EDUCAÇÃO NO CAMPO E DESENVOLVIMENTO RURAL

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EDUCAÇÃO NO CAMPO E DESENVOLVIMENTO RURAL
EDUCAÇÃO NO CAMPO E DESENVOLVIMENTO RURAL: ANÁLISE DAS
ESCOLAS NO CAMPO NA MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA DE IPORÁ/GO
Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues
Universidade Federal de Goiás/Campus de Jataí
[email protected]
Evandro Cesar Clemente
Universidade Federal de Goiás/Campus de Jataí
[email protected]
Resumo
As relações capitalistas de produção têm avançado e se fortalecido cada vez mais no campo
brasileiro, intensificando a exploração capitalista sobre os trabalhadores rurais e dificultando a
permanência dos agricultores familiares no campo, fortalecendo o denominado agronegócio.
Neste sentido, compreendemos que a educação do campo constitui-se num instrumento de luta
dos agricultores familiares e dos trabalhadores rurais. Diante deste contexto, buscaremos
analisar situação das escolas localizadas no campo nos municípios da Microrregião Geográfica
de Iporá – GO, averiguando em que medida tais unidades escolares tem contribuído para o
desenvolvimento rural, entendido aqui como a melhoria das condições de vida da população que
reside e trabalha no campo.
Palavras-chave: Educação no Campo. Desenvolvimento Rural. Iporá, Agricultura Familiar.
Introdução
A partir do final dos anos 1950, o campo brasileiro sofreu significativas transformações
desencadeadas pela implementação do pacote tecnológico da Revolução Verde, no que
ficou conhecido no Brasil como o processo de “modernização” da agricultura. Tais
transformações ocorreram e vêm ocorrendo em maior ou menor intensidade no país,
dependendo das condições regionais de materialização do capital neste espaço.
Como resultado destas transformações, as relações capitalistas de produção têm
avançado e se fortalecido cada vez mais no campo brasileiro, intensificando a
exploração capitalista sobre os trabalhadores e dificultando a permanência dos
agricultores familiares no campo, aumentado cada vez mais o poder do denominado
agronegócioi.
Ao mesmo tempo em que o campo passou a ser cada vez mais dominado pelo “grande
capital”, é possível notar que os pequenos agricultores familiares nos últimos anos vêm
resistindo e se organizando em grupos com o objetivo de lutar pelo direito à terra, ao
trabalho e educação, enfim, por melhores condições de vida.
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Nesse contexto, a luta por uma educação no/do campo tem sua origem no processo de
luta dos agricultores familiares e trabalhadores rurais visando garantirem sua
reprodução social e permanência no campo, pois a busca pela melhoria das condições de
vida exige, dentre outras medidas, a oferta de uma educação voltada para suprir e
valorizar as exigências do trabalho e do modo de vida no campo.
A partir destes argumentos, o principal objetivo da pesquisa consiste em analisar a
situação das escolas do campo localizadas nos municípios da Microrregião Geográfica
de Iporá – GO, investigando em que medida a educação ofertada nestas unidades
escolares tem contribuído para o desenvolvimento rural, entendido aqui como a
melhoria das condições de vida dos agricultores familiares.
Portanto, as escolas selecionadas para o levantamento de dados empíricos desta
pesquisa são as pertencentes às redes municipais dos respectivos municípios da referida
microrregião, já que não existem escolas estaduais localizadas no campo na região
delimitada para estudo.
Até o presente momento, para a elaboração deste trabalho realizamos levantamento e
pesquisa bibliográfica acerca do tema, no caso, material relacionado à educação no/do
campo e também sobre a Microrregião Geográfica de Iporá. Outros materiais também
vêm sendo pesquisados como: consultas a documentos como a LDB – Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, bem como os projetos político-pedagógicos das
unidades escolares e os livros didáticos utilizados nas escolas. Também vem sendo
efetuadas consultas às bases de dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística e SIEG – Sistema Estadual de Estatística e Informações Geográficas de
Goiás. Os documentos do MEC – Ministério da Educação e Cultura que abordam a
Educação no/do Campo também serão consultados, afim de conhecermos e termos
condições de analisar as propostas oficiais implementadas.
Importante destacar, que o presente trabalho originou-se de uma pesquisa em nível de
monografia de final de curso em Geografiaii na Universidade Estadual de Goiás (UEG –
Unidade Iporá) em 2010, que tinha como objetivo investigar a importância da Geografia
escolar para a formação de conceitos nas escolas do campo do município de Iporá –
Goiás. Nos deparamosiii com alguns problemas específicos destas escolas e, que,
embora não fossem objetivos da pesquisa, em função de estarem localizadas no campo,
a discussão inevitavelmente se voltou também, mesmo que de maneira não tão profunda
para o tema “Educação do Campo”.
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Antes de efetuarmos a pesquisa de campo, havia em nós um pensamento equivocado
sobre as escolas do campo, justamente por falta de informações e leituras mais
profundas sobre o tema, o que levou-nos na época, a denominar as escolas pesquisadas
de Escolas rurais. Nossa concepção em relação a estas escolas mudou a partir de estudos
e leituras efetuadas sobre a Educação do Campo. Isto fez com que nos interessássemos
em aprofundar as investigações acerca de outras escolas do Estado de Goiás.
Percebemos vários problemas existentes nas escolas pesquisadas. Como exemplo destes
problemas, podemos citar: educadores despreparados para o trabalho com classes
multisseriadas, livros didáticos ultrapassados, pois os livros de Geografia e História não
estavam disponíveis, sendo utilizado o livro de Estudos Sociais do longínquo ano de
1987, portanto, já muito defasado.
Outro problema detectado e que consideramos grave, refere-se à ausência do PPP Projeto Político-Pedagógico, pois as escolas adotavam o manual do MEC (Projeto Base
do Programa Escola Ativa)iv o projeto a ser seguido sem as possíveis adaptações para a
realidade local. Entendemos que é necessário existir um PPP, construído e debatido por
todos os profissionais de cada unidade escolar, pois o mesmo é muito relevante para
nortear a construção de um projeto educacional coletivo, legítimo, envolvendo a escola,
comunidade e familiares dos educandos em torno de projeto sólido e voltado para as
necessidades e interesses locais.
Características do campo na Microrregião Geográfica de Iporá-Goiás
A Microrregião Geográfica de Iporá encontra-se localizada na Mesorregião Geográfica
Centro Goiano, de acordo com o IBGE. Segundo as estatísticas municipais do SEPIN –
Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informações Socioeconômicas, 2002, a
referida Microrregião Geográfica possui uma área de 7.072.35 km².
A partir de dados do Censo agropecuário realizado em 2006, a área ocupada pelos
estabelecimentos agropecuários na Microrregião Geográfica era de 108.863 hectares.
Esta área abrigava 4.323 estabelecimentos agropecuários. A maioria destes
estabelecimentos são constituídos por pequenos estabelecimentos rurais com área de até
100 hectares, somando um total de 3.011, que perfazem 69,65% do total do número de
estabelecimentos, ocupando 2,76% da área total.
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O número de estabelecimentos agropecuários que possuem áreas maiores que 100
hectares somam um total de 1.305, tais estabelecimentos constituem 30,18% do total,
ocupando 1,19% da área total dos estabelecimentos agropecuários. Isso mostra que na
Microrregião Geográfica de Iporá predominam, ao menos em número, os
estabelecimentos de porte familiar.
Ainda com base nos dados do IBGE (Censo Agropecuário de 2006), os
estabelecimentos agropecuários com até 100 hectares que praticam a pecuária bovina
perfazem 2.689 de um total de 3.011, o que corresponde a 89,30% que se dedicam à
atividade. Portanto, percebe-se que há o predomínio da pecuária bovina no campo
regional.
Ainda baseado no Censo Agropecuário de 2006, percebe-se que a área total plantada,
dos estabelecimentos com até 100 hectares é igual a 108.861 hectares. Desta área, 446
hectares, estão ocupados com lavouras permanentes, sendo 0,40% da área total; com
lavouras temporárias 1.523 hectares, o que corresponde a 1,39%; forrageiras para corte
567 hectares, sendo, 0,52%; pastagens naturais, 10.573 hectares, correspondendo a
9,71%; pastagens plantadas degradadas 5.040 hectares, que correspondem a 4,62%. A
maior parte desta área estão plantadas pastagens em boas condições, sendo 68.038
hectares, correspondendo a 62,49% da área total plantada, e 18.884 hectares com
preservação permanente ou reserva legal, que representa 17,34% da área total plantada.
Assim, percebemos que a maior parte da área dos estabelecimentos com até 100
hectares na Microrregião Geográfica de Iporá está ocupada pelas pastagens, pois
somando as pastagens plantadas degradadas, 5.040 hectares; as pastagens naturais,
10.573 hectares; e as pastagens em boas condições, 68.038 hectares, somam 83.651
hectares plantados com pastagens, o correspondente a 76.84% da área total plantada em
estabelecimentos com até 100 hectares. Assim, 89.30% dos estabelecimentos
agropecuários com até 100 hectares contam com a presença de bovinos e 76.84% da
área total plantada em estabelecimentos com até 100 hectares são pastagens. Daí,
inferimos, portanto, que ocorre o predomínio da pecuária nos estabelecimentos da
agricultura familiar na Microrregião Geográfica de Iporá
De acordo com dados do IBGE, a Microrregião Geográfica de Iporá é constituída por 10
municípios. A seguir apresentamos os municípios e as respectivas unidades escolares
existentes no campo em cada um deles: o próprio município de Iporá conta com duas
unidades escolares no campo; o município de Ivolândia, com duas unidades escolares;
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Fazenda Nova, duas unidades escolares; Córrego do Ouro, uma escola; Moiporá, uma
escola; Amorinópolis, Cachoeira de Goiás, Israelândia, Jaupací e Novo Brasil são
municípios que fazem parte da Microrregião Geográfica de Iporá, porém, não possuem
escolas situadas no campo. Assim, dos dez municípios, apenas cinco municípios
possuem escolas para atender os alunos do campo. Constatamos que nos demais
municípios as escolas localizadas no campo já foram fechadas.
Apesar do predomínio de pequenos estabelecimentos, percebemos na pesquisa realizada
no final do curso de graduação, o fechamento das escolas no campo por falta de
educandos, evidenciando assim o esvaziamento populacional no campo regional, como
reflexo também da desvalorização do campo e seus habitantes. Como há esforços por
parte do Poder Público dos municípios para ofertar transporte escolar, os pais têm
preferido enviar seus filhos para estudarem nas cidades.
Isso tem ocorrido pelo fato de que, existe no imaginário dos indivíduos a crença de que
as escolas localizadas no campo não têm os mesmos recursos didáticos pedagógicos,
nem as mesmas condições que existem nas escolas situadas nas cidades, o que reforça a
crença de que seus filhos estarão em desvantagem em relação aos educandos da cidade.
Portanto, constatamos em nossa pesquisa de trabalho de conclusão de curso em 2010,
que foram fechadas 50,0% das escolas do campo evolvidas naquela pesquisa, as quais,
consideramos essenciais para o fortalecimento, desenvolvimento e permanência dos
agricultores de base familiar.
Outro problema é que não há professores qualificados para realizar um trabalho
educativo que tenha como referência a vida no campo, justamente pelo fato de que os
educadores em sua maioria são oriundos da cidade e não possuem formação e sequer
um conhecimento profundo acerca da realidade dos alunos do campo.
Pesquisar as escolas localizadas nos municípios que compõe Microrregião Geográfica
de Iporá advém do interesse em compreender qual a situação da educação no/do campo,
procurando averiguar se a educação ofertada nas escolas do campo dos municípios da
região se pautam efetivamente por uma educação voltada para o campo ou, se ainda se
mantém aquele modelo que têm como base a realidade urbana.
Pensamos que não é possível estudar a educação no/do campo sem compreender
também este aspecto do fechamento das escolas no campo, pois concordando com
Souza, (2010, p. 23) “[...] não são apenas as unidades que fecham, mas fecha também
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um dos elementos principais para a recriação do campesinato que é a educação no/do
campo”.
A educação no campo no contexto nacional e goiano
A educação vem sendo uma bandeira de luta levantada pelos agricultores familiares
brasileiros nas últimas décadas. Foram Iniciadas quase que ao mesmo tempo em que se
formaram os movimentos sociais no campo, como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
[...] no Brasil das duas últimas décadas, e mais precisamente da última
década, constata-se um movimento social por uma Educação do Campo. Esse
movimento ganha contorno nacional tendo base na militância de
organizações e movimentos sociais do campo [...] (MUNARIM et al, 2009,
57-Grifos do autor).
Assim, a proposta de educação do campo se tornou tema de debates, em que a partir
destes, tem-se implementado algumas políticas favoráveis ao fortalecimento da
educação no/do campo. Isso pode ser verificado nas leis e documentos que tratam da
educação no país, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN
(9.394/1996) e também nas Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo, as quais
tem norteado práticas educativas para estes espaços. Sob este contexto, compreende-se
que uma educação efetivamente do campo passou a ser um dos elementos fundamentais
para o fortalecimento e manutenção dos agricultores familiares e trabalhadores do
campo.
Importante destacar que:
O movimento social que preconiza uma “Educação do Campo” no Brasil o
faz em oposição ao que se tem tido sob a denominação de Educação Rural.
Trata-se de uma demarcação de classe, na medida em que defendemos a
educação aos trabalhadores e aos filhos dos trabalhadores do campo.
(MUNARIM et al, 2009, p. 62)
A educação rural, portanto, sempre contribuiu para a saída do homem do campo e para
sua inserção nas cidades, já que se constituía numa educação de orientação urbana,
porém, implementada no campo. Os organismos oficiais ao desenvolverem e definirem
as políticas educacionais com base nesta educação rural, tinham como objetivo a
formação para o trabalho, preparar mão de obra para atender ao capitalismo industrial
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brasileiro que vinha se expandindo com a aceleração da industrialização e urbanização
do país. Conforme afirmam os autores a seguir:
Ao contrário da Educação do Campo, a educação rural sempre foi instituída
pelos organismos oficiais e teve como propósito a escolarização como
instrumento de adaptação do homem ao produtivismo e à idealização de um
mundo de trabalho urbano, tendo contribuído ideologicamente para provocar
a saída dos sujeitos do campo para se tornarem operários na cidade.
(OLIVEIRA; CAMPOS, 2012, p. 237)
No entanto, as políticas educacionais voltadas para o campo, ao longo dos últimos anos
no Brasil, mesmo diante de alguns avanços como resultado das lutas, de modo geral,
ainda tem muito a avançar, pois o que se pode observar é que ainda se tem privilegiado
um modelo de educação centrado no urbano, em detrimento da expansão e
fortalecimento de uma educação baseada e contextualizada no/do campo.
Fernandes (2009) afirma que “[...] a primeira referência feita à educação rural foi em
1923, nos anais do 1º Congresso de Agricultura do Nordeste Brasileiro.” O autor ainda
coloca que “[...] nascia ali a educação rural do patronato que privilegia o estado de
dominação das elites sobre os trabalhadores.” (FERNANDES, 2009, p. 139,140).
Outra menção foi feita na Constituição de 1934, que se constituiu a partir do modelo da
elite latifundiária. Já nas Constituições de 1937 e 1946, Fernandes (2009, 140) afirma
que, “muda-se o poder das elites agrárias para as emergentes elites industriais.” Nas
constituições de 1967 e a emenda de 1969 também contribuíram para reforçar o sistema
e, por fim, em 1988 “é que a educação é finalmente, promulgada como direito de
todos.”
Mesmo sendo direito de todos, muitos brasileiros ainda não possuem acesso a educação,
já que na maioria das situações, a educação efetivamente direcionada para o campo não
ocorre. Alves (2009) argumenta que as políticas para a educação no campo são tratadas
como algo secundário, que “[...] De tão inexpressivas, as políticas para a educação no
campo são pouco exploradas, inclusive para fins de propaganda política [...].”
Neste sentido, para o desenvolvimento de um projeto ao qual a sociedade se aproprie
dos ideais e se engaje com atitudes para a manutenção dos valores e cultura do campo,
devem existir políticas públicas, tanto educacionais quanto para outros setores, que
contribuam para a valorização e a fixação das famílias no campo.
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Por isso, entendemos que a Educação no/do Campo deve ser constantemente discutida,
pois, são fundamentais para a construção de uma proposta legítima junto aos
trabalhadores e agricultores familiares, que seja voltada efetivamente para garantir o
desenvolvimento educacional no/do campo no país.
Portanto, o que percebemos é que a partir de 1980 temos oficialmente nos documentos
oficiais a educação como “direito de todos e dever do Estado”, como resultado das lutas
encampadas pelos movimentos sociais do campo. Contudo, o acesso a educação ainda
tem sido negado. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009, p.14), afirmam que “Os
movimentos sociais carregam bandeiras da luta popular pela escola pública como direito
social e humano e como dever do Estado”. Assim, somente a partir da década de 1980 é
que iniciou-se a luta pelo direito à educação no/do campo.
Dentre as reivindicações, os que defendem a educação do campo lutam pela efetivação
de uma educação, que necessariamente, exige uma diferenciação entre a educação do
campo perante a destinada ao urbano, exigindo também qualidade, considerando o
conhecimento que o educando possui, a sua realidade, o saber local. Pois, conforme
afirma Freire, (1996, p. 30), é essencial “dar importância ao espaço vivido do
educando”, a valorização do conhecimento prévio que estão relacionados aos saberes
dos povos do campo é condição necessária para que ocorra esta educação de qualidade.
Não no sentido apenas da transmissão de conteúdos, mas,
[...] a educação no interior da escola partiria de uma crítica à realidade social,
política, econômica e cultural vigente e como objetivo contribuir ao processo
de transformação da sociedade brasileira, num trabalho educativo partilhado
com as famílias e com os educandos. (MUNARIM et al, 2009, p. 63)
Porém, no geral, o que tem ocorrido é uma educação no campo, em que a escola apenas
se localiza ali, porém, os conteúdos, metodologias, professores, calendários, entre
outros aspectos, como os saberes característicos dos povos do campo não são
valorizados. Portanto, a escola está situada no campo, mas com um modelo que adota os
conhecimentos e valores contidos no urbano.
Deste modo, as escolas localizadas no campo têm contribuído para corroborar o
“atraso” do campo em relação à cidade. Isso faz com que os alunos do campo sejam
vistos como “atrasados”, enquanto que o urbano e a cidade, por outro lado, são tidos
como modernos. Por isso, muitos vão estudar em escolas urbanas e se sentem
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estimulados e atraídos a emigrarem para as cidades, acentuando o esvaziamento e a
desvalorização do campo.
Diante dessa realidade, em muitas das situações, não podermos afirmar que existe
efetivamente uma escola do campo, pois esta, além de ser adequada e buscar aos
conhecimentos e valores do campo, também deve privilegiar meios que apontem para
uma educação que possibilite a fixação e valorização do homem do campo, visto que
mesmo após o processo de “modernização” da agricultura, os agricultores familiares
têm enfrentado dificuldades cada vez maiores em permanecerem e se reproduzirem no
campo, em razão da expansão e fortalecimento do agronegócio.
Souza (2010, p. 24) contribui para a compreensão da manutenção da cultura e valores
do campo, quando argumenta que, nas instituições escolares urbanas, principalmente
aquelas localizadas onde o agronegócio está fortemente presente, os agricultores
tradicionais têm sido tachados de “caipiras”, “jecas-tatu”, ou seja, são percebidos como
pessoas atrasadas, mal vestidas, desajeitadas, etc..
Portanto, a luta dos agricultores familiares não se resume somente pela busca do direito
à terra, mas sim, na busca da terra como um local de moradia, que ofereça condições
para sua reprodução e preservação do seu modo de vida, algo que a educação do campo
tem como papel crucial. Assim, o campo deve ser visto como um lugar que ofereça as
condições necessárias para a reprodução dos modos de vida que ali existem.
O Estado brasileiro em suas políticas públicas,tem ainda hoje – mesmo com a existência
de movimentos reivindicatórios – concedido pouca atenção e recursos para as políticas
educacionais voltadas para a educação no campo. Daí, para pensarmos em um projeto
efetivo de desenvolvimento rural, é imprescindível uma educação que seja voltada para
a manutenção do modo de vida e interesses dos povos que ali habitam.
A escola pode ser parte importante da estratégia de desenvolvimento rural,
mas para isto precisa desenvolver um projeto educativo contextualizado, que
trabalhe a produção do conhecimento a partir de questões relevantes para
intervenção social nesta realidade. (FERNANDES, CERIOLI, CALDART,
2009, p. 52)
Entendemos que a educação não pode ser “neutra”, ou seja, ela é intencional, por isso
precisa de profissionais que tenham formação e condições para contemplar os anseios e
necessidades dos agricultores familiares, para que possa haver mudanças que venham a
melhorar a qualidade de vida da população do campo.
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Segundo Souza (2010, p. 14), no Estado de Goiás as principais transformações na
agricultura, que culminaram na constituição do agronegócio, iniciaram-se a partir de
1970, com o programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e mais
tarde, na década de 1980, com o Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o
Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER).
Tais programas contribuíram para a expansão da produção agrícola em grandes
propriedades rurais, principalmente de soja para exportação, potencializando a
instalação de multinacionais no estado, principalmente na região do Sudoeste Goiano,
nos municípios de Rio Verde e Jataí.
Com a consolidação do agronegócio em Goiás, os agricultores familiares perderam
muito dos seus espaços, muitas vezes vendendo ou arrendando suas terras e indo morar
nas cidades. Como consequência, houve a diminuição das escolas do campo, por conta
do esvaziamento populacional que este sofreu com o avanço da “agricultura moderna”.
Souza (2010, p. 19) considera que “É a educação no/do campo no estado de Goiás,
eleita como espaço de fortalecimento do campesinato e de luta contra o agronegócio.”
Acredita ainda que a expansão do agronegócio demonstra a desterritorialização dos
agricultores familiares.
Portanto, não podemos pensar em apenas uma educação no campo, de forma que a
educação no campo apenas não é suficiente, pois apesar de localizada no campo, pode
estar vinculada aos valores da cidade e do urbano, apoiados no modelo do agronegócio
em detrimento da valorização do modo de vida no campo. Por conta disso, é
fundamental propor uma educação no/do campo para a região de Iporá, que
diferentemente do Sudoeste Goiano, não sofreu avanço do agronegócio, preservando
ainda muitos pequenos agricultores familiares que necessitam de políticas públicas para
permanecerem no campo, dentre ela, uma educação do campo voltada para suas
necessidades e interesses.
Quando dizemos Por Uma Educação do Campo estamos afirmando a
necessidade de duas lutas combinadas: pela ampliação do direito à educação
e à escolarização no campo; e pela construção de uma escola que esteja no
campo, mas que também seja do campo: uma escola política e
pedagogicamente vinculada à história, à cultura e às causas sociais e humanas
dos sujeitos do campo, e não um mero apêndice da escola pensada na cidade
[...]. (KOLLING, CERIOLI, CALDART, 2002, 19 - Grifos do autor).
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O início das propostas e discussões acerca da educação no/do campo data de 1997 a
partir da realização do ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária. Contudo, passou-se a pensar em uma educação do campo com a I
Conferência Nacional intitulada: “Por uma Educação Básica do Campo”, que ocorreu
em Luziânia, Goiás, em 1998.
A partir da aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo, a educação do campo tem conhecido alguns avanços. Para Fernandes (2009,
p. 136) “A aprovação das Diretrizes representa um importante avanço do Brasil Rural,
de um campo de vida onde a escola é um espaço essencial para o desenvolvimento
humano [...]”
A Educação no/do campo nos últimos anos (a partir de 1998) tem sido intensamente
debatida entre os teóricos da área e percebe-se que esta educação não ampara apenas os
pequenos agricultores, mas também ribeirinhos, quilombolas, comunidades indígenas,
entre outros, que constituem os chamados “excluídos” do processo de “modernização”
do campo brasileiro.
Assim,
A educação do campo é intencionalidade de educar e reeducar o povo que
vive no campo na sabedoria de se ver como “guardião da terra”, e não apenas
como seu proprietário ou quem trabalha nela. Vendo a terra como sendo de
todos que podem se beneficiar dela. Aprender a cuidar da terra e aprender
deste cuidado algumas lições de como cuidar do ser humano e de sua
educação. Trata-se de combinar pedagogias de modo a fazer uma educação
que forme e cultive identidades, auto-estima, valores, memória, saberes,
sabedoria; [...] uma educação que projete movimento relações e
transformações [...] (CALDART, 2002 p. 33).
Percebe-se que a educação no/do campo não busca apenas formar um educando para o
trabalho, almeja ir além, objetivando a formação holística do “ser humano”,
considerando a realidade do campo em todos os seus aspectos, como base para o
ensino/aprendizagem.
Portanto, com as mobilizações dos agricultores familiares e de outros grupos ao longo
dos anos, os estudos relacionados à educação no/do campo foram se aprimorando e
começaram a contemplar em suas discussões, mais que a análise da qualidade de ensino
no que se refere a conteúdos e metodologias.
Estas têm avançado buscando discutir a questão dos educadores com formação
específica para trabalhar com os alunos do campo, inclusive para efetuar trabalho
11
adequado com as classes multisseriadas. Outra questão bastante pertinente, são os
salários inferiores dos professores do campo em relação aos dos profissionais das
escolas urbanas, além de outros aspectos, como, por exemplo, a discriminação que os
educandos vindos do campo sofrem nas escolas das cidades.
As discussões referem-se também às condições em que os alunos do campo são
submetidos ao serem transportados, quando inexistem políticas consistentes para a
permanência da educação no campo, pois dependendo da localidade, nem ônibus
escolar adequado é oferecido aos estudantes do campo e quando isto acontece, em
alguns casos estes estão sucateados.
Os educandos oriundos do campo chegam às escolas cheios de poeira e sujos de lama
quando o tempo está chuvoso. Isso contribui ainda mais para a discriminação que ocorre
contra estes educandos, por parte dos alunos da cidade.
Deste modo entendemos que estas dificuldades enfrentadas no transporte escolar
também contribuem para o sentimento de inferioridade dos discentes do campo em
relação aos da cidade. Assim, os alunos do campo tendem a desejar residir na cidade.
Para kremer (2011, p. 183), “[...], o fato é que o transporte escolar se tornou condição
primeira para a escolarização dos sujeitos do campo, e há um consenso entre pais,
educadores e comunidade de que ele muito tem interferido nas atitudes dos alunos.”
Também por conta dessa mudança de atitudes ocorrem as reivindicações pela fixação de
unidades escolares no campo, procurando estabelecer uma educação que seja de fato
voltada no/do campo. Assim os filhos dos agricultores podem permanecer no campo,
sem precisarem se deslocar, sendo educados no campo para viverem no/do campo.
Considerações finais
Pudemos perceber na elaboração deste trabalho que a educação no/do campo é um
processo que vem sendo construído de baixo para cima, ou seja, a partir de lutas sociais,
sendo uma educação idealizada pelo povo, que não ocorreu de cima para baixo como foi
a educação rural no Brasil ao longo dos anos. Embora tenha avançado no sentido de o
governo estabelecer algumas políticas para a educação no/do campo, ainda necessita
avançar muito.
Na microrregião Geográfica de Iporá, percebemos que as escolas do campo estão se
fechando, os filhos dos agricultores familiares vindo para a cidade. Assim, constatamos
12
a partir destas evidências que podem ser alteradas ao final da pesquisa, que a educação
do campo pouco tem contribuído para a fixação do agricultor familiar no campo, para a
formação dos valores do campo e para a melhoria de vida das famílias que ali residem,
que é em síntese a proposta da Educação no/do campo. Por isso é preciso debater e
construir uma proposta legítima e efetiva para a educação do campo na região de Iporá.
Tal debate deve incluir, pesquisadores, professores, pais, e outros agentes que estejam
envolvidos com a questão educacional para o campo.
Notas
_____________________
i
Segundo Leite e Medeiros (2012, p.79), [...] O termo foi criado para expressar relações
econômicas (mercantis, financeiras e tecnológicas) entre o setor agropecuário e naqueles
situados na esfera industrial (tanto de produtos destinados à agricultura quanto ao
processamento daqueles com origem no setor), comercial e de serviços. [...] tratava-se de criar
uma proposta de análise sistêmica que superasse os limites da abordagem setorial então
predominante
ii
Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado: a importância da geografia escolar para a
construção dos conceitos de meio ambiente e cidadania em escolas rurais do município de Iporá
– GO, orientado pela prof.ª Ms. Jackeline Silva Alves, pela Universidade Estadual de Goiás.
iii
Faço referência a mim e a minha orientadora.
iv
Documento disponibilizado pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC como diretriz para
as escolas do campo.
Referências
ALVES, Luiz Gilberto (org.). Educação no campo: recortes no tempo e no espaço.
Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2009.
ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna
(orgs). Por uma Educação do Campo. 4. ed. Petrópolis, RJ., Vozes, 2009.
CALDART, Roseli Salete. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em
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Salete. (orgs.). Educação do campo: identidade e políticas públicas. Brasília, DF:
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FERNANDES, Bernardo Mançano; CERIOLI, Ricardo Paulo; CALDART, Roseli
Salete. Primeira conferência nacional “Por uma Educação Básica do Campo”, in:
ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna.
(Orgs.) Por uma Educação do campo. 4. ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 2009.
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