O nome próprio e o processo de alfabetização
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O nome próprio e o processo de alfabetização
Alfabetização, nome próprio e subjetividade1 Marlene Maria Machado da Silva 2 Profª Drª Ana Lydia B. Santiago3 RESUMO: Os desafios com os quais as escolas têm se deparado na atualidade exigem dos professores e pesquisadores uma busca constante de diálogo entre várias áreas de atuação profissional, na tentativa de, ampliando seus limites, contribuírem para a superação dos problemas da contemporaneidade. Um desses desafios é compreender a relação existente entre o processo de alfabetização, o nome próprio e a subjetividade do sujeito que o porta. Isto se deve pela constatação de que uma grande parcela de alunos que não se alfabetizam apresentam algum tipo de impasse com relação ao registro oral ou escrito do seu próprio nome. Nesse sentido, este texto pretende estabelecer um dialogo entre as perspectivas apontadas por professoras alfabetizadoras no uso do nome próprio no processo de alfabetização e as produções acadêmicas sobre o nome próprio nas áreas da Educação e Psicanálise. Na Educação, a referência serão as produções sobre a psicogênese da língua escrita, ou seja, como ocorre o processo de aquisição da mesma pela criança e, na Psicanálise, aquelas que investigam a constituição psíquica do sujeito e sua relação com o nome próprio através de processos de identificação e nomeação, trazendo novos conceitos que possibilitam uma maior compreensão dos sintomas contemporâneos. PALAVRAS-CHAVES: Alfabetização. Subjetividade. Nome próprio. O desafio deste trabalho, realizado na interface da Educação com a Psicanálise é considerar os aspectos conceituais essenciais ao processo de aquisição de uma língua e, ao mesmo tempo, a subjetividade presente na escrita do nome próprio. A aposta nesta interface é que algo da relação entre o processo de alfabetização e da escrita do nome próprio possa ser elucidado, contribuindo para a construção de metodologias que auxiliem os alunos, que se encontram no início do processo de construção da escrita, a superarem os possíveis desafios que os dificultem a continuar seu percurso escolar, de maneira mais autônoma. É importante considerarmos que o processo de alfabetização não se limita à aquisição da língua escrita, mas representa uma mudança de perspectiva do sujeito para si mesmo e para 1 Fragmentos da dissertação de mestrado Entre a letra e o nome: alfabetização de alunos em situação de fracasso escolar a partir de orientação psicanalítica. FaE/UFMG-2008. 2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação - FaE/UFMG, Pedagoga Clínica e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação – NIPSE/FaE/UFMG. Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/0893436001065465 3 Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação – FaE/UFMG e membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. o meio social e cultural, ao qual está inserido. Emília Ferreiro traz importantes contribuições sobre como a criança constrói a escrita, inclusive apontando a importância do interesse subjetivo no início deste processo. Neste aspecto é que acreditamos que a Psicanálise possa contribuir na escuta desses sujeitos, com o objetivo de localizar seus impasses, avaliar de que ordem que estes seriam e, em diálogo com a educação, contribuir para a construção de intervenções pedagógicas que possibilitem uma saída para o mal estar da criança que “fracassa”. O nome próprio para o processo de alfabetização Um dos primeiros registros sobre a importância do nome próprio para o processo de alfabetização encontra-se no texto “Los procesos constructivos de apopriacion de la escritura” (FERREIRO, 1982). A autora com o objetivo de mostrar que o desenvolvimento psicogenético da escrita tem sua origem extra-escolar, apresentará o nome próprio como sendo o ponto drástico de diferenciação do processo evolutivo da constituição da escrita, entre crianças de classe baixa e média. Com essa afirmação, a autora nos coloca o desafio de pensar a maneira como o nome próprio tem sido utilizado na alfabetização. Considerando que o nome próprio pode ser um elo de ligação entre educação e psicanálise, mas que sua escrita para a maioria das crianças, será uma aprendizagem escolar, faz-se necessário recuperarmos as produções acadêmicas e as impressões das professoras alfabetizadoras, sobre a presença e uso do nome próprio na alfabetização. a. O nome próprio para a Educação Quando se trata de dizer algo sobre a escrita a uma criança, a primeiras informações dizem respeito ao seu nome, independentemente do processo que ela esteja vivenciando. Incentiva-se a criança a identificar as letras do seu nome e aprender a escrevê-lo. Isto não é sem razão, pois é o nome que a representa civil e socialmente. Através do nome e sobrenome ela se diferencia de outras pessoas ou se identifica a elas, iniciando seu processo de pertencimento a grupos sociais e lugares (Ciampa, 1994). Segundo Bosco (2005), o patromínio, como suplemento ao nome será imposto ao sujeito pela herança familiar e, no caso específico da assinatura, esta se constituirá no empenho de um sujeito em seu próprio nome, por escrito. Mas como a criança constrói o registro do seu nome escrito? Durante o processo de desenvolvimento da linguagem, a criança, na interação com o meio, perceberá que as coisas e pessoas são identificadas através de uma palavra – o nome –, o qual apresenta constâncias em sua forma sonora, facilitando a comunicação. Esse processo inicia-se com os primeiros gestos utilizados pela criança para se comunicar, passando pelo ato de brincar e de desenhar, construindo o que Vygotsky (1998) denomina de pré-história da linguagem escrita. Dessa maneira, a criança irá perceber a necessidade e função da escrita, e não somente aprenderá a escrever as letras. À medida que a criança vai tendo acesso à língua escrita, ela começa a perceber que a palavra falada, que nomeia as coisas, objetos e personalidades, também tem uma representação gráfica. No início desse processo de construção da escrita, aprender a escrever seu nome significa, aos olhos dos pais e da escola, um primeiro grande triunfo da criança nas letras (BOSCO, 2005). Mas como o nome próprio se faz presente na escola? O nome próprio tem por objetivo nos identificar e marcar nossas semelhanças e diferenças com as demais pessoas. Entretanto, diferentemente do espaço familiar, onde a criança é chamada de filho(a) ou por um apelido, na escola será, exclusivamente, tratada pelo seu nome e por aluno. A inserção da criança no espaço escolar é acompanhada de várias mudanças: diferentes espaços, tempos, pessoas, atividades e relações. Essas mudanças interferem e interagem com o momento de construção da escrita. Elas constituem novas identificações e nomeações que não faziam parte do mundo da criança, por serem, exclusivamente, constitutivas do espaço escolar. A criança terá que atribuir novos sentidos e significados aos usos e funções da escrita, além de aprender a dominar sua tecnologia. Neste sentido, através da função interativa e da constituição do conhecimento na/pela escrita, a alfabetização deverá constituir-se em uma atividade discursiva, na qual a criança aprenderá a ouvir, a entender o outro pela leitura e a falar, a dizer o que ela quer ou o que pensa, pela escrita (SMOLKA, 1993). Uma das primeiras tentativas da criança, de usar a escrita para nomear as coisas e pessoas, ocorre como se esta fosse muito mais um atributo ou uma marca, do que um símbolo que as representa para, posteriormente, perceber que o conjunto de letras diz alguma coisa e representa algo que, inclusive, pode estar ausente no momento de sua nomeação (TEBEROSKY, 1993). Algumas crianças já chegam à escola com alguns conhecimentos do sistema alfabético da escrita; porém, para outras, o espaço escolar será o lugar onde aprenderão que os nomes das coisas e das pessoas, também têm uma forma escrita. No caso da representação gráfica do nome, ou seja, a assinatura, esta revelar-se-á testemunho da singularidade da criança e, a partir de atividades, ela descobrirá uma extensão de sua identidade através da escrita, como também viverá o conflito na percepção de sua constituição (BOSCO, 2005). Inicialmente, na análise da interpretação e atribuição de significado realizada durante o processo de construção da escrita do nome próprio pelas crianças, observa-se que estas atribuem a cada parte a totalidade do nome, para, posteriormente, perceber que a escrita representa o aspecto sonoro deste e, finalmente, passar a compreender as regras do sistema alfabético da escrita. Esse processo é o mesmo para o conhecimento e a aprendizagem de outras palavras, porém, a importância da escrita do nome próprio, vem do fato de este significar uma interpretação real, verdadeira e estável de algo singular, o que, segundo Teberosky (1993), facilitaria a informação sobre a ordem do conjunto de letras que compõe a palavra que está sendo escrita. A autora afirma que “a escrita do nome próprio parece ser uma peça-chave para o início da compreensão da forma de funcionamento do sistema de escrita” (TEBEROSKY, 1993, p. 35). Por ser um modelo estável e dirigido ao ser que designa, o nome próprio permanece inalterado mesmo na passagem de uma língua para a outra, não admitindo tradução. Esta perspectiva do nome, enquanto código que não se altera, serve, inclusive, como fonte de pesquisa para se decifrar a língua de um povo desconhecido. Observamos que algo semelhante ocorre no processo de aquisição da escrita, quando as letras do nome da criança obtêm um predomínio diante das demais, servindo de referência para a construção de novas palavras, ou seja, ela já começa a decifrar a língua, apesar de ainda não saber diferenciar os nomes próprios, dos comuns, o que ocorrerá somente na aplicabilidade das palavras, em situações de utilização da língua, em sua função social. Para a criança, o processo de percepção do que constitui o nome, ocorre no momento em que esta percebe que o mesmo, através de suas letras, representa uma propriedade essencial do objeto, que o desenho não consegue representar: o nome (FERREIRO, 1982). Nesse sentido, a autora afirma que o sujeito na constituição da escrita passará por tentativas de assimilação do código, construindo hipóteses para utilização das letras, uma vez que estas não podem “dizer” nada, a não ser o que elas mesmas são: letras (1982). Nesse processo, o nome próprio é tanto fonte de informação, quanto de conflito, principalmente, dependendo da hipótese de escrita em que a criança se encontrar. Na mesma proporção em que o nome próprio favorece a compreensão da convencionalidade da escrita, também em alguns casos, o faz contrariando as convenções ortográficas (MOREIRA, 1991). Por exemplo, uma aluna de nome CAROLYNE, tanto terá informações sobre as letras que ajudam a escrever o início da palavra CASA, como estará diante do conflito de perceber que a palavra LIXO não estará convencionalmente correta, se for escrita com Y, como na sílaba LY, presente em seu nome. Se segundo Ferreiro (1982), para algumas crianças a escrita do nome próprio é uma aprendizagem exclusivamente escolar, trabalhar o mesmo somente na sua dimensão de letra, sem a construção da sua significação, pode colocar para alguns alunos, como no caso acima, uma situação de conflito tal, que paralise-os no processo de aquisição da língua. Nesse sentido, a autora nos adverte sobre o uso de nomes caricaturizados como Lili, Dudu etc, pois nenhum nome pode substituir o nome próprio, qualquer que seja sua dificuldade ortográfica. Também nos alerta sobre a necessidade da escola trabalhar a função social da escrita de forma geral e do nome próprio, pois, ao contrário, estaria favorecendo algumas crianças que já as construíram, deixando outras na penumbra inicial, uma vez que estas não sabem por não terem tido a quem perguntar. No caso da escrita do nome próprio, sua constituição passará primeiro pela funcionalidade do mesmo, como identificatório de objetos que o sujeito possui ou pela autoria de sua produção, uma vez que o nome “confere-lhe uma carga afetiva da presença do sujeito no seu produto” (MOREIRA, 1991, p. 48). Posteriormente, é que a criança começará a se deter a uma forma convencional para o registro do seu nome, a partir da escrita da professora. Nesta perspectiva, a professora escreve para que no futuro não precise escrever; pois a criança aprenderá a escrever em nome próprio. No processo de aquisição da língua escrita, desconsiderar a significação e escrita correta do nome próprio pode colocar alguns alunos, como no caso de CAROLYNE, diante do seguinte impasse: estou diante de um nome errado ou de uma língua inacessível. Para esta criança, optar por uma ou outra saída construirá uma idéia equivocada do que sejam os dois conceitos: nome próprio e língua escrita, pois ambos não se separam, como se fossem frutos de códigos distintos. Segundo Silva (2008), algumas crianças atribuem o sentido que o nome próprio tem para elas e toda sua carga emocional à forma de suas letras. Desta maneira, a autora afirma que não é possível que a letra se represente como um objeto, permitindo que a criança faça uso das mesmas na construção de outras palavras. b. O nome próprio para a Psicanálise Se no campo pedagógico, a aquisição e interpretação da escrita seriam facilitadas pela constituição estável do nome próprio, no campo subjetivo, esse pode vir permeado de outros sentidos e significados que extrapolam a aprendizagem de seu registro escrito, enquanto palavra, não podendo ser tratado como um significante qualquer, uma vez que ele traz significações para o sujeito que o porta. É nesta perspectiva, que a Psicanálise permite reconhecer no nome próprio, um estatuto singular, ligado a constituição subjetiva. Para tanto, é preciso que consideremos que o nome próprio refere-se à relação nome/pessoa, o que por si só, já traz uma diferença desse sobre as demais palavras. Ele possibilita a diferenciação simbólica de cada um dos membros de uma família, ao mesmo tempo em que assegura a agregação simbólica de todos em um grupo (MARTINS, 1991). Segundo Bosco, um sujeito ao dar um nome a uma criança, abre um lugar para esta na cadeia significante, permitindo que ela seja contada como mais uma, pois, sem o nome não há sujeito no campo do Outro 4. A criança depende do significante que vem do Outro, para poder se significar e ser significada como sujeito, o qual confere valores simbólicos as suas manifestações (BOSCO, 2005). Nesse sentido, a função primeira do nome próprio é dizer de uma nomeação, evidenciada por uma rede de relações, que atravessa tanto quem nomeia, quanto quem é nomeado, não sendo possível reduzir o nome próprio a um referente identificatório do cidadão na sociedade. Nessa rede de relações há uma historicidade que apresenta o sujeito como sendo único e distinto dos demais. Neste sentido, o nome próprio, enquanto significante, seria uma palavra que presentificaria o lugar do sujeito, no momento em que ele identificar-se ou for identificado em nome próprio. No seminário IX, “ La identificacion”, Lacan chama a atenção dos psicanalistas sobre o nome de seus pacientes, pois segundo o autor algumas dissimulações ou apagamentos do nome próprio, podem ocultar as relações que o sujeito põe em jogo com o outro (1962). Tal fenômeno também pode ser observado quando as crianças, ao escreverem seu próprio nome, omitem, invertem ou trocam as letras de posição ou por outras. Silva (2005) relata que, não raras às vezes, as crianças justificam tal fenômeno convocando algo da relação parental. Outro aspecto suscitado por Lacan, é que o nome próprio seria um significante sigla, que apontaria para a condição do sujeito como “servo” da linguagem e mais precisamente da letra, pois seria nesta e não no fonema, que o nome próprio se constituiria. Nesse sentido, o nome próprio, assim como a letra, seria um significante puro, por não possuir sentido próprio, necessitando do processo de significação de cada sujeito (LACAN, 1962). Esse processo de significação será permeado por toda uma repetição de traços de identificações que podem encontrar no nome próprio, seu significante primordial. 4 Segundo Lacan (1962), o Outro com letra maiúscula não é um sujeito, é um lugar no qual se esforça – diz Aristóteles – por transferir o saber do sujeito. [...] O Outro é o depositário representativo desta suposição de saber e é isto o que chamamos inconsciente, na medida em que o sujeito se perdeu, ele mesmo, nesta suposição de saber (1962, p. 7) Para compreendermos o nome próprio enquanto significante puro, Lacan comparará este as letras. Segundo ele, estas têm nome e muitas vezes sua emissão fonética é confundida com o mesmo, comprometendo a compreensão do que elas são e o que podem significar. É importante citar, que esta comparação pode ser observada no processo de alfabetização, quando várias crianças utilizam o nome da letra para representar sua emissão fonética, como no exemplo da escrita BTRABA, CNORA etc. Silva aponta que da mesma maneira que uma letra pode apresentar uma confusão entre seu nome e o som que será possível representar, o sentido que o nome próprio tem para um sujeito, também pode se confundir com letras que o compõe. Talvez aqui, encontra-se o paradoxo do nome próprio, por ter tanto a função significante, quanto objetal. Segundo Leite (2006, p. 301) “no mesmo movimento em que o nome próprio traz ao humano significações, por incluí-lo na matriz simbólica, ele se apresenta como letra, como objeto, esvaziando toda possibilidade de sentido”. Ainda segundo a autora, devido à dupla função significante e objetal do nome, este pode ser capturado pelas formações do inconsciente. c. O nome próprio segundo as professoras alfabetizadoras O nome próprio nem sempre obteve o mesmo uso entre os homens. Antigamente e ainda hoje, em algumas regiões, o nome servia como referência para se saber sobre a origem de alguém. Às vezes, uma pessoa era mais conhecida pelo seu sobrenome, do que pelo nome. Atualmente, na maioria das grandes cidades, a pessoa é conhecida pelo seu nome e/ou apelido. Porém, para os sistemas estatísticos e administrativos, essa será reconhecida pelo nome completo e pelo número dos seus documentos pessoais. O antropólogo João de Pina Cabral, em palestra proferida na FaE/UFMG 5 (2007) , sobre como e por quê um nome e sobrenome é escolhido por e para alguém, aponta que estes tem a tendência de perpetuar um traço da família, homenagear alguém e, entre outros motivos, até mesmo responder a mudanças políticas de uma época, como no caso dos escravos, quando ao passarem a ter o direito de um sobrenome, adotam o do antigo senhor de engenho, uma vez que já eram nomeados “escravo de fulano de tal”. Da mesma maneira, a escrita do nome e sobrenome também teve diferentes usos ao longo dos tempos, particularmente para educação. Antes das contribuições da pesquisa de Ferreiro (1985), o nome próprio somente aparecia no cabeçalho, no início da aula. Cabeçalho era um conjunto de nomes que deveriam ser 5 Palestra proferida sob o título: “Em nome do pai: mãe e nomes no Baixo Sul (Bahia,Brasil)”. referência para a criança: nome da cidade e a data, nome da escola, da professora e da criança. Eram comuns exercícios de cópia do nome próprio para que a criança aprendesse a “escrevê-lo”, pois necessitaria do mesmo, para assinar documentos. Fora esse tipo de atividade, o nome próprio, salvo raras exceções, não era utilizado nas atividades de alfabetização. A pesquisa de Ferreiro, sobre a origem da aquisição da escrita, nos ajuda a compreender a mudança de perspectiva de uso do nome próprio no processo de alfabetização, pois antes da mesma, não se acreditava que a criança construía seu saber, ou seja, que fosse capaz de pensar sobre a escrita; a mesma não existia enquanto sujeito de fato, para o processo de alfabetização, sendo assim, tão pouco seu nome escrito constituía-se em uma aprendizagem da língua. No espaço escolar, língua escrita e nome próprio encontravam-se como se fossem entidades distintas, sem considerar qualquer influencia de um sobre o outro. Segundo Silva (2008), o uso do nome próprio no processo de alfabetização tem ocorrido de diversas maneiras: contagem das letras que o compõe; comparação das letras do mesmo com as dos nomes dos colegas; utilização de crachás para reconhecimento dos nomes; bingo de nomes; formação de outras palavras com as letras ou sílabas do nome dos alunos; trabalho com a certidão de nascimento etc. Segundo a autora, essa diversidade demonstra a importância do nome próprio e a amplitude deste para o processo de alfabetização. As cartilhas e os atuais livros de alfabetização, também foram apresentando mudanças com relação à língua escrita e o nome próprio. De rótulo identificatório do proprietário de um livro de alfabetização, o nome próprio passa para o interior das mesmas, compondo várias atividades de escrita. Segundo Silva (2008) o principal motivo para a maioria das alfabetizadoras utilizarem o nome próprio é devido este ser uma das primeiras palavras escritas, que tem mais significado para os alunos e estes se sentem mais valorizados ao ver seu nome fazendo parte do espaço da sala de aula e das atividades. Se antes o nome não fazia parte das atividades de alfabetização, ficando somente com a função de identificar os alunos, atualmente há uma prevalência do uso deste, mais pelo seu aspecto de código lingüístico, do que pela função de nomeação e significação para a criança. Enquanto 99% das alfabetizadoras pesquisadas por Silva trabalham o reconhecimento das letras do nome, somente 65% trabalham com o nome próprio e sobrenome. Destas, 55% utilizam a certidão de nascimento como referência para o trabalho com o nome próprio. É interessante observarmos estes dados, pois apesar de a maioria das professoras alfabetizadoras trabalharem com o nome próprio, pouco mais da metade é que utiliza a certidão de nascimento, sendo que esta é que se constitui como portador do texto “nome próprio”, inserindo o sujeito no campo simbólico, na lei social. Se considerarmos que o nome próprio apresenta uma dupla função: a de objeto enquanto código a ser adquirido e de nomeação e significação de um sujeito, podemos constatar que talvez esteja ocorrendo um desequilíbrio, quanto ao trabalho destas duas funções, durante o processo de alfabetização. Para tanto, seria importante verificarmos se as professoras alfabetizadoras têm conhecimento da necessidade de se trabalhar essa dupla função do nome próprio. Durante a pesquisa citada, várias alfabetizadoras observam que alguns alunos que não conseguem se alfabetizar, apresentam dificuldades na escrita e/ou leitura do nome próprio, porém sem conseguirem avaliar o porquê deste fenômeno. As mesmas nos dão algumas pistas, quando respondem sobre as reações dos alunos diante de atividades com o uso do nome próprio e/ou descrevem algumas situações interessantes. Segundo 91% das alfabetizadoras, os alunos gostam de escrever seu nome, porém, 35% apontam que há alunos que somente escrevem parte do nome, mesmo com orientação para escreverem de forma completa, com o sobrenome. Há ainda, 15% das entrevistadas que apontam que há alunos que se angustiam diante da a escrita do próprio nome. Com relação a essas situações de angústia, algumas alfabetizadoras apresentaram relatos de fenômenos interessantes, durante o processo de alfabetização, envolvendo o nome próprio. Segundo elas, há alunos que só gostam de ser chamados pelo apelido, outros que não sabem escrever seu próprio nome e ainda há aqueles que se recusam a escrever parte do seu nome. O nome próprio é um fator de grande relevância para a maioria dos alunos no processo de alfabetização, porém não quer dizer que este tenha o mesmo significado para todos, pois, segundo os dados e as situações apresentados, há uma parcela significativa de alunos que apresentam algum tipo de impasse, com relação ao reconhecimento e escrita do nome próprio. Conclusão A escrita do nome próprio constitui um dos pontos de partida do processo de alfabetização. Porém, uma criança em fase de alfabetização, pode não conseguir avançar na construção da escrita, se as imagens visuais das letras de seu nome, não puderem ser utilizadas como marcas esvaziadas de sentido, ou como puro significante, como afirma Lacan (1962), devido ao excesso de sentido que o mesmo lhe atribui. Os dados da pesquisa de Silva e os estudos apresentados apontam como desafio para as professoras e professores alfabetizadores conhecerem, além das dimensões lingüísticas, gráficas, culturais, social, a dimensão subjetiva que o nome próprio tem para o aluno. É necessário que o nome próprio seja utilizado adequadamente nas atividades pedagógicas, como peça-chave do processo de alfabetização, mas principalmente, que possibilite para a criança, sua entrada no mundo simbólico da escrita, a partir do momento que esta se identificar com o traço, a letra, que lhe permite escrever em nome próprio. Neste sentido, as contribuições de Ferreiro e os depoimentos das alfabetizadoras pesquisadas, articulados com as contribuições da Psicanálise, nos fazem acreditar que talvez a dimensão subjetiva possa, na realidade, se apresentar não somente na diferença de interpretação do que é escrito, mas na própria constituição da escrita; na relação que o sujeito estabelece com algo da ordem do código, da lei, expressa, primordialmente, na escrita do nome próprio. Referências Bibliográficas BOSCO, Zelma. A errância da letra: o nome próprio na escrita da criança. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/list. Acesso em 02/05/2008>. Acesso em: 02 mai 2008. (Tese de Doutorado) - UNICAMP, Campinas,. 2005. _______. Sobre a legibilidade na escrita infantil. Disponível em: <http://www.gel.org.br/4publica-estudos2004-comunics/sobre_legibilidade.pdf>. Acesso em 15 abr 2008. CIAMPA, Antonio C. Identidade. In: Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p.58-75. 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