Untitled - O Imaginário
Transcrição
Untitled - O Imaginário
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá ERIMAR JOSÉ DIAS E CORDEIRO Cara de Índio Uma tradução da Tradição Kambiwá Trabalho de graduação apresentado à disciplina de Projeto de Graduação 2, como requisito parcial para à conclusão do curso de Design, Departamento de design da Universidade Federal de Pernambuco. Orientadora: Co-orientadoras: Recife 2005 Ana Emília de Castro Ana Maria Andrade Virgínia Pereira Cavalcanti Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá ERIMAR JOSÉ DIAS E CORDEIRO Cara de Índio Uma tradução da Tradição Kambiwá Trabalho de graduação defendido em 5 de setembro de 2005 e aprovada pela banca examinadora, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Desenho Industrial|Projeto do Produto com nota __. ________________________________ Ana Emília Castro [Orientadora] ________________________________ Ana Maria Andrade [Convidada Interna] ________________________________ Magna Coeli [Convidada Externa] Recife 2005 ii Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Dedico este trabalho aos principais personagens que me fizeram ser capaz de redigi-lo: Maria de Fátima e José Erimar. iii Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Meu sincero agradecimento para: Meus pais, que estiveram comigo em toda a minha caminhada, nem sempre concordando com minhas decisões, mas nunca deixando de me apoiar; e que ainda conseguem me surpreender após mais de 20 anos de convivência ininterrupta; Minha Ana, meu arco-íris. A turma “da gente”, que entre churrascos, pizzascos e sessões de brigadeiro com pipoca, me desentendi com alguns, mas sem nunca perder a amizade real: Débora, Max, Gabriela, Vinicius, Flávio, Rita, Juliane, Tony (e Dani) Emília, minha orientadora, guia e borduna durante este trabalho; A turma do Imaginário, com quem aprendi que o mundo de design também é de verdade: as professoras e amigas Ana Andrade e Virgínia, puxadoras de orelha (minha e da turma acima); Ticiano e Josivan, colegas de várias viagens; Quesia, Fabiana, Flávia, Thaïs, Anna Z, Tila, Germannya, Glenda, Luigi, além do membros honorários, Verônica Barkokébas e Ferreira. O valioso suporte de última hora de Magna. A ajuda literária de Ana Renata, que provavelmente teria sido mais uma coorientadora se não fosse um oceano de distância. A produção quase instantânea (caso contrário não existiriam protótipos) de Mariana Beltrão. E o pessoal do Educação e Etnia do Centro de Cultura Luis Freire, atuantes em Kambiwá, em pareceria com o Imaginário e nesta monografia. E, obviamente, os Kambiwá; um grupo que tem diversas carências, mas, de certo, humanidade não é uma delas. Obrigado por mostrar que na minha ânsia de ver uma cultura tão diferente, imaginária e estranha, quase esqueço que esses homens e mulheres são, em essência, homens e mulheres; pernambucanos; nordestinos; sertanejos; brasileiros. E mesmo assim, acima de tudo, Kambiwá. iv Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Cara de Índio Índio cara pálida Cara de índio Índio cara pálida Cara de índio Sua ação é válida Meu caro índio Sua ação é válida Valida o índio Nessa terra tudo dá Terra de índio Nessa terra tudo dá Não para o índio Quando alguém puder plantar Quem sabe índio Quando alguém puder plantar Não é índio Índio quer se nomear Nome de índio Índio quer se nomear Duvido índio Isso pode demorar Te cuida índio Isso pode demorar Coisa de índio Índio sua pipoca Tá pouca índio Índio quer pipoca Te toca índio Se o índio se tocar Touca de índio Se o índio se toca Não chove índio Se quer abrir a boca Pra sorrir índio Se quer abrir a boca Na toca índio A minha também tá pouca Cota de índio Apesar da minha roupa Também sou índio v Djavan Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Sumário] Apresentação viii Parte 1 | A natureza dos Adornos 1. Introdução 01 2. Metodologia 04 3. Definição dos termos usados 05 3.1 Cultura 05 3.2 Identidade 05 3.3 Design 06 3.4 Artesanato 07 3.5 Design Artesanal 09 3.6 Cultura Material 10 4. Adornos 12 4.1 História 12 4.2 Valor 15 4.3 Quilate 16 4.4 Típico e exótico 16 4.5 Atualidades de mercado 17 4.6 Tipologia de adornos | Conceitos 18 4.7 Tipologia de adornos | Morfologia 19 5. Povos Indígenas (do Nordeste) 22 5.1 Visão Geral 22 5.2 História e valores de Pernambuco 24 5.3 Modus Vivendi Kambiwá 29 5.3.1 Educação 5.4 Produção Artesanal 32 33 5.4.1 Caroá 35 5.4.2 Palha 36 5.4.3 Madeira 36 5.4.3 Sementes e afins 38 vi Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Parte 2 | Os adornos da Natureza 6. Banco de Imagens 39 6.1 Linguagem visual 7. Projeto 39 51 7.1 Público 51 7.2 Similares 51 7.3 Materiais empregados 60 7.4 Diretrizes projetuais 61 7.5 Esboços |Geração de Alternativas 62 7.6 Seleção de Alternativas | Renderizações 69 7.7 Detalhamento Técnico 73 8. Conclusões 78 Referências Bibliográficas 79 Bibliografia 81 Créditos das Imagens 86 Anexo I - Termos Indígenas relacionados 87 Anexo II - Pesquisa Ibope 89 vii Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Apresentação] Este trabalho é, em parte, resultado da relação profissional e pessoal que tive com a etnia indígena Kambiwá. Tomei conhecimento acerca deles durante meu trabalho junto ao Imaginário Pernambucano, ação da Universidade Federal de Pernambuco através da Pro-Reitoria de Extensão. O objetivo central do Imaginário é potencializar os valores identitários das comunidades produtoras de artesanato, promover o associativismo e possibilitar que a atividade se firme enquanto meio de vida sustentável. Nos anos de 2003 e 2004 minha atuação no projeto deu-se prioritariamente na comunidade Kambiwá. Ansioso por conhecer, busquei informações tanto no Imaginário Pernambucano quanto nas entidades parceiras do projeto ligadas à causa indígena: o Centro Luiz Freire e o Conselho Indigenista Missionário. Conheci, então, um pouco mais da realidade difícil do povo do sertão [embora não fosse novidade]; e, em particular, a dos indígenas, que também são vítimas de preconceitos e da invisibilidade social. Dentro de sua produção artesanal, a que mais me chamou atenção foi a de adornos com sementes. Tive, então, uma necessidade de ampliar estas possibilidades, indo além da atuação do Imaginário e, talvez, das capacidades produtivas do grupo, mas não de sua cultura. Investigando mais acerca desse contexto, percebi que a minha vontade de dar vazão a projetos com a referência indígena e que estivessem ligados à ornamentação do corpo iam ao encontro do que o mercado busca, tanto pelo lado do design, quanto da referência cultural. Este trabalho mostra a pesquisa sobre a cultura kambiwá, a pesquisa sobre adornos e jóias e o processo de desenvolvimento de novas peças. viii Parte 1 | A natureza dos Adornos “A valorização da cultura popular do Nordeste Brasileiro, buscando-se fixar em seus vastos campos [...], a sua valiosa contribuição como expressão do pensamento nacional, há de ser encargo das Universidades regionais. Nesta tarefa tem-se que perquirir as origens de nossa cultura, respeitando sua forma e simples de apresentação, e procurar encontrar uma arte e uma literatura eruditas nacionais, com base em suas raízes populares” Armando Samico Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Introdução] O ato de usar adornos é tão amplo e antigo que pode ser comparado, talvez, apenas ao de usar vestimentas. Por demandas fisiológicas do corpo, o ser humano desde cedo usou peles de outros animais para vestir-se e adaptar-se ao ambiente. No entanto, tão primitivo quanto este, foi o interesse em usar elementos para se adornar. A diferença é que esta necessidade não reside no patamar fisiológico, e sim no social e psicológico. Quer fosse esta uma atitude para se identificar, embelezar, intimidar ou quaisquer outros motivos, o fato é que, independente da razão, a grande maioria dos seres humanos se vale ainda hoje de elementos para adornar o próprio corpo. Estes adornos [sejam eles expressos em objetos ou no próprio corpo] são de constante apreciação pelos designers, cuja produção se direciona com foco no usuário. E estando este inserido num mercado mais e mais globalizado, as diretrizes de diversas atividades, incluído o design, apontam para as referências das culturas locais. O filósofo Otávio Ianni1, comenta que “a tão temida e discutida globalização, que universalizou e agilizou a informação e o conhecimento, registra um aparente paradoxo: a valorização da cultura local”. A referência local que será abordada está ligada à questão indígena do sertão pernambucano. Existe interesse em se fazer conhecer para o leitor deste trabalho os grupos indígenas que habitam o sertão; grupos que, praticamente, só são conhecidos pelos poucos que se dedicam a estudar este tema específico. Há um interesse em evidenciar as populações indígenas do Nordeste, normalmente esquecidas frente às do norte do Brasil, tidas como “autênticas”. E entre essa cultura de uso de adornos e a referência local indígena, está o designer em seus diferentes papéis: pesquisador de culturas, analista de problemas e desenvolvedor de soluções. Refletidos no trabalho de perceber demandas e tendências de mercado, aliar às referências culturais e por fim, concretiza-las em produtos, através do conhecimento acadêmico e prático de design. [1] in: Sebrae. Cara Brasileira: a brasilidade nos negócios, um caminho para o “made in Brazil”. Brasília: Edição Sebrae, 2002 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A cultura material indígena e sua característica artesanal estarão presentes no trabalho, assim como a interferência do design. Dentre as vertentes de interação entre design e artesanato, aqui se faz uso do design com referência artesanal, na qual o produto é concebido pelo designer, remetendo ao artesanal sem imitá-lo; contudo, confeccionado com materiais e técnicas que não somente aquelas pertinentes ao trabalho artesanal em questão. É dentro do contexto dos indígenas Kambiwá de Pernambuco que se busca os partidos conceituais e parte das matérias-primas usadas nos produtos finais. A fauna e a flora, a espiritualidade, o artesanato e outros aspectos da vida e cultura dos indígenas estão presentes em todo o processo projetual. Como objetivo geral, serão projetados e produzidos novos adornos, cujas formas e conceitos estão referenciadas no repertório indígena que será apresentado. Para atingir este objetivo maior, são também previstos dois objetivos específicos, que são: definir um banco de imagens representativo dos elementos marcantes da identidade Kambiwá e contribuir com um exemplo do produto com referência étnica dentro da moda|joalheria. Todavia, ainda que trate de questões indígenas, de repertório e de joalheria, é válido deixar claro o real objetivo deste trabalho. O foco é a criação e execução de novas peças; e não ser discursivo ou retórico quanto às políticas indígena e indigenista ou ainda, às morfologias e técnicas tradicionais de joalheria. Tais assuntos são transversais à pesquisa, fornecendo subsídios para atingir o objetivo proposto. Também será colocada mais nitidamente a diferença de conceito entre adorno e jóia. Far-se-á uso da definição empregada por SANTOS, quando categoriza os adornos pessoais como todos os objetos utilizados pelo ser humano sobre o corpo, que interferem no mesmo e têm significado pessoal e social. Por esta definição, a jóia se enquadra enquanto adorno. A especificidade da jóia reside nas definições clássicas, que a coloca num patamar de alto valor material; sempre empregando matérias-primas que se restringem à prata, platina, ouro e gemas preciosas. Uma vertente que tem aflorado recentemente no Brasil e fora dele é a de jóias vegetais, orgânicas ou ‘biojóias’. Termos estes fazendo clara oposição às 2 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá jóias cujos materiais são de origem mineral. Esta nova safra de adornos tem seu valor mais no conceito e design que no valor financeiro do material com que são feitos. Dissociam a idéia de jóia dos minerais e metais de alto preço e associam a artefatos de alto padrão estético e de qualidade diferenciada. O uso de materiais não-tradicionais apenas, ou em miscelânea com os tradicionais reforçam esta mudança de conceitos. 3 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Metodologia] Para cada etapa do processo, é previsto um conjunto de métodos e ferramentas. Mesmo sendo a natureza deste trabalho prioritariamente projetual, a importância das referências exige que também seja de pesquisa. Assim, a metodologia a ser empregada pode ser organizada em: Pesquisa | fase de coleta de informações Observação direta em campo no território Kambiwá e entrevistas não-estruturadas com moradores e artesãos da comunidade; Consulta bibliográfica de obras indigenistas; Consulta bibliográfica acerca da temática de adornos pessoais e joalheria; Leitura complementar sobre conceitos inerentes ao estudo, como cultura, identidade, design, artesanato e design artesanal. Análise | fase de entendimento do contexto Seleção dos elementos [materiais e imateriais] que irão compor o banco de imagens; Registrar em fotografia estes elementos e montar o banco de imagens; Definição do público-alvo e análise do perfil de vida; Analisar outros adornos similares que tenham uma referência formal baseada numa identidade étnica ou que sejam elaborados com materiais não-tradicionais à joalheria. Síntese | fase de formatação das idéias Definição das imagens-chave que serão trabalhadas no projeto; Através do embasamento adquirido e do público-alvo, definir os partidos projetuais; Gerar alternativas [esboços]; Seleção de alternativas; Detalhamento das alternativas selecionadas; Modelagem virtual e real; Fabrico de modelos para avaliação [mock-ups]; Prototipagem final. 4 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Definição dos termos usados] Para prosseguir com a leitura e entendimento deste trabalho, sente-se a necessidade de clarificar quais conceitos estão em uso aqui, tais como o de Cultura, Identidade e Design, bem como a inter-relação entre eles. Cultura Podemos considerar ‘cultura’ como sendo um produto da capacidade humana [e que diferencia o homem dos outros seres vivos] de comunicação, pois o antropólogo americano HERSKOVITS a descreve como “a parte do ambiente feita pelo homem”. LARAIA coloca que a cultura resulta de um processo acumulativo através das gerações. E só pôde sê-lo porque existiu compartilhamento das informações, através da capacidade de comunicação. SAMPAIO comenta que definir cultura é algo extremamente complexo, mas defende que é um processo construtivo constante e não algo estagnado. Ainda sob sua perspectiva, é “aquilo que, ao mesmo tempo, faz com que os homens se transformem e possam ser apresentados, conhecidos e compreendidos por outros homens”, seja esta cultura apresentada de forma material ou imaterial. Este é o conceito que se deve ter em mente na leitura deste trabalho. Segundo as diferentes fontes, concorda-se que a cultura está associada à comunicação, como um sistema simbólico. Sistema esse partilhado pelos membros da mesma cultura e que é capaz de se identificar e diferenciar das demais. Identidade Identidade é, para BARROSO [2004], um conjunto mutante de referências em permanente movimento e evolução; quanto maior esta dinâmica, maior será a capacidade de sobrevivência e de renovação de uma nação [ou grupo]. 5 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A ligação dos símbolos com a cultura e identidade é citado por LARAIA, quando reproduz o texto: “Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi o símbolo que transformou nossos ancestrais antropóides em homens e fê-los humanos. Todas as civilizações se espalharam e perpetuaram somente pelo uso de símbolos. É o exercício da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e o homem seria apenas um animal, não um ser humano. O comportamento humano é o comportamento simbólico. Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos que é a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o símbolo.” E complementa, colocando que “todos os símbolos devem ter uma forma física, pois do contrário não podem penetrar em nossa experiência, mas o seu significado não pode ser percebido pelos sentidos”. Design O entendimento de design, por sua vez, trilha o caminho do pensamento. O processo intencional de pensar, organizar, sistematizar, planejar, projetar e desenvolver objetos a partir de oportunidades identificadas no mercado; é isto que SANTOS chama de design. Um pensamento não errado, mas muito direcionado; adotar-se-á aqui um pensamento mais próximo da visão mais generalista de PAPANEK. Este coloca a procura de soluções de trabalho imediatamente aplicáveis aos problemas do mundo real como uma definição. Essa prioridade da necessidade do ser humano em interagir é, neste trabalho, mais importante que a necessidade do mercado. NIEMEYER faz outra abordagem, com a qual seguirá este trabalho, quando aproxima o design do processo de comunicação [tal como acontece com cultura]. Colocando-o numa posição de interlocução, afirmando que o design é mais do que projetar produtos: é resolver os problemas de diálogo do ser humano com si mesmo, com os outros e com o 6 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá mundo. Assim, o design faz parte da formação da identidade, no momento em que interfere nas referências que fazem parte da cultura. Por fim, NIEMEYER considera que todas as interações humanas envolvem emoções, incluindo as que são feitas com o mundo material. E continua, afirmando que “o novo papel do design de objetos parece ser o de inserir os valores humanos e da sensibilidade no mundo material, para fazer as interações menos impessoais e estritamente funcionais e mais relacionais, agradáveis e confiáveis”. Vê-se, assim, que o design está ligado à comunicação [normalmente não verbal, mas por meio de símbolos; sejam estes em duas ou três dimensões] tanto quanto à cultura de um modo geral. O designer é agente de transformações na cultura material e imaterial. Artesanato A definição de artesanato é algo complexo e geralmente polêmico. Talvez pela etimologia da palavra, há uma confusão ente o processo e o produto: nem tudo proveniente de uma produção artesanal pode ser considerado artesanato. Essa problemática assombra as mais diferentes áreas, mas em especial as que têm a árdua tarefa de classificar diversos trabalhos nas tipologias de artesanato, arte popular, trabalhos manuais e arte, além de diversas outras subcategorias. Tal classificação normalmente está associada às diretrizes de programas de apoio à produção artesanal, tanto da iniciativa privada, social ou governamental. A definição oficial por parte do governo brasileiro pode ser localizada no Regulamento do IPI2, colocando o artesanato como o resultado de trabalho manual realizado por pessoa natural, que atenda a duas condições: não contar com o auxílio ou participação de terceiros assalariados; e cujo produto seja vendido a consumidor, diretamente ou por intermédio de entidade de que o [2] Imposto sobre Produtos Industrializados, descrito no decreto nº. 4.544 de 26.12.2002, art. 7º, inciso I 7 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá artesão faça parte ou seja assistido. Por essa definição oficial, praticamente qualquer resultado de produção familiar ou informal pode ser encaixado na condição de artesanato. Já no Simpósio Internacional da UNESCO, [Manila, 1997], intitulado O Artesanato e o mercado internacional: comércio e codificação aduaneira, considera que produtos artesanais são os “produzidos por artesãos, totalmente à mão ou com a ajuda de ferramentas manuais, ou, ainda, com a utilização de meios mecânicos, desde que a contribuição manual direta do artesão seja o componente mais importante do produto acabado. São produzidos sem limitação de quantidade e utilizam matériasprimas procedentes de recursos sustentáveis. A natureza especial dos produtos artesanais se baseia em suas características distintivas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, vinculadas à cultura, decorativas, funcionais, tradicionais, simbólicas e significativas religiosa e socialmente”. Este conceito da Unesco interliga o produto final ao seu modo de produção. Essa é a definição empregada na temática desta monografia. Percebese que tal conceito está objetivamente ligado à atualidade do artesanato mundial, onde se faz uso de mecanização, aproximação lógica ao mercado, ao mesmo passo em que coloca o ser humano e sua capacidade de interferir nos materiais à sua volta como fator determinante. Isso se faz valer também na concepção do escritor mexicano Otávio Paz [apud LIMA], para quem falar de artesanato é falar mais de pessoas do que de objetos, pois o produto resultante do trabalho artesanal é um produto "com alma", onde estão presentes e se fazem notar o saber, a arte, a criatividade e a habilidade humana. Ele diferencia o objeto industrial, o artesanal e o de arte dizendo que “o artesanato não quer durar milênios nem está possuído pela pressa de morrer logo. Transcorre com os dias, flui conosco, desgasta-se pouco a pouco, não busca a morte nem a nega: aceita-a. Entre o tempo sem tempo dos museus [destino dos objetos de arte] e o tempo acelerado da técnica [produto industrial, que rapidamente é superado], o artesanato é palpitação do tempo humano. É um objeto útil, mas também belo; um objeto que dura, mas que acaba e se resigna a acabar”. 8 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Design Artesanal Se o design tem seu surgimento ligado à dissociação entre o projetar e o executar [tarefa delegada à indústria, que se especializou na produção repetitiva, rápida e massiva], hoje percebe-se uma reaproximação do executor original: o artesão. BARROSO [2004] aponta que nos últimos anos começam a surgir intervenções cada vez mais freqüentes e sistemáticas na produção artesanal, promovidas por diversos organismos da esfera pública e privada, em quase todos os países da América latina, cuja principal motivação tem sido a necessidade de integrar à vida econômica destes paises uma atividade que durante muito tempo foi marginalizada e tratada apenas dentro da ótica da assistência social. Essas novas ações já foram e ainda são criticadas por vários segmentos, como sociólogos, antropólogos, artesãos, arquitetos e designers. BARROSO [2004] se posiciona quando observa que em alguns programas, existe o mérito de preservar o artesanato em sua pureza original, porém, preservando também a miséria do artesão e a sua falta de perspectivas. Percebe-se que a manutenção de um artesanato nas suas condições de subsistência e demanda interna da comunidade não se sustentam quando se intenta a geração de renda. Como mencionado antes, o design pode interferir na compatibilização entre esses dois universos, sem detrimento de nenhuma das partes [artesanato ou mercado]. Entende-se que a maior preocupação é a de que o artesanato, com uma intervenção relacionada prioritariamente ao mercado, possa desvirtuar a essência do produto original, deformando valores e tradições e deturpando a percepção de identidade cultural. É uma preocupação válida e deve estar em mente quando da realização de uma intervenção de design no artesanato, mas não deve impedi-la. 9 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A atuação deve ser não apenas da otimização da produção, redução de custos e promoção de canais de distribuição, mas de agregação de valor cultural, que neste caso se reflete na valorização das tradições, da habilidade dos artesãos e das relações existentes no interior dos grupos produtivos. Esse saber antigo e tradicional que perseverou ao longo dos anos como algo útil e capaz de garantir a sobrevivência da comunidade. Cultura Material O termo ‘cultura material’ foi inicialmente empregado para designar os objetos das colônias americanas que eram mostrados à Europa. Termo esse empregado jocosamente, colocando a cultura européia como o ápice do desenvolvimento cultural e as demais como atrasadas. A expressão significava, então, que aqueles grupamentos humanos tão “atrasados” eram capazes de produzir artefatos rudimentares aos quais se dava o nome de produtos de cultura material. Dentro da antropologia, porém, o termo adquiriu posteriormente um caráter que pode tanto definir não só os tradicionais machados de pedra, mas também os tecnológicos aparatos eletrônicos. Existe um valor simbólico agregado a cada objeto vinculado a uma cultura. Valor este relacionado à identidade, à matéria-prima conhecida, às formas de relacionamento, ao status social, dentre outros. NOGUEIRA defende que cultura material é pois, tudo “aquilo que o homem cria ou concebe e que utiliza na sua vida quotidiana, de modo a extrair do meio envolvente tudo o que necessita". Diferente da autora citada, aqui não se entende o objeto como elemento capaz de transpor o tempo, tornar-se contador de histórias, um veículo de transmissão cultural. Adotar-se-á o pensamento mostrado por BARBOSA. Este aponta que se tomarmos os artefatos não mais como objetos concretos, descritíveis do ponto de vista formal e de uso, mas como unidades significantes de uma mensagem visual estruturada, deparamo-nos com o aspecto relacional – logo, imaterial – destes elementos que, vistos desta maneira, podem ser referidos por “signos” dentro da 10 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá semiótica descrita por Peirce. Demonstra assim que o objeto tem sua mais valia na imaterialidade que carrega, relacionada às pessoas que o elaboraram e utilizaram. Esse conhecimento, do conceito mais a função, é que faz com que se transmita através das gerações ou que sejam difundidas em outras culturas, enquanto os objetos em si rapidamente se desgastam ou são consumidos. Percebe-se então a leitura de cultura material não como o objeto sendo parte da cultura ou a cultura estando no objeto, mas sendo a sua representação física, instrumental, remetendo sempre ao conhecimento e uso [imaterial] inerentes àquela cultura. 11 Adornos “O mais difícil não é fazer o mais complicado. Design é mais inteligência com menos matéria” Eduardo Barroso Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Adornos] Os adornos de uso pessoal são definidos por SANTOS [e empregado aqui], como todos os objetos utilizados pelo homem sobre o corpo, envolvendo partes do corpo, interferindo no mesmo, tendo significado dentro da sociedade, seja denotando status social, religioso, econômico, cultural, dentre outros. Excluem-se, entretanto, acessórios como roupas, sapatos, chapéus, luvas, bolsas, broches, grampos de cabelo, leques, etc. Embora os piercings possam ser categorizados como adornos, não serão vistos em detalhes pela linguagem própria que possuem e por se destinarem a um público específico; público este que não se compatibiliza plenamente com o abordado neste trabalho. AMARAL complementa, dizendo que os objetos manipulam-se sempre como sinais que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo, quer desmarcando-o do respectivo grupo. História O registro histórico da evolução do uso de adornos está ligado ao fascínio por metais e gemas, que se deu quando o homem tomou conhecimento das suas possibilidades de uso. Entretanto, outros adornos feitos com materiais orgânicos antes da idade dos metais é conhecido, tomando por exemplo, colares feitos com escamas de peixes, dentes e ossos de animais. SANTOS indica que o adorno surge e perpetua-se como veículo de comunicação e expressão da cultura. PEDROSA coloca que o mencionado fascínio é o resultado da “atração por materiais raros e belos, o desejo pelo embelezamento do corpo, o status e a superstição representada pelo poder atribuído a determinadas gemas”. Com os incrementos nas técnicas de fundição e descoberta de novos metais e ligas, desde 5000 anos antes de Cristo, existiram sucessivas especializações dos artesãos que trabalhavam com metais entre ferreiros, ourives e outras categorias, relacionadas à matéria-prima de trabalho e aplicação do produto final. Assim, metais como ferro e bronze tiveram menor prestígio pela abundância e foram destinados a utilizações coerentes com suas 12 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá propriedades físicas [armas, armaduras, equipamentos para cavalos, panelas, etc.]. Ao passo que os metais raros se destinavam ao trabalho mais valorizado [dos ourives, por exemplo] e eram empregado em objetos decorativos e para a cunhagem de moedas. Na Antiguidade, destacaram-se os Egípcios, Etruscos e Gregos nos elaborados colares e ornamentos de ouro, símbolo de nobreza e destaque [material ou espiritual, no caso de sacerdotes e clérigos]. A Idade Média se caracterizou pela supremacia da Igreja Cristã, com jóias policrômicas que expressavam os ideais do cristianismo e do amor idealizado, tema central de praticamente toda a joalheria da época. No Renascimento, artistas eram contratados por mecenas para desenhar peças que fossem produzidas pelos ourives com técnicas de esmaltação, gravação e cravação. Como tendência da época, havia o apreço pela Antiguidade Clássica Greco-Romana. No período Barroco, o valor da peça superava o desenho. PEDROSA caracteriza este período dizendo que as jóias eram mais “um símbolo de status social devido à grande quantidade de gemas na mesma peça em detrimento do design, que perdia sua expressão artística”. No período Rococó, as jóias eram assimétricas e mais leves que as Barrocas. É nesta vertente artística que surgem jóias para o dia [leves] e para a noite [que se sobressaiam sob as luzes dos candelabros]. A seguir, no período Neoclássico, as formas das jóias regressavam às linhas de inspiração grega e romana. Também se adequavam à simplificação do vestir e dos anos de mudanças políticas em toda a Europa e América do Norte que se seguiram à Revolução Francesa. No complexo século XIX, a joalheria foi marcada pelas grandiosas peças criadas para a corte do Imperador Napoleão I e que serviram de padrão para toda a Europa até à Batalha de Waterloo, em 1815. Estas peças eram conjuntos de jóias compostos de 13 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá tiaras, brincos, gargantilhas ou colares, e braceletes fantasticamente adornados com gemas como o diamante, a esmeralda, a safira, o rubi e a pérola. Em contrapartida, surge o Romantismo, com uma volta à Antiguidade e aos tempos medievais. O crescente gosto pelo luxo, encorajado pela prosperidade e lucros advindos da Revolução Industrial, gerou uma sociedade elitizada, para a qual foram criadas jóias guarnecidas quase que somente com diamantes, principalmente depois da descoberta das minas da África do Sul na década de 60[séc. XIX]. Tal descoberta “transformou o caráter da joalheria, que por várias décadas se concentrou no brilho em detrimento da cor, do desenho e da expressão de idéias”, como bem coloca PEDROSA. O século XX foi iniciado com um retorno às inspirações da Belle Èpoque do século XVIII, onde a as linhas leves das flores e um novo material [platina] reagiam à demasia dos diamantes. Ainda no começo do século, a corrente Art Nouveau introduziu materiais orgânicos na ornamentação pessoal, usando desenhos com inspiração na natureza e executados em materiais como marfim e chifres de animais, escolhidos mais pela sua qualidade estética do que por seu valor intrínseco. Com o início da I Guerra, o movimento enfraqueceu e findou. Com o fim da Guerra, em 1918, é a vez do estilo Art Decó, associado ao Cubismo, ao Abstracionismo e ao surgimento da escola Bauhaus, na Alemanha. Depois da 2ª Guerra Mundial e após se reerguer da crise dos anos 30, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa as jóias serviam não apenas para uso, mas também como investimento financeiro. A ênfase passou a ser na qualidade das gemas, e o desenho das peças relacionava-se com a moda. A partir da segunda metade do século XX, novas idéias, conceitos e materiais passaram a ser usados. Fugindo do tradicional e repetitivo, com a introdução de metais [como titânio e nióbio] e de diferentes tipos de plásticos e papéis, os designers buscaram novos caminhos de expressão. Atualmente, os adornos e a joalheria estão ligados a um mercado consumidor sempre crescente e ansioso por inovações tanto nas 14 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá técnicas de fabricação, quanto na expressão dos estilos e conceitos escolhidos. Valor Como visto no breve retrospecto, a mudança de valores dos adornos entre a forma e o valor material acontece ciclicamente e atualmente o valor passa a ser mais pela estética, qualidade, e inovação do que pela peça de alto preço destinada a durar. Esta mudança representa uma evolução de consciência no uso de materiais, sem com isso deixar de lado o sentido do objeto. Um paralelo pode ser traçado com a cunhagem de moedas [elemento referencial para trocas]. Inicialmente cunhadas em material nobre como ouro ou prata, posteriormente passaram a ser moldadas e estampadas com o valor do material empregado. Atualmente, o valor do material é praticamente o mesmo [por exemplo], na produção da cédula de um real e na que economicamente, pode valer 100 vezes mais. O valor passa a ser convencionado ao invés do material empregado. Claro que as jóias de ouro, prata, platina e gemas não deixarão de ser investimentos pelo valor que carregam, mas deixarão de ser a única forma de adorno capaz de denotar riqueza, sofisticação e elegância. A arquiteta e designer Mariana Brasil [in: Lista de Discussão Internet] critica de forma enfática este ainda apego ao valor material, quando coloca: “Será que só podemos considerar jóia quando o seu metal for nobre e a sua pedra preciosa? A jóia traz em si uma questão de poder econômico, ela representa um status, porém, então, por que não apenas pendurar barrinhas de ouro no pescoço e nas orelhas?” E complementa: “será que ‘jóia’ diz respeito à durabilidade da peça? Será que jóia tem que ser eterna, enquanto bijuteria é efêmero, é de moda?” Regina Machado [apud JACOMINO] também confirma a idéia, afirmando que “hoje, as pessoas não compram anéis, colares ou 15 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá brincos cujo valor esteja apenas no material usado, mas no design, no estilo e na idéia que aquela peça contém”. Quilate A palavra ‘quilate’ tem origem no árabe quirat e quantifica a pureza de ouro ou de pedras preciosas. Para o ouro, o peso é dividido em 24 partes; destas, as que forem de ouro determinará o quilate. Assim, ouro 24 quilates [unidade K] é formado por ouro puro; o ouro 18K é composto de 75% de ouro e os 25% restantes de outro metais. Estes metais e suas proporções determinam a cor do ouro [amarelo, branco, verde, vermelho, rosa, etc.], portanto, pode-se ter ouro 18K de diversas cores. O ouro puro [24K] não é usado em joalheria; ele é usado em instrumentos científicos, na indústria eletrônica e, principalmente, como lastro monetário, na forma de barras e lingotes. Para outros metais [e também para o ouro] é usada outra mensuração: prata 1000 significa 100% prata pura, ao passo que a prata 750 é 75% de prata e 25% de outros metais. Para a gemologia, o mesmo nome quilate [mas simbolizado por ct] representa a quinta parte do grama, ou 200 miligramas. Para as gemas, o quilate mede a massa da pedra preciosa. Mas o preço da gema varia também conforme claridade, lapidação e raridade do material. Típico e exótico Adjetivos antagônicos que podem descrever as mesmas coisas. O típico está nas coisas cotidianas, nos afazeres e saberes do dia-adia ao qual, pela repetitividade, nem se dá mais importância. É o banal, o “que todo mundo sabe” [todos que são membros da cultura em questão] e, justamente por isso, é a “cara” do grupo ou da região. O exótico é o exógeno, o novo, o peculiar, se mede pelo quanto não se sabe acerca daquilo. O diferente do lugar comum ao qual estamos acostumados. Independente se a primeira impressão é boa ou não, o exótico desperta curiosidade em quem vê, que busca identificar naquele elemento estranho alguma referência do próprio universo. 16 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Ainda assim, o exótico é típico. Pelo menos em algum lugar. As cores vibrantes, típicas da fauna equatorial, são exóticas à sobriedade da Europa e América do Norte. Os nativos précolombianos não davam tanta importância ao ouro e prata justamente pela abundância, ao contrário dos exploradores espanhóis, que tinham grande avidez por estes materiais. Atualidades de mercado Segundo dados do IBGM [Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos], o país é bem cotado enquanto fornecedor de matériaprima, ocupando a primeira posição mundial em exportação de gemas brutas. No mercado de gemas lapidadas, contudo, está apenas no vigésimo terceiro lugar. No caso da prata e ouro, o quadro não é muito diferente. Ainda assim, entre os anos de 2003 e 2004 a exportação de gemas e metais não registrou variação, enquanto a de jóias teve um substancial aumento de 37%. Embora não existam dados oficiais comprobatórios, o Brasil destaca-se nas biojóias, ou jóias vegetais. Partindo conceitualmente de designers, estas jóias associam materiais não tradicionais [como tecido, sementes, madeira, etc] ao universo da joalheria convencional. Para BARROSO [2005], a tendência do mercado internacional [e porque não dizer, de alto padrão a título nacional] tende a valorizar aquilo que é único, de inspiração étnica, com forte referência cultural. Essa observação valida os conceitos de identidade e cultura mencionados antes: a busca em fazer parte de uma sociedade e, ao mesmo tempo, evidenciar-se dos demais com artefatos únicos e de forte carga cultural, desejando assim um prestígio pela distinção econômica, social e cultural. 17 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Tipologia de adornos Conceitos Mariana Brasil [in: Lista de Discussão Internet] ressalta que “não podemos esquecer que a jóia é um ornamento para o homem. Um artefato que pode demonstrar, além da riqueza e do poder, a criatividade ou uma identidade”. O adorno é uma peça que se vale do corpo humano, interfere no entendimento deste, mas também sofre interferência. Pelo visto na parte histórica, a supervalorização do objeto se dá quando há disponibilidade de recursos [descoberta de ouro nas Américas ou jazidas de diamante na África] ou quando se deseja enaltecer a posse de riquezas [caso de Napoleão ou dos Estados Unidos após a recuperação da quebra da bolsa em 1929]; num momento posterior, é invertida a condição de exaltação do objeto. Cris Koelle [in: Lista de Discussão Internet] observa que a “jóia é nobre. A joalheria sempre acompanhou a nobreza, foi inacessível à plebe por milênios. Para alguns povos, em várias fases de nossa história, a importância da Jóia era possuir algo incomum, um valor que significasse uma grande dificuldade de obtenção”. Este objeto incomum pode ser pela raridade [caso do marfim, platina ou esmeralda, por exemplo] ou pelo significado, como uma pena de ave rara, a orelha de um inimigo ou o dente de um animal feroz, que tem um alto grau de dificuldade de obtenção e são apreciadas pelas culturas que as compreende. Deste modo, o objeto interfere no entendimento do homem ao mesmo tempo em recebe interferência. O objeto complementa o homem e vice-versa. O predominante é o conjunto homem|objeto, que reside na história da relação e na diferenciação social que o adorno demonstra juntamente com seu usuário [através da capacidade de escolha do possuidor]. 18 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Os adornos são diferenciados em: Jóia | objeto de adorno pessoal, confeccionado com materiais convencionados como nobres, valiosos e caros; vinculados à circulação comercial de metais e pedras preciosas. No caso dos metais, qualquer um que seja diferente do ouro, da prata e da platina não figura no campo das jóias tradicionais. Bijuteria | do francês bijou [“jóia”] ou bijoux no plural, aportuguesado de bijouterie [joalheria]; adquiriu uma conotação de falsa jóia. Confeccionada com plástico, resina, vidro, ou metais folheados; peça de menor valor, imitação para uso cotidiano, de uso massificado. Podem ser produzidas em escala manual, semiindustrial ou industrial. Artesanato | faz uso de sementes, cerâmica, fibras naturais, couro, madeira, frutos, etc. Usam quase que exclusivamente materiais renováveis, extraídos diretamente da natureza. Comumente se valem de fios industriais como base para a montagem dos elementos citados. Biojóia | elaborada com matéria orgânica, contudo, usando outros materiais como metais e gemas, além dos encaixados no artesanato. Outra diferença é que normalmente são projetadas por designers e podem fazer uso de elementos naturais nãoconvencionais, como o marfim vegetal. Entretanto, a maior diferenciação é a mistura de elementos com um claro favorecimento do orgânico: o mineral é complemento. Tipologia de adornos Morfologia O adorno pessoal é, na concepção de SANTOS, um objeto que tem o corpo humano como suporte. Logo, pensar nesses adornos está associado a pensá-lo no corpo humano, ou em alguma parte dele. A classificação proposta a seguir baseia-se na observação de jóias no cotidiano e na apresentação de algumas joalherias. Esta 19 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá classificação é pessoal e não referenciada em nenhum outro trabalho prévio. Pescoço, colo e dorso Gargantilha: de comprimento reduzido, fica justa à circunferência do pescoço. Geralmente de material rígido na parte que fica em contato com o pescoço, pode ter elementos associados ao longo do suporte e/ou elementos verticais. Neste caso, geralmente são centralizados. Quando do uso de material rígido, não Imagem 1 Exemplos de gargantilha e pendente necessariamente precisam de elemento fechador, pois a colocação ou retirada é pelo alargamento da circunferência do suporte. Colar: flexível, acompanha as curvas do pescoço e peito. Pode dar mais de uma volta ao redor do pescoço ou ser composto, quando tem mais de um fio independente. Normalmente composto por fios de elementos repetidos, com ou sem espaçamento entre eles, podem também ter elementos de maior comprimento vertical, formando uma superfície no pescoço e colo. Tais elementos verticais podem cair sobre o peito e tronco ou pelas costas. Subdividem-se em: Imagem 2 Exemplos de colares de diferentes comprimentos Colar de pescoço ou coleira; geralmente de uma única volta, tem comprimento reduzido, ficando justo na circunferência do pescoço. Colar de colo; de uma ou mais voltas, pode ter elementos verticais associados. De maior comprimento que o de pescoço, fica numa linha de altura aproximadamente 10 centímetros abaixo do pescoço. Colar de tronco; de maior comprimento, podendo ir da altura do diafragma até a cintura. Geralmente fica sobre a vestimenta, não entrando em contato com a pele durante o uso. Pendente, pingente, berloque: um único elemento de destaque atado a um cordão ou corrente. Deste elemento de tamanhos Imagem 3 Exemplos de anéis: simples e cobrindo mais de uma falange variados podem derivar outras ramificações. Contudo, este elemento se situa centralizado e evidenciado. 20 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Dedo Anel: envolve a falange proximal de qualquer dedo, podendo ter praticamente qualquer comprimento. Os mais simples geralmente têm seção em formato circular ou de um polígono regular. Pode ter uma face plana onde podem ser colocados outros elementos ou, se sobrepor a outras falanges. No caso de cobrir mais de uma falange do mesmo dedo, normalmente usam articulação. Imagem 4 Exemplo de pulseira Pulso, braço e tornozelo Pulseira: flexível, contorna o pulso em uma ou mais voltas. Pode ser inteiriça, de elemento elástico ou com fechador. Pode ter elementos associados repetidos, intercalados ou espaçados, ou ainda um só elemento central. Pode ser usadas no braço ou no pulso. Bracelete: mais elaborado que a pulseira, ocupa uma área maior no pulso ou braço. Mais rígido que a pulseira, por vezes fazendo uso de fechadores. Pode parecer uma associação de pulseiras similares, mas tem uma base que define o espaçamento entre elas, coisa que as pulseiras apenas não conseguem definir. Tornozeleiras: variante de pulseira usada no tornozelo. Imagem 5 Exemplo de brinco pontual Orelhas Brinco: colocado na orelha, quase sempre no lóbulo, pode também ser colocado em qualquer ponto da parte mais externa da orelha. Nem sempre é necessário o furo para colocação do brinco [embora seja o mais comum], pois este pode ser afixado por pressão ou usando um tipo de cola. É uma das formas de adorno que precisa de intervenção física no corpo [furos na orelha] que ainda permanecem até hoje culturalmente massificada. Subdividem-se em: Brinco pontual; fica inteiramente na orelha, de tamanho reduzido, não sendo maior que o lóbulo. Imagem 6 Exemplo de brinco vertical Brinco vertical; tem mais elementos que o pontual, passando dos limites do lóbulo. Podem ser argolas, simples elementos caídos ou complexos arranjos. 21 Povos Indígenas (do Nordeste) “Hoje podemos contar a resistência porque existe; mas os que foram extintos não se avalia...” Marilena Araújo | Professora Xukurú Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Povos Indígenas (do Nordeste)] Visão Geral O processo colonizador instalado no Brasil a partir de 1500 teve a marca do etnocentrismo europeu. A partir do contato entre colonizadores e povos colonizados, suas sociedades e culturas foram consideradas como uma ameaça à homogeneização cultural desejada pelo colonizador português. Esses povos eram considerados como sociedades em processo de transição, seus modos de vida estavam fadados ao desaparecimento e sua integração à sociedade nacional era a meta principal da ação governamental. Desde então as relações entre povos indígenas, Estado e sociedade brasileira são marcadas por conflitos políticos, associados a interesses econômicos, culturais e sociais, visto que os povos indígenas não se acomodaram lutando e continuam resistindo à dominação até os dias atuais. Durante o processo da Assembléia Nacional Constituinte, na década de 1980, os povos indígenas participaram ativa e efetivamente do processo, através da mobilização e organização política, reivindicando o reconhecimento de serem povos diferenciados no território brasileiro com direitos específicos. Assim a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 231, faz saber: “reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Imagem 7 Placa na entrada da reserva indígena Isso significa que compete ao Estado brasileiro desenvolver políticas para garantir, valorizar, respeitar e proteger o patrimônio material e imaterial desses povos. 22 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá O que os Brasileiros pensam sobre os índios Numa pesquisa realizada em fevereiro de 2000, que o Ibope conduziu a pedido do Instituto Socioambiental, a pesquisa intitulada “O que os brasileiros pensam dos índios?”, chegou às conclusões apresentadas a seguir, tendo ouvido duas mil pessoas. Pela apuração das entrevistas, constatou-se que 81% acham que eles [os índios] não são preguiçosos e apenas encaram o trabalho de forma diferente da nossa; 89% afirmam que eles não são ignorantes e apenas possuem uma cultura diferente da nossa. Em sua maioria, os pesquisados aceitam a existência física e cultural dos índios, competindo ao governo fazer valer seus direitos. Dos entrevistados, 82% acham que o governo federal deveria atuar para evitar a extinção dos povos indígenas e para promover a sua defesa. 75% acham que os índios precisam ser protegidos e ensinados e 93% afirmaram que eles devem receber uma educação que respeite os seus valores Numa perspectiva de futuro, 92% dos entrevistados consideram que os índios deveriam continuar vivendo como tais e que, para isso, o governo deveria priorizar a implantação de programas de saúde e de educação adequados [48%], realizar a demarcação das suas terras [37%] e estimular a produção de bens voltados para o mercado [31%]. Perguntados especificamente sobre o caso dos índios que falam português e se vestem como os não-índios, 70% dos brasileiros consideram que os seus direitos territoriais devem ser mantidos. Outros 67% discordam que os índios deveriam ser preparados para abandonar a selva e viver como nós. Percebe-se que esses indicadores refletem a visão do índio genérico citada a seguir, e que não podem ser tomados como verdade absoluta para a parcela nordestina. Ainda assim, denota uma preocupação com a questão indígena, sua cultura e um certo otimismo quanto à sua preservação. 23 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá História e valores de Pernambuco A imagem do índio no repertório coletivo foi construída com algumas poucas referências a grupos específicos e disseminadas massivamente pela mídia. Sobre isto, BARBOSA faz uma interessante colocação, dizendo que “a imagem indígena é retratada a partir de elementos significativos, retirados do ‘repertório’ que o público adquiriu [...] de um índio internacionalmente genérico; podendo ele ser um Kayapó, um Moicano ou um Sioux, indiferentemente”. A existência de índios na região Nordeste é algo não muito bem assimilado pela sociedade em geral. E tal negativa tem precedentes em órgãos oficiais: BARBOSA menciona que no ano de 1872, o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas ordenou a extinção de todas as aldeias indígenas da então província de Pernambuco. Isso significava um órgão oficial negando a existência anteriormente citada. Esta condição permitiu uma apropriação “legal” das terras por parte das famílias tradicionais de fazendeiros. Deste modo, a identidade de ser índio foi ocultada, como parte de uma estratégia adotada por vários povos da região para proteger a si mesmos das represálias, ameaças e violência exercidas contra eles. O fato mais conhecido Imagem 8 Cacique Xicão em depoimento dessa agressão foi o assassinato do cacique Xicão Xukurú em 20 de maio de 1998. Assim, esta afirmação de ser indígena reside não na herança genética dos ancestrais, ou seja, um índio conforme os moldes descritos adiante, ou seja, “puro”; e sim na cultural, que permaneceu viva, embora encoberta pelos motivos citados anteriormente. Os poucos autores que estudaram esses grupos concordam e ressaltam a resistência obstinada destes, ainda que fosse esta uma atitude passível de retaliações. Outro ponto a ser percebido é que no Nordeste, a população indígena se misturou também à de negros fugidos ou livres, formadores de numerosos quilombos. Fato é que ambas não eram benquistas pelos fazendeiros das regiões, e ambas necessitavam 24 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá de terra para garantir a sobrevivência no sertão bravio. Assume-se então que para não perecer em um ambiente hostil [natural e social], as duas etnias se misturaram, coexistindo pacificamente e interagindo no sertão. Isso causou a tão aclamada mistura dos três povos: os brancos da população sertaneja, os indígenas e os negros. Tal mistura fez com que os fenótipos de cada um não fosse mais igual ao dos antepassados, tirando a “cara de índio” Imagem 9 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. que hoje lhes é cobrada pela população desinformada acerca da longa trajetória de resistência para não deixar os ritos e cultura desaparecer por completo. A situação se sustentou por cerca de 100 anos [este tempo é diferente para as diversas etnias], quando apenas nas décadas de 70 [internacional] e 80 [nacional] do século 20 foram realizados estudos que reconheceram esses povos indígenas. Processo esse de revivescência ou ressurgimento destes grupos indígenas. Razão pela qual o significado das etnias sugere algo em construção: a exemplo dos próprios Kambiwá, literalmente significando “Retorno à Serra Negra”. Imagem 10 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. Este ponto do sentimento do pertencer a um local, por parte do grupo, é objeto de apreciação diferenciada. A demarcação do território se dá na instância dos limites políticos dos municípios, mas a ligação histórica e cultural não contempla esses limites. Na realidade, percebe-se que o território sagrado para as diversas etnias são serras ou outro tipo de acidente geográfico. A população indígena em Pernambuco é formada por oito povos [de forma oficial, com área demarcada e posto indígena da Funai instalado], situados entre o agreste e sertão do Estado, com uma população de aproximadamente 27.500 índios [dados de 2000 divulgados pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA]. As etnias assinaladas [*] são assistidas pela Funasa, mas o território não foi Imagem 11 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. demarcado oficialmente. São eles: 25 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Etnia Território Território político sagrado Tradução Atikum Carnaubeira da Penha Serra de Umã Pele forte Fulni-ô Águas Belas Rio Fulni-ô Povo que vive na beira do rio Kambiwá Ibimirim Serra Negra Retorno à Serra Negra Kapinawá Buíque Mina Grande Não disponível Pankararú Tacaratú Cachoeiras de Itaparica Não disponível Pankará* Carnaubeira da Penha Pipipã* Floresta Serra Negra Filho da Serra Negra Truká Cabrobó Ilha de Assunção Não disponível Tuxá Inajá Margens do São Francisco Não disponível Xukurú Pesqueira Serra de Ororubá Não disponível Não disponível Inserem-se aqui algumas colocações sobre os idiomas nativos dos indígenas, para uma melhor compreensão da tabela acima. Nestes idiomas não há diferença entre os vocábulos para índio, homem, ser humano, povo ou o próprio nome da etnia; desta forma, fica redundante colocar “índios xukurú”. Outro ponto de destaque é Imagem 12 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. que nem todos os nomes de etnia tem seu significado conhecido. Por este motivo também é convencionado não pluralizar os nomes de etnias [“kambiwás”]. Isso porque nem sempre se trata de uma autodenominação, pois podem ser nomes atribuídos por povos inimigos, pessoas do antigo SPI [Serviço de Proteção ao Índio] ou da Funai, que não compreendiam plenamente a língua e lhe deram nomes, que acabam figurando nos registros oficiais, mas com os quais os próprios indígenas não se sentem identificados. Fruto do processo de mistura, o biótipo dos homens e mulheres que formam essa população se assemelha aos dos moradores da região. Se quisermos fazer algum tipo de distinção, tendo como Imagem 13 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. referência o fenótipo entre os trabalhadores rurais sertanejos e os indígenas, teremos pouco ou nenhum sucesso. Seus modos de 26 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá vida, sua forma de vestir, morar, alimentar, etc. em muito se aproxima ao da população circundante. Suas vivências religiosas são reinterpretações de cultos religiosos de diversas origens: indígenas, africanos e cristãos. Os povos indígenas em Pernambuco são monolíngües do português, com exceção dos Fulni-ô, que são bilíngües, tendo como língua materna o Yaathê. Os outros grupos lembram e utilizam vocábulos de suas “línguas originárias” nos cantos dos rituais; mas esse conhecimento não satisfaz as condições necessárias para ser considerado um idioma. A língua dos povos indígenas em Pernambuco é o português, mas isso não lhes retira a identidade indígena, pois o fato de não falarem uma língua própria não faz questionar a identidade étnica de um povo, tendo em vista que a identidade indígena está referendada também em outros elementos como na história, nas formas de praticarem seus rituais, na utilização de seus territórios, na organização social e no seu patrimônio material e imaterial. Porém, o fato desses povos não apresentarem as características físicas e culturais associadas ao imaginário da sociedade, veiculada Imagem 14 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. massivamente pelos mais diversos meios [vivendo nus, caçando, pescando, falando uma língua estranha, com cabelos lisos, etc.], provoca vários tipos de preconceitos do lado da população circundante, entre elas a compreensão de que são índios "aculturados" e, portanto, não são mais índios autênticos. Dessa forma o senso comum soma preconceitos com relação aos índios, não considerando que esses povos têm 500 anos de contato com os não-índios e nesse processo houve misturas culturais e biológicas. Mas se isso provocou o desaparecimento de alguns povos indígenas no Nordeste, também possibilitou que outros resistissem e ressurgissem, reafirmando sua identidade, assumindo a mistura, conforme pode ser observado na fala dos Imagem 15 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. professores Xukurú: "somos índios mesmo que tenhamos cabelos crespos, pele e olhos claros, pois as nossas verdadeiras raízes correm nas nossas veias, está na nossa mãe terra e na nossa história." [in: ALMEIDA]. 27 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Como pode ser observado, há um conflito eminente no que se refere à identidade étnica dos povos indígenas, ligado às questões de ordem jurídico-política e econômica, decorrência do processo colonizador na região Nordeste. Essa miscigenação com os negros e brancos, que lhes retirou os traços do “índio puro” também confere aos indígenas um preconceito e estigma por parte da população circunvizinha, que mal os reconhece como sertanejos, tampouco como índios. Assim, como a maior parte dos povos indígenas no Nordeste, "[...] os Kambiwá foram atingidos pelas frentes de expansão econômica, fazendo com que adotassem como estratégia de sobrevivência física e cultural a omissão de sua identidade étnica, expostos à repressão dos seus rituais pelos fazendeiros e também pelo Estado; se juntando a negros fugidios e brancos descontentes e Imagem 16 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. buscando áreas de refúgio [BARBOSA]." A identidade étnica para os povos situados nessa região - assim como toda identidade, seja ela étnica ou não - é construída sobre dois processos: um de reorganização social e outro de territorialização. O território é o espaço de produção e reprodução cultural, fonte de inspiração para agir e interagir com a natureza e a sociedade. É espaço de resistência cultural, de luta política e econômica, de onde se retira a sobrevivência física e se garante a sobrevivência cultural. No espaço geográfico e cultural vivem conflitos e contradições; nele as pessoas depositam suas esperanças e realizam suas lutas, ou seja, reconstroem seu patrimônio cultural e sua cosmovisão. Vivem em contato permanente com a sociedade local, estabelecendo vários tipos de relações: comerciais, afetivas, políticas, religiosas, que são ao mesmo tempo, harmoniosas e de conflitos. Convivem com o preconceito da população do município, seja reconhecendo ou negando-lhes a identidade indígena. É, pois, nesse contexto Imagem 17 Detalhe de um painel sobre as etnias feito pelos alunos da escola Aimberê. intersocietário, que os povos indígenas nessa região reelaboram a sua identidade étnica, recriando seus saberes e práticas sociais. Esse processo de reorganização é um desafio, pois a autoidentificação é um processo subjetivo que envolve organização, informação e auto-estima. 28 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá No que se refere à atividade econômica, a agricultura é a fonte principal de sobrevivência desses povos, dependendo das condições climáticas, de políticas agrícolas e da terra para sua sobrevivência física e cultural. Suas terras estão invadidas por posseiros e fazendeiros e por isso estão em permanente conflito pela retomada de seus territórios. Alguns povos produzem artesanato usando recursos naturais da região como complemento de renda. Atualmente verifica-se também um aumento expressivo da população indígena no Brasil. O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE do ano 2000, mostra que em 1991 os indígenas representavam 0.2% da população brasileira, passando para 0.4%, ou seja, de uma população entre 280 a 330 mil indivíduos em 1991, o Censo contabilizou 701.462 índios que significa um aumento de 138.5%. Essa situação denota que o projeto homogenizador europeu não teve pleno sucesso, tendo em vista que esses povos continuam aparecendo no cenário nacional como grupos étnicos diferenciados. Modus Vivendi Kambiwá O território Kambiwá foi demarcado pela primeira vez entre 1953 e 1954, pelo Ministro da Agricultura. Essa demarcação não contemplava todo o território e ainda assim, foi logo invadido por posseiros e fazendeiros, que cercaram a área com ‘farpados e fardados’, expulsaram os indígenas e apoderaram-se das Imagem 18 Edmílson andando de bicicleta plantações, casas-de-farinha, depósitos e materiais, além da escassa faixa de terra fértil. Tal atitude levou as lideranças indígenas a procurar a Funai que, após o envio de um grupo técnico ao local, lhes deu parecer favorável. Esse fato iniciou um processo que levou à criação de um Posto Indígena Kambiwá, localizado no principal aldeamento, Baixa da Alexandra. Inaugurado em 17 de novembro de 1971 pelo General Bandeira de Mello, então presidente da Funai. Em 1978 foi feita uma revisão da Imagem 19 Entrada da baixa da Alexandra demarcação territorial, que ainda não englobava todo o território e excluía uma importante área agricultável. 29 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá O Povo Kambiwá localiza-se entre os municípios de Ibimirim, Floresta e Inajá, no sertão pernambucano, em uma área de 27.100 ha.; destes, nem todos estão disponíveis para os índios, visto que ainda existem posseiros na área. A população é de aproximadamente 1500 índios, conforme levantamento da Fundação Nacional de Saúde [1999], organizados em oito aldeamentos principais: Pereiros, Nazário, Serra do Periquito, Tear, Garapão, Americano, Faveleira e Baixa da Índia Alexandra, a aldeia principal, onde se encontra o Posto Indígena Kambiwá. Dentre os rituais religiosos os Kambiwá têm o Toré, que é uma dança praticada pela maioria dos índios do Nordeste e que tem significado cultural e é uma das afirmações de identidade, além de caráter político e religioso. Na aldeia Kambiwá quinzenalmente dança-se o toré nos terreiros das aldeias; nesse ritual costuma-se ingerir uma bebida extraída da raiz da jurema [chamada enjucá]. O Praiá é um dos mais importantes rituais [vivenciado pelos índios Kambiwá e Pankararú em Pernambuco] e dele participam somente homens, com uma roupa feita de caroá cobrindo todo corpo e rosto, de forma que não se pode identificar quem as veste. Há toda uma preparação para esse acontecimento, pois nele aparecem os encantados em cada um dos praiá, dando o sentido religioso que não é revelado na sua totalidade: trata-se de um segredo do povo. Existem tempo e motivações específicas para esse ritual. São comuns os "trabalhos de mesa" que são evocações feitas durante o transe mediúnico, pelo Pajé e seus parentes. Um praiá pode ser encomendado pelos moradores da aldeia, geralmente associado à algum pedido ou agradecimento. As famílias têm sua importância representada também pelo número de praiás que conserva. Dos 14 existentes em kambiwá em 2004, 4 estavam sob a guarda da família de seu Ivan, ex-cacique e pai do atual. Por guarda, entende-se a manutenção física e imaterial da roupagem, como defuma-la algumas vezes ao ano e trocar as penas, entre diversas outras obrigações. Pela cultura antiga, os Kambiwá não cultuam a um deus, mas aos Imagem 20 Igreja em dia de novena antepassados, que se manifestam durante o praiá. Além destes ritos religiosos específicos, também existe a tradição do 30 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá catolicismo, tendo a igreja na aldeia na Baixa da Alexandra o nome do padroeiro: São Francisco, que é homenageado com festas no mês de outubro. Durante o mês de maio são dedicadas novenas à Virgem Maria. Descrita pelos índios como lugar sagrado, a Serra Negra é “local de abundância onde a natureza provê tudo que for necessário para preservação e reprodução, tanto biológica como cultural da tribo” [BARBOSA]. Alguns marcos da ocupação kambiwá na Serra são: o Pau Ferro e o oco do Pau d'alho [tronco oco em que cabem oito índios] na parte mais elevada da Serra Negra, além de um cemitério dos “antigos”. Os Kambiwá se organizam através do cacique3 e do pajé4, Existem também os conselheiros, que são representantes das famílias tradicionais e também uma liderança de cada aldeia. Diferentemente do anteriormente citado “índio genérico”, os povos do Nordeste não habitam ocas de palha ou tecido. A maioria das casas é de alvenaria ou taipa, sendo algumas delas cobertas com a palha do ouricuri. Esporadicamente encontra-se uma ou outra maloca, feita de galhos e coberta de palha, mas não é a unidade Imagem 21 Casa da área de retomada padrão de moradia. Ressalva-se aqui a construção de abrigos temporários usados durante rituais sagrados na Serra Negra, que são construídos com o material disponível no entorno. Nos casos de fincar ocupação em terras de retomada, também são feitas casas com materiais menos duráveis por ter uma construção rápida. Devido à precariedade do solo [segundo levantamento do Condepe em 1981, menos de 25% da área se presta ao plantio], a produção agrícola é bastante limitada, destinada em sua maior parte ao consumo interno; o pouco restante é comercializado nas feiras de Ibimirim e Inajá. Cultivam o milho, feijão, mandioca e palma; e fazem a extração do mel de abelhas. Entre outras atividades econômicas desenvolvidas, estão alguns criatórios caseiros de ovinos, caprinos, bovinos e suínos. [3] liderança responsável pela luta política, terra, articulações internas e externas, organização do povo, etc. [4] líder religioso com sabedoria para dirigir os rituais, curar, desenvolver as tradições, etc. 31 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A atividade de caça [de veado, preá, peba, tatu] é realizada como complemento alimentar, é dificultada pelo desmatamento [uma prática comum na região semi-árida praticada pelos fazendeiros e posseiros para limpar a vegetação nativa é prender uma corrente a dois tratores e promover uma limpeza geral da área, prejudicando diversas espécies animais e vegetais do local]. Além da produção de artesanato em madeira, palha de ouricuri e fibra de caroá, apresentada em maiores detalhes em uma próxima parte deste capítulo. Educação Hoje, em Kambiwá, existem quatro escolas: Escola Indígena Aimberê - localizada na Baixa da Alexandra; Escola Indígena São Francisco de Assis, em Pereiros; Escola Indígena Pedro Ferreira de Queiróz, na Aldeia Nazário; e Escola Indígena Joseno Vieira, na Serra do Periquito. Estas escolas ainda não foram reconhecidas pelo Estado como escolas indígenas, mas o povo Kambiwá segue na luta para ter uma educação específica, diferenciada e intercultural de qualidade que respeite seus processos de ensino-aprendizagem. Numa parceria com o Centro de Cultura Luiz Freire, os Kambiwá já conseguiram que o quadro de professores seja composto inteiramente por indígenas indicados pela própria comunidade; que o calendário escolar respeite as atividades sócio-culturais e econômicas; e que o material didático seja elaborado pelos professores. Estas vitórias foram obtidas através da criação da Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco - Copipe, em 1999 com a implantação do ‘Projeto Escola de Índios’ do Centro de Cultura Luiz Freire. O Plano de Educação Kambiwá foi elaborado com a participação Imagem 22 Transporte de alunos para Inajá dos professores, lideranças, pais de alunos e comunidade kambiwá, gerando um projeto político pedagógico chamado “Projeto de Vida da Escola”. Para sua criação foi pesquisada a história, a forma de aprender do povo e o que os alunos kambiwá 32 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá precisam saber sobre seus antepassados, para que a história de Kambiwá não seja esquecida. Atualmente as escolas kambiwá seguem este projeto políticopedagógico. Professores e crianças buscam aprofundar-se sobre a história de seu povo, dançam o toré, cantam toantes, levam no fardamento a frase “ensino diferenciado” que tem o aió como símbolo de destaque. Pouco a pouco, estas escolas conseguem seu objetivo de formar cidadãos críticos e conscientes de seus direitos e deveres, índios capazes de valorizar e falar sobre a sua identidade. Contudo, as escolas citadas só atendem parte do ensino fundamental. Os alunos que se interessam em avançar na educação escolar precisam ir para Inajá, em transporte fornecido pela prefeitura. As condições da estrada não permitem grande conforto neste deslocamento diário, além do risco de assalto ao veículo, coisa já concretizada algumas vezes. Produção Artesanal Para os Kambiwá, assim como outros povos no Nordeste, o artesanato constitui uma estratégia privilegiada de afirmação étnica: cocares, cataioba, arcos, gaita, colares são acessórios importantes para imagem dos Kambiwá, embora BARBOSA coloca que essa “não seja uma condição absolutamente necessária para sua constituição”. Nos anos 70 e 80, época em que a Funai ainda tinha a tutela dos índios, houve um programa de artesanato – Artíndia. Este efetivava não apenas "a generalização de uma imagem índia, mas a padronização de culturas mais gerais, características de um modo de ser..." [BARBOSA]. Esse tipo de assistência não levava em conta as diversidades culturais dos grupos assistidos pela Imagem 23 Estande da comunidade na Fenneart 2002, em Olinda Funai. Assim foi feito com os Kambiwá. 33 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá BARBOSA classifica dois tipos de expressão estética dos Kambiwá: tradição [moldes da cultura tribal] e modernidade [regido por motivações mercantis]. Esses tipos convivem bem dentro da comunidade de artesãos. Os artesãos Kambiwá comercializam seus produtos na aldeia, quando da passagem de algum visitante; nas feiras de Ibimirim e Inajá; e em encontros de índios em outras aldeias e Recife e Brasília. Entretanto, esta comercialização acontece sem uma sistemática bem-resolvida. A articulação do grupo de artesãos os colocou em contato com outras entidades que visam, entre outras ações, promover e divulgar a comunidade, sua história e facilitar a comercialização da produção material. A comunidade tem parceria com a Universidade Federal de Pernambuco | Projeto Imaginário Pernambucano, o Centro de Cultura Luiz Freire, o Conselho Indigenista Missionário e o Sebrae, tendo participado em diferentes feiras de artesanato no Brasil e tendo a oportunidade de mostrar seu trabalho em diversas outras oportunidades, inclusive internacionais. Os artesãos do grupo aprenderam o ofício com os pais. Geralmente os trabalhos envolvem a família toda como relata a índia Dilvanete: "A mulher quando não faz, dá o acabamento ou o marido colhe o caroá, a palha e os filhos estão no aprendizado". Costumam desenvolver as atividades artesanais em vários espaços: em casa, na retomada [parte do território indígena que os índios retomam de posseiros], no galpão de artesanato, na mata, ao ar livre e "em todo canto". Os processos utilizados para confecção dos produtos variam de acordo com a matéria-prima utilizada: 34 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Caroá "Usa a faca para ribar, a foice para abrir vareda, o facão para tirar, os paus para bater o caroá para fazer o fio. Para fazer a corda do caroá usa o pneu, costura com agulha de pau ou de chifre de veado" [Valdira - artesã]. A fibra do caroá, usada para fazer cordão, é retirada da Neoglaziovia variegata, típica bromeliácea do sertão pernambucano. Esta fibra, após ser retirada da folha e “batida” em feixes para amaciar, pode ser tingida com corantes químicos ou Imagem 24 Enrolando fibra de caroá para formar o barbante de duas pernas naturais. Os kambiwá fazem uso apenas dos naturais, encontrados na região. A variedade cromática empregada é reduzida, indo do amarelo [pitó], ao marrom [casca de umburana ou de ameixa] passando pelo vermelho [tucum]. A partir da fibra, tingida ou não, as cordas são feitas enrolando uma pequena quantidade de fibra contra uma câmara de ar de pneu ou, raramente, na própria perna; com estas cordas são tecidos bizacos e aiós, numa técnica de enlace que usa agulha para facilitar a passagem do cordão, não para costurar, num procedimento similar ao crochê. A forma como a corda é elaborada [com um das pontas dobradas] permite uma fácil e resistente junção ao cordão seguinte. Tanto o bizaco quanto o aió tem função de bolsa e se diferenciam pelo formato: o aió tem forma esférica, enquanto o bizaco tende mais ao quadrado. Muitos moradores da aldeia usam o aió [que é tido com um dos símbolos da etnia] no cotidiano - para levar a faca, o fumo, o positivo, o apito, o quäqui, o maracá, etc.; além do resultado de uma possível caça bem-sucedida. O caroá está presente na afirmação da identidade étnica indígena, ao lado do ouricuri. Com suas fibras são feitas também peças da indumentária ritual, como o próprio traje dos praiá [exclusivo dos homens que participam do ritual, chamados de ‘moços’ ou ‘vovôs’] e a cataioba [usado por ambos os sexos], especialmente durante os Toré. 35 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A roupagem do praiá é composta de cinco peças principais: o “tunã”, máscara de feixes de fibra de caroá; a cataioba, que encobre cintura e pernas; o penacho que cobre o topo da máscara; outro conjunto de penas de peru, atrás da cabeça; e a cinta, tecido que fica nas costas e traz a imagem de uma cruz ou cruzeiro. Palha "Primeiro tira a palha com a foice, desfia, depois coloca para secar. Quando tá seca cortamos com a faca ou tesoura e confecciona com as mãos" [Dona Ana - artesã]. A palha é normalmente usada para produção de cestos e esteiras. Imagem 25 Tramagem da palha de ouricuri A trama é composta pelo talo da folha do ouricuri [Cocos coronata] envolta pela palha do mesmo; esta trama se prolonga em espiral e, a intervalos regulares, recebe um nó, para dar fixação à trama. Esta técnica, usada geralmente para cestos, permite diversos formatos: cúbicos, cilíndricos, elipsóides e semi-esféricos, dentre outras possibilidades, inclusive amorfas. O ouricuri também está presente no ritual. Confecciona alguns trajes de praiá Pankararú [que se assemelham em muitos aspectos aos Kambiwá] e também é peça chave do Ritual do Ouricuri. Este ritual ocorre anualmente na Serra Negra e é uma das ocasiões que os indígenas têm acesso ao território ancestral, isento dos fiscais da reserva ecológica do Ibama. É um período com duração de três meses, e no qual ocorrem a purificação do ser, abstinências e contato com os antigos; o terreiro onde são realizadas as atividades, fica rodeado de palhas de ouricuri. Madeira Geralmente utilizada para trabalhos de talha em umburana, feitas com o uso de facão, formões, serrote e arco de serra. O acabamento é dado com faca, lixa e às vezes cera. 36 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A umburana-de-cambão [Amburana cearensis] é usada em todos os trabalhos colocados abaixo dentro da produção artesanal. É largamente usada para talhas por ser uma madeira macia. Dentre as peças talhadas, destacam-se: Bordunas, apitos-borduna e arcos | representações das bordunas, cajados entalhados que servem à proteção, física e espiritual; coloca-se que são representações porque as verdadeiras bordunas [para uso enquanto armas] são talhadas em madeiras mais duras. O apito-borduna normalmente é menor que a borduna real e traz um apito numa das pontas. Os arcos, de modo similar ao das bordunas, são mais decorativos do que para uso enquanto armas. Imagem 26 Escultura de animal típico da região em umburana Correntes | entalhadas na madeira sem emendas ou encaixes. Usadas como amuletos, trazem ícones associados à sorte e proteção [figas, carrancas e pontas de borduna]. A produção destas peças está associada quase sempre à venda. Apitos | diferentes formatos de apito, de construção bastante simplificada, porém funcional. Um que se destaca é o chamado de zabelê, cujo sopro é dado pelo nariz e usa a boca como caixa acústica e elemento modulador do som. Com ele é possível representar os sons de diversas aves, muito usado em caçadas. Esculturas | muitas imagens são trabalhadas, podendo ser divididas em três grupo: o primeiro, de imagens recorrentes da Imagem 27 Escultura de índio com a cataioba e o maracá natureza [tatus, pebas e aves mãe-da-lua e gavião]; algumas imagens de santos, por influência dos santeiros de Ibimirim [que usam a mesma matéria-prima]; e imagens indígenas, representando o indígena trajado com as vestes do praiá ou paramentado com outros elementos da indumentária. 37 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Sementes e afins Furadeira pequena, torno e alicates são as ferramentas principais na produção de colares e pulseiras. Praticamente todos os índios usam algum adorno deste tipo. Normalmente são usados quatro elementos básicos e a técnica de beneficiamento varia conforme o tipo: Sementes [de palmeiras, de saboneteira e de mucunan] são limpas e furadas para passagem do cordão, podendo variar a posição do furo. Imagem 28 Artesão Edmílson trabalhando com sementes A canela-de-lambu é um tipo de galho de madeira que brota diretamente do chão, sem tronco central. A casca é raspada com uma faca revelando uma cor branco-amarelada. Também pode ser frita no óleo ou queimada na chama, ganhando uma tonalidade entre o marrom e o preto. Cortada com uma serra pequena, forma pequenos segmentos não superiores três centímetros, tal como um canutilho. O miolo é macio, tirado com a broca da furadeira para a passagem do cordão. Coco de licuri [ou ouricuri] é o fruto da palmeira ouricuri. Seu interior contém uma carnosidade branca comestível. Este diminuto coco de formato alongado não guarda água em seu interior. A casca pode ser cortada no sentido radial, formando anéis e pontas; ou de forma longitudinal, formando gomos. Os dentes, ossos e chifres normalmente são aproveitados das caças ou do abatimento de bois. As penas, por sua vez, podem ser de periquito ou outras pequenas aves da região. Contudo, estes materiais são usados por um número reduzido de artesãos. Com estes elementos e outras sementes [oriundas de permuta] são compostos colares e pulseiras, sempre com base do cordão encerado. As sementes têm um significado dentro do ritual: são consideradas como capazes de promover a “nascença” e guardar a vida, simbolizam o sentido e o segredo do ser eterno. 38 Parte 2 | Os adornos da Natureza “A diferenciação de produtos pode ser conseguida explorando-se de modo apropriado os elementos mais singulares da cultura material e iconográfica [...], Expressos em sua fauna, flora, folclore, artefatos do cotidiano”. Eduardo Barroso Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Banco de Imagens] Para os novos adornos propostos como objetivo central deste trabalho, existe um sub-produto intermediário, que é a definição do banco de imagens representativas da identidade indígena. Sobre estes elementos identitários, BARROSO [2004] alerta que “na concepção de novas linhas de produtos de maior valor simbólico e orientados ao mercado, é necessário resgatar, nas origens e raízes culturais, os elementos que possam assumir a condição de novos arquétipos orientadores de uma estética própria”. Como visto na primeira parte deste trabalho, o que é tradicional para os kambiwá é exótico às demais culturas não-indígenas. BARROSO [2004] coloca que “a identidade está presente também na força expressiva de muitos elementos de uso cotidiano, que de tão vistos, ninguém mais enxerga e de tão tocados, ninguém mais os sente. São produtos e imagens banais que fazem parte indissociável de uma memória coletiva”. Linguagem visual Um levantamento de imagens capazes de ilustrar a identidade indígena e em especial, a Kambiwá. Como visto anteriormente, as imagens isoladamente podem também refletir a realidade geral do sertão pernambucano, mas a cultura não é definida por um único fator. A união e relação de vários fatores denotam a diferença entre a realidade sertaneja [da qual ambientalmente fazem parte] e a indígena - representada não só pelas vestes, vocabulário ou moradia, mas também pelos ritos, crenças, artefatos exclusivos e modo de pensar. 39 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Caatinga | Paisagem recorrente do semi-árido nordestino. Imagem 29 Galhos secos | delimitação do terreno das casas, feita com galhos das madeiras disponíveis. Também limita a áreas de criação de animais Na foto, os cestos estão colocados para compor a imagem, não fazendo parte do cotidiano. Imagem 30 40 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Caroá | bromeliácea comum da caatinga pernambucana. De suas folhas é extraída a fibra usada em diversos objetos do cotidiano e nos rituais. Imagem 31 Flor do Caroá | surge normalmente nos meses de outubro e novembro. É usada como ornamental em alguns países. Imagem 32 Flor do Caroá | incremento do vermelho na paisagem da caatinga à beira da estrada que leva à aldeia. Imagem 33 41 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Umburana | Pode atingir alturas superiores a cinco metros. A madeira tem um cerne macio quando ainda está verde, facilitando o trabalho de entalhe. Apreciada por artesãos de diferentes ofícios [bonequeiros, xilogravuristas, mamulengueiros, etc]. Possui um poder cicatrizante conhecido pelos indígenas. Imagem 34 Ouricuri | de amplo significado, a palmeira fornece pequenos cocos e a palha, usada para o artesanato e em rituais. Imagem 35 42 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Serra Negra | território original e sagrado dos Kambiwá. Atualmente é uma reserva biológica de acesso restrito e fiscalizada pelo Ibama. Imagem 36 Arco e flecha | criança brincando com um arco típico. Arma tradicional de indígenas de todo o mundo. A peculiaridade fica na forma de construção: um pedaço roliço de madeira cujas extremidades são afinadas para dar flexibilidade. Imagem 37 Borduna | elemento difundido entre os povos indígenas como elemento de defesa. As bordunas têm tamanhos superiores a um metro de comprimento e são talhadas em madeiras duras. Na foto, uma representação reduzida da borduna, feita Imagem 38 em umburana. 43 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Maracá | Confeccionado com a cabaça e preenchido com sementes, este instrumento sonoro é parte importante na realização dos rituais de Toré e do Praiá. Imagem 39 Aió | Maria Aparecida com três bolsas aió [arranjo para fotografia]. O aió tem formato esférico, é um dos símbolos da etnia Kambiwá e muito usada pelos indígenas. Imagem 40 44 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Positivo | Chifre de boi ou cabaça com algodão natural. Usado em conjunto com uma pedra de fogo, pode atear fogo no algodão e deste em outras coisas, como o qüaqui. A fumaça produzida é empregada em alguns procedimentos de cura. O disco de borracha ou madeira serve para cessar a chama por abafamento. Imagem 41 Qüaqui | Tipo de cachimbo reto, feito de madeira. Como material de queima são misturadas fumo e ervas. Imagem 42 Fumaça | Parte integrante do cotidiano e em especial, dos rituais de Praiá, quando é feito o contato com os antigos, juntamente com ajuda da cachaça. Imagem 43 45 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Currupio | Seu Ivan demonstrando o uso de um currupio que ele mesmo fez. Um disco de cabaça com dois furos pelos quais passa um cordão, com o movimento das mãos, o cordão enrola e desenrola fazendo o disco girar. Na foto, ele usa também seu inseparável aió. Imagem 44 Beneficiamento do Caroá | a fibra ainda verde, sendo batida [à esquerda] e “centrifugada” [à direita] para retirar o excesso de água. Quando da extração na mata, algumas pessoas amarram tiras de fibra ao corpo para que a água esfrie o corpo. Imagem 45 46 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Colares de sementes | Gueguê com colares feitos com sementes, osso e madeira. Imagem 46 Cestaria | Valdelice e alguns cestos produzidos com a palha do ouricuri. Imagem 47 47 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Correntes | os entalhes em madeira fazem referência a elementos do sertão, como a figa e a carranca. Símbolos estes com capacidade de espantar maus espíritos, na crença do sertanejo. Ligadas por uma corrente de madeira sem emendas, estas peças são relativamente recentes na produção artesanal kambiwá. Imagem 48 Toré | dançando no terreiro, ao redor do cruzeiro [oculto na foto]. Percebe-se na imagem o uso do maracá. Imagem 49 48 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Toré das crianças | toré dançado pelas crianças na escola Aimberê. Novamente percebe-se o uso da cataioba e do maracá. Imagem 50 Sincretismo | altar da igreja na Baixa da Alexandra. Mistura de elementos católicos e indígenas. Imagem 51 Praiá | Os homens trajando as vestes de fibra de caroá circulam pelas aldeias durante todo o dia até a noite. Detalhe para a imagem do cruzeiro no pano das costas. Imagem 52 49 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Praiá | detalhe da máscara de corpo inteiro do Praiá. Imagem 53 Jurema | raiz da juremeira, usada para feitura de um “vinho”. Bebida esta também usada ritualmente para contato com os antigos. Imagem 54 50 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Público BARROSO [2005] coloca que “as grandes tendências mundiais apontam para uma acentuada polarização, colocando em posições opostas empresas e serviços de padrão mundial e empresas e serviços de conteúdo temático ou de forte identidade cultural. As empresas que permanecem entre os dois extremos estão perdendo clientes que não desejam produtos híbridos e indefinidos”. E ainda reforça, dizendo que “esta zona intermediária é o espaço da mediocridade, das indefinições, dos produtos que não agradam a ninguém, pois não possuem personalidade”. Assim, o público alvo para o qual as peças estão sendo desenvolvidas aqui é colocado [sem titulações como sugere Barroso] com as seguintes características: Predominantemente feminino, entre os 20 e 60 anos, madura, independente. Está ciente da moda [mas sem rigidez em segui-la cegamente], aprecia o estilo antes do valor. Compra produtos como sendo a parte material do conceito, a exemplo de roupas de couro vegetal5, acessórios de marfim vegetal6 e alimentos orgânicos. Consciente do mundo ao redor, interage com ele. Usa adornos no corpo para se expressar, para se sentir bem, e não para que o adorno ofusque o corpo. Também usa peças exclusivas; não-únicas, mas de tiragem limitada como forma de expressar sua individualidade, atitude e sofisticação. Similares Algumas peças que são interessantes quanto às referências empregadas [materiais, conceituais ou formais] estão discursivamente analisadas a seguir. Os pontos observados são os partidos projetuais, as referências iconográficas, os materiais e técnicas empregados. Tudo que possa ser fora do lugar comum estará sendo apreciado. [5] tecido de algodão banhado em látex, defumado e vulcanizado [6] substância líquida retirada das sementes da palmeira jarina; após algum tempo endurece e se assemelha ao marfim animal 51 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Anel Wood Line | Vencedor do Concurso promovido pela “Jóias do Brasil” em 2003, na Categoria Material e Técnicas Alternativas. Peça de Eliânia Rossetti. Anel em ouro amarelo com aplique de madeira entalhada em fresadora computadorizada. Motivos florais na madeira e no metal. Exemplo de anel com área plana e mistura de materiais vegetais e minerais. Imagem 55 Anel Luna | Vencedor do Concurso promovido pela “Jóias do Brasil” em 2003, na Categoria Material e Técnicas Alternativas. Peça de Raquel Armond. Ouro amarelo e casca de ovo de avestruz. Linhas orgânicas compostas de metal alojam a rígida casca de ovo. Imagem 56 Colar Índios do Brasil | Vencedor do Concurso promovido pela “Jóias do Brasil” em 2003, na Categoria Material e Técnicas Alternativas. Peça de Fábio Rodrigues. Talos de Arumã em duas tonalidades, sementes olho de cabra e olho de pavão, fios de lã com fios de ouro. Pingente em ouro branco. Este colar utiliza técnicas da Imagem 57 tribo Waimiri-atroari [Roraima]. Não faz uso de fechos, pois tem elasticidade. 52 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Pingente Falésias| Menção Honrosa no concurso promovido pela “Jóias do Brasil” em 2004, na Categoria Material e Técnicas Alternativas. Peça de Nilson Schützler. Pingente concebido em prata, acrílico e areia, fazendo uso da técnica de desenho em areia, comum no litoral nordeste do Brasil. Imagem 58 Gargantilha e brincos | Peças de Pepe Torras. Gargantilha e brincos com base em ouro amarelo, e madeiras machetadas [pau santo, muiracatirara, jacarandá, araracanga, macacaúba, gombeira, cumaru]. Detalhes em diamantes encravados na madeira. Imagem 59 53 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Colar da Linha “Mestiça” | Peça de Zico da Mata. Disponível em Ecojóias.com Peça em tricouro com coco e madrepérola. Detalhe para a composição de três colares em uma única peça, capaz de cobrir todo o colo. Imagem 60 Bracelete da Linha “Mestiça” | Peça de Zico da Mata. Disponível em Ecojóias.com Duas pulseiras de tricouro marrom interligadas por três discos de madrepérola, formando um bracelete. Imagem 61 Colar da Linha “Reta” | Peça de Yê Mara. Disponível em Ecojóias.com Pingente com base em couro preto e elemento central quadrado de osso, com desenho que faz uso de pirografia. Imagem 62 54 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Pingente Atenas | Disponível na Vivara. Pingente em ouro branco, ônix, cristal e diamantes. Faz uso das linhas retas e sóbrias do período Helênico da Grécia Antiga. Imagem 63 Colar Mexedor | Peça de Mana Bernardes. Colar feito com as triviais colherinhas plásticas usadas para misturar café ao adoçante ou açúcar. Característica da designer, que usa elementos comuns para elaboração de adornos. Imagem 64 55 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Colar da Série “Índio Urbano” | Peça de Mana Bernardes. Composto de placas de acetato laranja e azul, fazem referência [formal e cromática] com os cocares indígenas plumários. Imagem 65 Colar Grampo | Peça de Mana Bernardes. Construído sobre um fio de couro, os grampos de cabelo em duas cores são dispostos segundo uma combinação matemática. Imagem 66 Colar Raízes do Brasil | Finalista do Concurso AngloGold 2004. Peça de Maria Luiza Castro. A gargantilha central faz alusão a um tronco, ao passo que os elementos verticais, as raízes subterrâneas. Imagem 67 56 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Colar Jogo dos Búzios | Finalista do Concurso AngloGold 2004. Peça de Ângela Sampaio. Inspirado na influência da cultura negra brasileira e na religiosidade do Candomblé. Representado por dois tipos de búzios em volta do pescoço e nos elementos verticais feitos em ouro amarelo. Imagem 68 Colar | Finalista do Concurso AngloGold 2002. Peça de Silvia Döring Inspirada no luxo das rendas francesas e na sensualidade dos corseletes, a coleira de ouro é arrematada por uma fita de cetim. Imagem 69 Colar | Finalista do Concurso AngloGold 2002. Peça de Lena Garrido e Débora Camisasca. Formada por módulos de diversos tamanhos e formas, articulados entre si, a peça sugere ser uma renda de ouro. Para fechar a peça, foi utilizada uma fita de Imagem 70 veludo preta. 57 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Colar | Finalista do Concurso AngloGold 2002. Peça de Sérgio Póvoa Pires. Colar para todo o tronco, é uma única corrente de 15 metros de comprimento, com diferentes elos, concebida para enlaçar o corpo e a cintura. Imagem 71 Colar Ciranda | Disponível na Amsterdam Sauer Da Coleção Portinari - Série Jogos Infantis - Linha Ciranda. Colar em ouro amarelo 18k com detalhes vazados que remetem à brincadeira de roda, baseado na ilustração do pintor. Suporte de fio de couro azul. Imagem 72 58 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Considerações Seria impossível avaliar todos os similares de jóias, então optou-se por analisar em maiores detalhes aqueles que apresentavam diferenciações, fossem estes variações de conceito, forma ou material. Poucas peças são completamente sem metal. Seja este para finalização ou para agregar valor estético, a maioria ainda o utiliza e isso não destoa do conjunto. Funciona tanto como elemento de maior destaque quanto como complemento. As peças que se mostram mais interessantes trazem alguma referência visual. Muitas se valem da versatilidade de uso, podendo ser usadas de maneiras diferentes por parte do usuário, não sendo de uma apresentação única e estática. A mistura de elementos minerais e orgânicos pode funcionar muito bem, apenas fazendo com que cada parte do conjunto não exceda suas capacidades físicas. Percebe-se o orgânico geralmente como material entalhado ou cravado, raramente como suporte. 59 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Materiais empregados Fibra de caroá | extraída da folha do caroá. Fina, leve e resistente, atualmente é usada em produções de artesanato tradicional e para fazer corda. Pode ser tingida com corantes químicos ou naturais. Presente e marcante no universo indígena de Pernambuco, o caroá está presente no cotidiano: seja no aió, seja no adorno ou no ritual. Andiroba| madeira de média trabalhabilidade, de cerne marrom-escuro ou marrom-avermelhado e apresenta bom acabamento. Leve e sem cheiro ou sabor perceptíveis. Resistente e durável, não é atacada pelo cupim ou ‘polia’. É encontrada na região Norte do Brasil, e também no Maranhão. Ouro | metal nobre, de maior valor durante toda a história, sendo ultrapassado apenas recentemente pela platina, embora possa se tornar visualmente idêntico à esta. É demasiado macio para o trabalho. Para garantir resistência, é misturado a outros metais [formando ligas] o que define o quilate, a cor e as características físicas, como ponto de fusão, dureza, etc. Pode adquirir as cores amarela [mais conhecida e natural, caso esteja puro; ou em liga com prata, cobre ou zinco]; verde [junto com prata ou cobre]; branco [na realidade, uma cor muito próximo à platina; obtida em liga com paládio]; rosa [com prata e cobre]; azul [liga de ouro, prata e zinco]; vermelho [quando em liga com o cobre]; ou ainda o ouro negro [misturado à prata e ferro]. Prata | metal nobre, de valor menor apenas que o do ouro e da platina. É acessível tanto financeiramente quanto nas possibilidades de uso. Pode ser trabalhado nas mesmas formas que o ouro. Tem contra si a facilidade com que escurece [oxida]. A prata mais comum no campo da joalheria é a 95% pura. 60 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Diretrizes projetuais O projeto das peças mostrado nas páginas a seguir foi guiado pelas diretrizes abaixo. Estas orientações foram definidas a partir da observação do mercado e do perfil do público, aliando a isto a linguagem cultural trabalhada. As alternativas foram trabalhadas a partir da síntese, isto é, da redução das imagens levantadas na iconografia à sua representação gráfica mais simplificada. Assim, as diretrizes do produto são: As peças podem ser únicas, sem outra com qual forme conjunto; Fazer maior uso de materiais renováveis, de origem vegetal ligados à cultura Kambiwá, uma vez que a consciência e legislação restringem a produção de peças com partes de animais; Desenhos orientados para que os objetos valorizem o corpo humano, não sua ocultação; Praticidade nos mecanismos de fechamento, caso existam; Não deve imitar a joalheria tradicional nem os elementos iconográficos; Forma que demonstre tratar-se de um produto diferente das jóias puramente minerais, das bijuterias plásticas e das sementes unicamente; Afastar-se da linguagem da bijuteria|trabalhos manuais Não fazer tanto uso de sementes, pois é lugar comum em se tratando de adornos com materiais não tradicionais e por muitos deles usarem a mesma linguagem das jóias de pedra ou de bijuteria; Fazer uso de metais nobres aliados aos materiais orgânicos, para ressaltar o valor da sofisticação das peças. 61 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Esboços | Geração de Alternativas Tomando como ponto inicial figuras do banco de imagens, faz-se uso para esta etapa do trabalho uma síntese dos elementos, ou seja, uma redução das quantidade e complexidade das linhas até o ponto em que seja possível reconhecer o objeto original com o desenho mais simplificado. Na geração de possibilidades a seguir estará mostrado o esboço derivado dos elementos apresentados no Banco de Imagem e uma explanação acerca da alternativa, considerando formas, referências e matérias-primas cogitadas. [Fibra de Caroá] Em frente e verso; composto de fibras de caroá trançadas em barbante de duas pernas [técnica tradicional] que passam por dentro de tubos de prata. Detalhe nas costas para o cordão solto. 62 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Arco e flecha] Pendente em madeira, preso por barbantes de caroá atravessados por arcos de prata. [Cercado] Tirando partido das cercas das propriedades replicado em metal nobre, todas as irregularidades e acaso estão representadas. Sustentados por fibra de caroá. 63 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Flor de Caroá] Representação da flor de caroá em ouro vermelho e sementes. [Manto Praiá A] Gargantilha com perfil em metal e preenchida com a fibra de caroá. 64 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Raiz Jurema] Gargantilha em frente e verso com a raiz sustentada no pescoço e costas. [Pontas e fibra] Uso da fibra de caroá amarrada em nós abaixo da peça de madeira como pontas de borduna. 65 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Manto Praiá B] Outra alusão à cobertura de caroá usada pelos praiá. Irregular e rebelde como a fibra sem maior beneficiamento. Perfil em metal e preenchida com fibras. [Ponto Aió] Em ponto de aió [ponto “crescença”] formando uma renda delimitada por traços de metal nobre. 66 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Colares e Sementes] Cinco tubos de prata sustentando quatro fios de caroá. Sementes de palmeira preenchem os espaços entre os tubos. [Borduna] Dois pendentes em fio de caroá, sobrepostos com elementos da borduna retratados em prata. 67 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Aió] Perfil de metal preenchido com o fio de caroá trançado em ponto aió. Detalhe para as “sobras” de fio nas bordas, elemento recorrente nas peças Kambiwá. 68 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Seleção das alternativas Renderizações Das possibilidades geradas na etapa anterior, cinco foram escolhidas para um maior refinamento, que consiste na revisão das proporções, materiais e formas de construção. Elas foram divididas em dois grupos, de acordo com a forma e conceito: Grupo 1 | Ligado aos elementos de ataque e defesa e amplamente reconhecidos como indígenas. Também são as que mais se destacam no corpo. Representado pelas opções ‘arco e flecha’ e ‘borduna’. Grupo 2 | Ligado à natureza e seus elementos, as referências são mais específicas ao território kambiwá pela presença material ou formal do caroá. Também tem linhas mais leves. Composto pela ‘flor de caroá’, ‘fibra de caroá’ e ‘manto do praiá A’. A seguir são apresentadas as renderizações (modelos virtuais com textura dos materiais aplicada) e uma breve descrição dos materiais e técnicas empregados: 69 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Arcos] Pingente e colar. Faz uso de três materiais [caroá, madeira e prata] e de uma referência bastante conhecida. Os finos arcos de prata dão o toque final ao conjunto e compõem a curvatura do colar, valorizando o colo. [Borduna] Pingente duplo e colar. Com cordão de caroá como suporte de dois grandes elementos vazados de prata. Presença no corpo sem esconder. 70 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Flor de Caroá] Gargantilha. Linhas leves tirando partido da flor de caroá. Uso de sementes onde poderiam ser pedras. Preferência pelo orgânico e leve. [Fibra de Caroá] Colar de vários tamanhos; a depender da quantidade de voltas e|ou do comprimento do caimento nas costas. Montado sobre cordões de caroá, sete tubos de prata fixados por nós. 71 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Praiá] Gargantilha colar. Montagem sobre prata de cordão de caroá em trançado simples. Nas costas, cordão de caroá para o fechamento. 72 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Detalhamento técnico Vistas e cotas [Arcos] Fechos nas pontas dos cordões de caroá do tipo ‘TO’. Este colar é ajustado ao usuário no momento da aquisição. Modelagem dos arcos em prata 950: dois fios de 1.60 soldados entre si para conformar uma chapa delgada; e deixando três pontos vazados em cada extremidade para a passagem do cordão. Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e entrelaçada num barbante de duas pernas. Flecha de madeira: em madeira andiroba torneada e rebaixada na lixa ou com auxílio da tupia. Posteriormente furada e dado o acabamento. No conjunto, são usados doze fios [dois por furo]. 73 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Borduna] Vistas e cotas Fechos nas pontas dos cordões de caroá do tipo ‘TO’. O fio de cada elemento pode ser regulado de forma independente no momento de aquisição, variando a sobreposição dos dois no colo; ou ainda, colocar um elemento no colo e outro sobre o dorso. Modelagem do triângulo e circunferência em prata 950: fio de 1.60 soldado. Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e entrelaçada num barbante de duas pernas. No conjunto, são usados oito fios [quatro para cada elemento]. A fixação do cordão à prata é feita por enrolamento do cordão e reforçado com adesivo epóxi. 74 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Flor de Caroá] Vistas e cotas A gargantilha é finalizada em esferas feitas pela fundição da prata nas extremidades. A curvatura é dada no momento da aquisição, para regular-se de acordo com o tipo físico do usuário. Pode ser produzido também em ouro vermelho no lugar da prata, mas considerando a escassez de material e profissionais de boa qualidade para isto, fez-se a opção pela prata. Modelagem do suporte em prata 950: fio de 1.60 soldado com extremidades arredondadas. Modelagem das flores em prata 950: fio de 1.40 soldado com suportes para as sementes. Sementes de tento: coletadas no tamanho proposto e furadas para fixação nos suportes das flores e reforço com adesivo epóxi. 75 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Fibra de Caroá] Vistas e cotas Fecho do tipo ‘mosquetão’ somente numa ponta, sinalizada pela elipse preta do desenho. Isto permite usar o colar com o caimento desejado nas costas ou ainda, de duas ou três voltas. Modelagem dos tubos em prata 950: chapa de espessura 0,80 conformada em tubo e soldada. Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e entrelaçada num barbante de duas pernas. No conjunto, são usados oito fios. 76 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Praiá] Vistas e cotas Fecho tipo ‘mosquetão’ na ponta sinalizada pela elipse preta do desenho e elo no cordão de caroá; a colocação deste elo deve ser feita no momento de aquisição. Na outra extremidade da gargantilha, o cordão é preso. Assim, tem-se um elemento caído na lateral, regulado de acordo com o tipo físico do usuário. Modelagem dos arcos em prata 950: fio de 1.60 soldados com pequenos ganchos para afixar o cordão. Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e entrelaçada num barbante de duas pernas. No conjunto, é utilizado um fio. 77 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Conclusões] Um termo que os antropólogos e sociólogos usam com freqüência é ‘reelaboração da cultura’. A finalização deste trabalho mostra que as culturas são modificadas e reorganizadas a todo momento, por intervenções diversas, sejam elas propositais ou não. O desenvolvimento das peças mostradas neste trabalho coloca uma das possibilidades da atuação de designers com produção artesanal e|ou com referência cultural. É possível encaixar o fator ser humano dentro da metodologia de desenvolvimento de produto, considerando quem produz [já que se aborda a produção artesanal]; quem consome tais produtos; e também quem vivencia a cultura originária: ponto de partida para esses novos produtos, carregados de valores e história. A metodologia de design de produtos também é fortalecida com a imersão: conversar com os moradores e artesãos Kambiwá, adentrar na caatinga para ‘puxar’ caroá, assistir ao Praiá ou dançar o toré trazem uma percepção mais ampla deste universo – mas não substituta – do conhecimento apenas literário. Sobre a produção dessas peças para o mercado, o que se sugere é produção conjunta. Recomenda-se que as partes confeccionadas em metal sejam produzidas por artífices especializados do centro urbano e levadas para a comunidade indígena para a finalização com as partes elaboradas com materiais orgânicos. E considerando toda a história que esses adornos carregam, a mídia usada para contá-la é a embalagem. E como visto, a cultura está associada à capacidade de comunicação; assim sendo, percebe-se que a manutenção das culturas está ligada à necessidade de se fazer traduções de umas para as outras. É por este caminho que se toma conhecimento de obras literárias estrangeiras, hábitos diversos, costumes alimentares ou novos materiais. 78 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá A tradução consiste, então, em trazer elementos estranhos para nossa própria vivência. É ela que torna possível entender o estranho fazendo uso de referências comuns. Assim, existem diversas maneiras de como a tradição Kambiwá poderia ter sido trazida e traduzida para o mercado. Este trabalho representa uma delas. [Referências Bibliográficas] IANNI, Otávio in: Sebrae. Cara Brasileira: a brasilidade nos negócios, um caminho para o “made in Brazil”. Brasília: Edição Sebrae, 2002. SANTOS, Irina Adornos pessoais: uma reflexão sobre as representações das relações sociais e o processo de design. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. HERSKOVITS, Melville El Hombre Y Sus Obras. México: Fondo de Cultura Económica, 1952. LARAIA, Roque Cultura Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. 12ª edição. SAMPAIO, Helena. A experiência do artesanato solidário. In: Políticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003. BARROSO, Eduardo Design, identidade cultural e artesanato Disponível em: <http://www.eduardobarroso.com.br/artigos.htm> Acesso em: 11 dez. 2004. PAPANEK, Victor Arquitetura e Design: Ecologia e ética. Londres: Edições 70, 1995. 79 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá NIEMEYER, Lucy Design Atitudinal: produto como significação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. LIMA, Ricardo Estética e gosto não são critérios para o artesanato. In: Artesanato, Produção e Mercado: uma via de mão dupla. São Paulo: Programa Artesanato Solidário, 2002 NOGUEIRA, Sandra Cultura Material: A emoção e o prazer de criar, sentir e entender os objectos RBSE, v.1, n.2, João Pessoa, GREM, agosto de 2002. p.140-151. BARBOSA, Wallace Os índios Kambiwá de Pernambuco Arte e Identidade Étnica. Dissertação em História da Arte, mestrado de Artes Visuais, Escola de Belas Artes - UFRJ, 1991. AMARAL, Lílian O objeto – imagem como signo da promoção social de consumo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. PEDROSA, Julieta A História da Joalheria. Disponível em: <http://www.joiabr.com.br/artigos/hist.html> Acesso em: 12 abr. 2005. BRASIL, Mariana in: Jóias do Brasil. O que é Jóia? O que é semi-Jóia? O que é Bijou? Disponível em: <http://www.joiasdobrasil.com/ discussao/joia.htm> Acesso em: 04 jun. 2005. JACOMINO, Dalen Vitrines do Brilho. Estampa, São Paulo, n. 24, p.12-16, abr. 2005. 80 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá BARROSO, Eduardo O design como ferramenta para o incremento da joalheria brasileira. Disponível em: <http://www.joiabr.com.br/artigos/ebneto.html> Acesso em: 21 mar. 2005. KOELLE, Cris in: Jóias do Brasil. O que é Jóia? O que é semi-Jóia? O que é Bijou? Disponível em: <http://www.joiasdobrasil.com/ discussao/joia.htm> Acesso em: 04 jun. 2005. ALMEIDA, Eliene. A Política de Educação Escolar Indígena: limites e possibilidades da escola indígena. Dissertação em Política Educacional e Prática Pedagógica, mestrado de Educação - UFPE, 2001. [Bibliografia] Livros BARBOSA, Wallace Os índios Kambiwá de Pernambuco Arte e Identidade Étnica. Dissertação em História da Arte, mestrado de Artes Visuais, Escola de Belas Artes - UFRJ, 1991. BAXTER, Mike Projeto de Produto: Guia prático para o design de novos produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 1998 LARAIA, Roque Cultura Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. 12ª edição. LIMA, Ricardo Estética e gosto não são critérios para o artesanato. In: Artesanato, Produção e Mercado: uma via de mão dupla. São Paulo: Programa Artesanato Solidário, 2002. LODY, Raul Jóias de Axé: fios-de conta e outros adornos do corpo: a joalheria afro-brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 81 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá McGRATH, Jinks Joalheria – técnicas básicas. Tradução Joaquim Nogueira Gil. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. PAPANEK, Victor Arquitetura e Design: Ecologia e ética. Londres: Edições 70, 1995. RIBEIRO, Berta Arte indígena, linguagem visual. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1989. RIBEIRO, Berta Dicionário do artesanato indígena. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. SAMPAIO, Helena. A experiência do artesanato solidário. In: Políticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003. SIQUEIRA, Cidda, MACHADO, Regina Jóia 2005: tendências. Coordenação de Fernando Souto. Brasília: IBGM, 2004. Monografias CAVALCANTI, Hugo Axé Kêlé: Uma coleção de jóias inspirada nos orixás do Brasil. Recife, 2003. Monografia (Bacharelado em Design) – Departamento de Design, Universidade Federal de Pernambuco. PEREIRA, Quesia Design e Artesanato: uma alternativa para o designer pernambucano. Recife, 2004. Monografia (Bacharelado em Design) – Departamento de Design, Universidade Federal de Pernambuco. Revistas ESTRADA, Maria Helena Que Luxo!. Arc Design, São Paulo, n. 39, p.52-55, nov./dez. 2004. 82 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá JACOMINO, Dalen Vitrines do Brilho. Estampa, São Paulo, n. 24, p.12-16, abr. 2005. Artigos AMARAL, Lílian O objeto – imagem como signo da promoção social de consumo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. BOMFIM, Gustavo Não confunda Angelina Jolie com Lara Croft. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. NIEMEYER, Lucy Design Atitudinal: produto como significação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. NOGUEIRA, Sandra Cultura Material: A emoção e o prazer de criar, sentir e entender os objectos RBSE, v.1, n.2, João Pessoa, GREM, agosto de 2002. p.140-151. SANTOS, Irina Adornos pessoais: uma reflexão sobre as representações das relações sociais e o processo de design. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 6., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: FAAP, 2004. 1 CD-ROM. Artigos Internet ANDRADE, José Maria Jurema: da festa à guerra, de ontem e de hoje. Disponível em: <http://www.ufrn.br/sites/evi/metapesquisa/velhos/jurema .html> Acesso em: 08 jul. 2005. 83 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá BAIRRÃO, José Raízes da Jurema. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S 0103-65642003000100009> Acesso em: 05 jul. 2005. BARROSO, Eduardo Design, identidade cultural e artesanato Disponível em: <http://www.eduardobarroso.com.br/artigos.htm> Acesso em: 11 dez. 2004. BARROSO, Eduardo O design como ferramenta para o incremento da joalheria brasileira. Disponível em: <http://www.joiabr.com.br/artigos/ebneto.html> Acesso em: 21 mar. 2005. PEDROSA, Julieta A História da Joalheria. Disponível em: <http://www.joiabr.com.br/artigos/hist.html> Acesso em: 12 abr. 2005. SCHAAN, Denise Iconografia Marajoara: Uma abordagem estructural. Disponível em: <http://members.tripod.com.co/rupestreweb/schaan.html> Acesso em: 16 jan. 2005. Audiovisual KAMBIWÁ: Lua dos Praiás. CIMI-NE. Recife: Telephone Colorido, 2004. 1 cassete (22 min): son.; 12mm. VHS NTSC MODOS do fazer: o artesanato de tradição no Brasil São Paulo: Documenta: Artesanato Solidário/Central ArteSol, 2005. 2 discos (153 min): son.: DVD POVOS Indígenas de Pernambuco, a Resistência faz 500 Anos Direção de Nilton Pereira. Recife: TV VIVA, 1998. 1 cassete (25 min): son.; 12mm. VHS NTSC 84 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Pesquisa IBOPE Pesquisa. O que os brasileiros pensam dos índios? Disponível em: <http://www.socioambiental.org/pib/portugues/indenos/qu epens/index.shtm> Acesso em: 25 mai. 2005. Lista de Discussão Jóias do Brasil O que é Jóia? O que é semi-Jóia? O que é Bijou? Disponível em: <http://www.joiasdobrasil.com/discussao/joia.htm> Acesso em: 04 jun. 2005. Sites Amsterdam Sauer www.amsterdamsauer.com Ecojóias www.biojoias.com.br Instituto Brasileiro de Gemas e Metais www.ibgm.com.br Instituto Sócio-Ambiental www.socioambiental.org Jóias da Natureza www.joiasdanatureza.com.br Jóias do Brasil www.joiasdobrasil.com Rommanel www.rommanel.com.br Tiffany & Co www.tiffany.com Vivara www.vivara.com.br 85 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Créditos das Imagens] Abertura de capítulos Capa [Imagem editada] | Vinicius Lubambo Parte 1 | Acervo pessoal Capítulo 4 | Acervo Imaginário Pernambucano Capítulo 5 | Acervo Imaginário Pernambucano Parte 2 | Acervo Imaginário Pernambucano Corpo do trabalho Imagem 01 - 06 | Criação pessoal Imagem 07 | Vinicius Lubambo Imagem 08 | Capturada do filme: Povos Indígenas de Pernambuco Imagem 09 - 18 | Acervo pessoal Imagem 19 | Vinicius Lubambo Imagem 20 - 21| Acervo Imaginário Pernambucano Imagem 22 | Acervo pessoal Imagem 23 -34| Acervo Imaginário Pernambucano Imagem 35 - 36 | Vinicius Lubambo Imagem 37 | Acervo Imaginário Pernambucano Imagem 38 | Vinicius Lubambo Imagem 39-40 | Acervo Imaginário Pernambucano Imagem 41| Acervo pessoal Imagem 42-47 | Acervo Imaginário Pernambucano Imagem 48 | Vinicius Lubambo Imagem 49-53 | Acervo Imaginário Pernambucano Imagem 54 | Extraída de <http://yatra.yage.net/jurema.htm> Imagem 55-58 | Fotos divulgação do concurso Jóias do Brasil Imagem 59 | Publicidade: catálogo virtual Pepe Torras Imagem 60-62 | Publicidade: catálogo virtual Ecojóias Imagem 63 | Publicidade: catálogo impresso Vivara Imagem 64-66 | Extraídas da revista Arc Design nº 39 Imagem 67-68 | Fotos divulgação do concurso Anglogold 2004 Imagem 69-71 | Fotos divulgação do concurso Anglogold 2002 Imagem 72 | Publicidade: catálogo virtual Amsterdam Sauer 86 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [Anexos] [I] Termos Indígenas relacionados Vocábulos que refletem a língua original dos Kambiwá e outras etnias de Pernambuco, utilizados principalmente em ritos cerimoniais. Segundo a FUNAI, a língua materna dos Kambiwá pertence ao tronco lingüístico Macro-Jê. Também constam termos usados no trabalho cujo significado carece de uma maior explicação ou palavras em português que tem especial significado dentro do repertório Kambiwá. apito zabelê - inusitado instrumento sonoro que é tocado com o sopro do nariz e com o qual pode-se reproduzir os sons de diversas aves, útil quando em caça das mesmas borduna – arma contundente de madeira entalhada com ornamentos utilitários em toda a extensão. Assemelha-se a um cajados e são destinadas à proteção, tanto física quanto espiritual caniquin - tatú-bola canomim ou conomin - criança cataioba - mesmo que cateoba cateoba - saiote confeccionado com fibra de caroá caxixi - aguardente com ervas cituru - cabocla coité - maracá confeccionado com cabaça corrupio – brinquedo formado por um disco de cabaça, denteado na borda e com dois furos pelos quais passa um cordão; com o movimento de enrolar e desenrolar do fio, faz o disco girar foiaça - raposa garapa - água com açúcar geriaci ou iraci - lua guaipú - veado guaraci - sol guia - mesmo que qüaqui jarita - cangambá jehuá - água maci - onça 87 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá matricó - cachimbo reto de cerâmica papú - tatú pediu - tamanduá porrú - fumo (tabaco) positivo – chifre de boi enchido com algodão natural. Com auxílio de uma “pedra de fogo” e uma lima, ateia-se fogo no algodão. O algodão queimando é empregado para acender o qüaqui e para realizar procedimentos de cura praiá - nome que é empregado tanto para se referir ao ritual como aos personagens [homens vestidos com máscaras de corpo inteiro, feitas com a fibra da planta caroá]. No âmbito do segredo e do sagrado, atuam como elemento de comunicação com os ancestrais. A peculiaridade do praiá reside no fato que nem os próprios moradores da aldeia sabem quem está sob as vestes. qüaqui - cachimbo reto feito de madeira ou com a raiz da juremeira tacajupe - negro toá – pedra que desprende um fino pó vermelho, usado em pintura ritual toé - fogo toré – rito de celebração comum às etnias de Pernambuco. Dançado em volta de uma fogueira ou cruzeiro, ocorre frequentemente na aldeia e é um momento coletivo entre moradores e possíveis visitantes, pois o toré é aberto aos nãoíndios tupichaná - alecrim-de-caboclo urucu - caboclo urupá – peba 88 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá [II] Pesquisa O que os brasileiros pensam dos índios? Em http://www.socioambiental.org/pib/portugues/indenos/quepens/index.shtm O IBOPE realizou uma pesquisa de opinião pública de âmbito nacional, encomendada pelo ISA (Instituto Socioambiental), sobre o que os brasileiros pensam dos índios. É a primeira pesquisa de opinião sobre o assunto realizada em todo Brasil. Dois mil homens e mulheres foram ouvidos pelo IBOPE entre 24 e 28 de fevereiro de 2000, expressando as opiniões dos brasileiros sobre os índios às vésperas das comemorações dos 500 anos do "Descobrimento do Brasil". O ISA opinou quanto à formulação das perguntas e elaborou a presente análise dos resultados da pesquisa IBOPE. Análise A imagem dos índios Embora a grande maioria dos brasileiros viva em cidades ou regiões distantes das terras indígenas, 78% dos entrevistados revelaram ter interesse no futuro dos índios. A pesquisa revela que os brasileiros têm uma imagem positiva dos índios: 88% concordam que os índios conservam a natureza e vivem em harmonia com ela, 81% acham que eles não são preguiçosos e apenas encaram o trabalho de forma diferente da nossa, 89% afirmam que eles não são ignorantes e apenas possuem uma cultura diferente da nossa e 89% consideram que eles só são violentos com aqueles que invadem as suas terras. 89 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá O papel do governo Dentre os entrevistados, 82% acham que o governo federal deveria atuar para evitar a extinção dos povos indígenas e para promover a sua defesa. 75% acham que os índios precisam ser protegidos e ensinados e 93% afirmaram que eles devem receber uma educação que respeite os seus valores. Perguntados sobre quais seriam os três maiores problemas dos índios, 57% indicaram a invasão das suas terras, 41% apontaram o desrespeito à sua cultura e 28% indicaram as doenças transmitidas pelo contato com os brancos . Assim, os maiores problemas indicados são decorrentes da relação com os não índios. 92% dos entrevistados consideram que os índios devem continuar vivendo como tais e que, para isso, o governo deveria priorizar a implantação de programas de saúde e de educação adequados (48%), realizar a demarcação das suas terras (37%) e estimular a produção de bens voltados para o mercado (31%) As terras indígenas A demarcação das terras indígenas também recebeu expressivo apoio dos brasileiros. Informados de que os índios representam apenas 0,2% da população brasileira e têm direitos de posse permanente e de usufruto exclusivo sobre 11% do território nacional, apenas 22% dos entrevistados consideram que é muita terra para pouco índio, enquanto outros 68% entendem que a extensão das terras indígenas é adequada ou insuficiente. Mesmo nas regiões norte e centro oeste, onde se situam 99% da extensão total das terras indígenas, 59% dos entrevistados consideram-na adequada ou insuficiente, enquanto 34% acham que é muita terra. Perguntados especificamente sobre o caso dos índios que falam português e se vestem como nós, 70% dos brasileiros consideram que os seus direitos territoriais devem ser mantidos, contra 24% que acham que deveriam perdê-los. O direito à diferença O reconhecimento do direito dos índios a serem diferentes de nós é um consenso nacional: 92% da população acham que eles 90 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá devem ter o direito de continuar vivendo de acordo com os seus costumes, opinião confirmada pelos 91% que consideram que eles devem ter espaço para viver conforme a sua cultura. 67% discordam que os índios devessem ser preparados para abandonar a selva e viver como nós. Estes índices são ainda maiores entre os entrevistados que têm instrução de nível superior. O futuro A pesquisa também detectou uma mudança significativa na opinião dos brasileiros quanto ao futuro dos índios. Em vista da tragédia histórica representada pelos 500 anos de colonização, com que muitos povos indígenas foram extintos e a sua população total reduzida de alguns milhões para os atuais 300 mil, havia, até há alguns anos atrás, uma forte impressão, mesmo entre aqueles que os defendiam, de que os índios acabariam sendo extintos no futuro. No entanto, a maior parte dos entrevistados (45%) expressou otimismo quanto ao futuro dos índios, tanto com relação a continuarem vivendo nas suas terras quanto à preservação da sua cultura. Outros 26% expressaram otimismo apenas em relação à preservação das terras ou à cultura, enquanto 21% manifestaram pessimismo em relação à preservação de ambas. Metodologia A amostragem do IBOPE considerou as diferenças de sexo, de grau de instrução, de renda familiar, de idade, de região de origem, de porte e de tipo dos municípios de residência, para compor o universo dos 2 mil entrevistados. As entrevistas, com eleitores de 16 anos ou mais, foram realizadas entre 24 e 28 de fevereiro de 2000. Amostra Elaborada por quotas proporcionais em função das variáveis significativas: Sexo: dados do TSE / 1996; Grupo de Idade: dados do TSE / 1996; 91 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Atividade: dados do IBGE / 1991, ajustado pela PNAD / 1996; Posição Geográfica: dados do IBGE / 1991. Coleta de dados Entrevistas pessoais com utilização de questionário elaborado de acordo com os objetivos da pesquisa. Realizada por uma equipe de entrevistadores do IBOPE devidamente treinada para a abordagem deste tipo de público. Controle de qualidade Houve filtragem em todos os questionários (100%) após a realização das entrevistas. Houve fiscalização em aproximadamente 20% dos questionários. O erro da amostragem é de 2% para mais ou menos. Indicadores Os índios são violentos e perigosos? Concorda 36% | Discorda 59% | Não opinou 5% Os índios não são preguiçosos, apenas encaram o trabalho de forma diferente de nós? Concorda 81% | Discorda 13% | Não opinou 6% Qual o seu grau de interesse pelo futuro dos índios brasileiros? Concorda 78% | Discorda 18% | Não opinou 4% Os índios conservam a natureza e vivem em harmonia com ela? Concorda 88% | Discorda 8% | Não opinou 4% Os índios devem ser educados de acordo com a nossa cultura? Concorda 52% | Discorda 45% | Não opinou 4% Os índios devem ter o direito de continuar vivendo na selva de acordo com os seus costumes? Concorda 92% | Discorda 5% | Não opinou 3% 92 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Na sua opinião qual é o principal problema que afeta os índios brasileiros atualmente? A invasão de terras indígenas pelos brancos 29% O desrespeito com os valores e a cultura indígena 17% As doenças que os índios pegam dos brancos 11% A perda da identidade cultural 8% Não opinou 8% Qual dessas frases melhor expressa a sua opinião sobre a quantidade de terras que os índios possuem para viver? É muita terra 22% É a quantidade certa de terra 34% É pouca terra 34% Não opinou 10% Você acha que a educação dada aos índios deve respeitar seus valores e sua cultura? Concorda 93% | Discorda 3% | Não opinou 4% Na sua opinião, quais são os 3 principais problemas que afetam os índios brasileiros atualmente? A invasão de terras indígenas pelos brancos 57% O desrespeito com os valores e a cultura indígena 41% As doenças que os índios pegam dos brancos 28% Não opinou 8% Deve haver espaço para que os índios possam viver de acordo com a sua cultura? Concorda 91% | Discorda 5% | Não opinou 4% Qual destas frases melhor expressa a sua opinião sobre o futuro dos índios brasileiros? Vão continuar nas suas terras e preservar a sua cultura 45% Vão continuar nas suas terras e esquecer a sua cultura 11% Vão viver nas cidades e assimilar a cultura dos brancos 21% Vão viver nas cidades sem assimilar a cultura dos brancos 15% Não opinou 8% 93 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Os índios são bons mas aprendem muitas coisas ruins com os brancos? Concorda 78% | Discorda 15% | Não opinou 7% O governo deveria deixar que os índios sejam extintos? Concorda 14% | Discorda 82% | Não opinou 5% Quais dessas medidas devem ser adotadas para que os índios brasileiros continuem a viver como índios? Implantar programa de saúde e educação 48% Demarcar terras 37% Orientação para que possam produzir mercadoria para vender 31% Nenhuma destas 1% Os índios não devem continuar vivendo como índios 16% Não opinou 6% Os índios devem ser preparados para abandonar a selva e viver como nós? Concorda 28% | Discorda 67% | Não opinou 4% A educação dada aos índios deve respeitar os seus valores e a sua cultura? Concorda 93% | Discorda 3% | Não opinou 4% Qual dessas frases expressa sua opinião sobre os índios que falam português e se vestem como nós? Eles devem perder o direito sobre as terras indígenas 24% Eles devem continuar a ter direito sobre as terras indígenas 70% Não opinou 6% 94 Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá Perfil dos entrevistados Tópico Sexo Idade Descrição Amostra Homens 1006 Mulheres 994 16 a 24 anos 419 25 a 34 anos 500 35 a 49 anos 580 50 e mais 501 até primário completo 831 Ginásio incompleto e completo 548 Grau de Instrução Colegial Incompleto e Completo 501 Superior Incompleto e mais 120 Norte/Centro Oeste 252 Nordeste 544 Sudeste 887 Sul 317 Capital 475 Periferia 224 Interior 1301 Porte do Município até 20 mil 643 (em número de de 20 a 100 mil 522 mais de 100 mil 835 mais de 10 sm 130 de 5 a 10 sm 291 de 2 a 5 sm 680 de 1 a 2 sm 456 até 1 sm 325 não opinou 118 Região Condição do Município eleitores) Renda Familiar (em salários mínimos) 95