Prohibido olvidar: informação, cultura e cidadania em Medellín

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Prohibido olvidar: informação, cultura e cidadania em Medellín
Revista Diálogos Interdisciplinares
2013, vol. 2, n°.3, (Edição Especial) ISSN 2317-3793
Prohibido olvidar: informação, cultura e cidadania em
Medellín
Júlia Campiolo Porto1
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Este artigo tem como objetivo relacionar a democratização do acesso à informação à recuperação social de
Medellín, durante anos lar do maior cartel de narcotráfico do mundo, liderado por Pablo Escobar. Após sua
morte, em 1993, se iniciou um movimento de reestruturação do cotidiano da cidade envolvendo todos os
setores de sua população e, em 2003, o prefeito eleito Sergio Fajardo iniciou um grande programa de
integração urbana e social que visava garantir mobilidade e serviços de base às comunidades dos barrios
populares da cidade, marginalizados não só pela convivência próxima com o tráfico de drogas mas
também pelas mesmas questões políticas que contribuem para a manutenção da desigualdade social
encontradas em qualquer parte do mundo. Nestas áreas, foram construídos parques-bibliotecas, verdadeiros
centros de cidadania que reúnem livros, computadores, serviços sociais, atividades culturais e de lazer que
visam garantir a estas populações o acesso à informação, educação e cultua, criando as bases para a
recuperação de sua autoestima coletiva e garantindo que as novas gerações possam crescer e atuar em suas
comunidades ativamente. Também, a integração social ao cotidiano da cidade é uma forma de prevenir que
os anos de violência jamais venham a acontecer novamente.
Palavras-chave: Medellín, acesso à informação, cidadania, direito, educação.
This article aims at listing the democratization of access to information to the social recovery of Medellín,
for years home to the largest drug cartel in the world, led by Pablo Escobar. After his death in 1993, began
a movement to restructure the life of the city involving all sectors of the population, and in 2003, the
elected mayor Sergio Fajardo began a major program of urban integration and social mobility and that
aimed to ensure services based communities of the popular barrios of the city, marginalized not only by
living next to drug trafficking but also by the same political issues that contribute to the maintenance of
social inequality found anywhere in the world. In these areas, parks, libraries were built, true citizenship
centers that gather books, computers, social services, cultural and leisure activities aimed at ensuring these
populations access to information, education and worship, creating the basis for the recovery of his
collective self-esteem and ensuring that new generations can grow up and act actively in their communities.
Also, the integration to the social life of the city is a way to prevent the years of violence will never happen
again.
Considerações sobre as bases de uma filosofia trágica
Keywords: Medellín, access to information, citizenship, law, education.
Introdução 
Medellín, capital do estado de Antioquia, é a segunda maior cidade da Colômbia, ficando
atrás apenas da capital do país, Bogotá. Localizada no Vale do Aburra, na Cordilheira dos
Andes, é conhecida como a “cidade da eterna primavera” por conta de seu clima ameno.
Desde meados dos anos 90, a cidade cresce e enriquece a olhos vistos, o que a levou a se
tornar um dos principais destinos turísticos do país dada sua localização próxima à zona
cafeeira colombiana e suas enérgicas vidas cultural e noturna. Cidade-natal do pintor
Fernando Botero e um dos mais importantes centros financeiros do país, Medellín conta hoje
com 2,7 milhões de habitantes que, após viverem anos assombrados por imagens
aterrorizantes como as descritas pelo escritor Gabriel García Marquez em Notícias de um
Sequestro, sente orgulho de ter substituído o título de “cidade mais violenta do mundo” por
“cidade mais inovadora do mundo”, nomeação concedida ao município em 2012 ao ganhar o
concurso “City of the Year”, organizado pelo The Wall Street Journal e pelo grupo
Citigroup.
Porém, a boa fase da cidade não esconde seu passado tenebroso; pelo contrário, a boa
fase é consequência de seu histórico de violência. A morte de Pablo Escobar, chefe do cartel
do narcotráfico de Medellín, em 2 de dezembro de 1993, representou a primeira chance em
anos de recuperação efetiva da cidadania no município e a data é o marco do início da
reestruturação da autoestima coletiva de sua população. É claro que a cidade ainda convive
com violência urbana, tráfico de drogas, insuficiência de serviços públicos de base, áreas
dominadas por gangues e, parte de sua população, apesar dos esforços ininterruptos para
integrá-la ao cotidiano da cidade, ainda vive à margem do mesmo em vários aspectos. As
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Graduada em Letras (Português/Italiano) pela Universidade de São Paulo. Mestranda em Educação pela Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
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favelas ainda estão lá. O metrô é lotado nos horários de pico. Há trânsito. É comum esperar
horas para ser atendido em um hospital e as escolas públicas não preparam bem seus alunos.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas, pela primeira vez em anos, Medellín
alcançou suas cidades vizinhas e compartilha dos mesmos problemas que “qualquer outra”.
E, talvez, ser normal é a maior vitória que uma cidade doente pode conquistar.
Este artigo é uma declaração de amor. Uma declaração de amor aos dias que eu estive lá,
em julho deste ano. Dias ensolarados de intensas caminhadas pelas alamedas arborizadas do
El Poblado, pelo caótico centro, pelas ladeiras que, apesar do esforço exigido, me levavam a
um dos lindos parques-bibliotecas. Uma declaração de amor a uma vida, a uma possibilidade.
Amor que vem acompanhado por profundo respeito pela trajetória da cidade. Medellín, “la
más educada”, é uma esperança.
Uma cidade sitiada: Pablo Escobar e o Cartel de Medellín
Após o assassinato encomendado do então chefe do narcotráfico de Medellín, Fabio
Restrepo, em 1975, Pablo Escobar, um jovem e ambicioso traficante de cocaína, se apoderou
da organização de Restrepo liderando e ampliando suas operações. O que se sucedeu em
seguida foram anos de domínio absoluto das forças de Pablo Escobar, o que levou Medellín
a receber o título de mais violenta do mundo dado os ininterruptos conflitos entre Escobar,
os demais carteis e as inoperantes e corruptíveis forças do Estado.
O primeiro embate sério entre Escobar e a justiça ocorreu em 1976, quando ele e
alguns associados foram pegos retornando de uma viagem de negócios no Equador.
Escobar ordenou a morte dos oficiais de justiça e o caso foi logo arquivado. Mais
tarde, no auge de seu poder, a fortuna e brutalidade de Escobar tornaram quase
impossível para as autoridades colombianas levá-lo à justiça. Sempre que qualquer
tentativa de limitar seu poder era feita, os responsáveis eram subornados,
assassinados ou neutralizados. (MINSTER, s.d., p. 1)
Pablo Escobar conquistou o apoio de parte da população da cidade através de obras de
assistencialismo (incluindo emprego, evidentemente) que preenchiam lacunas deixadas pelo
estado e contribuíam efetivamente para o fortalecimento e enriquecimento do narcotraficante,
que alcançou o posto de um dos homens mais ricos do mundo e chegou a se oferecer para
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pagar a dívida externa colombiana em troca de liberdade para gerir seus negócios.
Medellín viveu um período de extrema violência entre os anos de 1975 e 1993 quando,
após uma longa operação das forças colombianas aliada a tecnologia norte-americana, Pablo
Escobar foi capturado e morto em 2 de dezembro. Toque de recolher, bombas, assassinato de
policiais e civis faziam parte da rotina da cidade dominada pelo homem que, quando não
conseguia subornar, encomendava a morte daqueles que impediam suas ações.
A morte de Pablo Escobar, porém, não encerrou o tráfico de drogas em Medellín. Ainda
que tenha se desarticulado e perdido sua força, ele ainda faz parte da rotina da cidade, porém
desassociado da extrema violência que caracterizou os anos de poder de Escobar. Nos anos
seguintes a sua morte, Medellín viu uma diminuição contínua em seus índices de violência,
ainda que até hoje estes sejam considerados altos e se relacionem, também, às desigualdades
sociais percebidas entre várias áreas da cidade, à existência dos combos, gangues urbanas
que se concentram nos barrios populares, a onipresença de grupos paramilitares e as
constantes ameaças das FARC em todo o País, cuja renda advém do narcotráfico.
Uma cidade possível: Fajardo, Echeverri e o “urbanismo social”
A transformação de Medellín, porém, é inegável e visível aos olhos. No fim dos anos 90,
beneficiados pela promessa de emprego e melhor qualidade de vida do governo nacional, o
que fez com que muitos membros de grupos paramilitares deixassem as armas, um grupo do
Departamento de Urbanismo Social da Academia de Medellín começou a planejar projetos
que permitissem a inclusão social dos habitantes das regiões mais violentas e excluídas da
cidade e auxiliou o então candidato à prefeitura de Medellín, Sergio Fajardo, a elaborar seu
plano de governo.
Após eleito, em 2003, Fajardo nomeou Alejandro Echeverri, ex-diretor-geral da
Companhia de Desenvolvimento Urbano e membro do Departamento de Urbanismo Social
da Academia de Medellín, como Diretor de Projetos Urbanos de sua gestão. Juntos,
estabeleceram uma mudança profunda no planejamento e execução de políticas públicas da
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cidade, dando prioridade e investindo grandes somas em projetos urbanos que beneficiassem
a população residente nos bairros periféricos.
(...) é uma decisão política, injetar os maiores investimentos públicos nas áreas
mais pobres da cidade. Mas para nós a implementação das políticas de Fajardo
deviam vir acompanhadas pela transformação do espaço urbano e físico,
transformando a aparência da cidade para tornar as políticas visíveis, e para nós
também. O objetivo era fazê-lo com a melhor qualidade e design, com políticas de
intervenção espacial compreensíveis e para que os projetos físicos fossem os meios
para começarmos um processo integral de educação e cultura. Tudo acontecia
paralelamente ao processo físico. (ECHEVERRI, 2009, p. 2)
Os metrocable, escadas rolantes, escolas, casas populares, aparelhos culturais e demais
obras objetivavam atender às necessidades da população de Medellín e, potencialmente,
buscavam solucionar problemas que a cidade compartilha com boa parte das cidades que
apresentam profundas desigualdades sociais em seu território. Indo um pouco mais além,
estas obras tinham também como objetivo – e necessidade – sanar seus problemas
específicos, ou seja, recriar uma cidade traumatizada por anos de violência explícita extrema
e contínua. Para além das estruturas visíveis, se fazia urgente recuperar as estruturas
invisíveis da cidade, a autoestima de sua população e seu significado nos contextos
colombiano e mundial. As grandes obras estruturais vieram, portanto, acompanhadas de
altos investimentos em cultura e educação, entre eles a construção de parques-bibliotecas
nos barrios populares.
Parques-bibliotecas, leitura e informação
Os atuais nove parques-bibliotecas da cidade se somaram a uma já ampla rede de bibliotecas
públicas que sempre promoveu projetos e atividades de fomento à leitura. Eles atendem às
demandas da população de bairros com alto risco social, localizados em meio ao fogo
cruzado dos conflitos entre os cartéis de tráfico de drogas na época de Escobar. Apesar das
profundas mudanças ocorridas desde o mandato de Fajardo, é importante relembrar que
ainda hoje estas áreas convivem com o tráfico de drogas, episódios de violência,
insuficiência e má-qualidade de serviços de base e baixa oferta de atividades culturais.
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Porém, o clima de otimismo, esperança e pertencimento à cidade é sentido em cada rua
de Medellín. Os parques-bibliotecas, em específico, contribuíram fortemente para a elevação
da autoestima coletiva destas comunidades por serem verdadeiros centros de acesso à leitura,
educação, cultura, cidadania e informação.
Os parques estão integrados à Red de Bibliotecas de Medellín, um “conjunto de
bibliotecas comunicadas entre sí, que comparten recursos, esfuerzos, conocimientos y
experiencias con el fin de mejorar las condiciones educativas y culturales de las
comunidades que atienden.” (EQUIPO EDITORIAL, s.d., p. 1) e seguem as diretrizes
expostas no Plan Municipal de Lectura de Medellín, documento renovado a cada cinco anos
alinhado ao Plan Nacional de Lectura y Bibliotecas da Colômbia. O objetivo-geral do Plan
Municipal de Lectura de Medellín consiste em:
Promover la lectura y la escritura en Medellín, como prácticas para la educación y
la cultura; de manera que la comunidad pueda acceder al ejercicio de una
ciudadanía solidaria, crítica y participativa, que mejore su calidad de vida. (PLAN
MUNICIPAL DE LECTURA DE MEDELLÍN, 2009, p. 12)
Este breve parágrafo já revela a prioridade dos projetos de fomento à leitura de Medellín:
mais do que transmitir aos cidadãos a literatura e a cultura, termos que, não raro, vêm
acompanhados de um peso semântico carregado de preconceitos e estereotipias ao validar
um cânone que, também não raro, não corresponde às verdadeiras necessidades da
população, o objetivo é promover a leitura, garantindo que, através dela, os cidadãos sejam
capazes de exercitar sua cidadania, incluindo sua trajetória através das várias tradições
culturais. A visão de leitor que o documento promove, portanto, é a de um leitor ativo que lê,
interrompe a leitura, relê, critica, gosta, desgosta, pesquisa e vai traçando sua vida leitora
conforme suas necessidades, não através de um guia pré-moldado que pretende
encaminhá-lo à “alta-cultura”, discurso tão recorrente e problemático quando se pensa em
fomento à leitura.
A ideia por trás dos parques-bibliotecas está, portanto, vinculada à criação de cidadãos
leitores, não apenas leitores. Para isso, os parques também contam com um número grande
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de computadores, desvinculando a ideia de leitura diretamente dos livros físicos e
demonstrando atenção às necessidades da população em tempos de mudança paradigmática
no acesso à cultura. Livros e computadores aliados também promovem uma das bases
fundamentais para o pleno exercício da cidadania: o livre acesso à informação.
O educador Gabriel Velásquez inicia seu Valor y función cultural de la información
recuperando o artigo XIX da Declaração Universal de Direitos Humanos, que se refere ao
“(...) direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” A partir desta premissa, Velásquez se
dedica a discutir a questão do direito à informação posicionando-o como fundamental para a
formação individual, garantindo, portanto, as condições necessárias ao pleno exercício da
cidadania e da vida em sociedade.
Tal como hoy em dia es de común acaptación que la información es um insumo
imprescindible para la producción y adquisición del conoscimiento y el impulso de
la dinámica económica, siempre se ha sabido que la información es, igualmente,
indispensable para la formación integral del ser humano, la transmisión del acervo
cultural de las generaciones pasadas a las actuales, la consolidación o modificación
de las formas organizativas e institucionales, la participación em la vida
comunitária y el logro de la realización personal, familiar, laboral y social de toda
persona. (VELÁSQUEZ, 2005, p. 13)
Dessa forma, os parques-biliotecas de Medellín têm o papel de garantir a uma
população historicamente exclusa deste direito, uma das bases fundamentais para sua
participação ativa na sociedade, acompanhado pelo direito à educação, cultura, saúde,
saneamento básico, segurança etc. Em suas dependências, pode-se encontrar não apenas
bibliotecas (separadas em coleções para crianças jovens e adultos) e computadores, mas
também assistentes sociais, postos de serviços aos cidadãos e uma ampla e contínua agenda
de atividades culturais como clubes de leitura, workshops, sessões de cinema, exposições,
shows e peças de teatro. Mais do que bibliotecas per si, os parques-bibliotecas de Medellín
se constituem como verdadeiros centros de cidadania a partir do momento em que,
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observando sua organização e funcionamento, fica claro que o tratamento dado à
“informação” vai muito além da oportunidade de acessar livros.
Considerações Finais
Alinhados às mudanças no acesso à cultura ocorrida a partir da democratização do uso da
internet, os parques-bibliotecas promovem uma oportunidade de acesso à informação para
que estas comunidades façam uso dos mesmos recursos que aqueles que, por possuírem
maiores condições financeiras, possuem computadores, laptops, tablets e smartphones.
Visto que o acesso à internet só será definitivamente democratizado quando o acesso aos
suportes necessários à sua conexão também sejam, locais públicos são fundamentais para
que as populações que, por motivos diversos, não têm como fazê-lo privadamente, sejam
capazes de exercitar seu direito à informação.
É claro que já houve uma profunda popularização de tais suportes, incluindo o
barateamento da conexão com a internet; mas é claro também que grande parte da população
mundial ainda está posicionada à margem das condições sociais, políticas e econômicas que
a permitem. E é apenas através dos espaços públicos que uma parcela da população de
Medellín tem a oportunidade de acessar informações desvinculadas da intermediação da
grande mídia.
Em Diferentes, desiguales y desconectados, o antropólogo argentino Néstor García
Canclini se dedica longamente à discussão sobre interculturalidade e acesso à cultura. Sobre
a universalização do acesso a novas tecnologias, incluído aqui a internet, o autor faz a
seguinte ressalva:
Por esso, es riesgosa la generalización del concepto de sociedad del conoscimiento
a la totalidad del planeta, incluyendo a centenares de etnias y naciones. Como otras
designaciones
de
procesos
contemporáneos
-
“sociedad
de
consumo”,
“globalización” – requiere especificar con cuidado su ámbito de aplicabilidad para
no homogeneizar a movimientos heterogéneos o grupos sociales excluidos de las
modalidades hegemónicas del conocimiento. (CANCLINI, 2004, p. 181)
Sobre o assunto, Canclini prossegue falando sobre as considerações que devem ser
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feitas a partir do fato de que o acesso às novas tecnologias não é completamente
democrático:
Dado que los saberes científicos y las innovaciones tecnológicas estan
desigualmente repartidos entre países ricos y pobres, entre capas educativas y
edades, la problemática de la diversidad cultural, y los estudios sobre ella, deben
formar parte de la consideración teórica, la investigación empírica y el diseño de
políticas en este campo. (CANCLINI, 2004, p. 182)
Segundo o autor, as desigualdades percebidas entre os países ricos e pobres no que diz
respeito ao uso de inovações tecnológicas devem pautar políticas públicas de acesso à
informação, coisa que Medellín, com suas ações de cidadania, tem procurado fazer
ininterruptamente, recuperando parte da dívida para com as comunidades da cidade menos
favorecidas e fortificando uma política de formação de leitores que remonta ao final do
século XIX, quando a Biblioteca Publica del Estado foi inaugurada.
O caráter emancipatório do acesso às novas tecnologias é evidente e fundamental;
porém, ele vem acompanhado também por uma tendência à homogeneização dada a
supressão de particularidades que a internet ao mesmo tempo permite e refuta. Permite
porque, via de regra, consome-se de forma mais ou menos similar ao consumo que se faz da
grande mídia, em especial a TV: sabe-se que alguns conteúdos são mais divulgados do que
outros, favorecendo a criação de um modus operandi único no comportamento dos
internautas. Também a supressão das fronteiras espaço-temporais que a conexão à internet
implica favorece o compartilhamento de modos de vida similares independente de fronteiras.
Ao mesmo tempo, a internet também tem potencial para refutar esta homogeneização por
reunir uma infinidade de conteúdos de procedências diversas e facilitar a produção e
divulgação dos mesmos, ampliando o espectro de informações que circulam socialmente e
contribuindo fortemente para o direito de acesso à informação em sua totalidade. Sobre o
potencial homogeneizador da globalização do acesso a conteúdos, o filósofo Stuart Hall
coloca que:
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares
e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas
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de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornas
desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos
e parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes
identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes
partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. (HALL, 2006, p.
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Evidentemente, a possibilidade de grupos sociais distintos, geográfica e historicamente
distantes, compartilharem valores e modos de vida similares promove uma reorganização
dos processos de identificação dos indivíduos, suprimindo suas identidades “locais” frente
as “globais” (HALL, 2006). Ainda assim, a globalização da circulação de conteúdos também
se apresenta como a única maneira de garantir aos cidadãos o pleno acesso a informações e
bens culturais omitidos pelos grandes veículos midiáticos, em especial as redes de televisão,
cuja característica tendenciosa e parcial é amplamente reconhecida. Portanto, a globalização
de conteúdos apresenta este duplo aspecto: iguala e permite a diferenciação ao mesmo
tempo.
Dessa forma, promover o acesso às novas tecnologias é, também, uma maneira de
perder o controle sobre os processos de identificação da população de uma nação (que, no
caso de países de grande extensão territorial como o Brasil e a Colômbia, se apresenta como
várias nações menores, com características, tradições e demandas distintas). Ao mesmo
tempo em que o considera um instrumento fundamental para o pleno exercício da cidadania,
o estado parece se incomodar profundamente quando seus cidadãos se tornam “cidadãos
demais”, ou seja, quando o acesso à informação faz com que a população questione sua
própria localidade. Não há discussão em relação à importância de se integrar as
comunidades às novas formas de acesso à informação e à cultura, visto que, ainda que não
se tenha dimensão de onde esta mudança paradigmática chegará sua função no mundo
globalizado já está explícita e sua importância é inegável.
No caso dos países “pobres” dos quais fala Garcia Canclini, que mais consomem do que
produzem tecnologias, saberes científicos e informações, o duplo aspecto da globalização se
torna ainda mais latente, visto que assumir os valores que circulam na rede é assumir,
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também, valores dos “países ricos”, ampliando sua influência e poder sobre os demais e
contribuindo para a manutenção de seu papel produtor de paradigmas.
Ainda assim, é apenas através do uso destas produções que os “países pobres”
começaram a agir como produtores também. Nos parques-bibliotecas de Medellín, são
comuns cursos e workshops de uso e produção de conteúdos baseados e/ou pensados para a
internet, além de todos os visitantes terem garantido o livre acesso aos computadores ali
disponíveis. Através da democratização local de acesso à informação, Medellín vem se
recuperando dos anos de silêncio, violência e supressão de direitos fundamentais que
caracterizaram os anos de poder de Pablo Escobar criando cidadãos bem informados e
participativos em suas comunidades. Também, é só através da monitoração de informações
que seus habitantes poderão garantir a manutenção e a ampliação dos projetos de
recuperação iniciados por Sergio Fajardo, visto que a cidade ainda apresenta problemas.
Ainda que se corra o risco de que um número cada vez maior de países absorvam
valores e dinâmicas alheias, a democratização do acesso à informação também garante a
preservação e divulgação de bens culturais, valores e hábitos locais. Para uma cidade que,
por anos, teve suas liberdades reprimidas por um cotidiano de violência, a liberdade de ler,
conhecer, pesquisar, consumir, produzir e criar conteúdos já é um caminho para que os anos
de dor sejam superados, porém nunca esquecidos.
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