem sentir-se estimulados a delinqüir, mesmo porque o seu grau de risco diminui. As sugestões do excelentíssimo ministro da Justiça tendem, inequivocamente, a abrandar o rigor das penas de um lado e, de outro, a manter intacta a já reduzidíssima probabilidade de punição, já que o dr. Bastos nada anunciou nesse sentido, que pudesse alterar a avaliação da utilidade esperada pelos potenciais infratores dos delitos que planejam cometer. Resumindo, a proposta do encarregado-mor da Justiça brasileira, infelizmente, tenderá, caso venha a ser transformada em lei, a aumentar os benefícios auferidos pelos que vierem a cometer crimes hediondos e a reduzir os custos impostos a esses inimigos da sociedade. Não seria mais prudente e sensato, mesmo sem recorrer à Teoria Econômica, construir mais presídios? Em suma, não seria mais sensato tratar bandidos – ou quem comete crimes hediondos é “gente boa”, apenas vítima da “sociedade injusta”? – como devem ser tratados e como são de fato tratados em países adiantados? Imaginemos o que poderá ser para um cidadão correto, cumpridor de seus deveres e da lei e que já vive engaiolado dentro de sua própria casa, premido pelo medo e espremido pelo pânico, viajar em um coletivo ao lado de um seqüestrador cumprindo pena “alternativa”, ou para uma mulher transitar pelas ruas sabendo que poderá estar perto de um estuprador posto em liberdade, ou para um correntista permanecer na fila bem na frente de um marginal que já assaltou a mesma agência bancária. Resta-nos esperar que o bom senso, manifestado pelo grito dos oprimidos – os cidadãos de bem – venha a prevalecer e que as descabidas e infelizes propostas do sr. ministro sejam descartadas. Até mesmo a inversão de valores tem limites! [email protected] Artigo do Mês - Ano III - Nº 29 - Agosto de 2004 PARA ONDE VAMOS? “Carpent tua fruta nepotes”. (“Os netos colherão os frutos de tuas árvores”) (Virgílio, Éclogas) Para onde este governo está levando o país e, portanto, todos nós? Esta é sempre, em qualquer governo e em qualquer época, uma indagação transcendental para os seres humanos, pois determina muitas ações do presente com base naquilo que se espera do futuro. O tempo não é como um tapete, daqueles que compramos, por exemplo, na aprazível Atibaia, apertamos na mala do carro e, ao chegarmos em casa, o abrimos, com toda a sua arte já pronta, sendo nosso único trabalho o de desenrolálo, posto que nos revela surpresas, na medida em que cada instante é único e pode determinar muitos “instantes” futuros. Embora seja impossível para a teoria econômica – mesmo com todo o poderoso arsenal dos modelos matemáticos de previsão – prever o que vai acontecer com exatidão, é relativamente simples, se nos lembrarmos que o presente já foi futuro, que o presente foi passado e que o futuro será presente, desde que se escreveu no Eclesiastes, a inelutável tautologia do “fugit irreparabile tempus”, é perfeitamente possível – e, mais do que isto, desejável - olhar para trás e aprender com a experiência própria e alheia. Para onde foram, em que destino foram aportar países que adotaram trajetórias pretéritas semelhantes ãs que o governo petista, o Legislativo, o Judiciário, a imprensa e as demais instituições estão, mesmo contrariando os desejos da maioria, levando as árvores que nossos avós plantaram para nós? Estarão substituindo-as por outras, menos profícuas no oferecimento de bons frutos, impedindo-nos de colher a boa semeadura de nossos ancestrais? E quanto a essas árvores que estão substituindo as antigas, o que podemos afirmar quanto às frutas que um dia irão gerar e que serão colhidas por nossos netos? A geração de nossos avós nos deixou um legado insubstituível sob todos os aspectos que se queira considerar, que é a herança do respeito, da ética do trabalho, da honestidade, da poupança, da retidão de propósitos, da religião (só alguns ateus estúpidos ou libertários fanatizados podem negar isto) e da família, herdados todos da tradição judaicocrstã. Deixaram-nos um país imenso, com possibilidades infinitas de aproveitamento de seu território e da mobilização dos valores morais em benefício do sistema econômico. Poucas são as economias com tantas possibilidades de lograr um crescimento sustentado com aumento do bem-estar para as suas populações, apenas se suas instituições estimularem árvores que sabidamente dão bons frutos, adubando-as, regando-as e podando seus galhos podres, do que a economia brasileira. Não falamos aqui, simplesmente, de riquezas naturais que, enquanto não forem exploradas, permanecerão como meros fósseis geológicos, mas cuja utilidade continuará restrita apenas aos discursos e gorjeios dos nacionalistas ingênuos ou nem tanto. Nem tampouco estamos adotando, conforme certos idiotas da objetividade poderão dizer, postura que se possa chamar de “saudosista”. Ou o que é bom não precisa ser preservado, a não ser que seja substituído por algo melhor? Nosso Estado, nossos meios de comunicação, nossa política, nossa economia, nossa cultura, nossa linguagem e nosso modo de viver atuais são um perigo para as árvores do respeito, da ética do trabalho, da honestidade, da parcimônia, dos bons propósitos e da família que nossos valorosos avós, desde os portugueses que primeiro cá chegaram e passando pelos que aqui aportaram vindos de tantos outros países, por diversos motivos, mas embalados todos pela esperança de cuidar bem delas, plantar outras e colher bons frutos. Experimente “dar duro” na vida, ser estudioso e respeitador, manter relações econômicas e sociais estáveis e cumprir com a palavra empenhada. Experimente tentar poupar reles caraminguás, ou abrir uma empresa, por menor que seja, ou tentar vencer na vida sem pisar em seus semelhantes. Experimente tentar pagar, como seria de bom alvedrio, todos os impostos que o Estado exige, fazer todas as vistorias em seu carro nos Detrans da vida, esperar pacientemente na fila de uma repartição pública até ser atendido. Experimente, depois, fechar a empresa que, com muitas dificuldades abriu, mas que foi à bancarrota, porque o governo mudou as regras do jogo abruptamente, ou porque lhe tomaram tudo o que ganhava na forma de tributos. Experimente, se for – com o perdão da expressão – um tanto simplório, acreditar nas promessas dos candidatos aos cargos executivos e legislativos nas três esferas do poder, ou, se depender de alguma decisão judicial, experimente crer que a Justiça seja realmente cega como naquela bela estátua que todos conhecemos. Experimente crer que os professores de seus filhos estejam ensinando a eles os conhecimentos e valores que você mesmo gostaria de transmitir, com o intuito de torna-los homens e mulheres de bem. Experimente, se você for uma jovem, preservar o pudor, ou manter-se casta até se casar ou, se você for um jovem, respeitar a sua namorada ou rejeitar qualquer tentação que apareça na sua frente, seja a das drogas, a da prostituição ou a do sexo fácil e desregrado. Experimente tudo isso, meu irmão. Pois, se você não experimentar, estará jogando fora todo o verdadeiro bem que as gerações passadas lhe deixaram. Mas, se você experimentar e não for bem sucedido, não se recrimine, porque o seu fracasso está em ser brasileiro, em ter nascido em uma terra sem igual, em que Deus depositou muito da Sua confiança, mas que não tem sabido cuidar das árvores que recebeu para cuidar, fazendo mau uso dos talentos recebidos e em que as instituições, cada vez mais apodrecidas – e sob o comando deste governo para o qual é difícil encontrar outro adjetivo que não seja medíocre - fazem diariamente queimadas, destruindo todo o verde da esperança e fazendo surgir em seu lugar incontáveis espirais da fumaça enegrecida do desencanto, dos maus propósitos, da ideologia e do descaso para com os cidadãos. Se não experimentarmos contribuir, cada um de nós, para que as tentativas de experimentação sugeridas levem a respostas positivas – em outras palavras, se não mudarmos nossas instituições e resgatarmos o verde das árvores que estão destruindo -, nossos netos, daqui a cinqüenta, oitenta anos, não vão ter motivos para se orgulharem de nós. Cada um de nós é chamado nestes difíceis momentos que o Brasil atravessa, a honrar os sobrenomes herdados, sejam portugueses, italianos, espanhóis, poloneses, africanos, japoneses ou de qualquer outra origem. Para que, no futuro – que chegará bem mais depressa do que supomos, diante do infinito da eternidade, nossos descendentes tenham do que se orgulhar das árvores que estamos plantando e possam desfrutar das suas boas dádivas. [email protected] Artigo do Mês - Ano III - Nº 28 - Julho de 2004 O CENTAURO “A horse! A Horse! My kingdom for a horse!”. (Shakespeare) Decorridos dezoito meses de exercício do poder executivo, o governo do PT ainda não mostrou a que veio, limitando-se, exatamente como os tucanos fizeram entre 1995 e 2001, ao uso de uma política monetária voltada para impedir a recidiva da inflação, mas sem qualquer respaldo sólido, no que diz respeito a ações claras, corajosas e voluntariosas para promover a inadiável reengenharia do Estado, sem a qual a sobrecarga de mais desemprego tende a ser cada vez maior e a perpetuar-se. Se o tucanato foi mais coerente em termos de responsabilidade fiscal – embora muito mais nas areias movediças dos discursos do que nas estradas pavimentadas das realizações práticas -, o petelhato tem sido mais zeloso no que diz respeito à austeridade monetária necessária, até mesmo pela necessidade de desfazer as fortes desconfianças existentes em todos os mercados, internos e externos, que o partido criou, cultivou e ampliou enquanto não logrou atingir o poder. Tal postura dúbia faz com que o governo petista assemelhe-se a um ceutauro, o mitológico ser com pernas e tronco de cavalo e cabeça humana. Enquanto o cérebro, representado pelo reconhecimento, por parte da Fazenda e do Banco Central, envia sinais bastante claros de que nenhum governo decente pode ceder à tentação de inflacionar, o corpo, formado pela base política, despeja incessantemente por onde passa dejetos eqüinos, sob a forma de trapalhadas, envolvimento em prováveis casos de corrupção, falta de coerência, incapacidade de tomar decisões, clientelismo, estatismo e diversas outras formas de evacuação, emanadas de seus grossos intestinos. O Presidente, montado no centauro, tal como naquelas vaquejadas típicas de seu Nordeste natal, tudo faz para equilibrar-se, dando evidentes sinais de que não sabe se deve guiar-se pelos comandos emitidos pelo cérebro ou pelos movimentos – em sentido oposto – executados pelo corpo. Uma cavalgada que seria apenas cômica, não fosse o fato de estar afetando negativamente a vida dos muitos milhões de brasileiros, tanto os que confiaram nas vãs promessas de campanha, quanto os que já conseguiam prever os efeitos trágicos resultantes da delegação do poder a um indivíduo – e a um partido! - simplório, sem o menor preparo administrativo e intelectual. O Brasil, definitivamente, é maior do que um sindicato... ou do que o auditório de uma universidade “pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada”... O desagrado com relação ao governo de Lula é geral: gregos e troianos, tricolores e rubro-negros, “conservadores” e (pretensos) “progressistas”, professores e alunos, chefes e subordinados, motoristas e passageiros, pobres e remediados, todos estão descontentes, insatisfação que tem se refletido nas quedas contínuas dos índices de popularidade dos atuais inquilinos do Planalto, divulgadas nos últimos meses. Os liberais atacam o governo por um lado, os radicais de esquerda arremetem contra ele do outro. Entre as inumeráveis queixas dos verdadeiros liberais – infelizmente, um grupo que, a exemplo da torcida do América, cabe em duas ou três kombis – podemos destacar: a absoluta imobilidade administrativa do governo; a estupidez estarrecedora de nosso sistema tributário; a estultice gritante dos encargos trabalhistas; o número de ministérios, secretarias, forums, comissões e sub-comissões, quase maior do que a torcida do Corinthians; o comportamento escandalosamente confrontador da lei por parte de alguns dos denominados “movimentos sociais”, como o MST; a mania, mais do que obsoleta, manifestada por alguns ministros, de centralizar, estatizar e desconfiar da iniciativa privada; a leniência (para não dizermos estímulo) à violência nas cidades e no campo; as acusações não apuradas de corrupção, envolvendo altas figuras do petelhato; as distribuições de verbas para emendas a parlamentares, visando a fins políticos; a pol[itica externa terceiro-mundista e as volumosas contratações de membros do partido em todos os escalões da administração direta e indireta, em flagrante ação de partidarização do funcionalismo público. De outro lado, os virulentos ataques dos radicais de esquerda, principalmente dos que, sentindo-se alijados do poder, congregaram todo o seu atraso ideológico no recém-fundado Partido do Socialismo e da Liberdade (como se fosse possível conciliar vício com virtude), bem como das chamadas “esquerdas” menos radicais (um grupo heterogêneo, que congrega organizações não governamentais, garotinhos, menininhas com vestidos de chita cor-de-rosa, viúvas do trabalhismo brizolista, jornalistas, artistas e vigaristas, entre outros integrantes). Reclamam todos, para resumir, que o chamado “núcleo duro” do PT teria renunciado ao seu passado de defensor do socialismo – ou à sua “história”, como gostam de dizer -, que teve que compor, para poder governar, com velhas e matreiras raposas do galinheiro político (o que é verdade), que está favorecendo o “capital financeiro” , que subordina os interesses do país aos bodes expiatórios que habitam o paupérrimo pasto de seu repertório de falsos argumentos, como o FMI, os Estados Unidos, o “grande capital”, a globalização, a Europa, e o “neoliberalismo” do “Consenso de Washington” e, por fim, que nada está sendo feito “contra” qualquer indivíduo, empresa, instituição, país ou região que tenha cometido o grave pecado de ter obtido sucesso. Eis o navio petista! Pragmatismo econômico de um lado, obtusidade política-ideológica de outro; Banco Central responsável a bombordo, irresponsabilidade nos gastos públicos a estibordo; Palocci na proa, Dirceu na popa; Meirelles no convés, Rebelo nos porões. A que destino levará? Nem o Comandante sabe, mesmo porque, para fazer girar o timão, precisaria primeiro descer do centauro... [email protected] Artigo do Mês - Ano III - Nº 27 - Junho de 2004 OS LIMITES DA POLÍTICA ECONÔMICA “Naturam expellas furca tamen usque recurret”. (Expulsai a natureza, ela voltará correndo). A política econômica, só, não pode fazer nem verão e tampouco milagres, embora a maioria das pessoas – nela incluída a quase totalidade dos economistas – costume pensar o contrário. O problema é muito sério e decorre de, pelo menos, setenta anos de um academicismo calcado em moldes keynesianos ou marxistas, em que os profissionais são treinados, no primeiro caso, para o intervencionismo das políticas de regulação da demanda agregada, em busca da “sintonia fina” que, segundo Keynes e seus seguidores, seria capaz de levar a economia a operar sempre próxima ao nível de “pleno emprego” ou, em linguagem moderna, a trabalhar perto de seu nível “normal” ou “natural” de produção e, no segundo caso, para decidir sobre o que, o quanto, como e para quem produzir. Poucas falácias são tão perigosas quanto a de se crer que, mediante políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial, principalmente) “corretas”, ou seja, bem planejadas por meia dúzia de iluminados (talvez da Unicamp, da USP ou da UFRJ), as grandes doenças da economia podem ser eliminadas. Primeiro, porque, se tal argumento fosse verdadeiro, não haveria praticamente mais desemprego, desde que Lord Keynes publicou sua extremamente pretensiosa Teoria Geral - cujo título correto deveria ser “Teoria Particular” – e viu suas recomendações especialíssimas, feitas para a Grande Depressão (e, mesmo assim, passíveis de críticas contundentes) serem colocadas em prática pelos governos, em todo o mundo, como fruto de uma união bastarda e interesseira entre economistas e políticos, todos ávidos de fama e sequiosos de poder. Segundo, porque, ao se acreditar na falsa tese de que os economistas do governo podem fazer mais do que aquilo que a realidade lhes impõe, termina-se caindo infalivelmente em um tipo de crítica do tipo: “nossa economia vai indo mal por conta da política do ministro A ou B; portanto, se ela fosse entregue ao ministro C ou D, ou se houvesse uma mudança de rumo, tudo melhoraria”. E terceiro, porque, de intervenção em intervenção, de controle em controle, de “preço administrado” em “preço administrado”, caminha-se inescapavelmente, em algumas décadas, para o intervencionismo total, para a táxis de que nos falou Hayek. O fato inelutável é que a afirmativa de que uma simples troca de ministros ou guinada na política econômica pode resolver os males econômicos e sociais só poderia conter alguma verdade no caso de estar sendo aplicada uma política econômica totalmente incorreta, como, por exemplo, todas as que nos foram impostas nos cinco congelamentos de preços que o Brasil decretou, entre os “cruzadeiros” de 1986 e o período daquela ignorante, despreparada e arrogante senhora, que foi ministra da Economia de Collor. É óbvio que, se uma política econômica está errada, ela pode e deve ser modificada para melhor. Mas, quando a equipe econômica (Fazenda e Banco Central) de um governo está atuando de forma correta e, mesmo assim, a economia do país vai mal das pernas, deveria ser claro para todos que o problema não está na política econômica em si, está fora dela, está, mais precisamente, ou na sua “equipe política”, ou nas instituições (como o Congresso e o Judiciário) ou em ambas. Este é, resumidamente, o estado das coisas no Brasil. Palocci e Meirelles vêm desempenhando suas funções de forma correta e, mesmo, de modo mais eficiente do que a maioria dos que os antecederam no comando da economia. Sem medo de cometermos um exagero, podemos afirmar que, desde que Roberto Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões, auxiliados por Dênio Nogueira no Banco Central, assumiram o pesado encargo de cuidar da economia do país, não se viu tanta competência, talvez com uma ou duas exceções. Por que, então, os resultados estão deixando a desejar? E por que, caso a dupla venha a ser substituída e sua política monetária, por conseguinte, mudada, no sentido de reduzir a taxa básica de juros de forma a reaquecer a demanda, não podemos esperar nada além de inflação, mais desemprego e ausência absoluta de crescimento econômico e, talvez, de uma crise cambial? A resposta, simples e cristalina para qualquer economista não contaminado pelo virus keynesianus, tem duas partes, que se encaixam como as lâminas de uma tesoura. A primeira é que qualquer governo é forçado a trabalhar, especialmente em um país em que a maioria de suas instituições, tais como os partidos políticos, evidenciam grande fragilidade programática, com duas equipes, a econômica e a política. Ora, a economia pode ser vista como um jogo, já que se trata de milhões de decisões tomadas, por parte dos agentes econômicos, sob condições de incerteza genuína. Desse jogo participam três jogadores, a saber: a equipe econômica (E), que determina as políticas macroeconômicas (monetária, fiscal e cambial), definidas como o conjunto das ações de curto prazo em cada uma dessas áreas tomadas pelas autoridades; a equipe política (P), que deve prover a sustentação (ou a sua falta) do governo no Congresso e os demais agentes (A) que tomam decisões econômicas, desde uma simples dona de casa, até um grande banco, passando pelas empresas e por todos os setores da economia, ligados ou não com o setor externo. A segunda lâmina da tesoura aparece quando E, mesmo agindo corretamente, (como no caso de Palocci e Meirelles), tem a sua atuação prejudicada por P e, ainda, quando P é o jogador dominante, aquele que determina a forma de agir de E, condições em que o jogo deixa de ser cooperativo, o que impõe pesados custos a A, ou seja, à “sociedade”. Isto fica claro quando nos damos conta de que E, nestas condições de dominância de P, fica restrito apenas a ações de curto prazo, às “políticas de demanda” de cunho keynesiano, mas não tem como desenvolver ações de longo prazo, estruturais, que possam de fato modificar os regimes monetários, fiscal e cambial. O resultado é bastante conhecido: a Fazenda e o Banco Central (E) apertam, apertam, apertam e os políticos afrouxam, afrouxam, afrouxam ou, quando não o fazem imediatamente, pressionam até que consigam fazê-lo, mais cedo ou mais tarde. Um exemplo simples esclarece este ponto: E mantém a taxa de juros elevadíssima e aumenta a carga tributária fortemente, mas P ressuscita a Sudam e a Sudene, cria mais estatais, contrata miríades de “companheiros”, aumenta, enfim, a estrutura e o valor presente dos gastos públicos e emite sinais claros de que continuará a fazê-lo. Neste caso, o resultado não pode ser outro: recessão e desemprego no curto prazo, sem nenhuma perspectiva de crescimento sustentado. No longo prazo, ou morrerão todos de fome – a começar, obviamente, por A – ou P, que é o jogador dominante, substituirá E e alterará a política econômica, adequando-a a seus interesses, levando a resultados desastrosos após algum tempo: inflação acompanhada por um espasmo de crescimento, abortado em seguida pelo recrudescimento da inflação e estagnação da economia. Os economistas austríacos já sabiam disto desde o início do século XX. Mises, por exemplo, chamava a atenção para esse problema de descoordenação em 1912, na sua monumental obra Teoria da Moeda e do Crédito. Este é o jogo praticado atualmente no Brasil: dominância de P sobre E e A, irresponsabilidade, falta de patriotismo e de ética e incompetência por parte de P, passividade – por índole e por ignorância – de A. E esta maldita crendice generalizada no mito de que a política econômica é capaz de fazer mais do que o que seus limites demarcam. O marxismo e o keynesianismo, com todas as as suas sub-corrente,s ricas de adjetivos, porém paupérrimas de conteúdo, precisam ser varridos dos currículos dos cursos de Economia! De nossa parte, fizemos o possível quando montamos o curso de graduação em Economia das Faculdades Ibmec, no Rio de Janeiro, há exatos dez anos. No currículo original, esses assuntos eram tratados nos cursos de História do Pensamento Econômico. Isto, como era de se esperar, durou pouco, a rigor, apenas três anos, ao cabo dos quais, mesmo em uma instituição que nem de longe pode ser chamada de “esquerdista”, foram compulsoriamente introduzidos nos programas e ementas, o que motivou minha saída daquela instituição. Nba Faculdade de Economia da UERJ, mesmo ocupando na época a importante função de Diretor, o máximo que o assembleísmo ali reinante nos permitiu foi introduzir no currículo um curso – eletivo! – sobre a Escola Austríaca de Economia. Na Universidade Estácio de Sá, no período em que Roberto Campos era o chanceler, convidou-nos para refazer o currículo do curso de graduação em Economia e a experiência durou enquanto ele permaneceu naquele cargo... Observemos que as três instituições citadas foram avaliadas pelo Ministério da Educação com o conceito “A”. Estes são os economistas formados naquilo que nosso iletrado Presidente chama, ad nauseam, de “nosso país”. Este é o nosso país, de economistas intervencionistas. O que podemos esperar diante de um quadro destes? Aqui, pode-se permanentemente expulsar a natureza, porque, ao que tudo indica, ela não volta, nem a galope, nem correndo e nem a pé... [email protected] Artigo do Mês - Ano III - Nº 26 - Maio de 2004 SALÁRIO, MÍNIMO; DEMAGOGIA, MÁXIMA! “Quid Romae faciam? Mentiri nescio...” (Que hei de fazer em Roma? Não sei mentir) - Juvenal O espetáculo tragicômico, protagonizado pelo Presidente e vários de seus ministros, sobre o novo salário mínimo, encenado em dias e mais dias de intermináveis e sonolentas reuniões que varavam a escuridão solitária das noites brasilienses, é mais um exemplo típico da velha doença que contaminou o mundo e, de forma muito mais forte, a América Latina, a partir do início do século passado, em que assuntos estritamente econômicos – como é, evidentemente, o caso dos salários e de quaisquer outros preços – passaram a ser objeto de uma crescente politização, na crença, que Hayek chamou de fatal conceit, de que as soluções políticas seriam superiores às soluções de mercado. Essas atitudes são em tudo semelhantes, para recorrermos às surradas imagens de que o grotesco e despreparado sr Luís Inácio gosta de fazer uso, à de um técnico de futebol que dissesse a seus jogadores, antes de uma partida, que vencessem o adversário por, digamos, 3 a 1, pois este seria o resultado “possível”, ou “justo”. Eleger um placar ad hoc antes do jogo ou afirmar que um salário – ou qualquer outro preço previamente determinado em gabinetes - é “justo” ou “injusto”, são atitudes que denotam desconhecimento, no primeiro caso, de que o futebol é um jogo dinâmico e, no segundo, de que a economia do mundo real comporta-se da mesma forma! Como já afirmava com inteira razão o Prof. Mises nos anos 20, a própria aceitação do conceito de salário mínimo já seria indício de ignorância máxima... É que a economia é um jogo dinâmico e cooperativo, em que milhões de decisões (vender, comprar, emprestar, poupar, pagar impostos, trabalhar, etc.) são tomadas ao longo do tempo e sob condições de incerteza genuína, não probabilística, um jogo que está sendo permanentemente jogado e cujo resultado pode mudar a cada momento, de acordo com os cursos passados, presentes e esperados dos conjuntos de ações praticadas por seus participantes, o que torna impossível predefinir-se qualquer resultado como “o justo”! Isto torna-se ainda mais relevante quando conideramos o conceito, importado da Teoria dos Jogos, de jogador dominante, aquele que, por suas características, determina a forma de jogar de toda a equipe. No caso da fixação de qualquer preço, este jogador é o governo, vale dizer, os políticos e burocratas sentados nas cadeiras estofadas de seus gabinetes em Brasília. Por que o “número mágico” seria R$260, ou os R$ 240 anteriores, e não R$ 812, ou R$165, ou R$533, ou outro qualquer? Outro absurdo em termos de economia elementar é que, em um país de enorme extensão territorial como o nosso, não há lógica que nos diga que um trabalhador de um vinhedo em Bento Gonçalves deva ganhar o mesmo salário mínimo recebido por outro em uma fazenda de soja em Dourados, no Mato Grosso do Sul! Salários (mínimos ou não) devem ser negociados dentro de cada empresa, que é quem sabe onde lhe doem os próprios calos! Pior do que ser “explorado” pelo capital – o que pode ser perfeitamente evitado com uma moderna reforma sindical – é, para o trabalhador, ser explorado pelo Estado. Politizar o salário mínimo encobre algo pior do que desconhecer economia: a demagogia, aquela arte de tentar iludir o povo com o intuito de obter votos... Uma coisa é dizer que os salários reais no Brasil são baixos, o que é verdade, por uma simples questão de baixas produtividades e elevadíssimos encargos; outra é pretender fixá-los na marra, por “leis”. Estadistas de verdade lutariam, primeiro, pela extirpação dos encargos trabalhistas, que oneram o custo da mão-de-obra e perpetuam o desemprego; segundo, por boas políticas educacionais e de saúde, que elevariam a produtividade dos trabalhadores e, portanto, os salários; terceiro, por um sistema tributário bem menos voraz, que estimularia empregos; quarto, por uma reengenharia do Estado; quinto, prla desregulamentação das relações econômicas e sexto – porém como requisito básico para os demais - respeitariam a ética e a dignidade da pessoa humana, abandonando definitivamente o populismo. Chega ao espantoso percentual de 103% o total de encargos que incidem sobre a contratação de mão-de-obra, com carteira de trabalho assinada, no Brasil. Isto significa que um trabalhador que ganhe R$ 260, custa, para o seu empregador, R $ 260 vezes 2,03, o que dá R$ 527,80, que é igual a R$ 260 mais R$ 267,80. Caso um maná de bom senso caísse sobre as cabeças de nossos legisladores e formuladores de “políticas” e os fizesse reduzir os encargos trabalhistas e tributários para, digamos, a metade (o que ainda seria muito, dada a quase absoluta existência de retorno desses gastos para os trabalhadores), o custo desse empregado para o patrão cairia para R$ 393,90, ou seja, R$ 133,90 a menos do que nas atuais condições ou 0,25 do custo total de contratação de um trabalhador, sob a descomunal cunha trabalhista vigente. Em outras palavras, um empregador que gaste, hoje, mensalmente, suponhamos, R$ 5.278,00 com dez trabalhadores que ganham o salário mínimo, pelo mesmo valor poderia empregar, caso o bem-aventurado maná chovesse do alto, 13,4 empregados ou - como não se podem cortar pessoas em fatias como fazia Jack, o Estripador – 13 funcionários e mais um décimo quarto em tempo parcial! Um crescimento acima de 30% no número de pessoas que ganham o salário mínimo empregadas! Caso uma outra chuva de dignidade e de bom senso tornasse possível o redesenho do Estado, reduzindo, entre outras medidas urgentes, a atual orgia de Baco dos mais de 5.000 municípios com menos de 50.000 habitantes – que representam mais de 90% das 5.561 municipalidades existentes – teríamos algo em torno de 550 municípios apenas, com substanciais economias para os cofres públicos e, principalmente, para os explorados contribuintes. Medidas como essa poderiam reduzir ainda mais fortemente os encargos sobre a mão-de-obra, mesmo que a carga tributária permaneça na exorbitância dos 38% do PIB atuais e mesmo que nossos pretensos homens públicos não venham a acabar de uma vez por todas com a obtusa e retrógrada obrigatoriedade da previdência estatal, permitindo a cada trabalhador descontar para o fundo de pensão de sua escolha, tal como ocorre, por exemplo, há cerca de vinte anos, no Chile. Para termos uma pálida idéia de como os encargos excessivos sobre a mão-de-obra podem ser responsabilizados por uma considerável parcela do desemprego e da informalidade, suponhamos que fossem reduzidos dos atuais 103% para 15%. Com o novo salário mínimo de R$ 260, o custo por trabalhador baixaria dos atuais R$ 527,80 para algo muito perto de R$ 300, ou seja, quem hoje emprega 10 trabalhadores poderia, ao mesmo custo de R$ 5.278,00, passar a empregar 17,5, ou 17 funcionários e mais um décimo oitavo trabalhando em meio expediente, um crescimento de 75% no número de empregados com carteira assinada e ganhando R$ 260 por mês! O conceito de salário mínimo é, por definição, uma excrescência a ser definitivamente eliminada; quando a essa anomalia econômica se soma o jurássico Estado que todos conhecemos e a ambos, desafortunadamente, se adiciona o populismo no melhor estilo latino-americano, podemos afirmar categoricamente o que cantava, nos primórdios da Bossa Nova, o extraordinário pianista e cantor brasileiro Dick Farney: “não tem solução”. Ou o Brasil redesenha o Estado saúva ou o Estado acaba com o Brasil. Mas é fácil entendermos porque essas simples propostas de cunho prático estão condenadas a permanecer sabe-se lá quantos anos ainda nas gavetas de nossos sonhos: é, simplesmente, porque a imensa maioria dos que não sabem mentir não tem nem espaço e nem o que fazer em Roma – ou no Planalto, ou no Guanabara, ou na Câmara, ou no Senado, ou nas prefeituras, ou na vereança... [email protected] Artigo do Mês - Ano III - Nº 25 - Abril de 2004 CAÇAMBA SEM CORDA “Faites nous de bonne politique et je vous ferai de bonnes finances”. (Fazei-nos boa política e eu vos farei boas finanças) BARÃO LOUIS, Ministro da Fazenda da Restauração e do reinado de Luís Felipe As críticas à política econômica do governo do PT vêm se multiplicando mais do que coelhos, desde que foram divulgados os pífios resultados da economia brasileira em 2003 e que explodiu a bomba do caso Waldomiro. Entre os críticos, podemos arrolar desde fedegosos comunistas adoradores de Fidel Castro até fisiológicos políticos do PMDB, PL e PTB, passando por importantes setores dentro do próprio PT, por alguns arautos da oposição, por economistas heterodoxos atrás de fama e por nacionalóides (maus nacionalistas), sem conhecimentos de teoria econômica. As críticas à dupla Palocci e Meireles tendem a ganhar intensidade na razão direta tanto da proximidade das eleições municipais quanto da percepção crescente, por parte da opinião pública, do desastre político e administrativo protagonizado pelo governo do despreparado sr. Luís Inácio. Critica-se acerbamente, apenas por criticar, sem que se apresentem alternativas sólidas ao que a Fazenda e o Banco Central vêm executando para manter a inflação sob controle e dentro das metas anunciadas, talvez para dar substância ao veredicto de Flaubert, para quem “faz-se crítica quando não se pode fazer arte, como quem se torna delator quando não pode ser soldado”. No centro das diatribes e invectivas contra essa política econômica de cunho neoliberal que está aí está a taxa básica de juros. Há detratores que chegam mesmo a pensar que a economia poderia encontrar a rota do crescimento sustentado mediante uma simples decisão mais ousada do Copom, acompanhada, provavelmente, de gestos histriônicos à la Kirschner, que brinca há tempos de esconde-esconde com o FMI, de políticas industriais elaboradas por gênios com bolas de cristal e de macaquices acadêmicas de cunho heterodoxo semelhantes às que foram utilizadas durante o governo de Sarney e por aquela senhora que comandou a economia – sem ter sequer vaga idéia do que estava a comandar – na primeira fase do governo Collor. Um outro Brasil é possível? É claro que sim, uma vez que, na realidade, há uma infinidade de brasis possíveis, desde aquele da opulência, da pujança e da igualdade de oportunidades com que todos sonhamos até aquele outro da pobreza que beira a miséria acompanhada da mais completa falta de liberdade, como no regime do carniceiro do Caribe, passando pela colombianização, mexicanização e venezualização, já que não devemos descartar o fato de que tanto o odioso regime mantido a ferro e fogo por Castro, quanto o terrorismo do narcotráfico das Farc, a identificação entre Estado e partido do PRI mexicano e o estúpido populismo do débil mental Hugo Chávez são totens cultuados pela seita petista, desde a primeira reunião do Fórum de São Paulo... Assim como caçamba sem corda não pode descer ao poço, regimes monetários sem respaldo em regimes fiscais sólidos não podem gerar crescimento! Esta é, em síntese, a grande questão e da qual todas essas posturas pró “mudanças” revelam profundo desconhecimento! Essa falta de percepção de que sem uma profunda alteração no regime fiscal, baseada em um forte enxugamento do Estado - que possibilite necessidades de financiamento de longo prazo duradouramente menores - e em uma reforma tributária corajosa e capaz de libertar o aprisionamento da energia a que o setor privado vem sendo submetido, sem uma descentralização administrativa de caráter federalista, sem, enfim, uma reforma política profunda que possa possibilitar todos esses requisitos, com toda esta tamanha falta de compreensão de que a caçamba da política monetária precisa estar atada à corda da política fiscal, estaremos condenados a continuar caminhando em círculos, sem crescimento e com a inflação contida às custas de um desemprego - que teria tudo para ser transitório, mas que acaba perpetuando-se – crescente, caso a atual política seja mantida ou a caminhar rapidamente para o caos cambial, monetário, político e social, caso ela venha a ser mudada como seus despreparados críticos vêm, irresponsavelmente, sugerindo. A questão é muito séria:a continuar do jeito que está - com o governo inchando cada vez mais o setor público, extorquindo sempre mais dos agentes privados, espantando com excessos de controles e sinais equivocados os investidores externos e tentando ludibriar o FMI com essa estúpida proposta de que gastos com investimentos na área “social” não são gastos (como se leopardos não fossem felinos) – teremos necessidade de uma taxa de desemprego cada vez mais elevada para que a inflação permaneça controlada; se optarmos pela heterodoxia de reduzir o superávit primário mediante mágicas contábeis, de colocar barbudos e mais barbudos com carteirinhas do PT em cargos públicos e de diminuir artificialmente a taxa básica de juros, sem o necessário respaldo fiscal, caminharemos para o precipício mais rapidamente. Só há uma solução para que os nós em que nos prendemos possam ser desatados, que é a busca de uma coordenação – não simbólica, de fachada, de curto prazo, mas permanente e que possa ser percebida como tal – entre os regimes fiscal, monetário e cambial: política monetária exatamente como vem sendo executada, câmbio efetivamente flutuante e reformas liberais no Estado brasileiro! Os liberais vêm dizendo isto há bastante tempo, desde, pelo menos, o primeiro choque do petróleo, em 1973-74. Entre aquele evento e 1989, preferimos sempre, com Delfim, Funaro, Bresser e Maílson, apelar para mágicas heterodoxas, todas fracassadas, tanto as conduzidas com competência pelo primeiro, quanto as executadas a quilômetros de distância, em termos de conhecimento de economia, pelos demais. Com a eleição de Collor, parecia que o Brasil ia, enfim, encarar os problemas de frente, esperança logo desfeita no primeiro dia de governo pela equipe econômica comandada por aquela incompetente e arrogante senhora que confiscou cerca de 80% dos ativos do sistema financeiro e decretou novo congelamento de preços. Dona Zélia nem desconfiava que, há duzentos anos, David Hume, Adam Smith, Richard Cantillon e outros já haviam ensinado que, para acabar com a inflação, não é preciso jogar fora a água que está no balde, basta parar de jogar mais água no balde... Com o excêntrico Itamar, houve uma tentativa de paralisar uma liberalização que mal começara, pois Collor fora posto para fora a pontapés e, com Fernando Henrique, entramos em uma fase em que muito se falava em reformas do Estado e em privatizações, mas pouco se fez naqueles oito anos, diante das expectativas, confirmadas em duas eleições, do que poderia e deveria ter sido feito. Na campanha presidencial de 2002, tivemos o fato inusitado de apresentarem-se seis candidatos, todos de esquerda, todos – inclusive o do PSDB - com críticas ao modelo neoliberal supostamente adotado pelo Brasil. Modelo que, para quem entende o que é o liberalismo, nunca foi adotado. A culpa, definitivamente, não era do mordomo, mesmo porque, no dia do crime, ele estava de folga, curtindo a vida em outro local que não o do crime... Com a ocupação das cadeiras estofadas de Brasília por parte do petelhato e a surpreendente ortodoxia monetária adotada, desamarrou-se de vez a corda da caçamba: apertos e mais apertos no lado monetário, frouxidão e mais frouxidão no lado dos gastos para manter a máquina estatal, e que tendem a crescer na medida em que o PT sempre prestou culto ao falso deus-Estado. O Barão Louis estava certo: não pode haver boas finanças onde não há boa política. No caso brasileiro, as finanças até que estão sendo razoáveis face à política, que é péssima. [email protected] Artigo do Mês - Ano III - Nº 24 - Março de 2004 ESTRELA CADENTE, DESEMPREGO CRESCENTE E INFLAÇÃO LATENTE “Quando vim da materna sepultura De novo ao mundo, logo me fizeram Estrelas infelizes obrigado; Com ter livre alvedrio, mo não deram, Que eu conheci mil vezes na ventura / O melhor, e o pior segui, forçado.” CAMÕES, Canções Custou, mas aconteceu. É possível iludir a muitos durante muito tempo, é factível enganar as massas por anos a fio e é exeqüível ludibriar quem não tem o hábito de pensar por períodos consideráveis, desde que se esteja na oposição. Mas é absolutamente impossível manter por mais de alguns meses a máscara ilídima da hipocrisia e da incompetência, quando se senta nas cadeiras estofadas do poder. O saudoso Roberto Campos, em seus tempos de senador, costumava dizer que o PT era o partido dos trabalhadores que não trabalhavam, dos estudantes que não estudavam e dos intelectuais que não pensavam; agora, depois de apenas quatorze meses no poder, podemos afirmar que o PT já deu provas cabais de ser, também, o partido dos governantes que não governam... Este caso do senhor Waldomiro, aquele homem probo que cobra “apenas”1% de comissão, de estrita e absoluta confiança do ministro-chefe da Casa Civil, constatação federal das ligações do PT com o jogo do bicho e os bingos que, em nível estadual, todo o Rio Grande do Sul já conhecia há anos, desde que o exgovernador e atual ministro das “cidades” - aquele bigode com um homem chamado Olívio escondido por trás - foi apenas a gota d’água necessária e suficiente para molhar e desmanchar a máscara de papel maché envergada por vinte e quatro anos, a fantasia de partido do bem, o disfarce da preocupação com os pobres, o escabeche da ética e os paetês da conduta reta e ilibada. Como diz uma belíssima canção napolitana de 1930 Dicitencello Vuje, de Fusco e Falvo –, cantada por todas as grandes vozes da Itália desde então, “levammece ‘sta maschera / Dicimmo ‘a verità!”, é tempo de tirar a máscara e de dizer a verdade. No caso da canzonetta, a verdade revelada é que o compositor declara o seu amor por sua musa, mas, no do eleitorado brasileiro, a realidade exposta é que é tempo de dizer que se descobriu a.perfídia, a arrogância e a estultice do pessoal da estrela vermelha: perfídia, porque o PT, contrariamente ao que o senhor Duda Mendonça levou os incautos a crerem, não tinha e não tem qualquer idéia de como governar sequer uma escola de samba, quanto mais um programa para governar um país complexo como o Brasil; arrogância, porque sempre se considerou o dono de todas as verdades, em todos os assuntos e estultice porque seus quadros, sendo inteiramente despreparados e sem o mínimo cacoete de como administrar um botequim pé-sujo, sempre tentaram levar-nos a crer que seriam mais capazes do que os realmente capazes, mas que não pertencem à sua seita. Do triste episódio Waldomiro em diante, a opinião pública passará a ver o partido que sempre se arvorou em guardião da correção moral com a mesma e justa desconfiança com que vê as condutas éticas dos demais partidos, o que é bom para uma sociedade livre e aberta. E quanto mais fatos novos tentar gerar para apagar o escândalo, quanto mais tramóias políticas procurar arquitetar - sob o manto interesseiro do ex-presidente Sarney e de outras tristes figuras - para impedir a CPI clamada pelo povo, mais os barbudos estrelados irão afundar a sua agremiação na areia movediça fabricada por eles próprios, com a sua arrogante incompetência. No plano econômico, o PIB encolheu 0,2% no primeiro ano do governo petista, apesar de, no último trimestre, a economia ter ensaiado uma tentativa, fugaz e sem forças, de recuperação, ainda sob o fogo de artifício das taxas Selic em queda e sem desconfiar que poderiam surgir escândalos de impacto maior do que os protagonizados, por exemplo, pela senhora Benedita da Silva com aquela sua viagem a Buenos Aires custeada pelos contribuintes. Mas, para quem anunciou um espetáculo de crescimento digno de um Maracanã lotado, o que se viu foi um joguinho de segunda categoria, em um campo de várzea, com meia dúzia de gatos pingados nas arquibancadas. E – ironia das ironias! – os setores que impediram que o desastre fosse mais retumbante foram justamente a agropecuária, com crescimento de 5% e as exportações, que subiram 14,2%, resultados sem dúvida muito bons para o país, mas, no mínimo, desmoralizantes para um partido que só sabia falar em “reforma agrária” e cujos economistas jamais foram adeptos da abertura comercial... De outra parte, o tigre da inflação vem dando sinais de que está novamente faminto e pronto a devorar as vítimas de sempre, o que tem levado o Copom a adotar a postura correta de ajustar a taxa de juros às novas expectativas de inflação, sob intenso bombardeio de economistas despreparados, de empresários mal acostumados, de jornalistas desinformados e de políticos defasados. Em suma, até aqui, o governo do PT não disse a que veio! Se a política econômica – entenda-se como tal a política monetária – vem seguindo o rumo correto, o mérito não é de nenhum economista do partido, nem tampouco do dr. Palocci, que não tem conhecimentos sólidos do assunto, mas de um banqueiro (o mais odiado dos espécimes no infantil imaginário petista) posto no Banco Central e de dois economistas para lá de ortodoxos, Marcos Lisboa, na Fazenda e Joaquim Levy, no Tesouro Nacional, ambos com doutorados obtidos nos Estados Unidos. O único mérito de Palocci é o de confiar neles e defendê-los contra as tentativas de novas feitiçarias heterodoxas e de bruxarias políticas irresponsáveis de elementos mais radicais dentro e fora do partido. Quando alguém diz algo como “precisamos mudar esta política econômica que está aí”, ou “precisamos ousar mais na economia”, o que temos a fazer é perguntar como seria, em todos os seus pormenores, a efetiva mudança, bem como lembrar que, se o negócio é ousar, os homens bombas e os suicidas em geral são bem mais ousados, só que o prêmio à sua ousadia é a própria vida. Se o governo, para abafar a crise política, resolver trocar a política monetária, precipitará o desastre, pois baixar a taxa de juros agora, controlar câmbio e capitais, além de expandir ainda mais um regime fiscal para lá de deficitário, só irá precipitar a inflação, provocar fugas de capitais e criar uma crise cambial sem precedentes, sem sequer atacar o problema do desemprego. Não se pode dizer do presidente argentino, Nestor Kirchner, que não seja ousado, mas pode-se afirmar que é um populista inconseqüente. O tempo demonstrará isto, muito mais depressa do que pensam os que hoje o aplaudem, sempre afeitos a bravatas, muitos dos quais já aplaudiam as moratórias tão prejudiciais ao país praticadas por Funaro, Bresser, Maílson e por aquela senhora que nos seqüestrou os ativos monetários em 1990... Se o governo não trocar a política monetária, mas continuar mantendo a inchação do setor público que vem promovendo, bem como a criminosa carga tributária, vamos continuar andando para trás por um bom tempo e a implosão demorará mais, mas não deixará de ocorrer. Só não podemos aceitar que se diga que o governo Lula moveu-se para a direita, ou que é um governo “neoliberal”. Que liberalismo cria, apenas em um ano, em um estado já paquidérmico, mais de 40.000 vagas no serviço público e quase 3.000 novos cargos gratificados? Que liberalismo suga 40% de impostos de quem trabalha e produz? Que liberalismo governa com medidas provisórias? Que liberalismo acredita que o somatório das pobrezas (Brasil, Argentina, Venezuela, Índia, Líbia, Cuba e outros países) é sinal líquido e certo de riqueza? Que liberalismo propõe estatizar as universidades privadas? Que liberalismo ainda cria, em pleno século XXI, novas estatais? O PT sempre foi um partido de esquerda, ainda é um partido de esquerda e vai continuar, durante muito tempo, a ser um partido de esquerda. A tal “sociedade com justiça social” de que tanto falam seus membros nada mais é do que um nome diferente, escamoteado, para o velho monstro senil e caquético do socialismo! Cai a estrela, sobem o desemprego e a inflação. Cai a esperança, sobem a frustração e o sentimento de que o eleitor brasileiro foi vítima, em 2002, do maior estelionato eleitoral jamais praticado – para falarmos como o presidente – “neste país”! Artigo do Mês - Ano III - Nº 23 - Fevereiro de 2004 INQUIETAÇÃO ACADÊMICA? “Autonomia do Banco Central é inquietação acadêmica”. (Luiz Inácio da Silva, Presidente da República Federativa do Brasil, em 29/01/04) Cada pronunciamento feito por nosso presidenteviajante e que escape ao que tenham cuidadosamente colocado no papel, é uma evidência assustadora de que, para dar palpites infelizes e ainda continuar a ser bajulado, basta ser Presidente do Brasil... Mal chegado da Índia, de onde conclamou os exportadores brasileiros a reclamarem menos e vender mais, ignorando, naturalmente, que os impostos, a burocracia, os encargos trabalhistas e previdenciários e as trapalhadas do seu governo são os verdadeiros obstáculos à nossa atividade empresarial, nosso endeusado, incensado e iletrado, porém sempre falante mandatáriomor declarou, em pleno território suíço – logo na Suíça, cujo Banco Central sempre foi um modelo em termos de autonomia das autoridades monetárias! -, que a idéia de que os bancos centrais devem ser independentes é coisa de acadêmicos, sem qualquer significado prático, pois basta, segundo seu rico vocabulário de cinco páginas formato memorando, que o governo disponha de um Banco Central “sério”, para que a estabilidade da moeda seja mantida. Confesso que cheguei a pensar o que seria um Banco Central sério, mas que demorei bastante tempo para atinar com a resposta. Talvez fosse um com diretores de caras amarradas e com problemas de fígado, ou um outro em que toda a diretoria e os principais assessores usassem barbas negras cerradas, alisadas lentamente de cima a baixo a cada cinco segundos para denotar que seus donos estariam sublimados em estado de febril atividade intelectual ou, ainda, um terceiro que tivesse a sede e as delegacias regionais decoradas com móveis antigos e escuros, talvez de estilo colonial, e onde fosse proibido para todos os funcionários trabalhar de bom humor. Após profunda reflexão, pude perceber que não seria bem isso; no entanto, devo confessar que não foi nada fácil chegar a alguma conclusão. Tivemos excelentes presidentes em nosso Banco Central de temperamento bem humorado, como, por exemplo, o primeiro deles, Dênio Nogueira – que ocupou o posto exatamente quando nossa autoridade monetária gozava de “independência”, isto é, de autonomia em relação às pressões políticas, algo que o Presidente Costa e Silva, pouco depois de assumir, fez questão de abolir, sob a inspiração de Delfim Netto, ad usum Delphini... Já Affonso Pastore, também um excelente economista que presidiu o Banco Central, aparentava publicamente ser uma pessoa mal humorada. O mesmo podemos dizer acerca de ministros da área econômica: o Prof. Bulhões, talvez o melhor de todos os tempos, era um homem de fisionomia circunspecta, embora de coração e alma boníssimos; já o sr. Bresser Pereira, um de nossos piores ministros, sempre mostrouse bem-humorado e sorridente: sorria quando anunciava as altas taxas de inflação mensais ocorridas em sua época, continuava a sorrir quando o plano que levou se nome fez água por todos os lados e mantém-se gargalhando até hoje, quando ainda se sentem os efeitos do Plano Bresser, de 1987. Bem, se a solução do mistério do que vem a ser um banco central “sério” não está em caras amarradas – foi o que pensei – deve estar na barba. Lembrei-me, imediatamente, que Gustavo Loyola e Armínio Fraga portavam barbas e que o próprio Dênio Nogueira ostentava um cavanhaque. Mas lembrei-me, também rapidamente, que Carlos Langoni e Antônio Carlos Lemgruber, aparentemente, escaneavam suas faces diariamente antes de seus motoristas levá-los a seus gabinetes. Restava analisar a aparência dos prédios e do mobiliário e fui tentado a crer que talvez a sisudez da primeira sede do Banco Central, na Avenida Presidente Vargas 84, no Rio de Janeiro, pudesse decifrar o enigma proposto – mesmo sem o seu próprio conhecimento – por nosso presidente-retirante, grande apreciador de vinhos que custam mais de quatro mil reais a garrafa. Mas também não está aí a resposta, pois lá mesmo, naquela antiga sede, foram geradas inúmeras políticas de subsídios ao crédito que tornaram, durante um bom período, as taxas de juros reais negativas. Ademais, os gabinetes modernos da sede do banco, em Brasília, já foram o nascedouro de rios e mais rios de tolices em termos de política monetária e cambial, em diversas épocas. O que pode ser, então – descartado todo o meu arsenal de suspeitas iniciais – um banco central “sério”? Para solucionar este inquietante dilema, descobri que a única alternativa seria a de tentar raciocinar como nosso presidente, colocar-me em seu mundo, internalizar seus valores, entoar uma berceuse para meus neurônios adormecerem e tentar sentir suas palavras como se fossem minhas. Foi muito difícil – afinal, ainda não inventaram aquela máquina do tempo mostrada em muitos filmes, que nos transporta, em questões de segundos, para o passado remoto -, mas, depois de muito esforço, creio que consegui! Para Lula e os que pensam como ele, um banco central “sério” não vem a ser nada mais do que um banco central dirigido por alguém afinado com a maneira de pensar do restante do governo. Se hoje o presidente do Bacen pensa de acordo com os ditames do “núcleo duro” - existe, por acaso, “núcleo mole” ? -, então está ótimo, vamos mantê-lo no cargo. Mas, se amanhã ou depois, o infeliz achar, por exemplo, que não fica bem para a autoridade monetária manter a taxa de juros artificialmente baixa para que a economia ganhe um gás passageiro e o governo e seus aliados possam obter vitórias expressivas nas eleições municipais, então ele não serve e vamos demiti-lo... Se até aqui o tom deste artigo foi jocoso, é porque, com toda a sinceridade, pensamos que um país que tem o presidente que nós temos, que tem os políticos que nós temos e que tem as instituições e o modo de pensar que nós, brasileiros, em nossa maioria, temos, não mereceria ser levado a sério. Mas, apesar dessa enorme tentação, como aqui nascemos, aqui pretendemos continuar a viver e aqui veremos nossos descendentes nascerem e crescerem, temos a obrigação moral de levar o Brasil a sério! Por isso, deste parágrafo em diante, vamos falar a sério, embora não no sentido “sério” do presidente. Existe uma enorme necessidade de tornar institucionalmente os bancos centrais - cuja missão principal deve ser a de guardar o valor da moeda – imunes a qualquer pressão de natureza política. Isto pode ser obtido, teoricamente, de três maneiras. Todas foram testadas, duas obtiveram êxito e a terceira fracassou. A primeira é a adotada pela maioria dos países que têm taxas de inflação baixas, especialmente após a segunda guerra mundial e é mais conhecida como “independência do Banco Central”, embora alguns autores, como James Buchanan e Pamela Brown, por exemplo, a denominem de “solução constitucionalista”. Consiste, simplesmente, em estabelecer mecanismos na constituição para que a autoridade monetária ganhe imunidade às pressões políticas.Trata-se das conhecidas práticas de estabelecer mandatos alternados para os diretores do Banco Central entre si e entre estes e o presidente do país, de dar a eles autonomia para formularem e executarem metas de crescimento dos agregados monetários e de inflação para períodos longos (cinco anos, por exemplo, como no Chile), de forma a tornar a política monetária fortemente previsível, sem surpresas para os agentes econômicos. É a viabilização da famosa x rule formulada por Milton Friedman, ainda nos anos cinqüenta, quando muitos ainda achavam que a inflação não seria, sempre e em qualquer lugar, um fenômeno essencialmente monetário, inclusive nos países abaixo da linha do equador... É evidente que o presidente de um banco central autônomo, de tempos em tempos, vai ao Congresso e explica as diretrizes gerais da política monetária para as sumidades econômicas que lá costumam campear. Isto acontece nos países que, tradicionalmente, possuem bancos centrais autônomos. Já na Nova Zelândia há um dispositivo constitucional estabelecendo que, se a inflação anual exceder os 3%, toda a diretoria do Banco Central estará automaticamente demitida, a não ser que a causa da expansão dos preços tenha sido de natureza absolutamente extraordinária. A primeira medida do esquerdista – para os padrões civilizados – Tony Blair foi a de estabelecer a chamada “independência” do Banco da Inglaterra. Há esquerdistas sensatos e insensatos, como se pode ver. Lula, logo após ser eleito e antes de tomar posse, emitiu sinais – escreveram isto para ele dizer, na verdade – de que poderia fazer o mesmo, mas que político, nesta terra em que a insensatez é fato consumado, uma vez sentado na cadeira de todo-poderoso, vai abrir mão de qualquer milímetro de poder? Por isso, o discurso do presidente foi mudando até que, da Suíça, ele emitiu a pérola de que Banco Central independente é coisa de acadêmicos, de teóricos desligados da realidade. A inflação, senhor presidente, não é provocada por acadêmicos, mas por políticos – sempre assessorados pelos economistas heterodoxos - que fizeram cinco congelamentos de preços no Brasil, em detrimento de todo o povo, especialmente dos mais pobres! A segunda é o modelo adotado por Menem na Argentina, sob a influência do ministro Domingo Cavallo: uma âncora cambial, com conversibilidade plena e paridade fixa (no caso Argentino, de 1:1). Se esse sistema tem o mérito de isolar os gatos (políticos) do pires de leite (a gestão da moeda), tem o demérito de levar o pires de leite para o exterior, pois, tal como ocorreu na Argentina, a política monetária do país desaparece, já que, uma vez estabelecida a paridade, a inflação doméstica passa a ser determinada pela política monetária dos Estados Unidos. Outra desvantagem desse sistema é que, se ele consegue debelar inflações fortes e crômicas rapidamente e sem impor custos elevados à sociedade no curto prazo, com o decorrer do tempo, pela asfixia de divisas provocada pela defasagem inevitável da taxa de câmbio, acaba provocando custos sociais insuportáveis. Nossos vizinhos argentinos estão aí mesmo para nos contar sua triste história. Por fim, o terceiro modo de proibir o acesso dos gatos ao pires de leite é seguir a sugestão formulada por Hayek em 1974, a de, para mantermos a comparação, dividir o leite em vários pires menores e entregar cada um deles para um guardião; se este for cooptado pelos gatos, seu leite será bebido e o prejuízo será seu. Trata-se da proposta de “desnacionalização do dinheiro”, em que se permitiria a vários bancos emitir cada um deles a sua moeda, evidentemente sobre um certo lastro a ser definido, estabelecendo uma salutar competição entre moedas alternativas: os bancos que emitissem mais do que os seus lastros recomendassem, veriam as demandas pelos seus ativos monetários caírem, provocando desvalorização em suas moedas e valorização nas demais. Tal sistema poderia até convergir, depois de algum tempo, para uma única moeda, mas seu emissor – que poderia até ser o próprio banco do governo – ficaria permanentemente sujeito à competição: se emitisse mais do que o adequado, para atender, por exemplo, aos apelos dos gatos políticos, seu leite desapareceria, pois surgiriam novas moedas emitidas por competidores, antes inviáveis, mas agora tornadas viáveis pela má atuação do monopolista. A pergunta relevante deixada por Hayek é: existe fundamento para o fato de apenas governos poderem emitir moeda? Que história é esta de monopólio legal? Por que um monopólio legal sobre o petróleo, por exemplo, é criticado, ao passo que ninguém questiona o monopólio legal de emissão de moeda dos bancos centrais? Os três modos de isolamento dos gatos foram testados: bancos centrais autônomos, onde quer que tenham sido implantados, conseguiram manter a inflação bastante baixa e previsível, bem como lograram guardar uma boa distância dos sempre famintos felinos; a âncora cambial conseguiu derrubar rapidamente a inflação, mas causou problemas seriíssimos após algum tempo e o sistema de coexistência simultânea de várias moedas dentro do mesmo território era fato corriqueiro na Renascença, em cidades como Florença e Veneza e na Escócia (onde até hoje há duas moedas, uma oficial e outra não), sem que se tenha notícia de inflação nesses casos. É evidente que a lição que devemos tirar de tudo isto é que a proposta de Hayek, apesar de interessante teoricamente, ainda é absolutamente inviável no mundo atual (aí, sim, o presidente teria razão, embora fosse difícil para ele chegar a entender o que seria “desnacionalização do dinheiro”). Caminharia no sentido oposto, por exemplo, ao que culminou com a adoção do euro. A “âncora cambial” de Domingo Cavallo - e que o Brasil, sob a gestão de Gustavo Franco no Banco Central (1995/1999) adotou, embora de forma muito mais tímida, através do sistema de “bandas cambiais” - foi um retumbante fracasso . Resta a da autonomia do Banco Central. Dois tipos de pessoas costumam ser contra a referida autonomia. As primeiras são os economistas da tradição keynesiana, que ainda imaginam, mesmo após uma história de fracassos de quase sete décadas, que o papel dos bancos centrais deva ser o de manter a taxa de juros baixa para “estimular” o crescimento da economia. A farta evidência empírica aponta claramente que o máximo que tais políticas conseguiram foram provocar surtos de “crescimento” artificiais e efêmeros, logo abortados por inflação e desemprego ou, na hipótese extrema, pela hiperinflação. As segundas pessoas que se manifestam contra a autonomia das autoridades monetárias são os políticos de todas as partes do mundo, já que gatos, por definição, gostam de leite... Experimentemos, por exemplo, tentar mostrar ao sr. Sarney, ou ao sr. Dirceu, ou a qualquer outro político que possamos imaginar e que esteja detendo alguma fração do poder nas mãos, que a proposta de autonomia do Banco Central é interessante para o país... Sou também um acadêmico e confesso que estou de fato inquieto. Mas a causa de minha inquietação é o rumo que nosso país está trilhando, ao pálio da imprensa e da maioria dos intelectuais, para quem parece justificar-se automaticamente tudo aquilo que Lula declara que é bom e criticar-se sem qualquer análise aquilo que ele julga ser mau. É o Brasil ad usum Luli... Artigo do Mês - Ano III - Nº 22 - Janeiro de 2004 ANO NOVO, VELHOS PROBLEMAS... “Baixai o pano, a farsa está terminada”. (Últimas palavras atribuídas a Rabelais- 1494/1553) A cada início de ano, é costume renovar esperanças e alimentar confianças em relação ao futuro. Tempo de arrumar armários, limpar gavetas, fazer faxinas e vestir cores que – acreditam muitos – possam ajudar a realizar antigos desejos e aspirações. Nada existe de errado com esses hábitos, descontado o teor de superstição que costuma motivá-los, nem com o fato de se os estender para o campo das relações econômicas. Afinal, também na economia a esperança pode, assim como a fé, mover montanhas. Mas, para tal, precisa fundamentar-se em atitudes concretas e não em crenças escatológicas ou ideológicas. Um pouco de realismo só pode fazer bem, mesmo ao elevado custo de eventualmente enfraquecer as confianças e esperanças que, muito justamente, os cidadãos brasileiros pacientemente procuram robustecer a cada virada de ano, desde que Cabral aqui aportou. Os atos econômicos não são praticados em um vazio institucional, já que o homo economicus, aquele robô frio, calculista e sempre pronto a maximizar resultados, sejam eles lucros, utilidades, taxas de retornos ou quaisquer outros, só existe nos livros de economia. Na vida real, as relações entre economia, política, direito, ética e outros campos da ação humana objetiva e subjetiva são fatos inevitáveis e a soma de suas inter-relações é que constitui o que comumente se chama, reverentemente, de sociedade. Em outras palavras, lembrando o sábio Professor Eugenio Gudin, coeteris non sunt paribus... O hábito arraigado de separar-se o econômico do social, do político, do ético e do legal, praticado, por exemplo, quando se tenta isolar o “mercado” do “social” – quase sempre denegrindo o primeiro e enaltecendo o segundo – é uma das causas das repetidas frustrações das esperanças de crescimento econômico sustentado. Embora se diga que pessimistas sejam apenas otimistas bem informados, tentemos não ser nem uma coisa nem outra, para sermos, tão somente, realistas. Olhemos para as instituições que nos circundam. O que vemos, neste início de ano, não é diferente do que sempre vimos em muitos outros janeiros. Primeiro, um cabo-de-guerra, particularmente perigoso em ano de eleições, no seio do próprio governo, dividido entre, de um lado, pragmáticos que em boa hora acolheram o bom princípio moral da responsabilidade fiscal e, de outro, pretensos progressistas, incapazes de enxergar além dos dogmas ideológicos que decoraram e para quem responsabilidade fiscal é coisa de neoliberais. Segundo, observando o episódio das convocações extraordinárias do Congresso e de algumas assembléias estaduais, para não citarmos outros episódios, vemos um legislativo desacreditado e alheio aos males que uma explosão de gastos públicos provocará em nossa precária situação externa e fiscal. Terceiro, o judiciário, em condições semelhantes de descrédito, politizado e revelando diversos casos de pouco zelo para com sua missão maior, que é a de, com simplicidade e discrição, prover justiça. Juízes, por definição, não podem ser nem de esquerda nem de direita, nem tampouco deste ou daquele partido político: devem, tão somente, abster-se de seguidas entrevistas na mídia e julgar seguindo a letra da lei. Quarto, uma carga tributária extorsiva e sempre crescente, a inviabilizar toda e qualquer possibilidade de crescimento sustentado, pois, entre outras conseqüências nocivas, penaliza tanto a produção quanto o consumo, além de desestimular a poupança. Um caso perdido, pelo menos durante este governo, tal como nos anteriores. Quinto, uma burocracia sufocante, cada vez maior, mais politizada e menos profissionalizada. Quando um dos critérios de nomeações para cargos públicos é o do indicado ser sindicalista, sem que se atente para a sua competência (ou para a falta dela), é sinal de que está ocorrendo uma politização criminosa da res publica, em detrimento de sua profissionalização. Se nos lembrarmos que no ano passado o governo federal promoveu cerca de vinte e cinco mil nomeações, vemos facilmente a tragédia que isto representa. Sexto, uma crença generalizada em que a pobreza de muitos é causada pela riqueza de poucos. Parece que os que se intitulam de progressistas desconhecem a História que tanto costumam reverenciar como promotora de mudanças, que nos mostra fartamente que para combater a pobreza não é preciso eliminar a riqueza: antes, é preciso estimular a sua geração. Sétimo, uma perigosa incitação ao ódio, derivada do conceito de lutas de classes, em que se lança, em nome de uma indefinível igualdade, negros contra brancos, pobres contra bem sucedidos, mulheres contra homens, homossexuais contra heterossexuais, minorias contra maiorias. A generalização de políticas de cotas, qualquer que seja a sua natureza, é um incentivo à incompetência, uma punição à competência e um estímulo à desagregação social. Tais imposições – denominadas de ações afirmativas – na verdade, afirmam apenas um fato lamentável, que é a extraordinária incapacidade de discernimento entre causas e efeitos. Querem implantar o que no Brasil? Ódio racial, competição entre sexos, alimentação para a inveja? Para que? Para implantar aqui um socialismo cubano, que se assemelha a uma competição de Fórmula 1 sem platéia por não ter a menor motivação, já que todos os carros cruzam a linha de chegada ao mesmo tempo, desde ferraris até carrinhos feitos na oficina da esquina, sejam pilotados por gênios como Schumacher ou por cabeças-de-bagre? Oitavo, uma clara decomposição dos valores morais. O progresso de qualquer sociedade só pode existir e persistir enquanto houver respeito a princípios de ética universais que tornem possível o convívio em sociedade. Violência, corrupção, interesses escusos, degradação da educação, banalização do sexo, impontualidade, trabalho profissional mal executado, ódio entre irmãos e muitos outros males presentes em nossa sociedade são meros sintomas desse afastamento, sob o beneplácito dos meios de comunicação e – o que é ainda pior – de muitos professores em todos os níveis de educação. Trata-se da velha rejeição do marxismo à moral judaico-cristã, que leva seus seguidores a detratá-la mediante um lento processo gramsciano, já que, sob a sua presença, nenhum sistema totalitário consegue germinar. E por fim, para ficarmos apenas nesses problemas, uma centralização crescente de poder em Brasília, em detrimento do federalismo. Aqui, fecha-se o ciclo necessário para a implantação de um regime totalitário: domínio da linguagem e da cultura, centralização econômica, administrativa, politização em todas as atividades, estímulos ao ódio. É, de fato, preocupante. Não se trata de ver chifres em cabeças de cavalos, mas apenas de ver barbas em barbudos, todos admiradores e imitadores de Marx, de Fidel e de outros assassinos tresloucados. Será que essa gente não vê que, dada a natureza do povo brasileiro, regimes totalitários sempre serão aqui rejeitados? Será que não percebem que cerca de 70% dos que votaram em Lula em 2002 o fizeram apenas porque não estavam satisfeitos com o governo do PSDB, sem qualquer motivação de natureza “socialista”? A conseqüência disso tudo, além da estagnação econômica e do decorrente aumento da pobreza, é uma anomia generalizada, em que o cidadão, feito servo de um Estado que nada lhe dá em troca, simplesmente, descrê das instituições. Precisamos, urgentemente – governo, oposição, legislativo, judiciário, estados, municípios, empresários, intelectuais, formadores de opinião e cidadãos – de um banho de bom senso. Em caso contrário, toda a feliz esperança dos rituais de passagem de ano não passará de um triste transtorno obsessivo compulsivo coletivo, repetido ano após ano, até o fim dos tempos...