Organização dos Estados Americanos: Dinâmicas
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Organização dos Estados Americanos: Dinâmicas
Organização dos Estados Americanos: Dinâmicas, estratégias e políticas do combate ao narcotráfico nas Américas Diretores: Diego Ortiz Almeida Alexandre Manuela Velho de Vilhena Marina Prati de Aguiar Mendonça Raphaela Amorim da Cunha 1 SUMÁRIO CARTA AOS DELEGADOS................................................................................................... 2 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 3 1. A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA) ....................................... 4 1.1. BREVE HISTÓRIA INSTITUCIONAL ............................................................................. 4 1.2. O PAPEL HISTÓRICO DA OEA ....................................................................................... 5 1.3. A OEA HOJE: PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E LIMITAÇÕES .......................................... 7 1.4. A ASSEMBLEIA GERAL DA OEA ................................................................................ 10 2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ..................................................................................... 10 2.1. A GLOBALIDADE DO NARCOTRÁFICO .................................................................... 10 2.2. A QUESTÃO DA SEGURANÇA HEMISFÉRICA ......................................................... 13 2.3. A RELAÇÃO ENTRE NARCOTRÁFICO E SOBERANIA ........................................... 16 3. GEOPOLÍTICA DO NARCOTRÁFICO ........................................................................ 17 3.1. TENDÊNCIAS DE CULTIVO E DE CONSUMO .......................................................... 17 3.2. COMBATE GOVERNAMENTAL, PROBLEMAS E SOLUÇÕES ............................... 22 4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES: CONTRADIÇÕES ENTRE DISCURSO EXTERNO E PRÁTICAS INTERNAS................................................................................ 23 4.1. MEMBROS DA AMÉRICA DO NORTE ........................................................................ 23 4.2. MEMBROS DA AMÉRICA CENTRAL E DO CARIBE................................................ 25 4.3. MEMBROS DA AMÉRICA DO SUL.............................................................................. 26 4.4. MEMBROS OBSERVADORES ...................................................................................... 31 5. PONTOS QUE UMA RESOLUÇÃO DEVE CONTER ................................................. 31 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 33 ANEXOS ANEXO A – CARTÉIS, ROTAS DE DROGAS E TERRORISMO: CONEXÕES ............... 37 ANEXO B – UMA HISTÓRIA DO COMBATE AO NARCOTRÁFICO ............................. 43 2 CARTA AOS DELEGADOS Caros delegados, É com grande prazer que lhes damos as boas-vindas ao X MIRIN e lhes agradecemos a opção pelo nosso comitê. Saibam que estamos bastante entusiasmados ante a perspectiva de discutir com os senhores um problema tão interessante e complexo como o narcotráfico nas Américas, durante cinco dias que, certamente, serão memoráveis. A discussão sobre drogas que se desenvolve na grande mídia peca pelo simplismo e pela parcialidade, e o meio acadêmico se torna, muitas vezes, o único espaço em que há um compromisso maior com uma compreensão mais profunda da questão e com uma eventual busca de soluções. Trata-se de reconhecer que toda a sociedade está envolvida num problema cujo combate requer não somente políticas de segurança e saúde públicas, mas também investimento em educação, controle mais efetivo das fronteiras, melhoria do Poder Judiciário, reformulação do Código Penal, reestruturação do sistema carcerário, entre outras medidas. Sobretudo, porém, é necessário um diálogo global que evite as dicotomias norte/sul e oferta/demanda e se volte para um enfrentamento menos setorizado da questão das drogas. O guia que agora lhes entregamos é fruto de muito empenho e tem o intuito de ajudar os senhores no processo de preparação para o MIRIN. Lembramos, porém, que ele deve servir apenas como uma base e um estímulo à sua dedicação, uma vez que, para o sucesso de nossa simulação, é fundamental que os senhores busquem aprofundar seu conhecimento sobre o tema e sobre suas respectivas políticas externas em outras fontes. Finalmente, gostaríamos de agradecer ao Secretariado a prontidão e a eficiência e de desejar a todos ótimos estudos até o nosso encontro em julho. Estaremos, tanto neste período como durante o evento, plenamente disponíveis para esclarecer quaisquer dúvidas que os senhores venham a ter. Que comecem as discussões! Diego Ortiz Almeida Alexandre Manuela Velho de Vilhena Marina Prati de Aguiar Mendonça Raphaela Amorim da Cunha 3 INTRODUÇÃO Gostaríamos de iniciar este guia de estudos apresentando sua estruturação. De início, falaremos sobre a história institucional da Organização dos Estados Americanos. Veremos, além disso, a importância política histórica da Organização, que deixou de ser um instrumento da hegemonia americana sobre o continente num contexto de Guerra Fria para se tornar um fórum mais democrático de governança regional. Analisaremos os objetivos da OEA – a prioridade da democracia, da soberania e da segurança na agenda da organização –, bem como suas limitações, dentre as que destacamos o tabu de questões como redução da demanda de entorpecentes. Enfocaremos, por fim, a história e as funções da Assembleia Geral da OEA. Depois, abordaremos certos pontos teóricos que julgamos importantes para o entendimento do problema do narcotráfico. Trataremos, nesta seção, do modo como uma questão regional se tornou global e das discussões em torno do tema nas organizações internacionais. Trabalharemos a evolução histórica do conceito de segurança hemisférica, que passou, nas últimas décadas, a abarcar o narcotráfico, e da influência que essa mudança exerceu no curso das políticas públicas adotadas nas Américas. Avaliaremos, finalmente, o desafio apresentado à soberania pelas iniciativas multilaterais de combate à droga e a ameaça interna e transnacional que os grupos criminosos representam à autoridade governamental. Na seção seguinte, nos debruçaremos sobre a dinâmica geopolítica do narcotráfico. Relacionaremos o cultivo da coca, da maconha e da papoula-dormideira às ondas de consumo nos principais centros receptores, sobretudo os EUA, mas também, cada vez mais, a própria América Latina e a Europa ocidental, e apresentaremos as principais estratégias de combate ao narcotráfico, sem, contudo, detalhar os esforços reais neste ponto. Trataremos em seguida do posicionamento dos países americanos e da União Europeia sobre o tema. Neste ponto, será importante expor a relação, muitas vezes contraditória, entre o discurso adotado externamente e as práticas políticas implantadas internamente no que tange ao narcotráfico continental. Delinearemos, ainda, os pontos em que uma resolução aprovada pelo comitê deve se fundamentar e para a qual deverá levar-se em conta não somente as complexas dinâmicas do problema, mas também as delimitações do trabalho desenvolvido pela OEA. 4 Por fim, é importante atentar para os dois anexos sobre questões geopolíticas complementares ao final do guia. No primeiro descreveremos as principais rotas continentais e extracontinentais, traçaremos um histórico dos maiores cartéis colombianos e mexicanos e trataremos, ainda, da associação entre eles e organizações como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que apresenta mais uma ameaça à segurança hemisférica. As ações governamentais de combate à oferta de drogas como o Plano Colômbia e a Iniciativa Mérida, juntamente com o modo como essas estratégias prejudicam a população, serão analisados no segundo anexo. 1. A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA) 1.1. BREVE HISTÓRIA INSTITUCIONAL A Carta da Organização dos Estados Americanos, que foi assinada em 9 de maio de 1948, na Nona Conferência dos Estados Americanos, em Bogotá, capital da Colômbia, e entrou em vigor em 1951, estabeleceu a criação, no formato que conhecemos hoje, da mais antiga organização regional do mundo. Congregando, inicialmente, 21 Estados americanos1, a OEA expandiu-se ao longo do tempo e engloba, atualmente, todos os 35 Estados independentes do continente. A Organização, no entanto, não representou uma iniciativa pioneira. É, pelo contrário, herdeira de uma série de tratados, instituições, negociações e acordos anteriores, entre os quais se destacam a União Internacional das Repúblicas Americanas e a posterior União PanAmericana. As ideias de igualdade de tratamento e de solidariedade entre os Estados, de não intervenção em assuntos internos ou externos e de resolução pacífica de conflitos, marcantes na Carta (Organização dos Estados Americanos, s.d.c, p. 3-4), já estavam presentes no inconsciente coletivo e nas normas internacionais de escopo latinoamericano anteriormente à OEA, e o surgimento dessas ideias e de iniciativas 1 Os Estados-membros iniciais da Organização dos Estados Americanos eram Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba (afastada da Organização em 1962, somente lhe sendo facultada a readmissão em 2009; por não se ter ainda manifestado positivamente a esse respeito, Cuba não é considerada membro ativo da OEA), El Salvador, Equador, Estados Unidos da América, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. 5 multilaterais pode ser visto como forma de proteção mútua dos Estados da América Latina contra a influência e o poder das grandes potências (Herz, 2011, p. 6-7). Seguindo a linha de seus antecedentes, a Organização dos Estados Americanos foi, assim, criada com o objetivo de promover a paz e a segurança no continente americano, utilizando mecanismos de fortalecimento de vínculos entre Estados e atores privados para tal. Além disso, a OEA se mostra preocupada com uma integração entre os Estados que resulte na convergência de seus interesses comerciais, escopo que tampouco lhe é peculiar, visto que a cooperação comercial já estava presente como objetivo nas relações amistosas travadas entre os Estados Unidos e a América Latina em geral, mas particularmente após a Guerra de Secessão (1861-865) (Ibid., p. 8-9). Considerada uma organização internacional regional dentro do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), a OEA tem sua sede em Washington, D.C., nos EUA. Sua estrutura organizacional é dividida em órgãos; cada um deles possui uma forma de aprovação de resoluções – que podem ter caráter recomendatório ou obrigatório –, seja por maioria simples, seja qualificada. Em todos eles, contudo, cada Estado possui apenas um voto, de forma coerente com a ideia de igualdade entre os Estados-membros a que a Organização se propõe, para que não haja privilégios ou tratamento diferenciado de nenhum membro (Shaw, 2003, p. 64). 1.2. O PAPEL HISTÓRICO DA OEA Tendo nascido em pleno começo da Guerra Fria, a Organização dos Estados Americanos foi moldada e utilizada, em suas primeiras décadas de existência, segundo os termos impostos pelo enfrentamento indireto das duas superpotências de então, Estados Unidos e União Soviética. A relevância da América Latina como esfera de influência dos EUA levou o Estado a voltar parte de seus esforços para assegurar que a trajetória e as ações da OEA fossem consoantes com seus interesses. Assim, por meio de declarações ou ações de Washington, o princípio de não intervenção, central no ideário da Organização, foi reinterpretado e ressignificado pela potência americana. A visão de intervenção como infiltração de ideias estranhas ou hostis – que, se não exclui a intervenção territorial e política, ao menos se omite acerca dela – somada à possibilidade adicional da existência de ditaduras, contanto que estas servissem para 6 manter a estabilidade e a previsibilidade políticas, permitiram e legitimaram atos como o golpe de Estado, orquestrado pela Agência Central de Inteligência (CIA), que depôs o presidente guatemalteco Jacobo Árbenz Guzmán em 1954, ou o apoio às ditaduras que se espalharam pela América Latina nos anos posteriores (Herz, 2011, p. 12-13). Da mesma forma, a Revolução Cubana, em 1959, e a Crise dos Mísseis, em 1962, somadas, ocasionaram a enérgica atuação dos EUA na OEA de modo a afastar definitivamente Cuba da Organização e proteger, assim, a esfera de influência americana. A oposição estadunidense a todo governo de orientação marxista-leninista traduziu-se em uma resolução da própria Organização, em janeiro de 1962, que suspendeu o status de Estado-membro de Cuba; e, em face à Crise dos Mísseis, a potência também buscou suporte na OEA para sua proposta de quarentena, aprovada por unanimidade – vale lembrar que, caso o mesmo fosse feito na ONU, a Rússia certamente vetaria. Vê-se claramente a manipulação da Organização pelos Estados Unidos de forma a garantir seus objetivos no continente, e muito comumente se afirma que, durante os anos mais intensos da Guerra Fria, particularmente a década de 1960, a OEA não passou de instrumento americano de política externa e poder. Conforme discordâncias da postura americana foram surgindo na América Latina, a Organização foi perdendo relevância, e os Estados-membros, tanto os EUA quanto os demais, buscaram outras vias de ação que não independessem da OEA. O fim da Guerra Fria, entretanto, foi acompanhado de uma revitalização da Organização. Os temas da agenda da OEA se diversificaram, abrindo espaço para discussões pouco ou nada presentes anteriormente – dentre as quais se destacam o tráfico de drogas, as políticas de imigração e de refugiados, os problemas ambientais, o terrorismo e os direitos humanos2. A retomada da democracia e do livre-comércio como fundamentos da Organização foram cruciais para essa reforma. Todavia, o que verdadeiramente possibilitou tal ressurgimento foi o fato de a OEA não poder mais ser retratada como essencialmente um instrumento da política externa americana, como coloca Mônica Herz. A autora relaciona uma série de fatores para essa alteração dos papéis da OEA e, principalmente, dos EUA: a virada à esquerda em muitos países, a diversificação de suas políticas externas, o abismo entre os principais interesses dos 2 A inserção do tópico de direitos humanos na agenda da OEA é, na verdade, anterior ao fim da Guerra Fria. Em 1948, juntamente com a Carta da OEA, foram também assinados o Tratado Americano sobre Soluções Pacíficas (ou “Pacto de Bogotá”) e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Esta última deu origem ao Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (SIPDH), que se fortaleceu e se expandiu com a assinatura, em 1969, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Ainda assim, o tema era secundário e ganhou mais forças apenas com a revitalização da Organização. 7 EUA e os objetivos da região, tais como drogas, terrorismo e migrações, e o foco dos governos latino-americanos, além da falta de uma estratégia clara que emane de Washington, colocam os Estados Unidos em uma posição muito diferente no Hemisfério. Assim, o significado de multilateralismo dentro da OEA mudou gradualmente (Ibid., 2011, p. 18). Observa-se, dessa forma, que, após a Guerra Fria, a OEA retomou paulatinamente sua relevância como fórum regional americano, alteração que só foi possibilitada pela mudança de posição dos EUA. A introdução de novos temas na agenda e o retorno aos princípios fundamentais conferiram novo ânimo à Organização, que se reposicionou no cenário internacional e passou a buscar maior atividade. 1.3. A OEA HOJE: PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E LIMITAÇÕES A Organização dos Estados Americanos baseia-se, hoje, em quatro principais pilares: a democracia, os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento. Tais pilares não representam inovações ou novidades; já estavam presentes na Carta da Organização, assinada em 1948. O que a revitalização da OEA fez, após o longo período da Guerra Fria, foi fortalecer e retificar seus próprios fundamentos e princípios, dado que alguns deles haviam sido reinterpretados de forma tendenciosa no auge da polarização da política internacional, como já explicitado anteriormente. Assim, a Organização assume uma estratégia quádrupla para a implementação de seus objetivos. Os quatro pilares se apoiam mutuamente e se interligam por meio de uma estrutura embasada no diálogo político, na capacidade de inclusão, na cooperação, em instrumentos jurídicos e em mecanismos de acompanhamento, que fornecem à OEA as ferramentas necessárias para a realização eficaz de seu trabalho no Hemisfério (Organização dos Estados Americanos, s.d.f). Convém, neste momento, esclarecer o que se entende por cada um dos pilares, bem como elucidar conceitos-chave envolvidos com os mesmos e com as propostas da OEA. O primeiro pilar faz referência à democracia, e é de suma importância para a compreensão do ideário e dos objetivos da Organização. Um regime que preze pela supremacia do povo na condução da política de uma sociedade é, para a OEA, ideal e imprescindível para que se possa garantir a paz, a segurança e o desenvolvimento do 8 continente (Organização dos Estados Americanos, s.d.h). A democracia se liga, assim, profundamente aos outros três pilares. O segundo pilar, sobre os direitos humanos, visa garantir a dignidade do ser humano e a justiça nas relações humanas. Insere-se no cerne do ideário da Organização e está necessariamente nos fundamentos e pressupostos de qualquer tema ou discussão levantados no seio da mesma. Nas palavras da própria Carta da OEA, (...) o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro senão o de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade individual e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do Homem (Organização dos Estados Americanos, s.d.c, p. 3). O terceiro pilar, por sua vez, diz respeito à segurança dos Estados-membros e da América como um todo. O conceito de segurança é, para a OEA, multidimensional, e engloba formas de ameaça e perigo tanto tradicionais quanto novas que possam desestabilizar ou ferir a integridade dos Estados-membros e pôr em xeque a paz no continente. Conflitos armados, terrorismo, crime organizado, tráfico ilegal de armas e diversos outros representam risco para toda a sociedade americana e também para a Organização e devem ser combatidos ou resolvidos de maneira contundente, mas pacífica. A OEA propõe, dessa forma, uma concepção de segurança bastante inclusiva, mas que parta da proteção do ser humano (Organização dos Estados Americanos, s.d.d, p. 3) e evidencie, assim, ligação estreita com o segundo pilar. O quarto e último pilar versa sobre um dos grandes objetivos da OEA, o desenvolvimento dos Estados-membros. Esse pilar é extenso e abarca uma grande variedade de temas, dos quais se destacam o desenvolvimento econômico, com projetos em cooperação econômica internacional e nos setores domésticos de competitividade, turismo, ciência, tecnologia e inovação, micro, pequenas e médias empresas, entre outros; o desenvolvimento do ser humano, com incentivos à educação, à promoção da democracia e à cultura; o desenvolvimento social, com investimentos nas áreas de emprego, migração, proteção ao consumidor e outras; e o desenvolvimento sustentável, com orientações a respeito da adaptação às mudanças climáticas, da legislação ambiental, da energia sustentável, do gerenciamento de risco dos recursos naturais, entre outros (Organização dos Estados Americanos, s.d.a). Dessa forma, a OEA visa auxiliar os Estados-membros em seus esforços no combate à pobreza e à desigualdade social. 9 Além dos quatro pilares, um conceito é essencial para a compreensão da OEA, de seus objetivos e de sua forma de ação: a soberania. Soberania envolve a legitimidade interna e a não intervenção externa, ou seja, o reconhecimento de uma sociedade da licitude dos atos de seu aparelho governamental, em conjunto com a liberdade de ação, tanto no plano doméstico quanto no plano internacional, sem interferências de qualquer outro Estado ou ator não estatal. Como explicitado na Carta da OEA, [t]odo Estado tem o direito de escolher, sem ingerências externas, seu sistema político, econômico e social, bem como de organizar-se da maneira que mais lhe convenha, e tem o dever de não intervir nos assuntos de outro Estado (Organização dos Estados Americanos, s.d.c, p. 5). O respeito à soberania é fundamental para a OEA – pode-se dizer mesmo que é um mecanismo para proteger os Estados latino-americanos face à hegemonia estadunidense (Shaw, 2003, p. 64) – e dele deriva a forma de agir da Organização, que preza também pela igualdade de tratamento entre os Estados-membros. Dessa maneira, com o princípio de não intervenção e a igualdade entre os membros, torna-se possível a cooperação e a solidariedade entre os Estados e, consequentemente, o cumprimento dos objetivos que movem a OEA. O papel da OEA é, entretanto, restrito. Os pilares e princípios analisados, ao mesmo tempo em que fornecem os rumos da atuação da Organização, geram, em conjunto com outros fatores, também limites para a mesma. Mônica Herz aponta claramente os fatores mais relevantes: seu papel é limitado se comparado ao de outras organizações regionais ou de agências da ONU. O processo de tomada de decisões baseado no consenso e o enorme respeito pela soberania dos Estados, a limitação dos recursos disponíveis, as divisões entre os Estados-membros e mesmo a falta de uma capacidade militar explicam essa situação (2011, p. 93). Os pontos listados acima muitas vezes dificultam a tomada de decisões amplas e efetivas, de largo alcance e aplicação. Clivagens internas e a falta de interesse de olhares voltados para fora da OEA embaraçam o processo e o tornam ineficaz, restringindo o consenso – frequentemente necessário à aprovação – a matérias de pouca importância. Ainda assim, a OEA representa um importante fórum na América, e sua margem de atuação cresceu consideravelmente com o fim da Guerra Fria. Perdeu força, dessa 10 forma, seu estigma de instrumento estadunidense, mesmo que não tenha sido completamente negligenciado. Temas espinhosos ainda são de difícil abordagem. A discussão sobre narcotráfico e uso de drogas, por exemplo, tem pontos – como o debate sobre redução da demanda de drogas – que provocam polêmica ou a representam eles mesmos, e por isso não são interessantes para os Estados envolvidos que se sintam desconfortáveis. Contudo, há que se reconhecer os avanços no tema proporcionados pelos esforços da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), com projetos em múltiplas frentes e debate de variadas questões. Avanços são, muitas vezes, lentos e gradativos, mas resultados vão sendo verificados com o tempo. 1.4. A ASSEMBLEIA GERAL DA OEA A Assembleia Geral da OEA é o órgão supremo da Organização; detém o poder de tomada das principais decisões de ação. É formada por representantes de todos os Estados-membros, cada um dos quais tem direito a um voto. Suas resoluções são aprovadas por maioria absoluta, com exceção de sua própria agenda e do orçamento da OEA, que seguem regime de maioria qualificada, ou seja, passam com dois terços de votos a favor. Suas reuniões acontecem anualmente em localização selecionada segundo a regra de rodízio (Organização dos Estados Americanos, s.d.b). Entre outras responsabilidades, é a Assembleia Geral que deve decidir as políticas gerais da Organização, bem como determinar a estrutura e as funções dos demais órgãos e considerar qualquer questão que envolva os relacionamentos entre Estados americanos; estabelecer medidas para a coordenação de atividades de órgãos, agências e entidades da própria Organização e dessas atividades com as de outras instituições do sistema interamericano; reforçar e coordenar a cooperação com a ONU e suas agências especializadas; promover colaboração, especialmente econômica, social e cultural com outras organizações internacionais que possuam propósitos similares aos da OEA; aprovar programas de orçamento da Organização e determinar a cota de cada Estadomembro; considerar os relatórios da Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores e as observações e recomendações apresentadas pelo Conselho Permanente; adotar princípios gerais para governar as operações da Secretaria Geral; e implantar, 11 também, suas próprias regras de procedimento e sua agenda (Organização dos Estados Americanos, s.d.c, p. 18). 2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 2.1. A GLOBALIDADE DO NARCOTRÁFICO O narcotráfico, embora seja um fenômeno extremamente complexo, é comumente definido como uma “empresa transnacional dedicada ao tráfico de drogas ilegais, que não paga impostos e gera os maiores lucros” (Santana, 1999, p. 101). Por outro lado, assim como o processo produtivo em que empreendimentos lícitos estão inseridos, a mercadoria comercializada no tráfico ilegal de drogas também atravessa diversas fases de produção e, além disso, o próprio mercado como um todo está sujeito às dinâmicas políticas e econômicas do cenário internacional e baseado na lógica da oferta e da demanda. Dessa forma, com a intensificação dos fluxos de bens de consumo, de pessoas e de capital acarretada pela globalização, principalmente a partir da década de 1970, o tráfico internacional de drogas, seguindo a ordem política e econômica vigente, também se globalizou (Procópio Filho & Vaz, 1997, p. 99). O primeiro aspecto global do narcotráfico é a distribuição territorial de suas atividades. Enquanto o cultivo e a colheita das plantas utilizadas como matéria-prima ocorrem em alguns países latino-americanos e asiáticos, as rotas destinadas ao transporte das drogas envolvem outros países e o consumo do produto em si se dá em um terceiro território. O tráfico internacional de drogas se mostra estreitamente alinhado ao sistema capitalista global, uma vez que adota a atual Divisão Internacional do Trabalho (Santana, 1999, p. 101). A América Latina e a Ásia representavam, no fim do século XX, os maiores centros de produção de drogas do mundo e, consequentemente, os grandes fornecedores delas para os países desenvolvidos, que constituíam os principais mercados consumidores. Tais mercados, por se localizarem em nações mais ricas, apresentavam maior capacidade financeira de adquirir os produtos, fato que tornou o tráfico ilegal de drogas um empreendimento extremamente lucrativo (Ibid., p. 101-102). 12 O principal mercado consumidor para a droga latino-americana são os EUA e, em menor escala, a Europa. Contudo, o narcotráfico não abarca apenas o país fornecedor e o consumidor. Por se tratar uma atividade ilegal, busca, na verdade, uma diversidade de rotas para que as drogas cheguem ao destino esperado. Com isso, países vizinhos dos produtores e consumidores são inseridos nessa dinâmica, seja na produção da droga, seja em seu tráfico (Ibid., p. 101). Outro fator que contribui para a globalização do problema do tráfico ilegal de drogas é a tecnologia. Os avanços tecnológicos do sistema capitalista global, por tornarem cada vez mais fácil a projeção de novas drogas e o acesso à informação por meio da internet, auxiliam o desenvolvimento dessa empresa ilícita (Ibid., p. 102-103). A internacionalização do problema foi um dos fatores que conferiu a este maior espaço nas discussões das organizações internacionais a partir da década de 1980. Outro acontecimento determinante para o aumento da preocupação com o assunto foi a “epidemia da cocaína” do fim da década de 1970. No período, o consumo dessa droga aumentou consideravelmente, de maneira proporcional ao poder dos cartéis responsáveis por seu tráfico e à querela entre países do norte e do sul, em que cada lado da disputa buscava responsabilizar o outro pelo tráfico de drogas. À procura de uma solução para esse problema, a Assembleia Geral da OEA determinou, em novembro de 1984, que fosse organizada uma conferência especializada no tema do narcotráfico, realizada em 1986, no Rio de Janeiro (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a). Na Primeira Conferência Interamericana Especializada no Tráfico de Drogas, foi aprovada o Programa de Ação Interamericano do Rio de Janeiro contra o Uso Ilícito e a Produção de Droga, cujo principal objetivo era fazer da América, principalmente a América Latina, um ambiente onde o desenvolvimento socioeconômico fosse possível por meio da melhora da qualidade de vida proporcionada por uma política de controle e fiscalização do narcotráfico. O programa afirmava, também, que o tráfico de drogas se configurava como um fenômeno transnacional que punha em risco a soberania estatal e a segurança individual. Por isso, a fim de preservar a democracia, a dignidade individual dos cidadãos e a segurança dos Estados do continente, a cooperação bilateral e multilateral entre as nações como forma de combater tráfico se fez necessária (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.c). A Conferência recomendou também à Assembleia Geral da OEA que fosse criada a Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas (CICAD), órgão técnico 13 que seria responsável pelo controle de drogas ilícitas. Suas ações, entretanto, deveriam sempre levar em conta o desenvolvimento socioeconômico das nações em pauta, bem como os direitos humanos, o meio-ambiente e a preservação da cultura local (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a). Na década de 1990, o CICAD teve como principal objetivo aprofundar e intensificar a luta dos países americanos contra as drogas, enfatizando, em seus documentos, a união dos Estados contra o problema do narcotráfico. Em junho de 1997, foi adotada, pela Assembleia Geral da OEA, a Estratégia Antidrogas do Hemisfério, que trouxe como importante contribuição a ideia de responsabilidade compartilhada. Além de reforçar os objetivos e atividades do CICAD, tal Estratégia apresentou o narcotráfico como um fenômeno global multifacetado e apontou todos os países do continente como responsáveis por encontrar uma maneira de entender o narcotráfico em todas as suas dimensões com o intuito de enfrentá-lo de forma eficiente (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a). Com isso, o problema do tráfico ilegal de drogas passou a ser abordado como o fenômeno global que, de fato, se havia tornado. 2.2. A QUESTÃO DA SEGURANÇA HEMISFÉRICA A América Latina apresentava, no início do século XX, problemas crônicos no que se refere à sua própria segurança, como conflitos fronteiriços e vulnerabilidade econômica e política dos Estados que a compõem. Tais deficiências podem representar grandes desafios à convivência pacífica entre os Estados e fazer da América Latina um ambiente propício ao desenvolvimento de um sistema de segurança coletiva a fim de impedir futuros conflitos (Pagliari, 2006, p. 26-27). Esse sistema de segurança coletiva pode ser definido, segundo a Universidade do Colorado (s.d.), como um tipo de estratégia de coalizão em que as nações participantes concordam em não atacar umas às outras e em se defender mutuamente, caso uma delas seja agredida. O desenvolvimento do processo de formação de uma organização responsável pela mediação das relações entre os países do Hemisfério deu origem ao que hoje é a OEA (Organização dos Estados Americanos, s.d.g). A fim de tornar o continente seguro, os mecanismos de segurança e defesa coletivas do Hemisfério começaram a ser delineados no ano de 1936, quando ocorreu a 14 Conferência Interamericana de Consolidação da Paz. Durante essa conferência, foi aprovada a Declaração de Princípios de Solidariedade e Cooperação Interamericana, que previa que qualquer ato capaz de abalar a paz nas Américas seria considerado uma ação contra todas as repúblicas do continente (Pagliari, 2006, p. 28). Contudo, as bases institucionais desse sistema foram estabelecidas posteriormente, a partir da década de 1940. Em 1942, foi realizada a Conferência do Rio de Janeiro, onde se criou a Junta Interamericana de Defesa (JID), cujo objetivo era planejar uma estratégia de defesa conjunta dos Estados americanos contra ofensivas externas (Ibid., p. 28). Em 1944, as organizações regionais que foram autorizadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas se tornaram responsáveis pela mediação de conflitos locais. Embora, à época, ainda não tivesse o nome de OEA, o sistema de segurança coletiva americano ganhou importância e poder com a autorização da ONU, na medida em que já era considerado uma organização regional. No ano seguinte, a Conferência sobre os Problemas da Guerra e da Paz, em Chapultepec, México, estabeleceu a Declaração de Assistência Recíproca e Solidariedade Americana mediante a assinatura da Ata de Chapultepec, cuja intenção era reafirmar a solidariedade hemisférica de 1936 (Id.). Em 1947, os EUA propõem a Doutrina Truman, que disponibiliza a força militar norte-americana para intervenção em conflitos de países aliados que sejam atacados por forças comunistas ao redor do mundo. No mesmo ano, organiza-se a Conferência Interamericana para Manutenção da Paz e Segurança do Continente, na qual se assina o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que concretiza tanto a concepção de segurança coletiva por meio da formação de uma aliança de auxílio militar mútuo entre os países da América contra ataques externos como o compromisso de resolver as controvérsias entre os países do Hemisfério por meio do diálogo (Ibid., p. 29). Apesar de utilizar meios pacíficos para a resolução de conflitos, o TIAR não se demonstrou eficiente com relação ao que era essencialmente seu propósito. Tornou-se, em vez de um mecanismo capaz de dissuadir agressões externas, um sistema voltado para impedir a intervenção soviética e a expansão comunista. Em alguns casos, o TIAR foi invocado por Estados americanos, mas não foi executado. O caso mais emblemático é o da Guerra das Malvinas, em 1982, quando os EUA se abstiveram de apoiar a Argentina, país participante do Tratado, contra o Reino Unido, demonstrando que o 15 interesse estadunidense muitas vezes orientava em que casos o TIAR seria aplicado (Id.). Com a criação da OEA, em 1948, o processo de estruturação da segurança hemisférica pôde continuar, já que a Organização consagrou como um de seus principais alvos a manutenção da paz no continente americano. Finalmente, em 1962, foi criado o Colégio Interamericano de Defesa (CID), órgão da JID responsável pela preparação de pessoal qualificado para a proteção militar do continente. Essa iniciativa concluiu o processo de estabelecimento das bases de segurança coletiva do continente (Ibid., p. 30). O mecanismo de segurança coletiva das Américas teve de sofrer mudanças com o fim da Guerra Fria. Durante o conflito, a agenda de segurança dos EUA e dos outros países americanos era restrita a temas tradicionais de segurança, como a ameaça de invasão pela outra potência e demais preocupações de ordem bélica. Porém, sem uma potência hegemônica contrária aos norte-americanos, o continente se mostrou estável e sem conflitos entre os Estados, já que a grande maioria possuía um sistema político democrático alinhado ao antigo bloco capitalista (Manwaring et al., 2003, p. v). O fim da ameaça comunista e da bipolaridade tornou possível que os países se concentrassem no combate de outras ameaças à segurança que antes não eram priorizadas por suas agendas políticas (Pagliari, 2006, p. 30-33). O narcotráfico foi uma dessas questões, inserido como problema de segurança hemisférica na Primeira Conferência Especializada no Tráfico de Drogas, realizada em 1986 (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.a). Os Estados sentiram, como consequência, a necessidade de revitalizar e modernizar os mecanismos de segurança para satisfazer as mudanças no cenário político continental. Com esse propósito, as nações americanas precisaram refazer suas agendas nacionais de segurança, assim como a agenda comum de defesa, e passaram a incorporar os novos problemas explicitados pelo fim da Guerra Fria. O resultado foi o estabelecimento de uma agenda multidimensional em 2002, por meio da Declaração de Bridgetown (Pagliari, 2006, p. 31). Em 2003, porém, foi realizada, no México, uma Conferência Especial sobre Segurança, na qual não foi possível estabelecer novos mecanismos de segurança ou uma resposta unânime e coesa de todos os membros aos novos problemas de segurança. Como cada Estado possui interesses diferentes para si e para o continente e interpretações distintas sobre os problemas de defesa, se torna difícil o estabelecimento 16 de uma agenda eficiente e comum de segurança hemisférica. Além disso, o continente está inserido em uma dinâmica em que nunca esteve antes, na qual a ameaça a ser combatida é transnacional e , para combatê-la, é necessária a cooperação (Id.). O narcotráfico se concretizou como uma das ameaças mais poderosas à democracia e à estabilidade no continente americano; em 2010, foi, portanto, adotada pelo CICAD e pela Assembleia Geral da OEA a nova estratégia hemisférica de drogas. Segundo o Secretário-Geral da Organização, José Miguel Insulza (2010), o aumento da violência no continente está diretamente relacionado ao aumento do consumo de drogas, ocorrido independentemente dos esforços dos mecanismos de segurança para impedir o tráfico. Dessa forma, nesse momento, se fez necessária uma mudança de tática no combate ao tráfico de drogas. A nova Estratégia Hemisférica de Drogas tem o objetivo de desenvolver não somente os mecanismos de controle da demanda dos países, mas também os relacionados aos dependentes de drogas, por reconhecer a dependência como uma doença que deve ser devidamente tratada pelo sistema de saúde pública de cada Estado. Segundo a nova Estratégia, a redução do consumo de drogas enfraqueceria os cartéis – e, por conseguinte, o tráfico de drogas em si (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.b). A incorporação do tema do narcotráfico à agenda de segurança dos países americanos é, assim, extremamente importante para o desenvolvimento das políticas públicas de combate às drogas. Por se tratar de um crime internacional e transnacional, que não se restringe a fronteiras, o tráfico de drogas não é assunto interno de nenhum governo, mas de todos os do continente. Logo, para que o negócio seja combatido, é necessário que os diversos governos do Hemisfério alinhem suas políticas de combate e atuem juntos para desestabilizar o esquema dos cartéis responsáveis pelo narcotráfico (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, s.d.b). 2.3. A RELAÇÃO ENTRE NARCOTRÁFICO E SOBERANIA O tráfico ilegal de drogas apresenta, ainda hoje, riscos de naturezas distintas para a soberania dos países das Américas. Por um lado, a própria estratégia de combate conjunto ao narcotráfico parece impor certos limites à soberania nacional dos Estados; 17 por outro, os governos enfrentam a ameaça interna e transnacional que os cartéis responsáveis pela produção e pelo tráfico de drogas representam à soberania territorial e política. O primeiro ponto relevante acerca do tema da soberania no que tange ao narcotráfico se refere aos esforços de caráter multilateral que têm, cada vez mais, sido requisitados pelos mecanismos de segurança hemisférica como a forma mais eficiente de resolver o problema do tráfico de drogas (Comissão Interamericana para o Consumo do Abuso de Drogas, s.d.b). Não é, todavia, tão fácil que os Estados americanos estabeleçam uma agenda comum de segurança para o Hemisfério, porque as agendas nacionais de segurança são diferentes entre si. Um dos pontos em comum a essas agendas é a defesa do direito soberano que os Estados possuem de definir suas prioridades de segurança e suas estratégias para enfrentá-las (Pagliari, 2006, p. 31-32). A utilização de um mecanismo unificado de combate ao tráfico de drogas se mostra, consequentemente, conflitante com soberania estatal, já que a política a ser implementada nesse combate não será determinada unicamente por um Estado, mas por um conjunto deles. Para que a soberania fosse preservada, seria necessário um consenso em relação a tal política, o que, como exposto acima, é difícil de ser alcançado. Outro desafio à soberania das nações hemisféricas é representado pelos cartéis de drogas. Esses grupos, os atores responsáveis pela produção e pelo tráfico de entorpecentes no Hemisfério Ocidental, têm como objetivo extrair lucro de suas atividades comerciais. O desenvolvimento dos cartéis ao longo do tempo lhes permite crescer e exportar suas atividades para outros territórios (Manwaring, 2007, p. 3-4). Ao expandir seus interesses econômicos e políticos, os grupos se desenvolvem e se tornam mais ramificados, aumentando seu mercado e seu número de aliados. Além disso, se engajam, normalmente, em outras atividades criminosas, tais como o tráfico de pessoas e de órgãos, assassinatos e sequestros, com o intuito de preservar a própria segurança e a de seus negócios. Esse desenvolvimento faz dos grupos verdadeiras empresas do crime organizado, que possuem suas próprias agendas políticas e econômicas (Ibid., p. 4-6). Um cartel se torna uma ameaça à soberania estatal quando seu nível de integração é alto, uma vez que ele passa a controlar territórios negligenciados pelo governo e/ou adquire a admiração e o respeito da camada mais pobre da população. Esse processo rompe o monopólio do Estado soberano sobre o uso da força e sobre a política (Ibid., p. 6). O desenvolvimento dos cartéis foi tão grande que, ao longo das décadas, muitos 18 deles se tornaram atores transnacionais mediante o estabelecimento de alianças com outros grupos. Portanto, não é somente à soberania do Estado em que emergem que os cartéis representam uma ameaça, mas também à dos Estados vizinhos. Quanto maior é a estrutura desses grupos, maior é a capacidade deles de interferir em assuntos políticos e econômicos dos países em que possuem “representações” e sobre os quais pousam seus interesses. O narcotráfico se configura, portanto, como uma ameaça à segurança hemisférica porque infringe a soberania política dos países, cuja manutenção é um dos principais objetivos da segurança. 3. GEOPOLÍTICA DO NARCOTRÁFICO 3.1. TENDÊNCIAS DE CULTIVO E DE CONSUMO Ao examinarmos o tráfico internacional de drogas, observamos que a distinção tradicional de que países subdesenvolvidos produzem maconha, cocaína e opioides e os enviam a países desenvolvidos se está enfraquecendo (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 66). O mercado é gigantesco; o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) estima que, no ano de 2010, entre 153 e 300 milhões de pessoas de 15 a 64 anos de idade tenham usado pelo menos um tipo de substância ilícita (Ibid., p. 7). Os problemas à saúde da população mundial são igualmente evidentes, uma vez que, novamente segundo o UNODC (Id.), entre 10 e 13% dos usuários são dependentes, e entre 0,5 e 1.3% das mortes registradas no ano em questão foi provocado pelo consumo de drogas. Neste ponto, uma definição nos pode ser útil: abuso de drogas, segundo a CIA (s.d.), é o uso de qualquer substância química lícita ou ilícita que implique a debilitação física, mental, emocional e/ou comportamental de um indivíduo. Nas Américas, o sentido sul-norte da produção de entorpecentes ainda se verifica, mas, logicamente, o narcotráfico continental possui dinâmicas próprias. É essencial ressaltar que tratar dos três principais tipos de droga ilícita traficados ao longo do continente – cocaína, maconha e opioides – não significa analisar apenas sua produção. Se é a demanda que determina a oferta, o cultivo das plantas de que se originam os 19 narcóticos aqui abordados se destina a suprir uma demanda – essencialmente anglosaxônica, embora o mercado latino-americano esteja em ascensão (Woodrow Wilson Center Update on the Americas, 2012, p. 3). Ainda assim, como visto na seção anterior, a discussão do narcotráfico no âmbito da OEA não abarca redução da demanda. Por isso, deveremos concentrar-nos na oferta. Julia Buxton (2006, p. 5) analisa o papel histórico das drogas nas sociedades e verifica que elas são quase onipresentes: apenas quatro entre 237 culturas pesquisadas não possuem registro de uso de substâncias psicoativas, tanto porque eram grupos isolados como porque não tinham condições de cultivá-las. As drogas estudadas pela autora são as mais consumidas pela humanidade, produzidas a partir de três plantas: a papoula e a maconha, originárias da Ásia, e a folha de coca, cujo uso mais tradicional é associado aos indígenas andinos, que a consomem, até hoje, como estimulante físico para tarefas árduas. Era, também, usada pelos incas como sacramento religioso e venerada como dádiva da natureza; seu consumo ou inalação era promovido como meio de comungar com as divindades e de alcançar iluminação espiritual (Id.). Curiosamente, contudo, não há registros de abuso de drogas nessas sociedades tradicionais, impedido por imperativos morais, aliados à repreensão comunitária em caso de excesso e ao cultivo balanceado de – no caso andino, especificamente – coca, batata e milho (Id.). Vemos, portanto, que antes de constituir um mercado altamente lucrativo de escala planetária, a droga essencialmente latino-americana possuía uma função social cultural, à qual voltaremos mais tarde. A coca enviada primariamente para os cerca de dez milhões de consumidores norte-americanos e europeus continua a provir exclusivamente dos Andes. Especificamente, a produção da folha se dividia, em 2007, entre Colômbia (55% da área cultivada), Peru (30%) e Bolívia (16%) (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 7). Embora esses países detenham, de fato, um monopólio virtual do cultivo de coca, os governos de países da região como Equador e Venezuela relataram a ocorrência de plantio em pequena escala em seus territórios. (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 35). Por meio dos dados gráficos fornecidos pela UNODC (2008, p. 7), para o período entre 1990 e 2007, observam-se diversas modificações na dinâmica do plantio da droga na região. Ao longo da década de 1990, a área total de cultivo permaneceu estável em torno de 2.000km2, mas, gradualmente, houve uma mudança na divisão da produção: se 20 o Peru, até 1996, cultivava a maior parte da droga andina, a Colômbia, a partir do ano seguinte, o ultrapassou. A produção colombiana viu seu auge entre 1999 e 2000 e chegou a conduzir a um aumento da área total de cultivo para quase 2.250km2. A partir de 2001, no entanto, viu-se um declínio drástico da área de cultivo colombiana, que resultou, novamente, num impacto no total produzido. Entre 2002 e 2006, o cultivo da coca, em média, ocupou pouco mais de 1.500km2. Em 2007, contudo, observa-se que a produção tomou novo impulso, embora se tenha mantido em torno de 1.750km2, nível bastante inferior aos registrados no início da década. Dados mais recentes do mesmo Escritório (2012, p. 35) revelam que a produção total foi gradualmente reduzida desde então, motivada pela postura combativa do governo colombiano – que analisaremos mais tarde. O Peru, entretanto, voltou a aumentar sua produção da droga, cuja área se equiparava, em 2010, à colombiana. Os dois países respondiam, juntos, por quase 80% de um total de 1.492km2 cultivados. Os cerca de 20% restantes foram supridos pela Bolívia. Esses dados nos mostram, portanto, que as ações governamentais de combate à oferta de drogas podem ser bastante eficazes em determinado território nacional, mas a produção é facilmente transferida para regiões que não oferecem as mesmas resistências (Woodrow Wilson Center Update on the Americas, 2012, p. 3-5). No que tange ao consumo, podemos verificar a existência de três grandes mercados para a coca: a América do Norte, a América do Sul e a Europa ocidental e central (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 37). Nos EUA, que seguem sendo o maior consumidor de cocaína do mundo (CIA, s.d.), observou-se, em 2010, uma queda substancial na prevalência3 do uso de cocaína que se deveu, sobretudo, à considerável redução da quantidade ofertada pela Colômbia, principal fornecedora da droga ao mercado norte-americano, e às disputas por território entre cartéis no México, que obstaculizaram o fluxo de cocaína através da fronteira com os EUA. Na Europa, por outro lado, a tendência contemplada foi de estabilização do consumo em alguns países e de redução em outros. A redução da produção colombiana deslocou para a Bolívia e o Peru o cultivo da droga destinada para o continente. (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 37-39). 3 O percentual de uma população que se enquadra em determinada condição médica indesejável. 21 O Brasil, segundo a CIA (s.d.), é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo. Em 2010, foram apreendidas 27 das aproximadamente 45 toneladas recolhidas em toda a América do Sul. O Chile e a Argentina constituem, respectivamente, o segundo e o terceiro mercados mais importantes para a droga na região (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 40). Mercados emergentes para o estimulante incluem a Europa Oriental, o Sudeste Asiático e a Oceania. Ainda assim, eles representam uma pequena fração absoluta da demanda global pela droga. As apreensões de drogas realizadas nessas regiões podem, porém, levar a uma subestimação da quantidade consumida da droga, uma vez que as autoridades de regiões onde o consumo de heroína é predominante tendem a acreditar estar apreendendo esta em vez da outra (Id.). O Afeganistão e Mianmar são, historicamente, os maiores produtores mundiais de papoula-dormideira4 e abastecem o mercado extra-americano de opioides em sua totalidade. O tráfico dessa categoria de drogas nas Américas é, portanto, intracontinental. Cartéis colombianos têm feito experimentos com a papoula desde o final da década de 1970 e, em meados da década de 1990, o país já se tornara um importante fornecedor da droga para os EUA. O México por outro lado, também tem sido uma fonte notável de heroína para o mercado norte-americano desde a década de 1970, sobretudo para o Oeste e Meio-Oeste do território do país (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 21). Estima-se que, em 2010, a área total de cultivo de papoula no México tenha sido de 140km2, cifra que torna o país o terceiro maior produtor da planta no mundo, superado apenas pelos dois países asiáticos citados acima. Esse nível, embora bastante inferior aos 190km2 estimados para o ano anterior, revelam uma espiral de crescimento que se vem observando desde 2006, na contramão da redução dramática da área cultivada na Colômbia. (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 28). Esta, embora ainda seja a principal fornecedora de opioides para o nordeste dos EUA e para o país como um todo (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 21), registrou, também em 2010, uma área de cultivo da papoula-dormideira de apenas 3,41km2. Em termos globais, portanto, a produção colombiana é cada vez menos relevante, mas, no âmbito americano, o país é o único, além do México, a cultivar a 4 Papaver somniferum, a planta a partir de cuja vagem se produzem opioides naturais como o ópio, a morfina e a codeína e semissintéticos como a heroína (CIA, s.d.). 22 planta em larga escala para abastecer o continente de opioides. (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 28). A América Central tem-se tornado cada vez mais importante no cenário continental de produção de papoula. Destacam-se, nesse sentido, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Nesta, estima-se que se tenha cultivado uma área de cerca de 3km2 em da planta em 2007, quando a produção colombiana ainda abarcava 7,15km2, e a mexicana, 69km2 (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 21). A prevalência de opioides nas Américas é estimada em torno de 2,2 milhões de pessoas. Esse número corresponde a 13% do total mundial de usuários dessa classe de droga em 2006. Nesse ano, o uso ascendeu no México, na Venezuela e na Argentina, ainda que, na América do Sul – cujo maior mercado é, mais uma vez, o Brasil –, os opioides mais consumidos sejam os sintéticos, que não provêm da papoula (Ibid., p. 22). O comércio da maconha – tanto da erva como da resina, o haxixe – se dá de forma bastante diferente. A maioria dos países não apenas consome a droga, mas também cultiva o gênero de plantas (Cannabis) que a origina (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 43). No continente americano, a variante da maconha que predomina é a erva (Ibid. p. 44), que se refere à droga produzida a partir dos botões da flor da planta. Estes contêm maior concentração do principal ingrediente ativo, o tetraidrocanabinol (THC), do que a glândula de resina de cuja compressão se produz o haxixe (Ibid., p. 43). As Américas produziram, em 2006, 55% das 41.400 toneladas de maconha cultivadas no mundo. Dessa porcentagem, 56,4% provieram da América do Norte, e 43,6%, da América do Sul (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 23). O México se destaca mais uma vez nesse cenário como um dos maiores produtores mundiais (Id.), embora os EUA também sejam uma fonte importante da droga, cultivada especialmente em terras públicas de reservas florestais da Califórnia e, em menor escala, em residências. Ainda assim, o governo norte-americano avalia que apenas 7% da maconha apreendida em 2010 tenham sido cultivados internamente (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2012, p. 51). A produção de maconha na América Central, embora considerável em termos continentais, se destina primariamente ao consumo interno ou intrarregional (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2008, p. 24). Na América do Sul, as maiores apreensões do ano de 2006 foram realizadas no Paraguai, importante fornecedor para os 23 vizinhos Argentina e Brasil, na Colômbia e no Brasil, que produz a droga apenas para atender à enorme demanda interna (Ibid. p. 24-26). O consumo do haxixe, mesmo que, conforme vimos, seja baixo no continente, encontra suas principais fontes na Jamaica e no Paraguai, responsáveis, respectivamente, por 5 e 2,5% da produção mundial dessa variante da droga (Ibid. p. 24). 3.2. COMBATE GOVERNAMENTAL, PROBLEMAS E SOLUÇÕES Por mais de trinta anos, o combate à produção e ao tráfico na América Latina e no Caribe tem sido um dos maiores focos dos esforços norte-americanos de controle de drogas. O fornecimento de fundos de assistência aos governos da região tem sido um componente fundamental nessa estratégia antidrogas, cujo objetivo é desarticular o narcotráfico em sua fonte. As táticas empregadas são, principalmente, a eliminação de áreas de plantio e a apreensão de carregamentos de drogas, bem como o investimento em debilidades econômicas, sociais e institucionais que tornam os países produtores e de trânsito suscetíveis ao narcotráfico (Seelke, 2010, p. 9). Cada vez mais, no âmbito do continente americano, observa-se uma mudança no entendimento canônico de como combater o problema das drogas. A opinião do secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, é de que o continente se dá conta de que as drogas são, basicamente, um problema de saúde publica – afirmação a partir da qual podemos concluir que o cerne do combate deve ser a demanda por drogas. O diplomata sinaliza que a mudança no âmbito da Organização acompanhou uma alteração similar na política de drogas norte-americana a partir do governo de Barack Obama (2009-). Seu apelo é de que essa mudança de paradigma se torne global (Insulza, 2010). O que, contudo, percebemos, é que iniciativas de descriminalização do uso de drogas e outras mais radicais como a legalização da maconha ainda são bastante incipientes nas Américas. A política internacional de repressão ao uso de drogas por meio de sua proibição gerou um consenso global entre os Estados, que relativizaram sua soberania nesse aspecto em prol do combate ao tráfico de drogas. Segundo Julia Buxton (2006, p. 100101), contudo, é utópica a noção de que as pessoas vão abandonar o consumo de uma 24 substância tão somente por ela ser ilegal, sobretudo se acreditam que aquela substância não lhes fará mal. Como demonstrado pela Lei Seca que vigorou nos EUA na década de 1920, a persistência de uma demanda continua a tornar a oferta de um produto uma atividade lucrativa (Id.). A autora observa ainda que, historicamente, o combate à oferta representa um dilema: a redução do montante de droga produzida acarreta escassez, que, por conseguinte, conduz a uma alta de preços. Essa, por sua vez, funciona como um incentivo à produção (Ibid., p. 107). A concentração histórica da produção de drogas nos países do sul também dificultou que fossem implantadas políticas como a de substituição de cultivos, uma vez que a exportação de substancias ilícitas tem funcionado como uma fonte de renda considerável para países pobres. Aliado a isso, os países do norte adotaram ao longo do século passado uma postura de responsabilização “moral” dos países em desenvolvimento pela erradicação do cultivo em seus territórios (Ibid., p. 112). Observamos, portanto, que as raízes da dificuldade de combate às drogas se fundamentam na setorização do problema e na relutância em assumir responsabilidades por parte de todos os atores envolvidos na questão. As estratégias de combate permanecem as mesmas, não obstante o fracasso em reduzir a quantidade total de droga produzida e consumida nas Américas e no mundo. A adaptabilidade das organizações criminosas e da indústria da droga como um todo é notória (International Crisis Group, 2008b, p. 40). Urge, portanto, repensar as políticas de combate ao narcotráfico, de modo que se tornem mais eficientes na redução real do consumo de entorpecentes no mundo. 4. POSICIONAMENTO DOS PAÍSES: CONTRADIÇÕES ENTRE DISCURSO EXTERNO E PRÁTICAS INTERNAS 4.1. MEMBROS DA AMÉRICA DO NORTE § Canadá A legislação sobre drogas no Canadá, que entrou em vigor em 1997, é considerada rígida pela população, por não fazer grande distinção entre as punições para 25 grandes cartéis de drogas e o usuário comum. As estratégias de combate, por sua vez, estão divididas entre a polícia e o Departamento de Saúde canadense. A primeira se compromete em combater a oferta; o segundo se compromete em conscientizar a população, com especial atenção para crianças em idade escolar e jovens universitários, bem como oferecer serviços para o tratamento de dependentes. Como parte de sua política antidrogas, o Canadá também mantém acordos bilaterais com diversos países da OEA, para cooperação e troca de tecnologia, técnicas, informação e pessoal especializado. § EUA A política antidrogas norte-americana afirma ter seu foco distribuído igualmente em ações de redução do consumo, do tráfico e da produção de drogas, que ocorrem tanto no âmbito interno quanto no externo. As medidas domésticas se apresentam por meio da aplicação extensiva de leis coercitivas, com a prisão de todo aquele que vende ou consome drogas comprovadamente, e na prevenção, que toma forma mediante medidas de tratamento e educação – esta por meio, sobretudo, da publicidade – bem como um tipo de política de “redução de danos”, que inclui espaços para o uso regulamentado de maconha, recintos seguros para o uso de drogas injetáveis e um programa de troca de agulhas. No âmbito externo, as políticas se concentram naqueles países cuja produção de drogas tem acesso aos Estados Unidos, principalmente Colômbia, Peru e Bolívia, por meio do Plano Colômbia, e México, pela Iniciativa Mérida, com ênfase maior no combate ao tráfico de cocaína. Apesar da retórica de uma abordagem que se concentre igualmente na redução da oferta e da demanda, é clara a prioridade das medidas do lado da oferta, que se tornou patente com a criação de leis específicas contra os narcotraficantes e a tentativa de erradicação, ao longo de todo o continente, do plantio da coca e da papoula. Essa última política se celebrizou devido às tentativas de erradicação aérea dos cultivos de coca e o incentivo financeiro para que agricultores troquem seus plantios ilícitos por outros cultivos lícitos. § México Historicamente, o combate às drogas mexicano abarca principalmente os opioides e, apenas mais recentemente, as drogas sintéticas e a cocaína. A luta contra as drogas é levada a termo pelo próprio Exército, devido aos casos de corrupção nas unidades de 26 polícia regionais, corrupção esta que acentua e agrava os famosos casos de disputa de território entre os cartéis. O fato é que apenas isso não é suficiente, uma vez que o envolvimento do Exército põe em risco a segurança dos cidadãos mexicanos. As medidas de longo prazo propostas pelo governo são a reestruturação da polícia e sua capacitação para o combate ao tráfico, bem como uma reforma da Secretaria de Segurança Pública. Um grande marco na política antidrogas mexicana é a Iniciativa Mérida, acordo bilateral assinado entre Felipe Calderón e George W. Bush em 2007, que, segundo o governo mexicano, apenas formaliza a cooperação que já existia e a melhora, embasando-a em princípios de responsabilidade compartilhada, cooperação e respeito pleno pela soberania de cada país. Apesar de ambos os países avançarem o discurso de que a Iniciativa não significa uma ingerência norte-americana nos assuntos internos, a opinião pública vê a estratégia como uma afronta à soberania do país e considera que implica verdadeiramente maior presença do vizinho no território, principalmente com o aporte de tecnologia e pessoal especializado. 4.2. MEMBROS DA AMÉRICA CENTRAL E DO CARIBE § Guatemala O governo de Otto Pérez Molina (2012-) se afirma empenhado no combate às drogas. As prisões de importantes chefes do narcotráfico, somadas às ações tomadas contra o cultivo, a utilização e a comercialização de entorpecentes, levaram à recente identificação de pelo menos 50 cartéis na Guatemala, como informam órgãos oficiais e a mídia. A iniciativa do presidente se estende à ONU, na defesa da reforma, antes de 2016, dos protocolos que regulam a “guerra contra as drogas”. O governo julga inadequada a postura da Organização, por não ter conseguido avanços significativos no tema e não ser capaz de impedir as mortes que se devem ao problema. Afirma ainda que sejam o tráfico e a produção de entorpecentes os maiores causadores dessas mortes, e não o consumo; os mesmos devem estar, portanto, no cerne das reformas e novas propostas. § Haiti 27 O Estado se posiciona a favor de uma solução multilateral para a questão do narcotráfico. Identificando-o como séria ameaça à segurança da região caribenha, o governo do Haiti evoca a cooperação entre os Estados centro-americanos a fim de diminuir a porosidade das fronteiras e bloquear as rotas do tráfico na América Central. O Presidente Michel Martelly (2011-) destaca a violação da soberania estatal por parte dos poderosos atores não estatais que as organizações do narcotráfico representam e ressalta as graves implicações no sistema econômico e no âmbito sociopolítico que a utilização do território nacional pelas mesmas como vias de trânsito de drogas geram. § Jamaica O governo jamaicano credita aos graves problemas de violência, crime e corrupção que assolam o país – entre os quais se destaca o narcotráfico – as causas da estagnação do desenvolvimento econômico que a Jamaica enfrenta. Assim, propõe uma postura firme de ação contra o tráfico de entorpecentes, auxiliada pelo apoio dos Estados Unidos – ajuda necessária pelo fato de que a própria Jamaica, sozinha, não teria como sustentar políticas desse porte e escopo – e tomada em conjunto com os outros países latino-americanos, particularmente da América Central. No entanto, o país se posiciona de forma inconstante e imprecisa no que diz respeito ao endurecimento das leis de proibição do consumo de entorpecentes, principalmente a maconha, pela alta disseminação da utilização desta em território jamaicano. § República Dominicana A postura adotada pelo governo do Presidente dominicano Danilo Medina (2012-) face ao problema do narcotráfico, em continuidade às ações do governo anterior, objetiva reverter o quadro de utilização do país por cartéis de drogas como armazém e rota de envio de entorpecentes para a Europa e para os EUA. Envolve coordenação internacional, particularmente com o vizinho Haiti (nesse caso, ressalta-se a cooperação logística e técnica), para possibilitar a apreensão de carregamentos para dentro do território e o bloqueio das rotas do tráfico para fora. A República Dominicana coloca o desmantelamento dos cartéis de drogas como uma de suas prioridades, e o governo atual afirma encarar o problema de maneira firme, para que não haja nenhum espaço para o narcotráfico no país. 28 4.3. MEMBROS DA AMÉRICA DO SUL § Argentina A política antidrogas argentina enfoca o controle fronteiriço, do qual se ocupam as Forças Armadas nacionais, em parceria com as forças equivalentes dos países vizinhos. A tecnologia utilizada para isso é, todavia, bastante ultrapassada devido à escassez de recursos. O consumo de drogas ilícitas aumentou muito nas últimas décadas, mas aquele voltado para o uso pessoal foi descriminalizado. Ainda assim, campanhas de redução da demanda são realizadas pelo governo federal, que, por outro lado, argumenta fazer tudo quanto pode para combater o narcotráfico e que as áreas produtoras como Peru e Bolívia deveriam esforçar-se mais para inibir a produção. Como, infelizmente, tem-se tornado comum na Argentina, os dados oficiais são incompletos e insuficientes para que se possa fazer uma análise mais profunda sobre o real resultado das políticas antidrogas adotadas no país. É claro, porém, que elas não abarcam todos os aspectos que deveriam e não contam com recursos avançados o suficiente para constituir uma política antidrogas eficiente. § Bolívia A política antidrogas da Bolívia é muito interessante, uma vez que responsabiliza a produção de cocaína, não o plantio da folha de coca. O governo tem, inclusive, apoiado iniciativas para legitimar vários aspectos da produção de coca e lançou até mesmo campanha para remover a folha de coca da lista de substâncias proibidas da Convenção das Nações Unidas sobre Drogas. Evidentemente, todas essas medidas visam legitimar a coca frente à cocaína; esta é combatida a todo custo, a começar por sua produção. Na prática, contudo, tem-se notado um aumento no número de plantios ilegais em algumas reservas naturais. Isso ocorre, principalmente, porque a Força Especial de Luta Contra o Narcotráfico boliviana não possui tecnologia ou logística suficientemente avançadas para controlar as plantações de coca clandestinas e patrulhar as fronteiras com Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Peru. Outra falha da política boliviana é o fato de que pouca atenção é conferida ao consumo, apesar de a demanda por drogas estar aumentando na Bolívia. 29 § Brasil A Política Nacional Antidrogas (PNAD) prioriza a prevenção do uso de substâncias ilícitas. Mesmo com essa atenção maior ao consumo, ações voltadas para a redução da oferta também existem, e devem ser executadas pelos próprios municípios. Ainda segundo o texto da PNAD, a educação também deve ser utilizada no combate, como meio de prevenção, em ações integradas nos setores de educação, saúde e segurança pública. Ainda dentre os projetos antidroga, se destacam as operações nas favelas e o projeto SIVAM/SIPAM, que se encarrega da fronteira amazônica, uma das principais portas de entrada da droga no Brasil. O que de fato ocorre é o abandono de algumas políticas previstas por falta de recursos. O melhor exemplo disso são as ações de fronteira, em especial aquelas na região amazônica, que, além de não cobrirem toda a extensão terrestre, tampouco cobrem a extensa rede de rios que corta os países sul-americanos, de modo que os traficantes internacionais ainda possuem rotas seguras para suas atividades. As ações nas favelas, apesar de alcançarem certo êxito, também custam a vida de muitos inocentes, e, não raro, policiais são acusados de cometer violações aos direitos humanos durante as operações, prática que aumenta o medo e a rejeição da população de mais baixa renda às forças estatais. § Chile Uma das iniciativas mais notáveis do governo chileno é a de estabelecer uma enorme diferença entre os tratamentos penais dispensados ao “microtráfico” – primariamente para uso pessoal – e ao tráfico de grande escala, gerenciado pelas grandes redes internacionais de narcotráfico. Outras estratégias no lado da oferta incluem campanhas regionais para impedir o tráfico oriundo do Peru e da Bolívia e também para frear o cultivo da maconha. Esta tem no Chile a mais alta prevalência de todo o continente. O problema que o país enfrenta hoje é, na verdade, duplo: há um aumento no tráfico e no consumo. A atual administração chilena se posiciona firmemente contra políticas alternativas de combate às drogas, como, por exemplo, a legalização da maconha, ainda que uma eventual iniciativa nesse sentido pudesse contar com o apoio da população: na página do Senado do país chamada Senador Virtual, na qual os cidadãos podem votar pautas de interesse do país, esse é um dos projetos mais populares. 30 § Colômbia As medidas de redução do consumo colombianas são bem tímidas se comparadas às políticas de redução da oferta e de restauração da segurança em áreas de conflito, onde existem grupos armados ilegais que operam receitas provenientes do tráfico de drogas. Uma das frentes de combate à oferta emprega o estímulo à troca do cultivo de coca por outros cultivos, mediante auxílio financeiro do governo. Na prática, contudo, esse “subsídio” às avessas pouco ajuda os agricultores, pois eles por vezes são ameaçados por grupos armados ou recebem deles, para plantar coca, um pagamento maior que o oferecido pelo governo pelo plantio dito “limpo”. Outra falha da política colombiana concerne à tão difundida fumigação aérea, que, frequentemente, mata culturas legais próximas aos plantios de coca. Isso leva milhares de famílias a perder suas terras e ter de se mudar. Sem recursos, essas famílias, que antes se sustentavam por meios lícitos, se veem obrigadas a plantar coca. No âmbito político, a concordância entre os governos norte-americano e colombiano desde a presidência de Andrés Pastrana (1998-2002) não se limita às estratégias de combate às drogas; na realidade, desde então, o governo colombiano vemse posicionando como um dos principais aliados dos EUA numa América Latina que, cada vez mais, elege governos de centro-esquerda cujas políticas externas frequentemente incluem uma retórica antiamericana. § Equador O verdadeiro foco da política equatoriana é o tráfico entre o país, o Peru e a Colômbia e o contrabando dos precursores químicos das drogas, uma vez que produção e lavagem de dinheiro são atividades que ocorrem em baixíssima escala no país. Mesmo assim, atualmente é notável o baixo aporte de recursos para que o órgão responsável trabalhe em prol da redução da demanda por drogas e da oferta delas. Dessa forma, as políticas de erradicação forçada e o incentivo à troca de plantio são conduzidas pelas próprias polícias locais em conjunto com as Forças Armadas, mas de maneira não muito eficaz, uma vez que se tem observado um aumento das áreas cultivadas. Também se combate o tráfico de “gasolina branca”, o combustível refinado utilizado como precursor químico para a produção de drogas, tanto no próprio país quanto nos vizinhos. 31 § Paraguai A política paraguaia possui ações para combater a demanda e a oferta de drogas, com base na transmissão de conhecimento sobre as drogas e sobre os problemas que elas aportam para a sociedade como um todo. Pelo lado da oferta, a maior preocupação paraguaia é a produção de maconha, uma vez que as terras do país, combinadas à altitude, parecem ser adequadas para esse tipo de atividade, que é muito lucrativa para as famílias que dela dependem. A droga paraguaia se destina ao consumo local e é também traficada para o Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Recentemente, devido à alta qualidade do produto, a maconha paraguaia tem chegado também à Europa e ao Japão. Assim, a medida tomada é semelhante à adotada pelos países que sofrem com o cultivo clandestino de coca: o incentivo à troca dos plantios ilícitos por outros cultivos. O governo também se preocupa com o problema da lavagem de dinheiro e com a obtenção de apoio internacional, ao demonstrar que sua política de inibição da produção e combate ao tráfico beneficiará qualquer país que possuir problema com as drogas. § Peru Como os povos originários da região andina têm cultivado a coca durante séculos para fins que não a produção de cocaína, um dos cernes da política antidrogas peruana é o apoio à produção que sirva a fins lícitos e a destruição de todo o excedente. Com esse fim, o governo realiza a erradicação forçada das plantações ilícitas e as substitui por cultivos legais, registra os produtores e delega a comercialização e industrialização das folhas exclusivamente à Empresa Nacional da Coca (ENACO). Outras medidas que envolvem a inibição da produção incluem o aumento da pena para lavagem de dinheiro, a intensificação do controle da venda dos ativos químicos necessários para produzir cocaína e uma maior eficiência no confisco de áreas de plantação ilícita. Quanto à demanda, desde 2007, o governo peruano enfoca cada vez mais o lado dos compradores da droga, estimulando a reabilitação dos dependentes e oferecendo diversos programas de conscientização e prevenção em parceria com as autoridades de cada região do país. § Uruguai A política antidrogas uruguaia abrange a promoção da saúde, o combate à demanda, o tratamento e a reabilitação, a redução do fornecimento de drogas, um sistema de informação e a descentralização das políticas de drogas ao âmbito municipal, além de uma eficiente fiscalização das fronteiras e do combate à lavagem de dinheiro. 32 Em junho de 2012, um projeto de lei do governo do país para estatizar todo o comércio de maconha, da produção à venda, ganhou as manchetes internacionais. Além de resolver a contradição de uma legislação que nunca criminalizou o usuário da droga, mas que prevê penas severas para os envolvidos em seu comércio, a proposta visa a distanciar o consumidor do traficante – e, assim, também de drogas mais pesadas – e a reverter os recursos levantados com o comércio da droga para o tratamento dos dependentes. O projeto foi criticado não somente por boa parte da sociedade uruguaia – que levou o Presidente José Mujica a frear a iniciativa em dezembro passado –, mas também por vozes como a de Juan Manuel Santos, Presidente da Colômbia, que ressaltou que decisões unilaterais poderiam apenas intensificar o problema. § Venezuela A política venezuelana antidrogas já envolveu a cooperação estadunidense, mas, em 2005, o então Presidente Hugo Chávez suspendeu o acordo bilateral entre os dois países, insistindo que este era apenas uma fachada para movimentos políticos do outro país e que o país não precisava dos fundos norte-americanos para levar a cabo o combate às drogas. O Escritório Nacional Antidrogas (ONA) é, desde 2006, o responsável pelos programas de prevenção ao uso de drogas e tenta atingir a sociedade em três níveis: pela família, pelas escolas e universidades e pela comunidade, principalmente com um trabalho de conscientização sobre os malefícios que a droga oferece à saúde. 4.4. MEMBROS OBSERVADORES O status de observador permanente da Organização dos Estados Americanos foi estabelecido em 1971 pela Assembleia Geral da Organização. A União Europeia, bem como os outros 67 Estados que gozam desse status, pode, dessa forma, acompanhar e participar das atividades da OEA e contribuir para seus programas (Organização dos Estados Americanos, s.d.e). § Comissão Europeia (CE) 33 É de grande interesse para a União Europeia (UE) participar das reuniões da OEA, especialmente porque já existe, desde 1995, uma coordenação entre as políticas antidrogas do bloco e da Organização, principalmente no tocante à entrada da cocaína andina na Europa. A UE se baseia em algumas premissas básicas, seguidas por todos os países, contidas na Estratégia Europeia Sobre Drogas e no Plano de Ação sobre Drogas da União Europeia, apesar das discrepâncias que se observam entre algumas políticas nacionais intrabloco. A Estratégia reconhece a parcela de responsabilidade da UE no problema mundial das drogas, tanto como um consumidor de narcóticos e substâncias psicotrópicas produzidas em outros países, como em sua capacidade de produtora e exportadora de drogas sintéticas. Opera tanto no lado da oferta – concentrada nos países produtores –, como no lado da demanda – com ações e programas no próprio bloco. No entanto, pelo que se observa nas políticas de cada Estado membro e na análise de sua situação doméstica, a preocupação do bloco parece estar mais relacionada a uma estratégia de ataque aos efeitos do abuso de drogas do que propriamente às causas do problema. 5. PONTOS QUE UMA RESOLUÇÃO DEVE CONTER § Quais iniciativas podem ser adotadas para incentivar os países do continente a contribuir financeiramente de forma constante com as políticas hemisféricas de combate às drogas? § Como se pode estabelecer um maior grau de cooperação entre as forças de segurança dos países americanos, seja na área de inteligência, seja em operações de apreensão de carregamentos de drogas e de prisão de criminosos? § Que medidas continentais podem ser tomadas para impedir que violações aos direitos humanos ocorram em qualquer das frentes de combate às drogas? § De que maneira se pode construir uma política coordenada de fortalecimento das instituições policiais, judiciais e penitenciárias, no sentido de reduzir a corrupção e melhor capacitar as pessoas empregadas nesses setores? § Como os países das Américas podem atuar, tanto individual como coletivamente, para combater o narcoterrorismo? 34 § Quais programas podem ser implementados com vistas a oferecer alternativas de renda aos agricultores que cultivam coca, maconha e papoula? 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ANEXOS ANEXO A – CARTÉIS, ROTAS DE DROGAS E TERRORISMO: CONEXÕES Como observamos ao longo das seções anteriores, o México e a Colômbia são, apesar da volubilidade da produção e do transporte de drogas nas Américas, os dois principais fornecedores de cocaína, opioides e maconha para o mercado continental. Gerenciam essa atividade criminosa os chamados cartéis, grupos armados que controlam territorialmente a distribuição de droga. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre a conformação desses grupos criminosos, devemos concentrar-nos no setor do mercado gerenciado por eles: as rotas da droga, que ligam o produtor ao consumidor final. 90% da droga que entram nos EUA o fazem pelo México. Nesse trajeto, os principais pontos de entrada são as cidades americanas de San Diego, Laredo e El Paso, próximas, respectivamente, às mexicanas de Tijuana, Novo Laredo e Cidade Juarez (International Crisis Group, 2008a, p. 27). A solução encontrada pelos cartéis das Américas para os diversos programas nacionais e intergovernamentais de combate à oferta de drogas foi a diversificação das rotas de drogas (Chalk, 2011, p. 65), mas a demanda cada vez maior observada na Europa e na América do Sul também influenciou cabalmente nesse processo (Woodrow Wilson Center Update on the Americas, 2012, p. 3). Atualmente, o que se observa é uma rede bastante complexa que engloba pelo menos seis “corredores” principais para 39 que a droga latino-americana chegue ao seu mercado (Chalk, 2011, p. 65). Para os EUA, ela parte da Colômbia e entra no país a partir do México, seja pela costa do Pacífico, seja por entrepostos no Caribe, tais como o Haiti, a República Dominicana e Porto Rico. Para o Brasil, ela parte da Bolívia, do Peru e do Paraguai e, muitas vezes, atravessa também o Uruguai. Para a Europa, ela segue a rota brasileira e atravessa o Atlântico ou parte da Colômbia, passa pela Venezuela e, então, cruza o Oceano. A África Ocidental também pode servir como entreposto para este caminho (International Crisis Group, 2008a, p. 5-6). Aproximadamente 78% do transporte de drogas para os EUA se realizam por via marítima, seja a partir da Colômbia ou através da Venezuela e do Equador. No que diz respeito ao destino da droga andina, 55% são transportados pela América Central e, em seguida, México; pelo Caribe, passam 10%. Pelo corredor euro-africano, por outro lado, são transportados 35%. (Ibid., p. 11). No tocante ao papel da África como entreposto no envio de drogas para a Europa, destacam-se a importância de Cabo Verde, a partir de onde os entorpecentes são enviados à África continental, e de Senegal, Gana e Guiné-Bissau, que recebem as substâncias que partem do porto de Santos. As redes de nigerianos e de ganeses, os principais traficantes do continente, enviam a droga à Europa por diversas rotas, mas, especialmente, ela ingressa na região por via marítima através de Portugal ou da Galícia, na Espanha, por via aérea, com a ajuda de “mulas” africanas que têm permissão de residência na Europa, pelo correio, ou por outras rotas que têm crescido em popularidade, como o norte da África e os Bálcãs (Ibid., 2008, p. 34-35). O surgimento dos cartéis mexicanos remete à existência anterior de grupos contrabandistas que atuavam na fronteira do país com os EUA, comercializando substâncias ilícitas que mudaram ao longo do século passado, de acordo com as vicissitudes da demanda norte-americana: durante a Lei Seca da década de 1920, atravessava-se bebida alcoólica; o ópio abundava nos anos 1940; durante os anos de 1960 e 1970, predominavam a maconha e a heroína; e, a partir de então, a cocaína andina viu seu auge. Atualmente, o mercado de meta-anfetaminas de fabricação mexicana está em ascensão (Ibid., 2008, p. 27). Os fatores que, então, propiciaram a ascensão em termos de importância econômica dos cartéis mexicanos foram a retração dos grupos organizados colombianos com a extradição de muitos de seus líderes para os EUA; a destruição do Cartel de Medellín após a morte de Pablo Escobar, seu líder; e o próprio controle que as facções 40 do México passaram a exercer em seu país (Ibid., p. 196). Em meados da década de 1980, o fechamento, por parte do governo estadunidense, das rotas que atravessavam o Caribe e ingressavam nos país através da Flórida propiciou a emergência cada vez mais bem-sucedida das principais rotas da atualidade, que passam entram no México através do Pacífico, do Caribe ou da América Central para, então, alcançar o mercado norteamericano (Woodrow Wilson Center Update on the Americas, 2012, p. 6-7). Outro elemento essencial foi o relacionamento que se estabeleceu entre traficantes mexicanos e colombianos. Estes não pagavam o transporte entre fronteiras de drogas àqueles em dinheiro, mas em uma parcela da carga. Além de beneficiar os colombianos, que delegavam parte dos prejuízos para os mexicanos quando a entrega não chegava ao destino, permitiu aos cartéis mexicanos iniciar suas atividades (Nicaso & Lamothe, 2005, p. 200). É crucial ter em mente, porém, que esse movimento diz respeito, grosso modo, ao tráfico de cocaína, e, em menor medida, de opioides, na medida em que, como vimos, boa parte destes e, em menor medida, da maconha, provêm diretamente do México. No país, desde que o Presidente Vicente Fox (2000-2006) e, especialmente, seu sucessor, Felipe Calderón (2006-2012), reverteram a política de tolerância tácita historicamente adotada pelo governo federal com relação aos cartéis, o país tem atravessado uma enorme espiral de violência (Loyola, 2009, p. 36). Trataremos das motivações e implicações dessa mudança na próxima seção, mas, por ora, é importante sabermos que o maior número de vítimas é produzido não em confrontos entre as autoridades e grupos criminosos, mas por disputas de poder dentro dos cartéis e entre eles (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 35). Mapear os principais cartéis em conflito é, portanto, fundamental para entendermos o panorama da situação mexicana. O Cartel do Golfo é considerado um dos cartéis mais bem armados e perigosos do México (Loyola, 2009, p. 36). Ainda assim, vem perdendo poder desde que seu líder, Osiel Cárdenas Guillen, foi preso em 2004. O Cartel, que domina o litoral nordeste do país, em especial o Estado de Tamaulipas, tem-se enfraquecido devido a disputas internas e à prisão de vários de seus líderes. Desde 2010, trava um conflito por território com Los Zetas, antigo braço paramilitar do cartel, originalmente formado por desertores de um grupo de elite das Forçadas Armadas mexicanas. Los Zetas são considerados a facção mais violenta e cruel atuando no país e controlam uma boa parte do litoral do Golfo do México (Stastna, 2011). A sofisticação tática do grupo é igualmente impressionante (Loyola, 2009, p. 36). 41 Único grupo de abrangência nacional, (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 35), o Cartel de Sinaloa domina a costa oeste do México, sobretudo o Estado homônimo no noroeste do país. Dominado pelo notório Joaquín “El Chapo” Guzmán, um dos criminosos mais procurados do mundo (Stastna, 2011), o Cartel foi um dos que melhor conseguiu adaptar-se às guerras empreendidas pelo governo central, ao horizontalizar sua estrutura e transformá-la em um modelo de franquias autônomas que atuam isoladamente para se proteger, de maneira semelhante ao que aconteceu com a Al-Qaeda após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 (Loyola, 2009, p. 37). Aliado ao agora enfraquecido (Stastna, 2011) Cartel da Família Michoacana, o Cartel de Sinaloa também é conhecido por Cartel do Pacífico. Segundo o governo mexicano, é a facção criminosa mais resiliente e extensa do país, uma vez que está presente em todo continente americano, desde o Peru e a Argentina até os EUA e o Canadá. (Loyola, 2009, p. 37). O Cartel de Tijuana, também conhecido como Organização Arellano Félix, domina a região fronteiriça das cidades de Tijuana e Mexicali, próximas à cidade californiana de San Diego. Um dos cartéis mais atingidos pela ofensiva do governo federal, a organização diversificou suas ações e passou a gerenciar também a prostituição e o tráfico de pessoas e a intermediar a relação de outros grupos criminosos com o poder público corrupto (Id.). A prisão, em 2008, do último dos cinco irmãos que comandava o Cartel de Tijuana propiciou um cisma no grupo, cuja principal facção é atualmente liderada por “El Ingeniero” (Stastna, 2011). Por fim, a fronteiriça Cidade Juarez, margem que se situa à margem do Rio Grande oposta à da cidade texana de El Paso, é a área de controle do Cartel de Juarez. O grupo, também conhecido como Organização Vicente Carrillo Fuentes, teve seu poder diminuído após a ocupação, em 2008, de Cidade Juarez por 8.000 soldados do Exército, ação que diminuiu a violência calamitosa na cidade e rompeu o ciclo de corrupção (Loyola, 2009, p. 36-37). As três principais guerras entre cartéis a se desenrolar no México atualmente, que respondem por cerca de 90% das execuções registradas, têm como característica comum o envolvimento do poderosíssimo Cartel de Sinaloa. Especificamente, os conflitos opõem o grupo ao Cartel de Juarez (apoiado por Los Zetas), a Los Zetas e à facção do Cartel de Tijuana comandada por “El Ingeniero” (aliada ao Cartel do Golfo e a Los Zetas). Neste conflito, o grupo comandado por “El Chapo” Guzmán apoia a facção do Cartel de Tijuana liderada por Teo (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 35). O teatro de guerra 42 envolve quase todos os 31 Estados do país, com exceção de seis. Em seis, por outro lado, a chamada narcoviolência é sentida com grande intensidade: Guerrero e Michoacán, no litoral sudoeste, Chihuahua, Durango e Baixa Califórnia, na fronteira com os EUA, e Sinaloa (Ibid. p. 34). É interessante notar, contudo, que a gravidade da situação do México nem se aproxima do problema enfrentado pela Colômbia no final da década de 1990, quando, segundo o governo americano as FARC tinham condições de marchar sobre Bogotá e o país estava a ponto de se tornar um narco-Estado (Loyola, 2009, p. 37). É nos grupos criminosos colombianos, a propósito, que enfocaremos agora. A Colômbia não era, historicamente, uma fonte importante da cocaína consumida ao redor do globo. O contrabando, contudo, era, como na fronteira de México e EUA, uma atividade bastante difundida. A existência de grupos organizados – que já operavam redes de contrabando por mais de cem anos – possibilitou, na década de 1970, a formação dos primeiros cartéis, que viram no já consolidado mercado da cocaína cultivada nos países vizinhos uma nova oportunidade de gerar dividendos. Não apenas o clima do país era favorável ao cultivo da coca, mas a corrupção endêmica, a infraestrutura portuária e o histórico da atividade contrabandista possibilitavam o florescimento de um mercado de exportação da droga andina no país (Nicaso & Lamothe, 2005, p. 196-197). Não podemos relevar, tampouco, a importância, para esse processo, das políticas de combate à oferta de drogas adotadas por Peru e Bolívia e apoiadas pelos EUA. A princípio, o narcotráfico no país era bastante caótico, mas a fundação dos Cartéis de Cali e de Medellín transformou o negócio colombiano em uma rede organizada, que chegou a controlar 70% da cocaína enviada para a América do Norte. As táticas empregadas pelos grupos criminosos eram variadas, mas prevalecia a organização em forma de células isoladas (Ibid., p. 197-198). A intensidade da guerra às drogas levada a cabo pelos EUA durante as décadas de 1980 e 1990 no próprio território e em todo o Hemisfério conduziu ao colapso dos dois maiores cartéis, que, à época, tinham amplo controle do narco-Estado que a Colômbia se tornara. Desde então, novas formas de contrabando emergiram, dentre as quais se podem citar, por exemplo, o transporte aéreo de droga até países como o Brasil, a Guiana e o Suriname, e novos cartéis foram fundados. O Cartel do Norte do Vale [do Cauca] é o mais poderoso deles, mas centenas de grupos menores, que operam discretamente para evitar atrair atenção, têm-se proliferado (Ibid., p. 200-203). 43 A partir dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, observou-se uma mudança na retórica norte-americana: o narcotráfico foi relegado a um plano inferior para, em seguida, ser recategorizado como uma variedade de terrorismo. A ideia, vinculada às novas estratégias de política externa adotadas pelo país, era de que o tráfico de drogas era uma das estratégias possíveis para financiar atividades de caráter político e de desestabilização (Camacho Guizado, 2006, p. 144-145). Os grupos terroristas, por outro lado, têm ampliado a gama de suas atividades ilícitas, dentre as quais se destaca o narcotráfico. Essa mudança não conferiu maior controle geopolítico somente às próprias organizações terroristas, mas também aos cartéis de drogas (Ibid., p. 229). Os formuladores de políticas públicas dos EUA preocupam-se, também, com a dificuldade de se obstaculizar a atividade terrorista por meio do acesso às contas bancárias que a financiam quando os grupos terroristas se associam ao narcotráfico, já que o comércio de drogas é uma atividade que largamente independe de movimentação bancária (Charles, 2004, p. 81). O exemplo mais evidente dessa interação no contexto hemisférico nos é fornecido pela Colômbia. As FARC, cuja origem remonta à Guerra Civil do país (1948-1953), financiam sua atividade criminosa por meio do controle da atividade agropecuária, da exigência de pagamento de tributos à atividade comercial, ao transporte de mercadorias por certas zonas e a moradores de determinadas regiões (Bolaños Martínez, 2011, p. 223), além de se utilizarem também do resgate exigido em troca da liberdade das pessoas que sequestram (Charles, 2004, p. 45-46). Acima de tudo, no entanto, as FARC são a organização terrorista que mais depende do comércio de drogas na América do Sul (Id.). As terras abandonadas pelos mais de quatro milhões de deslocados que havia no país em 2010 são ocupadas e dedicadas ao cultivo de coca e de outras plantações ilegais. A violência, favorecida pelas carências estruturais das instituições sociais e políticas se converteu em causa e efeito de si mesma, na medida em que a instauração de um Estado permanente de terror na sociedade é um dos principais objetivos da organização (Bolaños Martínez, 2011, p. 222-223). 44 ANEXO B – UMA HISTÓRIA DO COMBATE AO NARCOTRÁFICO Os programas norte-americanos voltados para o combate ao sul da fronteira se iniciaram em meados da década de 1970, a partir de uma autorização do Congresso do país. Naquele então, debatia-se a nova estratégia de “guerra às drogas” adotada pelo Presidente Richard Nixon (1969-1974), que cunhou o termo em 1971. O abuso de drogas estava tornando-se um problema bastante visível de saúde e segurança públicas nos EUA, e Nixon então identificou as drogas ilícitas como o “inimigo público número um” (Id.). O auxilio aos países latino-americanos, bem como o envolvimento das Forças Armadas em operações de apreensão de drogas e no treinamento, na equipagem e no transporte de funcionários de departamentos antidrogas têm aumentado constantemente desde então (Ibid., p. 10). A Iniciativa Andina Antidrogas, que viria a ser conhecida como Plano Colômbia, foi posta em prática em 2000 e aumentou significativamente a quantidade de recursos 45 enviados pelos EUA ao combate às drogas na América do Sul. O programa, que visava a complementar a investida interna do Presidente Andrés Pastrana Arango (1998-2002) contra o narcotráfico, concentrava-se em erradicação manual e aérea, desenvolvimento alternativo, apreensões, capacitação institucional e apoio a instituições civis e militares na Colômbia e em seis países vizinhos (Ibid. p. 11). A maior parte dos recursos enviados pelos EUA ao combate às drogas no continente só foi desviada da região andina com o lançamento da Iniciativa Mérida em 2008, que, por meio da atuação em quatro frentes – desafiar o poder e a impunidade das organizações criminosas; fortalecer o controle dos espaços aéreo e marítimo e das fronteiras; melhorar o Poder Judiciário; e reduzir a atividade dos cartéis e a demanda local por drogas – tinha por fim combater o narcotráfico no México e em outros países da América Central (Id.). Na Colômbia, a principal estratégia antidrogas do governo central é a Política de Segurança Democrática lançada pelo Presidente Álvaro Uribe (2002-2010) e apoiada pelo Plano Colômbia. A vitória contra os grupos terroristas, as FARC em particular, que vinham disseminando terror no país é inegável; o fortalecimento das forças de segurança e a desmobilização dos principais grupos paramilitares são visíveis. Contudo, diversos abusos aos direitos humanos por parte das autoridades foram relatados, as FARC continuam, afinal, ativas e os problemas estruturais subjacentes ao narcotráfico continuam evidentes, sobretudo nas áreas rurais. Mesmo os programas de erradicação de cultivo mediante fumigação aérea revelam resultados ambíguos, fato que estimulou a intensificação da erradicação manual (International Crisis Group, 2008b, p. 18-19). No México, a iniciativa mais dura contra os cartéis de drogas foi inaugurada pelo Presidente Felipe Calderón (2006-2012). O narcotráfico já fora percebido como uma ameaça à segurança nacional desde a presidência de Miguel de la Madrid (1982-1988), mas, apenas com o governo de Vicente Fox (2000-2006), o envolvimento das forças federais se deu de maneira mais efetiva, com o lançamento da Operação México Seguro. A corrupção das autoridades, porém, continuava desenfreada, e o desencadeamento de uma onda de violência a partir da captura de alguns líderes de facções criminosas sinalizou o fracasso da estratégia (Ibid., p. 32). Possivelmente sem alternativas, Calderón intensificou a presença do Exército nas áreas mais afetadas pela violência. Uma imensa reforma das forças de segurança e da Justiça e um grande programa de combate à corrupção também fazem parte da estratégia levada a termo, em conjunto com os EUA, por Calderón, que, entretanto, 46 argumenta que a luta contra o crime organizado pertence ao longo prazo. (Ibid., p. 3334). De fato, o que se tem observado até o momento é a manutenção de altos níveis de violência em diversas regiões do país, a vulnerabilidade das instituições policiais, penitenciárias e judiciais, entregues à corrupção e à baixa profissionalização, além da perpetuação de realidades sociais que tornam o crime organizado a única possibilidade de que muitas pessoas possuem de melhorar suas condições de vida (Guerrero Gutiérrez, 2009, p. 33). 47