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Declaração de Lima: Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina Índice Prólogo do Presidente da MUSAL 6 Apresentação 8 Declaração de Lima – Resumo Executivo 12 Declaração de Lima – Documento Base 16 Objetivos de Cooperação22 •Equidade 23 •Desenvolvimento Urbano 24 •Saúde Pública 26 •Mudança Climática 28 •Participação Social e Comunicação Democrática 30 •Institucionalidade e Estruturação Empresarial 32 •Financiamento e Competitividade 34 •Recursos Humanos 38 •Inovação e Tecnologia 39 41 42 •Saúde Pública, Meio Ambiente e Transporte 47 Documentos Técnicos de Especialistas •Mobilidade Urbana e Qualidade de Vida Contribuições de Especialistas55 SIBRT 56 “A Cúpula de Cidades Líderes em Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina é uma iniciativa pioneira na Região, a qual conecta as cidades para trabalharem em conjunto por um ambiente urbano mais limpo, saudável e sustentável, com clara liderança no esforço de revitalizar e transformar. Sendo a mobilidade um fator determinante que orienta o desenvolvimento das cidades, a Cúpula nos permite construir mecanismos de cooperação permanente, para oferecer contribuições de mobilidade urbana de alta qualidade para todos, integradas ao desenvolvimento urbano, focadas nas pessoas. Esta iniciativa compromete aos prefeitos a trabalharem a mobilidade como um direito social e uma política de estado em toda América Latina. Jaime Lerner, urbanista, ex-prefeito de Curitiba, presidente honorário da SIBRT. PRÓLOGO Presidente da MUSAL Apreciados colegas latino-americanos, N o dia 8 de agosto de 2014, em Lima, as cidades da América Latina escreveram uma página transcendental para o seu futuro. Decidimos assumir um compromisso de ação conjunta permanente, para alcançar uma mobilidade urbana de alta qualidade para todas as pessoas. Esse compromisso está moldado na Declaração de Lima, que agora publicamos em três idiomas, para que esteja ao alcance de todos os protagonistas da transformação que propomos. A Declaração de Lima é o livro branco da mobilidade urbana sustentável, o qual orientará nossos trabalhos em cada cidade e nossa ação conjunta latino-americana, servindo de referência para avaliar nossos avanços. BRT e corredores exclusivos que foram sendo exponencialmente implementados em todos os continentes nas duas últimas décadas. Da mesma maneira, contamos com sistemas integrados de transporte que foram precursores no mundo, como nos casos de Curitiba e outras cidades brasileiras, somando-se aos mais recentes que estão se destacando pela qualidade e contribuição para estruturação de novas cidades, como no caso de Santiago e os projetos de Bogotá e Lima. Com este livro branco, nós propomos mobilizar a sociedade e os poderes constituídos de cada país, para que a mobilidade urbana seja reconhecida como direito social e fundamental Também temos muito que aprender do mundo, especialmente das cidades que estão mudando os paradigmas da mobilidade urbana na das populações que representamos, estabelecendo marcos legais, institucionais e políticas Europa, por exemplo. Para construir uma real alternativa aos automóveis, devemos proporcionar melhor qualidade aos nossos sistemas integra- públicas de estado devidamente integrados, que atendam de maneira satisfatória as aspirações das pessoas à uma vida feliz, saudável, segura e de sucesso em cidades justas, competitivas e de alta qualidade. A América Latina tem muito que ensinar ao mundo. Avançamos de maneira notável, apesar da falta de coordenação entre nossas cidades. Representamos atualmente 62% da demanda de 6 dos de transporte público e transformá-los. em eixos de soluções que abrangem toda a cidade, integrando e dando prioridade aos pedestres e bicicletas em todos os espaços públicos. Para isso, é necessário construir autoridades únicas para fazer a gestão de sistemas integrados de transporte público com “qualidade de metrô” em todo o conglomerado urbano, dando prio- Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina ridade à mobilidade eficiente e à segurança das pessoas. Ditas autoridades devem trabalhar lado a lado com operadores privados e fornecedores da indústria, para oferecer serviços sustentados por indicadores, pesquisas, contratos e certificações de qualidade que levem a satisfazer de fato às pessoas. A experiência europeia também nos ensina que um serviço de transporte público de qualidade, com integração multimodal atendendo à todos, sem exclusões, não pode se sustentar somente com as tarifas. Estes sistemas requerem transferências dos cofres públicos e dos usuários dos espaços urbanos que devem pagar pelas externalidades negativas que geram. Temos muito que fazer para avançar na transformação e fortalecimento da nossa cooperação. A Cúpula MUSAL deixou abertas as portas para a adesão de novas cidades. Nossos próximos encontros já estão programados. A Cidade do México já se prepara para sediar a II Cúpula, em agosto de 2015, prevendo uma extraordinária exposição, como corresponde a uma metrópole líder em mobilidade sustentável. Santiago lhes receberá de braços abertos e com muito carinho quando nos corresponderá ser os anfitriões da III Cúpula, em agosto de 2016. Não precisamos esperar por estes encontros para trocar experiencias. Temos a oportunidade de apoiar o trabalho de benchmarking realizado dia-adia pela Associação Latino-Americana de Sistemas Integrados e BRT – SIBRT com os sistemas mais avançados de transporte público da região. Além disto, a SIBRT, que facilitou a realização da I Cúpula MUSAL, em Lima, e apoiou com sua rede de especialistas a elaboração da Declaração de Lima, atua atualmente como Secretaria Executiva da MUSAL. Para finalizar, reitero meu convite para trabalharmos em conjunto todas as cidades comprometidas com a transformação de sua mobilidade. Com especial carinho, Claudio Orrego Larraín Intendente da Região Metropolitana de Santiago do Chile Presidente da Cúpula de Cidades Líderes em Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina - MUSAL 7 INTRODUÇÃO T emos o prazer de entregar um poderoso instrumento para a transformação da mobilidade urbana na América Latina. Esse instrumento é o resultado de um trabalho cumulativo e sistemático de uma legião de pessoas qualificadas e comprometidas que fazem parte de universidades, consultorias, associações de classe, organizações não-governamentais, entidades públicas e empresas privadas líderes que estão fortemente envolvidos nesta transformação, que estão se agrupando em torno da SIBRT desde a sua criação em abril de 2010 em Curitiba. 8 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina A Declaração de Lima, que está em suas A Declaração de Lima é o Livro Branco so- mãos, disponível em três idiomas, é um docu- bre a Mobilidade Urbana Sustentável na Amé- mento assinado pelos prefeitos que se reuniram rica Latina que define objetivos e estratégias na Primeira Cúpula das Cidades Líderes em Mo- para transformar a maneira como as pessoas se bilidade Urbana Sustentável na América Latina movem e, portanto, ajudar a estruturar cidades - MUSAL, realizada como em Lima em 08 de sustentáveis, saudáveis e competitivas. agosto de 2014, que define um compromisso com a ação conjunta de cidades latino-ameri- A mobilidade urbana reconhecida como di- canas em curso para alcançar uma mobilidade reito social fundamental, como são a educação urbana de qualidade para todos. e a saúde, é seu enunciado principal, a partir do qual espera mobilizar as sociedades e poderes estabelecidos para honrá-lo devidamente, mediante adequados investimentos financeiros, marcos legais e institucionais sólidos e vigorosas parcerias público-privadas. A Declaração de Lima é constituída por duas partes principais: Um Resumo Executivo que enfatiza os seguintes enunciados: (i) urgência de uma mobilidade urbana de qualidade acessível a todos; (ii) definição de desafios comuns relacionados com a urbanização motorizada; (iii) mobilidade urbana como um direito social; (iv) atribuição de um financiamento adequado para a nova mobilidade; e (v) coordenação das cidades líderes na mobilidade sustentável na América Latina. 9 10 Um Documento de Base que apresenta um conjunto de considerações em forma de diagnóstico sobre mobilidade urbana contemporânea na América Latina, e desenvolve os temas fundamentais do compromisso de ação conjunta permanente das cidades líderes para a transformação, (i) Equidade; (ii) Desenvolvimento Urbano; (iii) Saúde Pública; (iv) Mudança Climática; (v) Participação Social e Comunicação Democrática; (vi) Estruturação Institucional e Empresarial; (vii) Financiamento e Competitividade; (viii) Recursos Humanos; e (ix) Inovação e Tecnologia. a lista de “Contribuições de Especialistas: Documentos Técnicos” na página 41. Os artigos incluídos foram “Mobilidade qualidade de vida urbana“, de Nick Tyler, University College London, Reino Unido, e “A saúde pública, o meio ambiente e o transporte” de Enrique Jacoby, Eugenia Maria Rodrigues e Munkhchuluum Ulzibayar, OPAS/OMS, Washington DC, EUA. Adicionalmente, estão incluídos nesta edição dois dos dez documentos técnicos que foram escritos por especialistas para dar suporte à Declaração, segundo Cabe finalmente um agradecimento especial às seguintes pessoas e instituições por suas valiosas contribuições para tornar realidade este com- Está prevista a publicação de outros documentos técnicos através de uma série que será lançada durante o primeiro semestre de 2015. Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina promisso para a transformação da mobilidade urbana na América Latina: • Jaime Lerner, urbanista inovador que colocou uma marca indelével sobre a concepção do modelo de Curitiba que inspira profundamente a Declaração de Lima. Presidente Honorário da SIBRT e promotor principal da Primeira Cúpula. • Miguel Angel Mancera, chefe de governo da Cidade do México, Gustavo Fruet, prefeito de Curitiba, e Susana Villarán, prefeita de Lima, generosa cidade anfitriã que, sendo parte do Comitê de Iniciativa da Primeira Cúpula, trabalharam com entusiasmo e compromisso para o seu sucesso. • Associados plenos, observadores e aderentes da SIBRT, que se mobilizaram de forma consistente para garantir a participação ativa de suas respectivas cidades e empresas na primeira Cúpula. • Especialistas amigos da SIBRT que dedicaram o seu tempo e compartilharam seus valiosos conhecimentos, para apoiar a Declaração de Lima, através dos documentos técnicos iniciais e das discussões durante o IV Congresso de Melhores Práticas SIBRT na América Latina. • Patrocinadores comerciais e apoiadores institucionais que tornaram possível a realização bem sucedida da Primeira Cúpula e do IV Congresso SIBRT. • Equipe da Secretaria Geral da SIBRT que demonstrou um excepcional talento, dedicação e organização para alcançar o enorme sucesso dos eventos de agosto 2014 em Lima. • OPS/OMS, pelo apoio na publicação e divulgação da Declaração de Lima. Não temos dúvida de que a mobilidade urbana é uma questão crucial de saúde pública. Esperamos que os tomadores de decisão nos governos da América Latina tratem o tema com a devida importância e que definitivamente tomem nota desta premissa. Em resumo, o presente Livro Branco é um instrumento das principais cidades para: (i) construir uma visão estratégica comum para a transformação da mobilidade urbana; (ii) cooperar para alcançar resultados mensuráveis nesta transformação, seguindo a tradição de cooperação entre cidades da União Europeia e o Grupo de Liderança Climática C40; (iii) promover políticas públicas, programas e ações que envolvem governos e agências de cooperação internacionais; e (iv) estimular parcerias público-privadas para liderar e realizar essa transformação. Luis Ricardo Gutierrez Aparicio Secretário Geral da Associação Latino-Americana de Sistemas Integrados e BRT - SIBRT Secretário Executivo da Cúpula de Mobilidade Urbana Sustentável na América Latina - MUSAL 11 DECLARAÇÃO DE LIMA RESUMO EXECUTIVO COMPROMISSO DE AÇÃO CONJUNTA PERMANENTE DAS CIDADES LATINO-AMERICANAS PARA ALCANÇAR UMA MOBILIDADE URBANA DE ALTA QUALIDADE PARA TODOS E TODAS Nós, prefeitos e prefeitas de vinte uma (21) cidades, de sete (7) países da América Latina, que representamos a 477 milhões de cidadãos, somando 24% da população urbana da Região, nos reunimos hoje, na Cúpula de Cidades Líderes em Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina, para declarar nosso compromisso de ação conjunta permanente para alcançar uma mobilidade urbana de alta qualidade para todos e todas. Neste sentido, tomando como base o documento e a discussão desenvolvidos por especialistas e as próprias cidades, declaramos que: 12 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 1. Mobilidade urbana deve ser de qualidade, acessível a todas as pessoas: Na América Latina, os movimentos sociais demandam uma mobilidade urbana de qualidade, acessível a todas as pessoas. Por isso, a mobilidade urbana sustentável, a qual nossas cidades requerem, é aquela que está focada na satisfação das necessidades e expectativas de todas as pessoas, minimizando as externalidades negativas, sociais, econômicas e ambientais, e contribuindo para estruturar cidades melhores, mais compactas, seguras, limpas, resilientes, amáveis, ativas e saudáveis. Em suma, com maior qualidade de vida e competitividade urbana. 2. Temos desafios comuns relacionados com a urbanização motorizada por enfrentar: As cidades da América Latina enfrentam desafios comuns relacionados com o processo de desenvolvimento urbano e de motorização associado ao uso irrestrito do transporte individual motorizado, em detrimento do transporte público e não motorizado. Isso afeta seriamente a saúde pública, a qualidade de vida, a competitividade urbana e o meio ambiente por causa dos gases de efeito estufa. 3. Trabalharemos por uma mobilidade urbana como direito social: É urgente mobilizar a sociedade e os poderes constituídos de cada país para que a mobilidade urbana seja reconhecida como direito social fundamental das populações que representam, estabelecendo marcos legais, institucionais e políticas públicas de estado, devidamente integrados, que atendam de maneira satisfatória as aspirações a uma vida feliz, saudável e de sucesso em cidades competitivas e de alta qualidade, considerando a igualdade, a saúde pública, o desenvolvimento urbano, as mudanças climáticas, a participação cidadã e comunicação democrática, as necessidades de estruturação institucional e empresarial, o financiamento e competitividade, os recursos humanos e a inovação e tecnologia. 4. Buscaremos financiamento para a nova mobilidade: É necessário assegurar que sejam destinados os recursos para garantir o direito social da mobilidade urbana, para cobrir os custos de cobertura universal, qualidade dos serviços e atenção à população de baixa renda. 5. Estabeleceremos uma coordenação entre as cidades líderes em Mobilidade Sustentável da América Latina: A decisão de estabelecer mecanismos de cooperação permanente entre as cidades para alcançar uma mobilidade urbana de alta qualidade para todos, para seguir e ampliar o trabalho iniciado. 13 Nós, prefeitos e representantes, abaixo listados, subscrevemos a presente DECLARAÇÃO DE LIMA: Eduardo Paes Prefeito do Rio de Janeiro SUSANA VILLARÁN DE LA PUENTE Prefeita Metropolitana de Lima LUIS REVILLA Prefeito de La Paz MIGUEL ANGEL MANCERA ESPINOZA Chefe de Governo do Distrito Federal do México ENRIQUE VÁSQUEZ ZULETA Prefeito de Pereira GUSTAVO FRUET Prefeito de Curitiba GLORIA MONTENEGRO FIGUEROA GUSTAVO PETRO URREGO Prefeita de Trujillo Prefeito de Bogotá LUIS BOHÓRQUEZ PEDRAZA Prefeito de Bucaramanga DIMAS ALIAGA CASTRO Prefeito de Huancayo MAURICIO ESTEBAN RODAS DANIEL CHAIN Prefeito Metropolitano de Quito Assina por Mauricio Macri, Chefe de Governo de Buenos Aires MARCELO CABRERA PALACIOS Prefeito de Cuenca CIRO BIDERMAN Assina por Fernando Haddad, Prefeito de São Paulo CLAUDIO ORREGO LARRAÍN Testigos Intendente da Região Metropolitana de Santiago 14 EUGENIO PRIETO SOTO LAURA BALLESTEROS Senador da República da Colômbia Deputada – México D.F. Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina “Temos que melhorar a relação entre o poder público dos diferentes governos, do setor produtivo e da sociedade, em busca por soluções para melhorar o transporte e a qualidade de vida das pessoas.” Gustavo Fruet , Prefeito de Curitiba. “A prioridade deve ser dos pedestres, de uma cidade para as pessoas, mais do que para os carros.” Mauricio Rodas, Prefeito de Quito. “Uma mobilidade de qualidade implica em mudanças no uso do solo, mudanças no planejamento urbano e mudanças na forma urbanística.” Gustavo Petro, Prefeito de Bogotá. 15 DOCUMENTO BASE COMPROMISSO DE AÇÃO CONJUNTA PERMANENTE DAS CIDADES LATINO-AMERICANAS PARA ALCANÇAR UMA MOBILIDADE URBANA DE ALTA QUALIDADE PARA TODOS E TODAS. Documento original escrito por especialistas e revisado pelas cidades antes da Cúpula. É parte da Declaração de Lima, assinada 2. A América Latina é uma das regiões mais ur- pelos representantes das cidades que se reu- banizadas do mundo. Em 2050, as cidades niram em Lima, em 8 de agosto de 2014, na latino-americanas irão abrigar 652 milhões Primeira Cúpula das Cidades Líderes em Mobi- de pessoas, ou 85% dos residentes da região. lidade Sustentável na América Latina. Inclui as A urbanização e o crescimento econômico premissas e indicadores que serão objeto da foram associados a um processo de motori- cooperação. zação, no qual predominam os veículos individuais motorizados, a construção de vias CONSIDERANDO QUE: 1. A América Latina foi, nos últimos anos, cenário de amplos movimentos sociais, 16 para atender essa demanda e a propensão a viagens longas e ineficientes. O número de veículos na América Latina está crescendo a uma taxa de 2,5 automóveis para cada novo nascimento. O crescente uso desses veícu- assim como várias iniciativas da socieda- los nas vias urbanas, sem regulação e con- de civil, que exige uma mobilidade urba- trole adequados, ameaça à qualidade de na de qualidade, acessível à todas as pes- vida e sustentabilidade das cidades, devido soas e com mecanismos democráticos à externalidades como congestionamentos, de prestação de contas e participação poluição do ar, ruído e pressão por espaço cidadã. urbano que isso provoca. Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 3. As cidades da América Latina enfrentam desafios comuns relacionados com o processo de desenvolvimento urbano e motorização. A falta de competitividade dos transportes públicos e dos não motorizados contra o avanço do transporte individual motorizado, o qual faz uso indiscriminado e ineficiente do espaço público, está afetando gravemente a saúde pública, qualidade de vida e competitividade urbana, da seguinte maneira: • Os sistemas de transporte no mundo, em diferentes formas e intensidades, especialmente aqueles mais dependentes do transporte individual motorizado, são responsáveis por cerca de 7 milhões de mortes por ano, em todo o mundo; destas, 3,3 milhões são atribuíveis à poluição do ar, 1,3 milhões são devidos a acidentes de trânsito e cerca de 3 milhões estão associados ao sedentarismo. De acordo com projeções da OMS, para 2020, as cinco principais causas de morte no mundo estão associadas com o transporte, se os padrões atuais continuarem. • Os acidentes de trânsito, em 1990, eram a nona principal causa de morte em todo o mundo e, seguindo a tendência, será a terceira em 2020. À essas 1,3 milhões de mortes por ano se somam entre 20 e 50 milhões de feridos, com perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho como resultado dos acidentes. Fatalidades por acidentes de trânsito na América Latina e no Caribe são quase o dobro da média global, em grande parte devido à falta de regulação e fiscalização adequada. Acidentes nas cidades são responsáveis, em média, por mais de 50% das mortes por acidentes nos países. • O movimento crescente de substituição do transporte público urbano pelo automóvel e motocicletas tem um efeito altamente nocivo em termos de poluição e mudança climática. Segundo o Observatório da Mobilidade Urbana na América Latina, da Corporação Andina de Fomento (CAF), o transporte coletivo emite nove vezes menos contaminantes locais, e quatro vezes menos CO2 que o transporte individual, num contexto em que o transporte representa uma média de 60-70% do carbono nas cidades. • A falta de atividade física em áreas urbanas, onde prevalece o sedentarismo e o transporte motorizado, agrava a morte prematura em nível mundial por doenças não transmissíveis derivadas, representando anualmente 19 milhões de anos de vida saudável perdidos. • As perdas por externalidades negativas, como transporte não sustentável na América Latina, tem sido estimadas pela Associação Latino-Americana de Sistemas Integrados e BRT - SIBRT em uma média de 10% do PIB ao ano. Desta porcentagem, 4% correspondes ao impacto em saúde por efeito de acidentes de trânsito, contaminação do ar e falta de atividade física; outros 4% são devidos ao impacto em transporte pelo congestionamento, desperdício de combustível e uso ineficiente da infraestrutura e equipamentos; e, finalmente, 2% devido a perda de produtividade e competitividade que resulta em menores investimentos, empregos e impostos. 4. O objetivo da mobilidade urbana é permitir o funcionamento e uso adequado dos espaços públicos nas cidades, e acesso das pessoas à alimentação, moradia, saúde, emprego, educação, recreação, atividades e serviços em geral. 17 5. A mobilidade urbana sustentável é aquela que se concentra em atender as necessidades e expectativas de todas as pessoas que acessam seus destinos desejados, minimiza externalidades negativas, sociais, econômicas e ambientais que surgem a partir do uso do espaço público, e contribui para estruturar cidades melhores, mais compactas, com menos necessidades de deslocamentos motorizados, mais seguras, limpas, resilientes, amáveis, ativas e saudáveis; em resumo, com maior qualidade de vida e competitividade. 6. As redes de transportes públicos integrados, potencializadas com corredores de para facilitar sua medição e certificação, transporte de alta capacidade e desem- como segue: penho, têm mostrado que contribuem substancialmente para os objetivos da • Disponibilidade. Cobertura dos serviços oferecidos em termos de geo- mobilidade sustentável, se desenvolvidos grafia, tempo, frequência e modo de como elementos centrais de redes multi- transporte. modais e se adotam padrões de qualidade que distinguem os sistemas mais evoluí- 18 • Acessibilidade. Acesso ao sistema dos a nível internacional, com atributos de transporte público, incluindo as que a norma europeia de qualidade de interfaces com outros modos de transporte classifica em oito dimensões transporte. Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina • Informações. Fornecer sistematicamente conhecimento sobre o sistema de transporte público para facilitar o planejamento e a execução da viagem. • Tempo. Aspectos relevantes de tempo para planejar viagens. • Atenção ao Cliente. Serviços introduzidos para permitir a melhor combinação possível de nível de serviço e atendimento das necessidades de cada cliente. • Conforto. Elementos e serviços introduzidos a fim de tornar a viagem confortável e agradável no transporte público. • Segurança. Sensação de proteção pessoal experimentada pelos clientes, gerada pela implementação de medidas e ações concretas para garantir que os clientes estejam cientes dessas medidas. • Impacto ambiental. Efeito sobre o ambiente decorrentes da prestação do serviço de transporte público. 7. A mobilidade urbana aparece na agenda das grandes cidades da América Latina como uma prioridade, resultando em um processo efervescente de investimento em transporte público e mobilidade sustentável praticamente sem precedentes. Em nossa região foram geradas visões de cidade e soluções de mobilidade urbana reconhecidas em todo o mundo. 8. Existem atualmente 180 cidades do mundo que somam 4.670 km de BRT e ônibus corredores de ônibus, das quais 141 começaram a construir corredores a partir do ano 2000, 59 cidades da América Latina tem BRT e corredores de ônibus (33% do número de cidades em todo o mundo), totalizando 1.615 km (35% do total mundial), que transportam 19,7 milhões de passageiros por dia (62% do total mobilizado global). 19 20 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 9. No processo de avanço da mobilidade sustentável, as cidades enfrentam desafios comuns em várias questões, que exigem uma atenção especial, com diferentes graus de intensidade, dependendo do contexto do país e cidade, tais como: • Fraco ou inexistente reconhecimento da mobilidade urbana como um direito social. • Pouco entendimento da relação entre o desenvolvimento urbano e mobilidade. • Insuficiente medição e monitoramento do impacto da mobilidade sobre a saúde e mudanças climáticas. • Fracas ou inexistentes políticas de estado para a mobilidade urbana sustentável. • Falta de continuidade nos planos de mobilidade que geralmente não superam os ciclos políticos. • Fraqueza ou falta de propostas concretas de ação e de liderança para realizá-las. • Prioridade insuficiente para o transporte coletivo e não motorizado. • Estruturas de preços, subsídios e impostos que favorecem a competitividade dos modos de transporte individual motorizado. • Viés infraestruturalista no investimento público em transporte urbano. • Fraqueza e fragmentação das entidades públicas que gerenciam o transporte público e.não motorizado. • Insuficiente alocação de recursos financeiros para garantir um serviço de qualidade a todas as pessoas. • Dificuldades na estruturação de empresas operadoras modernas e sólidas operacional e financeiramente • Interferência política no financiamento, com prevalência de interesses particulares nas decisões de projetos. • Carência de recursos humanos para a nova mobilidade. • Falta de investimento público em inovação tecnológica e processos de melhoria contínua na regulação, planejamento, implementação, monitoramento, operação e manutenção. • Fragilidade dos mecanismos de prestação de contas e participação cidadã. 10. Os desafios comuns identificados dificilmente podem ser por meio de através de medidas isoladas, de modo que há uma necessidade de desenvolver políticas públicas integrais, como nos casos da saúde e educação, reconhecidos como direitos sociais fundamentais. 11. O reconhecimento formal do direito social a uma mobilidade urbana que proporcione igualdade de acesso a bens e serviços na cidade, vitais para a qualidade de vida, por meio de um instrumento jurídico adequado para cada país, que permitirá transformá-lo em um direito público de todos, como dever do Estado e da sociedade a ser financiado por todos usando o princípio da equidade. A solução para a mobilidade urbana nas cidades deve ser um uma solução coletiva, e não individual. 12. A prática da cooperação entre as cidades da União Europeia e do grupo C40 é uma referência exemplar para que as cidades latino-americanas se vinculem por meio de um trabalho conjunto de intercâmbio de experiências e boas práticas, para estruturar soluções de mobilidade urbana sustentável em benefício da qualidade de vida e saúde dos povos da América Latina. 21 PROPÕEM OS SEGUINTES OBJETIVOS COMO BASE PARA A COOPERAÇÃO: Mobilizar a sociedade e poderes constituídos de cada país para que a mobilidade urbana seja reconhecida como um direito social fundamental das populações que representam, estabelecendo os marcos legais, institucionais e políticas públicas de Estado devidamente integradas, que atendam satisfatoriamente as aspirações das pessoas a uma vida feliz, saudável, segura e bem sucedida em cidades competitivas e de alta qualidade para todos, considerando os seguintes aspectos: 22 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina Equidade 1. Garantir condições de acessibilidade a toda a população, incluindo as pessoas com e sem necessidades especiais, idosos e crianças. 2. Garantir a inclusão social, oferecendo a mesma qualidade e quantidade de serviços de mobilidade à pessoas de renda mais alta. 3. Reduzir o custo social associado à mobilidade urbana ineficiente, permitindo aproveitar o tempo livre para lazer, oportunidades de estudo e trabalho, melhorando a qualidade de vida das pessoas. 4. Possibilitar mais competitividade urbana para atrair os melhores recursos humanos, criando oportunidades para todos e aumentando a riqueza, investimento e emprego. 5. Garantir que a mobilidade de qualidade esteja disponível para todos, sem discriminação de sexo, idade, capacidades ou condições, a custos acessíveis e com informação clara e oportuna. 6. Buscar a diversidade na oferta de serviços de mobilidade qualificados para permitir a todas as pessoas de exercer a liberdade de escolha do modo de viagem, uma condição básica para a igualdade de acesso. 23 Desenvolvimento Urbano 1. Assimilar as melhores práticas internacionais contemporâneas em matéria de mobilidade e desenvolvimento urbano com foco nas necessidades e aspirações das pessoas, que promova a integração social e a convivência. 2. Integrar em um único plano a estratégia para o desenvolvimento urbano e de mobilidade, ou articulá-los de maneira estreita onde são espaçados, com base em uma visão de cidade em concordância com a sociedade, e envolver as autoridades nacionais e regionais de desenvolvimento urbano na concepção, gestão e avaliação dos planos, políticas e ações de mobilidade urbana. Assim, será possível que os planos setoriais de mobilidade e transporte estejam também relacionados com os planos urbanos e regionais 24 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 3. Estabelecer uma hierarquia de mobilidade porte público e modos não motorizado, como eixos principais para estruturar e urbana em ordem de prioridade: fazer funcionar nossas cidades. • Modos não motorizados • Transporte público • Transporte urbano de cargas • Sistemas de veículos compartilhados te massivo tornando eficiente e viáveis os • Transporte individual motorizado investimento. 6. Promover uma política urbana de uso misto do solo e densificação de corredores que fortaleçam os eixos de transpor- 4. Recuperar o espaço público para uso das pessoas e comunidades, fornecendo equipamentos e instalações que melhorem integralmente a qualidade do entorno. 5. Promover o desenvolvimento 7. Estruturar redes de mobilidade multimodais e integradas que garantam uma cobertura universal e um serviço porta-a-porta de alta qualidade, fomentando uma maior integração social e econômica. urbano orientado pelo transporte, com o trans- 25 Saúde Pública 26 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 1. Converter o espaço público em uma atmosfera de saúde pública, onde todas as pessoas possam desfrutar de uma boa qualidade de vida com os benefícios de uma mobilidade urbana sustentável para todos, sem danos causados pela poluição, acidentes de trânsito e exclusão social geralmente causados pelo predomínio do automóvel e de fraca regulamentação e fiscalização. 2. Garantir que os planos, políticas e ações de mobilidade e uso do solo urbano sejam coerentes com a saúde pública e formulados com a participação de autoridades nacionais e subnacionais de saúde pública. 3. Medir e avaliar de forma consistente e continua os impactos na saúde (segurança viária, qualidade do ar, atividade física, etc.) da mobilidade urbana em termos de mortalidade e morbidade, bem como dos custos que sobrecarregam (oneram) o orçamento da saúde de governos, empresas e famílias, utilizando metodologias de medição padrões da OMS. 4. Incorporar nos planos a análise de indicadores relacionados à saúde público objetivando acompanhar sua evolução e avaliação continuada de desempenho, dentre outros: • Os níveis da qualidade do ar e emissões de gases de efeito estufa nas cidades, incluindo especialmente os obtidos em partículas inferiores a 10 micrometros, dióxido de enxofre, dióxido de nitrogênio e ozônio, seguindo os padrões da OMS. • Os limites de velocidade em áreas urbanas não superiores a 50 km/h (com exceção de vias expressas com acesso controlado) e em zonas escolares não superiores a 20 km/h. • Mapas de zonas de acidentes veiculares com o georeferenciamento e a identificação das causas e as medidas tomadas para impedir os acidentes. • Valores de investimento em infraestrutura favorável a caminhadas e ao ciclismo. 27 Mudança Climática 1. Envolver as autoridades nacionais e sub nacionais no planejamento, gestão e avaliação dos planos, políticas e ações de mobilidade urbana para assegurar sistemas que aperfeiçoem tanto o sistema de transporte como tal, quanto sua relação com o uso do solo. 2. Explicitamente incorporar, em todos os planos, políticas e ações de mobilidade sustentável, iniciativas e esforços mensuráveis de redução e de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, bem como, a capacitação para a prevenção e adaptação contra desastres causados pelas mudanças climáticas. 3. Promover medidas para evitar viagens motorizadas ineficientes, substituir o uso de modos individuais de transporte por modos de transporte coletivo e não motorizado, e melhorar as tecnologias de veículos e combustíveis para reduzir as emissões de carbono. 4. Promover medidas para maximizar o solo disponível para usos que contribuam para a mitigação e/ou adaptação ao câmbio climático, particularmente o reflorestamento urbano, o uso de pavimentação permeável e redução do pavimento em geral, resgatando espaços para áreas verdes, jardins urbanos e outros elementos relacionados. 5. Promover Ações Nacionais Adequadas de Mitigação (NAMA por sua sigla em inglês) de mobilidade urbana que permitam oferecer às cidades uma significativa cooperação internacional, para reduzir as emissões de carbono a partir desta fonte. 28 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 29 Participação Social e Comunicação Democrática 30 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 2. Incorporar mecanismos permanentes e 1. Garantir que a visão de cidade e o plano ativos de participação cidadã nos pro- integrado de desenvolvimento urbano cessos de tomada de decisão, em cada e mobilidade estejam acordados entre fase de planejamento, concepção, im- sociedade e seus poderes constituídos, plementação, gestão e avaliação das com importante participação de todos políticas, planos, programas e projetos os setores, sem exclusão por gênero, raça, credo, orientação sexual ou nível socioeconômico, para que todos os aspectos ambientais, sociais e econômicos sejam devidamente atendidos. de mobilidade e desenvolvimento urbano, a fim de que todos cumpram com suas responsabilidades, apoderando-se, especialmente aos usuários do transporte público e do transporte não motorizado no conhecimento de seus direitos, para exigir das autoridades e prestadores de serviços adequada qualidade, informações e prestação de contas. 31 Institucionalidade e estruturação empresarial 1. Trabalhar pela estruturação de autoridades de mobilidade urbana, transporte público urbano, ou arranjos institucionais equivalentes, com jurisdição coerente sobre todo o conglomerado urbano conurbado, que exerçam com transparência e prestação de contas perante aos cidadãos e com altos índices de participação cidadã na tomada de decisões, particularmente das organizações da sociedade civil. 32 2. Certificar-se de que os planos apoiados por uma visão de consenso sejam administrados e atualizados periodicamente com perspectiva de longo prazo, mediante uma estrutura institucional articulada em todos os níveis de governo nacional e subnacional, como acontece com a educação e a saúde, com continuidade através de diferentes governos. Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 4. Potencializar as parcerias público-privadas orientadas pela qualidade dos serviços e melhoria urbana, por meio de marcos regulatórios e contratuais transparentes, competitivos, eficientes e modernos que garantam: • Empresas privadas e instituições públicas, que tenham como eixo central prestação de um serviço orientado a satisfação do usuário. • Ferramentas para gestão da qualidade em marcos regulatórios e contratuais, que incluam indicadores e metodologias de avaliação e pesquisa que também possam ser usadas em um processo de benchmarking. • Eficiência dos sistemas com projeções financeiras sólidas para oferecer estabilidade tanto dos sistemas, como das empresas que os compõem. • Critérios claros para lidar com tran3. Disponibilizar aos usuários da cidade e do transporte toda informação que descre- sições de operadores e tecnologias que exigem dinamismo urbano e inovação. va o programa de investimentos, as dotações orçamentárias e o funcionamento • Implantação e replicação de melhores do sistema de mobilidade urbana, espe- práticas, como resultado de uma parti- cialmente do transporte público com ní- cipação ativa, competitiva e transparen- veis de qualidade de serviço, para melho- te do setor privado. rar a geração de soluções. 33 Financiamento e Competitividade 34 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 1. Mobilizar os poderes constituídos para estabelecer simultaneamente em diferentes níveis de governança, em suas respectivas responsabilidades e jurisdições, um modelo integrado de financiamento para viabilizar a política pública de mobilidade urbana sustentável, considerando aspectos como: • Infraestructura • Frotas • Sistemas técnicos • Estudos de viabilidade • Estruturação institucional e desenvolvimento de capacidade de gestão, incluindo recursos necessários para incentivar a participação cidadã • Estruturação e qualificação empresarial • Programas de mitigação social para a transição a modernização • Controle da oferta veicular e sucateamento de v eículos obsoletos • Estruturação financeira e gestão de riscos • Desenvolvimento de recursos humanos • Sistema de gestão da qualidade de serviços • Inovação, pesquisa e desenvolvimento 2. Exigir que os sistemas de investimento público e promoção do investimento privado apliquem metodologias de formulação e avaliação de projetos de mobilidade urbana, baseadas em critérios técnicos, transparentes e racionais, que sejam consistentes com o plano único de desenvolvimento urbano e mobilidade, e que incorporem instâncias significativas de monitoramento por grupos cidadãos, representantes tanto de usuários do sistema de transporte, como do sistema urbano como um todo. 35 36 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 3. Trabalhar para que se destinem os recursos necessários para garantir o direito social à mobilidade urbana, cobrindo os custos de cobertura universal, qualidade de serviço e atenção aos setores de menor renda, no marco de políticas urbanas de densificação e uso mais eficiente do solo. 4. Estabelecer tarifas aos serviços das redes de transporte público que cuidem o acesso de todos os setores da população e ofereçam capacidade competitiva para enfrentar os modos motorizados individuais. 5. Certificar-se de que as tarifas de transporte urbano não ultrapassem 10% da renda familiar mínima, e evitar que as tarifas sejam aplicadas para cobrir gastos com infraestrutura e gestão pública dos sistemas que devem receber recursos orçamentários do erário público. 6. Promover fluxos de viagens curtas em horário de pico, mediante ações concertadas com locais de trabalho público/privado e áreas de centros educacionais, para uma programação escalonada de entradas e saídas dos usuários, o que refletirá em uma menor demanda de frota e menos pressão sobre a tarifa. 7. Perseguir uma política de investimento e montantes compensatórios das influências externas que reflitam os custos sociais totais para todos os modos. 8. Buscar estabelecer fundos recorrentes para a operação diária do sistema, fazendo ponte entre custos e tarifas, podendo considerar. 9. Imposto sobre ganhos de capital (terrenos e edifícios) gerados por melhorias no sistema de mobilidade • Receitas obtidas junto a empresas para financiar o transporte público e mobilidade de funcionários • Receitas por pedágio urbano e tarifação de acesso motorizado em áreas urbanas centrais • Receita por publicidade • Receitas por multas • Receitas por estacionamento em espaços públicos • Impostos por consumo de combustíveis não renováveis ou encargos ao combustível, aos veículos, aos estacionamentos “livres” proporcionados à clientes e empregados, etc. • Orçamento estadual e municipal para sustentar a operação e manutenção de sistemas multimodais, com prioridade ao transporte público e não motorizado, que garantam cobertura, qualidade e competitividade. Subsídios operacionais do transporte público aplicados com critérios claros e coerentes. 37 Recursos Humanos 1. Estimular e demandar o desenvolvimento de centros interdisciplinares de ensino e pesquisa, cursos e diplomas técnicos e profissionais, e programas de treinamento para melhorar de forma abrangente o planejamento, gestão e operação da mobilidade urbana, envolvendo todas as partes interessadas: agências públicas gestoras, empresas operadoras, sistemas públicos de investimento, bancos privados, fornecedores da indústria, órgãos de supervisão, congressistas, autoridades locais e regionais, polícia e usuários; promovendo para este feito o apoio dos governos e da cooperação internacional em parceria com universidades e institutos técnicos, suprindo assim a enorme falta de recursos humanos em todos os níveis, e as crescentes necessidades da nova mobilidade. 2. Promover a publicação de informações sobre a mobilidade urbana e transporte público gerado por entidades públicas gestoras de sistemas, a ser utilizado por universidades, centros de estudos urbanos, desenvolvedores de aplicativos e outros interessados que contribuam para a geração de conhecimento e para a melhoria contínua dos sistemas. 38 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina Inovação e tecnologia 1. Implementar sistemas tecnológicos destinados a satisfazer as necessidades de mobilidade urbana das pessoas, incorporando-os como um componente básico de planejamento, gestão, fiscalização e operação da mobilidade urbana, bem como na comunicação com os usuários. • Definir claramente o papel do Estado na regulação do projeto, concessão, gestão, supervisão e auditoria dos aspectos fundamentais do funcionamento dos sistemas tecnológicos. • Desenvolver uma arquitetura de tecnologia que integre todos os componentes a serem instalados, sem deixar elementos isolados ou desarticulados. • Colaborar com outras entidades público/privadas para o desenvolvimento de sistemas complementares que melhorem o serviço porta-a-porta. • Aplicar os mais altos padrões técnicos e de qualidade reconhecidos internacionalmente. • Alocar recursos e fornecer informações para promover a pesquisa e desenvolvimento em coordenação com o setor privado e estimular a inovação. 39 40 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina CONTRIBUIÇÕES À ELABORAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE LIMA DOCUMENTOS TÉCNICOS DE ESPECIALISTAS 41 Mobilidade urbana e qualidade de vida Nick Tyler, University College London, UK Preâmbulo O ponto de partida para criar uma declaração sobre os sistemas de transporte urbano não é o transporte em absoluto, mas sim a qualidade de vida que as pessoas buscam. O dever da cidade – e, portanto, o dos seus líderes – é facilitar uma melhora contínua na qualidade de vida de toda a população. Este é o primeiro requisito para a liderança de uma cidade. Isso significa estabelecer o objetivo o mais alto possível, 42 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina que seja tão abrangente que todas as tendências políticas possam aceitar. As diferentes visões políticas podem eleger distintas formas de como isso poderia ser alcançado e a sequência de eventos necessários para atingir esta última meta que pode ir crescendo. Isto se aplica em todos os aspectos da liderança da cidade. Esta visão de alto nível é o que se encontra em ‘5-city model’ (modelo das 5 cidades), no qual os objetivos de alto nível são estabelecidos para criar uma cidade que promova: 1. O respeito mútuo ao invés de dividir a população (a “cidade amável”). 2. A geração de atividades acessíveis para toda a população, para a melhora do bem-estar (a “cidade ativa”). 3. O sentido de que existe um espaço público que seja realmente disponível, acessível e seguro para toda a população (a “cidade do espaço público”) 4. Melhoras com impacto positivo na saúde (a “cidade saudável”) 5. A capacidade de adaptar-se ao longo do tempo em preparação ou resposta às mudanças externas (por exemplo: mudança climática, migração) ou a evolução interna (por exemplo: mudanças nas necessidades das gerações futuras) (a “cidade em evolução”) Estes objetivos estabelecem os requisitos para todos os sistemas em uma cidade. Assim como outros sistemas (por exemplo: de saúde, educação, e serviço social), só podemos definir os detalhes do sistema de transporte depois de definir os objetivos de alto nível. É neste ponto do processo que podemos começar a definir como o sistema de transporte pode proporcionar o acesso necessário, sem piorar outros aspectos da cidade. Isto é de vital importância para o transporte, já que o tempo de vida desses projetos é muito mais longo que o ciclo eleitoral típico de 3 – 5 anos e, portanto, para conseguir sentido de continuidade e finalização, é necessário que o apoio a estes projetos se estenda além das próximas eleições, para evitar confusão e desperdício de recursos. Uma cidade necessita um sistema de transporte para atender aos objetivos de alto nível. Esses objetivos estabelecem limitações no sistema de transporte que devem ser enfrentadas, apesar de estarem elas mesmas fora do âmbito de gestão do sistema de transporte. O sucesso do sistema de transporte é medido pela capacidade dos outros sistemas operarem com sucesso: a contribuição do transporte à cidade é que permite o acesso à alimentação e moradia, ao sistema de saúde, emprego, educação e muito mais. É essencial garantir que os objetivos do sistema de transporte atendam estas necessidades e que seja planejado e operado com a finalidade de cumprir estes requisitos. Isso sempre gera conflitos entre os objetivos de alto nível e os que estão em um nível mais baixo dentro do sistema de transporte em si, tais como a redução no tempo mínimo de espera no trânsito. Em resposta a esses conflitos, é essencial lembrar que o sistema de transporte está cumprindo os objetivos gerais da cidade e, portanto, deve satisfazer os objetivos de alto nível, inclusive se fosse considerado inadequado para a teoria atual subjacente a entrega de transporte. 43 Por exemplo, um sistema de transporte que Na definição dos objetivos de transporte reduz os tempos de viagem, mas piora a saúde para uma cidade, podemos pensar em termos através de lesões e morte nas ruas (com fre- de uma hierarquia de transporte – os requisitos quência a maior causa de morte nas cidades), de transporte que devem ser satisfeitos antes- simplesmente não será suficiente. Por outro que outros: lado, um sistema de transporte que promove a saúde mediante o aumento da acessibilidade, 1. Uma cidade que está desenhada para as reduzindo ao mínimo o movimento motoriza- pessoas ao invés do trânsito tende a garan- do e que limita o transporte à mobilidade de tir que as necessidades das pessoas possam pedestres e a modos livres de emissões, parece ser atendidas na medida do possível, sem ser positivo para ajudar a conquistar o objetivo geral de melhorar a qualidade de vida para toda a população (e, casualmente, também reduziria as lesões por acidentes de trânsito). No entanto, não teria o menor tempo de viagem possível. Alguns objetivos diretos do transporte são, portanto, secundários aos objetivos de alto necessidade de utilizar o transporte motorizado, por isso dará prioridade aos pedestres e ciclistas antes de outros modos de transporte. Isto significa garantir que as necessidades pessoais possam ser atendidas perto de onde se encontram as pessoas e, além nível da cidade, tais como a melhora na quali- disso, gerar ciclovias e infraestrutura de se- dade de vida de toda a população. gura e acessível para que os pedestres possam chegar a esses lugares. 44 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina 2. O segundo lugar na hierarquia está ocupado pelo transporte público, que deve ser organizado com a finalidade de proporcionar acessibilidade suficiente às atividades que não se pode chegar caminhando, já que se encontram muito distantes. 3. Depois do transporte público, vem o sistema logístico das lojas e serviços que satisfazem as necessidades da população. 4. Depois, o sistema de aluguel de veículos compartilhados que ocupam os espaços que não atendem aos pedestres, ciclistas e o transporte público. Exemplos de tais sistemas incluem: os taxis, bicicletas públicas, “car-sharing”, “car-pools”, etc. 5. Somente depois que se cumpram todas estas necessidades, se deve prestar atenção às necessidades do carro privado. Este enfoque dá prioridade às pessoas e suas necessidades para que possam melhorar sua qualidade de vida, o que é o requisito principal de uma cidade e, portanto, um dever de suas lideranças. 45 ELEMENTOS QUE PODERIAM SER INCLUÍDOS NO ACORDO Os líderes municipais devem estar de acordo 4. Com a finalidade de satisfazer aos cinco princípios, a cidade deve considerar um sistema de transporte com as seguintes prioridades: • Primeira prioridade: modos de transporte não motorizados, pedestres, ciclistas, etc. • Segunda prioridade: o transporte público para satisfazer as necessidades que não possam ser alcançadas com a primeira prioridade. • Terceira prioridade: a logística e a entrega de produtos ao comercio. • Quarta prioridade: serviços de uso compartilhado de veículos, incluindo “car-sharing”, “car pools”, taxis, etc. • Quinta prioridade: os veículos privados, onde não haja possibilidade de satisfazer as necessidades mediante as prioridades anteriores. em cinco pontos básicos: 1. As cidades devem trabalhar para melhorar continuamente a qualidade de vida da população. 2. Para alcançar este objetivo, a cidade deve seguir os seguintes cinco objetivos: • • • • Fomentar o respeito mútuo ao invés de dividir a população (a “cidade amável”), Gerar e fomentar as atividades para melhorar o bem-estar coletivo e assegurar que sejam acessíveis a toda a população (a “cidade ativa”), Promover o espaço público que seja realmente disponível, acessível e seguro para todas as pessoas (a “cidade do espaço público”), Implementar melhorias com impacto positivo na saúde de toa a população (a “cidade saudável”), 5. Em todas as decisões sobre o desenho do sistema de transporte, a prestação deste serviço na cidade deve proporcionar acesso a todas as atividades, para toda a população, com o uso mínimo possível do transporte motorizado. Isto ajudará a aumentar o fun- • Assegurar que haja capacidade contínua de adaptar-se ao longo do tempo em preparação ou resposta às mudanças externas (por exemplo: mudança climático, migração) ou a evolução interna (por exemplo: mudanças nas necessidades das gerações futuras) (a “cidade em evolução”). 3. A cidade deve estar de acordo em dar prioridade à criação destes objetivos de alto nível e o uso dos mesmos para definir os requisitos que devem cumprir o sistema de transporte, antes de tentar definir que tipo de sistema de transporte querem ter. 46 cionamento equitativo da cidade, melhorar a saúde da população e reduzir as emissões de gases de efeito estufa derivados do setor do transporte. Referências: Tyler N. (2014) A vision for cities: the 5-city model, ARGnote 1(5) ISSN 2054-4561 http:// www.cege.ucl.ac.uk/arg/Pages/ARGnote.aspx Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina A saúde pública, o meio ambiente e o transporte Enrique Jacoby, Eugenia Maria Rodrigues y Munkhchuluum Ulzibayar, OPS/OMS O transporte, em particular os sistemas de transporte convencionais, afetam enormemente a saúde. Tradicionalmente, os riscos para a saúde vinculados ao transporte estão relacionados, acima de tudo, com a segurança viária; no entanto, os meios de transporte afetam a saúde pública de outras formas, especialmente num contexto de planejamento e desenvolvimento urbano não sustentável, com prioridade aos automóveis. Os efeitos sobre a saúde incluem: exposição a poluição do ar, exposição ao ruído dos veículos motorizados, sedentarismo e perda de coesão social. No quadro abaixo, se resumem esses efeitos (Reino Unido, Plano de Transporte 2014). 47 Frequentemente se denominam esses efei- tante proporção e cada vez maior de conta- tos sobre a saúde como “efeitos colaterais” e minantes atmosféricos urbanos que afetam se consideram uma consequência inevitável do a saúde. O nível de contaminação atmosfé- crescimento econômico. Esta é uma percepção rica é, geralmente, muito alto nas cidades equivocada que deve ser mudada. Para trans- em desenvolvimento, nas quais o transporte portar com sucesso os produtos, impulsionar se tornou uma das principais fontes de má o comercio e, ao mesmo tempo, permitir que saúde. No entanto, prejuízos graves e quan- as pessoas tenham acesso ao emprego, a edu- tificáveis para a saúde se produzem com os cação, aos serviços de saúde e atividades recrea- níveis de contaminação atmosférica que tivas, a ênfase deve estar em “sistemas de trans- normalmente se observam hoje em dia tan- porte” sustentáveis e eficientes, e não em “liberar to nos países em desenvolvimento, como espaços para mais veículos automores” (Dora C em países desenvolvidos. Quanto maiores et al., 2011). Em outras palavras, uma mudanças os níveis de contaminação atmosférica, pio- no atual paradigma do transporte poderia ge- res são os problemas de saúde associados, rar benefícios em três aspectos: prosperidade incluindo doenças e incremento da morta- econômica, melhora da qualidade ambiental, e lidade em curto e longo prazo. A queima melhor saúde e bem-estar da população. de carburantes produz uma quantidade de contaminantes atmosféricos que estão as- A seguir, se apresenta um resumo dos efeitos sociados a mortalidade prematura (plano de sobre a saúde de um planejamento do transpor- ação para o transporte 2014, Reino Unido). te não sustentável, centrado nos automóveis: Os contaminantes atmosféricos relacionados com o transporte, como as partículas • 48 Exposição à contaminação do ar: o setor (de menos de 10 micróns de diâmetro), o do transporte é responsável por uma impor- óxido de nitrogênio, o ozônio, o monóxido Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina de carbono e o benzeno aumentam o risco de doenças cardiovasculares e respiratórias, câncer e problemas relacionados à gestação (Krzyzanowski et al, 2005). A exposição ao trânsito intenso, como é o caso daqueles que vivem próximos a uma avenida importante, está associada a piora da saúde da população infantil e adulta, e aumento da taxa de mortalidade ( Brugge et al., 2007). 49 A exposição prolongada e acumulativa à 2013). Os pedestres e os ciclistas tem maior concentrações elevadas de partículas peque- probabilidade de sofrerem traumatismos nas e finas se associa com uma diminuição do que os ocupantes de um veículo mo- das funções pulmonares, maior frequência de torizado, em caso de uma batida (Peden doenças respiratórias e redução da estimativa et al, 2014). A velocidade influencia nota- de vida. A exposição de curto prazo se associa velmente na frequência e gravidade dos com maiores taxas de mortalidade diária e de traumatismos, além das mortes pelo trân- entradas nos hospitais, principalmente como sito. A redução de 1% na velocidade reduz consequência de infecções respiratórias e car- em 3% a frequência de acidentes (Dora C, diovasculares crônicas (Escritório Regional da 1999). Nos acidentes de trânsito e nos con- OMS para Europa, 2004). Atualmente, os maio- sequentes traumas, influem fatores como res níveis de contaminação atmosférica são de- velocidade acima da permitida, consumo tectados nas cidades da Ásia, África e Oriente álcool, efeito de medicamentos, drogas ilí- Médio (plano de ação para o transporte 2014, citas e o uso de celulares por motoristas e Reino Unido). falta de equipamentos de proteção como o capacete, o cinto de segurança e as ca- • 50 Traumatismos causados pelo trânsito: deiras para crianças. Os fatores ambien- são a causa de 1,3 milhões de mortes por tais são importantes também, entre eles, ano em todo o mundo (OMS 2008c), e dos o projeto das vias, espaço e infraestrutura traumatismos de até 50 milhões de pessoas para pedestres e ciclistas, limites de velo- (Pedenet al, 2004). O número de trauma- cidades e o cumprimento da legislação. O tismos causados pelo trânsito está cres- risco de traumatismos para os usuários de cendo junto com a motorização, principal- ônibus nos Estados Unidos é muito menor mente em países de baixa e média renda, que o risco para condutores de veículos onde ocorrem cerca de 90% de este tipo (Beck et al, 2017) e, por tanto, a redução de traumatismo. Esta é a primeira causa de do volume de trânsito e a velocidade mel- morte em pessoas entre 5 e 29 anos (OMS, hora a segurança viária consideravelmente. Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina Se continuar a atual tendência, em 2020 é provável que os traumatismos por acidentes de trânsito sejam a terceira causa, em ordem de importância, de perda de anos de vida, de acordo com o número de invalidez. Apenas nos Estados Unidos, o custo em vidas humanas dos acidentes de trânsito foi estimado em US$ 230 bilhões (OMS, 2004). 51 • Falta de atividade física: o sedentarismo atividade física (OMS 2009), o que resulta causa anualmente mais de 3 milhões de em um grande potencial dos sistemas de mortes no mundo, por doenças cardiovas- transporte. culares, diabetes do tipo 2 e alguns tipos de câncer; também é a causa das taxas cada 52 • Ruído: o ruído tem efeitos sobre a saúde vez maiores de obesidade e sobrepeso. em geral, causando desconforto, pertur- Numerosos estudos mostram que utilizar bações do sono também vinculadas aos ní- como meio de transporte diário a bicicleta veis de estresse e aumento da pressão arte- ou caminhada contribui consideravelmente rial. O maior estresse provocado pelo ruído a manter um bom estado de saúde. Estes incrementa o risco de doenças cardiovas- benefícios para a saúde foram observados culares e tem efeitos negativos sobre a saú- em cidades que ainda não estão dominadas de mental (Berglund et al., 2004, Moudon pelos automóveis (algumas cidades da Chi- 2009, Babisch W. 2008). As crianças que na) ou naquelas que reverteram essa pre- moravam em zonas altamente barulhentas, dominância em favor de sistemas de trans- por causa de ruídos de aviões, aprendem porte público que incluem as bicicletas e as a ler mais tarde, tem déficit de atenção e caminhadas para os deslocamentos diários níveis elevados de estresse (Haines et al, (países do norte europeu). Em Copenha- 2001). Os níveis de pressão sonora habi- gue e Xangai os estudos indicaram que as tuais (55-65 decibéis) provocam graves des- taxas de mortalidade anuais daqueles que confortos, interferem na comunicação oral andavam de bicicleta ou caminhavam re- e perturbam o sono. Os níveis de pressão gularmente eram de 30% a 40% inferiores sonora muito altos (65-75 decibéis) se as- aos que não adotavam um transporte ativo sociam com um leve aumento das doenças ou não realizavam exercício físico regular- cardiovasculares. Os efeitos do ruído sobre mente (Andersen et al, 2000; Mathews et a saúde se relacionam diretamente com os al, 2007). A OMS reporta 3 milhões de mor- espaços nos quais as pessoas se movem tes por ano em nível mundial devido a in- (como escolas, estádios, fábricas e residên- Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina • cias); especialmente durante à noite e finais to motorizado e oferecer um espaço para de semana, e lugares onde se amplificam a recreação das pessoas (Sarmiento et al., os ruídos (Dora C, 1999). 2010). Estresse, coesão social e acesso aos ser- Em resumo, os sistemas de transporte no viços e oportunidades de trabalho: os mundo, particularmente aqueles onde o eixo de danos a saúde e mortandade por causa das expansão do mercado privado de automóveis razões mencionadas é apenas uma parte são a causa de cerca de 7 milhões de mortes ao desta realidade sombria. Na verdade, é ne- ano. Dessas, 3,3 milhões estão atribuídas à con- cessário considerar ainda outros problemas taminação do ar; 1,3 milhões são por causa do ocasionados pelo transporte não sustentá- trânsito, e aproximadamente 2,5 milhões estão vel; entre eles, a depressão, o estresse e me- associadas ao sedentarismo. No quadro 3 estão nor coesão social. Por exemplo, associa-se representadas as projeções para 2020, ano em o grande volume de automóveis em alguns que as primeiras 5 causas de morte no mundo bairros com uma menor interação social (menos amigos e conhecidos no bairro) em comparação com os bairros onde o trânsito é menor (Appleyard, 1981). Além disso, o acesso limitado ou a falta de acesso ao transporte daqueles que vivem na pobreza cria obstáculos para acessar aos serviços públicos, manter contatos sociais e, inclusive, pode levar a perder oportunidades de trabalho (Gorham, 2002). O predomínio do automóvel no cenário urbano quase o con- estarão ligadas com as opções de transporte que escolhermos hoje. Desde uma perspectiva de saúde pública, o imperativo atual coincide com as metas de uma cidade sustentável. Ou seja, avançar rumo ao acesso universal à sistemas de transporte público de trânsito rápido, bem articulados com bons sistemas de ciclovias e espaços para pedestres, e políticas enérgicas para acalmar o trânsito. O verte em dono dos espaços públicos. Nas ideal seria que tais políticas se complementem cidades das Américas, entre 50% e 70% do com políticas urbanas que promovam a diver- espaço público construído está destinado sidade do uso do solo urbano, aproximando à ruas e estacionamentos para carros. Isso destinos e criando espaços públicos para os reduz a interação social e o uso das ruas cidadãos. pelos pedestres, crianças, pessoas de idade e ciclistas, e, de certa forma, explica as iniciativas da criação de ciclovias recreativas que consistem em fechar as ruas ao trânsi- 53 COMPROMISSO PROPOSTOS PARA A CÚPULA DE MOBILIDADE SUSTENTÁVEL: 1. Conseguir que as políticas de transporte e uso do solo sejam consistentes com a saúde pública e sejam formuladas com a participação das autoridades de Saúde Pública nacionais e a sociedade civil organizada. 2. Gerar informação e reportar anualmente sobre a qualidade do ar e emissões de gases de efeito estufa nas nossas cidades, incluindo os níveis de: material particulado <10 mícron, dióxido de sulfúreo, dióxido de nitrogênio e ozônio, seguindo os padrões da OMS. 3. Estabelecer políticas públicas eficazes para diminuir o trânsito de veículos, diminuindo os limites de velocidade em zonas urbanas a não mais do que 50 km/h e, em zonas escolares, a não mais de 30 km/h, investindo em infraestrutura favorável para caminhadas e uso da bicicleta. 4. Comprometer os estados para investir em sistemas de transporte público de massa, rápidos e eficientes, diminuindo o transporte individual em veículos motorizados e fomentando o transporte não motorizado, mais seguro, mais saudável e menos contaminante, o que impactará de maneira positiva a saúde, segurança e convivência cidadã. Referências Appleyard, Donald, M. Sue Gerson, y Mark Lintell. (1981). Livable Streets. Berkeley, Calif; University of California Press. Babisch W. Road traffic noise and cardiovascular risk. Noise Health 2008;10(38):27-33. Se puede encontrar en: http:// www.noiseandhealth.org/text.asp?2008/10/38/27/39005. Dora C, Hosking J, Mudu P. OMS y GIZ. Transporte Urbano y Salud. Transporte sostenible: Texto de referencia para formuladores de políticas públicas de ciudades en desarrollo. Ginebra: OMS; 2011. Se puede encontrar en: http://www. who.int/hia/green_economy/giz_transport_sp.pdf. Reino Unido, Improving the health of Londoners: transport action plan. Se puede encontrar en: https://www.tfl.gov.uk/ cdn/static/cms/documents/improving-the-health-of-londoners-transport-action-plan.pdf. Olga Sarmiento, Andrea Torres, Enrique Jacoby, Michael Pratt, Thomas L. Schmid, y Gonzalo Stierling. The CiclovíaRecreativa: A Mass-Recreational Program With Public Health Potential. Journal of Physical Activity and Health 2010;7:S163-S180. Se puede encontrar en: http://cicloviarecreativa.uniandes.edu.co/english/advocacy/anexos/The_ Ciclovia-Recreativa_A_Mass-Recreational_Program.pdf. Peden M, Sminkey L. World Health Organization dedicates World health day to road safety. Injury prevention 2004;10:67. Se puede encontrar en: http://injuryprevention.bmj.com/content/10/2/67.full.pdf+html. OMS. Informe mundial sobre prevención de los traumatismos causados por el tránsito. Ginebra: OMS; 2004. Se puede encontrar en: http://www.who.int/violence_injury_prevention/publications/road_traffic/world_report/es/. OMS, Global status report on road safety: supporting a decade of action. Geneva: OMS; 2013 Villaveces, A. y Rodrigues, E.M.S. Defensa del transporte público seguro y saludable; fomento de la participación del sector sanitario en un marco multisectorial. Washington, D.C.: Organización Panamericana de Salud; 2009. 54 Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina Contribuições de Especialistas: Documentos Técnicos Tema 1: Mobilidade Urbana como um direito social e determinante da qualidade de vida urbana. João Alencar Oliveira Júnior Nick Tyler Tema 2: Estruturação institucional e corporativa para mobilidade futura. Gloria Hutt Carlos Cristóbal Pinto Patricio Pérez Tema 3: Financiamento de sistemas integrados multimodais de alta qualidade para todos. Gerhard Menckhoff Mario Córdova Tema 4: Integrado público urbano e qualidade como estruturar Cidades Sustentáveis Transportes. Paulo Custodio Salvador Herrera Juan Tapia Tema 5: Mobilidade cidades competitivas. Otávio Vieira Cunha Filho Andre Dantas Viviana Tobón Tema 6: Mobilidade como um determinante crucial da saúde urbana: a segurança rodoviária, a qualidade do ar e da atividade física. Enrique Jacoby Eugenia Maria Rodrigues Munkhchuluum Ulzibayar Tema 7: Transporte limpo e mudança climática: mitigação e adaptação. Posição para a COP20 Lima. Adalberto Maluf Jon Bickel Tema 8: A participação da comunidade para garantir a qualidade dos serviços. Lake Sagaris Tema 9: Os recursos humanos necessários para a nova mobilidade. Juan Carlos Muñoz Brittany Montgomery Tema 10: Tecnologias inovadoras com foco na qualidade do serviço para os usuários. Claudio Varano Concepção, coordenação, compilação, revisão e edição. Luis Gutiérrez André Jacobsen 55 SIBRT “Por uma mobilidade urbana de alta qualidade para todos” 56 26 cidades de 10 países 26 milhões de passageiros diários 850 km de corredores exclusivos 38,000 ônibus Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina A Associação Latino Americana de Sistemas In- Graças a um trabalho perseverante, transpa- tegrados e BRT – SIBRT – integra os sistemas mais rente e responsável, a SIBRT se converteu em uma avançados de transporte público e trabalha pelo entidade autônoma e autofinanciada, que não desenvolvimento e melhoria contínua da qualidade depende de fontes filantrópicas, e é reconhecida do transporte público e da mobilidade das cidades mundialmente por sua capacidade de resposta às na região. demandas da mobilidade urbana na América Latina. A SIBRT foi constituída em Curitiba em abril de 2010 por iniciativa dos órgãos gestores do transporte público, e hoje é vista como a melhor alternativa de união para prestar colaboração mútua e intercâmbio de experiências e melhores práticas. Atualmente a SIBRT conta com 26 órgãos gestores associados, de 10 países. Integra, além disso, como associados aderentes, a 18 representantes A SIBRT teve um papel fundamental na realização exitosa da Primeira Cúpula de Cidades Líderes de Mobilidade Urbana Sustentável – MUSAL, que foi realizada em Lima, no dia 8 de agosto de 2014. O seu Presidente Honorário, Jaime Lerner, foi responsável por uma convocatória pioneira. Os associados de Lima, Curitiba e Cidade do México apoiaram a estruturação do Comitê de Iniciativa que se formou com os prefeitos das três cidades. A Associação também liderou a formulação e o processo de consulta da da indústria e operadores privados, possibilitando Declaração de Lima entre as cidades, contando com um trabalho de cooperação entre todos os atores o apoio de especialistas reconhecidos internacional- responsáveis por entregar um serviço de transporte mente que elaboraram os textos iniciais e revisaram público de alta qualidade para todos. suas distintas versões. Todos os associados apoiaram para que a participação das cidades fosse realmente Até a presente data, a SIBRT realizou quatro representativa. A experiência na logística deste tipo congressos, cinco assembleias gerais e dezenas de eventos contribuiu substantivamente para a reali- de workshops e encontros técnicos. O trabalho zação impecável dos eventos de Lima. atual está focado em dois temas principais: (i) desenvolvimento de um modelo de qualidade para os sistemas de transporte público, pensando em Em reconhecimento por este trabalho, hoje a SIBRT exerce o papel de Secretaria Executiva da MUSAL, encarregada de facilitar a realização dos com- um serviço integrado, multimodal, com soluções promissos assumidos em Lima pelas máximas auto- para garantir o acesso de todas as pessoas, e ridades municipais e, desta maneira, ajudar a articular (ii) promover políticas públicas que consideram as vontades políticas para que as pessoas da América arranjos institucionais sólidos e atribuição ade- Latina desfrutem de maior qualidade de vida, equi- quada de recursos financeiros para uma efetiva dade, saúde e de uma vida feliz nos ambientes urba- transformação e modernização da mobilidade nos, a partir do reconhecimento do princípio de que urbana que priorize as pessoas. a mobilidade urbana é um direito social fundamental. www.sibrtonline.org 57 A deputada Laura Ballesteros Mancilla, da Assembleia Legislativa do Distrito Federal do México, assinou a Declaração de Lima, na qualidade de testemunha, como expressa a sua carta apresentada abaixo. Laura Ballesteros, integrante da Comissão de Mobilidade, Transporte e Viabilidade foi peça chave na formulação da Lei de Mobilidade do México D.F. (promulgada em julho de 2014) que contem definições políticas e estratégicas de alta similaridade com as propostas deste Livro Branco. “Muitos dos avanços que realizamos na Cidade do México estão inspirados nessas experiências de sucesso na América Latina e que são o espírito da Declaração de Lima”, Laura Ballesteros – Deputada – México D.F. Declaração de Lima: Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina Edição Equipe da Secretaria Geral da SIBRT Primeira edição, 2014 Direitos Reservados © Cúpula de Cidades Líderes em Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina – MUSAL Endereço: Bandera 46 - Santiago - Chile É permitida a reprodução parcial ou total deste documento desde que sejam dados os créditos a Cúpula de Cidades Líderes em Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina – MUSAL www.musalonline.org ISBN 978-958-58750-0-5 Fotografías Asociación Latinoamericana de Sistemas Integrados y BRT – SIBRT Urbanização Curitiba S.A. – URBS Metrocali – MIO - Cali Transmilenio S.A. – Bogotá Gobierno Regional Metropolitano de Santiago Directório de Transporte Público Metropolitano - DTPM – Santiago de Chile Instituto Metropolitano Protransporte de Lima Metrobús Ciudad de México Fábio Arantes/Secom – Prefeitura de São Paulo Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires - Plan de Movilidad Sustentable Gobierno Autonomo Municipal de La Paz Rio Ônibus – Rio de Janeiro J.P.Engelbrecht – Prefeitura do Rio de Janeiro Cristian Borquez http://www.cedeus.cl http://www.jornalggn.com.br Http://www.eureconsulting.com Desenho e Diagramação Gloria Contreras Barreto scmfs – Sergio Martínez Acosta Impressão Miguel Anonio Tellez Rodriguez www.musalonline.org