evangelho do dia e homilia - Padre Lucas Peregrinações

Transcrição

evangelho do dia e homilia - Padre Lucas Peregrinações
EVANGELHO DO DIA E HOMILIA
(LECTIO DIVINA)
REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM
QUARESMA
Meu coração disse: Senhor, buscarei a vossa face. É vossa face, Senhor, que eu
procuro. Não desvieis de mim o vosso rosto. (do salmo 26)
Este é o dia que o Senhor fez, dia de júbilo e de alegria. Daí graças ao Senhor,
pois ele é bom, porque eterno é o seu amor. (do salmo 117)
COMO É REALMENTE A HISTÓRIA DA QUARESMA
ORAÇÃO PARA O MÊS DE FEVEREIRO
Senhor Deus, grande e bom, de joelhos e em oração, queremos estar com
Maria, nossa querida mãe, em sua casinha de Nazaré, à espera do Anjo da
Anunciação. Nazaré, à espera do Anjo da Anunciação. Permiti que chamemos
São José e todas as pessoas para este momento único da história humana.
Juntos, em ação de graças, queremos ouvir vosso convite para que ela seja a
mãe de Jesus e conhecer vossa promessa de que Ele será nosso Salvador.
Purificai nossas almas e inundai de alegria nossos espíritos neste mês bemaventurado de março, em que o céu se inclina sobre a terra e uma mulher diz
sim a voz, nosso Deus. De agora em diante, o mundo é a vossa morada e o céu
é o nosso destino. Vosso Espírito Santo é a força da nossa vida e Jesus é o
bendito fruto das nossas entranhas. Amém.
PUXANDO A CONVERSA: A QUARESMA
Quaresma, uma vez mais. Tempo forte na caminhada do ano eclesiástico.
Convite e apelo para. o silêncio, a prece, a conversão. E quando se fala em
quaresma, geralmente a gente tem uma idéia de uma coisa negativa, como
antigamente. Tempo de medo, de cachorro zangado, de mula sem cabeça e
outras coisas mais.
Para outros a quaresma parece superada pelo modernismo e é hoje apenas uma
recordação negativa do passado ou um retrato na parede, simplesmente.
Penso, para nós cristãos é o tempo de conversão, de mudança de vida, de
acolher com mais amor a misericórdia de Deus que nos quer perdoar. E é
também o tempo onde as comunidades se preparam para viver o mistério da
páscoa. Isto é, tempo da hora de Jesus Cristo do seu seguimento em que ele
caminha em direção da sua hora que é a entrega total da sua vida a Deus
pelos homens, seus irmãos.
A quaresma é para cada um de nós um tempo de oração e de conversão.
Tempo de crescer em comunhão com todos os homens, principalmente com os
mais pobres e necessitados. Eles nos lembram o rosto sofrido de Jesus e nos
convidam a viver com mais fidelidade a caridade, o amor fraterno, que o
Evangelho exige de nós.:
QUARESMA: “CONVERTER-SE E CRER NO EVANGELHO”
Mais uma vez estamos começando a quaresma. Vamos apenas repeti-la e ficar
onde estamos? Ou vamos descobrir algo novo e progredir na vida? Desde
antigamente, a Igreja nos prepara para a Páscoa com esse período de 40 dias.
O número não foi escolhido à-toa. Desde a tradição do livro do Êxodo (Ex
16,35), considera-se que o povo de Deus passou 40 anos no deserto antes de
chegar à terra prometida, à liberdade.
No Evangelho de São Marcos 1-13 Jesus passa 40 dias no deserto. E aí supera a
tentação de satanás, aquela que Adão, o Homem, não conseguiu superar. Isso
significa que Jesus passou pela aprovação e saiu vitorioso. Mas o que tem isso a
ver conosco hoje? Que luz isso trás para nossa luta de todos os dias?
O DESTINO OU O PARAISO?
Jesus nos indica o ponto de chegada, a direção em que devemos caminhar. Ele
que, no deserto, vencido Satanás, “vivia entre as feras e os anjos o serviam” é o
novo Adão. É o homem no paraíso. É a nova humanidade, realizada, em paz
com Deus e com a natureza. Essa mensagem de paz diga-se de passagem,
aparece também no livro do Gênese 9,8-15, quando se diz que Deus pendurou o
seu arco de guerra e fez a paz com os homens. E o arco de Deus se tornou o
arco Íris, que pôs fim ao dilúvio, ao castigo.
COMO CHEGAR LÁ?
Uma pista nos vem do antigo povo de Deus, aquele que caminhou por 40 anos
no deserto. À sua frente ia Moisés. Este povo é parecido conosco. Nossas
provações, nossa luta, não duram 40 dias, mas 40 anos ou mais!
Nós estamos sempre a caminho, no deserto, na esperança de chegar. De
Moisés, os rabinos contavam uma história curiosa.
Diziam que ele viveu 120 anos, e teve 3 longas provações de 40 anos na vida.
A 1ª foi no Egito: 40 anos de aprendizagem, de experiência, de educação.
Aprendeu a viver, a sentir os dramas do povo, a descobrir a solidariedade.
Achou que deveria lutar pelo seu povo. Revoltou-se contra a opressão dos
egípcios. Mas... Ninguém o seguiu. Aí a decepção, a fuga para Madiã, outros 40
anos curtindo sua decepção e reconquistando aos poucos a confiança, as forças,
a maturidade.
Enfim, superada também esta 2ª provação, Deus o chamou para guiar o seu
povo, durante 40 anos, na saída do Egito, no caminho da libertação.
A história de Moisés nos diz que há etapas e provações diferentes na vida. Cada
um, - jovem, adulto, mais velho - tem a sua etapa a vencer, a sua caminhada.
Nesta quaresma, qual é o passo que eu devo dar?
OS PRÓXIMOS PASSSOS
Não devemos, porém, olhar só para a nossa situação pessoal. O
amadurecimento de Moisés é exatamente esse: Passar de sua percepção ainda
ingênua das coisas para uma visão lúcida da vontade de Deus e das
necessidades de seu povo.
Viver a quaresma, é antes de tudo lutar contra tudo que nos separa.
A tentação é sossegar diante dos problemas.
Superar a provação, vencer a batalha contra o mal. Não é “apenas isso”, mas
nesta luta é que estamos continuando a luta contra satanás, continuando a
caminhada do povo junto à libertação, realizando a nova humanidade.
Certamente, a outros passos a dar.
CAMINHADA OU TRAVESSIA
A primeira carta de São Pedro 3,18-22 compara a nossa provação a uma
passagem pelas águas. Não uma caminhada, mas uma travessia! Algo como
aconteceu a Noé, que foi salvo pela arca. Mas agora o nosso barco é outro.
É a cruz de Cristo. Nele embarcamos com o batismo. O batismo não é um ponto
de chegada. É um compromisso de seguir o Evangelho, a cruz de Jesus.
E é ao mesmo tempo a garantia de que esse barco realmente pode nos conduzir
ao porto seguro, ao lugar certo.
SÍMBOLOS DA QUARESMA
Conheça os símbolos da quaresma e seu significado: cinza, deserto, 40
dias, jejum.
A CINZA
É o resíduo da combustão pelo fogo das coisas ou das pessoas. Este símbolo já
se usa na primeira página da Bíblia quando nos conta que "Deus formou o
homem com o pó da terra" (Gen 2,7). Isso é o que significa o nome de "Adão".
E se lhe recorda em seguida que esse é precisamente seu fim: "até que voltes à
terra, pois dela foste criado" (Gn 3,19).
Por extensão, pois, representa a consciência do nada, da nulidade da criatura
com respeito ao Criador, segundo as palavras de Abraão: "Embora sou pó e
cinza, me atrevo a falar ao meu Senhor" (Gn 18,27).
Isto leva a todos a assumir uma atitude de humildade ("humildade" vem de
húmus, "terra"): "pó e cinza são os homens", "todos caminham para uma
mesma meta: todos saem do pó e todos voltam ao pó", "todos expiram e ao pó
retornam". Por tanto, a cinza significa também o sofrimento, o luto, o
arrependimento. Em Jó (Jó 42,6) é explicitamente sinal de dor e de penitência.
Daqui se desprendeu o costume, por largo tempo conservado nos monastérios,
de estender os moribundos no solo coberto com cinza posta em forma de cruz.
A cinza se mescla as vezes com os alimentos dos ascetas e a cinza abençoada se
utiliza em ritos como a consagração de uma igreja, etc.
O costume atual de que todos os fiéis recebam em sua frente ou em sua cabeça
o sinal da cinza ao começo da Quaresma não é muito antigo.
Nos primeiros séculos se expressou com este gesto o caminho Quaresmal dos
"penitentes", ou seja, do grupo de pecadores que queriam receber a
reconciliação ao final da Quaresma, a Sexta-feira Santa, as portas da Páscoa.
Vestidos com hábito penitencial e com a cinza que eles mesmos se impõem na
cabeça, se apresentavam ante a comunidade e expressavam assim sua
conversão.
No século XI, desaparecida já instituição dos penitentes como grupo, se viu que
o gesto da cinza era bom para todos, e assim, ao começo deste período
litúrgico, este rito que começou a realizar para todos os cristãos, de modo que
toda a comunidade se reconhecia pecadora, disposta a aprender o caminho da
conversão Quaresmal.
Na última reforma litúrgica se reorganiza o rito da imposição da cinza de um
modo mais expressivo e pedagógico. Já não se realiza ao princípio da celebração
ou independentemente dela, sendo depois das leituras bíblicas e da homilia.
Assim a Palavra de Deus, que nos envia esse dia à conversão, é a que da
conteúdo e sentido ao gesto.
Além do mais, se pode fazer a imposição das cinzas fora da Eucaristia - nas
comunidades que não têm sacerdote -, mas sempre no contexto da escuta da
Palavra.
O DESERTO
Geograficamente falando, é um lugar despovoado, árido, só, inabitado,
caracterizado pela escassez de vegetação e pela falta de água.
É o lugar onde transcorre o jejum, considerado como solidão exterior e interior,
para levar, ao que nele se interna, par a união com Deus.
Os textos bíblicos em que se fundamenta esta afirmação são os quarenta dias de
Moisés sem comer nem beber no monte Sinai para receber a Lei (Ex 24, 12-18;
34) e os quarenta dias de Elias (1 Re 19,3-8).
Elias vive a dureza do deserto reconfortado pela comida e bebida misteriosa, e
recorre seu caminho superando o declínio dos israelitas nos quarenta anos de
marcha para a terra prometida. Se trata, em todos os casos, de homens
marcados pela visão de Deus ao final do dito caminho.
Estas narrações nos ajudam a entender o sentido dos quarenta dias de deserto
de Cristo (Primeiro Domingo de Quaresma), vivido como experiência da tentação
e encontro íntimo com o Pai, mas, também, como preparação a seu ministério
público.
Para a Bíblia, o deserto é, também, uma época de oração intensa. É o lugar do
sofrimento purificador e da reflexão. Embora também e uma graça que pode ser
rejeitada.
O jejum de Moisés contrasta com a rejeição dos quarenta anos de deserto por
parte do povo. Os quarenta dias de Moisés são o refazer um caminho de
fidelidade que o povo não soube andar, assim como os de Cristo o são para a
prova que o Espírito Santo permitia ao tentador (Mt 4, 1).
O deserto é a geografia concreta, o espaço e o tempo da união com Deus. Por
isso Oséias (Os 2, 16-17) o propõe como o lugar propício para captar sua
mensagem espiritual, igual o que faz a Igreja com seus filhos na Quaresma.
Muitas vezes em nossa vida cotidiana nós rejeitamos esses espaços de silêncio e
solidão porque temos medo de nos encontramos com nós mesmos e com Deus e
descobrir que longe estamos de seu projeto sobre nós. Por isso, o " deserto"
requer coragem dos humildes, dos que não têm medo de começar novamente...
OS QUARENTA DIAS
A organização Quaresmal é um tempo simbólico que faz suas raízes no Antigo e
no Novo Testamento. Os quarenta dias de Moisés e de Elias ou os quarenta anos
do Povo eleito no deserto não são referências secundárias. A tradição judeucristã tem visto neste número um determinado significado. Provavelmente a
idéia mais antiga seja a referência aos anos de deserto vistos como um tempo
associado ao castigo de Deus (cf. Nm 14,34; Gn 7,4. 12. 17; Ez 4,6; 29, 11-13).
Em Deuteronômio aparece uma interpretação dos quarenta anos como o tempo
da prova à que Deus somente ao povo (Dt 2,7; 8,2-4). São os dias do
crescimento da fé, segundo o Salmo 94, 10. Para os Atos dos Apóstolos, o
número quarenta continua sendo simbólico. Lucas divide a vida de Moisés em
três períodos de quarenta anos (At 7,23 e 7,30); faz referência aos quarenta
anos do reinado de Saul (At 13,21); e aos quarenta dias da Ascensão(Atos 1, 3).
Estes quarenta dias poderiam, então, considerar-se como esse "hoje" do que
fala a Carta aos Hebreus ao referir-se ao Sal 94, como esse "tempo propício"
para escutar a voz de Deus e não endurecer o coração.
Em efeito, nossa relação com Deus necessita não só de um "espaço" adequado
(o deserto como lugar de silêncio), sendo também de um "tempo" oportuno e
concreto, "suficiente" para escutar, através de nossa consciência, sua voz de Pai
que corrige e consola.
EVANGELHO DO DIA E HOMILIA
(LECTIO DIVINA)
REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM
I Domingo da Quaresma -ANO C
AS TENTAÇÕES NO DESERTO
Estamos entrando na Quaresma, esses quarenta dias de oração e penitência
com que a Igreja nos prepara para a solene celebração da Páscoa. Quarenta era
um número particularmente significativo no mundo bíblico. O dilúvio durou
quarenta dias e quarenta noites. O povo hebreu viveu quarenta anos de vida
nômade no deserto. Moisés passou quarenta dias junto de Deus no Sinai. Mas,
sobretudo, Jesus passou quarenta dias de jejum no deserto, o que inspirou o
estabelecer-se na Igreja destes quarenta dias de penitência da Quaresma. O
deserto de que se fala aqui não é um deserto de areia, como o Saara. É uma
região pedregosa, árida e inculta, onde apenas na primavera uma escassa
vegetação dá uns sinais de vida. Trata-se do deserto de Judá e, segundo a
tradição, da elevação chamada Djebel-Qarantal, não longe de Jericó. Aí se
estabeleceram monges desde o século IV. Hoje está em mãos dos cristãos
ortodoxos.
É sempre muito misterioso pensarem Jesus submetido às tentações do demônio.
Ele o Santo, Ele o impecável, Ele que jamais poderia sucumbir à tentação! A
carta aos hebreus diz que "tendo Ele mesmo sofrido pela tentação, é capaz de
socorrer os que são tentados" (Hb 2, 18). Uma vez que Ele se fez em tudo igual
a nós, exceto no pecado. Há proveitosas reflexões de comentadores do
Evangelho e de mestres espirituais, que nos mostram como Jesus passou pelas
várias espécies de tentação por que nós passamos, resumidas na gula, na
soberba e na avareza. E nos mostrou como é na força da Palavra de Deus que
encontramos o meio de resistir às tentações. O nosso Padre Vieira disse
elegantemente: "Permitiu pois Cristo Senhor Nosso ser tentado do demônio
hoje, não para se honrar com a vitória ( que era pequeno triunfo) mas para nos
ensinar a vencer com seu exemplo" (Sermão do I Domingo da Quaresma).
Mas, segundo as mais ponderadas considerações dos estudiosos, as tentações
visavam o messianismo de Jesus. O demônio queria tirar a dúvida se Ele era
realmente o Messias. E queria desencaminhá-Io da idéia de um Messias
sofredor, destinado à morte, como está nas profecias de Isaías, e levá-Io para a
idéia de um Messias político e triunfador. São três desafios -"se és o Filho de
Deus" - iguais ao que vai aparecer no dia da crucifixão: "Se és o Filho de Deus,
desce da cruz" (Mt27, 40). E, como só podia ser, Jesus resistiu a tudo com
divina sabedoria.
Primeiro, foi a tentação de satisfazer a fome. Jesus tinha jejuado quarenta dias e
quarenta noites (não como os muçulmanos no mês de Ramadan, que jejuam de
dia, mas comem durante a noite). Teve fome. Na frente estavam as pedras
daquele lugar selvagem. O demônio se aproximou e lançou a tentadora
insinuação: "Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em
pães".
E Jesus, prontamente, respondeu: "Está escrito: não só de pão vive o homem,
mas de toda palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4, 4). O demônio, então, o
arrebata até Jerusalém e o coloca sobre o pináculo do Templo. E lhe diz: "Se és
Filho de Deus, atira-te daqui abaixo, porque está escrito: 'Dará ordem aos seus
anjos a teu respeito, a fim de que te guardem'. E também: 'Hão de te levar em
suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra' " (Lc4, 3-4). E a resposta
de Jesus foi mais do que pronta: "Foi dito: 'Não tentarás ao Senhor teu Deus' "
(Ibid. , v 12). Deus pode fazer milagres, e os faz, porém nunca para satisfazer à
vaidade de alguém. Ele os faz, quando assim o determina sua santíssima
vontade. E veio a terceira tentação ( em Lucas está em segundo lugar).
Por não se sabe qual prodígio de fantasmagoria, o demônio levou Cristo ao cimo
de um altíssimo monte, donde se viam todos os reinos do mundo, com todo o
seu esplendor. E lhe disse: "Tudo isso te darei, se prostrado me adorares". Foi
quando Jesus respondeu com vibrante energia: "Vai-te, Satanás, porque está
escrito: 'Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto' " (Mt 4, 8-10).
Três ataques! Três vitórias! Tudo pela força da Palavra de Deus!
O demônio então se retirou. E os anjos do céu se aproximaram de Jesus para
servi-lo (Mt 4, 11).
LEITURAS do I Domingo da Quaresma - Ano C:
1a) Dt 26, 4-10
2a) Rm 10, 8-13
3a) Lc 4, 1-13
EVANGELHO DO DIA E HOMILIA
(LECTIO DIVINA)
REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM
PRIMEIRO DOMINGO DE QUARESMA - Lucas 4,1-13.
"Você adorará o Senhor seu Deus e somente a Ele servirá"
Os relatos das tentações procuram expressar uma experiência mística de Jesus,
e então não devem ser interpretados ao pé da letra, duma maneira
fundamentalista!
Uma coisa já chama a atenção - as tentações vêm logo após o batismo de Jesus!
O batismo significava o assumir público da sua missão, por parte de Jesus. Logo
após este compromisso, ele tem que enfrentar as tentações. Aqui a experiência
de Jesus é como a nossa própria - nós temos compromisso com o projeto de
Deus, mas entre o nosso compromisso e a prática dele, existem muitas
tentações!!
O texto diz que Jesus estava "repleto do Espírito Santo", uma frase somente
usada em outras três ocasiões no Novo Testamento: Atos 6,5 e 7,55 (Estêvão) e
11,24 (para Barnabé). Jesus é o modelo para cristãos que sofrem pressões!
Também o texto sublinha que ele era "conduzido pelo Espírito através do
deserto". O Espírito Santo não conduz Jesus à tentação, mas é a força
sustentadora dele, durante as suas tentações. E como o Espírito dava força a
Jesus, Lucas quer ensinar às suas comunidades que elas também poderão
contar com este apoio do Espírito Santo nos momentos difíceis da vivência da
sua fé!
Podemos reconhecer nas tentações as mesmas que nós, individualmente e
comunitariamente enfrentamos na nossa caminhada da fé hoje! Vejamos:
Primeiro, Jesus é tentado para mandar que uma pedra se tornasse pão.
Podemos ver aqui a tentação do "prazer"- logo que enfrenta sofrimento por
causa da sua ascese, Jesus é tentado a escapar dele! Uma tentação das mais
comuns hoje, num mundo que prega a satisfação imediata dos nossos desejos,
numa sociedade que cria necessidades falsas através de sofisticadas campanhas
de propaganda. Uma sociedade de individualismo, onde a regra é "se quiser,
faça!", uma sociedade onde sacrifício, doação e solidariedade são considerados
como ladainha dos perdedores! E a resposta de Jesus é contundente: "Não só de
pão vive o homem".( v. 4).
O homem vive de pão certamente, mas não só! Jesus não é nenhum
masoquista, contra o necessário para viver dignamente. Mas salienta muito bem
que não é somente a posse de bens que traz a felicidade, mas a busca de
valores mais profundas, como a justiça, a partilha, a doação, a solidariedade
com os sofredores. Não faz nenhum contraste falso entre bens materiais e
espirituais - precisa de ambos para que se tenha a vida plena! Nesta frase,
Jesus desautoriza tanto os que buscam a sua felicidade na simples posse de
bens como os que dispensam a luta pelo pão de cada dia para todos!
A segunda tentação pode ser visto como a de "ter". De novo algo muito atual!
Nós vivemos na sociedade pós-moderna da globalização do mercado, do neoliberalismo, do evangelho do mercado livre. Diariamente a televisão traz para
dentro das nossas casas a mensagem de que é necessário "ter mais", e que não
importa "ser mais"! E como sempre, a tentação vem em forma atraente - até a
Igreja pode cair na tentação de achar que a simples posse de bens, que podem
ser usados em favor da missão, garantirá uma pregação mais evangélica.
Somos tentados a não acreditar na força dos pobres, de não seguir o caminho
do carpinteiro de Nazaré. Jesus também teve que enfrentar esta tentação - ele
que veio para ser pobre com os pobres, para mostrar o Deus que opta
preferencialmente pelos pobres, é tentado a confiar nas riquezas! Para o diabo e para o nosso mundo que idoliza o bem-estar material e o lucro, mesmo às
custas da justiça social, Jesus afirma: "Você adorará o Senhor seu Deus, e
somente a ele servirá"( v. 8).
A terceira tentação podemos entender como a do "poder". Uma tentação
permanente na história das Igrejas e dos cristãos. Quantas vezes as Igrejas
confiavam mais no poder secular do que na fragilidade da cruz, para
"evangelizar". Quanta aliança entre a cruz e a espada - a América Latina que o
diga! E ainda hoje todos nós enfrentamos esta tentação - não de ter poder para
servir, mas de confiar no poder aparente deste mundo, mais do que na fraqueza
aparente de Deus, assim contradizendo o que Paulo afirmava com toda força: "A
fraqueza de Deus é mais forte do que os homens"( 1 Cor 1,25)
E ainda: "Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é
forte ("(1 Cor 1,27). Jesus, que veio para servir e não para ser servido, que veio
como o Servo Sofredor e não como dominador, teve que clarear a sua vocação e
despachar o diabo com a frase: "Não tentarás o Senhor seu Deus". Realmente,
podemos nos encontrar nas tentações de Jesus! São as tentações do mundo
moderno - o ter, o poder e o prazer! Todas coisas boas em si, quando bem
utilizadas conforme a vontade de Deus, mas altamente destrutivas quando
tomam o lugar de Deus em nossas vidas!. Jesus teve que enfrentar o que nós
enfrentamos - o "diabo" que está dentro de nós, o tentador que procura nos
desviar da nossa vocação de discípulos. E o trecho de hoje nos coloca diante da
orientação básica para quem quer vencer: "Você adorará o Senhor seu Deus, e
somente a ele servirá"( v.8)
LEITURAS do I Domingo da Quaresma - Ano C:
1a) Dt 26, 4-10
2a) Rm 10, 8-13
3a) Lc 4, 1-13