Organização dos Estados Americanos: Dinâmicas

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Organização dos Estados Americanos: Dinâmicas
Organização dos Estados
Americanos:
Dinâmicas, estratégias e políticas
do combate ao narcotráfico nas
Américas
Diretores:
Diego Ortiz Almeida Alexandre
Manuela Velho de Vilhena
Marina Prati de Aguiar Mendonça
Raphaela Amorim da Cunha
1
SUMÁRIO
CARTA AOS DELEGADOS................................................................................................... 2
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 3
1. A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA) ....................................... 4
1.1. BREVE HISTÓRIA INSTITUCIONAL ............................................................................. 4
1.2. O PAPEL HISTÓRICO DA OEA ....................................................................................... 5
1.3. A OEA HOJE: PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E LIMITAÇÕES .......................................... 7
1.4. A ASSEMBLEIA GERAL DA OEA ................................................................................ 10
2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ..................................................................................... 10
2.1. A GLOBALIDADE DO NARCOTRÁFICO .................................................................... 10
2.2. A QUESTÃO DA SEGURANÇA HEMISFÉRICA ......................................................... 13
2.3. A RELAÇÃO ENTRE NARCOTRÁFICO E SOBERANIA ........................................... 16
3. GEOPOLÍTICA DO NARCOTRÁFICO ........................................................................ 17
3.1. TENDÊNCIAS DE CULTIVO E DE CONSUMO .......................................................... 17
3.2. COMBATE GOVERNAMENTAL, PROBLEMAS E SOLUÇÕES ............................... 22
4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES: CONTRADIÇÕES ENTRE DISCURSO
EXTERNO E PRÁTICAS INTERNAS................................................................................ 23
4.1. MEMBROS DA AMÉRICA DO NORTE ........................................................................ 23
4.2. MEMBROS DA AMÉRICA CENTRAL E DO CARIBE................................................ 25
4.3. MEMBROS DA AMÉRICA DO SUL.............................................................................. 26
4.4. MEMBROS OBSERVADORES ...................................................................................... 31
5. PONTOS QUE UMA RESOLUÇÃO DEVE CONTER ................................................. 31
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 33
ANEXOS
ANEXO A – CARTÉIS, ROTAS DE DROGAS E TERRORISMO: CONEXÕES ............... 37
ANEXO B – UMA HISTÓRIA DO COMBATE AO NARCOTRÁFICO ............................. 43
2
CARTA AOS DELEGADOS
Caros delegados,
É com grande prazer que lhes damos as boas-vindas ao X MIRIN e lhes
agradecemos a opção pelo nosso comitê. Saibam que estamos bastante entusiasmados
ante a perspectiva de discutir com os senhores um problema tão interessante e complexo
como o narcotráfico nas Américas, durante cinco dias que, certamente, serão
memoráveis.
A discussão sobre drogas que se desenvolve na grande mídia peca pelo simplismo
e pela parcialidade, e o meio acadêmico se torna, muitas vezes, o único espaço em que
há um compromisso maior com uma compreensão mais profunda da questão e com uma
eventual busca de soluções. Trata-se de reconhecer que toda a sociedade está envolvida
num problema cujo combate requer não somente políticas de segurança e saúde
públicas, mas também investimento em educação, controle mais efetivo das fronteiras,
melhoria do Poder Judiciário, reformulação do Código Penal, reestruturação do sistema
carcerário, entre outras medidas. Sobretudo, porém, é necessário um diálogo global que
evite as dicotomias norte/sul e oferta/demanda e se volte para um enfrentamento menos
setorizado da questão das drogas.
O guia que agora lhes entregamos é fruto de muito empenho e tem o intuito de
ajudar os senhores no processo de preparação para o MIRIN. Lembramos, porém, que
ele deve servir apenas como uma base e um estímulo à sua dedicação, uma vez que,
para o sucesso de nossa simulação, é fundamental que os senhores busquem aprofundar
seu conhecimento sobre o tema e sobre suas respectivas políticas externas em outras
fontes.
Finalmente, gostaríamos de agradecer ao Secretariado a prontidão e a eficiência e
de desejar a todos ótimos estudos até o nosso encontro em julho. Estaremos, tanto neste
período como durante o evento, plenamente disponíveis para esclarecer quaisquer
dúvidas que os senhores venham a ter.
Que comecem as discussões!
Diego Ortiz Almeida Alexandre
Manuela Velho de Vilhena
Marina Prati de Aguiar Mendonça
Raphaela Amorim da Cunha
3
INTRODUÇÃO
Gostaríamos de iniciar este guia de estudos apresentando sua estruturação. De
início, falaremos sobre a história institucional da Organização dos Estados Americanos.
Veremos, além disso, a importância política histórica da Organização, que deixou de ser
um instrumento da hegemonia americana sobre o continente num contexto de Guerra
Fria para se tornar um fórum mais democrático de governança regional. Analisaremos
os objetivos da OEA – a prioridade da democracia, da soberania e da segurança na
agenda da organização –, bem como suas limitações, dentre as que destacamos o tabu de
questões como redução da demanda de entorpecentes. Enfocaremos, por fim, a história
e as funções da Assembleia Geral da OEA.
Depois, abordaremos certos pontos teóricos que julgamos importantes para o
entendimento do problema do narcotráfico. Trataremos, nesta seção, do modo como
uma questão regional se tornou global e das discussões em torno do tema nas
organizações internacionais. Trabalharemos a evolução histórica do conceito de
segurança hemisférica, que passou, nas últimas décadas, a abarcar o narcotráfico, e da
influência que essa mudança exerceu no curso das políticas públicas adotadas nas
Américas. Avaliaremos, finalmente, o desafio apresentado à soberania pelas iniciativas
multilaterais de combate à droga e a ameaça interna e transnacional que os grupos
criminosos representam à autoridade governamental.
Na seção seguinte, nos debruçaremos sobre a dinâmica geopolítica do
narcotráfico. Relacionaremos o cultivo da coca, da maconha e da papoula-dormideira às
ondas de consumo nos principais centros receptores, sobretudo os EUA, mas também,
cada vez mais, a própria América Latina e a Europa ocidental, e apresentaremos as
principais estratégias de combate ao narcotráfico, sem, contudo, detalhar os esforços
reais neste ponto.
Trataremos em seguida do posicionamento dos países americanos e da União
Europeia sobre o tema. Neste ponto, será importante expor a relação, muitas vezes
contraditória, entre o discurso adotado externamente e as práticas políticas implantadas
internamente no que tange ao narcotráfico continental. Delinearemos, ainda, os pontos
em que uma resolução aprovada pelo comitê deve se fundamentar e para a qual deverá
levar-se em conta não somente as complexas dinâmicas do problema, mas também as
delimitações do trabalho desenvolvido pela OEA.
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Por fim, é importante atentar para os dois anexos sobre questões geopolíticas
complementares ao final do guia. No primeiro
descreveremos as principais rotas
continentais e extracontinentais, traçaremos um histórico dos maiores cartéis
colombianos e mexicanos e trataremos, ainda, da associação entre eles e organizações
como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que apresenta mais
uma ameaça à segurança hemisférica. As ações governamentais de combate à oferta de
drogas como o Plano Colômbia e a Iniciativa Mérida, juntamente com o modo como
essas estratégias prejudicam a população, serão analisados no segundo anexo.
1. A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA)
1.1. BREVE HISTÓRIA INSTITUCIONAL
A Carta da Organização dos Estados Americanos, que foi assinada em 9 de maio
de 1948, na Nona Conferência dos Estados Americanos, em Bogotá, capital da
Colômbia, e entrou em vigor em 1951, estabeleceu a criação, no formato que
conhecemos hoje, da mais antiga organização regional do mundo. Congregando,
inicialmente, 21 Estados americanos1, a OEA expandiu-se ao longo do tempo e engloba,
atualmente, todos os 35 Estados independentes do continente. A Organização, no
entanto, não representou uma iniciativa pioneira. É, pelo contrário, herdeira de uma
série de tratados, instituições, negociações e acordos anteriores, entre os quais se
destacam a União Internacional das Repúblicas Americanas e a posterior União PanAmericana. As ideias de igualdade de tratamento e de solidariedade entre os Estados, de
não intervenção em assuntos internos ou externos e de resolução pacífica de conflitos,
marcantes na Carta (Organização dos Estados Americanos, s.d.c, p. 3-4), já estavam
presentes no inconsciente coletivo e nas normas internacionais de escopo latinoamericano anteriormente à OEA, e o surgimento dessas ideias e de iniciativas
1
Os Estados-membros iniciais da Organização dos Estados Americanos eram Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba (afastada da Organização em 1962, somente lhe sendo facultada a
readmissão em 2009; por não se ter ainda manifestado positivamente a esse respeito, Cuba não é
considerada membro ativo da OEA), El Salvador, Equador, Estados Unidos da América, Guatemala,
Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e
Venezuela.
5
multilaterais pode ser visto como forma de proteção mútua dos Estados da América
Latina contra a influência e o poder das grandes potências (Herz, 2011, p. 6-7).
Seguindo a linha de seus antecedentes, a Organização dos Estados Americanos
foi, assim, criada com o objetivo de promover a paz e a segurança no continente
americano, utilizando mecanismos de fortalecimento de vínculos entre Estados e atores
privados para tal. Além disso, a OEA se mostra preocupada com uma integração entre
os Estados que resulte na convergência de seus interesses comerciais, escopo que
tampouco lhe é peculiar, visto que a cooperação comercial já estava presente como
objetivo nas relações amistosas travadas entre os Estados Unidos e a América Latina em
geral, mas particularmente após a Guerra de Secessão (1861-865) (Ibid., p. 8-9).
Considerada uma organização internacional regional dentro do sistema da
Organização das Nações Unidas (ONU), a OEA tem sua sede em Washington, D.C.,
nos EUA. Sua estrutura organizacional é dividida em órgãos; cada um deles possui uma
forma de aprovação de resoluções – que podem ter caráter recomendatório ou
obrigatório –, seja por maioria simples, seja qualificada. Em todos eles, contudo, cada
Estado possui apenas um voto, de forma coerente com a ideia de igualdade entre os
Estados-membros a que a Organização se propõe, para que não haja privilégios ou
tratamento diferenciado de nenhum membro (Shaw, 2003, p. 64).
1.2. O PAPEL HISTÓRICO DA OEA
Tendo nascido em pleno começo da Guerra Fria, a Organização dos Estados
Americanos foi moldada e utilizada, em suas primeiras décadas de existência, segundo
os termos impostos pelo enfrentamento indireto das duas superpotências de então,
Estados Unidos e União Soviética. A relevância da América Latina como esfera de
influência dos EUA levou o Estado a voltar parte de seus esforços para assegurar que a
trajetória e as ações da OEA fossem consoantes com seus interesses. Assim, por meio
de declarações ou ações de Washington, o princípio de não intervenção, central no
ideário da Organização, foi reinterpretado e ressignificado pela potência americana. A
visão de intervenção como infiltração de ideias estranhas ou hostis – que, se não exclui
a intervenção territorial e política, ao menos se omite acerca dela – somada à
possibilidade adicional da existência de ditaduras, contanto que estas servissem para
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manter a estabilidade e a previsibilidade políticas, permitiram e legitimaram atos como
o golpe de Estado, orquestrado pela Agência Central de Inteligência (CIA), que depôs o
presidente guatemalteco Jacobo Árbenz Guzmán em 1954, ou o apoio às ditaduras que
se espalharam pela América Latina nos anos posteriores (Herz, 2011, p. 12-13).
Da mesma forma, a Revolução Cubana, em 1959, e a Crise dos Mísseis, em 1962,
somadas, ocasionaram a enérgica atuação dos EUA na OEA de modo a afastar
definitivamente Cuba da Organização e proteger, assim, a esfera de influência
americana. A oposição estadunidense a todo governo de orientação marxista-leninista
traduziu-se em uma resolução da própria Organização, em janeiro de 1962, que
suspendeu o status de Estado-membro de Cuba; e, em face à Crise dos Mísseis, a
potência também buscou suporte na OEA para sua proposta de quarentena, aprovada
por unanimidade – vale lembrar que, caso o mesmo fosse feito na ONU, a Rússia
certamente vetaria. Vê-se claramente a manipulação da Organização pelos Estados
Unidos de forma a garantir seus objetivos no continente, e muito comumente se afirma
que, durante os anos mais intensos da Guerra Fria, particularmente a década de 1960, a
OEA não passou de instrumento americano de política externa e poder. Conforme
discordâncias da postura americana foram surgindo na América Latina, a Organização
foi perdendo relevância, e os Estados-membros, tanto os EUA quanto os demais,
buscaram outras vias de ação que não independessem da OEA.
O fim da Guerra Fria, entretanto, foi acompanhado de uma revitalização da
Organização. Os temas da agenda da OEA se diversificaram, abrindo espaço para
discussões pouco ou nada presentes anteriormente – dentre as quais se destacam o
tráfico de drogas, as políticas de imigração e de refugiados, os problemas ambientais, o
terrorismo e os direitos humanos2. A retomada da democracia e do livre-comércio como
fundamentos da Organização foram cruciais para essa reforma. Todavia, o que
verdadeiramente possibilitou tal ressurgimento foi o fato de a OEA não poder mais ser
retratada como essencialmente um instrumento da política externa americana, como
coloca Mônica Herz. A autora relaciona uma série de fatores para essa alteração dos
papéis da OEA e, principalmente, dos EUA: a virada à esquerda em muitos países, a
diversificação de suas políticas externas, o abismo entre os principais interesses dos
2
A inserção do tópico de direitos humanos na agenda da OEA é, na verdade, anterior ao fim da Guerra
Fria. Em 1948, juntamente com a Carta da OEA, foram também assinados o Tratado Americano sobre
Soluções Pacíficas (ou “Pacto de Bogotá”) e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Esta última deu origem ao Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (SIPDH), que se
fortaleceu e se expandiu com a assinatura, em 1969, da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Ainda assim, o tema era secundário e ganhou mais forças apenas com a revitalização da Organização.
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EUA e os objetivos da região, tais como drogas, terrorismo e migrações, e o foco dos
governos latino-americanos, além da falta de uma estratégia clara que emane de
Washington, colocam os Estados Unidos em uma posição muito diferente no
Hemisfério. Assim, o significado de multilateralismo dentro da OEA mudou
gradualmente (Ibid., 2011, p. 18).
Observa-se, dessa forma, que, após a Guerra Fria, a OEA retomou paulatinamente
sua relevância como fórum regional americano, alteração que só foi possibilitada pela
mudança de posição dos EUA. A introdução de novos temas na agenda e o retorno aos
princípios fundamentais conferiram novo ânimo à Organização, que se reposicionou no
cenário internacional e passou a buscar maior atividade.
1.3. A OEA HOJE: PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E LIMITAÇÕES
A Organização dos Estados Americanos baseia-se, hoje, em quatro principais
pilares: a democracia, os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento. Tais
pilares não representam inovações ou novidades; já estavam presentes na Carta da
Organização, assinada em 1948. O que a revitalização da OEA fez, após o longo
período da Guerra Fria, foi fortalecer e retificar seus próprios fundamentos e princípios,
dado que alguns deles haviam sido reinterpretados de forma tendenciosa no auge da
polarização da política internacional, como já explicitado anteriormente. Assim, a
Organização assume uma estratégia quádrupla para a implementação de seus objetivos.
Os quatro pilares se apoiam mutuamente e se interligam por meio de uma estrutura
embasada no diálogo político, na capacidade de inclusão, na cooperação, em
instrumentos jurídicos e em mecanismos de acompanhamento, que fornecem à OEA as
ferramentas necessárias para a realização eficaz de seu trabalho no Hemisfério
(Organização dos Estados Americanos, s.d.f).
Convém, neste momento, esclarecer o que se entende por cada um dos pilares,
bem como elucidar conceitos-chave envolvidos com os mesmos e com as propostas da
OEA. O primeiro pilar faz referência à democracia, e é de suma importância para a
compreensão do ideário e dos objetivos da Organização. Um regime que preze pela
supremacia do povo na condução da política de uma sociedade é, para a OEA, ideal e
imprescindível para que se possa garantir a paz, a segurança e o desenvolvimento do
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continente (Organização dos Estados Americanos, s.d.h). A democracia se liga, assim,
profundamente aos outros três pilares.
O segundo pilar, sobre os direitos humanos, visa garantir a dignidade do ser
humano e a justiça nas relações humanas. Insere-se no cerne do ideário da Organização
e está necessariamente nos fundamentos e pressupostos de qualquer tema ou discussão
levantados no seio da mesma. Nas palavras da própria Carta da OEA,
(...) o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não
pode ser outro senão o de consolidar neste Continente, dentro do quadro das
instituições democráticas, um regime de liberdade individual e de justiça
social, fundado no respeito dos direitos essenciais do Homem (Organização
dos Estados Americanos, s.d.c, p. 3).
O terceiro pilar, por sua vez, diz respeito à segurança dos Estados-membros e da
América como um todo. O conceito de segurança é, para a OEA, multidimensional, e
engloba formas de ameaça e perigo tanto tradicionais quanto novas que possam
desestabilizar ou ferir a integridade dos Estados-membros e pôr em xeque a paz no
continente. Conflitos armados, terrorismo, crime organizado, tráfico ilegal de armas e
diversos outros representam risco para toda a sociedade americana e também para a
Organização e devem ser combatidos ou resolvidos de maneira contundente, mas
pacífica. A OEA propõe, dessa forma, uma concepção de segurança bastante inclusiva,
mas que parta da proteção do ser humano (Organização dos Estados Americanos, s.d.d,
p. 3) e evidencie, assim, ligação estreita com o segundo pilar.
O quarto e último pilar versa sobre um dos grandes objetivos da OEA, o
desenvolvimento dos Estados-membros. Esse pilar é extenso e abarca uma grande
variedade de temas, dos quais se destacam o desenvolvimento econômico, com projetos
em cooperação econômica internacional e nos setores domésticos de competitividade,
turismo, ciência, tecnologia e inovação, micro, pequenas e médias empresas, entre
outros; o desenvolvimento do ser humano, com incentivos à educação, à promoção da
democracia e à cultura; o desenvolvimento social, com investimentos nas áreas de
emprego, migração, proteção ao consumidor e outras; e o desenvolvimento sustentável,
com orientações a respeito da adaptação às mudanças climáticas, da legislação
ambiental, da energia sustentável, do gerenciamento de risco dos recursos naturais, entre
outros (Organização dos Estados Americanos, s.d.a). Dessa forma, a OEA visa auxiliar
os Estados-membros em seus esforços no combate à pobreza e à desigualdade social.
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Além dos quatro pilares, um conceito é essencial para a compreensão da OEA, de
seus objetivos e de sua forma de ação: a soberania. Soberania envolve a legitimidade
interna e a não intervenção externa, ou seja, o reconhecimento de uma sociedade da
licitude dos atos de seu aparelho governamental, em conjunto com a liberdade de ação,
tanto no plano doméstico quanto no plano internacional, sem interferências de qualquer
outro Estado ou ator não estatal. Como explicitado na Carta da OEA,
[t]odo Estado tem o direito de escolher, sem ingerências externas, seu sistema
político, econômico e social, bem como de organizar-se da maneira que mais
lhe convenha, e tem o dever de não intervir nos assuntos de outro Estado
(Organização dos Estados Americanos, s.d.c, p. 5).
O respeito à soberania é fundamental para a OEA – pode-se dizer mesmo que é
um mecanismo para proteger os Estados latino-americanos face à hegemonia
estadunidense (Shaw, 2003, p. 64) – e dele deriva a forma de agir da Organização, que
preza também pela igualdade de tratamento entre os Estados-membros. Dessa maneira,
com o princípio de não intervenção e a igualdade entre os membros, torna-se possível a
cooperação e a solidariedade entre os Estados e, consequentemente, o cumprimento dos
objetivos que movem a OEA.
O papel da OEA é, entretanto, restrito. Os pilares e princípios analisados, ao
mesmo tempo em que fornecem os rumos da atuação da Organização, geram, em
conjunto com outros fatores, também limites para a mesma. Mônica Herz aponta
claramente os fatores mais relevantes: seu papel é limitado se comparado ao de outras
organizações regionais ou de agências da ONU. O processo de tomada de decisões
baseado no consenso e o enorme respeito pela soberania dos Estados, a limitação dos
recursos disponíveis, as divisões entre os Estados-membros e mesmo a falta de uma
capacidade militar explicam essa situação (2011, p. 93).
Os pontos listados acima muitas vezes dificultam a tomada de decisões amplas e
efetivas, de largo alcance e aplicação. Clivagens internas e a falta de interesse de olhares
voltados para fora da OEA embaraçam o processo e o tornam ineficaz, restringindo o
consenso – frequentemente necessário à aprovação – a matérias de pouca importância.
Ainda assim, a OEA representa um importante fórum na América, e sua margem de
atuação cresceu consideravelmente com o fim da Guerra Fria. Perdeu força, dessa
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forma, seu estigma de instrumento estadunidense, mesmo que não tenha sido
completamente negligenciado.
Temas espinhosos ainda são de difícil abordagem. A discussão sobre narcotráfico
e uso de drogas, por exemplo, tem pontos – como o debate sobre redução da demanda
de drogas – que provocam polêmica ou a representam eles mesmos, e por isso não são
interessantes para os Estados envolvidos que se sintam desconfortáveis. Contudo, há
que se reconhecer os avanços no tema proporcionados pelos esforços da Comissão
Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), com projetos em
múltiplas frentes e debate de variadas questões. Avanços são, muitas vezes, lentos e
gradativos, mas resultados vão sendo verificados com o tempo.
1.4. A ASSEMBLEIA GERAL DA OEA
A Assembleia Geral da OEA é o órgão supremo da Organização; detém o poder
de tomada das principais decisões de ação. É formada por representantes de todos os
Estados-membros, cada um dos quais tem direito a um voto. Suas resoluções são
aprovadas por maioria absoluta, com exceção de sua própria agenda e do orçamento da
OEA, que seguem regime de maioria qualificada, ou seja, passam com dois terços de
votos a favor. Suas reuniões acontecem anualmente em localização selecionada segundo
a regra de rodízio (Organização dos Estados Americanos, s.d.b).
Entre outras responsabilidades, é a Assembleia Geral que deve decidir as políticas
gerais da Organização, bem como determinar a estrutura e as funções dos demais órgãos
e considerar qualquer questão que envolva os relacionamentos entre Estados
americanos; estabelecer medidas para a coordenação de atividades de órgãos, agências e
entidades da própria Organização e dessas atividades com as de outras instituições do
sistema interamericano; reforçar e coordenar a cooperação com a ONU e suas agências
especializadas; promover colaboração, especialmente econômica, social e cultural com
outras organizações internacionais que possuam propósitos similares aos da OEA;
aprovar programas de orçamento da Organização e determinar a cota de cada Estadomembro; considerar os relatórios da Reunião de Consulta dos Ministros de Relações
Exteriores e as observações e recomendações apresentadas pelo Conselho Permanente;
adotar princípios gerais para governar as operações da Secretaria Geral; e implantar,
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também, suas próprias regras de procedimento e sua agenda (Organização dos Estados
Americanos, s.d.c, p. 18).
2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
2.1. A GLOBALIDADE DO NARCOTRÁFICO
O narcotráfico, embora seja um fenômeno extremamente complexo, é comumente
definido como uma “empresa transnacional dedicada ao
tráfico de drogas ilegais, que
não paga impostos e gera os maiores lucros” (Santana, 1999, p. 101). Por outro lado,
assim como o processo produtivo em que empreendimentos lícitos estão inseridos, a
mercadoria comercializada no tráfico ilegal de drogas também atravessa diversas fases
de produção e, além disso, o próprio mercado como um todo está sujeito às dinâmicas
políticas e econômicas do cenário internacional e baseado na lógica da oferta e da
demanda. Dessa forma, com a intensificação dos fluxos de bens de consumo, de pessoas
e de capital acarretada pela globalização, principalmente a partir da década de 1970, o
tráfico internacional de drogas, seguindo a ordem política e econômica vigente, também
se globalizou (Procópio Filho & Vaz, 1997, p. 99).
O primeiro aspecto global do narcotráfico é a distribuição territorial de suas
atividades. Enquanto o cultivo e a colheita das plantas utilizadas como matéria-prima
ocorrem em alguns países latino-americanos e asiáticos, as rotas destinadas ao
transporte das drogas envolvem outros países e o consumo do produto em si se dá em
um terceiro território. O tráfico internacional de drogas se mostra estreitamente alinhado
ao sistema capitalista global, uma vez que adota a atual Divisão Internacional do
Trabalho (Santana, 1999, p. 101).
A América Latina e a Ásia representavam, no fim do século XX, os maiores
centros de produção de drogas do mundo e, consequentemente, os grandes fornecedores
delas para os países desenvolvidos, que constituíam os principais mercados
consumidores. Tais mercados, por se localizarem em nações mais ricas, apresentavam
maior capacidade financeira de adquirir os produtos, fato que tornou o tráfico ilegal de
drogas um empreendimento extremamente lucrativo (Ibid., p. 101-102).
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O principal mercado consumidor para a droga latino-americana são os EUA e, em
menor escala, a Europa. Contudo, o narcotráfico não abarca apenas o país fornecedor e
o consumidor. Por se tratar uma atividade ilegal, busca, na verdade, uma diversidade de
rotas para que as drogas cheguem ao destino esperado. Com isso, países vizinhos dos
produtores e consumidores são inseridos nessa dinâmica, seja na produção da droga,
seja em seu tráfico (Ibid., p. 101).
Outro fator que contribui para a globalização do problema do tráfico ilegal de
drogas é a tecnologia. Os avanços tecnológicos do sistema capitalista global, por
tornarem cada vez mais fácil a projeção de novas drogas e o acesso à informação por
meio da internet, auxiliam o desenvolvimento dessa empresa ilícita (Ibid., p. 102-103).
A internacionalização do problema foi um dos fatores que conferiu a este maior
espaço nas discussões das organizações internacionais a partir da década de 1980. Outro
acontecimento determinante para o aumento da preocupação com o assunto foi a
“epidemia da cocaína” do fim da década de 1970. No período, o consumo dessa droga
aumentou consideravelmente, de maneira proporcional ao poder dos cartéis
responsáveis por seu tráfico e à querela entre países do norte e do sul, em que cada lado
da disputa buscava responsabilizar o outro pelo tráfico de drogas. À procura de uma
solução para esse problema, a Assembleia Geral da OEA determinou, em novembro de
1984, que fosse organizada uma conferência especializada no tema do narcotráfico,
realizada em 1986, no Rio de Janeiro (Comissão Interamericana para o Controle do
Abuso de Drogas, s.d.a).
Na Primeira Conferência Interamericana Especializada no Tráfico de Drogas, foi
aprovada o Programa de Ação Interamericano do Rio de Janeiro contra o Uso Ilícito e a
Produção de Droga, cujo principal objetivo era fazer da América, principalmente a
América Latina, um ambiente onde o desenvolvimento socioeconômico fosse possível
por meio da melhora da qualidade de vida proporcionada por uma política de controle e
fiscalização do narcotráfico. O programa afirmava, também, que o tráfico de drogas se
configurava como um fenômeno transnacional que punha em risco a soberania estatal e
a segurança individual. Por isso, a fim de preservar a democracia, a dignidade individual
dos cidadãos e a segurança dos Estados do continente, a cooperação bilateral e
multilateral entre as nações como forma de combater tráfico se fez necessária
(Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.c).
A Conferência recomendou também à Assembleia Geral da OEA que fosse criada
a Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas (CICAD), órgão técnico
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que seria responsável pelo controle de drogas ilícitas. Suas ações, entretanto, deveriam
sempre levar em conta o desenvolvimento socioeconômico das nações em pauta, bem
como os direitos humanos, o meio-ambiente e a preservação da cultura local (Comissão
Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a).
Na década de 1990, o CICAD teve como principal objetivo aprofundar e
intensificar a luta dos países americanos contra as drogas, enfatizando, em seus
documentos, a união dos Estados contra o problema do narcotráfico. Em junho de 1997,
foi adotada, pela Assembleia Geral da OEA, a Estratégia Antidrogas do Hemisfério, que
trouxe como importante contribuição a ideia de responsabilidade compartilhada. Além
de reforçar os objetivos e atividades do CICAD, tal Estratégia apresentou o narcotráfico
como um fenômeno global multifacetado e apontou todos os países do continente como
responsáveis por encontrar uma maneira de entender o narcotráfico em todas as suas
dimensões com o intuito de enfrentá-lo de forma eficiente (Comissão Interamericana
para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a). Com isso, o problema do tráfico ilegal de
drogas passou a ser abordado como o fenômeno global que, de fato, se havia tornado.
2.2. A QUESTÃO DA SEGURANÇA HEMISFÉRICA
A América Latina apresentava, no início do século XX, problemas crônicos no
que se refere à sua própria segurança, como conflitos fronteiriços e vulnerabilidade
econômica e política dos Estados que a compõem. Tais deficiências podem representar
grandes desafios à convivência pacífica entre os Estados e fazer da América Latina um
ambiente propício ao desenvolvimento de um sistema de segurança coletiva a fim de
impedir futuros conflitos (Pagliari, 2006, p. 26-27). Esse sistema de segurança coletiva
pode ser definido, segundo a Universidade do Colorado (s.d.), como um tipo de
estratégia de coalizão em que as nações participantes concordam em não atacar umas às
outras e em se defender mutuamente, caso uma delas seja agredida. O desenvolvimento
do processo de formação de uma organização responsável pela mediação das relações
entre os países do Hemisfério deu origem ao que hoje é a OEA (Organização dos
Estados Americanos, s.d.g).
A fim de tornar o continente seguro, os mecanismos de segurança e defesa
coletivas do Hemisfério começaram a ser delineados no ano de 1936, quando ocorreu a
14
Conferência Interamericana de Consolidação da Paz. Durante essa conferência, foi
aprovada a Declaração de Princípios de Solidariedade e Cooperação Interamericana,
que previa que qualquer ato capaz de abalar a paz nas Américas seria considerado uma
ação contra todas as repúblicas do continente (Pagliari, 2006, p. 28).
Contudo,
as
bases
institucionais
desse
sistema
foram
estabelecidas
posteriormente, a partir da década de 1940. Em 1942, foi realizada a Conferência do Rio
de Janeiro, onde se criou a Junta Interamericana de Defesa (JID), cujo objetivo era
planejar uma estratégia de defesa conjunta dos Estados americanos contra ofensivas
externas (Ibid., p. 28). Em 1944, as organizações regionais que foram autorizadas pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas se tornaram responsáveis pela mediação de
conflitos locais. Embora, à época, ainda não tivesse o nome de OEA, o sistema de
segurança coletiva americano ganhou importância e poder com a autorização da ONU,
na medida em que já era considerado uma organização regional. No ano seguinte, a
Conferência sobre os Problemas da Guerra e da Paz, em Chapultepec, México,
estabeleceu a Declaração de Assistência Recíproca e Solidariedade Americana mediante
a assinatura da Ata de Chapultepec, cuja intenção era reafirmar a solidariedade
hemisférica de 1936 (Id.).
Em 1947, os EUA propõem a Doutrina Truman, que disponibiliza a força militar
norte-americana para intervenção em conflitos de países aliados que sejam atacados por
forças comunistas ao redor do mundo. No mesmo ano, organiza-se a Conferência
Interamericana para Manutenção da Paz e Segurança do Continente, na qual se assina o
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que concretiza tanto a
concepção de segurança coletiva por meio da formação de uma aliança de auxílio
militar mútuo entre os países da América contra ataques externos como o compromisso
de resolver as controvérsias entre os países do Hemisfério por meio do diálogo (Ibid., p.
29).
Apesar de utilizar meios pacíficos para a resolução de conflitos, o TIAR não se
demonstrou eficiente com relação ao que era essencialmente seu propósito. Tornou-se,
em vez de um mecanismo capaz de dissuadir agressões externas, um sistema voltado
para impedir a intervenção soviética e a expansão comunista. Em alguns casos, o TIAR
foi invocado por Estados americanos, mas não foi executado. O caso mais emblemático
é o da Guerra das Malvinas, em 1982, quando os EUA se abstiveram de apoiar a
Argentina, país participante do Tratado, contra o Reino Unido, demonstrando que o
15
interesse estadunidense muitas vezes orientava em que casos o TIAR seria aplicado
(Id.).
Com a criação da OEA, em 1948, o processo de estruturação da segurança
hemisférica pôde continuar, já que a Organização consagrou como um de seus
principais alvos a manutenção da paz no continente americano. Finalmente, em 1962,
foi criado o Colégio Interamericano de Defesa (CID), órgão da JID responsável pela
preparação de pessoal qualificado para a proteção militar do continente. Essa iniciativa
concluiu o processo de estabelecimento das bases de segurança coletiva do continente
(Ibid., p. 30).
O mecanismo de segurança coletiva das Américas teve de sofrer mudanças com o
fim da Guerra Fria. Durante o conflito, a agenda de segurança dos EUA e dos outros
países americanos era restrita a temas tradicionais de segurança, como a ameaça de
invasão pela outra potência e demais preocupações de ordem bélica. Porém, sem uma
potência hegemônica contrária aos norte-americanos, o continente se mostrou estável e
sem conflitos entre os Estados, já que a grande maioria possuía um sistema político
democrático alinhado ao antigo bloco capitalista (Manwaring et al., 2003, p. v). O fim
da ameaça comunista e da bipolaridade tornou possível que os países se concentrassem
no combate de outras ameaças à segurança que antes não eram priorizadas por suas
agendas políticas (Pagliari, 2006, p. 30-33). O narcotráfico foi uma dessas questões,
inserido como problema de segurança hemisférica na Primeira Conferência
Especializada no Tráfico de Drogas, realizada em 1986 (Comissão Interamericana para
o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a).
Os Estados sentiram, como consequência, a necessidade de revitalizar e
modernizar os mecanismos de segurança para satisfazer as mudanças no cenário político
continental. Com esse propósito, as nações americanas precisaram refazer suas agendas
nacionais de segurança, assim como a agenda comum de defesa, e passaram a
incorporar os novos problemas explicitados pelo fim da Guerra Fria. O resultado foi o
estabelecimento de uma agenda multidimensional em 2002, por meio da Declaração de
Bridgetown (Pagliari, 2006, p. 31).
Em 2003, porém, foi realizada, no México, uma Conferência Especial sobre
Segurança, na qual não foi possível estabelecer novos mecanismos de segurança ou uma
resposta unânime e coesa de todos os membros aos novos problemas de segurança.
Como cada Estado possui interesses diferentes para si e para o continente e
interpretações distintas sobre os problemas de defesa, se torna difícil o estabelecimento
16
de uma agenda eficiente e comum de segurança hemisférica. Além disso, o continente
está inserido em uma dinâmica em que nunca esteve antes, na qual a ameaça a ser
combatida é transnacional e , para combatê-la, é necessária a cooperação (Id.).
O narcotráfico se concretizou como uma das ameaças mais poderosas à
democracia e à estabilidade no continente americano; em 2010, foi, portanto, adotada
pelo CICAD e pela Assembleia Geral da OEA a nova estratégia hemisférica de drogas.
Segundo o Secretário-Geral da Organização, José Miguel Insulza (2010), o aumento da
violência no continente está diretamente relacionado ao aumento do consumo de drogas,
ocorrido independentemente dos esforços dos mecanismos de segurança para impedir o
tráfico. Dessa forma, nesse momento, se fez necessária uma mudança de tática no
combate ao tráfico de drogas.
A nova Estratégia Hemisférica de Drogas tem o objetivo de desenvolver não
somente os mecanismos de controle da demanda dos países, mas também os
relacionados aos dependentes de drogas, por reconhecer a dependência como uma
doença que deve ser devidamente tratada pelo sistema de saúde pública de cada Estado.
Segundo a nova Estratégia, a redução do consumo de drogas enfraqueceria os cartéis –
e, por conseguinte, o tráfico de drogas em si (Comissão Interamericana para o Controle
do Abuso de Drogas, s.d.b).
A incorporação do tema do narcotráfico à agenda de segurança dos países
americanos é, assim, extremamente importante para o desenvolvimento das políticas
públicas de combate às drogas. Por se tratar de um crime internacional e transnacional,
que não se restringe a fronteiras, o tráfico de drogas não é assunto interno de nenhum
governo, mas de todos os do continente. Logo, para que o negócio seja combatido, é
necessário que os diversos governos do Hemisfério alinhem suas políticas de combate e
atuem juntos para desestabilizar o esquema dos cartéis responsáveis pelo narcotráfico
(Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.b).
2.3. A RELAÇÃO ENTRE NARCOTRÁFICO E SOBERANIA
O tráfico ilegal de drogas apresenta, ainda hoje, riscos de naturezas distintas para
a soberania dos países das Américas. Por um lado, a própria estratégia de combate
conjunto ao narcotráfico parece impor certos limites à soberania nacional dos Estados;
17
por outro, os governos enfrentam a ameaça interna e transnacional que os cartéis
responsáveis pela produção e pelo tráfico de drogas representam à soberania territorial e
política.
O primeiro ponto relevante acerca do tema da soberania no que tange ao
narcotráfico se refere aos esforços de caráter multilateral que têm, cada vez mais, sido
requisitados pelos mecanismos de segurança hemisférica como a forma mais eficiente
de resolver o problema do tráfico de drogas (Comissão Interamericana para o Consumo
do Abuso de Drogas, s.d.b). Não é, todavia, tão fácil que os Estados americanos
estabeleçam uma agenda comum de segurança para o Hemisfério, porque as agendas
nacionais de segurança são diferentes entre si. Um dos pontos em comum a essas
agendas é a defesa do direito soberano que os Estados possuem de definir suas
prioridades de segurança e suas estratégias para enfrentá-las (Pagliari, 2006, p. 31-32).
A utilização de um mecanismo unificado de combate ao tráfico de drogas se mostra,
consequentemente, conflitante com soberania estatal, já que a política a ser
implementada nesse combate não será determinada unicamente por um Estado, mas por
um conjunto deles. Para que a soberania fosse preservada, seria necessário um consenso
em relação a tal política, o que, como exposto acima, é difícil de ser alcançado.
Outro desafio à soberania das nações hemisféricas é representado pelos cartéis de
drogas. Esses grupos, os atores responsáveis pela produção e pelo tráfico de
entorpecentes no Hemisfério Ocidental, têm como objetivo extrair lucro de suas
atividades comerciais. O desenvolvimento dos cartéis ao longo do tempo lhes permite
crescer e exportar suas atividades para outros territórios (Manwaring, 2007, p. 3-4).
Ao expandir seus interesses econômicos e políticos, os grupos se desenvolvem e
se tornam mais ramificados, aumentando seu mercado e seu número de aliados. Além
disso, se engajam, normalmente, em outras atividades criminosas, tais como o tráfico de
pessoas e de órgãos, assassinatos e sequestros, com o intuito de preservar a própria
segurança e a de seus negócios. Esse desenvolvimento faz dos grupos verdadeiras
empresas do crime organizado, que possuem suas próprias agendas políticas e
econômicas (Ibid., p. 4-6).
Um cartel se torna uma ameaça à soberania estatal quando seu nível de integração
é alto, uma vez que ele passa a controlar territórios negligenciados pelo governo e/ou
adquire a admiração e o respeito da camada mais pobre da população. Esse processo
rompe o monopólio do Estado soberano sobre o uso da força e sobre a política (Ibid., p.
6). O desenvolvimento dos cartéis foi tão grande que, ao longo das décadas, muitos
18
deles se tornaram atores transnacionais mediante o estabelecimento de alianças com
outros grupos. Portanto, não é somente à soberania do Estado em que emergem que os
cartéis representam uma ameaça, mas também à dos Estados vizinhos. Quanto maior é a
estrutura desses grupos, maior é a capacidade deles de interferir em assuntos políticos e
econômicos dos países em que possuem “representações” e sobre os quais pousam seus
interesses. O narcotráfico se configura, portanto, como uma ameaça à segurança
hemisférica porque infringe a soberania política dos países, cuja manutenção é um dos
principais objetivos da segurança.
3. GEOPOLÍTICA DO NARCOTRÁFICO
3.1. TENDÊNCIAS DE CULTIVO E DE CONSUMO
Ao examinarmos o tráfico internacional de drogas, observamos que a distinção
tradicional de que países subdesenvolvidos produzem maconha, cocaína e opioides e os
enviam a países desenvolvidos se está enfraquecendo (Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crime, 2012, p. 66). O mercado é gigantesco; o Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) estima que, no ano de 2010, entre 153 e 300
milhões de pessoas de 15 a 64 anos de idade tenham usado pelo menos um tipo de
substância ilícita (Ibid., p. 7). Os problemas à saúde da população mundial são
igualmente evidentes, uma vez que, novamente segundo o UNODC (Id.), entre 10 e
13% dos usuários são dependentes, e entre 0,5 e 1.3% das mortes registradas no ano em
questão foi provocado pelo consumo de drogas. Neste ponto, uma definição nos pode
ser útil: abuso de drogas, segundo a CIA (s.d.), é o uso de qualquer substância química
lícita ou ilícita que implique a debilitação física, mental, emocional e/ou
comportamental de um indivíduo.
Nas Américas, o sentido sul-norte da produção de entorpecentes ainda se verifica,
mas, logicamente, o narcotráfico continental possui dinâmicas próprias. É essencial
ressaltar que tratar dos três principais tipos de droga ilícita traficados ao longo do
continente – cocaína, maconha e opioides – não significa analisar apenas sua produção.
Se é a demanda que determina a oferta, o cultivo das plantas de que se originam os
19
narcóticos aqui abordados se destina a suprir uma demanda – essencialmente anglosaxônica, embora o mercado latino-americano esteja em ascensão (Woodrow Wilson
Center Update on the Americas, 2012, p. 3). Ainda assim, como visto na seção anterior,
a discussão do narcotráfico no âmbito da OEA não abarca redução da demanda. Por
isso, deveremos concentrar-nos na oferta.
Julia Buxton (2006, p. 5) analisa o papel histórico das drogas nas sociedades e
verifica que elas são quase onipresentes: apenas quatro entre 237 culturas pesquisadas
não possuem registro de uso de substâncias psicoativas, tanto porque eram grupos
isolados como porque não tinham condições de cultivá-las.
As drogas estudadas pela autora são as mais consumidas pela humanidade,
produzidas a partir de três plantas: a papoula e a maconha, originárias da Ásia, e a folha
de coca, cujo uso mais tradicional é associado aos indígenas andinos, que a consomem,
até hoje, como estimulante físico para tarefas árduas. Era, também, usada pelos incas
como sacramento religioso e venerada como dádiva da natureza; seu consumo ou
inalação era promovido como meio de comungar com as divindades e de alcançar
iluminação espiritual (Id.).
Curiosamente, contudo, não há registros de abuso de drogas nessas sociedades
tradicionais, impedido por imperativos morais, aliados à repreensão comunitária em
caso de excesso e ao cultivo balanceado de – no caso andino, especificamente – coca,
batata e milho (Id.). Vemos, portanto, que antes de constituir um mercado altamente
lucrativo de escala planetária, a droga essencialmente latino-americana possuía uma
função social cultural, à qual voltaremos mais tarde.
A coca enviada primariamente para os cerca de dez milhões de consumidores
norte-americanos e europeus continua a provir exclusivamente dos Andes.
Especificamente, a produção da folha se dividia, em 2007, entre Colômbia (55% da área
cultivada), Peru (30%) e Bolívia (16%) (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime, 2008, p. 7). Embora esses países detenham, de fato, um monopólio virtual do
cultivo de coca, os governos de países da região como Equador e Venezuela relataram a
ocorrência de plantio em pequena escala em seus territórios. (Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 35).
Por meio dos dados gráficos fornecidos pela UNODC (2008, p. 7), para o período
entre 1990 e 2007, observam-se diversas modificações na dinâmica do plantio da droga
na região. Ao longo da década de 1990, a área total de cultivo permaneceu estável em
torno de 2.000km2, mas, gradualmente, houve uma mudança na divisão da produção: se
20
o Peru, até 1996, cultivava a maior parte da droga andina, a Colômbia, a partir do ano
seguinte, o ultrapassou. A produção colombiana viu seu auge entre 1999 e 2000 e
chegou a conduzir a um aumento da área total de cultivo para quase 2.250km2. A partir
de 2001, no entanto, viu-se um declínio drástico da área de cultivo colombiana, que
resultou, novamente, num impacto no total produzido. Entre 2002 e 2006, o cultivo da
coca, em média, ocupou pouco mais de 1.500km2. Em 2007, contudo, observa-se que a
produção tomou novo impulso, embora se tenha mantido em torno de 1.750km2, nível
bastante inferior aos registrados no início da década.
Dados mais recentes do mesmo Escritório (2012, p. 35) revelam que a produção
total foi gradualmente reduzida desde então, motivada pela postura combativa do
governo colombiano – que analisaremos mais tarde. O Peru, entretanto, voltou a
aumentar sua produção da droga, cuja área se equiparava, em 2010, à colombiana. Os
dois países respondiam, juntos, por quase 80% de um total de 1.492km2 cultivados. Os
cerca de 20% restantes foram supridos pela Bolívia. Esses dados nos mostram, portanto,
que as ações governamentais de combate à oferta de drogas podem ser bastante eficazes
em determinado território nacional, mas a produção é facilmente transferida para
regiões que não oferecem as mesmas resistências (Woodrow Wilson Center Update on
the Americas, 2012, p. 3-5).
No que tange ao consumo, podemos verificar a existência de três grandes
mercados para a coca: a América do Norte, a América do Sul e a Europa ocidental e
central (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 37). Nos EUA,
que seguem sendo o maior consumidor de cocaína do mundo (CIA, s.d.), observou-se,
em 2010, uma queda substancial na prevalência3 do uso de cocaína que se deveu,
sobretudo, à considerável redução da quantidade ofertada pela Colômbia, principal
fornecedora da droga ao mercado norte-americano, e às disputas por território entre
cartéis no México, que obstaculizaram o fluxo de cocaína através da fronteira com os
EUA.
Na Europa, por outro lado, a tendência contemplada foi de estabilização do
consumo em alguns países e de redução em outros. A redução da produção colombiana
deslocou para a Bolívia e o Peru o cultivo da droga destinada para o continente.
(Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 37-39).
3
O percentual de uma população que se enquadra em determinada condição médica indesejável.
21
O Brasil, segundo a CIA (s.d.), é o segundo maior consumidor de cocaína do
mundo. Em 2010, foram apreendidas 27 das aproximadamente 45 toneladas recolhidas
em toda a América do Sul. O Chile e a Argentina constituem, respectivamente, o
segundo e o terceiro mercados mais importantes para a droga na região (Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 40).
Mercados emergentes para o estimulante incluem a Europa Oriental, o Sudeste
Asiático e a Oceania. Ainda assim, eles representam uma pequena fração absoluta da
demanda global pela droga. As apreensões de drogas realizadas nessas regiões podem,
porém, levar a uma subestimação da quantidade consumida da droga, uma vez que as
autoridades de regiões onde o consumo de heroína é predominante tendem a acreditar
estar apreendendo esta em vez da outra (Id.).
O Afeganistão e Mianmar são, historicamente, os maiores produtores mundiais de
papoula-dormideira4 e abastecem o mercado extra-americano de opioides em sua
totalidade. O tráfico dessa categoria de drogas nas Américas é, portanto,
intracontinental. Cartéis colombianos têm feito experimentos com a papoula desde o
final da década de 1970 e, em meados da década de 1990, o país já se tornara um
importante fornecedor da droga para os EUA. O México por outro lado, também tem
sido uma fonte notável de heroína para o mercado norte-americano desde a década de
1970, sobretudo para o Oeste e Meio-Oeste do território do país (Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 21).
Estima-se que, em 2010, a área total de cultivo de papoula no México tenha sido
de 140km2, cifra que torna o país o terceiro maior produtor da planta no mundo,
superado apenas pelos dois países asiáticos citados acima. Esse nível, embora bastante
inferior aos 190km2 estimados para o ano anterior, revelam uma espiral de crescimento
que se vem observando desde 2006, na contramão da redução dramática da área
cultivada na Colômbia. (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p.
28). Esta, embora ainda seja a principal fornecedora de opioides para o nordeste dos
EUA e para o país como um todo (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime,
2008, p. 21), registrou, também em 2010, uma área de cultivo da papoula-dormideira de
apenas 3,41km2. Em termos globais, portanto, a produção colombiana é cada vez menos
relevante, mas, no âmbito americano, o país é o único, além do México, a cultivar a
4
Papaver somniferum, a planta a partir de cuja vagem se produzem opioides naturais como o ópio, a
morfina e a codeína e semissintéticos como a heroína (CIA, s.d.).
22
planta em larga escala para abastecer o continente de opioides. (Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 28).
A América Central tem-se tornado cada vez mais importante no cenário
continental de produção de papoula. Destacam-se, nesse sentido, Panamá, Costa Rica,
Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Nesta, estima-se que se tenha cultivado uma área
de cerca de 3km2 em da planta em 2007, quando a produção colombiana ainda abarcava
7,15km2, e a mexicana, 69km2 (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime,
2008, p. 21).
A prevalência de opioides nas Américas é estimada em torno de 2,2 milhões de
pessoas. Esse número corresponde a 13% do total mundial de usuários dessa classe de
droga em 2006. Nesse ano, o uso ascendeu no México, na Venezuela e na Argentina,
ainda que, na América do Sul – cujo maior mercado é, mais uma vez, o Brasil –, os
opioides mais consumidos sejam os sintéticos, que não provêm da papoula (Ibid., p. 22).
O comércio da maconha – tanto da erva como da resina, o haxixe – se dá de forma
bastante diferente. A maioria dos países não apenas consome a droga, mas também
cultiva o gênero de plantas (Cannabis) que a origina (Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crime, 2012, p. 43). No continente americano, a variante da maconha
que predomina é a erva (Ibid. p. 44), que se refere à droga produzida a partir dos botões
da flor da planta. Estes contêm maior concentração do principal ingrediente ativo, o
tetraidrocanabinol (THC), do que a glândula de resina de cuja compressão se produz o
haxixe (Ibid., p. 43).
As Américas produziram, em 2006, 55% das 41.400 toneladas de maconha
cultivadas no mundo. Dessa porcentagem, 56,4% provieram da América do Norte, e
43,6%, da América do Sul (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008,
p. 23). O México se destaca mais uma vez nesse cenário como um dos maiores
produtores mundiais (Id.), embora os EUA também sejam uma fonte importante da
droga, cultivada especialmente em terras públicas de reservas florestais da Califórnia e,
em menor escala, em residências. Ainda assim, o governo norte-americano avalia que
apenas 7% da maconha apreendida em 2010 tenham sido cultivados internamente
(Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 51).
A produção de maconha na América Central, embora considerável em termos
continentais, se destina primariamente ao consumo interno ou intrarregional (Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 24). Na América do Sul, as maiores
apreensões do ano de 2006 foram realizadas no Paraguai, importante fornecedor para os
23
vizinhos Argentina e Brasil, na Colômbia e no Brasil, que produz a droga apenas para
atender à enorme demanda interna (Ibid. p. 24-26).
O consumo do haxixe, mesmo que, conforme vimos, seja baixo no continente,
encontra
suas
principais
fontes
na
Jamaica
e
no
Paraguai,
responsáveis,
respectivamente, por 5 e 2,5% da produção mundial dessa variante da droga (Ibid. p.
24).
3.2. COMBATE GOVERNAMENTAL, PROBLEMAS E SOLUÇÕES
Por mais de trinta anos, o combate à produção e ao tráfico na América Latina e no
Caribe tem sido um dos maiores focos dos esforços norte-americanos de controle de
drogas. O fornecimento de fundos de assistência aos governos da região tem sido um
componente fundamental nessa estratégia antidrogas, cujo objetivo é desarticular o
narcotráfico em sua fonte. As táticas empregadas são, principalmente, a eliminação de
áreas de plantio e a apreensão de carregamentos de drogas, bem como o investimento
em debilidades econômicas, sociais e institucionais que tornam os países produtores e
de trânsito suscetíveis ao narcotráfico (Seelke, 2010, p. 9).
Cada vez mais, no âmbito do continente americano, observa-se uma mudança no
entendimento canônico de como combater o problema das drogas. A opinião do
secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, é de que o continente se dá conta de que
as drogas são, basicamente, um problema de saúde publica – afirmação a partir da qual
podemos concluir que o cerne do combate deve ser a demanda por drogas. O diplomata
sinaliza que a mudança no âmbito da Organização acompanhou uma alteração similar
na política de drogas norte-americana a partir do governo de Barack Obama (2009-).
Seu apelo é de que essa mudança de paradigma se torne global (Insulza, 2010). O que,
contudo, percebemos, é que iniciativas de descriminalização do uso de drogas e outras
mais radicais como a legalização da maconha ainda são bastante incipientes nas
Américas.
A política internacional de repressão ao uso de drogas por meio de sua proibição
gerou um consenso global entre os Estados, que relativizaram sua soberania nesse
aspecto em prol do combate ao tráfico de drogas. Segundo Julia Buxton (2006, p. 100101), contudo, é utópica a noção de que as pessoas vão abandonar o consumo de uma
24
substância tão somente por ela ser ilegal, sobretudo se acreditam que aquela substância
não lhes fará mal. Como demonstrado pela Lei Seca que vigorou nos EUA na década de
1920, a persistência de uma demanda continua a tornar a oferta de um produto uma
atividade lucrativa (Id.).
A autora observa ainda que, historicamente, o combate à oferta representa um
dilema: a redução do montante de droga produzida acarreta escassez, que, por
conseguinte, conduz a uma alta de preços. Essa, por sua vez, funciona como um
incentivo à produção (Ibid., p. 107). A concentração histórica da produção de drogas
nos países do sul também dificultou que fossem implantadas políticas como a de
substituição de cultivos, uma vez que a exportação de substancias ilícitas tem
funcionado como uma fonte de renda considerável para países pobres. Aliado a isso, os
países do norte adotaram ao longo do século passado uma postura de responsabilização
“moral” dos países em desenvolvimento pela erradicação do cultivo em seus territórios
(Ibid., p. 112).
Observamos, portanto, que as raízes da dificuldade de combate às drogas se
fundamentam na setorização do problema e na relutância em assumir responsabilidades
por parte de todos os atores envolvidos na questão. As estratégias de combate
permanecem as mesmas, não obstante o fracasso em reduzir a quantidade total de droga
produzida e consumida nas Américas e no mundo. A adaptabilidade das organizações
criminosas e da indústria da droga como um todo é notória (International Crisis Group,
2008b, p. 40). Urge, portanto, repensar as políticas de combate ao narcotráfico, de modo
que se tornem mais eficientes na redução real do consumo de entorpecentes no mundo.
4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES: CONTRADIÇÕES ENTRE DISCURSO
EXTERNO E PRÁTICAS INTERNAS
4.1. MEMBROS DA AMÉRICA DO NORTE
§ Canadá
A legislação sobre drogas no Canadá, que entrou em vigor em 1997, é
considerada rígida pela população, por não fazer grande distinção entre as punições para
25
grandes cartéis de drogas e o usuário comum. As estratégias de combate, por sua vez,
estão divididas entre a polícia e o Departamento de Saúde canadense. A primeira se
compromete em combater a oferta; o segundo se compromete em conscientizar a
população, com especial atenção para crianças em idade escolar e jovens universitários,
bem como oferecer serviços para o tratamento de dependentes. Como parte de sua
política antidrogas, o Canadá também mantém acordos bilaterais com diversos países da
OEA, para cooperação e troca de tecnologia, técnicas, informação e pessoal
especializado.
§ EUA
A política antidrogas norte-americana afirma ter seu foco distribuído igualmente
em ações de redução do consumo, do tráfico e da produção de drogas, que ocorrem
tanto no âmbito interno quanto no externo. As medidas domésticas se apresentam por
meio da aplicação extensiva de leis coercitivas, com a prisão de todo aquele que vende
ou consome drogas comprovadamente, e na prevenção, que toma forma mediante
medidas de tratamento e educação – esta por meio, sobretudo, da publicidade – bem
como um tipo de política de “redução de danos”, que inclui espaços para o uso
regulamentado de maconha, recintos seguros para o uso de drogas injetáveis e um
programa de troca de agulhas. No âmbito externo, as políticas se concentram naqueles
países cuja produção de drogas tem acesso aos Estados Unidos, principalmente
Colômbia, Peru e Bolívia, por meio do Plano Colômbia, e México, pela Iniciativa
Mérida, com ênfase maior no combate ao tráfico de cocaína.
Apesar da retórica de uma abordagem que se concentre igualmente na redução da
oferta e da demanda, é clara a prioridade das medidas do lado da oferta, que se tornou
patente com a criação de leis específicas contra os narcotraficantes e a tentativa de
erradicação, ao longo de todo o continente, do plantio da coca e da papoula. Essa última
política se celebrizou devido às tentativas de erradicação aérea dos cultivos de coca e o
incentivo financeiro para que agricultores troquem seus plantios ilícitos por outros
cultivos lícitos.
§ México
Historicamente, o combate às drogas mexicano abarca principalmente os opioides
e, apenas mais recentemente, as drogas sintéticas e a cocaína. A luta contra as drogas é
levada a termo pelo próprio Exército, devido aos casos de corrupção nas unidades de
26
polícia regionais, corrupção esta que acentua e agrava os famosos casos de disputa de
território entre os cartéis. O fato é que apenas isso não é suficiente, uma vez que o
envolvimento do Exército põe em risco a segurança dos cidadãos mexicanos. As
medidas de longo prazo propostas pelo governo são a reestruturação da polícia e sua
capacitação para o combate ao tráfico, bem como uma reforma da Secretaria de
Segurança Pública.
Um grande marco na política antidrogas mexicana é a Iniciativa Mérida, acordo
bilateral assinado entre Felipe Calderón e George W. Bush em 2007, que, segundo o
governo mexicano, apenas formaliza a cooperação que já existia e a melhora,
embasando-a em princípios de responsabilidade compartilhada, cooperação e respeito
pleno pela soberania de cada país. Apesar de ambos os países avançarem o discurso de
que a Iniciativa não significa uma ingerência norte-americana nos assuntos internos, a
opinião pública vê a estratégia como uma afronta à soberania do país e considera que
implica verdadeiramente maior presença do vizinho no território, principalmente com o
aporte de tecnologia e pessoal especializado.
4.2. MEMBROS DA AMÉRICA CENTRAL E DO CARIBE
§ Guatemala
O governo de Otto Pérez Molina (2012-) se afirma empenhado no combate às
drogas. As prisões de importantes chefes do narcotráfico, somadas às ações tomadas
contra o cultivo, a utilização e a comercialização de entorpecentes, levaram à recente
identificação de pelo menos 50 cartéis na Guatemala, como informam órgãos oficiais e
a mídia. A iniciativa do presidente se estende à ONU, na defesa da reforma, antes de
2016, dos protocolos que regulam a “guerra contra as drogas”. O governo julga
inadequada a postura da Organização, por não ter conseguido avanços significativos no
tema e não ser capaz de impedir as mortes que se devem ao problema. Afirma ainda que
sejam o tráfico e a produção de entorpecentes os maiores causadores dessas mortes, e
não o consumo; os mesmos devem estar, portanto, no cerne das reformas e novas
propostas.
§ Haiti
27
O Estado se posiciona a favor de uma solução multilateral para a questão do
narcotráfico. Identificando-o como séria ameaça à segurança da região caribenha, o
governo do Haiti evoca a cooperação entre os Estados centro-americanos a fim de
diminuir a porosidade das fronteiras e bloquear as rotas do tráfico na América Central.
O Presidente Michel Martelly (2011-) destaca a violação da soberania estatal por parte
dos poderosos atores não estatais que as organizações do narcotráfico representam e
ressalta as graves implicações no sistema econômico e no âmbito sociopolítico que a
utilização do território nacional pelas mesmas como vias de trânsito de drogas geram.
§ Jamaica
O governo jamaicano credita aos graves problemas de violência, crime e
corrupção que assolam o país – entre os quais se destaca o narcotráfico – as causas da
estagnação do desenvolvimento econômico que a Jamaica enfrenta. Assim, propõe uma
postura firme de ação contra o tráfico de entorpecentes, auxiliada pelo apoio dos
Estados Unidos – ajuda necessária pelo fato de que a própria Jamaica, sozinha, não teria
como sustentar políticas desse porte e escopo – e tomada em conjunto com os outros
países latino-americanos, particularmente da América Central. No entanto, o país se
posiciona de forma inconstante e imprecisa no que diz respeito ao endurecimento das
leis de proibição do consumo de entorpecentes, principalmente a maconha, pela alta
disseminação da utilização desta em território jamaicano.
§ República Dominicana
A postura adotada pelo governo do Presidente dominicano Danilo Medina (2012-)
face ao problema do narcotráfico, em continuidade às ações do governo anterior,
objetiva reverter o quadro de utilização do país por cartéis de drogas como armazém e
rota de envio de entorpecentes para a Europa e para os EUA. Envolve coordenação
internacional, particularmente com o vizinho Haiti (nesse caso, ressalta-se a cooperação
logística e técnica), para possibilitar a apreensão de carregamentos para dentro do
território e o bloqueio das rotas do tráfico para fora. A República Dominicana coloca o
desmantelamento dos cartéis de drogas como uma de suas prioridades, e o governo atual
afirma encarar o problema de maneira firme, para que não haja nenhum espaço para o
narcotráfico no país.
28
4.3. MEMBROS DA AMÉRICA DO SUL
§ Argentina
A política antidrogas argentina enfoca o controle fronteiriço, do qual se ocupam
as Forças Armadas nacionais, em parceria com as forças equivalentes dos países
vizinhos. A tecnologia utilizada para isso é, todavia, bastante ultrapassada devido à
escassez de recursos.
O consumo de drogas ilícitas aumentou muito nas últimas décadas, mas aquele
voltado para o uso pessoal foi descriminalizado. Ainda assim, campanhas de redução da
demanda são realizadas pelo governo federal, que, por outro lado, argumenta fazer tudo
quanto pode para combater o narcotráfico e que as áreas produtoras como Peru e Bolívia
deveriam esforçar-se mais para inibir a produção.
Como, infelizmente, tem-se tornado comum na Argentina, os dados oficiais são
incompletos e insuficientes para que se possa fazer uma análise mais profunda sobre o
real resultado das políticas antidrogas adotadas no país. É claro, porém, que elas não
abarcam todos os aspectos que deveriam e não contam com recursos avançados o
suficiente para constituir uma política antidrogas eficiente.
§ Bolívia
A política antidrogas da Bolívia é muito interessante, uma vez que responsabiliza
a produção de cocaína, não o plantio da folha de coca. O governo tem, inclusive,
apoiado iniciativas para legitimar vários aspectos da produção de coca e lançou até
mesmo campanha para remover a folha de coca da lista de substâncias proibidas da
Convenção das Nações Unidas sobre Drogas. Evidentemente, todas essas medidas
visam legitimar a coca frente à cocaína; esta é combatida a todo custo, a começar por
sua produção.
Na prática, contudo, tem-se notado um aumento no número de plantios ilegais em
algumas reservas naturais. Isso ocorre, principalmente, porque a Força Especial de Luta
Contra o Narcotráfico boliviana não possui tecnologia ou logística suficientemente
avançadas para controlar as plantações de coca clandestinas e patrulhar as fronteiras
com Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Peru. Outra falha da política boliviana é o fato
de que pouca atenção é conferida ao consumo, apesar de a demanda por drogas estar
aumentando na Bolívia.
29
§ Brasil
A Política Nacional Antidrogas (PNAD) prioriza a prevenção do uso de
substâncias ilícitas. Mesmo com essa atenção maior ao consumo, ações voltadas para a
redução da oferta também existem, e devem ser executadas pelos próprios municípios.
Ainda segundo o texto da PNAD, a educação também deve ser utilizada no combate,
como meio de prevenção, em ações integradas nos setores de educação, saúde e
segurança pública. Ainda dentre os projetos antidroga, se destacam as operações nas
favelas e o projeto SIVAM/SIPAM, que se encarrega da fronteira amazônica, uma das
principais portas de entrada da droga no Brasil.
O que de fato ocorre é o abandono de algumas políticas previstas por falta de
recursos. O melhor exemplo disso são as ações de fronteira, em especial aquelas na
região amazônica, que, além de não cobrirem toda a extensão terrestre, tampouco
cobrem a extensa rede de rios que corta os países sul-americanos, de modo que os
traficantes internacionais ainda possuem rotas seguras para suas atividades. As ações
nas favelas, apesar de alcançarem certo êxito, também custam a vida de muitos
inocentes, e, não raro, policiais são acusados de cometer violações aos direitos humanos
durante as operações, prática que aumenta o medo e a rejeição da população de mais
baixa renda às forças estatais.
§ Chile
Uma das iniciativas mais notáveis do governo chileno é a de estabelecer uma
enorme diferença entre os tratamentos penais dispensados ao “microtráfico” –
primariamente para uso pessoal – e ao tráfico de grande escala, gerenciado pelas
grandes redes internacionais de narcotráfico. Outras estratégias no lado da oferta
incluem campanhas regionais para impedir o tráfico oriundo do Peru e da Bolívia e
também para frear o cultivo da maconha. Esta tem no Chile a mais alta prevalência de
todo o continente. O problema que o país enfrenta hoje é, na verdade, duplo: há um
aumento no tráfico e no consumo.
A atual administração chilena se posiciona firmemente contra políticas
alternativas de combate às drogas, como, por exemplo, a legalização da maconha, ainda
que uma eventual iniciativa nesse sentido pudesse contar com o apoio da população: na
página do Senado do país chamada Senador Virtual, na qual os cidadãos podem votar
pautas de interesse do país, esse é um dos projetos mais populares.
30
§ Colômbia
As medidas de redução do consumo colombianas são bem tímidas se comparadas
às políticas de redução da oferta e de restauração da segurança em áreas de conflito,
onde existem grupos armados ilegais que operam receitas provenientes do tráfico de
drogas.
Uma das frentes de combate à oferta emprega o estímulo à troca do cultivo de
coca por outros cultivos, mediante auxílio financeiro do governo. Na prática, contudo,
esse “subsídio” às avessas pouco ajuda os agricultores, pois eles por vezes são
ameaçados por grupos armados ou recebem deles, para plantar coca, um pagamento
maior que o oferecido pelo governo pelo plantio dito “limpo”.
Outra falha da política colombiana concerne à tão difundida fumigação aérea, que,
frequentemente, mata culturas legais próximas aos plantios de coca. Isso leva milhares
de famílias a perder suas terras e ter de se mudar. Sem recursos, essas famílias, que
antes se sustentavam por meios lícitos, se veem obrigadas a plantar coca.
No âmbito político, a concordância entre os governos norte-americano e
colombiano desde a presidência de Andrés Pastrana (1998-2002) não se limita às
estratégias de combate às drogas; na realidade, desde então, o governo colombiano vemse posicionando como um dos principais aliados dos EUA numa América Latina que,
cada vez mais, elege governos de centro-esquerda cujas políticas externas
frequentemente incluem uma retórica antiamericana.
§ Equador
O verdadeiro foco da política equatoriana é o tráfico entre o país, o Peru e a
Colômbia e o contrabando dos precursores químicos das drogas, uma vez que produção
e lavagem de dinheiro são atividades que ocorrem em baixíssima escala no país. Mesmo
assim, atualmente é notável o baixo aporte de recursos para que o órgão responsável
trabalhe em prol da redução da demanda por drogas e da oferta delas. Dessa forma, as
políticas de erradicação forçada e o incentivo à troca de plantio são conduzidas pelas
próprias polícias locais em conjunto com as Forças Armadas, mas de maneira não muito
eficaz, uma vez que se tem observado um aumento das áreas cultivadas. Também se
combate o tráfico de “gasolina branca”, o combustível refinado utilizado como
precursor químico para a produção de drogas, tanto no próprio país quanto nos vizinhos.
31
§ Paraguai
A política paraguaia possui ações para combater a demanda e a oferta de drogas,
com base na transmissão de conhecimento sobre as drogas e sobre os problemas que
elas aportam para a sociedade como um todo. Pelo lado da oferta, a maior preocupação
paraguaia é a produção de maconha, uma vez que as terras do país, combinadas à
altitude, parecem ser adequadas para esse tipo de atividade, que é muito lucrativa para
as famílias que dela dependem. A droga paraguaia se destina ao consumo local e é
também traficada para o Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Recentemente, devido à
alta qualidade do produto, a maconha paraguaia tem chegado também à Europa e ao
Japão. Assim, a medida tomada é semelhante à adotada pelos países que sofrem com o
cultivo clandestino de coca: o incentivo à troca dos plantios ilícitos por outros cultivos.
O governo também se preocupa com o problema da lavagem de dinheiro e com a
obtenção de apoio internacional, ao demonstrar que sua política de inibição da produção
e combate ao tráfico beneficiará qualquer país que possuir problema com as drogas.
§ Peru
Como os povos originários da região andina têm cultivado a coca durante séculos
para fins que não a produção de cocaína, um dos cernes da política antidrogas peruana é
o apoio à produção que sirva a fins lícitos e a destruição de todo o excedente. Com esse
fim, o governo realiza a erradicação forçada das plantações ilícitas e as substitui por
cultivos legais, registra os produtores e delega a comercialização e industrialização das
folhas exclusivamente à Empresa Nacional da Coca (ENACO). Outras medidas que
envolvem a inibição da produção incluem o aumento da pena para lavagem de dinheiro,
a intensificação do controle da venda dos ativos químicos necessários para produzir
cocaína e uma maior eficiência no confisco de áreas de plantação ilícita. Quanto à
demanda, desde 2007, o governo peruano enfoca cada vez mais o lado dos compradores
da droga, estimulando a reabilitação dos dependentes e oferecendo diversos programas
de conscientização e prevenção em parceria com as autoridades de cada região do país.
§ Uruguai
A política antidrogas uruguaia abrange a promoção da saúde, o combate à
demanda, o tratamento e a reabilitação, a redução do fornecimento de drogas, um
sistema de informação e a descentralização das políticas de drogas ao âmbito municipal,
além de uma eficiente fiscalização das fronteiras e do combate à lavagem de dinheiro.
32
Em junho de 2012, um projeto de lei do governo do país para estatizar todo o
comércio de maconha, da produção à venda, ganhou as manchetes internacionais. Além
de resolver a contradição de uma legislação que nunca criminalizou o usuário da droga,
mas que prevê penas severas para os envolvidos em seu comércio, a proposta visa a
distanciar o consumidor do traficante – e, assim, também de drogas mais pesadas – e a
reverter os recursos levantados com o comércio da droga para o tratamento dos
dependentes. O projeto foi criticado não somente por boa parte da sociedade uruguaia –
que levou o Presidente José Mujica a frear a iniciativa em dezembro passado –, mas
também por vozes como a de Juan Manuel Santos, Presidente da Colômbia, que
ressaltou que decisões unilaterais poderiam apenas intensificar o problema.
§ Venezuela
A política venezuelana antidrogas já envolveu a cooperação estadunidense, mas,
em 2005, o então Presidente Hugo Chávez suspendeu o acordo bilateral entre os dois
países, insistindo que este era apenas uma fachada para movimentos políticos do outro
país e que o país não precisava dos fundos norte-americanos para levar a cabo o
combate às drogas.
O Escritório Nacional Antidrogas (ONA) é, desde 2006, o responsável pelos
programas de prevenção ao uso de drogas e tenta atingir a sociedade em três níveis: pela
família, pelas escolas e universidades e pela comunidade, principalmente com um
trabalho de conscientização sobre os malefícios que a droga oferece à saúde.
4.4. MEMBROS OBSERVADORES
O status de observador permanente da Organização dos Estados Americanos foi
estabelecido em 1971 pela Assembleia Geral da Organização. A União Europeia, bem
como os outros 67 Estados que gozam desse status, pode, dessa forma, acompanhar e
participar das atividades da OEA e contribuir para seus programas (Organização dos
Estados Americanos, s.d.e).
§ Comissão Europeia (CE)
33
É de grande interesse para a União Europeia (UE) participar das reuniões da OEA,
especialmente porque já existe, desde 1995, uma coordenação entre as políticas
antidrogas do bloco e da Organização, principalmente no tocante à entrada da cocaína
andina na Europa. A UE se baseia em algumas premissas básicas, seguidas por todos os
países, contidas na Estratégia Europeia Sobre Drogas e no Plano de Ação sobre Drogas
da União Europeia, apesar das discrepâncias que se observam entre algumas políticas
nacionais intrabloco.
A Estratégia reconhece a parcela de responsabilidade da UE no problema mundial
das drogas, tanto como um consumidor de narcóticos e substâncias psicotrópicas
produzidas em outros países, como em sua capacidade de produtora e exportadora de
drogas sintéticas. Opera tanto no lado da oferta – concentrada nos países produtores –,
como no lado da demanda – com ações e programas no próprio bloco. No entanto, pelo
que se observa nas políticas de cada Estado membro e na análise de sua situação
doméstica, a preocupação do bloco parece estar mais relacionada a uma estratégia de
ataque aos efeitos do abuso de drogas do que propriamente às causas do problema.
5. PONTOS QUE UMA RESOLUÇÃO DEVE CONTER
§ Quais iniciativas podem ser adotadas para incentivar os países do continente a
contribuir financeiramente de forma constante com as políticas hemisféricas de
combate às drogas?
§ Como se pode estabelecer um maior grau de cooperação entre as forças de
segurança dos países americanos, seja na área de inteligência, seja em
operações de apreensão de carregamentos de drogas e de prisão de criminosos?
§ Que medidas continentais podem ser tomadas para impedir que violações aos
direitos humanos ocorram em qualquer das frentes de combate às drogas?
§ De que maneira se pode construir uma política coordenada de fortalecimento
das instituições policiais, judiciais e penitenciárias, no sentido de reduzir a
corrupção e melhor capacitar as pessoas empregadas nesses setores?
§ Como os países das Américas podem atuar, tanto individual como
coletivamente, para combater o narcoterrorismo?
34
§ Quais programas podem ser implementados com vistas a oferecer alternativas
de renda aos agricultores que cultivam coca, maconha e papoula?
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2012.
ANEXOS
ANEXO A – CARTÉIS, ROTAS DE DROGAS E TERRORISMO: CONEXÕES
Como observamos ao longo das seções anteriores, o México e a Colômbia são,
apesar da volubilidade da produção e do transporte de drogas nas Américas, os dois
principais fornecedores de cocaína, opioides e maconha para o mercado continental.
Gerenciam essa atividade criminosa os chamados cartéis, grupos armados que
controlam territorialmente a distribuição de droga. Antes, porém, de nos debruçarmos
sobre a conformação desses grupos criminosos, devemos concentrar-nos no setor do
mercado gerenciado por eles: as rotas da droga, que ligam o produtor ao consumidor
final.
90% da droga que entram nos EUA o fazem pelo México. Nesse trajeto, os
principais pontos de entrada são as cidades americanas de San Diego, Laredo e El Paso,
próximas, respectivamente, às mexicanas de Tijuana, Novo Laredo e Cidade Juarez
(International Crisis Group, 2008a, p. 27).
A solução encontrada pelos cartéis das Américas para os diversos programas
nacionais e intergovernamentais de combate à oferta de drogas foi a diversificação das
rotas de drogas (Chalk, 2011, p. 65), mas a demanda cada vez maior observada na
Europa e na América do Sul também influenciou cabalmente nesse processo (Woodrow
Wilson Center Update on the Americas, 2012, p. 3). Atualmente, o que se observa é
uma rede bastante complexa que engloba pelo menos seis “corredores” principais para
39
que a droga latino-americana chegue ao seu mercado (Chalk, 2011, p. 65). Para os
EUA, ela parte da Colômbia e entra no país a partir do México, seja pela costa do
Pacífico, seja por entrepostos no Caribe, tais como o Haiti, a República Dominicana e
Porto Rico. Para o Brasil, ela parte da Bolívia, do Peru e do Paraguai e, muitas vezes,
atravessa também o Uruguai. Para a Europa, ela segue a rota brasileira e atravessa o
Atlântico ou parte da Colômbia, passa pela Venezuela e, então, cruza o Oceano. A
África Ocidental também pode servir como entreposto para este caminho (International
Crisis Group, 2008a, p. 5-6).
Aproximadamente 78% do transporte de drogas para os EUA se realizam por via
marítima, seja a partir da Colômbia ou através da Venezuela e do Equador. No que diz
respeito ao destino da droga andina, 55% são transportados pela América Central e, em
seguida, México; pelo Caribe, passam 10%. Pelo corredor euro-africano, por outro lado,
são transportados 35%. (Ibid., p. 11).
No tocante ao papel da África como entreposto no envio de drogas para a Europa,
destacam-se a importância de Cabo Verde, a partir de onde os entorpecentes são
enviados à África continental, e de Senegal, Gana e Guiné-Bissau, que recebem as
substâncias que partem do porto de Santos. As redes de nigerianos e de ganeses, os
principais traficantes do continente, enviam a droga à Europa por diversas rotas, mas,
especialmente, ela ingressa na região por via marítima através de Portugal ou da
Galícia, na Espanha, por via aérea, com a ajuda de “mulas” africanas que têm permissão
de residência na Europa, pelo correio, ou por outras rotas que têm crescido em
popularidade, como o norte da África e os Bálcãs (Ibid., 2008, p. 34-35).
O surgimento dos cartéis mexicanos remete à existência anterior de grupos
contrabandistas que atuavam na fronteira do país com os EUA, comercializando
substâncias ilícitas que mudaram ao longo do século passado, de acordo com as
vicissitudes da demanda norte-americana: durante a Lei Seca da década de 1920,
atravessava-se bebida alcoólica; o ópio abundava nos anos 1940; durante os anos de
1960 e 1970, predominavam a maconha e a heroína; e, a partir de então, a cocaína
andina viu seu auge. Atualmente, o mercado de meta-anfetaminas de fabricação
mexicana está em ascensão (Ibid., 2008, p. 27).
Os fatores que, então, propiciaram a ascensão em termos de importância
econômica dos cartéis mexicanos foram a retração dos grupos organizados colombianos
com a extradição de muitos de seus líderes para os EUA; a destruição do Cartel de
Medellín após a morte de Pablo Escobar, seu líder; e o próprio controle que as facções
40
do México passaram a exercer em seu país (Ibid., p. 196). Em meados da década de
1980, o fechamento, por parte do governo estadunidense, das rotas que atravessavam o
Caribe e ingressavam nos país através da Flórida propiciou a emergência cada vez mais
bem-sucedida das principais rotas da atualidade, que passam entram no México através
do Pacífico, do Caribe ou da América Central para, então, alcançar o mercado norteamericano (Woodrow Wilson Center Update on the Americas, 2012, p. 6-7). Outro
elemento essencial foi o relacionamento que se estabeleceu entre traficantes mexicanos
e colombianos. Estes não pagavam o transporte entre fronteiras de drogas àqueles em
dinheiro, mas em uma parcela da carga. Além de beneficiar os colombianos, que
delegavam parte dos prejuízos para os mexicanos quando a entrega não chegava ao
destino, permitiu aos cartéis mexicanos iniciar suas atividades (Nicaso & Lamothe,
2005, p. 200). É crucial ter em mente, porém, que esse movimento diz respeito, grosso
modo, ao tráfico de cocaína, e, em menor medida, de opioides, na medida em que, como
vimos, boa parte destes e, em menor medida, da maconha, provêm diretamente do
México.
No país, desde que o Presidente Vicente Fox (2000-2006) e, especialmente, seu
sucessor, Felipe Calderón (2006-2012), reverteram a política de tolerância tácita
historicamente adotada pelo governo federal com relação aos cartéis, o país tem
atravessado uma enorme espiral de violência (Loyola, 2009, p. 36). Trataremos das
motivações e implicações dessa mudança na próxima seção, mas, por ora, é importante
sabermos que o maior número de vítimas é produzido não em confrontos entre as
autoridades e grupos criminosos, mas por disputas de poder dentro dos cartéis e entre
eles (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 35). Mapear os principais cartéis em conflito é,
portanto, fundamental para entendermos o panorama da situação mexicana.
O Cartel do Golfo é considerado um dos cartéis mais bem armados e perigosos do
México (Loyola, 2009, p. 36). Ainda assim, vem perdendo poder desde que seu líder,
Osiel Cárdenas Guillen, foi preso em 2004. O Cartel, que domina o litoral nordeste do
país, em especial o Estado de Tamaulipas, tem-se enfraquecido devido a disputas
internas e à prisão de vários de seus líderes. Desde 2010, trava um conflito por território
com Los Zetas, antigo braço paramilitar do cartel, originalmente formado por desertores
de um grupo de elite das Forçadas Armadas mexicanas. Los Zetas são considerados a
facção mais violenta e cruel atuando no país e controlam uma boa parte do litoral do
Golfo do México (Stastna, 2011). A sofisticação tática do grupo é igualmente
impressionante (Loyola, 2009, p. 36).
41
Único grupo de abrangência nacional, (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 35), o Cartel
de Sinaloa domina a costa oeste do México, sobretudo o Estado homônimo no noroeste
do país. Dominado pelo notório Joaquín “El Chapo” Guzmán, um dos criminosos mais
procurados do mundo (Stastna, 2011), o Cartel foi um dos que melhor conseguiu
adaptar-se às guerras empreendidas pelo governo central, ao horizontalizar sua estrutura
e transformá-la em um modelo de franquias autônomas que atuam isoladamente para se
proteger, de maneira semelhante ao que aconteceu com a Al-Qaeda após os ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001 (Loyola, 2009, p. 37). Aliado ao agora
enfraquecido (Stastna, 2011) Cartel da Família Michoacana, o Cartel de Sinaloa
também é conhecido por Cartel do Pacífico. Segundo o governo mexicano, é a facção
criminosa mais resiliente e extensa do país, uma vez que está presente em todo
continente americano, desde o Peru e a Argentina até os EUA e o Canadá. (Loyola,
2009, p. 37).
O Cartel de Tijuana, também conhecido como Organização Arellano Félix,
domina a região fronteiriça das cidades de Tijuana e Mexicali, próximas à cidade
californiana de San Diego. Um dos cartéis mais atingidos pela ofensiva do governo
federal, a organização diversificou suas ações e passou a gerenciar também a
prostituição e o tráfico de pessoas e a intermediar a relação de outros grupos criminosos
com o poder público corrupto (Id.). A prisão, em 2008, do último dos cinco irmãos que
comandava o Cartel de Tijuana propiciou um cisma no grupo, cuja principal facção é
atualmente liderada por “El Ingeniero” (Stastna, 2011).
Por fim, a fronteiriça Cidade Juarez, margem que se situa à margem do Rio
Grande oposta à da cidade texana de El Paso, é a área de controle do Cartel de Juarez. O
grupo, também conhecido como Organização Vicente Carrillo Fuentes, teve seu poder
diminuído após a ocupação, em 2008, de Cidade Juarez por 8.000 soldados do Exército,
ação que diminuiu a violência calamitosa na cidade e rompeu o ciclo de corrupção
(Loyola, 2009, p. 36-37).
As três principais guerras entre cartéis a se desenrolar no México atualmente, que
respondem por cerca de 90% das execuções registradas, têm como característica comum
o envolvimento do poderosíssimo Cartel de Sinaloa. Especificamente, os conflitos
opõem o grupo ao Cartel de Juarez (apoiado por Los Zetas), a Los Zetas e à facção do
Cartel de Tijuana comandada por “El Ingeniero” (aliada ao Cartel do Golfo e a Los
Zetas). Neste conflito, o grupo comandado por “El Chapo” Guzmán apoia a facção do
Cartel de Tijuana liderada por Teo (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 35). O teatro de guerra
42
envolve quase todos os 31 Estados do país, com exceção de seis. Em seis, por outro
lado, a chamada narcoviolência é sentida com grande intensidade: Guerrero e
Michoacán, no litoral sudoeste, Chihuahua, Durango e Baixa Califórnia, na fronteira
com os EUA, e Sinaloa (Ibid. p. 34). É interessante notar, contudo, que a gravidade da
situação do México nem se aproxima do problema enfrentado pela Colômbia no final da
década de 1990, quando, segundo o governo americano as FARC tinham condições de
marchar sobre Bogotá e o país estava a ponto de se tornar um narco-Estado (Loyola,
2009, p. 37). É nos grupos criminosos colombianos, a propósito, que enfocaremos
agora.
A Colômbia não era, historicamente, uma fonte importante da cocaína consumida
ao redor do globo. O contrabando, contudo, era, como na fronteira de México e EUA,
uma atividade bastante difundida. A existência de grupos organizados – que já
operavam redes de contrabando por mais de cem anos – possibilitou, na década de 1970,
a formação dos primeiros cartéis, que viram no já consolidado mercado da cocaína
cultivada nos países vizinhos uma nova oportunidade de gerar dividendos. Não apenas o
clima do país era favorável ao cultivo da coca, mas a corrupção endêmica, a
infraestrutura portuária e o histórico da atividade contrabandista possibilitavam o
florescimento de um mercado de exportação da droga andina no país (Nicaso &
Lamothe, 2005, p. 196-197). Não podemos relevar, tampouco, a importância, para esse
processo, das políticas de combate à oferta de drogas adotadas por Peru e Bolívia e
apoiadas pelos EUA.
A princípio, o narcotráfico no país era bastante caótico, mas a fundação dos
Cartéis de Cali e de Medellín transformou o negócio colombiano em uma rede
organizada, que chegou a controlar 70% da cocaína enviada para a América do Norte.
As táticas empregadas pelos grupos criminosos eram variadas, mas prevalecia a
organização em forma de células isoladas (Ibid., p. 197-198).
A intensidade da guerra às drogas levada a cabo pelos EUA durante as décadas de
1980 e 1990 no próprio território e em todo o Hemisfério conduziu ao colapso dos dois
maiores cartéis, que, à época, tinham amplo controle do narco-Estado que a Colômbia
se tornara. Desde então, novas formas de contrabando emergiram, dentre as quais se
podem citar, por exemplo, o transporte aéreo de droga até países como o Brasil, a
Guiana e o Suriname, e novos cartéis foram fundados. O Cartel do Norte do Vale [do
Cauca] é o mais poderoso deles, mas centenas de grupos menores, que operam
discretamente para evitar atrair atenção, têm-se proliferado (Ibid., p. 200-203).
43
A partir dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, observou-se uma
mudança na retórica norte-americana: o narcotráfico foi relegado a um plano inferior
para, em seguida, ser recategorizado como uma variedade de terrorismo. A ideia,
vinculada às novas estratégias de política externa adotadas pelo país, era de que o
tráfico de drogas era uma das estratégias possíveis para financiar atividades de caráter
político e de desestabilização (Camacho Guizado, 2006, p. 144-145). Os grupos
terroristas, por outro lado, têm ampliado a gama de suas atividades ilícitas, dentre as
quais se destaca o narcotráfico. Essa mudança não conferiu maior controle geopolítico
somente às próprias organizações terroristas, mas também aos cartéis de drogas (Ibid.,
p. 229). Os formuladores de políticas públicas dos EUA preocupam-se, também, com a
dificuldade de se obstaculizar a atividade terrorista por meio do acesso às contas
bancárias que a financiam quando os grupos terroristas se associam ao narcotráfico, já
que o comércio de drogas é uma atividade que largamente independe de movimentação
bancária (Charles, 2004, p. 81).
O exemplo mais evidente dessa interação no contexto hemisférico nos é fornecido
pela Colômbia. As FARC, cuja origem remonta à Guerra Civil do país (1948-1953),
financiam sua atividade criminosa por meio do controle da atividade agropecuária, da
exigência de pagamento de tributos à atividade comercial, ao transporte de mercadorias
por certas zonas e a moradores de determinadas regiões (Bolaños Martínez, 2011, p.
223), além de se utilizarem também do resgate exigido em troca da liberdade das
pessoas que sequestram (Charles, 2004, p. 45-46).
Acima de tudo, no entanto, as FARC são a organização terrorista que mais
depende do comércio de drogas na América do Sul (Id.). As terras abandonadas pelos
mais de quatro milhões de deslocados que havia no país em 2010 são ocupadas e
dedicadas ao cultivo de coca e de outras plantações ilegais. A violência, favorecida
pelas carências estruturais das instituições sociais e políticas se converteu em causa e
efeito de si mesma, na medida em que a instauração de um Estado permanente de terror
na sociedade é um dos principais objetivos da organização (Bolaños Martínez, 2011, p.
222-223).
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ANEXO B – UMA HISTÓRIA DO COMBATE AO NARCOTRÁFICO
Os programas norte-americanos voltados para o combate ao sul da fronteira se
iniciaram em meados da década de 1970, a partir de uma autorização do Congresso do
país. Naquele então, debatia-se a nova estratégia de “guerra às drogas” adotada pelo
Presidente Richard Nixon (1969-1974), que cunhou o termo em 1971. O abuso de
drogas estava tornando-se um problema bastante visível de saúde e segurança públicas
nos EUA, e Nixon então identificou as drogas ilícitas como o “inimigo público número
um” (Id.). O auxilio aos países latino-americanos, bem como o envolvimento das Forças
Armadas em operações de apreensão de drogas e no treinamento, na equipagem e no
transporte de funcionários de departamentos antidrogas têm aumentado constantemente
desde então (Ibid., p. 10).
A Iniciativa Andina Antidrogas, que viria a ser conhecida como Plano Colômbia,
foi posta em prática em 2000 e aumentou significativamente a quantidade de recursos
45
enviados pelos EUA ao combate às drogas na América do Sul. O programa, que visava
a complementar a investida interna do Presidente Andrés Pastrana Arango (1998-2002)
contra o narcotráfico, concentrava-se em erradicação manual e aérea, desenvolvimento
alternativo, apreensões, capacitação institucional e apoio a instituições civis e militares
na Colômbia e em seis países vizinhos (Ibid. p. 11).
A maior parte dos recursos enviados pelos EUA ao combate às drogas no
continente só foi desviada da região andina com o lançamento da Iniciativa Mérida em
2008, que, por meio da atuação em quatro frentes – desafiar o poder e a impunidade das
organizações criminosas; fortalecer o controle dos espaços aéreo e marítimo e das
fronteiras; melhorar o Poder Judiciário; e reduzir a atividade dos cartéis e a demanda
local por drogas – tinha por fim combater o narcotráfico no México e em outros países
da América Central (Id.).
Na Colômbia, a principal estratégia antidrogas do governo central é a Política de
Segurança Democrática lançada pelo Presidente Álvaro Uribe (2002-2010) e apoiada
pelo Plano Colômbia. A vitória contra os grupos terroristas, as FARC em particular, que
vinham disseminando terror no país é inegável; o fortalecimento das forças de
segurança e a desmobilização dos principais grupos paramilitares são visíveis. Contudo,
diversos abusos aos direitos humanos por parte das autoridades foram relatados, as
FARC continuam, afinal, ativas e os problemas estruturais subjacentes ao narcotráfico
continuam evidentes, sobretudo nas áreas rurais. Mesmo os programas de erradicação
de cultivo mediante fumigação aérea revelam resultados ambíguos, fato que estimulou a
intensificação da erradicação manual (International Crisis Group, 2008b, p. 18-19).
No México, a iniciativa mais dura contra os cartéis de drogas foi inaugurada pelo
Presidente Felipe Calderón (2006-2012). O narcotráfico já fora percebido como uma
ameaça à segurança nacional desde a presidência de Miguel de la Madrid (1982-1988),
mas, apenas com o governo de Vicente Fox (2000-2006), o envolvimento das forças
federais se deu de maneira mais efetiva, com o lançamento da Operação México
Seguro. A corrupção das autoridades, porém, continuava desenfreada, e o
desencadeamento de uma onda de violência a partir da captura de alguns líderes de
facções criminosas sinalizou o fracasso da estratégia (Ibid., p. 32).
Possivelmente sem alternativas, Calderón intensificou a presença do Exército nas
áreas mais afetadas pela violência. Uma imensa reforma das forças de segurança e da
Justiça e um grande programa de combate à corrupção também fazem parte da
estratégia levada a termo, em conjunto com os EUA, por Calderón, que, entretanto,
46
argumenta que a luta contra o crime organizado pertence ao longo prazo. (Ibid., p. 3334). De fato, o que se tem observado até o momento é a manutenção de altos níveis de
violência em diversas regiões do país, a vulnerabilidade das instituições policiais,
penitenciárias e judiciais, entregues à corrupção e à baixa profissionalização, além da
perpetuação de realidades sociais que tornam o crime organizado a única possibilidade
de que muitas pessoas possuem de melhorar suas condições de vida (Guerrero
Gutiérrez, 2009, p. 33).
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