Contributo do ambiente gráfico de programação Scratch em
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Contributo do ambiente gráfico de programação Scratch em
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO Recuperar o engenho a partir da necessidade, com recurso às tecnologias educativas: Contributo do ambiente gráfico de programação Scratch em contexto formal de aprendizagem. Maria Teresa Pinheiro Martinho Marques CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO Área de Especialização em Tecnologias Educativas 2009 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO Recuperar o engenho a partir da necessidade, com recurso às tecnologias educativas: Contributo do ambiente gráfico de programação Scratch em contexto formal de aprendizagem. Maria Teresa Pinheiro Martinho Marques CICLO DE ESTUDOS CONDUCENTE AO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO Área de Especialização em Tecnologias Educativas Dissertação orientada pela Professora Doutora Guilhermina Lobato Miranda 2009 II III AGRADECIMENTOS Quem foram os responsáveis por ter conseguido levar a bom termo esta viagem? Guilhermina Miranda – a orientação que me enriqueceu, a confiança crítica e o respeito pelas minhas escolhas, o entusiasmo colocado em eventos de partilha e divulgação do Scratch, as preciosas sugestões de leitura. A Família – apoio e infinita paciência com que suportou as ausências prolongadas. Fernando Marques, Eduardo Martinho, Fernando Frederico, José Matias Alves – imprescindíveis, incansáveis, presentes em todas as horas. Fausto de Carvalho, Fernando Costa, Joaquim Lopes, Noémia Romão, Margarida Marques, José Duarte, João Torres, Teresa Pombo, Idalina Jorge – apoio precioso. Os meus parceiros do curso de mestrado – estímulo, reflexão, palavras amigas. A equipa do Lifelong Kindergarten Group - Media Laboratory do Massachusetts Institute of Technology (destacando Mitchel Resnick, Evelyn Eastmond e Andrés Monroy-Hernández). Kylie A. Peppler (Assistant Professor - Learning Sciences Program - Indiana University, Bloomington) - pela resposta pronta aos meus pedidos de esclarecimento sobre o seu trabalho e estudos e pelo apoio e presença em momentos fundamentais. Seymour Papert, construtor de sonhos, que inspira o meu caminho desde os anos 80. O meu rumo foi ditado pelas palavras inspiradoras de um Homem muito à frente do seu tempo. Sem ele eu não teria feito o caminho que, ao longo dos anos, me trouxe até aqui. Uma palavra muito terna, a mais especial de todas, para os meus alunos, pelo estímulo, pelo carinho, pelo empenho, pelo sentido crítico, pela confiança, pelo entusiasmo, pelo apoio e disponibilidade, pela honestidade, pela alegria inesgotável. Eles foram os mais próximos e constantes companheiros de viagem e aventura, aqueles que mais me ajudaram a encontrar algumas das respostas que procurava. Foram os meus mais atentos e espontâneos professores. A todos os meus alunos do quinto e sexto anos (e respectivas famílias): muito obrigada! Agradeço aos colegas que me permitiram a recolha de informação junto dos seus alunos e aos órgãos de gestão da Escola, onde foi realizado o estudo, a autorização para o desenvolver e a disponibilização da consulta de documentos. IV V RESUMO A motivação para realizar este estudo nasceu da percepção generalizada de que os jovens parecem ser cada vez mais consumidores passivos, pouco autónomos e menos motivados intrinsecamente para a aprendizagem em contexto escolar. A necessidade que gera o engenho, a imaginação e a criatividade perdem-se para muitos ao longo do percurso escolar de 12 anos. Como consequência, os alunos não desenvolvem competências de nível superior que lhes permitam transformar-se em cidadãos críticos, criadores e construtores. Constatando a relação fácil e próxima que os jovens tendem a estabelecer com as tecnologias da informação e comunicação (TIC), bem como a ainda deficiente utilização das TIC ao serviço das aprendizagens escolares, é pertinente investigar a utilização de ferramentas de aprendizagem recentes (e.g. Scratch) na concepção de ambientes de aprendizagem estimulantes e motivadores onde o aluno tenha um papel activo. O Scratch é um ambiente gráfico de programação, que permite trabalho com media diversificados tornando fácil a criação de animações, jogos... e a sua partilha na Internet. Foi concebido no Massachusetts Institute of Technology como resposta ao problema do distanciamento entre a evolução tecnológica no mundo e a fluência tecnológica dos cidadãos e os seus criadores crêem que poderá contribuir para o desenvolvimento de competências para o século XXI, tornando os jovens criadores e inventores e, ainda, compreender a eficácia e inovação das TIC na educação matemática. Com este estudo pretendi observar, descrever e analisar o contributo do Scratch, em contexto escolar, na recuperação da necessidade criadora de agir, na promoção da motivação para desenvolver o engenho (e.g. na identificação, formulação e resolução de problemas), e na abordagem flexível do currículo de Matemática. As questões de investigação centraram-se na caracterização do ambiente de aprendizagem, consequências do trabalho desenvolvido e constrangimentos à acção. O estudo, predominantemente qualitativo, consistiu numa investigação-acção suportada num plano de métodos mistos. Fez-se uma descrição densa, com recurso a diferentes pontos de observação, incluindo pré- e pós-teste, e follow up. O estudo sugere que o Scratch tem o potencial esperado pelos seus criadores. Todavia, a progressão na programação, e utilização do Scratch de forma mais autónoma, consistente e persistente, parecem estar muito dependentes do tipo e regularidade da mediação do Professor, da continuada imersão no ambiente de aprendizagem, do trabalho com pares e dos constrangimentos colocados pelo modus operandis da Escola. Talvez o principal resultado deste estudo seja que as crianças deviam “começar do zero” com o Scratch (no pré-escolar), procurando desenvolver a motivação para a criação antes da motivação para o consumo. VI VII ABSTRACT The motivation to carry out this study stemmed from the generalized perception that nowadays youth seems to be more and more passive consumers, little autonomous and less motivated intrinsically for learning at school. The need that is the mother of invention, the imagination and the creativity all vanish in most pupils along 12 years of school. Therefore, they do not develop high level competences that can make them critical citizens, inventors and constructors. Taking into account the easy and close relation that youngsters presently establish with information and communication technologies (ICT), together with the still poor use of ICTs as learning tools at school, it is pertinent to investigate the use of modern learning tools like Scratch in the design of stimulating and motivating learning environments where the youngster can play an active role. Scratch is a new networked, media-rich programming language that makes it easy to create animations, games… and share the creations on the web. It was designed at Massachusetts Institute of Technology as an answer to the fact that most people are poorly equipped, even as new technologies proliferate and play increasingly important roles in all aspects of society. Scratch creators believe that it can support the development of 21st Century Learning Skills, making young people creators and inventors, and advance understanding of the effective and innovative design of ICT for math education. With this study I intended to observe, describe and analyze the contribution of Scratch, in a formal school environment, in recovering the need, in promoting motivation to develop invention (e.g. problem identification, formulation and solving), and in the flexible approach to the Mathematics curriculum. The research questions focused on the characterization of the learning environment, on the consequences of the work carried out and on the constraints to the action. The study, essentially qualitative, consisted of an action research supported by a plan of mixed methods. A detailed description is given, with recourse to varied observation perspectives, including pre- and post-tests, and follow-up. The study suggests that Scratch has the potential expected by its creators. However, progression in programming with Scratch, and its more autonomous, consistent and persistent use, seem to be greatly dependent on the characteristics and persistency of teacher mediation and scaffolding, on the continued exposure to the learning environment, on the cooperative work with peers, and on the constraints imposed by the School modus operandis. Maybe the main outcome of this study is that kids should start from scratch with Scratch, in the kindergarten, trying to develop motivation to create, before the motivation to consume. VIII IX PALAVRAS-CHAVE Necessidade; Engenho; Aprendizagem; Escola; Matemática; Programação; Scratch; Construcionismo; Tecnologias da informação e comunicação (TIC); Computador; Investigação-Acção; Métodos mistos; Complexidade; Bricolagem; Design X XI ÍNDICE INTRODUÇÃO Motivação ......................................................................................................................... 1 O(s) problema(s) ............................................................................................................... 2 Pertinência e necessidade .................................................................................................. 4 As questões de investigação ............................................................................................. 18 Os objectivos ..................................................................................................................... 20 CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL Necessidade, problema, visão, construção do conhecimento ........................................... 21 Novas tecnologias, novas literacias, mais necessidade, mais engenho? Enquadramento ..... 22 O ambiente de programação Scratch ................................................................................ 27 CAPÍTULO II – METODOLOGIA Concepções diferentes, rumos distintos. (Algumas pontes?) ........................................... 35 Natureza do estudo – escolha do percurso (justificação) .................................................. 39 Da teoria à prática de um caminho – plano de investigação ............................................. 50 Recolha e produção de dados – instrumentos e práticas ................................................... 52 As amostras utilizadas .......................................................................................... 52 Os instrumentos de produção, recolha e registo de dados .................................... 53 Os processos ......................................................................................................... 60 CAPÍTULO III – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Caracterização e contextualização de ambientes e personagens ....................................... 73 A Escola ................................................................................................................ 73 A Turma X ............................................................................................................ 76 O professor-investigador ....................................................................................... 79 Turma X vs turmas do quinto ano da Escola (Pré-teste) ....................................... 82 QInv1 – Características do ambiente de aprendizagem .................................................... 93 (a) Organização do tempo e do espaço ................................................................. 93 (b) Actividades, práticas, materiais, recursos, diálogos ........................................ 98 QInv2 – Consequências do trabalho desenvolvido ........................................................... 118 XII (a) Características do trabalho produzido pelos alunos com o Scratch e abordagem de conceitos previstos e não previstos no programa de estudos do 5.º ano ....... 118 (b) Relação afectiva dos alunos com a disciplina de Matemática, com a actividade de resolução de problemas (representações e crenças) e percepção sobre o seu desempenho nesta disciplina .......................................................................... 136 (c) Envolvimento familiar, forma de ocupação dos tempos livres, organização do trabalho e percepção que os alunos (e pais) tiveram da experiência ............... 150 (d) Desempenho académico comparado ............................................................... 163 QInv3 – Constrangimentos à criação e desenvolvimento do ambiente de aprendizagem ..... 166 (a) Recursos .......................................................................................................... 166 (b) Gestão do currículo da disciplina de Matemática ........................................... 171 (c) Estabelecimento de pontes com outras áreas curriculares ............................... 171 CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS Reflexões .......................................................................................................................... 173 Perspectivas ...................................................................................................................... 182 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 185 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Plano de investigação ........................................................................................ 51 Figura 2. Habilitações académicas de pais e encarregados de educação do agrupamento .... 74 Figura 3. Habilitações literárias dos encarregados de educação – Turma X .................... 78 Figura 4. Idades dos alunos (Escola e Turma X) .............................................................. 83 Figura 5. Distribuição por género (Escola e Turma X) .................................................... 84 Figura 6. Habilitações literárias dos pais e encarregados de educação ............................ 84 Figura 7. Provas de aferição 4.º ano (Escola e Turma X) ................................................. 85 Figura 8. Provas de aferição 4.º ano e relação com a Matemática (Questão 1) ................ 86 Figura 9. Relação com a Matemática e com os problemas (Escola e Turma X) .............. 87 Figura 10. Relação com os problemas (Escola e Turma X) ............................................. 88 Figura 11. O que a Matemática diz sobre mim e relação com a Matemática ................... 91 Figura 12. Aspecto da sala de informática com computadores fixos ............................... 93 XIII Figura 13. Planta da sala de informática com computadores fixos .................................. 94 Figura 14. Sala polivalente onde foram utilizados os computadores portáteis ................ 94 Figura 15. Mapa integrador de apoio ao trabalho do professor de Matemática - Conceitos, procedimentos e comunicação - Documento elaborado com base em Principles and Standards for School Mathematics – (NCTM, 2000 ) numa perspectiva vertical, integrando os conteúdos do Ensino Básico ........... 102 Figura 16. Grau de complexidade dos projectos Scratch dos alunos comparado com as avaliações no final do ano lectivo de 2007/2008 ............................................. 126 Figura 17. Número e percentagem de projectos por grau de complexidade .................... 126 Figura 18. Distribuição de projectos publicados ao longo do tempo (a tracejado representa-se a linha de tendência) ................................................................. 127 Figura 19. Distribuição no tempo dos projectos publicados por aluno ............................ 127 Figura 20. Distribuição de projectos publicados ao longo do tempo e por grau de complexidade (a tracejado estão representadas as linhas de tendência) .......... 128 Figura 21. Relação com a Matemática – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) ........ 136 Figura 22. Relação com a Matemática e com os problemas – Escola (pré-teste e pós-teste) ..... 137 Figura 23. Relação com a Matemática e com os problemas – Turma X (pré-teste e pós-teste) 138 Figura 24. Relação com a Matemática e com os problemas – Escola e Turma X (pós-teste) ..... 138 Figura 25. Relação com os problemas – Escola vs Turma X (pré-teste) .......................... 140 Figura 26. Relação com os problemas – Escola vs Turma X (pós-teste) ......................... 140 Figura 27. Relação com os problemas – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) .......... 141 Figura 28. O que a Matemática diz sobre mim – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) 146 Figura 29. Opinião sobre a área curricular de Matemática – Escola e Turma X (pré-teste) 148 Figura 30. Disciplina de que mais gostei – Escola e Turma X (pós-teste) ...................... 149 Figura 31. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – partilha com a família, trabalho em casa (Janeiro, logo após o início das actividades) 152 Figura 32. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – a quem pediu ajuda, quem usou (Janeiro, logo após o início das actividades) – visão dos pais ........................................................................................................... 153 Figura 33. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – conversa sobre o assunto, trabalho desenvolvido (Janeiro, logo após o início das actividades) – visão dos pais .................................................................................. Figura 34. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – partilha 153 XIV com a família, interesse, ocupação dos tempos livres (pós-teste – Maio/Junho) – visão dos pais ............................................................................................... 155 Figura 35. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – pedido de ajuda, partilha do blogue, utilização do Scratch (pós-teste – Maio/Junho) – visão dos pais ................................................................................................... 155 Figura 36. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – a quem pediu ajuda, quem usou (pós-teste – Maio/Junho) – visão dos pais ................ 156 Figura 37. Prova de Aferição no 4.º ano e Prova Global no 5.º ano – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) ....................................................................................... 164 Figura 38. O que a Matemática diz sobre mim e Prova de Aferição no 4.º ano – Escola e Turma X (pré-teste) ...................................................................................... 164 Figura 39. O que a Matemática diz sobre mim e Prova Global no 5.º ano – Escola e Turma X (pós-teste) ......................................................................................... 165 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Questões de investigação e domínios investigados ......................................... 19 Quadro 2. Algumas das ideias e conceitos que se relacionam com o presente estudo ..... 25 Quadro 3. Síntese de conceitos e competências de programação explorados no Scratch 30 Quadro 4. Questões de investigação vs. instrumentos de produção e recolha de dados 49 Quadro 5. Características do plano de métodos mistos aplicado ...................................... 50 Quadro 6. Amostras utilizadas .......................................................................................... 53 Quadro 7. Fundamentação das opções no processo de análise de conteúdo das questões abertas dos questionários Q1 e Q2 (Anexo VI) ............................................... 66 Quadro 8. Síntese: Instrumentos de produção, recolha e registo de dados, processos e forma de tratamento ......................................................................................... 72 Quadro 9. Elementos que integravam o agrupamento em 2006/2007 .............................. 75 Quadro 10. Taxas de transição (sucesso) nos 2.º e 3.º Ciclos de 2006 a 2008 ................. 75 Quadro 11. Matemática: comparação entre sucesso obtido na avaliação sumativa interna e na avaliação sumativa externa de 2006 a 2008 (valores aproximados à unidade) ......................................................................................................... 75 Quadro 12. Matemática: comparação entre sucesso obtido na avaliação sumativa externa – Escola e Nacional – de 2006 a 2008 ............................................................ 76 XV Quadro 13. Códigos de identificação e algumas características dos alunos da Turma X no final do 1.º Ciclo (antes do início das actividades com o Scratch) ........... 77 Quadro 14. Actividades já realizadas pelos alunos com recurso ao computador, antes de iniciar as actividades com o Scratch (e com outras ferramentas de apoio) 79 Quadro 15. Justificações da Questão 1 – Incidência de referências nas categorias de análise 86 Quadro 16. Comparação entre os valores e justificações atribuídos em Setembro e em Novembro pelos alunos, no tocante à relação afectiva com os problemas ......... Quadro 17. Justificações da Questão 5 – Incidência de referências nas categorias de análise 89 90 Quadro 18. Justificações da Questão 5 – Incidência de referências nas categorias de análise e relação com a resolução de problemas ........................................... 90 Quadro 19. Justificações da Questão 4 – Incidência de referências nas categorias de análise 91 Quadro 20. Análise de conteúdo – respostas à Questão 3 do Q1 ..................................... 92 Quadro 21. Análise de conteúdo – respostas à Questão 6 do Q1 ..................................... 92 Quadro 22. Horário de actividades lectivas da Turma X .................................................. 95 Quadro 23. Número de horas em actividades extra-escolares da Turma X ...................... 95 Quadro 24. Horário de actividades semanais da Professora ............................................. 97 Quadro 25. Reflexões - momentos críticos: um encontro que fez toda a diferença ......... 99 Quadro 26. Reflexões - momentos críticos: início da actividade, motivação, entusiasmo, retorno, unidade da missão e das tarefas ....................................................... 103 Quadro 27. Reflexões - momentos críticos: mediação (correcção de erros) .................... 107 Quadro 28. Reflexões - momentos críticos: diálogos (ângulos e polígonos) ................... 108 Quadro 29. Reflexões - momentos críticos: desafios e consolidação de conhecimentos 109 Quadro 30. Reflexões - momentos críticos: diálogos – apoio-para-chegar-mais-longe 110 Quadro 31. Síntese da forma de organização do trabalho nos diferentes espaços e momentos ....................................................................................................... 114 Quadro 32. Alguns exemplos de materiais de apoio, de propostas de trabalho em sala de aula (reflexões – diário de campo) e de projectos dos alunos .................. 115 Quadro 33. Citação estruturada do texto de Ni e Branch (2008, p. 31) que desdobra em variáveis sete das oito entidades presentes nos ambientes de aprendizagem intencional ...................................................................................................... Quadro 34. Critérios para atribuição do grau de complexidade aos projectos publicados pelos alunos nas suas contas na plataforma do MIT (Resnick et al., 2003; Maloney et al., 2004; Kafai, Peppler, Alavez e Ruvalcaba 2006; Kafai, 117 XVI Peppler e Chiu, 2007; Maloney, Peppler, Kafai, Resnick, e Rusk, 2008) ..... 120 Quadro 35. Apreciação global do trabalho dos alunos realizada por Fernando Frederico 121 Quadro 36. Classificação dos projectos do ano lectivo 2007/2008 (Fernando Frederico – Anexo XIV) e estimativa do número de projectos não publicados (informação dos alunos) ..................................................................................................... 122 Quadro 37. Perfis individuais de programadores 07/08 e 08/09 (Fernando Frederico, Anexo XIV) .................................................................................................... 123 Quadro 38. Conceitos de programação utilizados pelos alunos ....................................... 125 Quadro 39. Comparação dos resultados obtidos na Turma X com os do estudo de Kafai et al. (2006) .................................................................................................... 130 Quadro 40. Classificação dos projectos em 2007/2008 e 2008/2009 (Fernando Frederico, Anexo XIV) ........................................................................................... 133 Quadro 41. Síntese de conceitos e competências de programação explorados no Scratch e competências e conceitos matemáticos trabalhados na Turma X ............... 135 Quadro 42. Justificações da Questão 1 (Relação com a Matemática: pré-teste e pós-teste) Incidência de referências nas categorias de análise ....................................... 137 Quadro 43. Justificações das questões sobre a relação com a actividade de resolução de problemas (5 no pré-teste Q1 e 6 no pós-teste Q2) - Incidência de referências nas categorias de análise ................................................................................ 139 Quadro 44. Comparação da relação dos alunos da Turma X com a resolução de problemas: pré-teste vs pós-teste ...................................................................................... 142 Quadro 45. Excertos das respostas dos alunos sobre a resolução de problemas (entrevista) 144 Quadro 46. Justificações da questão “O que a Matemática diz sobre mim” (4 no pré-teste e 5 no pós-teste) - Incidência de referências nas categorias de análise ......... 146 Quadro 47. Análise de conteúdo – respostas à Questão 3 do Q1 e 4 do Q2 – O que gosto mais e menos de fazer em Matemática .......................................................... 147 Quadro 48. Análise de conteúdo – respostas à Questão 6 do Q1 e 8 do Q2 – O que é para ti a Matemática .............................................................................................. 148 Quadro 49. Respostas à Questão 7 do Q2 – pós-teste ...................................................... 148 Quadro 50. Algumas respostas dos alunos ao questionário sobre o primeiro contacto com o Scratch (Quadro completo no Anexo VIIIc) ....................................... 151 Quadro 51. Resposta dos alunos ao questionário sobre o primeiro contacto com o Scratch - primeiras sensações (Quadro completo no Anexo VIIIc) .............. 152 XVII Quadro 52. Respostas dos alunos às perguntas 1, 3, 4, 6, 7 e 11 do Questionário sobre o Scratch (pós-teste) ...................................................................................... 157 Quadro 53. Respostas com referências ao Scratch no questionário de follow-up ............ 160 Quadro 54. Comparação da relação dos alunos com o Scratch em 2007/2008 e 2008/2009 ...................................................................................................... Quadro 55. Síntese das respostas a algumas das questões do questionário B de follow up 161 162 Quadro 56. Actividades com recurso às TIC desenvolvidas nas aulas de Matemática pelas outras turmas do 5.º ano da amostra Escola ......................................... 163 Quadro 57. Dificuldades sentidas pelos alunos expressas como frequência das opções no questionário sobre o Scratch (pós-teste Junho) .............................................. 167 Quadro 58. Dificuldades sentidas pelos alunos expressas por referências feitas em pergunta aberta no questionário sobre o Scratch (pós-teste Junho) ............... 167 ANEXOS (CD) Anexo I – Documentos: Educação para o Século XXI Anexo Ia – Documento de Trabalho dos Serviços da Comissão – Escolas para o século XXI Anexo Ib – enGauge® 21st Century Skills - Literacy in the Digital Age Anexo Ic – The Partnership for 21st Century Skills: Beyond the Three Rs - Voter Attitudes toward 21st Century Skills Anexo II – Currículo Nacional Anexo IIa – Introdução Anexo IIb – Competências Gerais Anexo IIc – Competências Específicas de Matemática Anexo IId – Competências Específicas de Ciências Anexo IIe – Excerto do Currículo Nacional do Ensino Básico Anexo III – Novo programa de Matemática para o Ensino Básico (2009-2010) Anexo IV – Conceitos e competências de programação explorados no Scratch - MIT (traduzido por Fausto de Carvalho, PT Inov) Anexo V – Ficha Biográfica utilizada pelos Directores de Turma na caracterização dos alunos (Peixoto, 2003) Anexo VI – Questionários Q1 e Q2 - Turma X e restantes turmas de 5.º ano da escola XVIII (pré-teste e pós-teste) Anexo VIa – Q1 – Pré-teste (alunos do quinto ano - Escola e Turma X) Anexo VIb – Q2 – Pós-teste (alunos do quinto ano- Escola e Turma X) Anexo VII – Questionários aos Encarregados de Educação (pré-teste pós-teste) Anexo VIIa – Qee1 – Encarregados de Educação (logo após o início das actividades com o Scratch) Anexo VIIb – Qee2 – Encarregados de Educação (final das actividades) Anexo VIII – Questionários aos alunos da Turma X (processo e produtos da intervenção, sobre o Scratch e sobre os blogues individuais) Anexo VIIIa – Questionário sobre o Scratch (Junho) Anexo VIIIb – Respostas a algumas questões do questionário sobre o Scrat (Junho) Anexo VIIIc – Questões e respostas a um questionário sobre as primeiras actividades com o Scratch (Janeiro) Anexo VIIId – Questionários sobre os blogues (Junho) Anexo IX – Diário informal de campo - professora – blogues pessoais Anexo X – Guião da Entrevista aos alunos da Turma X Anexo XI – Prova académica global - Matemática (final do ano lectivo) Anexo XII – Critérios de correcção e classificação da Prova académica global Anexo XIII – Follow up – Questionário aos alunos da Turma X (Set. 2008 – percepção relativamente ao ano lectivo anterior) Anexo XIV – Análise e classificação de projectos, perfis dos alunos (Fernando Frederico) Anexo XV – Questões e respostas dos alunos - questionário de follow up sobre hábitos e preferências no PC Anexo XVI – Carta ao Conselho Executivo do Agrupamento Anexo XVII – Cartas aos Encarregados de Educação e pedidos de autorização Anexo XVIII – Parecer da Associação de Professores de Matemática sobre as provas de aferição (APM, 2007) Anexo XIX – Observações decorrentes dos testes-piloto aos questionários Q1 e Q2 Anexo XX – Questionário sobre as primeiras aventuras com o Scratch Anexo XXI – Quadro comparativo (respostas) – Pais vs Alunos vs presença em actividades extra pós-teste Anexo XXII – Entrevistas - Protocolos Anexo XXIII – Entrevistas – respostas organizadas por questões e áreas temáticas XIX Anexo XXIV – Excertos dos anexos do Relatório de Avaliação Interna da Escola Anexo XXV – Ficha de apoio à reflexão sobre algumas das técnicas de resolução de problemas (Pólya, 1990) Anexo XXVI – Polígonos: Ficha de apoio à sistematização de informação Anexo XXVII – Ficha de apoio à reflexão sobre relações matemáticas (polígonos, ângulos...) Anexo XXVIII – Projectos Scratch da Turma X Anexo XXIX – Ficha de apoio à reflexão sobre relações matemáticas (Descartes – referencial cartesiano) Anexo XXX – Consolidação dos conhecimentos adquiridos sobre o referencial cartesiano (exercícios do 7º ano) Anexo XXXI – Exemplos de imagens de trabalhos feitos pelos alunos - Estatística Anexo XXXII – Projectos Scratch de outras turmas Anexo XXXIII – Projectos Scratch (programadores mais experientes) Anexo XXXIV – Instaladores Scratch (SAPO) para Windows e Macintosh Anexo XXXV – Excertos das entrevistas mostrando a forma como foi feita a contabilização de preferências dos alunos - estilos de programação Anexo XXXVI – Classificação de projectos – distribuição por grau de complexidade e ao longo do tempo Anexo XXXVII – O que é um problema? (Respostas dos alunos) Anexo XXXVIII – Documentos de referência do MIT sobre o Scratch (tradução para Língua Portuguesa) Anexo XXXIX – Guia “Explorando o Scratch” – (Autor: Fernando Frederico) XX 1 INTRODUÇÃO Motivação Despite the formidable difficulties, I remain optimistic, perhaps because there is to me a contradiction in being simultaneously pessimistic and an educator. (A Place called School – John Goodlad, 2004 [1984], p. 361) A motivação mais importante e principal motor da realização deste trabalho foi a de dar um contributo para tornar a experiência educativa dos meus alunos num caminho cada vez mais desafiador e exigente: que possa gerar a necessidade de aprender mais, faça a diferença no sucesso do seu desempenho, no desenvolvimento da sua autonomia, na compreensão do mundo e sua intervenção nele, no sentido crítico, na sua capacidade de formulação e resolução de problemas de forma criativa. Para que este propósito tenha êxito é preciso aperfeiçoar de forma continuada e sistematizada as competências profissionais docentes, organizar ideias e recursos de forma mais metódica, que permitam uma intervenção mais eficaz junto dos alunos. Assim, tive necessidade de desenvolver metodologias de investigação em contexto, enquadrando teoricamente o trabalho que desenvolvi, ampliando o conhecimento e procurando recorrer de modo informado às novas tecnologias e ferramentas colocadas à minha disposição, enquanto agentes de transformação e mudança das estratégias de abordagem do currículo. Depois de ter iniciado em 1987/88 algum trabalho em sala de aula (Matemática) com a linguagem LOGO, no segundo ciclo do ensino básico, e a experiência sido descrita numa monografia editada pela Escola Superior de Educação de Setúbal (Marques e Marafengo, 1991), manteve-se a vontade de continuar a aprofundar o recurso a este tipo de ferramentas de programação. Persistiu também a convicção optimista de que, aliadas a metodologias e mediação adequadas, estas ferramentas podem ser um importante meio para a efectiva mudança dos ambientes formais (e informais – extra-curriculares) de aprendizagem na escola, com resultados positivos na melhoria da qualidade do sucesso educativo e pessoal dos alunos. Para que a semente de todo este esforço frutifique, acrescenta-se a motivação para reflectir sobre a prática e experiência profissionais, estruturando de forma mais fundamentada e rigorosa as opções e decisões de mudança. Foi também fundamental o desejo de partilhar, com quem deseje escutar, os caminhos percorridos nessa busca de respostas às inquietações que ajudam a desenhar os percursos em direcção ao futuro de mudança desejado. 2 O(s) problema(s)... Em vez de perguntar “Como é que posso motivar os alunos?” seria melhor perguntar “De que formas está o cérebro naturalmente motivado, partindo do seu interior?” (O cérebro, a bioquímica e as aprendizagens, Eric Jansen, 2002, p. 110) Existe uma percepção generalizada de que as crianças e os jovens são cada vez menos autónomos, os seus caminhos facilitados, facilitadores, pouco exigentes e pouco desafiadores, transformando-os em seres passivos, essencialmente consumidores (McWilliam, 2005), de pouca acção, ao invés de seres pró-activos, criadores e construtores. Muitas pessoas tentam comparar as crianças de hoje com as de “antigamente”, mas ninguém sabe ainda se os cérebros das crianças actuais são realmente diferentes dos das crianças de há 30 ou 40 anos (Jensen, 2002). É curiosa a referência de senso comum à existência de sinais de que as crianças hoje parecem menos preparadas para a escola, mais violentas, mais dispersas, sob tensão, menos capazes de uma concentração prolongada, que parece ir ao encontro de muitos investigadores trabalhando em áreas fundamentais que incluem o desenvolvimento emocional, sensório-motor e as atitudes em sala de aula (estabelecendo-se relações com os hábitos alimentares, as novas estruturas familiares, maior exposição a drogas e medicamentos, menos estimulação motora precoce e excessiva procupação com a segurança, recurso a babysitters e entretenimentos passivos como televisão, computadores, jogos de consola...) (Jensen, 2002). Parece investir-se cada vez menos na criação dos necessários obstáculos e na exigência, apoiada com critério e sem exagero para a sua superação, e cada vez mais na eliminação das dificuldades no percurso de crescimento em casa e na Escola e na utilização de recompensas externas ao invés de um feedback contínuo e sustentado (para o qual existe cada vez menos tempo disponível nas famílias e também na própria Escola) (Naouri, 2008) . Nesta, o currículo é dividido em pedaços de aprendizagem tão pequenos, com vista a uma mais fácil memorização, exercitação e avaliação (incidindo essencialmente nos produtos da aprendizagem e não nos processos), que se perde a panorâmica global, a ideia poderosa subjacente e a razão que nos transporte até ela (Papert, 1997). Serão muitas as causas prováveis da diminuição da necessidade e da motivação para agir levando, consequentemente, à redução da competência e engenho na formulação e resolução de problemas de forma criativa e autónoma, mas importa reflectir sobre esta questão e procurar algumas formas de inverter os processos, agindo sobre algumas dessas causas. 3 Papert (1980) refere que John Dewey expressava nostalgia pelas sociedades primitivas onde aprender era uma necessidade sentida como real e uma actividade indispensável que se cumpria em processos participados de imitação, levados a cabo com prazer. Acrescentava que esse não era o panorama actual das escolas onde os alunos não reconhecem nas tarefas que lhes são distribuídas a imitação de actividades excitantes dos adultos. Se as pessoas apenas experienciam sucessos fáceis habituam-se a esperar resultados rápidos e desencorajam-se facilmente com o insucesso, não se desenvolvendo nelas um sentido resiliente de eficácia que requer a experiência de transpor obstáculos através de um esforço persistente (Bandura, 2008). As dificuldades e os insucessos servem o propósito útil de nos ensinar que o sucesso necessita geralmente de um esforço sustentado e consistente e, quando acreditamos que temos em nós o necessário para vencer, perseveramos na adversidade e recuperamos rapidamente dos contratempos (Bandura, 2008). Como afirmava Bruner (1999a): A vontade de aprender é um motivo intrínseco que tem origem e recompensa no seu próprio exercício. ... só se torna um “problema” em circunstâncias especializadas como as da escola, em que o currículo é fixo, os estudantes estão confinados e o caminho é invariável. O problema reside não tanto na aprendizagem, em si, como no facto de aquilo que a escola impõe falhar muitas vezes no recrutamento das energias naturais que sustentam a aprendizagem espontânea – a curiosidade, desejo de competência, a aspiração a emular um modelo e um compenetrado compromisso com a teia da reciprocidade social. A nossa preocupação tem recaído sobre o modo como essas energias podem ser cultivadas para apoiarem a aprendizagem escolar. Se poucas certezas temos, pelo menos não estamos desprovidos de hipóteses razoáveis do procedimento a adoptar. A prática do ensino produz, pelo menos, hipóteses interessantes (p. 158). Consciente de que a ausência de necessidade é um problema grave, e depois de reflectir longamente sobre as consequências dessa ausência e de um ensino que a não estimule e a não torne central, Ortega y Gasset afirmava em 1933 que “ensinar é primária e fundamentalmente ensinar a necessidade de uma ciência e não ensinar uma ciência cuja necessidade seja impossível fazer sentir ao estudante.” Como resolver o problema? “É necessário voltar o ensino do avesso...” (Arendt, H., Weil, E., Russel, B., Gasset, O. y, 2000, p. 101). Sabe-se hoje, através da investigação do funcionamento do cérebro, que os ambientes 4 enriquecidos permitem um desenvolvimento cerebral maior e que o cérebro desenvolvido a tempo é o que cresce de forma mais rápida e está mais preparado para a mudança, verificando-se o inverso (adelgaçamento do córtex, mais significativo do que o efeito espessante de um ambiente enriquecido e positivo) em ambientes pouco estimulantes que geram apatia e aborrecimento (Diamond, 1998, citado por Jensen, 2002). Estando os alunos “condenados” a passar grande parte dos seus dias na Escola, os educadores (e os gestores da educação) têm uma responsabilidade ética e moral importante no desenvolvimento ou limitação do potencial de cada ser humano no seu percurso escolar (Jensen, 2002). É a consciência desta responsabilidade pessoal no processo educativo dos meus alunos e no desenvolvimento do seu potencial cognitivo e humano, enquanto estão à minha guarda, que ditou o problema para o qual procurarei encontrar uma parcela da resposta mais global que urge encontrar. Como combinar, na Escola, formas de agir e recursos tecnológicos, nomeadamente as tecnologias da informação e comunicação (TIC), para favorecer a recuperação gradual da necessidade de aprender (motivação intrínseca) e caminhar no sentido de uma formação mais exigente em contexto formal de aprendizagem, que permita o desenvolvimento de competências de ordem superior? Pertinência e necessidade The competitive strength of a nation in the modern world is directly proportional to its learning capacity; that is, a combination of the learning capacities of the individuals and the institutions of the society. (The children’s machine – Seymour Papert, 1993, Prefácio) Thinking and problem solving will be the “new basics” of the 21st century. (Changing knowledge, changing schools: creating intelligence for the 21st century, Lauren Resnick, 2001, p. 135) Tem sido amplamente divulgada, por parte de organizações internacionais e nacionais (sendo igualmente do domínio do senso comum), a constatação do grande distanciamento entre o que se esperava para as competências de cidadania no século XXI e o real observado. Essas organizações sugerem orientações e fazem apelo à sociedade, à Escola e às universidades para a procura de soluções que possam inverter essa tendência (Comissão Europeia: "Escolas para o século XXI" – consulta pública, encerrada em Dezembro de 2007; 5 “enGauge 21st Century Skills: Literacy in the Digital Age”; “The Partnership for 21st Century Skills”; entre outros – consultar documentos do Anexo I). Questionando-se sobre os indicadores que parecem sempre apontar o declínio da Escola e da educação ao longo dos tempos no nosso país, Nóvoa (2005) refere genericamente os dados que nos “inquietam” para finalmente referir os conjuntos de indicadores que surgem mais frequentemente para ilustrar esse nosso “atraso educacional” – estatísticas da União Europeia e os estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). De acordo com a informação disponível, as distâncias parecem acentuar-se, não apenas entre o esperado para qualquer cidadão e a realidade com que convive, mas também entre o desempenho dos nossos cidadãos e os de outros países. O interesse em resolver o problema parece ser geral. Spector (2008) reforça: … indeed, one can find similar interest in and emphasis on preparing people for the so-called Digital Age at many national and international funding agencies, in school and college curricula, in popular books and magazine articles, and other such venues. The natural conclusion is that people are not generally very well prepared for life in the digital age (pp. 249-250). Não são alheias a estas preocupações de carácter mais geral as orientações internacionais e nacionais para o ensino da Matemática, que salientam a importância do desenvolvimento de competências de resolução de problemas, com recurso às tecnologias da informação e comunicação (TIC) e também noutros contextos, reconhecendo que ainda é necessário percorrer um longo caminho nesse sentido (Abrantes, 1999; NCTM, 2000; M.E., 2001; M.E., 2007). O Decreto-Lei nº 6/2001 – Organização e gestão do currículo no Ensino Básico (enquadrando o novo Currículo Nacional Português – consultar excertos no Anexo II) foi uma tentativa de mudar o paradigma vigente até à altura, procurando uma visão unificadora traduzida pela existência de dez competências gerais com carácter transdisciplinar, de natureza muito abrangente e discutível, não reunindo consenso entre os especialistas. Todavia, o Currículo Nacional não chegou a ser avaliado nem revisto, tal como estava previsto na sua nota prévia – ... “processo de revisão a concluir até ao fim do ano lectivo de 2003/2004.” (ME-DEB, 2001). Desta forma, não é possível saber se a percepção de crescimento do insucesso escolar (quer a do senso comum, quer a traduzida pela oscilação de estatísticas, com resultados produzidos por instrumentos cuja consistência dos critérios de elaboração é discutida publicamente) se tem devido ao facto de o Currículo Nacional ter sido operacionalizado de acordo com as intenções nele expressas ou se, pelo contrário, as escolas 6 apenas se ajustaram documentalmente sem alterar as suas práticas. É importante recordar que a maioria dos programas não sofreu alteração, apesar de o Currículo Nacional preconizar uma reformulação para os ajustar ao conceito proposto de “desenvolvimento de competências” nos alunos. Seria importante a realização de estudos sistemáticos à escala nacional para compreender de que forma foram percepcionadas e aplicadas (ou não) as novas orientações. Mudando a sociedade de forma profunda, o que acontecerá à Escola se não fizer o esforço de acompanhar essa evolução mantendo elevados os padrões de exigência, de forma ajustada aos novos contextos? O que acontecerá se persistir em organizar o saber num currículo por vezes excessivamente disciplinarizado e compartimentado, onde a gestão do espaço e do tempo de acordo com um modelo fabril continua a perpetuar-se numa sociedade que parece necessitar urgentemente de outras soluções? Parece lícito inferir que existe forte probabilidade da Escola se ajustar à crescente desmotivação diminuindo apenas os critérios de exigência, com consequências nefastas para o desenvolvimento de competências de nível superior nos alunos. Há necessidade de aprofundar estas questões para desocultar as dificuldades e intervir efectivamente junto das escolas. O tempo não pára. Como refere Bransford et al. (2000): In the early part of the twentieth century… it was not the general rule for educational systems to train people to think and read critically, to express themselves clearly and persuasively, to solve complex problems in science and mathematics. Now, … this aspects of high literacy are required of almost everyone in order to successfully negociate the complexities of contemporary life. (p. 4) Já vem de muito longe o discurso sobre a “ignorância dos alunos”. António Nóvoa (2005) compilou citações, década a década, para reforçar a ideia de que é difícil indicar rigorosamente o período em que se generaliza esta ideia de impreparação e falta de conhecimento. Seja qual for a origem, fundamentação e natureza deste discurso atemporal (com critérios específicos em cada tempo de pronúncia), ele surge geralmente com um registo associado de “passa-culpas”, procurando fundamentar-se nas mais diversas variáveis (com a ideia subjacente de denúncia ou de desculpabilização), mas tendo em comum o facto de se recusar “a um esforço de análise e de compreensão” (Nóvoa, 2005, p. 57). Holt (2001 [1964, 1982]) sugere que, no discurso sobre a educação, se substituam as palavras “recriminação” e “culpa” pela palavra “responsabilidade”. No prefácio à edição revista (de 1982), refere um estudo realizado por Ronald Edmonds, da Harvard Graduate 7 School of Education (s/d) para tentar descobrir o que tornava algumas escolas eficazes (na obra é enunciada a definição de Escola eficaz considerada no estudo). Das qualidades que possuiam em comum, distinguiam-se as seguintes: não procurar justificações para o insucesso, assumindo completa responsabilidade pelos resultados – não recriminar alunos, famílias, classe, vizinhos, comportamento, sistema nervoso – e a postura de centrar sobretudo a atenção nos métodos utilizados em sala de aula (Holt, 2001 [1964, 1982]). A avaliar então pelo discurso (mundial?) sobre a educação, os resultados das (muitas) reformas impostas de fora da Escola para o seu interior não parecem ter produzido resultados significativos. “É um truísmo, de há muito reconhecido, que nem os A-levels britânicos, nem os programas do secundário na América... preparam o aluno para as realidades do mundo actual” (Steiner, 2008, p. 219). Já em 1933, Agostinho Campos, citado por Nóvoa (2005), escrevia estas palavras: “De quando em quando, ouve-se dizer por aí muito a sério e em tom de profundo convencimento: Precisamos de uma reforma geral do ensino... Melhor seria dizer, logo de uma vez: faz-nos falta um milagre de Nossa Senhora de Fátima” (p. 121). Também Steiner (2008) afirma que “a panóplia da legislação sobre o ensino, dos planos de reforma, das audições federais sobre a crise das escolas, conhece proporções descomunais”, considerando um “desperdício” oficial todas as árvores consumidas para suportar as intenções reformistas (Steiner, 2008, p. 218). Torna-se cada vez mais evidente, à medida que avançamos no novo século, que os métodos educacionais em uso nos últimos 80 anos, baseando-se em crenças sobre a natureza do conhecimento, processo de aprendizagem e aptidão para aprender, que as novas descobertas não sustentam, já não é mais suficiente (Resnick, 2001). No entanto, a mudança é lenta porque a natureza das reformas educativas assenta em experiências sem sentido na organização institucional, raramente penetrando no núcleo da educação (Resnick, 2001). Para mudar esta situação e converter os mais recentes princípios da aprendizagem em planos de acção será preciso apelar ao esforço dos educadores (cujas dificuldades advêm muitas vezes da educação que eles próprios experienciaram) no sentido de actualizarem e de aprofundarem o seu conhecimento, para se tornarem capazes de criar ambientes de aprendizagem que promovam o desenvolvimento da inteligência, tal como é actualmente entendida – processo passível de crescimento e desenvolvimento e não algo pré-determinado que nasce connosco ou que depende de factores culturais ou socioeconómicos (Resnick, 2001). “Smart isn’t something you are; it’s something you get.” (J. Howard, s/d, citado por Resnick, 2001, p. 128). Terá talvez chegado o tempo da Escola reagir a partir do seu interior, precisando de 8 encontrar o conhecimento válido para fundamentar decisões que evidenciem resultados positivos e combater com argumentos sólidos as imposições externas, que reconheça como prejudiciais a esse processo de crescimento e aprendizagem. O tempo de não persistir em tentar ajustar-se de cada vez que mais uma reforma é lançada para corrigir todos os erros do passado, sem que tenham sido analisadas e compreendidas as razões que lhes deram origem. Talvez seja mais eficaz para a necessária mudança situá-la na acção, compreender melhor as causas em cada contexto, enquadrá-las nos contributos teóricos mais fiáveis e procurar desenvolver os meios que respondem de forma ajustada e mais individualizada aos problemas que se colocam à Escola no exercício da sua missão junto dos alunos em sala de aula, exigindo da administração as condições necessárias. Antonio Bolívar (2006), ao fazer uma revisão das teorias recentes da mudança educativa (sobretudo do papel da Escola como unidade base da acção educativa e da melhoria), aponta fragilidades, reveladas pela investigação, mesmo quando este processo se centra em primeira instância nas mudanças organizativas internas (verifica-se pouca ou nula influência nas práticas docentes). Elmore (2004, citado por Bolívar, 2006), afirma que, mesmo existindo estruturas que dificultam a aprendizagem, é ingenuidade acreditar que ao mudar as estruturas as práticas melhoram logo a seguir, apontando para a necessidade de tomar como fulcro aquilo que se entende por boas práticas de ensino, fazer o necessário para as atingir e só depois chegar às eventuais mudanças estruturais (se necessárias), que poderiam apoiar essas práticas (mas equilibrando os contributos em ambos os sentidos, de dentro para fora e de fora para o interior da Escola). Hopkins e Reynolds (2001, citados por Bolívar, 2006), consideram ser preferível o foco em variáveis próximas da sala de aula, que são as que podem produzir resultados eficazes, já que o que marca a diferença nos resultados dos alunos é o que os professores fazem nas suas aulas. Os modelos e práticas de ensino não têm estado presentes de forma significativa no discurso sobre as estratégias metodológicas e as sucessivas reformas têm deixado em segundo plano a prática docente (Bolívar, 2006). Não existindo soluções simples, mágicas, nem modelos generalizáveis (os processos de mudança dependem de muitas variáveis), Bolívar (2006) afirma: A tendência em excesso racionalizadora e estrutural dos processos de mudança, própria da modernidade, está a ser contestada na segunda idade da modernidade – para utilizar a denominação de Ulrich Beck – pela reivindicação do pensamento complexo, a incerteza e o caos; junto à dimensão planificável, temos de incluir a dimensão individual e emocional nesse novo modo de pensar a mudança. Desvanecidos outros referentes, persiste o problema de determinar qual o modo de 9 ‘mover’ as escolas e os professores para oferecerem uma melhor educação (p. 46). Será importante nesse processo começar por se reflectir sobre a necessidade “de compreender os interesses e as necessidades das crianças, permitindo assim uma ‘educação funcional’ ou, melhor dizendo, uma ‘Escola por medida’” (Nóvoa, 2005, p. 95). O que nos leva de volta à questão da motivação, não significando isto que o estudo e a aprendizagem tenham de ser gestos divertidos e sem esforço, pois, como escrevia António Sérgio (1939, citado por Nóvoa, 2005): “Toda a educação deve ser esforçada; porém de esforço natural e voluntário, exigido por um interesse do discípulo e não do professor” (p. 95). Faz sentido valorizar a motivação intrínseca no contexto escolar, uma vez que ela impulsiona o aluno, o indivíduo, a avançar apesar da pressão social, sendo, portanto, a motivação que permite uma estabilidade e uma perseverança associadas aos desempenhos de nível superior (Lieury e Fenouillet, 2006). Todavia, os estudos sobre motivação revelam que a motivação intrínseca, a autonomia, o interesse e a curiosidade, bem como o gosto pelos desafios e dificuldades, decrescem à medida que a permanência na escola aumenta crescendo o conformismo e uma dependência directa dos professores (Lieury e Fenouillet, 2006). De acordo com a autora de um desses estudos, Susan Harter, citada por Lieury e Fenouillet (2006), a “escola asfixia a motivação intrínseca” (p. 139). Constatando, assim, essa percepção (ao longo dos tempos e em diversos países) do aparente insucesso da Escola em formar cidadãos, de forma generalizada e consistente, com as desejáveis competências para a vida, para a prossecução de estudos superiores e para o mundo do trabalho, continua a ser pertinente e necessário procurar dentro da Escola algumas respostas que contribuam para ajudar a resolver o problema desse (sub)desenvolvimento de competências de nível superior. Para tal será importante testar metodologias com recurso, por exemplo, às potencialidades de algumas ferramentas tecnológicas, através de um modo de abordagem intencional que maximize a sua eficácia. Poderá ser um ponto de partida para caminhar em direcção a uma formação de excelência (conhecimento em articulação com o seu uso em acção), recuperando nos alunos a motivação e a necessidade que lhes aguçará o engenho criador (“the necessity is the mother of invention”, no dito em língua inglesa equivalente ao provérbio português), aparentemente em falta em muitos domínios da vida dos cidadãos. Porquê o recurso às TIC? Nenhum artefacto ou invenção, desde sem dúvida a domesticação do fogo pelo Homem, terá exercido um impacto configurador sobre as actividades quotidianas da 10 humanidade comparável ao exercido pelo PC e pelo portátil, pelo SMS e pela Internet (George Steiner, 2008, p. 214). Os alunos entram todos os dias pelo portão da Escola, vindos de um mundo digital que não só lhes permite comunicar com qualquer parte do planeta, como também lhes abre a possibilidade de resolverem problemas, investigar, agir de formas que só se tornaram possíveis muito recentemente (Tileston, 2005). No jardim-de-infância (e na vida) exploramse todos os sentidos no processo de aprendizagem mas, à medida que se avança nos anos de escolaridade, a maioria dos sentidos é posta de lado passando a audição e alguma visão a ocuparem quase lugar exclusivo na sala de aula, o que compromete os processos de compreensão e aprendizagem – “Approximately 98% of all new learning comes into the brain through the senses; the other 2% comes through a connection between what we already know and the incoming information” (Tileston, 2007, p. 7). Os nossos alunos sentem-se confortáveis no mundo digital e preferem aprender em ambientes tácteis, visuais e não lineares. Se as salas de aula apenas tiverem para lhes oferecer formas limitadas e reduzidas de trabalhar o conhecimento, não é de admirar que os seus cérebros se desliguem das tarefas com muita frequência (Tileston 2005, 2007). “Pode-se levar uma criança a Euclides mas não se pode obrigá-la a pensar” (Papert 1996, p. 223). Há verbos que não suportam a forma imperativa – amar, sonhar e ler são alguns deles (Pennac, 2000). Pensar, compreender, aprender são também bons exemplos de verbos associados a acções que não se cumprem apenas ao som de uma qualquer ordem ou desejo exteriores. Mas talvez as ferramentas do universo digital que nos rodeia possam ajudar indirectamente, se bem aplicadas, a chegar lá onde a voz do professor nem sempre consegue. As tecnologias da informação e comunicação podem ser “amigas do cérebro” e existem razões para tal: não estão limitadas pelas paredes da sala de aula, não conhecem nem se preocupam com o estatuto socioeconómico do aluno, proporcionam oportunidades iguais de aprendizagem, estão mais sintonizadas com a forma como os nossos alunos hoje aprendem, são parte tão indispensável do nosso mundo que limitar o seu uso na sala de aula é limitar as capacidades dos nossos alunos para competirem nesse mesmo mundo (Tileston, 2004, citado por Tileston, 2005). Questionando-se sobre a crise das humanidades e dos clássicos e ensaiando uma proposta curricular para o futuro, Steiner (2008) não deixa de lado, no seu discurso, nem a matemática nem o computador quando propõe “uma literacia fundamental, uma base conceptual comum adequada às mulheres e aos homens de hoje e amanhã” (Steiner, 2008, pp. 220-221). Nos anos oitenta falou-se muito da transição da sociedade industrial para a sociedade 11 da informação, seguindo-se nos anos noventa a introdução do conceito de sociedade do conhecimento (Resnick 2003, 2007a). Papert (1993) descreve-a também como sociedade da aprendizagem. Mas o conhecimento por si só não é suficiente e, num mundo em acelerada mudança, as pessoas precisam de inventar continuamente soluções criativas para problemas inesperados, dependendo o sucesso não apenas do que sabemos, ou do quanto sabemos, mas da nossa capacidade de pensar e agir criativamente, mobilizando o conhecimento nesta nova era a que Resnick (2003, 2007a) chama sociedade criativa. Referindo-se ao que sugere chamar-se “uma terceira cultura” – a da revolução electrónica e dos computadores – Steiner afirma que “A questão da literacia, do que poderia ou deveria significar a literacia neste século XXI, comporta hoje a intervenção de um factor novo e, sob muitos aspectos, decisivo” (Steiner, 2008, p. 212). Esta revolução tem, na sua opinião, “uma potência de recursos e um alcance incalculáveis” (Steiner, 2008, p. 213). Neste novo mundo dos computadores, o saber, a informação, a comunicação, o controlo psicológico e social, a nossa compreensão do cérebro e do sistema nervoso humanos são constantes essenciais reconsideradas e modificadas de forma radical (Steiner, 2008). Acrescenta, ainda, que “incontestavelmente, esta presença invasora produzirá, com o tempo, o seu feedback, que inflectirá os modos de estruturação do pensamento humano e os hábitos perceptivos” (Steiner, 2008, pp. 214-215). A Escola não pode, pois, ignorar os computadores ou diminuir as suas potencialidades com usos que não maximizem a sua eficácia inovadora nas formas de pensar e de construir o conhecimento. Partilho com Seymour Papert (1997) a ideia de que, desde que os computadores se começaram a insinuar na Escola, muito foi prometido, muito se previu e esperou, mas muito pouco aconteceu na realidade de verdadeiramente inovador, em grande escala, que pudesse ter consequências visíveis, consistentes e de efeito duradouro na formação dos alunos. Infelizmente, são poucas as salas de aula onde o foco é ajudar os alunos a desenvolverem-se como pensadores criativos, verificando-se frequentemente que estes saem da Escola pouco preparados para enfrentar os desafios do mundo do trabalho e também da sua vida pessoal (na maioria dos casos as TIC estão a ser usadas para reforçar as formas tradicionais de ensinar e aprender) (Resnick, 2007a). Não parece exagero afirmar que a mega-mudança (Papert, 1997) não aconteceu dentro da Escola, ao contrário de muitos sectores da sociedade que deveria servir. Se, por um lado, as novas tecnologias aceleram as mudanças, tornando mais premente a necessidade do pensamento criativo, por outro, se bem concebidas e usadas, têm o potencial de ajudar as pessoas no desenvolvimento desse pensamento criativo (Resnick, 2007a, 2007b). Como vai ser possível partir das sementes de micromudança da educação já plantadas e caminhar em direcção a uma Escola diferente mais 12 em sintonia com essa sociedade criativa? Papert (1997) fala-nos em três forças de mudança que poderão fazer a diferença. Por um lado cresce o número e variedade de empresas que integram o “negócio da educação”. Aos manuais e ao material escolar acrescentam-se agora os computadores e as ligações à Internet. Esta força de mudança não se centra apenas em princípios educacionais, ainda que alguns agentes económicos possam eventualmente sentir esse apelo de intervenção na sociedade. Não sendo a solução para todos os problemas, nem uma garantia de que esta venha a ser encontrada, pode realmente preparar o terreno para a inovação ao mudar a forma e intensidade com que a população e os jovens recorrem aos meios informáticos. É uma força real que não deve ser nem negligenciada, nem subaproveitada. Acrescenta-se a esta força de intervenção das empresas e evolução do acesso à tecnologia o cada vez maior número de pessoas que começa a pôr em causa a forma de organização e funcionamento da aprendizagem na Escola. Aqueles (individual ou colectivamente, com mais ou menos poder) que procuram pôr em prática as mudanças possíveis no modo de pensar sobre o aprender, vão abrindo caminhos por entre o mato denso. São os primeiros a compreender que a Escola não pode estar de costas voltadas para as novas realidades e exigências de um mundo cada vez mais digital, onde o aprender a aprender sem se perder no labirinto da informação, sustentado por um corpo de conhecimentos capazes de serem mobilizados na acção, será a arma fundamental da sobrevivência e do sucesso. E, finalmente, contaremos por certo com o poder das crianças (para Papert, a mais poderosa dessas forças). “Todas as crianças que têm em casa um computador e uma forte cultura de aprendizagem são agentes de mudança na Escola” (Papert, 1997). Elas podem ser os maiores aliados dos professores neste processo. Parece fazer sentido a Escola aproveitar “o apaixonado caso de amor entre crianças e computadores”, ter em consideração o “brilho nos olhos, o... desejo de se apropriarem dessa coisa”, confiar nos alunos que “sabem que pertencem à geração dos computadores” e não enfiar a cabeça na areia negando as mudanças que podem vir a ser desenhadas nos ambientes de aprendizagem se se aproveitar de forma criativa e inovadora esse instrumento que a tecnologia coloca à sua disposição (Papert, 1997). Será que estamos mesmo à espera que as crianças se mantenham passivas perante os currículos pré-digeridos do ensino básico, quando já exploraram o saber contido nas auto-estradas da informação de todo o mundo e se abalançaram a realizar projectos complexos, procurando por si próprias o conhecimento e os conselhos de que necessitaram para os pôr em prática? (Papert, 1997, p. 226) 13 As crianças devem, pois, ocupar um papel central na transição para a sociedade criativa, já que a infância é um dos períodos mais criativos da sua vida, mas devemos assegurar que essa criatividade seja alimentada, desenvolvida e aperfeiçoada para que possa persistir e continuar a crescer pela vida fora, sendo necessário desenvolver novas abordagens dos processos de aprendizagem e desenvolver novos tipos de tecnologias que suportem essas novas abordagens e estimulem a cooperação e o trabalho em equipa que promove o sentimento de pertença (Johnson e Johnson, 2008; Resnick, 2002). É por todas estas razões, que em conjunto reforçam a crescente urgência de não deixar as tecnologias de informação e comunicação fora dos portões da Escola, que procuro contribuir neste trabalho com sugestões de acção – concepção de um ambiente de aprendizagem (numa turma de 5.º ano do 2.º ciclo, disciplina de Matemática) – capazes de recuperar a necessidade intrínseca no aluno e, com ela, o motor para o desejo autónomo de acção. As actividades suportaram-se essencialmente na utilização da linguagem gráfica de programação designada por Scratch (Klopfer, Resnick, Maloney, Silverman, diSessa, Begel, e Hancock, 2004; Maloney, Burd, Kafai, Rusk, Silverman e Resnick, 2004; Resnick, 2007a, 2007b; Monroy-Hernández, 2007; Monroy-Hernández e Resnick, 2008; Resnick, Kafai, Maeda, 2003), que foi divulgada ao grande público e disponibilizada através da Internet em Maio de 2007. Inspirada nas linguagens Logo e Squeak (Etoys), mas pretendendo ser mais simples, fácil de utilizar e mais intuitiva (em vez de escrita, é “montada” com blocos gráficos que fazem lembrar as estruturas do LEGO), a linguagem de programação Scratch utiliza media diversificados, possibilitando a criação de histórias interactivas, animações, jogos, músicas e a partilha dessas criações na Internet (Monroy-Hernández, 2007; MonroyHernández e Resnick, 2008). Ajusta-se a qualquer tema e a qualquer tipo de interesse, pois está nas mãos do construtor decidir sobre o conteúdo e forma do projecto. O processo de iniciação é rápido e o utilizador (mesmo se muito jovem) pode imediatamente conceber projectos ajustados ao seu nível etário, com maior ou menor grau de mediação (a ferramenta foi pensada para crianças a partir dos oito anos, mas existem crianças mais novas a utilizá-la). Como em qualquer linguagem, o utilizador experiente pode também conceber projectos de enorme complexidade e elevado grau de interactividade (como são, por exemplo, os jogos). O Scratch permite, pois, qualquer nível de utilização, tal como a língua: da palavra ao romance e ao poema, há sempre espaço para múltiplas utilizações, para aperfeiçoar e (re)criar. Importa conhecer as razões que me levaram a escolhê-la. Trata-se de uma ferramenta concebida no Media Laboratory do Massachusetts Institute of Technology (MIT), sendo a mais recente de uma já longa linhagem de ferramentas que se iniciou com a criação da 14 linguagem de programação LOGO por Seymour Papert (Papert, 1980). Os seus criadores crêem que o Scratch, pelas suas características (descritas no Capítulo II), se adequadamente utilizado, pode contribuir para a criação de ambientes de aprendizagem motivadores, capazes de implicar o aluno no desenvolvimento de competências de identificação, formulação e resolução de problemas, entre outras competências desejáveis para o século XXI (Rusk e Resnick, s/d), alterando as relações entre os actores e o currículo. Na introdução ao espaço para os educadores, na página do MIT Scratch, http://scratch.mit.edu/pages/educators, pode ler-se: Scratch is designed with learning and education in mind. As young people create projects in Scratch, they learn many of the 21st century skills that will be critical to success in the future: thinking creatively, communicating clearly, analyzing systematically, using technologies fluently, collaborating effectively, designing iteratively, learning continuously. Nas Computer Clubhouses, onde se realizou muita da investigação conducente ao aperfeiçoamento do Scratch, os jovens têm a oportunidade de ver adultos a aprender e, embora pareça óbvio que, para se tornarem pessoas com boa capacidade de aprendizagem, um bom caminho deveria ser observar adultos a aprender, raramente isso acontece na Escola porque os professores evitam frequentemente as situações em que os alunos se possam aperceber da falta de algum conhecimento (Resnik e Rusk, 1999). Poderá esta ferramenta e outras, em ambientes pensados com essa intenção, ajudar a eliminar a já referida nostalgia de John Dewey, e de muitos de nós, pelas sociedades onde aprender era uma necessidade e uma actividade indispensável que se cumpria em processos participados e empenhados de imitação do adulto (Papert, 1980)? Reivindicar para a escola um pouco da aprendizagem que a existência da Internet fez deslocar para qualquer tempo e local? Fazer da Escola um espaço onde o currículo, os recursos, os métodos, as actividades, a relação pedagógica, a fragmentação não afastem os jovens desse processo de aprendizagem em sociedade (que continua a ocorrer, também com o recurso às TIC, para além dos muros da escola)? Na década de 60, Herbert Marshall McLuhan (citado por Coutinho e Júnior, 2007) já o adivinhava: “o planeta tornou-se a nossa sala de aula e o nosso endereço virtual”. Coutinho e Júnior (2007) reforçam: “O espaço da aprendizagem é aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender é hoje e sempre”. A tecnologia cataliza mudanças não apenas no que fazemos mas também na forma como pensamos, na consciência que temos de nós e dos outros e na forma como nos relacionamos com o mundo (Turkle, 2005). 15 A Escola não pode ficar do lado de fora desse universo de aprendizagens desejadas. Uma vez que os estudos e textos a que tive acesso, realizados durante o processo de concepção e aperfeiçoamento do Scratch, e mesmo depois, se referem sobretudo à sua utilização em ambientes informais de aprendizagem, como as Computer Clubhouses (Klopfer et al., 2004; Kafai et al., 2006; Kafai et al., 2007; Maloney at al., 2004; Maloney et al., 2008a, 2008b; Peppler e Kafai, 2005, 2008; Resnick e Rusk, 1996a, 1996b; Resnick, Rusk e Cooke, 1999; Resnick et al., 2003), é pertinente e necessário iniciar a concepção, criação e investigação de ambientes de aprendizagem suportados na utilização do Scratch em contexto escolar formal (curricular disciplinar ou não disciplinar mas também extra-curricular – clubes escolares), procurando analisar exploratoriamente as suas potencialidades como meio de reforçar uma mudança de abordagem do currículo e a pertinência de investigação subsequente, que possa conduzir a uma futura integração mais alargada de meios adequados de utilização do Scratch nas práticas de ensino, desde o ensino básico (ou mesmo antes, no pré-escolar). No presente estudo, o Scratch foi combinado com outras ferramentas (correio electrónico, blogues) e procurei estabelecer ligação com diferentes áreas curriculares (diciplinares ou não – como Área de Projecto e Estudo Acompanhado) para além da disciplina de Matemática. Mesmo levando em conta as limitações dos contextos formais de aprendizagem, penso que deve ser feito tudo o que estiver ao alcance do professor para que a abordagem com recurso ao Scratch seja integradora, não reproduza o modelo e as relações pre-existentes no currículo tradicional, antes os procure recriar de forma equilibrada, permitindo o desenvolvimento criativo de projectos com significado pessoal que apoiem a aquisição integrada de conhecimento, o trabalho cooperativo e a partilha de saberes, bem como a sua articulação com momentos de sistematização mais dirigida dos saberes e da sua prática compreensiva. Um dos principais desafios que me guiou foi o de experimentar e documentar algumas formas possíveis de conseguir articular e combinar liberdade, criatividade, contextualização e adequação às necessidades e conhecimentos prévios de cada aluno, com a organização exigente, em momentos de sistematização e maior formalização, para a progressão na interiorização de conceitos mais complexos (matemáticos e outros), previstos ou não no currículo para o 5.º ano de escolaridade. Procurou-se, ainda assim, não desvirtuar a necessária essência livre e espontânea de utilização de ferramentas deste tipo preconizada pelos seus autores, dado que a desvirtuação pode levar à ausência de resultados significativos (Papert, 1993). Por vezes experiências deste tipo acabam por desapontar por não terem ido suficientemente longe na tentativa de tornar o aluno sujeito do processo e não o 16 seu objecto (uma experiência demasiado tímida falhará, tal como falharia o teste a um novo tratamento se os médicos tivessem receio de administrar os medicamentos em doses eficazes) (Papert, 1993). E, acrescenta ainda Papert (1993), se os meios disponíveis forem poucos e se não existirem ferramentas adequadas que suportem de forma sistemática e confiável o desenvolvimento de novos métodos, as experiências podem suportar-se excessivamente nos talentos especiais do professor em contextos sociais muito particulares e os eventuais sucessos não podem ser generalizados. Ainda que entendamos, também, que a mudança deveria ser mais profunda, as actuais condições de funcionamento da Escola e o condicionamento imposto pela forma de distribuição do tempo, não a permitem em toda a extensão, como seria desejável. A actuação do professor, a partir do segundo ciclo do Ensino Básico, resume-se a alguns tempos por semana junto dos seus alunos, frequentemente sem as condições tecnológicas adequadas e com um tempo muito reduzido da componente não lectiva que não contempla a necessidade de apoiar os alunos nas actividades relacionadas com as TIC (que não devem restringir-se ao tempo em contexto de aula). Considerando que tal não deve ser argumento para não investir nas mudanças possíveis, e sabendo que não é fácil para os docentes cortarem de forma radical com rotinas prévias, procurei a criação de um contexto ambicioso mas conciliador, com possibilidade de aplicação prática (muitas vezes com recurso – decisão intencional – a materiais e fichas que utilizo regularmente em contexto menos inovador). Não é possível esconder o facto, todavia, de que a experiência (e o seu estudo) só se tornaram possíveis com o acréscimo de muitas horas semanais ao trabalho pessoal. Por estas razões, existem riscos de desvirtuação do potencial do Scratch (que poderá ser maximizado em contextos menos limitados de exploração) e a necessidade de levar mais longe a experimentação, reformulando os contextos de aplicação – é urgente e necessário repensar a actual estrutura de funcionamento da Escola em muitas das suas vertentes. Bons recursos sem uma nova forma de repensar a organização dos espaços e tempos da Escola, e as relações entre os seus actores, não terão o potencial de gerar mudança. Apenas servirão, devidamente domesticados aos modos de fazer habituais, para perpetuar os modelos tradicionais. Papert (1993, 2001) usa a metáfora do sistema imunitário para explicar a razão pela qual a Escola actua como um organismo vivo, defendendo-se de corpos estranhos através de uma reacção que leva à digestão e assimilação dos intrusos. Recorrendo à mesma metáfora, Lowyck (2008) recorda que os media e a tecnologia foram inventados e desenvolvidos com propósitos exteriores à Escola sendo, por isso, “órgãos” estranhos ao organismo educativo, sendo absolutamente necessário desenvolver conhecimentos sobre “transplantação” para lidar com o sistema 17 imunitário da Escola. Construir esse conhecimento não será apenas uma questão tecnológica, ele precisará de assentar numa abordagem multidisciplinar da investigação (aprendizagem e instrução, psicologia, filosofia, currículo, organização escolar, tecnologia...) de forma a poder convergir em estratégias educativas inovadoras que levem em conta a complexidade crescente do processo e da gama de tecnologias utilizadas em educação (Lowyck, 2008). A investigação no campo das TIC começou, todavia, com muitos estudos a um nível micro da complexidade real dos sistemas envolvidos, procurando-se analisar de forma isolada a influência de um ou outro factor, aspecto que tem vindo a ser corrigido à medida que se vai tomando consciência da complexidade das interacções envolvidas e, consequentemente, apelando a abordagens de investigação adaptadas às novas necessidades (Lowyck, 2008). A investigação em educação nunca deveria ter sido concebida para se dedicar sobretudo à avaliação da eficácia ou impacto de certas práticas (Bruner, 1999b). “The master question from which the mission of education research is derived is: What should be taught to whom, and with what pedagogical object in mind?” (Bruner, 1999a, p. 408). Quando falamos sobre computadores na educação, não deveríamos pensar neles como máquinas que produzem algum tipo de efeito, mas sim reflectir sobre a oportunidade que a presença do computador oferece para rever o conceito de aprendizagem e para repensar a educação na sua essência (Papert, 1990, 1993). A tendência para colocar no centro o objecto tecnológico – tecnocentrismo (Papert, 1987) – revela-se em questões que se desenvolvem em torno da prova de que o computador, ou determinado programa, é (ou não) agente de consequências por si só sobre o pensamento e a aprendizagem. Será aconselhável adoptar antes uma visão crítica e fundamentada (“computer criticism”, por oposição ao tecnocentrismo) que permita, mais do que julgar (embora esta função seja também necessária), compreender, explicar e colocar em perspectiva o papel das TIC (o melhor e o pior) na sua relação mais profunda com os actores e os contextos educativos em que são utilizadas (Papert, 1987). É possível agir sobre o desejo das crianças de criar e de aprender, proporcionando-lhes ferramentas e ambientes de aprendizagem estimulantes e encorajadores para desenvolver estratégias de pensamento e resolução de problemas (Papert, 1980, 2005; Resnick, 1994). Como Papert (2005) afirma: “I believe with Dewey, Montessori, and Piaget that children learn by doing and by thinking about what they do. And so the fundamental ingredients of educational innovation must be better things to do and better ways to think about oneself doing these things” (p. 353). A utilização de computadores, se não for para ensinar o mesmo da mesma forma com uma roupagem diferente, abre um vasto universo de possibilidades de coisas para fazer, embora a magia só aconteça quando são combinados com 18 o poder conceptual das ideias poderosas associadas com a computação (Papert, 2005). Tornase assim pertinente e necessário, por um lado, contribuir para a melhoria da qualidade dos ambientes de aprendizagem, com recurso às TIC, identificando e aplicando algumas das características que as possam tornar capazes de gerar nos alunos a necessidade e a confiança para o desenvolvimento gradual do gosto e da competência de raciocínio e resolução de problemas, e, por outro, desenvolver processos metodológicos de investigação e compreensão dos processos construídos e vividos com essa intenção. Em simultâneo, tratando-se de uma investigação de natureza prática, enraizada na acção, exigiu o aperfeiçoamento de competências profissionais docentes, numa perspectiva de formação permanente em contexto, e uma reflexão sobre a necessidade de mudar a forma tradicional de abordagem ao currículo e os modos de aprender em contexto escolar, com o recurso às TIC. No caso mais específico deste estudo, pelas razões já expostas, privilegiou-se a utilização do Scratch (e de outras ferramentas de apoio como o correio electrónico, pesquisa na Internet, construção de blogues) na disciplina de Matemática – turma do 5.º ano, 2.º ciclo – em ligação com outras áreas curriculares (diciplinares e não disciplinares) e, posteriormente, com um espaço de apoio de natureza extra-curricular. Uma nota final: Tomei conhecimento que no processo de consulta e avaliação do novo programa de Matemática, que entrará em vigor em 2009/2010 (Anexo III), foi acrescentada em “Recursos: sítios da Internet e materiais” uma sugestão de ligação ao Scratch - scratch.mit.edu - descrito como um “Ambiente de programação visual e toolkit, para os alunos construírem jogos, histórias animadas, arte interactiva e comunicar na Internet”. Isto reforça a ideia de que faz sentido iniciar o desenvolvimento de experiências com esta ferramenta, ainda desconhecida pela maioria dos professores (entre 2007 e 2009). As questões de investigação... All teachers have wonderings worth pursuing. Transforming wonderings into questions is the start of teacher research. (The art of classroom inquiry – Ruth S. Hubbard e Brenda M. Power, 2004, p. 2) São muitas as possibilidades e campos de investigação oferecidos pela utilização do Scratch. À medida que o trabalho foi sendo desenvolvido, tornou-se clara a vasta ramificação de acções, influenciadas pelas características da própria ferramenta, pela forma como o ambiente de aprendizagem evoluiu ao longo do tempo e pelo apelo a outras ferramentas 19 complementares que enriqueceram o seu potencial. Todavia, foi necessário circunscrever as áreas de intervenção e observação, sem deixar de coligir informação complementar e relevante que pudesse ser pertinente para futuras abordagens do tema e, sobretudo, fornecer pistas úteis aos professores e educadores que permitam a reflexão e a reprodução das acções possíveis, ajustadas aos diferentes contextos, quando se tenham revelado capazes de produzir alguns resultados positivos, ainda que em circunstâncias específicas e muito restritas, como é o caso do trabalho a que se refere este texto. Com este estudo pretendeu-se observar, descrever e analisar a influência da utilização do Scratch, em contexto escolar formal (em ligação com outros contextos), na recuperação da necessidade criadora de agir, promovendo nos alunos (e no professor) a motivação para desenvolver o engenho na formulação e resolução de problemas. A opção pelo Scratch gerou as questões de investigação apresentadas no Quadro 1. Quadro 1. Questões de investigação (QInv) e domínios investigados QInv1 Características do ambiente de aprendizagem e relação com o currículo? QInv2 Consequências do trabalho desenvolvido? QInv3 Constrangimentos à criação e desenvolvimento do ambiente de aprendizagem? Que características de um ambiente de aprendizagem, envolvendo a utilização do Scratch, podem permitir a emersão e gestão flexível de temas e conceitos do currículo oficial da disciplina de Matemática (ensino básico), optimizando as potencialidades desta ferramenta no desenvolvimento da motivação para aprender e para a formulação e resolução de problemas? Os domínios investigados foram: (a) organização do tempo e do espaço; (b) actividades, práticas, materiais, recursos, avaliação. Que consequências parecem relacionar-se com a criação deste ambiente de aprendizagem envolvendo a utilização do Scratch? Os domínios investigados foram: (a) características do trabalho produzido pelos alunos com o Scratch e abordagem de conceitos previstos e não previstos no programa de estudos do 5.º ano; (b) relação afectiva dos alunos com a disciplina de Matemática, com a actividade de resolução de problemas (representações e crenças) e percepção sobre o seu desempenho nesta disciplina; (c) envolvimento familiar, ocupação dos tempos livres e percepção que os alunos (e pais) tiveram da experiência; (d) desempenho académico comparado. Que constrangimentos condicionaram a criação e desenvolvimento de um ambiente de aprendizagem construcionista (“learning-by-designing”) com recurso ao Scratch, na actual estrutura de funcionamento da Escola? Os domínios investigados foram: (a) recursos; (b) gestão do currículo da disciplina de Matemática; (c) estabelecimento de pontes com outras áreas curriculares. 20 Os objectivos The ultimate goal: to keep alive the child inside us, so that the creativity of childhood persists and grows throughout a lifetime. (Playful Learning and Creative Societies – Resnick, 2003) Como objectivos de longo prazo procurou-se com este estudo contribuir para: - a concepção, criação, investigação e descrição de ambientes de aprendizagem na disciplina de Matemática em ligação com outras áreas curriculares (esboço flexível de um modelo possível de intervenção), suportados na utilização das TIC, com especial ênfase para a linguagem de programação Scratch (em articulação com outras ferramentas – correio electrónico e blogues); - o desenvolvimento nos alunos e no professor da motivação para identificar, formular e resolver problemas com autonomia, ajudando a melhorar a sua formação e desempenho nos respectivos campos de intervenção; - a compreensão da influência de um ambiente de programação gráfica de âmbito construcionista na melhoria da relação dos alunos com a disciplina de Matemática, procurando recuperar a sua imagem como uma forma de pensar e de estar (ênfase no processo de construção de conhecimento) e não apenas como um conjunto de procedimentos a memorizar; - a melhoria da qualidade do sucesso educativo em geral e da Matemática em particular, e a aproximação da Escola às exigências e desafios de um mundo onde a autonomia e a competência de pensar criativa e criticamente e de formular e resolver problemas, sustentadas num conhecimento sólido e interiorizado, se tornam indispensáveis ao exercício da cidadania. 21 CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL Necessidade, problema, visão, construção do conhecimento É inspiradora a reflexão de Ortega y Gasset (Arendt et al., 2000) sobre as questões da necessidade que subjaz à criação da Ciência por homens e mulheres de excepção, capazes de sentir essa necessidade sem que aquilo que a satisfaz tenha de lhe pré-existir (ao contrário do desejo, que implica contacto com a coisa desejada, real ou imaginada). As disciplinas existem porque alguém necessitou delas, sentiu a sua falta, tendo os gestos de criação resultado de um esforço empenhado directamente relacionado com a necessidade sentida (esta reflexão é encaminhada para a análise da missão do estudante que se cruza com a Ciência já feita, sem dela sentir necessidade). Interessa-nos, de momento, na procura de um enquadramento conceptual necessariamente simplificado, perceber como contribuiram as ideias e propostas de aproximação à verdade, desses pensadores, para o vivido e investigado no presente momento. De que forma inspiraram, também, uma certa forma de necessidade na procura de aproximação a algumas respostas possíveis ao problema central deste trabalho, apresentadas sob a forma de descrição e tentativa de compreensão da realidade. As aproximações à verdade contidas nos caminhos de construção, resultaram então de uma profunda necessidade, da sábia formulação de problemas, de uma visão criativa e inspirada das possibilidades e da procura de meios e instrumentos para testar as conjecturas. “Verdade é aquilo que aquieta uma inquietude da nossa inteligência. Sem esta inquietude não se dá aquele aquietamento” (Ortega y Gasset, 1933, citado por Arendt et al., 2000, p. 89) . Muitas das verdades encontradas foram enunciadas primeiro por um homem e, depois, revistas, repensadas e redescobertas por outros que completaram o esforço do primeiro. Como Ortega y Gasset, 1933/2000 afirma: ... aquele que sente falta de uma ciência, aquele que sente uma profunda necessidade de verdade, aproximar-se-á de forma cautelosa do saber já feito, cheio de desconfiança, submetendo-o à crítica; muito provavelmente, partindo mesmo do pressuposto de que aquilo que os livros ensinam não é verdade. Em suma, precisamente porque sente com radical angústia a necessidade de um saber, pensará que esse saber não existe ainda e procurará desfazer o que se lhe apresenta como já feito. São assim os homens que constantemente corrigem, renovam, recriam a ciência ( p. 93). 22 No esforço de enquadrar conceptualmente a experiência relatada neste trabalho, mais do que realçar diferenças entre teorias ou perspectivas sobre elas, procurei referir de forma genérica os aspectos comuns, e os que se completam e enriquecem mutuamente, dos contributos dados por aqueles cujos trabalhos estão mais directamente ligados aos temas em estudo neste trabalho, regressando a eles mais tarde, ou incluindo outros, em momentos específicos de descrição de alguns dos aspectos observados no decorrer das actividades com os alunos. Novas tecnologias, novas literacias, mais necessidade, mais engenho? Enquadramento. Comecemos por viajar no tempo: It is 100 years since John Dewey began arguing for the kind of change that would move schools away from authoritarian classrooms with abstract notions to environments in which learning is achieved through experimentation, practice and exposure to the real world. I, for one, believe the computer makes Dewey's vision far more accessible epistemologically. It also makes it politically more likely to happen, for where Dewey had nothing but philosophical arguments, the present day movement for change has an army of agents. The ultimate pressure for the change will be child power (Papert, 1996). Podemos encontrar nas ideias de Dewey o esboço de uma filosofia que o desenvolvimento tecnológico ao longo do tempo ajudou a tomar forma na prática. Papert (1993) comparava estes inovadores da educação a Leonardo da Vinci, cujos planos para um avião tiveram de esperar pelo tempo certo (os irmãos Wright conseguiram fazer acontecer na prática o sonho de da Vinci, graças à infraestrutura tecnológica e cultura científicas aperfeiçoadas com a evolução do tempo). Segundo Papert (1993) as ideias poderosas (e complementares) de inovadores como Dewey (as crianças aprenderiam melhor se a aprendizagem fosse verdadeiramente parte da sua experiência de vida), Freire (as crianças aprenderiam mais se fossem responsabilizadas pelo seu processo de aprendizagem), Jean Piaget (a inteligência emerge de um processo evolutivo no qual muitos factores precisam de encontrar tempo para atingir o seu equilíbrio), ou Lev Vygotsky (a linguagem e o diálogo têm um papel fundamental na aprendizagem), não levantaram voo porque tentar colocar de pé uma escola baseada nos vários princípios era como tentar construir o avião de Leonardo sem os materiais e ferramentas adequados. Quem tentou seguir na prática as ideias destes pensadores foi forçado a tantos compromissos que a intenção original se perdeu (Papert, 23 1993). As tecnologias da informação e comunicação trouxeram novas questões para o debate sobre a educação e aprendizagem. diSessa (2001) questionava-se se a educação poderia ser transformada pela presença dos computadores de tal forma que as crianças pudessem aprender mais, mais cedo, mais facilmente e, sobretudo, com mais motivação, prazer e empenho. Para responder será preciso comprender melhor os processos de aprendizagem, a forma como agimos e pensamos. Os dados disponíveis de toda a investigação que vem sendo feita parecem ser prometedores relativamente ao potencial de máquinas e seres humanos, se combinados de forma adequada para construir as bases de uma nova literacia que possa gerar uma melhoria na investigação dos processos de aprendizagem – ciências da educação (diSessa, 2001). Mesmo na incerteza das conclusões seria irresponsável não perseguir e aprofundar as possibilidades abertas pelas literacias computacionais procurando compreender como os recursos disponíveis nos podem ajudar a pensar melhor e quais serão as implicações sociais desta literacia a médio e longo prazo (diSessa, 2001). As TIC desafiam-nos a reexaminar o que é possível ensinar numa determinada idade (nomeadamente nas áreas da Ciência e Matemática), por oferecerem novas abordagens e recursos que não seriam concebíveis sem essas tecnologias, o que pode ter implicações na definição do currículo escolar previsto actualmente para os diferentes níveis etários (Tinker, 1999). Esta concepção de que as TIC, adequadamente utilizadas em contextos construcionistas, podem permitir a antecipação de aprendizagens de conceitos que exigem maiores níveis de abstracção está presente em vários textos de autores que têm investigado a sua utilização naqueles contextos, dos quais se destaca Seymour Papert. Não faz sentido num estudo desta natureza aprofundar as ideias e perspectivas de todos aqueles que, à sua maneira, e frequentemente de formas complementares, contribuiram para alargar o conhecimento nas áreas da aprendizagem, cognição e desenvolvimento, bem como da sua relação com a evolução ao longo do tempo das ferramentas e contextos mediadores que os estimulam. Também não se justifica aprofundar as interpretações que diferentes autores vão fazendo dos textos e ideias dos mais relevantes pensadores e investigadores nestas áreas ou, tão pouco, expressar concordância, procurar confirmação, ensaiar generalizações ou aplicações na prática que resultem directamente das ideias dos “mestres”. Pelo contrário, julgo que importa referir (de forma sumária) algumas das ideias e conceitos essenciais que enquadram este estudo e que com ele se relacionam de alguma forma, embora consciente de que muitos outros conceitos e ideias poderiam ser mencionados 24 completando as referências aqui deixadas. É importante relevar a ligação entre as TIC e os conceitos e conteúdos do currículo que foram sendo construídos ao longo do tempo, muitos deles em épocas anteriores à sua utilização e generalização. A investigação vem demonstrando que só o acesso às TIC não é suficiente e que adicionar as TIC às actividades habituais da escola, sem mudança das práticas que propiciem uma verdadeira integração e reconfiguração das actividades nelas suportadas (outro tipo de desafios e de mediação), não parece ter influência nos resultados da aprendizagem dos alunos (De Corte, 1993; Jonassen, 1996; Thompson, Simonson e Hargrave, 1996, entre outros, citados por Miranda, 2007). O eventual sucesso poderá residir, por um lado, no esforço dos investigadores que procuram conceber ferramentas capazes de potenciar e acelerar os processos de desenvolvimento e a aprendizagem de crianças e jovens, no empenho de professores na procura de soluções criativas e investimento na sua formação e, por fim, na criação, pelos responsáveis, das condições adequadas (recursos tecnológicos, tempo, organização dos curricula...) que permitam, em conjunto, levar as TIC a contribuir para a melhoria dos processos de aprendizagem na Escola. No Quadro 2 procurei fazer uma síntese de algumas das ideias e conceitos mais relevantes que enquadram teoricamente o estudo de forma mais geral, antes de referir a investigação mais directamente relacionada com os ambientes de programação micromundos e com a ferramenta Scratch . 25 Quadro 2. Algumas das ideias e conceitos que se relacionam com o presente estudo. Construtivismo Zona de desenvolvimento próximo Scaffolding Acção mediada Construcionismo Aprendizagem situada Comunidades de prática Motivação Learning by designing Learning through design Knowledge as design Resolução de problemas DEWEY - A ideia básica do pensamento de John Dewey sobre a educação está centrada no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do aluno. “I believe that the only true education comes through the stimulation of the child’s powers by the demands of the social situations in which he finds himself. (…)”. Educação como processo social – “process of living and not a preparation for future living”… “School must represent present life”... (Dewey, 1897) PIAGET - Construtivismo: Aprendizagem como um processo dinâmico, no qual as pessoas constroem continuadamente novo conhecimento (modelos mentais e teorias sobre o mundo à sua volta) aperfeiçoando-o ao longo do tempo. O desenvolvimento comanda a aprendizagem (Harel, 1991; Lourenço, 2005). “The core of Piaget is his belief that looking carefully at how knowledge develops in children will elucidate the nature of knowledge in general” (Papert, 1999, p. 2). VYGOTSKY - Visão sócio-cultural e construtivista do desenvolvimento cognitivo. Relevo do papel da linguagem e dos contextos culturais no processo de construção do conhecimento.O conceito a que Vygotsky chamou Zona de Desenvolvimento Próximo (proximal, ou potencial) “foi desenvolvido a partir do postulado básico da origem social das funções cognitivas superiores, da relação entre o funcionamento interpsicológico e intrapsicológico. É nesta zona que a assistência dos outros permite à criança internalizar novos tipos de experiência. Na sua obra ‘Mind in Society’ (1978), ... define a ZDP como a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança, determinado por meio da resolução independente do problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com pares mais capazes de o resolverem” (Paiva e Gaspar, 2005, pp. 68-69). Esta teoria origina uma concepção que contradiz a orientação tradicional – basear o ensino no desenvolvimento já produzido – afirmando-se que “o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”. A aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma correcta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental e activa todo um grupo de processos de desenvolvimento que não poderia produzir-se sem a aprendizagem” (Vygotsky,1977, 2007[1934]). Scaffolding = ( “Apoio-para-se-chegar-mais-longe” que depois pode ser retirado quando a criança já é capaz de realizar a tarefa sem apoio) – conceito implícito no trabalho de Vygotsky mas não em Piaget (Lourenço, 2005) e que aparece referido pela primeira vez num texto de Jerome Bruner (Wood, Bruner e Ross, 1976). BRUNER - Teoria da aprendizagem influenciada pela teoria cognitiva mas profundamente ligada aos contextos culturais onde se desenvolve a aprendizagem (Bruner, 1998, 1999a). A aprendizagem é (implica) um processo activo de construção de novas ideias e conceitos baseados nas experiências anteriores... O crescimento envolve, assim, não propriamente uma série de estádios, mas uma sucessiva mestria de formas de representação da realidade (Rafael, 2005). Qualquer tema pode ser ensinado de forma intelectualmente honesta a qualquer criança em qualquer estádio de desenvolvimento, desde que se utilizem procedimentos adequados às necessidades e estilos cognitivos (Bruner, 1998). Assimiliação inventiva, saber como processo e não como produto. Importância de uma estrutura condutora no currículo - ideias essenciais e aprendizagem de processos de construção da Ciência (descoberta). Conceito de aprendizagem em espiral (Bruner, 1998, 1999a). Importância da tutoria na resolução de problemas e na construção de conhecimento: Scaffolding - artigo em que pela primeira vez foi usado o termo (Wood, Bruner e Ross, 1976) WERTSCH - Desenvolveu a sua visão sobre a ‘acção mediada’ com base nos enunciados de Vygotsky. “Action and mind are fundamentally shaped by the ‘cultural tools’, or ‘meditational means’ that individuals and groups employ” (Wertsch, 2002 p.105; Wertsch, 1985, 1991, 1998)… A correlate of this is that with the introduction of a new cultural tool into the flow of human action we should be on the lookout for qualitative transformation of that action rather than a mere increment in efficiency or some other quantitative change. … Vygotsky wrote that “by being included in the process of behavior, the psychological tool [sign] alters the entire flow and structure of mental functions…” (Vygotsky, 1981, p.137 em Wertsch, 2002, p.105). The central psychological tool was natural language, but he clearly intended his claim to apply to a host of other items as well … Writing in 1930, Vygotsky could not, of course, have included computer hardware and software in his list, but it is now widely recognized that his general claims apply in interesting ways to these as well… (Wertsch, 2002, p.105). “Both personal expressions and cultural artifacts become objects-tothink-with (Papert, 1980) or meditational means (Wertsch, 1991)… People build them to make ideas tangible, and they share them to negotiate meanings or to communicate” (Ackerman, 1996). Jonassen (2007), numa perspectiva construtivista, reforça esta ideia designando os computadores, como ferramentas cognitivas (“mind-tools”) que apoiam a aprendizagem. 26 PAPERT - Construcionismo - Extensão do conceito de construtivismo de Piaget. As pessoas constroem conhecimento novo especialmente bem quando se envolvem na manipulação e construção de objectos de diferentes tipos (desde castelos de areia, a programas de computador, ou teorias sobre o Universo). Assenta na ideia de que a aprendizagem é mais eficaz quando parte dela corresponde à experiência de construção de produtos com significado pessoal e também para o mundo à nossa volta. Na sequência destas ideias foram concebidas ferramentas que permitissem atingir estes objectivos tirando o melhor partido do potencial oferecido pelos computadores – “Objectsto-think-with” – levando em conta aspectos sociais, afectivos e culturais e estimulando a aprendizagem do tipo “Learning by designing” / “Learning through design” (Harel, 1991; Papert 1980, 1986, 1993, 1997; Papert e Harel, 1991;Resnick, Rusk e Cooke, 1999). Papert contrasta construcionismo (novas formas para os aprendizes construirem) com instrucionismo (novas formas para os professores instruirem) e embora ambos sejam importantes é mais provável que a melhoria nos processos educativos resulte de avanços no construcionismo (Resnick, 1997). O maior desafio para os educadores e investigadores é, pois, a criação de ferramentas e ambientes que envolvam os estudantes na construção, invenção e experimentação. ”This process involves (at least) two levels of design: educators need to design things that allow students to design things” (Resnick, 1997, p. 24). Algumas dessas ferramentas ou ambientes são os micromundos LOGO (e outros ambientes semelhantes, como o Scratch) – dispõem de um conjunto de operações simples que permitem imersão e exploração acessível em tarefas de construção com significado, que auxiliam a compreensão de ideias e princípios poderosos de vários campos do conhecimento (Papert 1980, 1986, 1993, 1997; diSessa, 2001). Papert (1980, 1993) associa os ambientes de programação como o LOGO às ideias de Pólya sobre a resolução de problemas: “I believe that turtle geometry lends itself so well to Pólya’s principles that the best way to explain Pólya to students is to let them learn turtle geometry… it serves as a carriers for the general ideas of a heuristic strategy” (Papert, 1980, p. 64) PERKINS - Conhecimento como “design” - A teoria de Perkins sobre o conhecimento sugere a Harel (1991) uma combinação interessante das perspectivas de Piaget, Papert e Vygotsky. Se se considerar o carácter de “design” do conhecimento, apercebemo-nos de que a construção do nosso próprio conhecimento acontece tanto interiormente (através da nossa própria construção e “design”) como exteriormente através do apoio-para-chegar-mais-longe (scaffolding) de um adulto mais conhecedor que também usa a estrutura do “design” na mediação e orientação da aprendizagem da criança. São igualmente essenciais na estruturação dos processos de construção tanto um adulto conhecedor, como um par mais experiente, disposto a ajudar, ou uma ferramenta particular (“design-tool”) (Harel, 1991). “… Perkins (1986) distinguished between knowledge as design and knowledge as information… One of his central arguments was that the ways we think, learn, and teach knowledge should reflect the active use and its connections with other knowledge elements. He defined design as ‘a structure adapted to a purpose’ and stated that much of human activities is directed toward ‘shaping objects to purposes’, which reflects one of the main ideas of design – to create artifacts. Perkins used design as a framework for the learning process – a framework that facilitates thinking and learning as the designer formulates on what the purpose of the knowledge is. These questions can be used as guidelines to direct inquiry and exploration as well as the more goal-directed process of solving problems and evaluating results. These questions help the learner to establish connections between what is known and what is learned, and ask for what purpose it is learned. In Perkins’ terms, creating a design environment for learning means providing a framework in which asking these questions can be a meaningful activity” (Kafai, 1995, p. 14). LAVE E WENGER – O conhecimento/aprendizagem são situados, geralmente não intencionais, e não ocorrem separados da actividade, contexto e cultura em que são construídos e actualizados. A interacção social e a cooperação são componentes essenciais (comunidades de prática) (Lave e Wenger 1991;Wenger, 1998). PÓLYA - Resolução de problemas – Heurística: “A great discovery solves a great problem but there is a grain of discovery in the solution of any problem. Your problem may be modest; but if it challenges your curiosity and brings into play your inventive faculties, and if you solve it by your own means, you may experience the tension and enjoy the triumph of discovery. Such experiences at a susceptible age may create a taste for mental work and leave their imprint on mind and character for a lifetime” (Pólya, 1990[1945] p. xxxi ). É uma oportunidade para o professor desafiar a curiosidade dos alunos. A experiência de Pólya na investigação levou-o a reconhecer que existem algumas técnicas de resolução de problemas que os matemáticos usam mas nem sempre sistematizam (Pólya, 1990[1945]) . VÁRIOS AUTORES - Motivação – “Na investigação sobre os ambientes que promovem a motivação intrínseca e outras formas internas de motivação, emerge como essencial a dimensão de apoio à autonomia que se refere à quantidade de liberdade para determinar o comportamento próprio, à estimulação da capacidade de iniciativa e de auto-determinação do sujeito. ... Em suma, estimular a confiança na capacidade promove a motivação, mas é também necessário encorajar os alunos a definir objectivos relacionados com as matérias e facilitar experiências emocionais positivas” (Lemos, 2005, pp. 220-221). A vontade de aprender é um motivo intrínseco que tem origem e recompensa no seu próprio exercício. ... só se torna um ‘problema’ em circunstâncias especializadas como as da escola, em que o currículo é fixo, os estudantes estão confinados e o caminho é invariável” (Bruner, 1999a, p. 158). 27 Embora existam semelhanças várias entre as propostas de alguns dos teóricos mais marcantes, Harel (1991) salienta uma diferença essencial entre Papert e outros três (Piaget, Vygostsky e Perkins) já que Papert questiona a elevada importância atribuída por todos ao pensamento formal e abstracto. Ao contrário de outros, Papert não tenta encontrar “melhores métodos” para facilitar o pensamento abstracto ou para ajudar quem está a aprender a alcançar o formal e o abstracto; em vez disso ele almeja a criação de ambientes de aprendizagem onde tanto os pensadores abstractos como os concretos se possam desenvolver e sentir sucesso nas suas conquistas cognitivas (Harel, 1991). Não obstante, nos seus escritos mais recentes, Papert considera o construcionismo como uma síntese das várias visões dos processos mais eficazes de construção do conhecimento (Harel, 1991): Constructionism is a synthesis of the constructivist theory of development psychology [Piaget’s theory], and the opportunities offered by technology to base education for science and mathematics on activities in which students work toward the construction of an intelligible entity rather on the acquisition of knowledge and facts without a context in which they can immediately be used and understood. A central feature of constructionism is that it goes beyond what is usually called “the cognitive” to include social and affective facets of mathematics and science education… Constructionism goes beyond (while) including hands-on… but the fact that [several children] are working to make something, and especially the fact that they are making something they believe in, adds extra dimensions. (Papert, 1986, p. 8, citado por Harel, 1991, p. 32). Este é o conceito que de forma mais abrangente enquadra o trabalho desenvolvido e o estudo feito sobre ele. A motivação e influência mais directas provêm do trabalho de Seymour Papert, e das suas reflexões, combinadas com a investigação em torno das questões associadas à motivação – sobretudo a intrínseca – condicionadora da necessidade e vontade de aprender, nomeadamente em ambientes de aprendizagem frequentemente muito limitados como são os oferecidos pela Escola (Bruner, 1999a; Lemos, 2005). O ambiente de programação Scratch O Scratch foi partilhado com o mundo, pela primeira vez, em 15 de Maio de 2007. Apesar das tentativas, nos anos oitenta e noventa, de introduzir a linguagem de programação LOGO em contextos formais de aprendizagem, sobretudo nos primeiro e segundo ciclos do Ensino Básico, acompanhadas de estudos que procuraram testar e validar o 28 seu potencial, não parece ter havido uma consequente e consistente generalização de experiências e modelos. Nos últimos anos o interesse pelo LOGO como meio para a aprendizagem da Matemática foi-se desvanecendo (Guzdial, 2004) (também em Portugal, mesmo com a evolução sofrida por esta linguagem ao longo dos últimos anos para tornar a sua utilização mais acessível e interessante), sendo progressivamente menor o número de artigos publicados anualmente, embora se tenham destacado trabalhos importantes como o de Idit Harel em 1990 (Kaput, 1992). Harel colocou alunos a construir projectos sobre fracções para os seus pares do 4.º ano, com bons resultados em várias dimensões, incluindo a aprendizagem dos números racionais (Harel, 1991; Kaput, 1992). Kafai (1995) também concebeu e investigou um ambiente semelhante – contexto para aprendizagem das crianças, através da construção de jogos com a linguagem LOGO (Matemática). A tendência de algum abandono das actividades de programação em geral, para jovens, e do LOGO em particular, tem levado a que os investigadores desta área procurem investir na melhoria das características técnicas deste tipo de ambientes, tornando-os mais atraentes, eficazes e multifuncionais, ajustados aos interesses actuais dos utilizadores e à sua forma de se relacionar com o mundo numa sociedade em que a tecnologia está omnipresente (Kelleher e Paush, 2005; Guzdial, 2004). Não deixa de ser curiosa a forma como até as próprias linguagens de programação, concebidas para os jovens, se têm vindo a adaptar, evoluindo no sentido da simplificação de utilização – facilitando a sua compreensão inicial e o seu manuseamento – e sendo enriquecidas em elementos multimédia que aumentem a motivação, o desejo e a necessidade por parte dos utilizadores jovens (a competição oferecida por outras ferramentas é grande). Sendo as razões compreensíveis, não deixa de ser um movimento paralelo de menor exigência, pelo menos na abordagem inicial à ferramenta, ainda que, depois, e aí resida toda a diferença e importância, a sua utilização permita o desenvolvimento de competências de resolução de problemas de nível superior. Como diz Papert (1996), a propósito dos Micromundos, esta nova LOGO “colocou o chão num nível inferior e o tecto num nível superior, aproveitando novas ideias e computadores mais rápidos” (p. 96 ). Todavia, Papert (1995) afirma que o argumento da evolução técnica conta apenas uma parte da história e considera que o universo da educação (incluindo nele as comunidades de investigação, as burocracias institucionais e as próprias escolas) não valorizou suficientemente o potencial educativo destes recursos para lutar por eles e usá-los de forma intensiva, consistente e criativa. A convicção de que o abandono do trabalho sistemático com as linguagens de programação, que não permitiu generalizar uma cultura própria, também se deveu às limitações impostas pela Escola e seus ambientes formais e rígidos, influenciou os 29 investigadores a desviar o foco de investigação da Escola para as actividades extra-escolares, por acreditarem que é fora dela que a maior parte do desenvolvimento da fluência tecnológica e de outras competências ocorre (Peppler e Kafai, 2007b; Resnick, 2003). A Escola corre, assim, o sério risco de ficar cada vez mais isolada, permanecendo inflexível na sua estrutura e impermeável a uma mudança que é necessária e urgente. O trabalho continuado de investigação e aperfeiçoamento das linguagens e ambientes de programação para jovens (Kelleher e Paush, 2005; Guzdial, 2004), desenvolvido no MIT, a partir da linguagem LOGO, produziu finalmente a ferramenta Scratch – ambiente gráfico de programação inovador (Klopfer et al., 2004; Maloney et al., 2004; Monroy-Hernández, 2007; Monroy-Hernández e Resnick, 2008; Resnick et al., 2003; Peppler e Kafai, 2007b; Resnick, 2007a, 2007b). O Scratch inspirou-se nas linguagens LOGO e Squeak (Etoys), mas pretende ser diferente de outros ambientes (Guzdial, 2004): mais simples, mais fácil de utilizar e mais intuitivo. Possibilita a criação de histórias interactivas, animações, jogos, músicas e a partilha dessas criações na Internet. Foi concebido por uma equipa de investigação no MIT, com a intenção de ajudar os jovens (desde os oito anos, embora possa ser mais cedo com mediação apropriada) a desenvolver competências de aprendizagem para o século XXI (Rusk e Resnick, s/d ). Na página do Scratch na Internet – http://scratch.mit.edu/pages/educators, área dos educadores, pode ler-se: Scratch can be used in many different settings: schools, museums, community centers, and homes. It is intended especially for 8 to 16 year olds, but younger children can work on Scratch projects with their parents or older siblings, and college students use Scratch in some introductory computer science classes. Os seus criadores acreditam que, desenvolvendo projectos Scratch, podem aprenderse ideias matemáticas e informáticas importantes (ver Quadro 3, com síntese dos conceitos e competências de programação explorados no Scratch, e Anexo IV com informação completa), aprofundando, simultaneamente, o conhecimento e compreensão do processo de concepção/criação (design) e a sensibilidade crítica para os vários tipos de media que nos rodeiam. 30 Quadro 3. Síntese de conceitos e competências de programação explorados no Scratch Competências e Conceitos de Programação explorados no Scratch Documento original de Lifelong Kindergarten Group MIT Media Lab http://scratch.mit.edu http://scratch.mit.edu/files/program-concepts-v5.pdf Tradução de Fausto de Carvalho – PT Inovação Competências para resolução de problemas e para a concepção de projectos - raciocínio lógico - decomposição de problemas complexos em partes mais simples - identificação e eliminação de erros - desenvolvimento de ideias, desde a concepção até à concretização do projecto - concentração e perseverança Noções básicas sobre computadores e programação - os programas indicam ao computador exactamente o que deve ser feito, passo por passo. - criar programas para computador em Scratch não exige perícia especial, apenas raciocínio claro e cuidadoso Conceitos específicos de programação: Sequência, iteração (ciclos), instruções condicionais, variáveis, execução paralela, sincronização, interacção em tempo real, lógica boleana, números aleatórios, gestão de eventos, desenho de interface do utilizador, estruturas de dados. Este ambiente, que permite trabalhar cooperativamente em rede e utiliza media diversificados, foi concebido e desenvolvido como resposta ao problema, a que já se fez referência, do crescente distanciamento entre a evolução tecnológica no mundo e a fluência tecnológica dos cidadãos. O Scratch (cujo slogan é “imagina, programa, partilha”) foi pensado igualmente para promover um contexto construcionista propício ao desenvolvimento da fluência tecnológica nos jovens (e não só) e das competências ditas “para o século XXI”, nomeadamente a identificação, formulação e resolução de problemas, tendo sido experimentado e testado durante o processo de construção em ambientes extra-escolares informais de aprendizagem (Computer Clubhouses, espaços de ocupação de tempos extraescolares, situados em zonas desfavorecidas de vários locais no mundo) (Resnick, 2002; Resnick, Rusk e Cooke, 1999; Resnick et al., 2003; Maloney et al., 2004; Maloney, Peppler, 31 Kafai, Resnick, Rusk, 2008a, 2008b; Resnick e Silverman, 2005; Kafai, 2006; Kafai et al., 2006; Kafai et al., 2007; Monroy-Hernández, 2007; Monroy-Hernández e Resnick, 2008; Peppler e Kafai, 2007a, 2007b, 2007c; 2008; Resnik, 2007a, 2007b; Rusk e Resnick, s/d). Ao “chão baixo” e “tecto alto”, acrescentam agora os seus criadores a característica “paredes amplas” (uma vez que suporta uma grande variedade de temas e projectos) (Resnick e Silverman, 2005). Pensa-se que poderá, ainda, permitir avançar na compreensão da eficácia e inovação do uso das tecnologias na educação matemática informal, tornar os jovens criadores e inventores e estimular a aprendizagem cooperativa e em comunidade, através da plataforma de suporte ScratchR (Maloney et al., 2004; Monroy-Hernández, 2007; Monroy-Hernández e Resnick, 2008; Resnick et al., 2003). Esta ferramenta procura ajudar a dar resposta ao desafio de dois dos seus autores para que se continue a aperfeiçoar as ideias construcionistas e garantir que estas ideias se espalhem não apenas pelos membros da comunidade internacional de investigação, mas também pelas salas de aula, casas e centros comunitários onde as crianças trabalham, brincam e aprendem (Kafai e Resnick, 1996). A designação Scratch vem da técnica de scratching usada pelos DJs (disc jockeys) do hip-hop, que giram os discos de vinil para trás e para diante com as mãos, para misturar músicas de forma original. Podemos fazer algo semelhante com o Scratch, porque nos permite controlar acções e interacções entre diferentes tipos de media, misturando-os de forma criativa. Os aspectos-chave inovadores do Scratch incluem: (a) Programação com blocos-de-construção (building-blocks) – Para escrever programas em Scratch, encaixam-se blocos gráficos uns nos outros, formando empilhamentos ordenados (stacks). Os blocos são concebidos para se poderem encaixar apenas de forma que faça sentido sintacticamente, não ocorrendo, assim, erros de sintaxe. As sequências de instruções podem ser modificadas mesmo com o programa a correr, o que facilita a experimentação simples de novas ideias e o multiprocessamento é integrado de forma simples podendo ser executadas instruções paralelamente por diferentes conjuntos de blocos; (b) Manipulação de media – O Scratch permite a construção de programas que controlam e misturam gráficos, animação, texto, música e som. Amplia as actividades de manipulação de media que são populares na cultura actual; (c) Partilha e colaboração – A página de Internet do Scratch fornece inspiração e audiência: podemos experimentar os projectos de outros, reutilizar e adaptar as suas imagens e scripts, e divulgar os nossos próprios projectos. A meta final é desenvolver uma comunidade e uma cultura de partilha em torno do Scratch; (d) Integração no mundo físico – O Scratch pode interagir com objectos exteriores de vários tipos; (e) Opção de múltiplas línguas, incluindo a portuguesa, desde a sua concepção – Pretende promover a criação de uma cultura Scratch na comunidade internacional 32 (Klopfer et al., 2004; Maloney et al., 2004; Monroy-Hernández, 2007; Monroy-Hernández e Resnick, 2008; Resnick, 2002, 2003, 2007a, 2007b; Resnick et al., 2003; Resnick e Silverman, 2005; Rusk e Resnick, s/d). Apesar do ambiente estimulante, que motiva e propicia o trabalho autónomo, permite uma iniciação fácil e não implica o ensino formal de conceitos de programação, vários estudos feitos durante a concepção e desenvolvimento do Scratch apontam a importância da cooperação, da mediação e acompanhamento do trabalho dos jovens, sem o qual a produção parece reduzir-se e a evolução não acontece a um ritmo elevado (Kafai, Peppler, Alavez e Ruvalcaba, 2006; Kafai, Peppler e Chiu, 2007; Maloney et al., 2008a, 2008b; Peppler e Kafai, 2007a, 2007b, 2008; Resnick e Rusk, 1996c; Resnick, Rusk e Cooke, 1999). O recurso ao apoio de mentores (professores ou não – podem ser apenas guias, conselheiros, pares), mesmo que tenham pouca preparação de base sobre a ferramenta, parece ser fundamental no estímulo e motivação para a concepção e construção de objectos (Kafai et al., 2007; Maloney et al., 2008a, 2008b; Peppler e Kafai, 2008; Resnick e Rusk, 1996c; Resnick, Rusk e Cooke, 1999). Estudos recentes parecem confirmar que quando o mentor age como parceiro co-construindo e aprendendo em parceria com aquele que ajuda, influencia de forma positiva, sobretudo, as actividades de criação (design), acreditando-se que as actividades construcionistas de aprendizagem, que colocam lado a lado quem guia e quem é guiado, abrem um espaço promissor na definição de contextos de aprendizagem, o que pode ter interesse para a aplicação em programas onde os mentores passam a poder ter origens e preparação de base diversas (Kafai, Desai, Peppler, Chiu, e Moya, 2008; Peppler e Kafai, 2008; Resnick e Rusk, 1996c). O acesso ao Scratch, só por si, não parece ser, portanto, suficiente (Resnick e Rusk, 1996c; Resnick, Rusk e Cooke, 1999). A meta fundamental deve ser apoiar o desenvolvimento da fluência tecnológica e isso vai requerer novas atitudes sobre computação e aprendizagem – se os computadores podem realmente servir as nossas vidas no futuro, a fluência computacional deve ser trabalhada ao mesmo nível da leitura e da escrita (Resnick, 2001). Os novos paradigmas computacionais (como a programação e actividades de criação - design) podem influenciar significativamente não apenas o que as pessoas fazem com computadores, mas também a forma como pensam o mundo, agem nele e dão sentido ao que as rodeia (Resnick, 1996). De acordo com os seus autores, o Scratch faz parte do conjunto de ferramentas com potencial para desenvolver a fluência tecnológica e ir ainda mais longe na promoção de competências fundamentais para a cidadania no século XXI. Aproveitando o poder dos novos processadores, o Scratch suporta novos paradigmas de programação e outras actividades que antes seriam impossíveis de realizar, ficando assim em vantagem relativamente às tentativas prévias de introduzir 33 actividades de programação junto dos jovens, apresentando maior probabilidade de ser bem sucedido (Maloney et al., 2004; Resnick, 2007a, 2007b; Resnick et al., 2003). O reconhecimento rápido do potencial da ferramenta e a identificação desta com os seus interesses e paixões; a possibilidade de gerar produtos acabados que podem rapidamente ser partilhados com o mundo; o suporte de diferentes tipos de actividades apelativas para jovens de diferentes idades, género, origens e culturas; a rapidez com que pode ser iniciado o trabalho para depois se irem aprendendo gradualmente aspectos adicionais, tornando mais complexa a sua utilização ao longo do tempo, parecem favorecer o seu sucesso (Maloney et al., 2004; Maloney et al., 2008a, 2008b; Monroy-Hernández, 2007; Monroy-Hernández e Resnick, 2008; Resnick, 2007a, 2007b). Os estudos prosseguem procurando a confirmação destas expectativas e a demonstração de que ambientes de aprendizagem informal (e formal) sustentados na utilização do Scratch podem suportar o desenvolvimento da fluência tecnológica, habilitando os jovens a conceber objectos com significado para si e para a sua comunidade (Resnick et al., 2003). 34 35 CAPÍTULO II – METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO Concepções diferentes, rumos distintos. (Algumas pontes?) Vem de longe o humano desejo de compreender a natureza dos fenómenos que se apresentam aos nossos sentidos (Cohen, Manion e Morrison, 2007). Somos únicos enquanto espécie: não só nos adaptamos ao meio natural e social através de acções apropriadas, como também criamos teorias e histórias que nos ajudam a compreender e explicar o mundo e a nossa acção nele (Bruner, 1999b). A caracterização do processo que leva à construção do conhecimento científico pode ser feita com base na distinção entre os “modos de conhecer” que estão na base da actividade humana: o primeiro é sustentado na tradição e na autoridade (senso comum, afirmação feita por alguém a quem se reconhece autoridade); o segundo é construído a partir da experiência pessoal, incidentes e situações que levam a generalizações facilitando a interpretação do real; e o terceiro corresponde à investigação empírica (Eichelberger, 1989, citado por Afonso, 2005). A investigação empírica é definida como “a recolha sistemática de informação para descrever tão rigorosamente quanto possível um qualquer aspecto concreto do nosso mundo”, reconhecendo as limitações do processo já que “somos incapazes de produzir verdade, só produzimos conhecimento” (Eichelberger, 1989, p. 14, citado por Afonso, 2005, p. 21). Foram os modelos de investigação das ciências exactas e naturais que primeiro inspiraram as opções metodológicas das “ciências” ditas sociais. A investigação em educação absorveu as diferentes visões destas, desde a mais tradicional, positivista, até à interpretativa, às quais se foram mais recentemente acrescentando outras como as teorias crítica e da complexidade (Cohen et al., 2007). As designações podem variar em maior ou menor grau, de autor para autor. Almeida e Freire (2007) consideram que a perspectiva básica definida como empírico-analítica (a investigação que pretende explicar, prever e controlar os fenómenos) é geralmente confundida com expressões como investigação quantitativa e positivista, sendo a designação proposta para a segunda perspectiva, humanista-interpretativa, mais próxima da sugerida por Cohen et al. (2007). Dizem Almeida e Freire (2007, p. 25) que esta segunda perspectiva humanista-interpretativa surge como reacção à primeira e caracteriza-se por ser “marcadamente anti-positivista”. Uma vez que estes autores acabam, também eles, por utilizar a expressão “anti-positivista”, pareceu-me adequado manter a opção feita em Cohen et al. (2007) e utilizar no presente texto o termo “positivista” para designar a perspectiva a que estes autores também se referem como “normativa” (e “científica”). 36 Estas duas visões representam diferentes formas de apreender a realidade social. A mais tradicional, positivista, considera as ciências sociais como equivalentes das naturais e, portanto, preocupada com a descoberta de leis regulando e determinando o comportamento social e individual; a interpretativa, embora partilhando o rigor e a preocupação com a descrição e explicação do comportamento humano, salienta a diferença entre as pessoas e os objectos de estudo das ciências naturais e, também, entre cada indivíduo (Cohen et al., 2007). As concepções subjacentes aos dois extremos referidos (essência e natureza dos fenómenos sociais; natureza, forma e construção do conhecimento; e natureza e modelo do ser humano na sua relação com o ambiente) têm implicações directas nas preocupações metodológicas dos investigadores, convocando diferentes métodos e abordagens nos processos de investigação (Burrel e Morgan, 1979, citados por Cohen et al. 2007). Se for adoptada uma perspectiva positivista centrada na análise de relações causais e regularidades entre diferentes factores do mundo social, do ponto de vista do investigador, procurar-se-á uma abordagem predominantemente quantitativa, preocupada com a medição e a procura das regularidades; se se favorecer uma visão alternativa da realidade social que reforça a experiência subjectiva e relativa dos indivíduos na construção do mundo, o ponto de vista dos envolvidos, a principal preocupação será a compreensão da forma através da qual o indivíduo cria, modifica e interpreta o ambiente à sua volta, e a abordagem metodológica será de natureza qualitativa ou mista, socorrendo-se de dados qualitativos e quantitativos (Burrel e Morgan, 1979, citados por Cohen et al., 2007). No último caso, a ênfase é colocada na compreensão e explicação de cada caso particular, e não no geral e universal (Burrel e Morgan, 1979; Kirk e Miller, 1986, em Cohen et al., 2007). Em suma, as perspectivas positivista (normativa) e interpretativa estão sobretudo preocupadas com a compreensão dos fenómenos através de duas lentes diferentes. Considerando que ambas negligenciam os contextos ideológicos e políticos de muita da investigação em educação, surgiu uma terceira abordagem directamente relacionada com a teoria crítica (Cohen et al., 2007). A intenção dessa abordagem não é apenas compreender as situações e os fenómenos, mas intervir e transformá-los, procurando emancipar os que têm menos poder, corrigir desigualdades e promover as liberdades individuais numa sociedade democrática (Cohen et al., 2007). A investigação, de acordo com esta visão, procura centrarse em temas que relacionem a escola com a sociedade, a construção social do currículo e do conhecimento (quem constrói, que ideologias serve), como se produz e reproduz o poder através da educação, que interesses são servidos, que grupos são privilegiados (Cohen et al., 2007). 37 Para além das três já descritas, emergiu ainda uma quarta perspectiva na investigação em educação, assente na teoria da complexidade (Morrison, 2002a, citado por Cohen et al., 2007). A visão determinística e racionalista do mundo (causas simples originam efeitos simples e causas complexas efeitos complexos – princípio da conservação da complexidade) tem sido muito questionada com o aparecimento das teorias do caos e da complexidade (Morrison, 2008). Acredita-se que a aplicação destas ideias terá um enorme impacto em diferentes áreas e permitirá compreender a dinâmica espontânea e auto-regulada do mundo moderno, oferecendo uma alternativa inovadora e rigorosa ao pensamento reducionista (dominando a ciência desde o tempo de Newton) que já não consegue mais abordar os problemas complexos do presente (Waldrop, 1992; Kincheloe, 2005; Morrison, 2008). A teoria da complexidade postula que a interacção de muitos elementos dá origem a características que não são encontradas em nenhum desses elementos individuais, estudando, neste contexto, as leis que moldam a emergência destas novas características e a autoorganização do sistema que se desenvolve nesse processo de auto-criação (o sistema transcende os componentes que o integram – o todo é maior do que a soma das suas partes) (Shoenfeld, 1992; Stuart, 1997; Kincheloe, 2002, 2005; Kincheloe e Berry, 2004; Morrison, 2008; Ni e Branch, 2008). Esta teoria emergiu, ela própria, de um conjunto muito variado de campos, não se referindo apenas a um único campo ou linha de estudo e investigação (Stuart, 1997; Kincheloe, 2002, 2005; Kincheloe e Berry, 2004; Haggis, 2008; Morrison, 2008; Ni e Branch, 2008). Definindo-se sistema como um conjunto de partes que interagem dinamicamente em função de um mesmo fim, um sistema complexo distingue-se de um sistema simples pelo facto de: (a) possuir na sua constituição uma muito maior variedade de componentes ou elementos (entidades) que, por sua vez, também são constituídos por subelementos organizados em níveis hierárquicos; (b) os diferentes elementos e níveis interligarem-se através de relações não lineares muito variadas (Stewart, 1997; Banalthy, 1996, citado por Coutinho e Júnior, 2007; Ni e Branch, 2008). O caos é essencialmente caracterizado pelo princípio de que causas simples podem dar origem a comportamentos muito complexos e mudanças imprevisíveis, assim como o oposto, causas complexas podem produzir efeitos simples (Waldrop, 1992; Stewart, 1997; Cohen e Stewart, 2000). Mas a teoria do caos, por si só, não explica a estrutura, a coerência, a auto-organização e coesão dos sistemas complexos, já que estes adquiriram a capacidade de gerar um equilíbrio entre a ordem e o caos, ponto geralmente designado por “limiar do caos” (onde os componentes de um sistema, não permanecendo ordenados e fixos, também não se tornam desordenados ou caóticos) (Waldrop, 1992; Kincheloe, 2002; Morrison, 2008). É no 38 limiar do caos, nessa zona limite de transição, que ocorre a constante batalha entre a estagnação e a anarquia, único lugar onde um sistema complexo pode evoluir de forma espontânea, sendo imprevisível mas adaptativo e vivo (Waldrop, 1992; Kincheloe, 2002; Morrison, 2008). A complexidade (teoria da) habita exactamente o limiar do caos, quebrando o determinismo mecanicista dos sistemas lineares, mas não da forma completamente imprevisível e desordenada do caos (sistemas lineares – complexidade – caos não linear), sendo nesse limiar que a criatividade e a fecundidade dos sistemas são maximizadas (Kincheloe, 2002; Morrison, 2008). A visão do mundo oferecida pela teoria da complexidade corta, pois, com os modelos simplistas de causa-efeito, com a previsibilidade linear e com uma abordagem reducionista sustentada na dissecação dos fenómenos (substituindo-os por abordagens orgânicas, não lineares e globalizantes) (Santonus, 1998, citado por Cohen et al., 2007; Kincheloe e Berry, 2004; Kincheloe, 2005; Morrison, 2008). Sugerindo uma nova forma de olhar o mundo, propõe igualmente uma nova forma de o investigar que aceite a incerteza, não atomize num número restrito de variáveis os fenómenos a estudar, focando-se apenas em alguns factores e ignorando as diferentes partes envolvidas (Cohen et al., 2007; Morrison, 2008). Os termoschave desta abordagem são a emergência e auto-criação, auto-organização, adaptabilidade, diversidade, comunicação, conectividade e realimentação (feedback) (Cohen et al., 2007; Morrison, 2008). Exibindo a Escola e a unidade Turma aspectos dos sistemas adaptativos complexos (dinâmicos e imprevisíveis como um organismo), a teoria da complexidade sugere como processos de investigação as metodologias de estudo de caso, a investigação-acção e formas participatórias de pesquisa dos fenómenos, através da perspectiva do maior número de participantes possível, para abarcar a globalidade e complexidade dos fenómenos – atomizando o foco e a metodologia não se consegue fazer uma descrição densa e completa do todo investigado (Shoenfeld, 1992, 1999; Kincheloe, 2004, 2005; Cohen et al., 2007; Morrison, 2008; Ni e Branch, 2008). Esta abordagem permite múltiplas perspectivas, múltipla causalidade e mapeamento de múltiplos efeitos, pois os intervenientes estão ligados entre si em diferentes níveis e de formas diversas, não se podendo ter a certeza de que um simples efeito é o resultado de uma só causa, ou que a localização das causas se encontra num único campo (Cohen et al., 2007). A teoria da complexidade sublinha a importância da investigação educacional que capte as acções deliberadas e intencionais dos participantes, adoptando perspectivas interaccionistas e construtivistas e a utilização de múltiplos métodos (Cohen et al., 2007; Lowyck, 2008; Lewin e Regine citado por Morrison, 2008). Subscrever 39 os princípios desta teoria implica aceitar e celebrar o professor como investigador, a simbiose entre investigadores internos e externos, a necessidade de escutar todas as vozes e visões (teoria crítica) e o respeito pela heterogeneidade (Kincheloe, 2005; Cohen et al., 2007). Gerir situações complexas tornou-se uma necessidade para os investigadores em geral e para os investigadores em tecnologias educativas em particular, mas é necessário ter cuidado para que a complexidade, como factor na investigação, não seja mal orientada, excessivamente simplificada ou insuficientemente aprofundada, levando a resultados que pequem pela completa impossibilidade de generalização (Ni e Branch, 2008). Entre o muito específico com pouco sentido e o muito geral sem conteúdo, terá de haver para cada nível e cada fim a atingir um grau óptimo de generalização (Banathy e Jenlink, 2003, citado por Ni e Branch, 2008). Mais importante do que a definição exacta de “ciência” ou de conhecimento científico (ou qualquer “guerra de paradigmas”), ou a análise detalhada de vantagens e desvantagens de uns e de outros, é reconhecer e identificar a forma como se podem enriquecer mutuamente. Fundamental será compreender que cada uma destas perspectivas do estudo do comportamento humano tem profundas implicações na investigação das salas de aula e das escolas – escolha do problema, caracterização de alunos e professores, preocupações metodológicas, tipos de dados procurados e sua forma de tratamento (Cohen et al. 2007). Essa compreensão permitirá ao investigador posicionar-se e fundamentar correctamente a escolha do seu próprio percurso, ajustando-o à realidade que procura compreender. Natureza do estudo – escolha do percurso (justificação) Mantendo presentes as diferentes tradições de investigação e o princípio orientador (paradigmas de investigação diferentes para diferentes propósitos de investigação) (Cohen et al. 2007), procurei tomar consciência da visão do mundo que fui construindo com o tempo e da minha perspectiva pessoal sobre o comportamento humano (e do seu estudo) em contexto social e educativo. Esta visão não só condiciona o modo como me movo e me oriento, enquanto educadora (objecto), como teve, nos gestos e opções de investigadora (sujeito), implicações na identificação do problema, no enquadramento e suporte teórico da acção, e na escolha de métodos e procedimentos de busca das respostas às questões colocadas. Essa tomada de consciência revelou uma postura de professor-inquiridor essencialmente “bricoleur” (Denzin e Lincoln, 2005; Kincheloe, 2005; Kincheloe e Berry, 2004; Kincheloe e McLaren, 2005), preferindo à inflexível planificação da acção educativa o 40 exercício da experimentação adaptada aos efeitos que vão sendo obtidos e aos comportamentos observados nos alunos, aos materiais disponíveis, mudando sentidos mas mantendo um fio condutor e uma unidade na acção, recorrendo a abordagens complexas em sala de aula, exigentes, utilizando muitos recursos de diferentes tipos, métodos diversificados (centrados no aluno e no conhecimento), e apoiando à medida as necessidades dos alunos, como resposta aos desafios colocados. Em síntese, relaciono-me com o conhecimento numa perspectiva, influenciada em parte pela teoria crítica, que parece enquadrar-se nos pressupostos da teoria da complexidade (e suas implicações quer na acção educativa, quer na investigação dessa acção), não tendo sido casual a opção pela criação e investigação de um ambiente de aprendizagem multifacetado, com recurso a um conjunto variado de tecnologias educativas (incluindo as TIC), pela posição simultânea de observadora e observada, pela opção de não fragmentação da realidade nem isolamento de variáveis, pela intervenção directa na acção, cujos contornos foram sendo criados em cooperação com os alunos, cúmplices do processo, e pelo recurso à combinação de métodos diversos para procurar apreender, compreender e descrever de forma global (e também particular), através da voz de todos os envolvidos, a realidade vivida. A investigação em tecnologias educativas envolve com frequência o estudo de entidades complexas interagindo em ambientes também complexos, pelo que a compreensão conceptual, prática e teórica da complexidade oferece uma oportunidade e um contexto para este tipo de investigação, quando as situações a estudar envolvam relações complexas e não lineares (ninguém pode garantir uma sequência linear da experiência de aprendizagem de um aluno, nem prever os padrões de interacção com pares, professores, meios e contextos) (Ni e Branch, 2008). Os produtores de conhecimento, tal como toda a gente, integram a teia complexa da realidade – investigador e investigado são sempre inseparáveis – e ninguém consegue escapar completamente a essa teia, olhando para ela de longe como se de uma perspectiva divina se tratasse (Kincheloe, 2005). Assim, a opção por um processo de investigação de natureza mais prática surgiu naturalmente, enquadrada pela consciência de que posso influenciar a realidade onde me movo, aprendendo o máximo possível no processo, e procurando, também, que alguns educadores possam vir a sentir o desejo (a necessidade) de um dia experimentar elementos do processo descrito, transferindo, reconstruindo e apropriando-se deles de forma pessoal e ajustada aos seus próprios contextos, desenvolvendo as suas competências pessoais e profissionais (engenho). Os limites actuais à acção do professor são muitos e reais. A atribuição de missões em excesso à Escola, numa lógica de acumulação de tarefas frequentemente desligadas entre si, 41 conspiram contra o modelo necessário e desejável de uma prática reflexiva no ofício do professor. Perrenoud (2002) distingue a prática reflexiva comum e episódica do professor, da prática e postura reflexiva continuadas, forma de estar que se caracteriza por alguma independência relativamente aos obstáculos e decepções, entranhada na acção e cuja realidade se mede, não pelas intenções ou discursos, mas pela natureza e consequências dessa reflexão no exercício da profissão em contextos favoráveis ou desfavoráveis, sendo fundamental ligar, sem excessos, a pesquisa teórica à prática reflexiva. Acrescenta que esta ideia de profissional reflexivo pode ser encontrada no testemunho de todos os grandes pedagogos: ... cada um a seu modo, consideraram o professor ou o educador um inventor, um pesquisador, um improvisador, um aventureiro que percorre caminhos nunca antes trilhados e que se pode perder caso não reflicta de modo intenso sobre o que faz e caso não aprenda rapidamente com a experiência. (Perrenoud, 2002, p. 13). Será pois importante reflectir sobre a prática, desenvolver investigação contextualizada na acção e sugerir propostas de actuação em ambientes de aprendizagem que, embora exigentes e sustentados teoricamente, levem em conta as limitações, não se inscrevam predominantemente nos domínios da utopia e se caracterizem pela exequibilidade nos actuais contextos de funcionamento da Escola. É importante salientar que tais propostas de acção, mesmo geradas em ambientes específicos, devem conter em si a possibilidade de disseminação, para que a reflexão e a investigação possam ser continuadas e aprofundadas na busca de uma intervenção ajustada à realidade e mais eficaz nos resultados pretendidos. Para tal, não devem ser deixadas de lado a descrição das condições para uma implementação com sucesso nem os constrangimentos que a limitam (Burkhardt e Schoenfeld, 2003). O sonho não pode, então, ser afastado do ofício da docência. O desequilíbrio e o desejo de algo mais devem acompanhar esta profissão, ser condição natural na atitude dos profissionais que a exercem. É fundamental preservar e desenvolver a postura “yearner” descrita por Seymour Papert, que numa só palavra caracteriza as pessoas que sentem um desejo forte de algo diferente para a educação, procurando dar expressão engenhosa a essa necessidade, ainda que de forma pontual, pois estão limitadas por uma filosofia e contexto educativos que não conseguem distanciar-se do modelo do passado que lhes deu origem (Papert, 2003). Mais importante ainda é generalizar essa atitude e conseguir encaminhar a Escola para um modo de estar alternativo que alimente melhor e de forma mais eficaz a sociedade que serve, e supostamente servirá num futuro que deixou de ser previsível. Ela, 42 atitude, será o motor da acção e dos métodos escolhidos na busca da aproximação ao equilíbrio que se deseja e nunca chega (para que a necessidade de algo mais nunca termine e o engenho se aperfeiçoe?). As imagens que projectamos de aulas mais eficazes, alunos mais competentes e criativos, melhores métodos, que podem e devem encaminhar-nos para abordagens que integrem as TIC de forma activa, alterando as relações entre alunos, currículo e professor, são tudo menos simples. É desta necessidade do professor que surge o engenho que lhe permitirá a aproximação possível a cenários que contribuam para tornar mais eficazes os processos educativos e a aprendizagem. A complexidade dos problemas em educação exige cada vez mais à investigação um papel activo e prático, embora não se possa esperar que ela resolva sozinha todos os problemas, nem que assuma sempre essa função (Mertens, 2005). Em geral, quando os professores (ou outros responsáveis) têm problemas, não se viram para a investigação com o intuito de os resolver, em parte porque a tradição da investigação em educação não está fortemente alinhada com modelos eficazes que a liguem à prática, sendo necessário adoptar novas abordagens que possam dar resposta a essa necessidade (Burkhardt e Schoenfeld, 2003). Tendo em conta a urgência na procura de respostas, a investigação deve então sair o mais possível do laboratório e centrar-se em problemas práticos para aumentar a utilidade dos resultados (Kaestle, 1993, citado por Mertens, 2005). Como se a sala de aula se transformasse no laboratório vivo abrindo-se a oportunidade de estudar de forma mais próxima contextos locais (Kafai, 2005). Então, como investigar (agindo e aprendendo sobre) a complexidade de um sistema que resulta de um conjunto imenso de interacções, difíceis de decompor em parcelas mais simples e de abarcar em toda a sua profundidade, pormenor e extensão? Aparentemente, o que é conhecido sobre aprendizagem aplica-se tanto a professores como a alunos, e compreender os constrangimentos da sua acção é importante para que possa ser desenvolvida uma imagem realista da aprendizagem profissional ao longo da vida (Bransford et al., 2000; Koehler, M. S. e Grouws, D., 1992; Nickson, M., 1992). A investigação-acção (I-A) parece ser uma abordagem possível para uma aprendizagem sustentada do professor, e acredita-se que o que os professores aprendem através desse processo pode ser partilhado com outros, ainda que também possa ser perturbado pela falta de recursos, pela estrutura de funcionamento da Escola e, também, pela diferença entre o investigador prático e o investigador teórico (Bransford et al., 2000). Se os académicos pretendem encorajar os professores a desenvolver metodologias de I-A, precisam de ser criados modelos adaptados aos ritmos temporais da Escola (Bransford et al., 2000). O trabalho de Kurt Lewin em 1946, investigação de questões sociais, é descrito como 43 o grande marco no desenvolvimento da metodologia de I-A, tendo depois sido seguido pelo de outros, embora a literatura se refira a testemunhos prévios, como é exemplo Collier, seu contemporâneo, que terá utilizado o termo e trabalhos dispersos sem referência exacta à metodologia, mas já revelando essa dimensão prática nos processos de busca do conhecimento e intervenção no mundo (Cohen et al., 2007; Koshy, 2007; Lopes da Silva, 1996; Reason e Bradbury, 2007). São muitos os autores que apresentam (ou compilam) definições e descrições dos processos associados à I-A, procurando também reflectir sobre vantagens e desvantagens, a evolução desta forma de investigar (neste momento utilizada em diversos campos do conhecimento) e da sua aceitação pela comunidade académica. Podem distinguir-se alguns aspectos comuns às ideias expressas em diversos documentos sobre a IA: (i) fontes de inspiração diversas – filosofia pragmática, pensamento crítico, prática democrática, psicologia humanista e transpessoal, construtivismo, pensamento sistémico, teoria da complexidade (Reason e Bradbury, 2007); (ii) investigador como protagonista participante; (iii) interacção entre teoria e prática; (iv) investigação situada e aplicada (formulação e resolução de problemas concretos) e aprendizagem sistematizada e organizada através da acção; (v) carácter construtivista e colaborativo; (vi) foco na promoção de mudanças sociais ou pessoais (profissionais); (vii) interacção entre todos os envolvidos, sendo fundamental no processo de inquérito (que se socorre de métodos variados) obter todas as perspectivas; (viii) processo reformulado em ciclos à medida que a investigação decorre (Bogdan e Biklen, 1994; Cohen et al., 2007; Kincheloe, 2006; Lopes da Silva, 1996; Koshy, 2007; Reason e Bradbury, 2007). Holly e Whitehead, 1986 (citado por Cohen et al., 2007) referem que a I-A pode ser usada em áreas diversas, sublinhando-se aqui aquelas que mais directamente se relacionam com o presente trabalho: (i) mudança de métodos e estratégias de ensino e construção de ambientes de aprendizagem; (ii) mudança de atitudes e valores dos alunos relativamente ao trabalho escolar e desenvolvimento profissional continuado, em contexto, dos professores (professor como investigador). Mais do que apenas uma metodologia, esta forma de “inquérito-em-acção” procura criar uma qualidade de compromisso, de necessidade e curiosidade, de capacidade de formulação de problemas através da recolha de evidências, e da verificação e avaliação das práticas (Reason e Bradbury, 2007). Associar dois aspectos com lógicas diferentes (a investigação e a acção) exige do investigador um esforço no controlo do rigor da produção de conhecimento, a identificação clara de ambos os papéis (observador e observado), e o reconhecimento dos momentos de distância e aproximação às situações estudadas, sendo esta uma das dificuldades 44 (desvantagens) mais apontadas ao processo (Lopes da Silva, 1996; Kincheloe, 2006; Reason e Bradbury, 2007). Como afirma Kincheloe (2006): In this process teachers develop a dialectic of distance which simultaneously puts them closely in touch with their thoughts and feelings about their teaching, while at the same time granting them the analytical ability to see themselves from a critical distance – a distance which allows them a view of their relationship to wider social and ideological forces (p. 139). Ao conduzir processos de I-A, podem e devem ser usados e combinados intrumentos muito diversificados para a produção e recolha de dados, quer de natureza qualitativa quer de natureza quantitativa (Cohen et al., 2007; Reason e Bradbury, 2007). Ao optar por dotar a investigação de uma forte componente de pragmatismo, o investigador torna-se, assim, um “bricoleur” (expressão recuperada da obra de Lévi-Strauss, La Pensée Sauvage, primeiramente publicada em 1962), pessoa-dos-sete-instrumentos (“Jack of all trades”), procurando tudo ao seu alcance e combinando práticas metodológicas, materiais, diferentes perspectivas e observadores num único estudo, numa estratégia que acrescenta rigor, profundidade, complexidade, riqueza e densidade ao seu inquérito (Denzin e Lincoln, 2005; Kincheloe, 2005; Kincheloe e Berry, 2004; Kincheloe e McLaren, 2005). Como se pode ler em Lévi-Strauss 1962/1989): The “bricoleur” is adept at performing a large number of diverse tasks; but unlike the engineer, he does not subordinate each of them to the availability of raw materials and tools conceived and procured for the purpose of the project. His universe of instruments is closed and the rules of his game are always to make do with ‘whatever is at hand’… (p. 17) O “bricoleur” usa uma combinação de múltiplos métodos para analisar a multidimensionalidade do mundo, reconhecendo a importância das inter-relações e compreendendo que as estruturas sociais não determinam a subjectividade individual, mas constrangem-na de forma notável e intrincada, está interessado em desenvolver e aplicar uma grande variedade de estratégias para ajudar a especificar com rigor de que forma é moldada essa subjectividade (Kincheloe 2005; Kincheloe e Berry 2004, Kincheloe e McLaren, 2005). A meta da investigação em ciência social é, pois, compreender a complexidade da experiência e comportamento humanos, e a tarefa do investigador – compreender, descrever e explicar a realidade desta complexidade – é limitada pelos métodos de investigação e, sobretudo, restringida pelo reportório metodológico de cada investigador e pelo seu 45 conhecimento e capacidade de usar esses métodos (Morse, 2003). Quando o propósito da investigação é complexo, é necessário que existam múltiplas questões, múltiplas dimensões e perspectivas que permitam a descrição densa da situação investigada, sendo frequentemente necessário o recurso à combinação de métodos diversos (Newman et al., citados por Mertens, 2005). Depois de um período longo dominado pelo recurso aos métodos quantitativos, alinhados com uma visão positivista do mundo, a metodologia qualitativa emergiu, em jeito de reacção, associada a variantes do construtivismo (Tashakkori e Teddlie, 2003a). Não obstante os méritos de ambas, a controvérsia relacionada com as diferentes visões do mundo levou adeptos de um e de outro movimento a criticar os métodos de estudo, rigor dos procedimentos e validade dos produtos de cada um (Tashakkori e Teddlie, 2003a). O campo das metodologias mistas evoluiu a partir das polémicas, como uma forma pragmática de usar o melhor de cada uma das abordagens, não tendo surgido logo como um terceiro movimento metodológico, com um discurso e fundamentos filosóficos próprios, mas sendo encarado com a ideia preconcebida e incorrecta de que se resumia simplesmente à combinação de técnicas quantitativas e qualitativas de investigadores que trabalhavam de acordo com as tradições respectivas (Tashakkori e Teddlie, 2003a). Todavia, os planos de investigação de métodos mistos concebidos como uma outra forma de olhar a investigação, têm os seus fundamentos filosóficos associados ao pragmatismo, que muitos dispensam como uma orientação ingénua, ou mesmo vulgar, que simplifica questões filosóficas bastante complexas resumindo-as “ao que funciona” = “what works” (Tashakkori e Teddlie, 2003a). E por que razão poderia perguntar-se, com tantos métodos disponíveis, nos damos ao trabalho de combiná-los ou de gerar novas técnicas (com características específicas e designação própria) para fazer investigação? Teddlie eTashakkori (2003) identificaram três áreas em que o recurso aos métodos mistos se revela superior às abordagens de método único: podem ajudar a encontrar resposta para algumas questões que outras metodologias não permitem; providenciam inferências mais consistentes; e proporcionam oportunidades para apresentar uma maior diversidade de visões divergentes. Combinando e aumentando o número de estratégias de investigação num determinado projecto, somos capazes de ampliar as suas dimensões e o seu alcance, e estaremos mais habilitados a acelerar o processo de compreensão e atingir mais eficazmente as metas da nossa investigação, obtendo uma imagem mais completa da complexidade do comportamento humano (Morse, 2003). Uma boa razão para usar uma metodologia desta natureza é a procura de uma compreensão mais rica e densa de um fenómeno, uma visão caleidoscópica ou prismática – cristal em vez de 46 triângulo – que transcende o conceito de triangulação (bi-dimensional) com o qual é frequentemente confundida (Sandelowski, 2003; Richardson e St. Pierre, 2005). Nos últimos anos, a investigação de métodos mistos evoluiu a partir do exercício da triangulação (Tashakkori e Teddlie, 2003a), tornando-se uma metodologia à parte, com técnicas ou métodos de ambas as tradições e a sua própria visão do mundo, mas combinados de forma única e intencional para responder a questões de investigação que não poderiam ser respondidas de outra forma. Argumentam Tashakkori e Teddlie (2003a) que esta combinação resulta num todo maior do que a soma das suas componentes qualitativas (QUAL) e quantitativas (QUAN) e que será a ferramenta dominante nas ciências sociais e comportamentais no séc. XXI (embora se encontrem ainda numa fase de desenvolvimento e avanço na consistência das definições e nomenclatura) (Tashakkori e Teddlie, 2003a). À medida que o consenso vai crescendo entre os autores relativamente ao significado dos conceitos, e embora alguns foquem a caracterização desta metodologia nas assunções filosóficas e outros coloquem a ênfase nas técnicas e métodos de recolha, é já possível encontrar definições que permitem compreender a essência desta nova abordagem em função da sequência de utilização dos vários métodos, o momento de aplicação ou a dominância de um em relação ao outro (definições que, naturalmente, continuarão a evoluir com o tempo) (Creswell, 2003; Creswell e Clark, 2007; Mertens, 2005; Tashakkori e Teddlie, 2003b; Teddlie e Tashakkori, 2003). Assim sendo, pode considerar-se, de acordo com Creswell e Clark (2007), que a investigação de métodos mistos é uma concepção de investigação com assunções filosóficas e também métodos próprios de inquérito. Como metodologia envolve pressupostos que guiam a direcção da recolha e da análise dos dados, e a combinação de abordagens e métodos QUAL e QUAN em muitas fases no processo de investigação. Focamse na recolha, análise e mistura de dados tanto QUAL como QUAN, num único estudo ou conjunto de estudos, assentando na premissa de que a combinação proporciona uma melhor compreensão dos problemas de investigação (Creswell e Clark, 2007). Embora Tashakkori e Teddlie (2003b) proponham tipologias diversas e tenham identificado na literatura a descrição de cerca de 40 planos específicos de métodos mistos, sugerem como designação mais abrangente “plano de métodos mistos” que engloba a “investigação de métodos mistos” e a “investigação de modelo misto”. A combinação de abordagens QUAL e QUAN pode ocorrer de formas diversas: apenas numa fase do estudo, ser concorrente ou sequencial (de acordo com Tashakkori e Teddlie, 2003b, o termo paralelo foi sendo substituído pelo termo concorrente para criar maior consistência entre os autores), e acontecer em muitas ou todas as fases do estudo (ou num programa incluindo mais do que um estudo). Relativamente aos 47 procedimentos de investigação, aquela combinação pode ocorrer na formulação das questões, nos métodos e instrumentos de investigação, na recolha de dados e análise, e nos processos de inferência, permitindo a possiblidade de várias questões de investigação num mesmo estudo, assentes em diferentes paradigmas e visões do mundo (que convivem lado a lado preservando as suas características). Antes de passar à caracterização do modelo de plano de investigação utilizado, é necessário esclarecer alguns aspectos relacionados com os planos de métodos mistos dominantemente de um tipo, incorporando (embutindo) em si dados de outro tipo diferente. Este tipo de planos de métodos mistos que designo por “embutidos” (“embedded designs”) caracteriza-se por implicar a recolha de dados QUAL e QUAN. No entanto, um desses conjuntos de dados tem um papel secundário de suporte ao estudo central que se sustenta globalmente noutro tipo de dados (Creswell e Clark, 2007; Morse, 2003). A pergunta-chave para diferenciar este tipo de modelo de outros é (Creswell, 2007): será que o conjunto de dados secundários está suficientemente completo e saturado, ao ponto de revelar utilidade e ter significado por si só se não estiver incorporado nos outros dados? No presente trabalho, os dados QUAN foram embutidos num estudo predominantemente QUAL e a resposta àquela pergunta é: Não, os dados QUAN apenas ganham sentido embutidos nos restantes dados QUAL. Todavia, os dados QUAL, mesmo podendo fazer sentido por si só, perdem densidade, perspectiva e riqueza sem os QUAN, uma vez que nos planos embutidos os conjuntos de dados são mutuamente interdependentes, independentemente de qual domina (Creswell e Clark, 2007; Morse, 2003). Em suma, pretende-se que o todo seja mais do que a soma das partes. Consciente do facto das questões de formalismo ainda não terem estabilizado neste domínio, e serem possíveis vários tipos de combinações com diferentes designações, procurarei descrever a forma como se aplicou esta metodologia, sem a preocupação de encontrar uma designação que a englobe, mas identificando aspectos (descritos por diferentes autores) que a caracterizaram. No presente estudo, a combinação de métodos ocorreu, ao longo das três fases da investigação (de forma concorrente e não sequencial), dominantemente qualitativa (com incorporação de dados QUAN suplementares – conjunto não saturado) e fundamentalmente pragmática (dando prioridade às questões de investigação e utilizando os meios ao alcance para lhes dar resposta), da seguinte forma: (a) construção de questões de investigação que apontam para a necessidade de, em determinados momentos, incluir dados secundários de natureza QUAN no enquadramento global QUAL, de forma a enriquecer as perspectivas e olhares sobre o propósito principal do estudo; (b) utilização de instrumentos prédeterminados (suportados em questões fechadas permitindo a quantificação – questionários, 48 provas académicas, caracterização de habilitações académicas dos pais) e utilização de métodos emergentes – questões abertas em questionários pré-determinados ou outros, entrevista semi-estruturada, conversas e entrevistas informais, observação participante não estruturada, notas e diário de campo, materiais produzidos (alunos e professor), registos vídeo, outros dados provenientes de diversas fontes emergindo do trabalho e da revelação de novas necessidades; (c) concepção de alguns dos instrumentos de produção de dados (questionários com questões abertas e fechadas); (d) tratamento de dados (análise de conteúdo textual QUAL e quantificação QUAN, e enriquecimento da informação QUAN com dados QUAL); (e) processos de inferência e apresentação de resultados (Creswell, 2003; Creswell e Clark, 2007; Mertens, 2005; Morse, 2003; Tashakkori e Teddlie, 2003b, Teddlie e Tashakkori, 2003). No Quadro 4 as questões de investigação são associadas aos instrumentos de produção e recolha de dados utilizados. 49 Quadro 4. Questões de investigação vs. instrumentos de produção e recolha de dados QINV3 CONSTRANGIMENTOS À CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM? QINV2 CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO DESENVOLVIDO? QINV1 CARACTERÍSTICAS DO AMBIENTE DE APRENDIZAGEM E RELAÇÃO COM O CURRÍCULO? QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO E DOMÍNIOS INVESTIGADOS Que características deste ambiente de aprendizagem, envolvendo a utilização do Scratch, podem permitir a emersão e gestão flexível de temas e conceitos do currículo oficial da disciplina de Matemática (ensino básico), optimizando as potencialidades desta ferramenta no desenvolvimento da motivação para aprender e para a formulação e resolução de problemas? Os domínios investigados foram: (a) organização do tempo e do espaço; (b) actividades, práticas, materiais, recursos, avaliação. Que consequências parecem relacionar-se com a criação deste ambiente de aprendizagem envolvendo a utilização do Scratch? Os domínios investigados foram: (a) características do trabalho produzido pelos alunos com o Scratch e abordagem de conceitos previstos e não previstos no programa de estudos do 5.º ano; (b) relação afectiva dos alunos com a disciplina de Matemática, com a actividade de resolução de problemas (representações e crenças) e percepção sobre o seu desempenho nesta disciplina; (c) envolvimento familiar, ocupação dos tempos livres e percepção que os alunos (e pais) tiveram da experiência; (d) desempenho académico comparado. Que constrangimentos condicionaram a criação e desenvolvimento deste ambiente de aprendizagem construcionista (“learning-bydesigning”) com recurso ao Scratch, na actual estrutura de funcionamento da Escola? Os domínios investigados foram: (a) recursos; (b) gestão do currículo da disciplina de Matemática; (c) estabelecimento de pontes com outras áreas curriculares. FASES DO TRABALHO: INSTRUMENTOS DE PRODUÇÃO, RECOLHA E REGISTO DE DADOS FASE 2 - Intervenção Observação participante Diário de campo Notas de campo Conversas e entrevistas informais Entrevista semi-estruturada – Turma X Vídeo Análise de materiais produzidos (alunos e prof.) FASE 1 – Pré-teste FASE 2 – Intervenção FASE 3 – Pós-teste FASE 4 – Follow-up Classificações nas provas de aferição 4.º ano, habilitações literárias dos pais e outros. (Caracterização das amostras - alunos de 5.º ano e Turma X) Questionários 1 e 2 (alunos do 5.º ano, incluindo na amostra a Turma X – pré e pós-teste) Questionário(s) aos Pais da Turma X (pré e pós-teste) Questionário inicial Turma X; Observação participante; Diário de campo; Notas de campo; Conversas e entrevistas informais. Vídeo. Materiais produzidos (alunos e prof.) Prova académica - Matemática) (pós-teste) Questionário alunos – Scratch (pós-teste) Entrevista semi-estruturada – Turma X (pós-teste) Averiguação (informação escrita)- professores que leccionaram turmas de 5.º inquiridas durante o estudo, sobre a eventual realização e natureza das actividades com recurso às TIC em contexto de sala de aula. Questionário(A) Turma X (aplicado pela Directora de Turma em Formação Cívica em Setembro de 2008, sobre o ano lectivo anterior, sem que os alunos tivessem conhecimento da sua ligação com a investigação, observação da continuação das actividades dos alunos com a ferramenta e questionário (B) em Janeiro 2009 sobre o trabalho em casa com o computador (“follow-up”) FASE 2 – Intervenção FASE 3 – Pós-teste Observação participante Diário de campo Notas de campo Entrevista semi-estruturada – Turma X Conversas e entrevistas informais Vídeo Materiais produzidos (alunos e prof.) 50 No Quadro 5 encontram-se sintetizadas as características principais do plano de métodos mistos que construí com vista a dar resposta às questões de investigação. Esta síntese foi elaborada com base na consulta de textos e propostas de representação visual de vários autores (Creswell, 2003; Creswell e Clark, 2007; Mertens, 2005; Morse, 2003; Tashakkori e Teddlie, 2003b, Teddlie e Tashakkori, 2003). Quadro 5. Características do plano de métodos mistos aplicado Estudo e questões de investigação Um estudo e múltiplas questões de investigação Relação temporal estratégia Concorrente (QUAL+quan) Em todas as fases do estudo Paradigma filosófico: Pragmatismo Prioridade: problema e questões de investigação Produção de dados QUAL e QUAN simultaneamente, ou com algum intervalo de tempo de diferença Relação QUAL / QUAN Plano de métodos mistos embutido (“Embedded design”) com dominância QUAL (três fases) QUAL (quan) QUAL (quan) QUAL (quan) ----------------------------------1 - pré-teste 2 - intervenção 3 - pós-teste Em síntese, por todas as razões enunciadas, o caminho escolhido foi: - Forma: investigação-acção (centrada numa turma de 5.º ano de escolaridade – disciplina de Matemática em relação com outras áreas). - Metodologia de recolha e produção de dados: plano de métodos mistos (embutido), predominantemente qualitativo (instrumentos de produção e recolha de dados indicados no Quadro 4). Da teoria à prática de um caminho – o plano de investigação O plano de investigação encontra-se sintetizado na Figura 1. 51 Figura 1. Plano de investigação 52 Recolha e produção de dados – instrumentos e práticas Abordar-se-ão agora com mais pormenor as características das amostras utilizadas, a forma como foram recolhidos, produzidos e analisados os dados. As amostras utilizadas Turma X – A única turma do 5.º ano que me foi atribuída no ano lectivo em que decorreu o estudo (escolhida por essa razão), constituída por 21 alunos (consultar caracterização de pormenor no Capítulo 3). Esta amostra foi utilizada de forma diferenciada nos vários momentos do estudo. Assim, para efeitos de tratamento dos dados produzidos com a aplicação dos Questionários 1 e 2 (pré e pós-teste) e dos dados recolhidos nas fichas biográficas e nas pautas de resultados de provas de aferição, destinados à comparação com a amostra de alunos de 5.º ano da Escola, não foram considerados os alunos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008 (ensino especial), a repetir o 5.º ano ou provenientes de outros agrupamentos (exactamente os mesmos critérios aplicados aos alunos da Escola). Com este critério foram excluídos cinco alunos, um com perfil de autismo, outro transferido para a turma no terceiro período (próximo da conclusão do trabalho), também abrangido pelo regime de ensino especial e três alunas que não integravam o agrupamento no ano lectivo anterior, ficando a amostra para comparação com a Escola reduzida a 16 alunos. Para efeitos da observação e descrição dos processos e produtos directamente relacionados com o desenvolvimento das actividades com o Scratch, foram consideradas as alunas provenientes de outros agrupamentos (amostra com 19 alunos), mas não os dois alunos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º3/2008: o aluno autista, pelo facto de revelar limitações profundas (que justificaria um estudo de caso num outro contexto de investigação, uma vez que foi sempre incluído em todas as actividades com a ferramenta Scratch) que o impediam de responder a questionários ou entrevistas de acompanhamento; o aluno transferido tardiamente, por essa mesma razão (chegou pouco antes do trabalho ser concluído). Tratou-se de uma amostra de conveniência – elementos de um grupo, mais apropriadamente designados como sub-população, facilmente acessíveis ao investigador (nem sempre o grupo mais adequado aos objectivos da investigação) que, por estas características e pelo facto de se tratar de um grupo de reduzidas dimensões, não permite normalmente a produção de conclusões muito fiáveis (Cohen at al., 2007; Hill e Hill, 2005; Kemper, Stringfield e Teddlie, 2003). Trata-se de uma amostra acidental ou de oportunidade 53 que não representa nenhum grupo mais vasto nem permite generalização de resultados (Cohen et al., 2007; Bogdan e Biklen 1994; Hill e Hill, 2005) Escola – constituída por todos os alunos do 5.º ano da mesma Escola da Turma X, com excepção de uma das turmas, por integrar alunos provenientes de outros agrupamentos. A Turma X integrou esta amostra. Aplicaram-se os critérios referidos anteriormente, para garantir maior equivalência nas características dos elementos que incluem as amostras: não foram considerados os resultados dos alunos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008 (ensino especial), a repetir o 5.º ano ou provenientes de outros agrupamentos, embora todos tivessem respondido aos questionários. Pode consultar-se a informação resumida no Quadro 6. Quadro 6. Amostras utilizadas 5.º ano de escolaridade Turma X Escola Tipo de amostra Amostra de conveniência Pré-teste e Pós-teste (Q1 e Q2) para estudo comparativo (não foram considerados os resultados dos alunos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008 (ensino especial), a repetir o 5º ano ou provenientes de outros agrupamento Actividades com a ferramenta Scratch – observação e descrição de processos e produtos 16 alunos 19 alunos 114 alunos (cinco turmas, incluindo a Turma X) (não foi utilizada) Os instrumentos de produção, recolha e registo de dados As ferramentas utilizadas foram as seguintes: - Ficha biográfica: recolha dos dados pessoais obtidos por cada Director de Turma das turmas de 5.º ano, nos processos de elaboração dos seus Projectos Curriculares, através de modelo de ficha pré-existente (Peixoto, 2003) – Anexo V. No caso da Turma X foram recolhidos dados do 1.º Ciclo para mais completa caracterização dos alunos. - Recolha dos resultados das provas de aferição do 4.º ano do Agrupamento (2006/2007) que abrangeram todos os alunos que se encontravam no 5.º ano no ano lectivo 2007/2008 (não foram considerados os resultados dos alunos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, a repetir o 5.º ano ou provenientes de outros agrupamentos). - Questionários 1 e 2: perguntas abertas e fechadas (antes do início da actividade – Q1 pré-teste e no final – Q2 pós-teste): turma envolvida – Turma X e restantes turmas de 5.º ano da escola (incluindo a Turma X) - Anexo VI. - Questionários aos encarregados de educação (perguntas abertas e fechadas) de pré- 54 teste e pós-teste - Anexo VII. - Questionários aos alunos da Turma X (processo e produtos da intervenção, sobre o Scratch e sobre os blogues individuais, embora este último não tenha sido objecto de tratamento por não se revelar significativo – poucos alunos mantiveram os seus blogues actualizados e, embora importantes, acabaram por ser instrumentos que serviram aspectos mais pessoais do seu percurso do que aspectos relacionados com a Matemática ou o Scratch) - Anexo VIII. - Observação participante, conversas informais, registos vídeo, notas de campo, diário de campo (Anexo IX). - Entrevista semi-estruturada (alunos da Turma X – amostra integrando os 19 alunos). Guião – Anexo X. - Materiais produzidos (projectos Scratch, blogues, diários de campo, fichas de trabalho, outros...) - Aplicação de prova académica (Anexo XI) no final da intervenção, elaborada em equipa por todos os professores do 5.º ano da Escola, com questões retiradas de provas de aferição do 6.º ano, acessíveis ao 5.º ano de escolaridade e envolvendo todos os conteúdos programáticos (tendo sido aplicados os critérios de correcção e classificação definidos oficialmente pelo GAVE para esses problemas – Anexo XII). Nenhum professor corrigiu e classificou as provas das suas turmas. Os professores comprometeram-se a não realizar qualquer tipo de revisão específica para a prova, mas teria sido mais adequado utilizar uma prova elaborada por professores não pertencentes à escola e que fosse apenas conhecida no dia da aplicação. - Averiguação (solicitação de informação escrita) junto dos professores que leccionaram turmas de 5.º inquiridas durante o estudo, sobre a eventual realização e natureza das actividades com recurso às TIC em contexto de sala de aula. - Follow up – Questionário para os alunos (aplicado pela Directora de Turma em Formação Cívica em Setembro de 2008 – Anexo XIII, sobre a sua percepção relativamente ao ano lectivo anterior, tudo o que a turma havia feito, sem que os alunos tivessem conhecimento da sua ligação com a investigação ou com o Scratch), observação da continuação das actividades dos alunos com a ferramenta no 6.º ano de escolaridade, até ao final de Janeiro de 2008/2009 (análise e classificação de projectos, perfis dos alunos – Anexo XIV) e questionário em Janeiro de 2009 sobre o trabalho com o computador desenvolvido em casa pelos alunos e sua relação com o Scratch e com o Clube Scratch time (Anexo XV). O recurso aos intrumentos e processos referidos anteriormente, ao qual não pode ser 55 subtraído o próprio investigador – o primeiro instrumento (Pelto e Pelto, 1978, citado por van Gog e Pass, 2008), está intimamente relacionado com as características e questões de investigação e as das próprias ferramentas seleccionadas e combinadas nos vários momentos do trabalho. A escolha e combinação no presente estudo procurou guiar-se pelo princípio fundamental de que, na investigação de métodos mistos, os métodos devem ser combinados de forma a reforçarem os seus pontos fortes e não a sobreporem as suas fraquezas, levando em conta métodos usados em estudos prévios semelhantes (Johnson e Turner, 2003; van Gog e Pass, 2008). A mistura que dá origem à designação “mistos” resulta não apenas da combinação inter-métodos, mas do facto dessa mistura (quantitativo vs qualitativo) ocorrer no interior do mesmo método – intra-método (um bom exemplo, já referido, é o recurso a itens fechados e abertos num mesmo questionário) (Johnson e Turner, 2003). Os desafios colocados aos investigadores em tecnologias educativas que escolhem usar métodos mistos são muitos, mas o resultado de fazer esta escolha oferece um grande potencial e deve ser encarado de forma flexível com análise continuada de dados que podem gerar a reformulação de métodos, ou a criação de novos instrumentos durante o processo, à medida que o investigador aprofunda o seu conhecimento sobre o contexto estudado (van Gog e Pass, 2008). O recurso a métodos como os questionários e as entrevistas implicam a criação activa de dados que não existiriam sem a intervenção do investigador – dados provocados ou gerados (Graue e Walsh 2003; Silverman, 2003). Em contraste, a observação e análise de documentos pré-existentes lidam com actividades que parecem existir independentemente do investigador – dados que ocorrem naturalmente (Peretz, 2007; Silverman, 2005). No entanto, a distinção entre ambos não deve ser levada demasiado longe porque nenhum dado existe sem ser tocado por mão humana: se escolhemos observar, os nossos dados não falam por si, mas têm de ser captados e transformados em notas de campo, registos áudio, vídeo, imagem, acabando por ser transcritos e traduzidos, nem sempre de forma perfeita, pelo investigador (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1994; Cohen et al., 2007; Denscombe, 2006; Peretz, 2007; Burgess, R.; Silverman, 2003). Mais ainda, as características dos dados recolhidos serão sempre afectadas pelo posicionamento e opções de pontos de vista escolhidos pelo investigador – ele escolhe o que observa (Cohen et al., 2007; Denscombe, 2006; Peretz, 2007; Silverman, 2003). Na observação participante (técnica de recolha de dados útil, já que a informação não está condicionada pelo discurso do observado e decorre no contexto natural da acção) o observador torna-se parte do contexto estudado e, não podendo ser observada toda a 56 realidade, o investigador pode determinar previamente o que será observado, sem limitar prematuramente a sua observação com o estabelecimento de categorias que condicionem cedo demais a recolha de informação (sobretudo no início da investigação) (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1994; Burgess, 2000; Cohen et al., 2007; Peretz, 2007, van Gog e Pass, 2008). No presente estudo deu-se relevância a um tipo de observação essencialmente não estruturada, mas orientada de forma flexível pela estrutura presente nas questões de investigação, que levou à produção de registos de observação de vários tipos: textos, notas de campo, imagens, vídeos, diário de campo (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1994; Burgess, 2000; Cohen et al., 2007; Denscomb, 2006; Johnson e Turner, 2003; Peretz, 2007; van Gog e Pass, 2008). O professor-investigador não pode fazer o trabalho de investigador à custa do ensino e do tempo que necessita para ele, pelo que tomar notas deve ser um processo integrado nas suas rotinas, servindo simultaneamente as duas causas, suportado essencialmente em registos simples e breves que mais tarde auxiliam a memória na reconstituição das cenas (Hubbard e Power, 2003). Algumas das desvantagens deste método assentam na falta de rigor e objectividade de alguns registos, na dificuldade de acompanhamento de algumas situações com interesse e selecção do que deve ser observado e registado, na dificuldade de memorização de pormenores de algumas ocorrências, no volume excessivo de informação para análise se não for sendo feita uma triagem adequada, na dificuldade em aprofundar as razões dos comportamentos, alteração de comportamentos dos observados como consequência da observação (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1994; Cohen et al., 2007; Denscomb, 2006; Johnson e Turner, 2003; Peretz, 2007; Silverman, 2005; van Gog e Pass, 2008). Complementando os processos de observação directa participante, procurou-se igualmente informação em documentos já existentes. Este tipo de método não interferente tem um papel relevante no processo de investigação em ciências sociais e humanas, já que “o acto de obtenção de dados dos respondentes ou informantes pode ele próprio afectar as características das respostas obtidas” (Lee, 2003, p. 15), havendo a necessidade de obter informação através de recolha indirecta junto de quem é objecto de investigação (Lee, 2003). Documentos, registos e estatísticas que outros compilaram ou produziram podem juntar-se aos dados gerados pelo investigador, representando mais uma perspectiva sobre as questões investigadas que permite enriquecer a pesquisa com informação descritiva ou quantitativa útil aos propósitos estabelecidos (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1994; Denscombe, 2006; Johnson e Turner, 2003; Lee, 2003; Cohen et al., 2007; Silverman, 2005; van Gog e Pass, 2008). 57 Naturalmente que no processo de investigação existiu também a necessidade de gerar dados que completassem a informação sobre as perspectivas e percepções dos envolvidos, ou mesmo o seu desempenho. A geração de dados começa com perguntas. Questionários e entrevistas podem gerar dados mais rapidamente e de forma mais organizada e sistemática do que a observação participante não estruturada sem recurso a este tipo de ferramentas, mas são sempre uma intrusão na vida, no tempo e privacidade da pessoa que responde (mesmo com o consentimento informado desta – não podem ser descuradas as questões éticas envolvidas), especialmente na das crianças, devendo existir um especial cuidado neste caso (Cohen et al., 2007; Fontana e Frey, 2005; Graue e Walsh 2003; Silverman, 2005). Podem também ser utilizados testes de avaliação (conhecimentos e desempenho) referenciados à norma ou a um critério (Tuckman, 1978, citado por Afonso, 2005). No nosso país não é comum a utilização de testes referenciados à norma, sendo os exames e provas de aferição (utilizadas no presente estudo) referenciados criterialmente, baseando-se na selecção de conteúdos das disciplinas envolvidas e avaliando-se o resultado obtido pelo indivíduo em função da distância aos critérios previamente definidos (Afonso, 2005). O método mais usado para coligir informação é o questionário, implicando a construção de um instrumento de auto-relato preenchido pelos participantes e distinguindo-se da entrevista pelo facto das respostas serem dadas por escrito (podendo ser na ausência do investigador) e não respondidas oralmente de forma pessoal (Afonso, 2005; Cohen et al., 2007; Johnson e Turner, 2003). É um instrumento útil de uso muito generalizado para gerar e recolher informação, podendo proporcionar dados estruturados e comparáveis, muitas vezes de natureza quantitativa (Wilson e Mclean, 1994, citado por Cohen et al., 2007). As vantagens deste método associadas à menor possibilidade de enviesamento pelo investigador e à economia de tempo nos casos em que as amostras são numerosas, devem ter em conta o tempo dispendido a desenvolver, testar e refinar o instrumento e não esquecer as perdas, pouca sofisticação e âmbito limitado dos dados coligidos (frequentemente não é possível solicitar esclarecimentos) e limitada flexibilidade das respostas (embora esta última possa ser considerada uma vantagem em certos contextos) (Cohen et al., 2007; Wilson e Mclean, 1994, citado por Cohen et al., 2007). A construção de um questionário, depois de se decidir que é o método apropriado para a investigação (ou parte do seu processo) e as características que deve possuir, obedece geralmente a um conjunto de fases, devendo ser tidas em conta algumas linhas orientadoras. Planear, decidir sobre o grau de estruturação, tipo de questões, sequência, cuidados a ter, testar, operacionalizar, analisar e tratar a informação são aspectos que necessitam de ser 58 abordados de forma cuidada (Afonso, 2005; Cohen et al., 2007; Denscomb, 2006; Hill e Hill, 2005; Johnson e Turner, 2003). Outro método importante para gerar dados é a entrevista. Trata-se de uma conversa com um propósito, entre duas ou mais pessoas, dirigida por uma delas com o objectivo de recolher informações sobre a outra, ou outras (Ghiglione e Matalon, 2001; Morgan, 1988, citado por Bogdan e Biklen, 1994). É um instrumento flexível para produzir e recolher dados em profundidade (o entrevistador pode pedir esclarecimentos, o que não acontece num questionário), útil para exploração e confirmação, não podendo ser comparada a uma conversa de todos os dias, pois existe uma intenção específica (apoia-se em questões que devem ser respondidas com pormenor), sendo uma situação construída e não de ocorrência natural (Bogdan e Biklen, 1994; Cohen et al., 2007; Johnson e Turner, 2003). Fazer perguntas e obter respostas é uma tarefa mais complexa do que pode parecer à primeira vista, já que a palavra falada ou escrita tem sempre resíduos de ambiguidade, não importa quão cuidadosamente formulemos as questões ou reportemos e codifiquemos as respostas (Fontana e Frey, 2005; van Gog e Pass, 2008). Todavia, é um dos meios mais comuns utilizados para compreender o ser humano, podendo assumir muitas formas e muitos usos (Fontana e Frey, 2005). Woods (1986) (citado por Cohen et al., 2007) refere atributos importantes do entrevistador: confiança, naturalidade, relação entre entrevistado e entrevistador susceptível de promover uma ligação próxima entre ambos numa busca conjunta guiada essencialmente pelo desejo de aprender (deve ser a força motriz motivadora), capacidade para conseguir apreender o que está na mente do entrevistado sem que isso seja afectado pelo seu desempenho como entrevistador. É também fundamental nesse processo a atitude de escuta atenta e interessada sem emissão de juízos de valor, o conhecimento sobre os temas investigados para se poder reagir ao que se vai escutando e orientar o processo de forma útil (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1984; Cohen et al., 2007; Fontana e Frey, 2005; Ginsburg, 1997; Graue e Walsh, 2003; Johnson e Turner, 2003; van Gog e Pass, 2008). Podem existir dificuldades na gestão das entrevistas relacionadas com enviesamentos provocados por características, atitudes ou comportamentos do entrevistador ou por tendências de resposta de certos entrevistados, acrescentando-se às desvantagens o facto da análise de dados ser demorada e a percepção reduzida do anonimato poder condicionar as respostas (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1984; Cohen et al., 2007; Cohen et al., 2007; Johnson e Turner, 2003). As entrevistas de natureza qualitativa podem variar de acordo com o grau de 59 estruturação (Bogdan e Biklen, 1984; Cohen et al., 2007; Fontana e Frey, 2005; Johnson e Turner, 2003; van Gog e Pass, 2008), sendo comum a distinção entre entrevistas formais e informais – não estruturadas (Cohen et al., 2007; Hubbard e Power, 2003) ou situando-se num contínuo que vai desde o puramente qualitativo ao puramente quantitativo, passando por formas mistas que permitem a recolha de informação de vários tipos (Johnson e Turner, 2003). As entrevistas formais podem fazer variar o grau de formalidade desde as completamente estruturadas e inflexíveis na sua aplicação, controlo total e obtenção de dados que podem ser facilmente quantificados, até às entrevistas com algum grau de estruturação onde se mantém presente alguma flexibilidade. As entrevistas informais, de carácter aberto e exploratório, ocorrem normalmente de forma espontânea, nascidas da interacção diária durante o trabalho de campo (por exemplo numa aula), assemelhando-se a conversas entre amigos – as perguntas emergem do contexto imediato e no seguimento normal do acontecimento, não existindo pré-determinação de tópicos para questões (Bogdan e Biklen, 1994; Cohen et al., 2007; Fontana e Frey, 2005; Johnson e Turner, 2003). A sua maior fraqueza é o facto de ser menos sistemática e compreensível e poder dificultar a organização dos dados; tem, todavia, a vantagem de aumentar a relevância das questões já que estas são construídas sobre as observações e emergem delas, podendo ser adaptadas aos indivíduos e circunstâncias (Bogdan e Biklen, 1994; Fontana e Frey, 2005; Cohen et al., 2007; Johnson e Turner, 2003). No caso de estudos (como o presente) onde a observação participante tem um papel importante, o investigador já conhece bem os entrevistados e nos processos de conversa e entrevista informal o diálogo pode ser amigável e descontraído, semelhante aos que ocorrem entre amigos, mas depois pode surgir a necessidade de sistematizar a recolha de forma mais estruturada (Bogdan e Biklen, 1994). Segundo Coenh et al. (2007), foram Bogdan e Biklen (1994) quem acrescentou aos conceitos de informalidade e formalidade o conceito de entrevista semi-estruturada: criação de ambiente próprio e existência de um guião. Ghiglione e Matalon (2001) referem também na sua obra os vários tipos de entrevista. No caso da entrevista semi-estruturada, os assuntos e tópicos a cobrir são previamente definidos. O entrevistador decide a sequência e o discurso a utilizar no decorrer da entrevista, incluindo na preparação um conjunto de questões prévias. As vantagens estão relacionadas com o facto do guião (construído a partir das questões de investigação e das intenções do estudo) aumentar a compreensão dos dados e tornar a recolha mais sistemática para cada entrevistado, todavia a entrevista mantém um tom coloquial de conversa situada e podem nascer aí algumas das fraquezas do método: tópicos importantes podem ser inadvertidamente omitidos, a flexibilidade do entrevistador na sequenciação e 60 formalização em palavras nas perguntas pode resultar em respostas substancialmente diferentes reduzindo as possibilidades de comparação (Afonso, 2005; Bogdan e Biklen, 1984; Cohen et al., 2007; Denscomb, 2006; Ginsburg, 1997; Graue e Walsh, 2003; Johnson e Turner, 2003). Nas entrevistas semi-estruturadas podem realmente obter-se dados comparáveis, mas perde-se a oportunidade de entender como os entrevistados organizariam os temas em questão (Bogdan e Biklen, 1994). Quando o objecto de estudo envolve crianças é necessário ter cuidados específicos. O mundo dos mais jovens deve ser compreendido através dos seus olhos e não da lente do adulto, já que aqueles diferem destes no desenvolvimento cognitivo e linguístico, tempo de atenção e concentração, capacidade de recordar as suas experiências, aquilo que consideram importante e a relação com o adulto entrevistador (estatuto, autoridade e poder), sendo também fundamental para o sucesso das metas definidas, e para a obtenção de informação útil, o ambiente criado durante a entrevista (Arksey e Knight, 1999; Cohen et al., 2007; Ginsburg, 1997; Graue e Walsh, 2003). Os processos Antes de iniciar o trabalho com a turma de 5.º ano (Turma X), partilhei a ferramenta Scratch com uma turma do 6.º ano em Setembro de 2007, sondando reacções, tentando averiguar possibilidades, remetendo o trabalho principal de exploração para casa. Fui perguntando quem instalava, quem ia avançando, o que iam fazendo, pequeninas conversas, sugestões de actividades, dúvidas partilhadas em pequenos momentos das aulas (sobretudo em Estudo Acompanhado). Sugeri que, a par da exploração mais livre, utilizassem o programa direccionando os projectos para a construção de actividades que reforçassem as aprendizagens das aulas: pequenas demonstrações, actividades interactivas. Coloquei desafios para procurar compreender melhor a ferramenta e a forma como os alunos se relacionavam com ela antes de iniciar o trabalho com a Turma X. Solicitada autorização (Anexo XVI) ao Conselho Executivo (e também aos encarregados de educação dos alunos da turma objecto de estudo – Anexo XVII) para avançar com a intervenção, produção e recolha de dados, e realizados por aquele os necessários passos de comunicação e solicitação de autorização superiores, iniciou-se durante o primeiro período lectivo (de Outubro a Dezembro de 2007) a recolha dos documentos já existentes: resultados das provas de aferição e fichas biográficas. Nas fichas biográficas foram obtidas informações sobre a idade, género e habilitações literárias dos encarregados de 61 educação. Procurou obter-se informação sobre as profissões destes, mas o incorrecto ou incompleto preenchimento da maioria dos documentos inviabilizou esta intenção. No conjunto total da amostra (não equivalente à usada em Q1 e Q2) do 5.º ano – 207 alunos – foi possível recuperar a informação pretendida apenas em 169, faltando 38 – taxa de recuperação de 82%. As razões foram as seguintes: alguns dados não estavam preenchidos, ou não eram claros, e uma directora de turma aplicou um documento diferente pelo que apenas tinha na sua posse os dados relativos aos encarregados de educação e não aos pais na sua globalidade. A ideia inicial de recolher as avaliações realizadas pelos professores do 1.º Ciclo, relativas ao desempenho dos alunos na disciplina de Matemática, não foi concretizada pelo facto dessa avaliação ser apenas expressa através de descrições exaustivas, distintas de professor para professor, de competências adquiridas, sem referência a um padrão que permitisse estabelecer comparações com os restantes dados e atribuir uma menção de natureza qualitativa que indicasse o posicionamento do desempenho do aluno numa escala. Todavia, foram recolhidas as observações feitas sobre os alunos pela professora do 1.º Ciclo, com a intenção de melhor caracterizar os alunos individualmente. Também se optou deliberadamente por não ter em consideração os dados provenientes das classificações atribuídas no 5.º ano pelos professores da disciplina de Matemática (optando pela aplicação de uma prova académica de aferição interna no final do ano lectivo de 2007/2008, a todos os alunos do 5.º ano, como era já intenção do Departamento de Matemática da escola). A opção de utilizar a informação dos resultados das provas de aferição e, posteriormente, a referente aos resultados de uma prova académica global semelhante deveuse ao facto das crianças se encontrarem integradas num sistema que não pode evoluir com rupturas súbitas e isoladas. Justifica-se um esforço por parte do investigador-professor na tentativa de ajustar alguns aspectos da actividade para que os alunos não sintam dificuldade de integração posterior. Todavia, não se pretendeu domesticar excessivamente, condicionar e subverter o potencial criativo da ferramenta, nem aceitar passivamente que essa é a única estrutura possível, procurando, através da própria investigação, soluções possíveis de mudança. As limitações de provas desta natureza, expressas no parecer da Associação de Professores de Matemática (APM, 2007), Anexo XVIII, não permitem inferir com rigor as reais aquisições dos alunos, mas uma vez que a ferramenta é a mesma para todos e a correcção e classificação se encontram formalmente estabelecidas, pareceu útil o esforço de comparação de resultados entre a Escola e a Turma X e entre os resultados destas provas e da prova académica final (que procurou seguir critérios semelhantes, embora com a grande diferença de não ser desconhecida dos professores, já que foram estes a elaborá-la). Também 62 não foi possível comparar o desenvolvimento de outros aspectos paralelos (fluência tecnológica, por exemplo, e outras competências desenvolvidas com o trabalho realizado). Tendo em conta as limitações deste tipo de provas e as limitações do estudo, não existia a intenção de atribuir peso excessivo aos resultados obtidos por essa via nem aprofundar extensamente os aspectos das crenças e representações, sua evolução (dependente de muitos factores) e sua influência no desempenho. Pretendia-se apenas procurar indícios que permitissem o levantamento de novas questões e de alguma forma completassem a descrição da intervenção, dada a importância e influência directa que as crenças e percepções têm no desempenho dos alunos, aspecto ao qual se têm referido muitos autores (Leder, Pehkonen, Törner, 2002; Op ‘t Eynde, De Corte e Verschaffel, 2002; Pehkonen, 2004; Pehkonen, Pietilä, 2003; Shoenfeld, 1985, 1992, 1999). A interacção entre os tradicionalmente chamados domínios cognitivo e afectivo pode ser recordada num comentário de Piaget sobre a relação entre ambos: “1) Il n’y a pas de mécanisme cognitif sans éléments affectifs... 2) Il n’y a pas non plus d’état affectif pur, sans élément cognitif.” (Piaget, 1954, citado por Shoenfeld, 1985, p. 9). A investigação em educação matemática tem de ser especialmente cuidadosa na construção e na escolha dos instrumentos de acompanhamento e avaliação (aquisições, processos, crenças), pois estes acabam sempre por privilegiar um ou outro modelo de abordagem, escapando na medição o essencial e as razões que se escondem atrás dos resultados – se se privilegiar um modelo clássico de prova, é difícil ou impossível avaliar os outros aspectos trabalhados não evidenciados em respostas-tipo dessas provas; se se optar por um modelo capaz de observar outros aspectos, colocam-se em desvantagem os alunos que trabalham sob modelos mais clássicos, sendo complexo o estabelecimento de comparações entre amostras muito diferentes (Shoenfeld, 1992, 2000, 2007, 2008a,b,c) Para além dos dados a que já foi feita referência e que integram, no seu conjunto, o pré-teste, com múltiplas dimensões, foram também elaborados dois questionários (Q1 e Q2) que tinham como objectivo captar sentimentos, representações e crenças dos alunos sobre a Matemática, resolução de problemas e sobre o seu próprio desempenho, antes (pré-teste) e depois da intervenção (pós-teste). Embora a investigação a realizar tenha tido o seu foco primordial na descrição de processos em contexto formal de aprendizagem, que permitem o esboço de uma abordagem flexível do currículo da disciplina de Matemática – 5.º ano, emergindo da utilização da linguagem gráfica de programação Scratch, considerou-se importante a introdução de alguns elementos de controlo à entrada e à saída da intervenção, como forma de: caracterizar o grupo de estudo e compará-lo com o restante grupo equivalente de 5.º ano da escola; detectar 63 eventuais tendências de desvio de resultados após a intervenção (utilização do Scratch), com a consciência da complexidade de factores envolvidos que agiram em conjunto e da impossibilidade de isolar de forma adequada as variáveis envolvidas, sendo a ferramenta tecnológica apenas mais um desses factores. Pretendeu-se, pois, pelo cruzamento dos dados disponíveis (comparando a amostra Escola com a amostra Turma X) captar uma imagem inicial das representações dos alunos sobre a disciplina e sobre a resolução de problemas, bem como do seu desempenho académico e da imagem que têm sobre ele, que voltasse a ser testada no final, procurando pequenos sinais que sugiram futuro aprofundamento deste estudo. Relativamente à estrutura e forma, a construção das questões dos questionários Q1 e Q2 sustentaram-se em literatura especializada (Cohen et al., 2007; Foddy, 2003; Hill e Hill, 2005). A definição dos tipos de sequenciação, a existência de tabelas para facilitar a leitura e a utilização de escalas do tipo Lickert não pareceu afectar a escolha ou fazê-la incidir maioritariamente no “centro” (nos testes-piloto os alunos sentiram necessidade de pontos intermédios em algumas questões que não os incluiam inicialmente). Relativamente ao conteúdo, as opções feitas na construção das perguntas e posterior análise tiveram como referência o trabalho já desenvolvido nesta área por alguns autores portugueses (Abrantes, 1999; Piscarreta e César, 2001, 2004; Rijo, Loureiro e César, 2002) e o trabalho de fundo feito por outros investigadores sobre crenças e representações dos alunos relativamente à disciplina de Matemática (Leder, Pehkonen, Törner, 2002; Op ‘t Eynde, De Corte e Verschaffel, 2002; Pehkonen, 2004; Pehkonen e Pietilä, 2003; Shoenfeld, 1985, 1992, 1999). Optei por utilizar questões previamente testadas, com ou sem adaptações. O questionário Q2 tinha uma estrutura semelhante à de Q1, apenas alterando a questão que dizia respeito às áreas preferidas (que passaram a ser as disciplinas) e sendo introduzidas duas questões novas (a sete e a oito) adaptadas de Abrantes (1999). O conceito de crença que serviu de referência ao desenvolvimento do trabalho foi o de Op ‘t Eynde, De Corte e Verschaffel (2002): Students’ mathematics-related beliefs are the implicitly held subjective conceptions students hold to be true about mathematic education, about themselves as mathemacians, and about the mathematics class context. These beliefs determine in close interaction with each other and with students’ prior knowledge their mathematical learning and problem solving in class. No presente estudo, foram sobretudo tidas em conta explicitamente nos questionários: as crenças e representações sobre a disciplina de Matemática, a resolução de problemas e o 64 desempenho individual percepcionado pelos alunos. Os testes-piloto aos questionários Q1 e Q2 foram feitos respectivamente com alunos de duas escolas do distrito de Setúbal e com alunos de uma turma do 5.º ano da Escola onde se realizou o estudo, que não foi incluída na amostra por se ter verificado que integrava apenas alunos provenientes de outros agrupamentos – transferidos – o que correspondia a um dos critérios de exclusão. As observações decorrentes desses testes-piloto e que produziram pequenos ajustes às versões iniciais encontram-se no Anexo XIX . A aplicação dos questionários Q1 e Q2 aos alunos foi feita por mim, na presença do Director de Turma ou de outro professor, quando não foi possível a presença daquele. Foram escolhidas preferencialmente aulas de Formação Cívica e a duração da aplicação foi de 30 a 40 minutos. O questionário foi aplicado sem identificação mas, com o auxílio da posição dos alunos na sala e do professor presente, a identidade foi recuperada para ser possível eliminar no tratamento dos dados os alunos que não cumpriam os critérios necessários (preservou-se sempre a confidencialidade dos dados em todo o processo). Dos 120 alunos possíveis da amostra da Escola (que incluia a Turma X) foram recolhidos 114 (taxa de recuperação de 95%) devido ao facto de alguns alunos das restantes turmas da Escola terem faltado às aulas no dia de aplicação de um ou de ambos os questionários. A análise de conteúdo das questões abertas dos questionários Q1 e Q2 (justificação de opções, identificação de aspectos mais ou menos preferidos e “definição” de Matemática) teve em conta o estabelecimento de categorias “a priori” no caso das questões: um (Q1 e Q2) – Justificação da Questão sobre a relação com a Matemática; três (Q1) = quatro (Q2) – Gosto mais e gosto menos na Matemática; seis (Q1) = oito (Q2) – Definição de Matemática. De acordo com os autores e estudos consultados (Abrantes, 1999; Leder et al., 2002; Op 't Eynde et al. 2002; Pehkonen , 2004; Pehkonen e Pietilä 2003; Piscarreta e César, 2001, 2004; Rijo et al., 2002; Shoenfeld, 1985, 1992, 1999), seria de esperar que os alunos dividissem sobretudo as suas referências por duas concepções da Matemática, uma mais procedimental e relacionada com os conteúdos trabalhados (algumas palavras-chave usadas pelos alunos: “memorização, contas, números, cálculo, sólidos, operações, relações de ordem...”), outra onde é entendida como uma actividade de resolução de problemas (algumas palavras-chave usadas pelos alunos: “problemas, pensar, raciocínio, raciocinar, enigmas, desafios, puxar pela cabeça”). Para a natureza do estudo em causa interessavam sobretudo estas duas visões (Categorias: “Procedimentos e conceitos” e “Resolução de problemas e raciocínio”), que emergiram nas respostas dos alunos como esperado, não tendo sido contabilizadas as referências de ordem afectiva ou de compreensão (“divertida, gira, gosto, não gosto, emoção, 65 fácil, difícil, bom professor, aprender matéria, interessante, brincadeira, misteriosa, avaliação, complicada, simples...”) já contempladas noutras questões de forma mais específica. Nas questões “Gosto mais e gosto menos” (três Q1 e quatro Q2) foram muito raras as referências a outros aspectos que não os incluídos nas duas categorias pré-definidas. Quanto às questões restantes, quatro (Q1) = cinco (Q2) – Justificação da Questão “O que a Matemática diria sobre mim”; e cinco (Q1) = seis (Q2) – Justificação da Questão sobre a relação com a resolução de problemas, optou-se pelo seguinte procedimento: as categorias (de natureza exploratória) foram definidas “a posteriori” após leitura e análise das respostas de todos os alunos, para encontrar os pontos comuns a comparar entre o início e o final da actividade a que respeita o presente estudo. O Quadro 7 sintetiza o processo de análise de conteúdo fundamentando as opções feitas e esclarecendo o modo de cálculo da frequência. O questionário sobre as primeiras aventuras com o Scratch (Anexo XX) foi preenchido pelos alunos da Turma X em casa (Janeiro de 2008), tendo sido devolvidos 16 em 19 (taxa de recuperação de 84%). Foi tratado estatisticamente e organizada a informação (por pergunta – Anexo VIIIc) para cruzar com evidências da observação directa, com as respostas dos encarregados de educação e outra informação relevante. O processo de observação directa participante recorreu a muitas conversas informais, captação vídeo, registo de notas e fotografia, durante as actividades das aulas e do Clube. 66 Quadro 7. Fundamentação das opções no processo de análise de conteúdo das questões abertas dos questionários Q1 e Q2 (Anexo VI). Questões Categorias 1 (Q1 e Q2) Procedimentos e conceitos 3(Q1)=4(Q2) 6(Q1)=8(Q2) Resolução de problemas e raciocínio Sucesso Comportamento 4(Q1)=5(Q2) Relação afectiva Empenho e estudo Compreensão 5(Q1)=6(Q2) Relação afectiva, descoberta, desafio Grau de compreensão e dificuldade, sucesso Unidades de registo - (exemplos) “...fazer contas...”, “fazer contas e medir”, “...disciplina que fala em números...”, “existem expressões numéricas...” tem cm, mm, m...”, “... tem numeração romana e sólidos geométricos...” “... adoro resolver problemas...”, “...puxar pela cabeça...”, “... Matemática é decifrar enigmas...”, “...ajuda a nossa mente a evoluir...”, ...”problemas para resolver...” “...baixei as notas...”, “...nunca tive notas baixas...”, “...tive boas notas...”, “...sempre tive bons resultados...”, “...bom aluno...”, “...costumava ter Bom...”, “...não era boa nos problemas...” “...nunca faltei nem cheguei atrasado...”, “participo pouco mas bem...”, “...o comportamento é um pouco mau...” “... porque eu gosto de Matemática...”, “...ao adorar Matemática...”, “...a Matemática é divertida...”, “... não sendo a sua fã n.º 1...” “...acho que me esforço...”, “...estudo muito...”, “acho que me esforcei e estudei muito...”, “...faço os trabalhos...”, “pratico todos os dias e quando há testes estudo...”, “... aplico-me...” “... comecei a ter dificuldades...”, “...nunca senti grandes dificuldades...”, “...não domino por completo...”, “outros exercícios tenho dificuldade...” “... é giro descobrir a solução...”, “...sempre gostei de pensar...”, “...faz-nos puxar pela cabeça...”, “...aborrece-me...”, “...é giro e parece um jogo...”, “...gosto de enigmas...”, “...isso chateia-me...” “...não percebo...”, “...Às vezes tinha dificuldade...”, “não percebo o que o problema quer dizer...”, “...porque alguns são mais difíceis...”, “...uns são mais fáceis...”, “...são muito complicados...”, “...fico com a cabeça baralhada...”, “...às vezes não sei fazer...”, “acho difíceis...” Cálculo da frequência Apenas se contabilizou uma categoria em cada unidade de análise, independentemente da extensão do texto ou do número de ocorrências relacionadas com cada categoria. A frequência (percentagem) foi obtida dividindo o numero de categorias contabilizadas pelo número de alunos da amostra considerada: Escola – 114 alunos e Turma X – 16 alunos Algumas das reflexões foram partilhadas na blogosfera, onde mantenho regularmente espaços destinados à reflexão sobre a actividade profissional e partilha de recursos. Muita desta informação foi coligida em forma de diário de campo (Anexo IX) e editada em pequenos vídeos publicados na Internet (com reserva de identidade dos alunos). A análise 67 destes dados foi de natureza qualitativa em busca de aspectos relevantes para dar resposta às questões de investigação e procurando enriquecer a descrição com apontamentos significativos. Os questionários dirigidos aos encarregados de educação foram aplicados da seguinte forma. O primeiro (Anexo VIIa) foi distribuído (e recolhido por mim) aos pais presentes em reunião marcada pela Directora de Turma no arranque das actividades (Janeiro de 2008). Nessa reunião expliquei as características do trabalho que iria ser desenvolvido e foi solicitado o preenchimento do questionário. Os pais ausentes da reunião tiveram depois acesso ao mesmo através dos seus educandos e foi através deles que o devolveram. Todos os questionários foram recuperados. O questionário de pós-teste em Junho de 2008 (Anexo VIIb) foi enviado através dos alunos. As questões eram semelhantes, com as necessárias variações para captar a informação pretendida e, para este questionário, 18 pais em 19 devolveram o questionário preenchido (taxa de recuperação de 95%). A informação produzida foi tratada estatisticamente e, no caso do segundo questionário, cruzada (Anexo XXI) com a recolhida no questionário sobre o Scratch, aplicado também em Junho aos alunos da Turma X. A inspiração para algumas das questões constantes no guião foi encontrada nas referências recolhidas em estudos de natureza semelhante (Harel, 1991; Kafai, 1995; Kafai et al., 2007; Maloney et al., 2008 a), b); Resnick et al., 2003; Turkle, 2005). Como forma de completar o processo de produção de informação na fase final da actividade (pós-teste), foram concebidos e aplicados dois questionários: um sobre o Scratch (Anexo VIIIa) e outro sobre blogues (Anexo VIIId). Foram aplicados por duas professoras da turma na aula de Área de Projecto e Educação Visual e Tecnológica, respectivamente, com instruções escritas. Os alunos identificaram-se. O tratamento da informação do questionário sobre blogues e o acompanhamento posterior (verificação da periodicidade de actualização e número reduzido de alunos envolvidos), revelou que o trabalho desenvolvido nesta área (blogue da turma e blogues individuais), embora tenha tido alguma importância no ambiente de aprendizagem, não foi relevante enquanto variável para o estudo em causa, pelo que os resultados do questionário não foram analisados em profundidade. O questionário sobre o Scratch foi analisado estatisticamente (produção de valores e tabelas). Foi também feita uma análise qualitativa e o cruzamento de informação com as respostas dadas pelos encarregados de educação. A entrevista semi-estruturada feita a todos os 19 alunos da Turma X em Junho de 2008 (guião no Anexo X), foi preparada tendo como base o questionário sobre o Scratch (para permitir completar a informação ali produzida) e um teste a algumas das questões feito 68 com outra turma que eu leccionava, 6.º ano, e que realizou actividades com o Scratch. Nesse teste em grupo (numa aula de Matemática) foi possível identificar a terminologia e as questões que obtiveram melhores reacções por parte dos alunos e as que permitiam motivar e enriquecer de pormenores o seu discurso sobre o tema. A preparação requereu especiais cuidados por se tratar de uma entrevista a crianças. Embora não tivesse experiência prévia neste tipo de processos, o exercício da actividade docente há mais de 20 anos, o hábito regular das entrevistas e conversas informais no processo educativo em geral e no processo das actividades de investigação com estes alunos, bem como a proximidade afectiva que existia entre mim e eles facilitou a tarefa, propiciando um ambiente calmo e seguro (embora tenha a clara consciência de que muito haveria a fazer para aperfeiçoar a qualidade do trabalho realizado na entrevista). O guião foi organizado em torno das questões de investigação e a decisão de entrevistar todos os alunos deveu-se, por um lado, à existência de uma intenção de estabelecimento de perfis e evolução dos percursos individuais e, por outro, à importância que os alunos deram a todo o trabalho e à sua motivação para participar na recolha de informação. Excluir alunos provocaria reacções negativas na turma (e provavelmente entre os encarregados de educação que acompanharam o processo). Embora, de acordo com a literatura (Arksey e Knight, 2007; Cohen et al., 2007; Ginsburg, 1997; Graue e Walsh, 2003; Hubbard e Power, 2003 ), fosse possível dividir a entrevista em partes, optei por não o fazer dado o número elevado de alunos e o pouco tempo disponível que teve de ser organizado meticulosamente. A duração aproximada de cada uma foi de cerca de 30 minutos. As entrevistas realizaram-se sempre na presença de um computador, para permitir que o aluno pudesse utilizá-lo quando necessário. É recomendável, com crianças, a presença de objectos manipuláveis durante o processo (Arksey e Knight, 2007; Cohen et al., 2007; Ginsburg, 1997; Graue eWalsh, 2003). Realizadas no final do ano lectivo, foram aproveitadas as horas do Clube Scratch time, algumas aulas de Estudo Acompanhado (presença de dois professores), de Matemática (com actividades TIC onde os alunos realizavam actividades de forma autónoma) e tempos livres da professora e dos alunos. As condições variaram: alguns alunos fizeram a entrevista a sós comigo, outros fizeram-na em ambiente de aula (à parte) sem que os colegas pudessem escutar o que diziam. A primeira entrevista (aluno Zang) funcionou como teste para eventual aperfeiçoamento de alguma questão, gerando correcções mínimas no guião final. Esta técnica está prevista na literatura especializada (Grau e Walsh, 2003). As entrevistas foram transcritas (protocolos no Anexo XXII ) e posteriormente organizadas por questões/áreas temáticas (Anexo XXIII), o que permitiu a quantificação de alguma da informação, em alguns casos e, noutros, a recolha de respostas, tendências e 69 percepções de natureza qualitativa relacionadas com as questões de investigação. Os materiais de apoio que construí para as aulas foram analisados e organizados, tendo sido seleccionados os mais significativos como exemplo possível de instrumentos a utilizar em contexto de aula (são divulgados no texto referente às características do ambiente de aprendizagem criado – uma das questões de investigação). Foram recolhidos e organizados alguns dos materiais produzidos pelos alunos (projectos Scratch, correio electrónico, comentários no portal, diários de campo, blogues, trabalhos variados, registos de avaliação e outros), procurando-se completar a informação e a visão sobre as actividades dos alunos ao longo do ano. Os materiais mais relevantes para o estudo foram, naturalmente, os projectos Scratch. O trabalho de apreciação e classificação dos projectos (Anexo XIV) foi realizado por um programador de CAD no Instituto Geográfico do Exército – Fernando Frederico – e também utilizador do Scratch, que apoiou comentando através da Internet o trabalho dos alunos durante o ano lectivo 2007/2008 (continuando depois a fazê-lo), mas apenas se cruzou com eles uma vez durante uma sessão de esclarecimento de 90 minutos, nunca os tendo chegado a conhecer individualmente. A análise foi, pois, distanciada, suportando-se apenas na apreciação dos projectos com base nos critérios que lhe sugeri, recolhidos nas referências bibliográficas (Kafai, Peppler, Alavez e Ruvalcaba, 2006; Kafai, Peppler e Chiu, 2007; Maloney, Peppler, Kafai, Resnick e Rusk, 2008) e que podem ser consultados mais à frente. Tratei estatisticamente a informação sobre as classificações e distribuição temporal da produção (cruzando-a, também, com os resultados do desempenho académico dos alunos, expressos pelas avaliações do final do ano atribuídas pelos professores da turma), utilizando a descrição qualitativa dos perfis propostos por este especialista para completar a construção da imagem dos alunos envolvidos e da sua evolução nas actividades de programação. Os professores que leccionaram 5.º ano na Escola (turmas incluídas no estudo) foram inquiridos sobre o desenvolvimento de actividades com recurso às TIC em contexto de aula, para se registar a diferença entre o trabalho desenvolvido pela Turma X e pelas restantes turmas, o que permitiu reflectir de forma mais esclarecida sobre as evidências recolhidas a prpósito das consequências do trabalho desenvolvido. A Prova Académica Global (Anexo XI) foi construída, pelo grupo de cinco professores que leccionaram o 5.º ano, com uma sequência de perguntas (acessíveis ao 5.º ano de escolaridade) retiradas de provas oficiais de aferição do 6.º ano (Ministério da Educação - GAVE). A sua aplicação decorreu durante um dia, com excepção de uma turma que a realizou no dia seguinte) evitando assim tempo para partilha de informação entre os alunos. Foi acordado entre todos não fazer qualquer tipo de 70 revisão ou preparação específica dos alunos para essa prova e evitar o mais possível conversas e esclarecimentos durante o tempo de realização da mesma, tal como acontece na aplicação das provas de aferição onde tal não é permitido. Os critérios de correcção e classificação usados (Anexo XII) foram os fornecidos pelo Ministério de Educação para essas provas e nenhum professor corrigiu ou classificou as provas dos seus alunos, tendo trocado entre si as mesmas para esse efeito. Os resultados foram tratados estatisticamente e a Turma X comparada com a amostra Escola (que a incluía). Depois de concluído o ano lectivo que dizia respeito ao estudo, e existindo essa possibilidade, pareceu importante seguir os alunos (follow up) e recolher mais alguma informação que permitisse compreender melhor a evolução da percepção dos alunos sobre o trabalho com o Scratch. Assim, foi realizado um questionário (não testado com outra amostra) para os alunos da Turma X (aplicado pela Directora de Turma em Formação Cívica em Setembro de 2008 – Anexo XIII, sobre a sua percepção relativamente ao ano lectivo anterior, tudo o que a turma havia feito, sem que os alunos tivessem conhecimento da sua ligação com a investigação ou com o Scratch). O levantamento consistiu na identificação do número de referências ao Scratch nas respostas dadas às várias questões. Foi continuada a observação das actividades dos alunos e a produção de projectos agora no 6.º ano de escolaridade, até ao final de Janeiro de 2009, e realizado novo levantamento e análise (classificação de projectos e distribuição temporal) de acordo com os critérios estabelecidos previamente para a análise dos primeiros projectos (Anexo XIV). Em Janeiro de 2009 surgiu a necessidade e a ideia de realizar um questionário final – perguntas feitas oralmente, uma a uma, a todos os alunos da Turma X, dando tempo para a escrita da resposta sem que conhecessem a pergunta seguinte (com características de entrevista escrita). As questões foram previamente testadas, reformuladas e algumas acrescentadas, com alunos de outra turma (que no ano lectivo de 2008/2009 me foi atribuída e iniciou actividades com o Scratch, frequentando também o Clube Scratch time noutro momento da semana). O questionário era anónimo, mas alguns alunos da Turma X quiseram assinar e recuperou-se a identidade dos restantes (posição e forma de recolha). Os objectivos deste último questionário foram: perceber a razão da quase inexistência de publicação de projectos Scratch nos períodos de férias, conhecer as formas de utilização do computador pelos alunos em casa e posição ocupada pelo Scratch no tempo dispendido com várias ferramentas (preferências), razões para inscrição no Clube Scratch time, razões para maior dedicação ao Scratch na Escola (e não em casa), percepção dos alunos sobre o Scratch e sobre o Clube. A sua aplicação decorreu numa Aula de Estudo Acompanhado (cerca de 60 71 minutos). Os resultados foram tratados estatisticamente (produção de valores e tabelas) e completados com análise qualitativa da informação em função das questões de investigação. A informação obtida pelos vários métodos foi cruzada e usada de forma a produzir um discurso coerente e denso que pudesse retratar da forma mais profunda possível a situação vivida. Por essa razão, os dados foram tratados em função das questões do estudo, separados e distribuídos por elas de acordo com os temas em cada momento da redacção deste relatório. Para cada questão será possível encontrar referência a dados parcelares, ou cruzamento de informação obtida com diferentes instrumentos. No Quadro 8 pode ser consultada uma síntese dos instrumentos de produção, recolha e registo de dados, processos e tratamento da informação. 72 Quadro 8. Síntese: Instrumentos de produção, recolha e registo de dados, processos e forma de tratamento Instrumentos de produção, recolha e registo de dados Classificações nas provas de aferição do 4.º ano, habilitações literárias dos pais (Escola e Turma X) Informações sobre a Turma X provenientes do 1.º Ciclo Observação participante (diários de campo, notas de campo, vídeo, conversas e entrevistas informais) Materiais produzidos (alunos e professor) Questionário inicial – Turma X: primeiras aventuras com o Scratch Questionário Q1 (Turma X e Escola) – pré-teste Questionário Q2 - Turma X e Escola (pré-teste) Questionário aos encarregados de educação (pré-teste) Questionário aos encarregados de educação (pós-teste) Prova académica global Escola e Turma X (pósteste) Questionário – blogues (pós-teste) Questionário – Scratch (pós-teste) Entrevista semi-estruturada (pós-teste) Processo Recolha na escola dos dados disponíveis (resultados de provas de aferição, fichas biográficas das turmas e outros). Amostra Escola incluindo aTurma X. Recolha durante as aulas e actividades do Clube Scratch time. Registos e reflexões completados em casa. Frequência do Clube Recolha dos materiais produzidos ao longo do ano lectivo. Distribuído aos alunos em Janeiro de 2008 para preenchimento em casa (após primeiro contacto com Scratch) Aplicação presencial na escola na presença de professor. 30 a 40 minutos. Anónimo com recuperação de identidade. Aplicação presencial na escola na presença de professor. 30 a 40 minutos. Anónimo com recuperação de identidade Aplicação presencial em reunião de pais e Directora de Turma. Enviado através dos alunos para preenchimento em casa pelos encarregados de educação. Prova elaborada pelo Departamento de Matemática (questões de provas oficiais). Aplicação presencial. Identificada. Aplicado por duas professoras da turma na aula de Área de Projecto com instruções escritas. Identificado Aplicado por duas professoras da turma na aula de Ed. Visual e Tecn. com instruções escritas. Identificado Individual, aplicada pela professora com base em guião – 30 minutos cada. Todos os alunos da Turma X. Follow-up – Questionário A (sem referência ao Scratch) Aplicado pela directora de turma em aula de Formação Cívica Follow-up – Questionário B Presencial (aula de Estudo Acompanhado). Cada pergunta lida e respondida por escrito sem conhecimento da questão seguinte. (Hábitos e preferências dos alunos no computador) Tratamento (As informações foram cruzadas entre si) Estatístico (produção de gráficos e tabelas) Organização da informação para caracterização dos alunos individualmente Organização da informação, transcrição, leitura e procura de aspectos relevantes para dar resposta às questões de investigação. Análise e classificação dos projectos Scratch por especialista (tratamento estatístico posterior e produção de gráficos) e definição de perfil descritivo dos alunos. Organização, análise e selecção dos materiais do professor. Estatístico (produção de tabelas) Organização das respostas por questão para comparação. Estatístico (produção de gráficos) Análise de conteúdo (qualitativa e quantitativa). Estatístico (produção de gráficos) Análise de conteúdo (qualitativa e quantitativa) Estatístico (produção de gráficos e tabelas). Estatístico (produção de gráficos e tabelas). Cruzamento de informação com as respostas e acções dos alunos Correcção feita por um professor que não o da turma, de acordo com critérios de classificação e correcção oficiais. (Estatístico. Produção de gráficos) Identificação dos alunos que actualizaram muito regularmente os blogues (dois) e dos que actualizaram (quatro). Não constituíu informação relevante Estatístico (produção de valores e tabelas). Análise qualitativa da informação. Transcrição. Tratamento estatístico (produção de valores e tabelas) e organização das respostas por questões/ conteúdo para análise qualitativa. Estatístico (produção de tabela). Análise qualitativa da informação. Estatístico (produção (produção de valores e tabelas). Análise qualitativa da informação. 73 CAPÍTULO III APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Caracterização e contextualização de ambientes e personagens A Escola A Escola Básica 2,3 onde foi realizado o estudo fica situada num bairro residencial (maioritariamente constituído por vivendas) numa vila que dista cerca de 30 km da cidade de Lisboa e 15 km da cidade de Setúbal. A poucos quilómetros de zonas de veraneio e com uma longa tradição turística e cultural, a vila integra duas frequesias com uma área total de cerca de 70 km2, situando-se a escola na que possui maior área: 48 km2, 8487 habitantes (cerca de 178 habitantes por km2) e, a mais pequena, 22 km2, 4598 habitantes (cerca de 212,7 habitantes por km2). Estes dados dizem respeito ao ano de 2001 (informação recolhida no Projecto Educativo do agrupamento vertical de escolas da qual é escola-sede). A tendência tem sido para o crescimento da construção e densidade populacional, com aumento gradual do número de turmas (instalação de pavilhões provisórios) e previsão de criação, no futuro, de um novo agrupamento de escolas. No projecto educativo não consta informação precisa sobre a caracterização socioeconómica da população que frequenta a Escola, mas foi possível através dos anexos ao Relatório de Avaliação Interna (Anexo XXIV) recuperar informação sobre as habilitações académicas de pais e encarregados de educação ( Figura 2). A Escola serve uma região de fronteira entre o rural e o urbano, sendo ponto de confluência de pessoas com origens diversas (cresce o número de alunos estrangeiros), predominando a classe média relativamente aos outros extractos sociais. A estrutura arquitectónica da escola consiste num conjunto de cinco blocos, três deles com dois pisos (o principal, que integra os Serviços Administrativos, a Sala de Professores, o Conselho Executivo, a Biblioteca, a sala TIC e a sala Polivalente; o bloco do 2.º Ciclo e um dos blocos do 3.º Ciclo). 74 Habilitações académicas de pais e encarregados de educação do Agrupamento (1.º, 2.º e 3.º ciclos) % de pais e e.e. 30 25 20 15 10 5 O ut ra 1º Se ci m Fo clo ha rm bi aç lita ão çõ de es sc on he cid a icl o 2º c es tr a do en ci at ur Ba a ch ar el Pó at so gr ad ua çã o Se cu nd ár io 3º ci clo Li c M Do ut or am en to 0 Habilitações académicas Figura 2. Habilitações académicas de pais e encarregados de educação do agrupamento Do ponto de vista dos recursos tecnológicos, a Escola possui apenas uma sala equipada com 15 computadores fixos, que tem de servir todas as aulas e projectos relacionados com as TIC. Para além destes computadores, possui 14 portáteis do projecto a que se candidatou - “Iniciativa Escolas, Professores e Computadores Portáteis” - que se encontram num armário de uma sala chamada Polivalente (com projector de vídeo). Esta sala pode ser requisitada para utilização de todos os portáteis, sendo igualmente possível requisitar equipamento em menor quantidade para levar para as salas de aula. No ano lectivo correspondente ao estudo, 2007/2008 e no seguinte esta era a situação verificada. No Quadro 9 (que consta no Relatório de Avaliação Interna do agrupamento – 2006/2007) é apresentada uma quantificação dos elementos que integravam o agrupamento no ano lectivo de 2006/2007. 75 Quadro 9. Elementos que integravam o agrupamento em 2006/2007 N.º Ciclo de ensino Pré-escolar 1.º Ciclo (seis escolas) 2.º e 3.º ciclos Alunos Turmas Auxiliares de acção educativa 1 Funcionários administrativos Cozinheiras 1 Educadores e Professores 1 20 - - 631 28 30 7 - - 768 34 Básico e Secundário (Recorrente) 274 10 110 23 11 5 EFA B2 13 1 Extra-Escolar 110 5 TOTAL 1816 79 141 31 11 5 Nos Quadros 10, 11 e 12 (informação retirada dos anexos ao Relatório de Avaliação Interna do agrupamento – 2006/2007 e obtidos através do Grupo responsável pela sua elaboração) são apresentados dados relativos ao sucesso escolar (geral e na disciplina de Matemática, 2.º e 3.º Ciclos) nos anos lectivos 2006/2007 e 2007/2008. Não foram incluídos os dados relativos à Língua Portuguesa (sucesso muito elevado e acima da média nacional), por se tratar de um trabalho desenvolvido sobretudo no âmbito da disciplina de Matemática. Quadro 10. Taxas de transição (sucesso) nos 2.º e 3.º Ciclos de 2006 a 2008 Ciclo 1º 2.º 3.º 2006/2007 96,8% 92,5% 83,5% 2007/2008 97,4% 97,2% 93,0% Quadro 11. Matemática: comparação entre sucesso obtido na avaliação sumativa interna e na avaliação sumativa externa de 2006 a 2008 (valores aproximados à unidade) Anos lectivos 2006/2007 2007/2008 Av. Sum. Interna Matemática (% sucesso) 2.º Ciclo 3.º Ciclo 84 91 69 76 Av. Sum.Externa Matemática (% sucesso) 2.º Ciclo 3.º Ciclo 63 92 32 61 76 Quadro12. Matemática: comparação entre sucesso obtido na avaliação sumativa externa – Escola e Nacional – de 2006 a 2008 Anos lectivos 2006/2007 2007/2008 Av. Sum. Externa - Matemática (% sucesso - Escola) 2.º Ciclo 3.º Ciclo 63 32 92 61 Av. Sum.Externa - Matemática (% sucesso - Nacional) 2.º Ciclo 3.º Ciclo 59 27 82 55 Em síntese: trata-se de um agrupamento com grandes dimensões (quase 2000 alunos, incluindo a oferta nocturna) e em crescimento (previsão no futuro de divisão em dois agrupamentos), com população escolar proveninente essencialmente da classe média, sucesso escolar acima da média nacional (regime diurno) e recursos tecnológicos insuficientes (na escola-sede – básica de 2.º e 3.º ciclos) para o crescente número de projectos e exigências dos cursos nele leccionados (aos quais se acrescentou a implementação de um Centro de Novas Oportunidades – CNO). A Turma X No ano lectivo de realização do estudo existiam na escola oito turmas do quinto ano de escolaridade. A inclusão da Turma X no serviço que me foi atribuído (juntamente com uma turma de sexto ano) deveu-se apenas ao facto de nela existir um aluno autista, tendo-me sido solicitado que aceitasse leccionar a mesma por já ter alguma experiência prévia e desenvolver habitualmente com os alunos projectos com as TIC ( o aluno em causa reagia bem a actividades com os computadores). A Turma X integrava 20 alunos a frequentar o 5.º ano pela primeira vez, provenientes da mesma turma de 4.º ano de uma das escolas do 1.º Ciclo do agrupamento (com excepção de três alunas que vieram de outros agrupamentos). Um dos alunos encontrava-se abrangido pelo Regime de Educação Especial sendo portador de autismo. No terceiro período foi transferido para esta turma um aluno (proveniente de outra turma da escola) que indiciava problemas de abandono (na altura integrado no Regime de Educação Especial) e possuia um perfil familiar complexo com consequências no seu percurso escolar (comportamento instável e resultados insuficientes na maioria das disciplinas). Este aluno, bem como o aluno portador de autismo, não foram incluídos na amostra, para efeitos de recolha e tratamento de dados (questionários e descrição de processos e produtos em sala de aula), mas integraram-se na 77 turma e no trabalho em desenvolvimento, como qualquer outra criança, sem se aperceber das diferenças. As três alunas provenientes de outros agrupamentos não foram contabilizadas na amostra apenas para efeito do tratamento dos dados relativos aos Questionários 1 e 2 (préteste e pós-teste aplicados às turmas do 5.º ano), de acordo com os critérios estabelecidos, mas integraram a amostra para efeitos da descrição dos processos e produtos directamente relacionados com o desenvolvimento das actividades em sala de aula. Não existiam alunos a repetir o 5.º ano nesta turma, sendo dez anos a média das suas idades. No Quadro 13 é feita uma breve identificação e caracterização da turma tendo por base os dados recolhidos pela Directora de Turma junto da professora do 1.º Ciclo e a informação constante nos registos individuais dos alunos e na ficha demográfica, em anexo, utilizada pelos Directores de Turma da Escola (Peixoto, 2003). Quadro 13. Códigos de identificação e algumas características dos alunos da Turma X no final do 1.º Ciclo (antes do início das actividades com o Scratch) Nome Gén. Idade Indicações dos professores do 1.º ciclo – Aspectos a melhorar e observações Aiba Kit Arqui Cob Vizi F F M M M 10 10 10 10 10 Pali Zang F M 10 9 Sereia Cinip Gong F F M 10 9 10 Dama Ebir Frus Nalim F M M F 10 10 10 10 Laim F 10 Piria F 10 Bug F 10 Lag Nali M F 10 10 Comportamento, concentração, leitura/escrita Participação oral, concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Participação oral, leitura/escrita Participação oral, leitura/escrita Comportamento, concentração, leitura/escrita, organização do caderno, hábitos de trabalho e estudo regulares Veio de outro agrupamento (não há informação) Comportamento, concentração, leitura/escrita, organização do caderno, hábitos de trabalho e estudo regulares Concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Veio de outro agrupamento (não há informação) Participação oral, concentração, ritmo de trabalho, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Comportamento, concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Comportamento, concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares (Diabetes insulino-dependente) Concentração, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares (recomendação para apoio em Língua Portuguesa) Participação oral, concentração, organização do caderno, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares (risco de retenção no 4.º ano. Problemas afectivos. Recomendação para apoio em Matemática e Língua Portuguesa) Comportamento, concentração, organização do caderno, leitura/escrita, hábitos de trabalho e estudo regulares Participação oral, leitura/escrita Veio de outro agrupamento (não há informação) A turma revelava, de acordo com o descrito pela professora do 1.º Ciclo, a necessidade de melhorar algumas competências de base para a aprendizagem, sendo 78 importante desenvolver esforços no 2.º Ciclo nesse sentido. Na Figura 3 são apresentadas as habilitações literárias dos Encarregados de Educação dos alunos da Turma X. As características médio-superiores da formação de base parecem estar relacionadas com a valorização da escola e do trabalho escolar (presença sempre assídua nos encontros promovidos pela Directora de Turma), verificando-se, na maioria dos casos, um acompanhamento muito próximo do trabalho dos alunos e exigência no cumprimento de tarefas e na obtenção de bons resultados académicos. Esta atitude parece ter influenciado positivamente o desenvolvimento das actividades. Turma X 45 40 35 30 25 20 15 10 5 es tr a do M io Ba ch ar el at o Li ce nc ia tu ra lo Se cu nd ár 3º cic lo 2º cic lo 0 1º cic Pais e Encarregados de Educação (%) Habilitações literárias dos Pais e Encarregados de Educação Figura 3. Habilitações literárias dos encarregados de educação – Turma X Através de conversa informal nas primeiras aulas foi possível apurar que todos os alunos possuiam computador em casa com ligação à Internet, à excepção da Kit (por vezes acede à Internet sem fios, e sem chave de rede, de um vizinho). Não foi apurada nem a frequência de utilização, nem o nível de profundidade e de conhecimento nesses processos de utilização, uma vez que não se pretendia fazer um estudo exaustivo relacionado com a evolução do desenvolvimento da fluência tecnológica dos alunos, mas apenas ter uma ideia (por observação e pela voz dos alunos) da situação em que se encontravam os alunos no arranque das actividades. Desta forma, apenas se registou, sem aprofundar, a informação fornecida por estes no início do ano (relativa à experiência de utilização do computador) que pode ser consultada no Quadro 14. Em síntese, trata-se de uma turma com desempenho médio-elevado, mas necessitando 79 de aperfeiçoar competências de base para melhorar os processos de aprendizagem. As famílias dos alunos são sobretudo de classe média com habilitações literárias distribuídas essencialmente pelos níveis secundário e superior, valorizando a escola, o trabalho escolar, os resultados académicos dos alunos e o papel dos professores no processo. Quadro 14. Actividades já realizadas pelos alunos com recurso ao computador (S-Sim; N-Não)), antes de iniciar as actividades com o Scratch (e com outras ferramentas de apoio) Nome Aiba Kit Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Cinip Gong Dama Ebir Frus Nalim Laim Piria Bug Lag Nali Correio electrónico S S N S S N S N S N N N N S S S S S N N–8 S - 11 Internet (pesquisa) Jogos S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S N–0 S - 19 N– 0 S - 19 Conversação síncrona S S S S Elaboração de trabalhos N S N S S S N S N S S S S S S N S S N N–8 S - 11 N–6 S - 13 S N S S N S S N N S N N N S N O professor-investigador É importante traçar um perfil sumário da professora que conduziu, em simultâneo, a actividade com os alunos e a investigação sobre essa actividade, para melhor compreender a fluidez dos limites entre ambas as posições (de observador e observado) e a intersecção (consciente e intencional) de acções, que tiveram implicações nos resultados da investigação. Burkhardt e Schoenfeld (2003), a propósito da descrição de modelos mais práticos de investigação em educação, referem a importância de descrever analiticamente os professores envolvidos: “robust descriptions of teacher characteristics and how those characteristics interact with novel instructional material and practices would be a significant contribution to 80 the field of understanding of teacher knowledge” (p. 6). Aqui importa compreender quem é a pessoa e o profissional que desenvolve a actividade, mais tarde importará descrever as suas acções no contexto do trabalho desenvolvido. Os estudos sobre a relação entre as convicções dos professores (muitas delas resultantes da sua própria experiência enquanto alunos) e a sua prática parecem mostrar que ela é dialética e não se reduz à linearidade da causa-efeito, pelo facto dos sistemas de crenças serem estruturas dinâmicas, susceptíveis de mudar com a experiência (Thompson, 1992). Se, por um lado, quem sou, aquilo em que acredito hoje, pode influenciar a prática (sendo um dado importante a ter em conta), por outro, a prática vai reconstruindo e moldando essas minhas crenças e concepções que não são entidades estáticas e imutáveis. O que fazemos individual e colectivamente é moldado pelas nossas histórias pessoais, sendo essa descrição um contributo importante: ao fazê-lo, proporcionamos um contexto integrador para as experiências descritas e para compreender as nossas esperanças e aspirações para a profissão e para a sociedade (Shoenfeld, 1999). Nasci em 1962, licenciei-me em Geologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – Ramo Educacional, iniciei a minha actividade com o estágio profissional, tendo passado a integrar o quadro de nomeação definitiva a partir de 1985 (ano seguinte ao da conclusão da licenciatura – estágio). Solicitei à Universidade a possibilidade de realizar estágio no 2.º Ciclo do Ensino Básico (e não no 3.º, como estava previsto nos Cursos do Ramo Educacional), leccionei Matemática e Ciências da Natureza do 2.º Ciclo (e outras áreas curriculares), durante os primeiros 20 anos de actividade docente, numa escola provisória de periferia urbana (pré-fabricados degradados com poucas condições de trabalho) com problemas sócio-económicos graves. No primeiro ano em que me efectivei fiz um curso de linguagem LOGO na Escola Superior de Educação de Setúbal tendo, a partir do ano seguinte, iniciado actividades com esta ferramenta em sala de aula, inspirada pela leitura do trabalho de Seymour Papert (1980). Alguns anos mais tarde, estas actividades foram descritas numa monografia (Marques e Marafengo, 1991). Coordenei o projecto Minerva, colaborei na elaboração de um projecto de candidatura ao programa Nónio que trouxe para a escola recursos valiosos para a continuação do desenvolvimento de projectos com as TIC, aos quais permaneci sempre ligada na equipa do Laboratório de Multimédia dessa Escola, em ligação com o Centro de Recursos. No ano lectivo de 2004/2005 passei a integrar o quadro de outra escola, aquela onde foi realizado o estudo a que se refere este texto, continuando a desenvolver actividades com as TIC em sala de aula. Os traços mais característicos que determinam a minha atitude face à docência são: o desempenho da profissão por vocação; um interesse constante na minha auto-formação, 81 experimentação e actualização (maior incidência no trabalho autónomo e menor na frequência de cursos de especialização); uma motivação forte para trabalhar com as TIC; um gosto particular pelo trabalho com crianças da faixa etária do 2.º Ciclo; valorização da vertente emocional na relação com as crianças; partilha do exemplo e da motivação pessoal para a importância de aprender em todas as idades, entendimento da Matemática (na esteira de muitos autores) como uma forma de pensar, privilegiando a actividade de resolução de problemas servida pelo conhecimento e pela prática dos procedimentos, não a tratando como um acessório ou complemento, algo que talvez se faça depois de instruir os alunos nos necessários procedimentos (Abrantes, 1989; Abrantes, Serrazina e Oliveira, 1999; Donovan e Bransford, 2005; Frank, 1992; Hiebert e Carpenter, 1992; Pólya, 1990; Shoenfeld, 1992, 1996); adopto uma postura regular de reflexão e de partilha do conhecimento com pares (mantendo espaços na Internet para esse efeito e apresentando o trabalho que desenvolvo em encontros de educação). De acordo com Thompson (1992), tomei consciência de que a forma como trabalho habitualmente com os alunos inclui aspectos de três dos modelos de ensino referidos pelo autor, citando Kuhs e Ball (1986): “centrado no aluno” – focado na construção pessoal do conhecimento matemático pelo aluno; “centrado nos conteúdos com ênfase para a compreensão conceptual” e “centrado na aula” – suportado pelo conhecimento sobre as aulas eficazes. Procuro valorizar os processos, exigindo sempre aos alunos que expliquem oralmente ou por escrito todos os seus raciocínios e estratégias – logo, mesmo considerando os produtos importantes, centro a actividade nos caminhos para chegar a eles. Estas opções vão ao encontro do referido por Bransford et al. (2000) e Donovan e Bransford (2005), a propósito da concepção de ambientes de aprendizagem, quando afirma que esses ambientes são mais eficazes quando resultam de uma combinação de perspectivas de abordagem sendo simultaneamente centrados no aluno, no conhecimento, na avaliação (“assessment”) e na comunidade. Vão ainda ao encontro da investigação sobre a aprendizagem (em múltiplas vertentes: investigação sobre o funcionamento do cérebro, motivação, metacognição, tecnologias educativas, ensino eficaz, ambientes eficazes), por darem ênfase ao desafio à medida, ao feedback enriquecedor e multifacetado e ao estímulo do trabalho cooperativo e com significado para o aluno e para a comunidade próxima e alargada (pares e adultos) (Bransford et. al., 2000; Donovan e Bransford, 2005; Bruner, 1999a; Dennen e Burner, 2008; Jensen, 2002; Molenda; 2008 Narciss, 2008; Tileston, 2005, 2007 e outros ). Para além dos aspectos enunciados, tenho uma visão globalizante da actividade educativa e é frequente saltar de tópico a propósito da intervenção ou dúvida de um aluno, abordando de forma integrada a Matemática, sem esquecer as suas histórias, e não a 82 fraccionando constantemente em conteúdos minimalistas. Sendo também escritora, integro a animação da escrita e da leitura em todos os projectos que desenvolvo e tenho a convicção pessoal, resultante da prática profissional, que uma abordagem diversificada, integradora, cooperativa e humanizada do currículo, com recurso a diversos tipos de tecnologias e de métodos (que podem, como se viu, ter diferentes “centros” consoante o momento e o contexto), tem mais probabilidade de produzir efeitos positivos na qualidade das aprendizagem dos alunos, dotados de estilos diversos de captação da realidade, e da sua motivação para a aprendizagem e valorização pessoal. É esta convicção que me encaminha frequentemente para projectos e actividades de integração de novas ferramentas, que a evolução das TIC vai disponiblizando, nos ambientes de aprendizagem que desenvolvo com os alunos. O presente estudo resulta da decisão de sistematizar e formalizar a observação da minha própria acção de experimentar uma nova ferramenta, o Scratch, em contexto formal de aprendizagem. Turma X vs turmas do quinto ano da Escola (Pré-teste) Nas figuras que se seguem podem apreciar-se os resultados da recolha e tratamento de informação, com a intenção de caracterizar a situação antes do início do desenvolvimento das actividades com os alunos (pré-teste). Os dados foram obtidos com os seguintes instrumentos: - Ficha demográfica - recolha dos dados demográficos obtidos por cada Director de Turma das turmas de 5.º ano, nos processos de elaboração dos seus Projectos Curriculares, através de modelo de ficha pré-existente (Peixoto, 2003) – Anexo V. De referir que a qualidade dos dados disponíveis não permitiu um maior aprofundamento de outras características (fichas não completamente preenchidas, ou com bastantes incorrecções e indefinições). Todavia, dada a natureza do estudo, como já foi referido, considerou-se que a comparação das habilitações literárias dos pais dos alunos do 5.º ano (média da Escola) com a dos pais da Turma X seria suficiente para estabelecer as características da amostra a observar. A distribuição por género destina-se apenas a caracterizar a população, não tendo o estudo incidido sobre a investigação das eventuais diferenças de resposta e desempenho nas actividades desenvolvidas consoante o género. Para efeitos da representação dos dados a palavra Escola refere-se ao conjunto das turmas de 5.º ano integrando a Turma X na amostra. - Quadros, disponibilizados pela Escola, com os resultados das provas de aferição do 4.º ano do Agrupamento (2006/2007) que abrangeram todos os alunos que se encontravam a 83 frequentar o 5.º ano durante o ano lectivo em que o estudo decorreu (2007/2008). Mesmo com todas as questões de dificuldade de validação apontadas em documentos da Associação de Professores de Matemática (APM, 2007) – Anexo XVIII, os problemas das provas reflectem-se sobre toda a população. Mais uma vez, interessava apenas evidenciar as diferenças entre a Escola e a Turma X antes do desenvolvimento das actividades, para depois apreciar (sem intenção de prova) a evolução da situação no final do estudo (recurso a uma prova semelhante, construída pelos professores do Departamento de Matemática e Informática de acordo com o processo descrito no Capítulo 2). - Questionário 1 (Q1 - AnexoVIa). As Figuras 4 e 5 dizem respeito à comparação entre distribuição das idades dos alunos e de género na Escola e na Turma X. Escola vs Turma X Idades 100 90 80 % de alunos 70 60 Escola 50 Turma X 40 30 20 10 0 9 10 Idades Figura 4. Idades dos alunos (Escola e Turma X) 11 84 Escola vs Turma X Distribuição por género 60 50 Alunos (%) 40 Escola 30 Turma X 20 10 0 Feminino Masculino Figura 5. Distribuição por género (Escola e Turma X) Na Figura 6 podem apreciar-se as diferenças entre as habilitações literárias dos Pais e Encarregados de Educação dos alunos da Escola e da Turma X. Escola vs Turma X 45 40 35 30 25 Escola 20 Turma X 15 10 5 lo Se cu nd ár io Ba ch ar el at o Li ce nc ia tu ra M es tr a do 3º cic lo 2º cic lo 0 1º cic Pais e Encarregados de Educação (%) Habilitações literárias dos Pais e Encarregados de Educação Figura 6. Habilitações literárias dos pais e encarregados de educação Os Encarregados de Educação da Turma X possuem habilitações literárias superiores à média das habilitações literárias dos Encarregados de Educação dos alunos da Escola. 85 Escola vs Turma X (pré-teste) Provas de Aferição 4.º ano Turma X Provas de Aferição 4.º ano (pré-teste) Escola - Provas de Aferição 4.º ano (pré-teste) 60 Alunos (%) 50 40 30 20 10 0 E Avaliação D C B A (A = Muito Bom; B = Bom; C = Suficiente; D e E = Insuficiente) Figura 7. Provas de aferição 4.º ano (Escola e Turma X) Do exercício de comparação dos resultados das provas de aferição realizadas no final do 4.º ano pelos alunos que integram as duas amostras, resultou o exposto na Figura 7. No gráfico pode identificar-se algum paralelismo nos resultados, embora a Turma X se destaque ligeiramente de forma positiva, com menor percentagem de classificações C (Suficiente) e maior percentagem de classificações B (Bom). Comparando os resultados nas provas de aferição com as respostas dadas no Questionário 1 (Q1) à primeira questão sobre a relação do aluno com a Matemática (ver Figura 8), a Escola parece revelar uma relação mais estreita entre os valores de uma e de outra variável. A Turma X revela uma relação menos positiva (menor percentagem de “gosto” e de “gosto bastante”) com a disciplina, embora o “adoro” surja em evidência, com maior percentagem relativamente à Escola. 86 60 Escola - Provas de Aferição 4º ano (pré-teste) Escola vs Turma X (pré-teste) Turma X Provas de Aferição 4.º ano (pré-teste) Provas de Aferição 4.º ano Relação com a Matemática Turma X Relação com a Matemática (pré-teste) Escola - Relação com a Matemática (pré-teste) 50 Alunos (%) 40 30 20 10 0 E (detesto) D (não gosto) C (gosto) B (gosto bastante) A (adoro) Avaliação (A = Muito Bom) Figura 8. Provas de aferição 4.º ano e relação com a Matemática (Questão 1) Na análise de conteúdo à justificação da Questão 1 do Q1 (Quadro 15), parecem existir algumas diferenças entre a Turma X e a Escola, verificando-se uma distinção entre as referências feitas aos procedimentos e à resolução de problemas (quer para justificar as razões do “gostar” quer do “não gostar”). Muitas das justificações limitam-se a repetir o sentimento ou a referir razões de natureza afectiva sem referência a aspectos do trabalho na disciplina, não tendo sido contabilizadas. Quadro 15. Justificações da Questão 1- Incidência de referências nas categorias de análise Categorias Procedimentos e conceitos Resolução de Problemas e Raciocínio Escola 40% 19% Turma X 62% 38% Na Figura 9 é feita a comparação entre a relação com a Matemática (Questão 1 do Q1) e a relação dos alunos com a actividade de resolução de problemas (Questão 5 do Q1). 87 Escola vs Turma X (pré-teste) Relação com a Matemática Relação com os problemas 80 70 Escola - Relação com a Matemática (pré-teste) Escola - Relação com os problemas (pré-teste) 60 Alunos (%) Turma X Relação com a Matemática (pré-teste) 50 Turma X Relação com os problemas (pré-teste) 40 30 20 10 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 9. Relação com a Matemática e com os problemas (Escola e Turma X) Ao comparar a relação dos alunos com a Matemática e com um dos aspectos do seu trabalho, a resolução de problemas, embora seja possível observar que as linhas de ambas as questões revelam alguma convergência entre si em cada amostra considerada isoladamente, encontramos diferenças entre as duas. A Escola apresenta uma diferença significativa de resposta às questões, em prejuízo da actividade de resolução de problemas (vista como um aspecto mais complexo da disciplina e da qual os alunos em média parecem gostar menos). Na Turma X observa-se o inverso - embora nesta última seja maior a percentagem de alunos que dizem não gostar e menor os dos alunos que dizem adorar resolver problemas, nos pontos intermédios verifica-se que há mais alunos a gostar e a gostar muito de resolver problemas do que da própria disciplina de Matemática. Digno de nota: embora a Turma X esteja abaixo da Escola na relação com a disciplina de Matemática, supera-a aparentemente na relação afectiva estabelecida com a resolução de problemas no momento em que foi realizado o questionário (Figura 10). 88 35 31 30 25 25 25 Alunos (%) 29 28 Escola - Relação com os problemas (pré-teste) 19 Turma X Relação com os problemas (pré-teste) 15 10 Relação com os problemas 25 19 20 Escola vs Turma X (pré-teste) 9 5 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 10. Relação com os problemas (Escola e Turma X) Embora as variações não sejam acentuadas, não é de excluir a possiblilidade de enviesamento dos dados, dada a diferença de dimensão entre as duas amostras (e o universo de maior proximidade comigo da Turma X), e o facto do inquérito ter sido aplicado algum tempo depois das aulas terem começado. Por essa razão, antevendo a possibilidade, logo que as aulas se iniciaram, em Setembro, inquiri-os informalmente sobre a sua relação com os problemas. No Quadro 16 podem consultar-se as respostas dadas em Setembro e os valores e justificações atribuídos posteriormente em Novembro no Questionário de pré-teste - Q1. 89 Quadro 16. Comparação entre os valores e justificações atribuídos em Setembro e em Novembro pelos alunos, no tocante à relação afectiva com os problemas Aluno Resposta informal - Setembro Q1 - Novembro Aiba Não gostava nem desgostava. Kit Tinha uma relação má com os problemas. Arqui Não tenho dificuldade, gosto. De vez em quando tenho dificuldade nos problemas com áreas. Gosto, não tenho muitas dificuldades. Não tenho dificuldades, gosto. Nunca gostei muito, a partir do 4.º ano começaram a ser difíceis. 3 - Porque é giro descobrir as soluções às vezes com dificuldade, mas é giro. 2 – Não gosto porque não percebo o que o problema quer dizer. 3 – Porque melhora a minha capacidade de estudo. Cob Vizi Pali Zang Sereia Gosto de problemas. Às vezes tenho dificuldade. Não gosto muito, mas não detesto. Alguma dificuldade. Cinip Não gosto. Tenho dificuldades. Gong Gosto, não tenho muitas dificuldades... em alguns problemas de áreas e divisão tenho dificuldade. Gosto muito. Nunca senti dificuldade. Gosto de problemas. Não tenho dificuldade. Só nas áreas. A partir do 4.º ano tive dificuldades nos problemas mais difíceis de áreas. Gosto. Dama Ebir Frus Nalim Laim Piria Bug Lag Nali Muito difícil. Não gosto muito. Tenho muita dificuldade nos problemas de áreas. Tenho muita dificuldade nos problemas. Gosto mas tenho muita dificuldade. Gosto. Às vezes tenho dificuldade nas áreas. Gosto mais ou menos. No 3.º ano eram fáceis, a partir do 4º ano deixei de gostar. 4 – Porque sempre gostei de pensar. 5 – Porque nos faz puxar pela cabeça. 3 – Eu gosto mas mais ou menos porque alguns problemas são mais difíceis e eu acabo por não resolver bem ou mesmo fico sem conseguir resolver. 4 – Porque uns são mais fáceis e gosto de os resolver. 2 – Acho que os problemas são muito complicados e depois aborrece-me de não conseguir resolver. 1 – Eu detesto resolver problemas porque é difícil, fico com a cabeça muito baralhada e fico muito nervosa. 4 – É giro e parece um jogo. 5 – Nunca tive problemas com os problemas. 5 – Gosto de todos, só não simpatizo com os de áreas 2 – A razão é que os problemas são chatos de resolver. 5 - Porque eu adoro fazer contas e os problemas envolvem sempre contas. 2 – Não gosto dos problemas das áreas e não gosto. 4 – É divertido e os problemas vão sempre dar a um jogo. 3 – Porque tenho dificuldade nos problemas. 4 – Porque eu gosto de enigmas e os problemas são parecidos com os enigmas. 3 – Eu achava que era divertido e ainda acho. Legenda: 1 – Detesto; 2 – Não gosto; 3 – Gosto; 4 – Gosto Bastante; 5 - Adoro Os alunos Pali, Cinip e Nali – fundo cinzento - não estavam incluídos na amostra (para efeito do estudo comparativo com a Escola). No conjunto dos alunos que integravam a amostra, com excepção da Piria (que veio a confirmar-se ser uma aluna com dificuldades de aprendizagem e que não gostava de resolver problemas, embora tenha atribuído quatro – gosto muito), parece existir uma consistência aceitável entre as respostas de Setembro e as de 90 Novembro. Não é de excluir a possibilidade de ter existido depois alguma sobrevalorização na atribuição de quatro – gosto muito, em detrimento do três – gosto. Mais do que pretender tirar conclusões superficiais e genéricas com base em dados tratados globalmente, importa, sobretudo, verificar a evolução individual dos alunos da Turma X na sua relação afectiva com a resolução de problemas, depois de concluída a experiência de utilização do Scratch. Se essa sobrevalorização aconteceu, com efeitos na curva do gráfico, poderíamos questionar-nos sobre a razão pela qual ela não ocorreu também na relação com a disciplina de Matemática. Teria existido alguma percepção no meu discurso da forma como eu, sua professora, valorizo a actividade de resolução de problemas? Ou realmente, em média, os alunos da Turma X, comparados com os restantes alunos (onde se incluem) indiciam à partida uma relação melhor com os problemas? Na análise de conteúdo da justificação à Questão 5, sobre a relação com a resolução de problemas, as respostas distribuiram-se essencialmente por duas categorias, como indicado no Quadro 17 . Quadro 17. Justificações da Questão 5 - Incidência de referências nas categorias de análise Categorias Relação afectiva, descoberta, desafio Grau de compreensão e dificuldade, sucesso Escola 58% 39% Turma X 88% 44% De referir que a segunda categoria inclui a maioria dos alunos que revelam alguns problemas na relação com a resolução de problemas – detesto, não gosto – enquanto a primeira inclui a maioria dos que dizem gostar muito ou adorar resolver problemas (ver Quadro 18). A atribuição do nível intermédio (gosto) distribui-se de forma semelhante pelas duas categorias. Quadro 18. Justificações da Questão 5 - Incidência de referências nas categorias de análise e relação com a resolução de problemas Categorias Detesto Relação afectiva, descoberta, desafio Grau de compreensão e dificuldade, sucesso 3,2 13,6 Frequências (%) Não Gosto Gosto Gosto muito 8,9 25,8 22,6 37,5 33,3 7,3 Na Figura 11 comparam-se os resultados obtidos na Questão 4 (o que diz a Adoro 39,5 8,3 91 Matemática sobre mim) com os da Questão 1 (relação com a Matemática). Mais uma vez são evidentes as diferenças entre o que os alunos sentem relativamente à disciplina e aquilo que pensam ser a “opinião” desta sobre eles. No que respeita à Escola, há uma aproximação das duas linhas, embora os alunos considerem que o que a Matemática diz sobre si é que têm um desempenho abaixo do sentimento que nutrem por ela, com excepção do nível Bom (Gosto muito). Já a Turma X, com excepção do nível Muito Bom (Adoro) está sempre acima dos valores da Escola na Questão 4: todos os alunos consideram que a Matemática diz sobre si que são “Bons” e “Muito Bons”, sendo essa crença sempre superior ao sentimento que nutrem pela disciplina de Matemática. Para melhor se compreender as razões que levam os alunos a fazer as suas escolhas (na Questão 4), a análise de conteúdo das justificações revelou cinco categorias onde podem ser incluídas as fundamentações dos alunos (Quadro 19). A maioria dos alunos fundamenta a sua escolha: na avaliação que é feita do seu desempenho (notas obtidas); nas dificuldade (ou facilidade) sentida no domínio da disciplina e na relação afectiva que expressam (gostar, não gostar...). Escola vs Turma X (pré-teste) O que a Matemática diz sobre mim Relação com a Matemática 80 Escola - O que a Matemática diz sobre mim (pré-teste) Turma X O que a Matemática diz sobre mim (pré-teste) Escola - Relação com a Matemática (pré-teste) Turma X Relação com a Matemática (pré-teste) 70 60 50 40 30 20 10 0 Muito Fraco (Detesto) Fraco (Não gosto) Médio (Gosto) Bom (Gosto muito) Muito Bom (Adoro) Figura 11. O que a Matemática diz sobre mim e relação com a Matemática Quadro 19. Justificações da Questão 4 - Incidência de referências nas categorias de análise Categorias Sucesso Comportamento Relação afectiva Empenho e estudo Compreensão Escola 47% 7% 14% 9% 32% Turma X 63% 0% 25% 13% 25% 92 Tendo em conta a diferença na dimensão das amostras, a tendência dos valores é aproximada em ambas com pequeno destaque na Turma X para as categorias Sucesso, Relação afectiva e Empenho e estudo. Foi ainda feita a análise de conteúdo da Questão 3 (O que mais gosto e o que menos gosto de fazer em Matemática) e da Questão 6 (Escreve o que é para ti a Matemática) do Q1, utilizando para esse efeito as mesmas categorias já utilizadas na análise das justificações da Questão 1 (Procedimentos e conceitos e Resolução de Problemas e raciocínio). Na Questão 3 acrescentaram-se duas categorias expressivas suscitadas pelas respostas dos alunos (“tudo” e “nada”) por serem bons indicadores do sentimento deles. Os resultados estão expressos nos Quadros 20 e 21. Quadro 20. Análise de conteúdo – respostas à Questão 3 do Q1 Categorias Procedimentos e conceitos Resolução de problemas e raciocínio Tudo Nada Gosto mais... Escola Turma X 82% 88% 37% 50% 8% 19% 3% 0% Gosto menos... Escola Turma X 45% 50% 37% 44% 6% 0% 11% 13% Quadro 21. Análise de conteúdo – respostas à Questão 6 do Q1 Categorias Procedimentos e conceitos Resolução de problemas e raciocínio Escola 51% 33% Turma X 56% 38% Nestes dois últimos Quadros, continua a predominar a percentagem de referências à categoria de procedimentos e conceitos, encontrando-se sempre em segundo plano as referências à resolução de problemas e raciocínio. É uma tendência que os diversos estudos sobre o tema apontam como comum, reflectindo a natureza do trabalho que é desenvolvido habitualmente nas aulas com os alunos. Não existem diferenças significativas entre as amostras no Quadro 21, embora no Quadro 20 se evidencie novamente uma melhor relação dos alunos da Turma X com a resolução de problemas (Gosto mais de...). Em síntese, nesta caracterização inicial onde se pretendeu comparar a amostra de alunos da Turma X com a Escola poderá concluir-se que, embora existindo alguma homogeneidade entre ambas, em aspectos como os resultados académicos nas provas de aferição, a Turma X parece destacar-se da média da Escola pelas famílias com mais elevadas habilitações literárias, identificação da disciplina de Matemática com a actividade de 93 resolução de problemas e raciocínio, melhor relação com esta actividade e maior autoconceito relativamente ao seu desempenho. QInv1 - Características do ambiente de aprendizagem (a) Organização do tempo e do espaço A Turma X desenvolveu semanalmente as actividades na disciplina de Matemática em cinco tempos de 45 minutos, quatro deles agrupados em blocos de uma hora e meia (habitualmente a carga horária é de apenas dois blocos mas, felizmente, o quinto tempo da responsabilidade da escola, foi atribuído a esta disciplina nesta turma, o que se revelou muito importante no desenvolvimento do trabalho e na gestão do tempo, dadas as características das actividades desenvolvidas). Foi necessário proceder à alteração do horário, trocando a posição do bloco reservado às Ciências com um bloco de Matemática (uma vez que a professora era a mesma), para garantir que os alunos pudessem ter acesso à sala com computadores fixos e acesso à Internet (ver Figuras 12 e 13), uma vez por semana, ou duas, quando necessário. As restantes aulas eram leccionadas numa sala localizada no jardim em pré-fabricado sem equipamento informático ou acesso sem fios à Internet. Figura 12. Aspecto da sala de informática com computadores fixos 94 Figura 13. Planta da sala de informática com computadores fixos As actividades foram desenvolvidas semanalmente da seguinte forma: uma hora e meia com acesso aos computadores e o restante tempo na sala já referida, de acordo com o horário indicado no Quadro 22 (onde pode também apreciar-se a distribuição semanal de actividades lectivas da turma). Para além deste tempo fixo, foi criado um espaço de frequência facultativa (dois tempos lectivos) para que os alunos pudessem estar mais uma hora e meia por semana, sempre que o desejassem, em contacto com equipamento informático (computadores portáteis) dispondo da presença e apoio da professora (ver Figura 14). Figura 14. Sala polivalente onde foram utilizados os computadores portáteis 95 Quadro 22. Horário de actividades lectivas da Turma X Início 08.15 09.00 10.00 10.45 11.45 12.30 13.30 14.15 15.15 16.00 17.00 17.45 2ª feira 3ª feira Termo 09.00 Matemática 09.45 Matemática 10.45 11.30 12.30 Matemática 13.15 4.• feira Ciências Ciências 5ª feira 6ª feira Matemática Matemática 14.15 Ciências 15.00 16.00 Scratch 16.45 time 17.45 18.30 Scratch time Actividades lectivas (alunos) Espaço de frequência facultativa – acesso a portáteis Para além das actividades indicadas, foi feito um levantamento da ocupação de tempos livres dos alunos, verificando-se que uma percentagem significativa deles frequentou nesse ano lectivo actividades extra-escolares de natureza fixa (Atelier de Tempos Livres, Desporto, Explicações, Música...). Este levantamento foi feito com a intenção de inventariar o tempo disponível para a concretização de projectos com a ferramenta Scratch (e outras), ou continuação das actividades iniciadas nas aulas, relacionando-o com as características da produção dos alunos. No Quadro 23 pode apreciar-se o resultado desse levantamento. Quadro 23. Número de horas semanais em actividades extra-escolares da Turma X Número de alunos 3 3 1 2 3 2 1 1 1 1 Número de horas semanais - ocupação extra-escolar 0h (Nali, Kit, Arqui) 1h (Bug, Nalim, Gabia). 3h (Dama) 5h (Ebir, Gong) 6h (Cinip, Vizi, Zang) 9h (Cob, Lag, Frus) 12 h (Laim) 14 h (Pali) 16 h (Sereia) 17 h (Piria) Mais de 50% dos alunos da turma tem acima de quatro horas de actividades fixas de 96 ocupação dos tempos livres, para além das tarefas escolares fixas. Um terço dos alunos teve o seu tempo livre ocupado de forma pré-estabelecida durante mais de oito horas semanais, existindo quatro alunos com um número muito elevado de horas de ocupação dos seus tempos livres (acima de 11 horas semanais, para além das actividades lectivas). No Quadro 24 pode ser consultado o meu horário de actividades semanais no ano em que decorreu o estudo. De salientar que na distribuição de serviço me foram atribuídos quatro níveis diferentes de actividades lectivas (Matemática - M e Ciências da Natureza – C, 5.º e 6.º anos), Estudo Acompanhado - EA (5.º e 6.º anos), Apoio Pedagógico acrescido (APA) a alunos da turma do 6.º ano, existindo um aluno com deficiência – necessidade de elaboração de materiais adaptados – na Turma X do 5.º ano. Foi-me ainda atribuído um tempo de apoio à Biblioteca Escolar e dois tempos para actividades (sem alunos) de planeamento do projecto “Iniciativa Escolas, Professores e Computadores Portáteis” (de que fui co-autora e integrava ainda no ano lectivo em que se realizou o estudo). O facto de não me ter sido atribuída a Área de Projecto nesta turma, como inicialmente previsto, o que propiciaria um acréscimo de tempo com maior flexibilidade para o apoio ao desenvolvimento dos projectos em curso, gerou a necessidade de criação de dois tempos extra (que decorreram na sala Polivalente com os 14 portáteis do projecto referido). Solicitei então autorização para usar essa hora e meia de planeamento em actividades directas com alunos – Clube Scratch time – de natureza facultativa e aberta a ambas as turmas (Turma X, envolvida na investigação e a Turma de 6.º ano que também desenvolveu actividades com a ferramenta Scratch) o que me foi concedido. Para além do descrito, foram ainda atribuídos dois tempos no âmbito do Plano de Matemática para reuniões semanais do Departamento, com o objectivo de articulação de estratégias e produção de materiais por forma a dar cumprimento ao estabelecido no referido Plano. 97 Quadro 24. Horário de actividades semanais da Professora Início 08.15 09.00 10.00 10.45 11.45 12.30 2ª feira Termo M TurmaX 09.00 M TurmaX 09.45 10.45 CRE 11.30 12.30 13.15 13.30 14.15 15.15 16.00 17.00 17.45 14.15 C TurmaX 15.00 APA 6.º 16.00 Scratch time 16.45 17.45 18.30 3ª feira M 6.º M 6.º C 6.º C 6.º M TurmaX 4.• feira 5ª feira C TurmaX C TurmaX EA EA C 6.º 6ª feira M TurmaX M TurmaX EA 6.º EA 6.º M 6.º M 6.º Universidade ou reuniões na escola (semanal) Reuniões semanais – Plano de Matemática Actividades que realizei com esta distribuição do tempo (para ambas as turmas leccionadas e quatro disciplinas diferentes): produzir materiais de apoio e preparar actividades, corrigir trabalhos, visitar contas dos alunos no portal do Scratch, acompanhar, comentar e corrigir projectos na Internet, responder às solicitações dos alunos através de correio electrónico ou sincronamente, visitar e corrigir blogues individuais, mediar e manter actualizado os blogues das turmas, desenvolver as actividades relacionadas com a investigação (tese de mestrado), manter actualizado o diário de campo e a reflexão no blogue pessoal, para além das outras funções desempenhadas na escola e resposta às solicitações emanadas pelos órgãos de gestão e pelas políticas educativas que implicaram maior sobrecarga de reuniões e actividades de natureza burocrática. Como se depreende do que ficou dito, muitos dos aspectos da organização do tempo e espaço do ambiente de aprendizagem criado resultaram mais de opções e limitações da instituição, e ocupação pessoal dos alunos, do que de opções feitas expressamente com a intenção de optimizar as potencialidades do Scratch, permitindo uma maior imersão e a gestão mais flexível do currículo. Apenas as mudanças pontuais no horário e a criação de um espaço complementar de actividade (de frequência facultativa – Scratch time) foram opções deliberadas na tentativa de melhorar as condições de exequibilidade do projecto e procurar ajustar as características do ambiente de aprendizagem (no que respeita à organização do tempo e do espaço) às intenções definidas. 98 (b) Actividades, práticas, materiais, recursos, diálogos Continuando a ter presente a questão de investigação que procurava identificar as características de um ambiente de aprendizagem, envolvendo a utilização do Scratch (e de outras ferramentas), que podiam permitir a emersão e gestão flexível de temas e conceitos do currículo oficial da disciplina de Matemática (ensino básico), optimizando as potencialidades desta ferramenta no desenvolvimento da motivação para aprender e para a identificação, formulação e resolução de problemas, tentar-se-á agora ensaiar a resposta possível que resultou da (auto)observação do meu trabalho com os alunos. Não sendo tarefa simples caracterizar o ambiente de aprendizagem criado (no que respeita a actividades, práticas do professor, materiais de apoio criados, recursos, formas de avaliação, ligação à comunidade), procurei combinar as duas posições (vivida e observada) entrelaçando aspectos da história experienciada, com a visão de autores onde seja perceptível que essa realidade se enquadre (umas vezes intencionalmente, outras como resultado de uma categorização posterior), partilhando simultaneamente alguns testemunhos e materiais e divulgando recursos paralelos de apoio e formas de avaliação (de forma sumária). Na referência a processos e materiais remeterei frequentemente para o diário de campo – Anexo IX – o aprofundamento de algumas das descrições mais significativas (e emotivas) feitas ao longo do caminho realizado com os alunos. No corpo do texto deixarei apenas excertos que considere relevantes para que se capte mais facilmente o ambiente vivido. Iniciei o trabalho com os alunos dominando de forma precária o Scratch. Se, por um lado, entre a descoberta da ferramenta na Internet (Junho de 2007) e a decisão de a utilizar em contexto formal de aprendizagem (sobretudo nas aulas de Matemática em Setembro), o tempo não foi suficiente para um trabalho intenso de preparação, por outro, considerei que isso poderia ser uma vantagem à luz de muitos dos escritos de Seymour Papert e de alguns artigos sobre a utilização do Scratch (já referidos aquando da caracterização da ferramenta), a propósito da mediação e da importância de crescimento paralelo com os alunos (com vantagens e desvantagens). A principal desvantagem que identifiquei foi, por vezes, não ter conseguido estimular em tempo útil saltos qualitativos de conhecimento junto de alunos que evoluiam mais rapidamente. Todavia, frequentemente, nos processos de ajuda entre pares, de consulta a projectos mais complexos e da importante contribuição dos comentários aos projectos do experiente programador Fernando Frederico (que por um acaso acabou integrando a comunidade de prática, vindo a descobrir-se mais tarde ser familiar de uma professora e de uma aluna da escola onde a experiência se realizou – Quadro 25) esses saltos 99 qualitativos aconteceram e fui uma das principais beneficiárias do processo, tendo aprendido muito do que sei hoje sobre o Scratch através desse mecanismo constante de partilha e troca de informações ao longo do tempo em que o trabalho decorreu. A grande vantagem de crescimento e aprendizagem paralelos reside no facto de poder oferecer aos alunos o exemplo vivo de um processo de aprendizagem – algo a que raramente os alunos assistem na escola: um adulto a aprender. Com frequência sentei-me ao seu lado procurando a resolução de problemas que eram verdadeiramente problemas para mim e foi possível aos alunos acompanhar as minhas estratégias de busca de solução que tinha o cuidado de ir explicando, raciocinando em voz alta e dando conta de pensamentos, dificuldades, hipóteses, ensaio de possibilidades, verificação. Oferecendo-lhes frequentemente como apoio a imagem real dos meus caminhos de aprendizagem ao invés de, exclusivamente, exemplos de soluções e explicações que eram previamente do meu conhecimento (como acontece frequentemente entre professor e alunos) assumi o papel de co-aprendiz (“co-learner”), o que é uma prática valorizada nas ideias de Papert, sobretudo as relacionadas com a aprendizagem que ocorre na imersão em ambientes de programação em contexto escolar (Papert, 1980, 1893). Quadro 25. Reflexões - momentos críticos: um encontro que fez toda a diferença Diário de campo - Janeiro 18, 2008 – Anexo IX Encontrei hoje este comentário lá na minha galeria pessoal do Scratch (onde tenho como amigos os meus alunos e mais uns quantos). O autor é ffred (Fernando Frederico). Jan08: Até que enfim, “areias de Portugal”! Ando no Scratch desde Jun07 com a sensação de que nenhum compatriota avaliara ainda devidamente o valor pedagógico desta linguagem despretenciosa, própria para principiantes e preguiçosos, (é o meu caso). Iludido por ‘nicknames’ mais ou menos latinos que fui encontrando no universo de mais de 60 000 ‘scratchers’, já encontrei espanhóis, brasileiros, mexicanos e até uma dinamarquesa; mas agora encontrei portugueses, (uma turma deles), que a denunciam como sua “sôtora” Já posso escrever em português. Bem haja por isso, “teresamar”. A questão que lhe coloco é a de descobrir como (e se) posso ajudar os seus miúdos a melhorarem a fluência dos seus estilos de programação, (sempre a partir de minha casa), usando os anos de experiência que acumulei como programador/analista, (de outras linguagens, claro). Com a crença de que as vantagens são maiores do que as potenciais desvantagens, pareceu-me, pois, importante testar a ideia de explorar o Scratch sem sentir a tentação de transformar as aulas em “instrução” sistemática para o uso da ferramenta, não possuindo modelos à partida que não fossem aqueles que aplico habitualmente na abordagem ao currículo da Matemática, dando sempre o maior relevo à resolução de problemas. Repito aqui, pela pertinência, o que já referi a propósito da “caracterização da professora”: a forma como trabalhei com os alunos inclui aspectos de três dos modelos de 100 ensino referidos por Thompson (1992), citando Kuhs e Ball (1986): “centrado no aluno” – focado na construção pessoal do conhecimento matemático pelo aluno; “centrado nos conteúdos com ênfase para a compreensão conceptual” e “centrado na aula” – suportado pelo conhecimento sobre a aulas eficazes, que Bransford et al. (2000) e Donovan e Bransford (2005) reforçam, a propósito da concepção de ambientes de aprendizagem, quando afirma que esses ambientes são mais eficazes se resultarem de uma combinação de perspectivas de abordagem simultaneamente centradas no aluno, no conhecimento, na avaliação (assessment) e na comunidade. Valorizei e centrei o essencial nos processos, solicitando aos alunos que explicassem oralmente ou por escrito os seus raciocínios e estratégias, embora considerando também os produtos como uma parte muito importante do trabalho de programação, mas não a mais importante. Procurei que ficasse claro que a avaliação acompanharia sempre a acção desenvolvida, em múltiplas perpectivas para contemplar os vários estilos de aprendizagem e as características dos alunos, mas se centraria nos aspectos específicos da disciplina de Matemática (ou de Ciências), com recurso a instrumentos diversificados mas comuns a outras disciplinas e a outros professores, insistindo na relevância das actividades de resolução de problemas. Reforcei de diferentes formas a ideia de que a avaliação não se relacionava directamente com a adesão às actividades de programação (quantidade e qualidade de projectos desenvolvidos), procurando garantir que os alunos trabalhassem sem se sentir pressionados nem condicionados a usar o Scratch se tal não resultasse de uma necessidade e motivação intrínsecas. Mais adiante neste relato parece evidenciar-se a confirmação de que os alunos acabaram por confiar na informação dada e agiram sem condicionamento, já que alguns deles obtiveram avaliação máxima nas disciplinas de Matemática e Ciências sem aderir de forma muito entusiástica ao processo, assim continuando do princípio ao final do ano lectivo. Nas Ciências da Natureza (onde o trabalho com o Scratch se desenvolveu fora do contexto de aula) era avaliada a correcção e aprofundamento do conteúdo e a qualidade/criatividade da apresentação dos trabalhos (resultando de desafio ou facultativos) independentemente do suporte utilizado (que muitas vezes, por opção dos alunos, foi o Scratch sem que tal fosse obrigatório). As pontes estabelecidas com a disciplina de Ciências da Natureza resultaram mais do facto de eu ser a mesma professora nas duas disciplinas, estimulando o recurso à ferramenta para ampliar o contacto dos alunos com ela. No espaço Scratch time, de frequência facultativa, os alunos trabalhavam livremente vários temas, completando trabalhos de ambas as disciplinas, elaborando trabalhos livres ou relacionados com outras áreas (o que aconteceu mais raramente, uma vez que no Conselho de Turma não surgiram muitas propostas e desafios aos alunos nesse sentido até cerca de metade do terceiro 101 período – a partir dessa altura foi desenvolvida alguma actividade em Área de Projecto relacionada com a disciplina de História e com um projecto musical – a Ópera dos Castelos – em que os alunos participaram). Referência aqui para um trabalho elaborado na Semana da Leitura com um poema de António Gedeão que havia sido apresentado numa aula de Ciências (Anexo IX, pp. 25-26). Como instrumento de apoio ao desenvolvimento do currículo, contruí uma ferramenta integradora - um guião (Figura 15) - que me permitiu trabalhá-lo com base nas ideias essenciais para a Matemática no Ensino Básico, mantendo a visão do todo sem me condicionar a trabalhar em função da fragmentação programática (Bransford et al., 2000; Bruner, 1998, 1999a; Donovan e Bransford, 2005; Papert, 1980, 1993, 1997; Resnick, 2001) que não parece ser a forma mais adequada de abordar o currículo. Resnick (2001) afirma a este propósito: Thinking and problem solving will be the “new basics” of the 21st century. But the common idea that we can teach thinking without a solid foundation of knowledge must be abandoned. So must the idea that we can teach knowledge without engaging student in thinking. Knowledge and thinking are intimately joined. This implies a curriculum organized around major concepts that students are expected to know deeply. Teaching must engage students in active reasoning about this concepts. In every subject, at every grade level, the instruction and learning must unclude commitment to a knowledge core combined with high thinking demand and active use of knowledge (p. 132). Procurei, pois, manter a necessária abertura para identificar e gerir os conteúdos que foram emergindo no trabalho com o Scratch, enquadrando-os nas ideias principais do currículo. O recurso ao Manual, enquanto estratégia de abordagem do currículo, foi escasso, tendo este sido utilizado sobretudo nas actividades de sistematização, prática de procedimentos ou resolução de problemas complementares de reforço dos temas trabalhados. Em determinados momentos o manual foi usado autonomamente por iniciativa dos alunos, ou por minha indicação, quando lhes era proposta alguma actividade que poderia ser aperfeiçoada com recurso à aprendizagem de um novo conteúdo. Um bom exemplo foram os projectos sobre fracções. Numa primeira fase usámos livremente a nomenclatura (quartos, meios, oitavos, etc.), mas quando os alunos já estavam a escrever estas designações por extenso nos projectos, sugeri que procurassem no manual uma forma de escrever as fracções recorrendo à simbologia adoptada. Aderiram com entusiasmo e ajustaram os seus projectos à informação encontrada. No Quadro 26 é feito um breve relato do arranque das actividades. 102 PROCEDIMENTOS CONCEITOS Temas NÚMEROS E OPERAÇÕES - Sentido do número - Valor de posição - Relações entre os números - Regularidades e padrões - Ordem de grandeza - Significado de fracções e de numerais decimais - Significado, sentido e propriedades das operações - Números relativos - Razão - Proporção - Ler e escrever números - Comparar - Ordenar - Representar - Operar/calcular - Identificar... - Estimar - Contar - Traduzir ÁLGEBRA GEOMETRIA e MEDIDA -Regularidades e padrões (reconhecimento e descrição) - Funções - Incógnita. Equação. - Uso de variáveis para exprimir relações - Significado, sentido e propriedades das operações - Propriedades dos entes geométricos (linhas, figuras, sólidos, ângulos...) - Relações geométricas - Sentido espacial - Padrões geométricos -Transformações - Pavimentações - Simetria - Criar e prolongar sequências numéricas - Explicar regras - Definir regras - Determinar o valor de uma incógnita Operar/calcular - Estimar - Contar - Estabelecer relações - Identificar, criar, traçar, construir entes - Aplicar transformações - Criar pavimentações - Determinar linhas de simetria - Medida (real, estimada) e unidade de medida (capacidade, volume, comprimento, área, perímetro, massa, peso, tempo, moeda, amplitude, temperatura...) - Valor, ordem de grandeza de unidades de medida - Relações entre unidades de medida - Utilizar instrumentos de medida - medir - Descobrir e calcular medidas - Estimar medidas - Construir entes com determinadas medidas - Comparar - Relacionar - Ordenar medidas - Converter medidas ANÁLISE DE DADOS E PROBABILIDADES - Colecção e organização (tratamento de dados) - Interpretação de dados representados em diferentes suportes (tabelas, gráficos, diagramas, ...) - Previsão e probabilidade - Recolher e registar dados - Sondar - Construir gráficos e diagramas - Calcular probabilidades - Comparar probabilidades de eventos - Analisar dados COMUNICAÇÃO Avaliar - Usa a terminologia: padrão, posição, sequência, fracção, numerador, denominador, números inteiros, núm. fraccionários, números racio-nais, números relativos maior, menor, crescente, ordem... - Usa a terminologia: padrão, sequência, valor, incógnita, equação, função, regra... - Usa a terminologia: linhas, figuras, sólidos, ângulos, padrões, simetria, transformações, pavimentações.. - Usa a terminologia: capacidade, volume, comprimento, área, perímetro, tempo, massa, peso, amplitude, temperatura, designações das unidades de medida...) . - Explica, discute, argumenta, manipula - Usa os símbolos - Desenha, constrói - Lê, interpreta - Escreve - Fala, expõe - Usa a terminologia: designações de diferentes tipos de gráficos, diagrama, dados, média, moda, eixos, escala... - Ouve, interpreta Figura 15. Mapa integrador de apoio ao trabalho do professor de Matemática Conceitos, procedimentos e comunicação - Documento elaborado com base em Principles and Standards for School Mathematics – (NCTM, 2000 ) numa perspectiva vertical, integrando os conteúdos do Ensino Básico 103 Quadro 26. Reflexões - momentos críticos: início da actividade, motivação, entusiasmo, retorno, unidade da missão e das tarefas 3 DEZ 07 - diário de campo - Anexo IX As cartas para os pais seguiram hoje e hoje também (tal como previsto, pois as cartas abriam o jogo e os alunos ficavam a saber do Scratch pelos pais, o que seria desadequado) foram as primeiras aulas em que os alunos da turma G finalmente ouviram falar do Scratch e levaram para casa umas dicas sobre como o descobrir na Internet e o instalar (foi propositado não recorrer a computador nem projecção, porque também é importante equilibrar a compreensão de informação que provenha de meios visuais com outros mais tradicionais e, sobretudo, não lhes dar tudo, não facilitar tudo, criar a necessidade, obrigá-los ao engenho de encontrar uma estratégia para dar resposta aos desejos de resolver problemas que lhes interessa resolver). Tratando-se de um tema muito motivador, é uma excelente oportunidade de trabalhar as questões da compreensão oral de informação. E, como previsto, a atenção era grande por causa da expectativa que foi sendo criada... do mistério... propositadamente. Resulta muito bem neste nível etário e assim todos estavam com sede de informação. Depois irão registar por escrito como foi essa primeira aventura em casa com os pais a ler as cartas e a querer também envolver-se na instalação do programa (completarei com entrevista ou questionário simples essas vivências mais caseiras... alguém ajudou? Quem? Como foi? Quando? De que forma?). Eles vão ter diários de campo que funcionarão como uma espécie de portefólios. Já estava combinado. O entusiasmo foi grande e prosseguiu na aula de Ciências à tarde (de manhã tiveram 90 min MAT, à tarde 45 minutos CN). Com o Natal à porta (também propositado) os alunos chegarão à escola em Janeiro já com algumas aventuras vividas pessoalmente o que ajudará imenso (espero... coloco essa hipótese e verei depois a quantos aconteceu esse investir de tempo no Scratch... tenciono falar com os pais na reunião em Janeiro e poderei pensar numa entrevista simples de grupo... ou num pequeno questionário) pois o tempo de que dispomos em contexto de aula é reduzido e o Scratch precisa de maior imersão para que o entusiasmo cresça e se mantenha. É algo para viver entre a escola e a casa/família. Uma estratégia deliberada de envolvimento da família na aprendizagem dos alunos - maior comprometimento e acompanhamento... ... Recapitulando, o entusiasmo em Ciências ainda foi maior porque na aula de Matemática da manhã, depois das dicas sobre o Scratch, decidimos que era boa ideia construir um blogue da Turma para divulgar as aventuras com esta ferramenta e aproveitei a hora do almoço para o criar, com o nome decidido por todos e a designação em código escolhida pela turma para assinar as entradas. O blogue é o GT SCRATCH (www.gtscratch.blogspot.com) e o nome de código da turma: GTurma (são a turma G do 5º ano). Informei-os de que já estava construído o blogue e que já lá havia colocado pistas: um vídeo Youtube sobre o Scratch que traduzi - legendei em português, com a ferramenta Mojiti, e links para a página principal e página de download. A alegria foi enorme. Aproveitámos o momento de entusiasmo para escrever o texto (colectivo) de entrada (que me comprometi a passar hoje - já está - enquanto não lhes ensino como se faz). Naturalmente que eles irão aprender a escrever autonomamente no blogue e a usá-lo, a criar contas de e-mail individuais no gmail e até a criar blogues individuais... será um percurso gradual. ... Hoje foi assim uma enchente, um brainstorming nem sempre muito estruturado onde as perguntas são muitas, o entusiasmo flui e as ideias brotam muitas vezes sobrepostas, mas nestas idades funciona bem desde que apoiemos muito os processos iniciais e eles sintam que o retorno é rápido (por isso construí o blogue entre a aula da manhã e a aula da tarde... a rapidez de reacção do professor pode contribuir para manter mais viva a adesão aos projectos). Esta abordagem inicial muito globalizante tem a ver um pouco com aquela questão de não partir em excesso a ideia principal em bocados tão pequenos que os façam perder de vista o sentido global da tarefa. Dizia Brunner, dizia Papert. E conta-se naquela história dos operários a quem se perguntava numa obra o que estavam ali a fazer: eu estou a colocar tijolos, eu estou a fazer cimento, eu estou a pintar paredes... um apenas... eu estou a construir uma catedral. Podia ter feito tudo muito devagarinho... pontinho a pontinho... agora continha de correio, depois como se faz um blogue e etc... mas não resulta tão bem. Eles querem ver acção rápida, prendem-se a ela e ficam mais disponíveis para aprender depois tudo o que é preciso aprender, ponto a ponto, aí sim, mas sem nunca perder de vista a estrutura global, o sentido do todo. 104 Fundamental no trabalho realizado foi procurar levar os alunos a tomar consciência dos problemas que iam surgindo na construção dos projectos, dando-lhes forma e expressão, na medida do possível, uma vez que o Scratch, enquanto linguagem de programação, pareceu estimular essa oportunidade de desenvolvimento de uma das tarefas mais importantes e enriquecedoras no trabalho de aprendizagem da Matemática – a formulação de problemas a partir de situações problemáticas de contornos mal definidos - problemas deficientemente estruturados (“hill defined problems”) - que merece e necessita de investigação mais aprofundada (Kafai, 1995; Schoenfeld, 1992; Silver, 1996). O apoio dado aos alunos nesse processo de identificação, formulação e resolução de problemas não se distanciou das sugestões de Pólya (1990) que afirmava a este propósito: One of the most important tasks of the teacher is to help the students. This task is not quite easy; it demands time, practice, devotion, and sound principles. The student should acquire as much experience of independent work as possible. But if he is left alone with his problem without any help or with insufficient help, he may make no progress at all. If the teacher helps too much, nothing is left to the student. The teacher should help, but not too much and not too little, so that the student shall have a reasonable share of the work. If the student is not able to do much, the teacher should leave him at last some illusion of independent work. In order to do so, the teacher should help the student discreetly, unobtrusively. The best is, however, to help the student naturally. The teacher should put himself in the student’s place, he should see the student case, he should try to understand what is going on in the student´s mind, and ask a question or indicate a step that could have occurred to the student himself. (p. 1). O diálogo assume assim um papel fundamental nas sugestões de Pólya (1990), que dá exemplos dele na sua obra, e reconhecemos nesse papel os princípios subjacentes às teorias de construção do conhecimento e aprendizagem dos mais importantes pensadores, a que já foi feita referência prévia. O conceito de apoio-para-chegar-mais-longe - tradução do termo scaffolding (Lourenço, 2005) e as características que este tipo de apoio assumiu no contexto do estudo (quer as relacionadas com o apoio do professor, quer as relacionadas com a ferramenta Scratch, entendida como um meio para facilitar o acesso e domínio pelos alunos de conceitos não previstos para o seu nível de escolaridade) merece uma referência especial. No Glossário de termos (Spector et al., 2008) pode ler-se: Scaffolding: Process through which individuals are supported in identifying, 105 interpreting, or otherwise using resources. Also, support that is providede to help learners reach skill levels beyond their current abilities; essencial to scaffolding is the fading of the support inversely to the learners’ acquisition of the skill that is being supported ( p. 825). Dennen e Burner (2008) referem que a investigação sobre scaffolding tem-se focado sobretudo nos aspectos seguintes: “que quantidade é necessária, que tipo é necessário e como melhor o fornecer a indivíduos e grupos” e que o termo “scaffold” aparece em muitos estudos mas nem sempre é bem aplicado. Pea (2004), citado por Dennen e Burner (2008), argumenta que o termo tem vindo a ser excessivamente usado até ao ponto de se ter perdido o seu verdadeiro sentido, traçando o termo até à sua origem (Wood, Bruner e Ross, 1976), estreitamente ligado ao conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky. Segundo Dennen e Burner (2008): A scaffold was intended to be a tool to help children do something they could not do without assistance. Within this concept is the notion that the scaffold, when no longer needed (the ZDP has shifted with learning), could be faded. Pea (2004) rightly noted that in much of the published research we have shifted from discussing scaffolding with fading to a different interpretation: scaffold for performance. In particular, Pea raised the issue that many so-called software-based scaffolds really are intended as performance supports that may never be removed from the learner; however, it is possible that some of the so-called scaffold-for-performance studies represent situations in whish fading might be possible but was outside the scope of the study (p. 432). Pea (2004) afirma que não será o único a sentir esse alargamento do sentido do conceito até ao ponto em que se tornou menos claro no seu significado, sugerindo a necessidade de maior diferenciação para se poder progredir na sua compreensão. No presente estudo não pode afirmar-se que os elementos de apoio-para-chegar-mais longe identificados na acção do professor decorressem sempre de planeamento consciente, ou de um conhecimento profundo do conceito e da sua aplicação. É aceitável considerar que resultam sobretudo da combinação integrada da experiência de mais de duas décadas de ensino, da procura consciente de crescimento profissional (formação autónoma ou em contexto formal) e, sobretudo, da evolução do próprio ambiente de aprendizagem, naturalmente condicionado pela acção dos alunos, as suas escolhas, os problemas levantados, aos quais é necessário dar resposta apoiando frequentemente com algum grau de improviso, 106 sem tempo para maior reflexão. Neste contexto pode considerar-se que tão importante como a ferramenta (que é, em si própria, um apoio-para-chegar-mais longe, numa lógica de aperfeiçoamento contínuo do desempenho, que não tem tecto, dado tratar-se de uma linguagem que permite continuar a ser dominada até níveis de complexidade não determinados) é a acção do professor no processo de suporte e de mediação, na proposta de desafios com grau de dificuldade adequado e as características da informação devolvida aos alunos em tempo útil para os informar sobre o estado do seu desempenho e da sua aprendizagem (feedback). As tecnologias da comunicação e informação aumentam a amplitude de estratégias de feedback em ambientes de aprendizagem suportados em actividades com computadores, no entanto a concepção e implementação dessas estratégias são uma tarefa complexa, frequentemente mais baseadas na intuição do que em princípios psicológicos sólidos, sendo necessário estabelecer linhas orientadoras teóricas e empíricas para a concepção e avaliação de estratégias de feedback (Narciss, 2008; Tileston, 2005, 2007). Narciss (2008) compila a partir de várias fontes algumas funções do feedback, a saber: reforço, informação, indicação, motivação, regulação, instrução, estímulo, orientação, avaliação (assessing), aconselhamento, confirmação, correcção, sugestão, completamento de informação, diferenciação e reestruturação. Todas elas estiveram presentes, em maior ou menor grau (não se pretendia uma avaliação específica e exaustiva das estratégias de feedback) na acção do professor, como resposta ao desempenho, evolução e solicitações dos alunos ao longo do tempo em que o trabalho foi desenvolvido. No Anexo IX – diário informal da professora (pp. 18-19, 29, 42-43, 51, 63, 66-68, 80-81...) podem encontrar-se exemplos de alguns momentos de diálogo, apoio, desafio, reacção e resposta, diferentes formas de mediação, que caracterizaram o ambiente de aprendizagem. Salientam-se alguns desses diálogos construtores de aprendizagens e de aprofundamento da relação afectiva e pedagógica, com ou sem mediação de ferramentas tecnológicas, que constam nos Quadros 27 a 30. Com frequência os alunos prolongavam as suas questões e o seu trabalho pelo intervalo lectivo, falando dos projectos que se encontravam a desenvolver facultativamente em casa. A atitude de atenção activa e de escuta por parte do professor parece reforçar os laços afectivos e, aparentemente, tal permite o desenvolvimento da motivação e da autonomia que se traduziu na realização de actividades não solicitadas pelo professor. 107 Quadro 27. Reflexões - momentos críticos: mediação (correcção de erros) Diário de campo - Abril 30, 2008 – Anexo IX Ontem à noite, depois das 21, a I. - 5º ano - descobriu-me no gmail (chat): I: tenho um novo projecto na galeria me: Boa! Vou ver! Beijinhos I: não é muito giro penço eu gostou ? me: Eu depois digo! Todos têm valor… depende do objectivo! Espera… I: ok me: Ainda não vi! I: não!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!??????????????????????????????????????????????????????? me: espera! I: ok me: qual é o teu nome na galeria? nici? I: sim o nome é kitty do projecto me: Está engraçado… tem bastantes erros que corrigiremos amanhã em EA, está bem? Como já sabes bem trabalhar a interactividade das teclas, podíamos tentar fazer algo semelhante, mas com conteúdos de Ciências… ou Matemática… queres experimentar? I: sim claro já estou em pulgas por amanhã me: Olha, vou ter de ir embora. Beijocas grandes! Pensa no assunto… I: ok durma bem me: tu também! Bons sonhos! I: igualmente me: Hoje em Estudo Acompanhado, o prometido foi devido… Sentadinhas em frente a um dos dois computadores da sala, a I apontou no caderninho os erros para mais tarde corrigir. Também falámos sobre a possibilidade de reproduzir um projecto semelhante mas com temas das disciplinas… estou a ter aqui uma ideia! Sim? Então força! E não te esqueças de corrigir os erros! 108 Quadro 28. Reflexões - momentos críticos: diálogos (ângulos e polígonos) Diário de campo - Janeiro 31, 2008 – Anexo IX Alguns alunos acabaram a ficha de avaliação de Ciências um bocadinho mais cedo. Enquanto uns liam o manual, avançando na unidade que se segue e outros escreviam no diário de campo, a F., de transferidor na mão, triângulo equilátero esboçado sem muito rigor no diário de campo do Scratch, vem pedir-me baixinho (havia colegas a fazer ficha) que a ajude a perceber o porquê do ângulo de viragem (externo) ser 120º e a razão pela qual no transferidor aparecia também ao pé do 120º um 60º, que era a medida do “ângulo de dentro” (interno). Ajudei. Expliquei. Ela sabe já mover o transferidor e usou-o com perícia no projecto de construção do pentágono no Scratch. Ao invés de outros que lá chegaram por tentativas, ou por conta de erros que levaram a descobertas novas, ela esboçou um pentágono no caderno, usou o transferidor e disse-me que eram mais ou menos 70º… experimentando, ela e a M., parceira de grupo, rapidamente perceberam que o valor correcto era 72º. Falámos nessa altura de estimativa, da qualidade daquela que tinha feito e que lhe tinha permitido fazer a descoberta da rotina de programação que constrói um pentágono regular. Sentadinha ao meu lado, lá utilizámos o transferidor tentando clarificar os mistério, escrevi, risquei, expliquei, falámos de ângulos suplementares… ficaram no caderno estes rabiscos. Não satisfeita, ainda pediu: E se eu quisesse desenhar um triângulo mesmo certinho que eu soubesse que os ângulos de dentro eram mesmo 60º. Tens compasso? Sim. Vai buscar. Cumpri o desejo. Mais um rabisco no seu caderno diário. A alegria mal contida dela. Antes de se levantar, lançou-me os braços ao pescoço e deu-me um beijinho doce na face. Obrigada professora. (A F. é uma aluna que no início do ano confessou não gostar de resolver problemas… “tenho receio” dizia.) 109 Quadro 29. Reflexões - momentos críticos: desafios e consolidação de conhecimentos Diário de campo – Março 31, 2008 – Anexo IX Tal como previsto… novidades. E tantas! No arranque da manhã, pelas 8 e pouco, enquanto aguardávamos pelos mais atrasados, fiz a ronda das férias, cada um na sua vez (eles gostam de contar e esvai-se assim alguma da energia em excesso com que nos chegam, depois da interrupção)… eu estive doente e eu fiz isto… e eu fui ali… e eu fui acolá… Pelo meio, a B., cheia de vontade de partilhar o que fez com o Scratch e o seu blogue nas férias diz: Oh professora, adorei corrigir os erros do meu blogue com o vídeo que a professora fez para mim! Até falei disso lá! (mais tarde no Scratch time… vi que há novos erros para ela corrigir… mas a motivação é grande para manter um blogue limpinho e bem escrito, portanto, estamos no caminho certo. Há que persistir. Eles têm tantas dificuldades na escrita que este tem sido, para alguns, uma forma de os fazer reflectir sobre o seu trabalho, de escrever e de melhorar a qualidade da sua escrita, tal como tem acontecido com o meu Kiko das borboletas que já está no 6.º e fez imensos progressos desde o ano passado… Como devem imaginar, este tipo de atendimento tão personalizado tem muitos custos de tempo… coisa que a legislação não leva em conta. Eu é que não tenho culpa e como acredito que é neste cuidar próximo que reside alguma hipótese de sucesso, hei-de continuar a gritar enquanto puder para chamar a atenção.) Pois é… tenho uma surpresa para aula de hoje. Lembram-se do referencial cartesiano? Eu preciso de saber se compreenderam… se já sabem como o utilizar… e… fiz uma fichinha de propósito para aplicar hoje, apanhando-vos distraídos, esquecidos (a professora Dalila será testemunha de que não vos ajudarei a não ser com a leitura do enunciado, para ter a certeza de que os erros se devem às dúvidas matemáticas e não a outras). Vamos começar? Preparei esta actividade na Páscoa. Queria saber quais eram as sobras de um segundo período às voltas com o Scratch e onde o referencial foi introduzido, depois de 15 dias de amêndoas. Mas queria que tal acontecesse sem revisão, sem estudo, sem preparação. É a melhor forma de saber o que guardaram, o alcance da compreensão e da aprendizagem, a dimensão das dúvidas. Depois, sim, depois trabalharei com os que sentiram mais dificuldade, tentando encontrar outros caminhos para todos chegarem onde é preciso. Na essência a maioria percebeu o conceito. Alguns apenas trocam, em certos pontos, o x com o y, sobretudo no processo de colocação do ponto nas coordenadas indicadas e não no processo de identificar coordenadas de pontos já marcados. Alguns alunos completaram o trabalho praticamente sem erros, alguns não acabaram, embora estivessem no caminho adequado, outros revelaram maior dificuldade. Tenho presente que é um conteúdo do 7.º ano e que estes meninos estão no 5.º. Mais tarde farei o tratamento dos dados de forma pormenorizada para perceber algumas coisas e relacioná-las com outras… o mestrado sempre presente. Guardarei estes exemplares, levarei novos para que cada um possa observar o que fez, analisar os erros (serão eles a corrigi-los) e depois voltarmos ao exercício novamente. Avaliação formativa… avaliação entranhada na acção. Avaliação formadora que ajuda a crescer, a aprender a persistir, a ser exigente, a evoluir. E querem saber uma coisa, meninos? Siiiim! Para além disto serem conteúdos do 7.º ano e vocês estarem no 5.º… usei mesmo exercícios de um manual do 7.º sem os alterar. Não preparei uma coisa mais simples… Verdade? Verdade! Ensino-os a gostar de desafios que os arrastem para a frente… Nem todos avançam com a mesma segurança, mas cada um vai avançando como pode, porque eu não quero ninguém para trás e não páro de puxar! Não lhes facilito o caminho… mas tento colocar obstáculos à medida. Procuro encontrar a medida certa, o que não é simples de equacionar com tantos meninos diferentes, com aquisições de base e medos diferentes. Mas isso é o trabalho do professor que não devia deixar nunca de ser uma espécie de investigador permanente, minuto a minuto, na análise dos problemas, para ensaiar hipóteses e procurar soluções. 110 Quadro 30. Reflexões - momentos críticos: diálogos - apoio-para-chegar-mais-longe... Diário de campo - Maio 19, 2008 – Anexo IX Momento importante com a B e a N. Ao olhar para a marcação das linhas de avanço do caracol percebi que as distâncias não eram idênticas e perguntei como fizeram. Com centímetros! Centímetros? Sim… usámos a régua em cima do écran! Hummmmmm… e que tal pensar numa forma correcta de proceder que garanta realmente o mesmo valor para as distâncias? Desafiei-as a encontrar uma forma de corrigir a situação… Mas como? Digam-me lá, ao longo de que eixo é que se distribuem as vossas linhas de marcação? Do y. Sim. E o y não tem valores marcados sobre ele tal como uma régua? Ah! Pois tem. Então pensem… Se aqui, por exemplo, forem -240 e tiverem de subir 40 passos para a linha ficar a essa distância da primeira, para onde a enviam? Fica no -280, professora? Olhem novamente para o eixo… (uma delas foi buscar à capa, sem eu pedir, a ficha de trabalho sobre referencial cartesiano)… aqui é zero, e aqui? (fui descendo) Ah, é -1. E aqui? -2 Então, quando descemos acontece o quê? Lá percebemos (sem eu referir o termo valor absoluto) que o número aumentava o valor, embora fosse cada vez mais pequenino (por serem negativos). Então voltemos ao problema… -240… se eu subir 40? Ah! Fica no -200. Ok e depois? Se eu colocar a outra linha à mesma distância? Então…Tira-se 40 e fica -160… não é professora? Ora bem, estes valores são exemplos: agora coloquem o rato para ver a posição da primeira linha, mantenham o x constante e vão subindo mantendo sempre a distância. Avançaram. Passado algum tempo chamaram-me. Oh professora! A gente fez tudo certinho e esta distância não ficou igual! Veja a conta (vi… erro daqueles…). Meninas… 4 para 13? Ai professora, pois é… tem um erro. Já perceberam que têm de estar com atenção a fazer os cálculos? Qualquer distracção… Continuaram. Passado algum tempo chamaram novamente: ai professora… e agora? Estamos no -17 e como é que ele anda 40 para cima? Para onde é que vai? Desafio difícil. Operar com relativos é algo ainda um pouco fora do alcance… enquanto estamos apenas nos negativos (ou nos positivos) a coisa aguenta-se… cruzar o zero, passar de negativos a positivos… é algo diferente. Mais uma vez tomei consciência de como este desafio do caracol tem permitido os mais diversos tipos de situações problemáticas. Aprendo eu, aprendem eles, ganhamos todos. Sem grandes empurrões nem soluções formatadas ou definições, apenas levando-as a pensar como seria possível cruzar o zero gastando os 17 e passando aos positivos, a B propôs algo como: 17 - 40 ? Não. É ao contrário… Ah! Tem de ser 40 - 17… Fazem a conta. Dá 23. Mas agora é nos positivos! Mal tive tempo de agarrar na câmara para filmar a folhinha e ainda preservar na memória a última exclamação associada à descoberta… Então professora, agora fazemos mais… Agora é sempre mais! Fazemos 40 mais 23? Claro! Ai se eu tivesse mais tempo… sentava-me com elas e estava criada a oportunidade perfeita para explorar algo bem importante. Mas… quase a tocar… é preciso arrumar, é preciso correr, que temos horita e meia para isto tudo, sempre correndo, sempre vivendo de gaveta em gaveta, de aula em aula, agora isto, agora aquilo. Chamamos aprendizagem a este carrocel? No melhor da festa, despedimo-nos até sexta… Apetecia-me ser mais junto deles. Apetecia-me ficar mais um bocadinho… o tempo necessário para crescermos sem campainhas pelo meio. 111 Procurar-se-á identificar no ambiente de aprendizagem algumas das características mais significativas que condicionaram a actividade desenvolvida e os resultados obtidos, bem como estabelecer a relação com alguns modelos e conceitos abordados na literatura. É possível reconhecer no ambiente de aprendizagem criado algumas características de uma abordagem típica de um modelo globalizante (“whole-task model”) não atomista, onde os conteúdos e as tarefas complexas não são reduzidos a muitos elementos simples e desligados entre si (algo que pode funcionar se existirem poucas interacções entre os elementos, mas não quando estes se relacionam de forma muito próxima) (van Merriënboer e Kester, 2008). Estes modelos educativos procuram lidar com a complexidade sem perder de vista as relações entre os elementos e a investigação parece revelar que se trata de uma abordagem eficaz se forem tidos os cuidados necessários na sequência de aprendizagem, no apoio prestado e nas ferramentas utilizadas (van Merriënboer e Kester, 2008). De acordo com o Currrículo Nacional (ME-DEB, 2001) e as orientações metodológicas do novo programa (Anexo III) devem ser proporcionadas aos alunos diferentes experiências matemáticas: resolução de problemas, actividades de exploração, investigação e descoberta, desenvolvimento de projectos, formulação de conjecturas, argumentação e provas, exploração de conexões, prevendo-se momentos de confronto de resultados, descrição, comunicação e discussão de estratégias e raciocínios e prática de procedimentos, valorizando-se o cálculo mental como uma ferramenta indispensável para apoiar o raciocínio. Os contextos devem incluir situações matemáticas e não matemáticas, abranger outras áreas do saber e situações do quotidiano. Esta abordagem foi colocada em prática com o auxílio do Scratch já que este permite diversidade temática na escolha dos projectos a desenvolver, alicerçando-as nos interesses e gostos dos alunos e permitindo a modelação de situações e a oportunidade de experienciar de forma prática conceitos matemáticos mais abstractos, caminhando progressivamente para uma maior formalização. Shoenfeld (1992) cita algumas das características aconselhadas pelo Departamento de Educação do Estado da Califórnia para a organização de um ambiente de aprendizagem da Matemática eficaz (1985, p. 14), que vão ao encontro das indicações nacionais: (a) Model problem solving behavior whenever possible, exploring and experimenting along with students; (b) Create a classroom atmosphere in which all students feel confortable trying out ideas; (c) Invite students to explain their thinking at all stages of problem solving; (d) Allow for the fact that more than one strategy may be needed to solve a given problem and that problems may require original approaches; (e)Present problem situations that closely resemble real situations in their richness and 112 complexity, so that the experience that students gain in the classroom will be transferable” (p. 365). Johnson e Johnson (2008) reforçam a importância do trabalho cooperativo potenciado pelos ambientes de aprendizagem mediados pelas TIC, assinalando os efeitos benéficos nos resultados da aprendizagem decorrentes da interacção mediada por várias ferramentas (correio electrónico, mensagens síncronas, blogues, páginas na Internet, conferências vídeo, portais de partilha de trabalhos). Referem ainda a importância do recurso a ferramentas que estimulam essa cooperação (bases de dados, folhas de cálculo, linguagens de programação, programas de modelação e simulação, ferramentas de produção multimédia). É importante reforçar aqui que o Scratch, no ambiente de aprendizagem construído ao longo do tempo, embora ocupando um papel importante, e de certa forma central, não se encontrava desligado de todas as actividades que o foram enquadrando de forma mais planeada ou mais inesperada, tão pouco de outras ferramentas que permitiram ampliar o alcance dos seus efeitos e aprofundar a sua utilização (blogue da turma, correio electrónico, aplicativos “web 2.0”...). Foram também actividades significativas e de reforço os momentos em que os alunos fizeram a formação de adultos (professores sem conhecimentos no Scratch) em sessões combinadas para o efeito e solicitadas por aqueles (uma para professores de Matemática da Escola e outra para Coordenadores de Departamento de Matemática de escolas do Concelho – no âmbito do Plano de Matemática e do Plano Tecnológico). A solicitação só me incluia a mim, mas entendi que essa era uma experiência fundamental no trabalho dos alunos (Anexo IX, p. 27 – referência a uma das sessões), no desenvolvimento da sua confiança e autoestima, na consolidação de competências de programação e comunicação, na atribuição de significado e relevância às actividades que se encontravam a desenvolver, pela valorização social e reconhecimento do seu trabalho por adultos significativos. Os professores aceitaram bem a sugestão e a experiência foi muito enriquecedora (de acordo com o testemunho oral dos adultos e dos alunos). Voltou a repetir-se mais tarde, já em Março de 2009, em duas sessões com dois grupos da Universidade de Aveiro (integrando alunos do ensino superior e professores de Escolas da zona de Aveiro) que se encontravam a desenvolver um projecto envolvendo o Scratch (Scratch’ando com o SAPO). No Quadro 31 é feita uma síntese da forma de organização do trabalho nos diferentes espaços e momentos e no Quadro 32 podem encontrar-se alguns exemplos de materiais de apoio, de propostas de trabalho em sala de aula (reflexões – diário de campo) e de projectos 113 dos alunos com elas relacionados. Ambos permitem a descrição de algumas das actividades desenvolvidas, embora, é claro, não seja possível abranger todas as actividades e momentos que foram influenciando a construção do ambiente de aprendizagem. Salientam-se, todavia, alguns aspectos-chave que estiveram presentes consistente e persistentemente neste ambiente: - prioridade dada aos processos e caminhos de construção do conhecimento - desafio, exigência (menos quantidade mas maior complexidade e profundidade – trabalhos e projectos prolongando-se ao longo do tempo) - conhecimento pelos alunos das metas e objectivos do trabalho a curto e longo prazo - antecipação do futuro – divulgação do que irá acontecer e sedução para conteúdos mais complexos (visão do todo antes das partes) - criação de algum mistério (expectativa) em torno de algumas ideias e actividades - identificação, formulação e resolução de problemas - variedade de abordagens e métodos de resolução dos problemas - feedback regular (dos pares, do professor, da ferramenta) - variedade de metodologias, ferramentas, materiais e propostas de trabalho (as TIC não foram o centro do universo de trabalho, mas parte dele) - erro como meio para aprender - trabalho cooperativo (pares e adultos) - possibilidade dos alunos fazerem opções a diferentes níveis - promoção do desenvolvimento de metas orientadas para os processos de aprendizagem e não apenas para os seus produtos - estabelecimento de relações entre o trabalho e os interesses dos alunos - envolvimento familiar e da comunidade - estímulo da autonomia, auto-confiança, metacognição (clima positivo e securizante) - equilíbrio entre novidade e ritual - valorização das emoções dos alunos - exemplo de entusiasmo do professor e de formas práticas de actuação (os alunos observam o professor tentando dar resposta a algo novo) - estabelecimento de conexões entre diferentes conteúdos e aprendizagens - ausência de recompensa externa (avaliação formal) associada aos projectos Scratch - ênfase na linguagem (oral e escrita) – explicação, pelos alunos, dos raciocínios, partilha de argumentos (oralmente e por escrito). Recurso ao diálogo e ao debate. - valorização da formalização e da linguagem simbólica a partir da prática - formas de avaliação formativa diversificadas centradas nos percursos. 114 Quadro 31. Síntese da forma de organização do trabalho nos diferentes espaços e momentos Escola Aulas Com computadores (90 minutos por semana) Sem acesso a computadores (90 + 45 minutos por semana) Professor: -Desafios - Propostas de trabalho - Acompanhamento e apoio directo, provocação, reforço, ajuda, questões... - Aprendizagem (com as descobertas dos alunos e a utilização de comandos que o professor ainda não dominava) - Avaliação – observação de comportamentos e desenvolvimento das actividades Professor: - Desafios - Propostas de trabalho (oralmente ou com suporte em fichas de trabalho), por vezes registo no quadro que alguns alunos registam no caderno sem que tal lhes seja pedido - Sistematização do trabalho nas sessões com computadores - Apoio e acompanhamento - Avaliação – observação de comportamentos e desenvolvimento das actividades, fichas formais de avaliação ou pequenos problemas, participação (questões colocadas, respondidas, argumentação, conjecturas, conclusões...) Alunos: - Sobretudo trabalho em pares – poucos computadores – por vezes individual - Programação com Scratch (sobretudo projectos relacionados com Matemática), pesquisa, blogues (turma e pessoais) - Questões – Resolução de problemas no contexto dos seus projectos e trabalho - Registo de notas /Diário de campo - Apoio a pares (e ao professor) - Explicação e comunicação de processos e ideias, propostas de trabalho, reflexão. Avaliação. Clube Scratch time (90 minutos por semana) frequência facultativa Actividades, com computadores, menos orientadas, embora por vezes complementando o trabalho das aulas Professor: - Desafios - Acompanhamento e apoio directo, provocação, reforço, ajuda, questões... - Aprendizagem (com as descobertas dos alunos e a utilização de comandos que o professor ainda não dominava) Casa Professor: - Apoio indirecto - Resposta a solicitações (correio electrónico) - Comentários nos projectos e nos blogues Alunos: - Experimentação e desenvolvimento autónomo de projectos com o Scratch - Participação no blogue da turma - Blogues individuais (criação/manuten ção) - Realização de Trabalhos para casa (TPC) – Matemática e Ciências - Diário de campo – notas - Pedidos de ajuda (correio electrónico) - Prática procedimental e resolução de exercícios e problemas sugeridos ou autonomamente Alunos: - sobretudo trabalho em pares e, por vezes, individual - Programação com Scratch (liberdade Alunos: temática – por vezes - Sobretudo trabalho em continuação de pares, individual, ou em projectos das aulas ou grupo - Reflexão sobre o trabalho TPC), pesquisa, blogues (turma e pessoais) desenvolvido nas sessões - Questões – Resolução com computadores... de problemas no procura de soluções para contexto dos seus os desafios - Questões – Resolução de projectos e trabalho - Registo de notas problemas no contexto do /Diário de campo seu trabalho - Apoio a pares (e ao - Prática compreensiva de procedimentos e resolução professor) - Explicação e de exercícios e problemas comunicação de sugeridos (fichas de processos e ideias, trabalho, manual, outras propostas de trabalho, fontes...) reflexão. Avaliação - Avaliação Observações: Foi importante a combinação com outras ferramentas como blogues, correio electrónico, tutoriais vídeo... para apoio e mediação além das aulas, para alargar o potencial de divulgação e partilha e retirar os projectos do anonimato na plataforma americana, garantindo mais protagonismo e fácil acesso – alunos, família, outros interessados... Fundamental os comentários aos projectos de um parceiro mais experiente e conhecedor (programador F. Frederico). Nem os blogues individuais, nem os diários de campo tiveram expressão significativa e generalizada na turma. 115 Quadro 32. Alguns exemplos de materiais de apoio, de propostas de trabalho em sala de aula (reflexões – diário de campo) e de projectos dos alunos Materiais /Propostas Descrição - Observações Documentos Pensar: Enfrentando os problemas Anexo XXV Pensar: Polígonos Pensar: relações matemáticas – polígonos, ângulos... Ficha de apoio à reflexão sobre algumas das técnicas de resolução de problemas (Pólya, 1990) Anexo IX, pp. 10-14, 32-33 Ficha de apoio à sistematização de informação Ficha de apoio à reflexão sobre relações matemáticas - polígonos, ângulos, ... Anexo IX, pp. 7, 24-25, 18-19 Pensar: Descartes – referencial cartesiano Ficha de apoio à reflexão e sistematização Anexo IX, pp. 3, 9, 49 e 60 Pensar: exercícios do 7º ano de escolaridade (referencial cartesiano) Consolidação dos conhecimentos adquiridos sobre o referencial cartesiano. Anexo IX, pp. 30, 36-37. O problema do caracol – modelação com um projecto Scratch Estatística: investigando a audiência dos projectos Scratch na plataforma de partilha À descoberta das fracções Resultados de outros desafios (Matemática, Ciências e outros temas) e produtos da decisão de realizar TPC ou trabalhos facultativos com recurso ao Scratch, ao longo dos dois anos lectivos Proposta de modelação do problema do caracol subindo um muro e descaindo... colocou dificuldades de desenho da interface e do movimento que levaram à formulação de outros problemas Anexo IX, pp. 55, 57, 71, 80, 75-76, 78-79 A unidade curricular de “Análise de dados – Estatística” foi trabalhada com a proposta de reflectirem sobre os trabalhos publicados na plataforma por cada um: número de projectos publicados, visualizações, transferências, pareceres favoráveis (“Adorei”), comentários... Solicitei a representação gráfica dos dados e relatório (ensaio de interpretação). (Utilizaram diferentes suportes tendo sido produzidos trabalhos interessantes e variados) Anexo IX, pp. 44-45 Proposta de desenvolvimento de projectos com fracções.... Anexo IX, pp. 80-81 De forma muitas vezes não planeada, no decurso da evolução das actividades, foram surgindo desafios variados (propostos por mim e pelos alunos) que conduziram à produção de muitos projectos Scratch. Foi neste contexto que se fez uma primeira abordagem às variáveis que resultou no projecto Anexo IX, p. 38 Anexo XXVI Anexo XXVII Anexo XXVIII (a4) (projectos) Anexo XXIX Anexo XXVIII (a2) (projectos) Anexo XXX Anexo XXVIII (a1) (projectos) Anexo XXXI (imagens de alguns trabalhos dos alunos) Anexo XXVIII(a3) (projectos) Anexo XXVIII XXVIIIc2 (projectos) Observações: No Anexo XXXII podem consultar-se projectos Scratch feitos por alunos meus, de outras turmas, que não integraram o presente estudo. No Anexo XXXIII podem ser consultados projectos mais complexos e elaborados (autoria de adultos programadores, que publicaram os seus trabalhos no portal, como exemplo das potencialidades de uso da ferramenta noutros níveis de ensino). Em alguns projectos subsistiram pequenos erros que os alunos não chegaram a corrigir (nem sempre foi possível fazê-los corrigir todas as falhas detectadas, sobretudo se já estavam a avançar em novas ideias). Isso aconteceu frequentemente na fase inicial de exploração, onde a palavra de ordem era experimentar e publicar rapidamente pelo prazer da partilha dos projectos com o “mundo”, mas voltar atrás para aperfeiçoar não era uma prioridade para os alunos. No Anexo XXXIV encontram-se os instaladores PT- SAPO Scratch para Macintosh e Windows. 116 Os dados da observação recolhidos ao longo do desenvolvimento do trabalho, no ambiente de aprendizagem que foi sendo construído, permitiram a identificação de práticas e estratégias referidas por diferentes autores (Bransford et. al., 2000; Donovan e Bransford, 2005; Bruner, 1999a; Dennen e Burner, 2008; Jensen, 2002; Molenda, 2008; Narciss, 2008; Tileston, 2005, 2007), que podem ter influenciado de forma positiva alguns dos resultados obtidos e que adiante se descreverão. Não sendo possível estabelecer relações de causalidade directas entre uma determinada prática e um resultado específico, parece aceitável admitir que os vários factores em conjugação possam estar relacionados globalmente com os efeitos observados, sem individualização das variáveis envolvidas (não era esse o objectivo do presente estudo). Ensinar é um acto cada vez mais complexo, assim como o são os ambientes de aprendizagem em que esse ensino acontece porque decorrem de múltiplas interacções no seu interior e com o exterior, socorrendo-se de ferramentas tecnológicas cada vez mais diversificadas (Ni e Branch, 2008). O número de variáveis envolvido é muito elevado e o modelo de abordagem às questões de investigação sobre o ensino e a aprendizagem socorrese de várias perspectivas que procuram não negligenciar os factores envolvidos (Koehler e Grouws, 1992; Ni e Branch, 2008). Neste modelo os produtos de aprendizagem dos alunos baseiam-se nas suas características e nas suas acções e comportamentos (na maioria das vezes fortemente influenciadas pelo que o professor faz ou diz na sala de aula), pelas atitudes e crenças dos alunos sobre si próprios enquanto aprendizes de Matemática e sobre a própria Matemática como disciplina (Koehler e Grouws, 1992). O comportamento do professor é influenciado pelo seu conhecimento em diferentes áreas (conteúdos matemáticos, forma como os alunos aprendem, práticas de ensino...) e pelas suas atitudes e crenças sobre o ensino e a Matemática (Koehler e Grouws, 1992). A abordagem da investigação tem de ser ampla e procurar integrar informação sobre diferentes perspectivas. Tal como afirmam Ni e Branch (2008): Learning refers to the process of acquiring knowledge and skill. Intentional learning refers to learning that happens through purposefully arranged information, human resources, and environments to achieve a certain purpose. Intentional learning is complex because of the nature of knowledge and nonlinear interactions among multiple entities (p. 31). Os ambientes de aprendizagem intencional são o local onde coexistem as entidades educativas e as interações não lineares e embora já existam abordagens à complexidade para facilitar a concepção de ambientes de aprendizagem eficazes, é necessário o aprofundamento 117 do estudo sobre padrões não lineares para compreender a educação enquanto fenómeno crescentemente complexo (Ni e Branch, 2008). Foram identificadas por Branch (1999, citado por Ni e Branch, 2008) oito entidades que estão sempre presentes nos espaços de aprendizagem intencional: os alunos, os conteúdos, os meios, o professor, os pares, o tempo, a meta e o contexto (sendo cada um deles inerentemente complexo). No Quadro 33 refere-se de forma estruturada o desdobramento dessas entidades em variáveis que revelam a sua complexidade individual, permitindo uma visão da complexidade global dos processos que resultam da interacção entre os vários factores. Quadro 33. Citação estruturada do texto de Ni e Branch (2008, p. 31) que desdobra em variáveis sete das oito entidades presentes nos ambientes de aprendizagem intencional Entidades Alunos Conteúdos Meios Professor Pares Tempo Contexto Variáveis Desenvolvimento físico, emocional, social e intelectual. Efeito nos padrões de comportamento da inteligência, estilos cognitivos, motivação, normas culturais, criatividade, estatuto sócio-económico... Conjunto de conceitos, regras, proposições, procedimentos, informação socialmente construída... Tipos de informação associados... Canais de comunicação que podem ser apresentados sob diferentes formas... O professor assume o papel de decisor executivo identificando os objecctivos apropriados e expectativas, analizando as necessidades de aprendizagem, organizando a informação e conteúdos, escolhendo os meios e os métodos de instrução... Os vários factores da negociação social que ocorre entre pessoas da mesma idade, estatuto e capacidades... Omnipresente... pode ser medido em incrementos discretos, mas não pode ser controlado... As condições que directa ou indirectamente influenciam as situações, ambientes e comunidades. As condições contextuais são constituídas pelos cenários físicos, políticos, económicos e culturais Algumas das características das estratégias e metodologias identificadas no ambiente de aprendizagem descrito parecem ir ao encontro da investigação sobre a aprendizagem (em múltiplas vertentes: investigação sobre o funcionamento do cérebro, motivação, metacognição, memória, tecnologias educativas, ensino eficaz, ambientes eficazes), por darem ênfase ao desafio à medida, ao feedback enriquecedor e multifacetado e ao estímulo do trabalho cooperativo e com significado para o aluno e para a comunidade (Bransford et al., 2000; Donovan e Bransford, 2005; Bruner, 1999a; Dennen e Burner, 2008; Jensen, 2002; Molenda, 2008; Narciss, 2008; Tileston, 2005, 2007 ). Importa conhecer, de seguida, quais as aparentes consequências do trabalho desenvolvido no contexto específico atrás descrito. 118 QInv2 - Consequências do trabalho desenvolvido (a) Características do trabalho produzido pelos alunos com o Scratch e abordagem de conceitos previstos e não previstos no programa de estudos do 5.º ano Não me centrarei aqui na evolução do desempenho académico dos alunos ao longo do ano, ou nas características do trabalho mais convencional desenvolvido nas aulas de Matemática em paralelo com a concepção e construção de projectos Scratch, embora se disponibilizem mais à frente resultados de natureza académica com o intuito de comparar alguns aspectos e estabelecer relações que possam levantar questões relevantes. Desde o início da experiência que procurei motivar os alunos para a criação de diários de campo onde os alunos pudessem planear ou, pelo menos, registar as tarefas que iam levando a cabo no processo de construção de projectos reflectindo sobre elas. Embora as alunas Sereia, Aiba, Pali, Dama, Laim, Nalim, Kit e os alunos Arqui, Cob, Frus e Lag tivessem tentado fazê-lo (as alunas de forma mais completa, com registos geralmente bem decorados e plenos de pormenores e os alunos com registos simples e lacónicos, existindo em ambos reprodução de comandos de programação usados), rapidamente abandonaram esse esforço passando a gastar o tempo nas actividades, sem investir em registos paralelos prévios ou posteriores. Alguns alunos prosseguiram esse trabalho de forma muito incipente nos seus blogues individuais (usando esse facto como argumento para não o fazerem por escrito nos diários) mas, mesmo aí, esse processo foi sendo abandonado até se extinguir. Nas entrevistas pós-teste de Junho (Anexos XXII e XXIII), ao serem questionados sobre se preferiam planear previamente o trabalho ou experimentar e trabalhar directamente no computador – “bricolage” (Harel, 1991; Harel e Papert, 1991; Kafai, 1995; Kafai, 1996; Papert, 1993; Papert, 1997; Turkle, 2005), ficou clara a natural tendência de “experimentador sem plano” da maioria dos alunos. Dos 19 inquiridos, 11 referem preferir trabalhar e experimentar sem plano, três não têm preferência e dois preferem planear (faltam dados na entrevista referentes a três alunos embora, pela observação da sua actividade, tenha ficado claro que dois preferem experimentar e um por vezes fazia pequenos planos prévios, embora fosse, tal como os colegas, essencialmente um “experimentador”. Mesmo os poucos que referem preferir planear primeiro o trabalho fazem-no de forma muito simples e esquemática que, depois, rapidamente é alterada em função do processo de construção num caminho mais próximo da experimentação livre do que do planeamento minucioso. A ferramenta, pelas suas características, permite a expressão dessa tendência e a oscilação entre ambas, tendo este 119 aspecto sido um dos objectivos presentes na sua concepção e desenvolvimento – aquilo que é designado na apresentação do Scratch como “tinkerability”, palavra sem tradução directa, que significa algo como a possibilidade de experimentação e manipulação sem plano, e sem conhecimentos prévios, com os vários segmentos ou blocos de comandos. No Anexo XXXV apresentam-se excertos das entrevistas de três alunos sobre esta questão, mostrando a forma como foi feita a contabilização e dando exemplo da referência a processos de experimentação livre (que ocorre em mais do que um aluno) dos que afirmam preferir planear. O documento completo de onde foi extraído este excerto encontra-se no Anexo XXIII. Para muitos alunos o conceito de “plano” pode passar por “ter uma ideia na cabeça” e depois ir ao computador concretizá-la, alterando-a em função dos erros e das necessidades. A observação directa revelou que esta distinção, ao longo do tempo, na construção de um produto complexo, acaba por não fazer muito sentido, já que os alunos oscilam entre uma e outra em vários momentos do trabalho, de acordo com a necessidade (Kafai, 1995). Os trabalhos dos alunos distribuiram-se por diversos temas, com ênfase para a associação ao currículo (propostas específicas de trabalho, sugestões do professor ou decisão dos alunos de realização e apresentação de trabalhos para as várias disciplinas, programando em Scratch). O trabalho de classificação dos projectos dos alunos foi desenvolvido pelo TenenteCoronel reformado Fernando Frederico – Programador de CAD no Instituto Geográfico do Exército (durante mais de 17 anos) e também utilizador do Scratch (o encontro na plataforma do Scratch do MIT foi um acaso que acabou por se revelar fundamental no trabalho desenvolvido), que acompanhou e apoiou comentando através da Internet o trabalho dos alunos durante o ano lectivo 2007/2008 (continuando a fazê-lo em 2008/2009), mas apenas se cruzou com eles uma vez durante uma sessão de esclarecimento de 90 minutos, nunca os tendo chegado a conhecer individualmente. A apreciação (Quadro 34) foi, pois, distanciada, suportando-se apenas na análise dos projectos publicados, com base nos critérios por mim sugeridos (Quadro 35), adaptados das referências bibliográficas. Foi-lhe igualmente solicitada uma opinião acerca da evolução dos conhecimentos de programação dos alunos, com o estabelecimento de perfis individuais e global, tendo sido produzido o documento apresentado no Anexo XIV de que se reproduzem alguns excertos. É necessário ter presente que apenas se captou a imagem oferecida pelos projectos publicados nas contas dos alunos. Alguns projectos foram apagados, outros começados e nunca partilhados, outros perdidos, ocultando uma parte importante do processo de criação. Só se pode captar parcialmente a cultura desenvolvida e a evolução dos alunos, pois no contexto de estudo não foi possível monitorizar todas as interacções entre pares, a consulta de projectos alheios ou outros meios 120 de apoio utilizados. Apenas o desenvolvimento de estudos de caso o poderia permitir. Os projectos a que Fernando Frederico se refere como cópias com mais ou menos desvios resultaram sobretudo de projectos trabalhados em sala de aula, relacionados com a construção de polígonos, modelação do problema do caracol e início da exploração de fracções, realizados a partir de sugestões directas em sala de aula, como desafio a concretizar integrado no conjunto de actividades previstas, sendo a maioria deles realizados em trabalho de pares e publicados nos espaços de cada um dos autores. Outros (Ciências e Matemática) surgiram por iniciativa dos alunos tendo por base ideias suas ou sugeridas em aulas como possibilidades e foram desenvolvidos individualmente ou em grupo (casa e espaço extra-curricular de frequência facultativa – Clube Scratch time). Os restantes (temas variados) foram construídos por iniciativa dos alunos. No início foram criadas algumas contas conjuntas para trabalhos em grupo, mas a maioria acabou por preferir publicar os projectos em duplicado em cada uma das contas individuais, tendo a maioria desses espaços ficado abandonada. As únicas equipas que foram levadas em conta na contabilização e análise de projectos foram as da Aiba + Sereia e Dama + Pali, que trabalharam e publicaram consistentemente em conjunto, sem colocar esses projectos nas suas contas individuais. Todos os restantes projectos analisados constam nas contas individuais dos alunos. No Anexo XXVIII podem ser consultados alguns desses projectos, desenvolvidos ao longo dos dois anos lectivos. Quadro 34. Critérios para atribuição do grau de complexidade aos projectos publicados pelos alunos nas suas contas na plataforma do MIT (Resnick et al., 2003; Maloney et al., 2004; Kafai, Peppler, Alavez e Ruvalcaba, 2006; Kafai, Peppler e Chiu, 2007; Maloney, Peppler, Kafai, Resnick, e Rusk, 2008) Graus de complexidade Descrição E – Projectos Exploratórios Projectos gráficos sem scripts de programação Projectos com sequências de comandos de programação curtas e pequeno número de sprites (objectos gráficos de programação) envolvidos, recurso a intruções simples circunscritas a um ou dois grupos de comandos - movimento, aparência... - combinadas de forma linear sem complexidade nas relações entre elas. Projectos que, embora recorrendo a comandos básicos, se destacam pela sua complexidade e dificuldade – sequências de comandos de programação longas, mesmo quando existiam outras soluções mais simples ao seu alcance para realizar a mesma tarefa. Projectos com sequências de comandos de programação mais longas, número elevado de sprites, envolvendo várias instruções provenientes de mais do que dois grupos (e associadas a conteúdos matemáticos não incluídos no programa para este nível etário), combinadas de forma mais elaborada e complexa. Recurso a conceitos de programação como a interacção com o utilizador, iteração (ciclos), instruções condicionais, sincronização e variáveis. B – Projectos Básicos B+ – Projectos Básicos Complexos (este critério surgiu posteriormente – ver Anexo XIV) A – Projectos Avançados 121 Quadro 35. Apreciação global do trabalho dos alunos realizada por Fernando Frederico Apreciação global do trabalho dos alunos (Fernando Frederico, texto completo no Anexo XIV) 1. Quase todos os alunos fizeram 2 ou 3 projectos “Exploratórios”; mas o Frus fez 6, o Piria fez 11 e o Bug fez 20, o que pode denotar timidez e hesitação destes alunos em abandonar esquemas já testados e comprovados. 2. A média de projectos é de 235/19 = 12,4 por aluno; mas o Piria tem 23, o Zang tem 24 e o Bug tem 26, o que os classifica como muito esforçados. No outro extremo, ficam o Ebir, o Laim e o Cinip, todos com 5 e, muito atrás, o Vizi com apenas 2. 3. Excelentes foram: o Aiba com 4 “A”, o Cob com 5 “A” e o Zang com 6 “A”. 4. A média de projectos “B” é de 111/19 = 5,8 “B” por aluno, mas o Piria tem 10, o Zang tem 13 e o Nalim tem também 13, o que pode cotá-los como muito regulares. 5. Então, o Vizi terá sido algo preguiçoso, logo seguido por alguma indolência de Ebir, Laim e Cinip; o Frus foi hesitante; o Nalim é um scratcher muito regular; Bug e Piria são tímidos mas muito esforçados, sendo este último muito regular; o Cob e o Aiba são excelentes, mas o incontestado “especialista” do Scratch é o Zang que junta o esforço e a regularidade à excelência. PERFIL COLECTIVO De um modo geral, nenhum usou a recolocação dos sprites nas suas posições iniciais, embora alguns o tenham tentado. Usaram a bandeira para começar, mas sem lhe juntarem as instruções de inicialização. A turma foi muito original no tratamento dos temas que escolheu, ou que lhe foram sugeridos. É possível que algumas ideias tenham nascido num aluno ou num grupo restrito de alunos, mas alargaram-se à turma provocando cópias com maior ou menor desvio da primitiva, de que não é possível encontrar hoje a origem. Poucos usaram as sugestões de melhoramento que lhes fui fazendo. Talvez porque não fossem suficientemente claras para o seu nível de conhecimentos; talvez porque, tendo-as percebido, não ousaram sair daquele grupo de instruções básicas onde tinham tido sucesso; talvez por manifesta falta de tempo disponível para esta actividade; talvez por falta de ambição; talvez por carência de um acompanhamento mais personalizado. Enfim, seis meses é pouco tempo para definir com rigor as primeiras causas do que foi observado. (...) A turma, com excepção de dois ou três alunos, nunca usou variáveis nem a comunicação entre sprites através de instruções “anuncia”; raramente utilizou instruções de decisão condicionais (Se...); e, nalguns casos, usou mal os ciclos sujeitos a um número fixo de repetições, pecando por defeito (quando os polígonos não fechavam) ou por excesso (quando o sprite gerador do traço dava várias voltas à figura). De um modo geral, deram muita importância ao ciclo “para sempre”, empregando-o por tudo e por nada, sem cuidar de colocar uma instrução “stop” que terminasse a execução de forma elegante. Também evitaram o uso dos blocos de “números” para efectuarem contas ou comparações. Conservando-se ciosamente no uso das instruções mais básicas, tiveram necessidade (nos projectos marcados com “B+”), de multiplicar as instruções de “move” e de “diz” com as reguladoras “espere” para encadearem diálogos e movimentos que provocaram efeitos bonitos, quase sempre, mas que lhes roubaram muito tempo e esforço de programação e de teste. A turma deixou alguns projectos por acabar e também foram poucos os alunos que voltaram a editar os projectos antigos que tinham publicado com erros. Houve uma febre de publicar o mais possível, em prejuízo de publicar o melhor possível. Também se compreende que as ideias lhes tenham ocorrido bem mais depressa do que as conseguiam concretizar no pouco tempo que podiam dedicar ao Scratch (...). Com todo este entusiasmo, é natural que os projectos menos conseguidos tenham ficado para trás sem hipótese de melhoramento. Registe-se que o trabalho dos grupos considerados produziu melhoramentos ao nível dos trabalhos individuais dos parceiros menos conhecedores ou activos. Infelizmente, o número de projectos produzidos nestas condições, embora revelando o uso de instruções ignoradas até aí, não é tão extenso que permita afirmar com segurança que eles subiram definitivamente de nível. Também foram muito raros aqueles que responderam aos comentários, principalmente aos estrangeiros ou que se deram ao trabalho de visitar e comentar projectos alheios, incluindo os estrangeiros. Nota-se que alguns alunos descarregaram projectos estrangeiros e aplicaram-nos no todo ou em parte nos seus próprios projectos, de uma maneira ainda tão incipiente e simples que mantiveram os nomes ingleses. É certo que alguns desses excertos circularam pela turma (estou a lembrar-me de “point towards mouse” e de “touching mouse point”)(...) 122 No início do ano lectivo 2008/2009 uma aluna referiu ter muitos projectos guardados no seu computador que nunca havia publicado. Entendi que era uma questão relevante e que essa informação completava de forma indispensável a caracterização do trabalho desenvolvido pelos alunos. Assim, no princípio de Outubro de 2008, questionei os alunos e a informação obtida foi sistematizada no Quadro 36 (juntamente com a classificação dos projectos de acordo com os critérios referidos). Alguns alunos enviaram-me esses projectos (outros já não os tinham em seu poder, pen perdida, computadores com problemas e discos formatados...). Quadro 36. Classificação dos projectos do ano lectivo 2007/2008 (Fernando Frederico – Anexo XIV) e estimativa do número de projectos não publicados (informação dos alunos) Alunos E B B+ A Tot. Aiba 3 9 1 4 17 Kit 2 7 1 2 12 Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Cinip Gong Dama Ebir 3 0 0 2 3 3 2 3 2 4 3 6 0 7 13 6 3 3 6 1 1 1 2 2 2 4 0 1 5 0 0 5 0 0 6 1 0 0 0 0 8 12 2 11 24 14 5 7 13 5 Frus 6 6 5 1 18 Nalim 2 13 3 0 18 Laim 0 4 1 0 5 Piria Bug Lag Nali Totais 11 20 3 2 71 10 5 3 6 111 1 0 2 0 32 1 1 0 0 21 23 26 8 8 235 Número de projectos não publicados Não soube indicar o número (diz que teve ideias de que gostou, começou, mas não acabou e esqueceu). 10 (classificou-os como projectos só para entreter... mas tem entre eles projectos incompletos muito interessantes) Nenhum Não se lembra Não se lembra (apagou os seus primeiros projectos) Não se lembra 5 (classificou-os como sendo imagens paradas, desenhos) 1 (desenho sem animação) 2 (só imagem, diz que não gostou e não publicou) 4 (achou que não estavam bem feitos) 6 3 (não gostou deles, as coisas correram mal e desistiu) 8 (alguns estavam numa pen que perdeu e num computador que se avariou) 5 (achou que estavam um bocado incompletos e não gostou) 2 (um porque não conseguiu resolver uma coisa, outro porque não gostou) 2 (não gostou deles) 1 Não se lembra 1 Aproximadamente 50 No Quadro 37 apresentam-se os perfis individuais de programadores traçados por Fernando Frederico com base na análise e classificação dos projectos publicados pelos alunos (2007/2008 e 2008/2009). 123 Quadro 37. Perfis individuais de programadores 07/08 e 08/09 (Fernando Frederico, Anexo XIV) Alunos Aiba Kit Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Cinip Perfis individuais (Fernando Frederico – Anexo XIV). (Em itálico comentário a 08/09) Só tem projectos pequenos, mas alguns com boa qualidade. Usou pouco os diálogos, não deu erros e fez várias locuções e gravação de ruídos. Reproduziu músicas completas em dois projectos. Noutros dois ou três esqueceu-se de recolocar tudo como de início. Tem projectos de Biologia, Matemática, duas histórias e muita divulgação de música. (Continuou em 08/09 com projectos simples, de boa qualidade. Baixou a quantidade de projectos, mas melhorou em termos de conteúdo, excepto no último em que repetiu a divulgação extensiva de música.) Faz experiências. Tenta e, por vezes, consegue alargar os seus conhecimentos, usando os resultados das experiências. Não entende bem as potencialidades dos ciclos. Usa com inteligência alguns efeitos gráficos. Fez apenas um projecto com diálogos digno de reconhecimento. Melhorou consideravelmente no final do ano, na concepção e realização de um projecto de fracções. Os seus projectos são apresentações e há um jogo simples e um teste de Matemática. (Fez apenas dois projectos em 08/09, o segundo dos quais se destaca notavelmente de todos os seus projectos, pelo uso inteligente de “anuncia” e de “quando sprite clicado” aliados aos seus já conhecidos “desliza” e à mudança de trajes e de cenários.) Conhece um esquema de controlo dos sprites através do teclado e tem feito uso dele, variando e complexando os projectos; mas, embora controle bem os ciclos, não domina completamente a sequência de comandos dentro de cada ciclo. E também não acertou ainda com a inicialização, apesar de ter feito algumas tentativas. (Em 08/09 só fez 3 projectos que não atingiram a excelência, mas estão muito bons e constituem um dos poucos exemplos de preocupação em melhorar e acrescentar antigos projectos.) Está muito à vontade na movimentação dos sprites, encadeando bem as falas com a acção de teclar ou clicar os sprites. Pela maneira como começou, podia ter ido mais longe, mas a meio do percurso estagnou, não tendo chegado a experimentar os comandos mais evoluídos. Tem projectos de Geometria e de Biologia. (Melhorou consideravelmente um projecto antigo e fez mais um interessante, mas não publicou mais nada.) Não saiu dos comandos básicos. Fez poucos projectos, mas de tal forma trabalhosos (scripts compridíssimos que se enovelavam sobre si próprios quando tinha de se introduzir um ciclo ou um “se”), que talvez o tenham feito desgostar-se da programação. (Não voltou a publicar.) Sente-se seguro quando usa algoritmos testados (caso dos polígonos). Só tenho a acrescentar ao perfil que "fez-lhe bem a colaboração com o Dama". (Em 08/09 manteve a preferência pelos comandos básicos com muita coordenação de “espera”, mas com resultados espectaculares em três dos seis projectos que fez neste período.) Soube pesquisar e usar pedaços de código de programas alheios (sobretudo estrangeiros), que algumas vezes alterou para pior, uma vez que é dos que ousam experimentar coisas novas e complicadas. É muito trabalhador e ousado, mas nem sempre com bons resultados. Tem projectos de Geometria, de Biologia e um de História; o resto são apresentações e Teatro. (Em 08/09 a produção foi muito reduzida apesar de no ano lectivo anterior ter sido considerado o “especialista”.) É muito original. Os seus projectos são, quase todos, baseados em diálogos de sprites, que saem muito bem coordenados, temporizados e quase sem erros ortográficos. Faz uma utilização intensiva do "espera" para controlar o fluxo do programa (o que dá muito trabalho), mas acredita que o utilizador usa apenas o tempo que lhe é dado para responder e continua quer haja resposta ou não. Só raramente utilizou "desliza", "vai para" e "para sempre". Usa quase sempre sprites em vez de trajes, mas nos últimos projectos tem multiplicado os cenários do palco. Não aprendeu a usar a bandeira verde para recolocar os sprites nas posições iniciais, nem usa o "avança para afrente" para evitar sobreposições indesejáveis. Tem projectos de Biologia, Matemática, Português, História e EVT. (Continuou em 08/09 a desenvolver projectos muito trabalhosos e de bom efeito, usando sobretudo os comandos básicos muito bem coordenados e temporizados com “espera”; mas no último projecto usou muito bem o “anuncia” e o “quando receber”.) Também não conseguiu sair dos comandos básicos e, como fez poucos projectos, teve pouca oportunidade de evoluir. (Não tem abandonado os comandos básicos e os projectos muito simples, ainda que bonitos. Neste período fez tantos projectos como no ano passado, mas não subiu de nível.) 124 Faz projectos muito simples, usando os comandos básicos; mas parece esforçar-se para se distinguir dos colegas, investigando e usando caminhos diferentes para fazer as mesmas coisas. Tem projectos de Geometria e de Biologia. (Não voltou a publicar.) Faz projectos muito alinhados, isto é, apresentáveis e sem confusão. Alguns são muito trabalhosos porque ainda não usam ciclos. Os projectos de grupo com Pali têm a sua marca de qualidade. Ousa experimentar. Tem projectos de Geometria, de Biologia e de Teatro, sempre Dama muito cuidados. (Em 08/09 fez dois projectos básicos, pelo prazer de os endereçar aos entes queridos. Os outros três têm muita qualidade e, ainda que inicialmente tivessem alguns erros, teve o cuidado de os emendar, de acordo com as recomendações que recebeu.) Não conseguiu entrar no assunto. Depois de um primeiro projecto provavelmente feito com ajuda Ebir de algum colega, não conseguiu evoluir. Alguma coisa lhe faltou. (Nunca se dedicou muito ao Scratch e, neste ano, continua assim.) É mais um caso de sucesso. Trabalha muito. Ousa inovar, nem sempre com grandes resultados, é verdade (e também com alguma turbulência). Penso que sabe escutar e procura seguir os conselhos, mas à sua maneira. Fez algumas dramatizações e projectos de Biologia e Matemática. Para esta disciplina, o melhor projecto terá Frus sido o “Referencial”; mas, na programação, o melhor é o “Fracções”. (Diminuiu em 08/09 a intensidade e a qualidade do seu trabalho. Apesar de menos conseguidos, estes 3 novos projectos são trabalhosos e talvez ambiciosos demais para o nível de conhecimentos da turma. Talvez por isso tenham sido abandonados sem atingir o efeito planeado.) É um caso de sucesso. Trabalha muito. Nunca usou a interacção entre sprites (“anuncia”), variáveis, nem SEs. O seu melhor projecto, do ponto de vista da programação é o “Polígonos”. Ter-lhe-á faltado uma chispa de génio (ou uma voz amiga) para transpor o limiar dos projectos avançados. Tem projectos de Biologia e de Matemática, mas a maioria deles são apresentações com longos diálogos. (Manteve em 08/09 o ritmo de produção do ano transacto; mas neste Nalim período, ousou fazer três remixes de projectos de scratchers consagrados. É verdade que, na prática, estes remixes pouco mais são do que cópias, mas tiveram o mérito de lhe ensinar técnicas que aplicou nos restantes três projectos que são, sem dúvida, da sua exclusiva autoria. Por isso está de parabéns pelos seus três originais e também por se ter dado ao trabalho de estudar os projectos alheios que, na origem, teriam classificação superior à que foi atribuída aos remixes.) Não conseguiu sair dos comandos mais básicos e tentou tão poucas vezes (parece), que não deu a si próprio a oportunidade de evoluir. (Em 08/09 fez um projecto muito bom de parceria com Aiba, Laim mas voltou à segurança dos projectos curtos com comandos básicos, embora o resultado seja surpreendentemente bom.) Parece preocupar-se com o número de projectos publicados e, por isso, perde pouco tempo com cada um, escolhendo talvez a maneira mais prática e rápida de o pôr a fazer qualquer coisa. Daí a profusão de conteúdos reduzidos a uma instrução “Play sound” que acciona uma obra musical Piria completa. Em suma: trabalhou muito em extensão e pouco em profundidade. (Em 08/09, embora com deficiências, o projecto Avançado usa “anuncia” com inteira propriedade. Nos restantes só existem comandos básicos, muitas vezes reunidos com inteligência e muito trabalho. Continua a publicar muito e podia melhorar alguns dos projectos.) Parece ter-se acomodado ao esquema básico muito usado pela turma para desenhar polígonos e nunca conseguiu ir mais além. É trabalhador, mas não deve ter uma ideia concreta sobre o que pretende fazer. Por isso, começa projectos que depois não continua. Testou valores esquisitos em alguns comandos, sem uma intenção definida (ao que parece); mas não conseguiu interpretar os Bug resultados e não emendou esses valores. Tem projectos de Geometria e de Biologia quase sempre inacabados e mal sucedidos, o que permite supor que teve ajuda em dois bons projectos que publicou. Teceu comentários em projectos alheios e respondeu sempre aos comentários feitos aos seus. (Continuou a trabalhar bastante em 08/09, mas não evolui dos projectos muito simples só com comandos básicos.) Faz projectos muito simples, usando os comandos básicos. Tem projectos de Geometria, de Lag Biologia e de Música. (Em 08/08 publicou apenas um projecto na mesma linha dos anteriores, muito simples e só com comandos básicos.) Pouco ousado na exploração das potencialidades do Scratch, mostrou alguma timidez em abandonar a estrutura de programação que, não sendo perfeita, funcionava; e só tardiamente Nali começou a usar mais sprites, ainda estáticos. Funcionou melhor em trabalhos de grupo. Tem, sobretudo, projectos de Aritmética e Geometria. (Produz regularmente, mas não consegue abandonar os projectos muito simples só com comandos básicos.) NOTA: Assinalados com fundo cinza os alunos que revelaram regularidade e qualidade na programação Gong 125 No Quadro 38 sintetizam-se os conceitos de programação utilizados pelos alunos nos projectos analisados (tendo por base o documento constante no Anexo XIV). Quadro 38. Conceitos de programação utilizados pelos alunos Conceitos de programação utilizados pelos alunos nos projectos (2007/2008) – Anexo XIV e Anexo IV Sequência Iteração (ciclos) Execução paralela Gestão de eventos Desenho de interface do utilizador Interacção em tempo real Anuncia Variáveis Observações Menos de quatro alunos Menos de quatro alunos Apenas uma aluna Como foi já previamente referido, os alunos não se aventuraram muito pela utilização de comandos mais complexos, procurando sobretudo recorrer aos comandos mais básicos que aprendiam a dominar, mesmo que de forma nem sempre eficaz. Comparando as avaliações dos alunos na disciplina de Matemática (níveis finais) com a quantidade e complexidade dos projectos Scratch criados e publicados pelos alunos (Figura 16), verifica-se não existir qualquer relação digna de nota. Desde o início foi deixado claro que os critérios de avaliação na disciplina de Matemática (e na de Ciências) não incluiriam estes aspectos (quantidade e complexidade da programação) procurando-se que os alunos não se sentissem forçados a trabalhar com o Scratch por outras razões que não fossem a necessidade e o interesse (ainda que, naturalmente, se compreenda que a influência de se integrar e agradar terá estado presente, não sendo possível, com os dados disponíveis, destrinçar até onde a produção se relacionou intrinsecamente com a vontade do aluno, ou com o desejo de corresponder às expectativas da professora). Todavia, quando os alunos decidiam apresentar trabalhos de natureza obrigatória feitos em casa, escolhendo o suporte Scratch, o trabalho era avaliado com os critérios estabelecidos para outros suportes: conteúdo (correcção científica, correcção ortográfica, grau de desenvolvimento...) e forma (criatividade na apresentação gráfica, ...). Desde cedo os alunos puderam comprovar a verdade da informação, uma vez que alguns deles obtiveram os níveis mais elevados (quatro e cinco) na avaliação do 2.º período, mesmo tendo publicado poucos projectos ou apenas projectos simples com incorrecções. 126 Figura 16. Grau de complexidade dos projectos Scratch dos alunos comparado com as avaliações no final do ano lectivo de 2007/2008 Avançados = 21 ( 9% ) Básicos complexos= 32 ( 14% ) Número e percentagem de projectos por grau de complexidade (2007/2008) Total: 235 Exploratórios = 71 ( 30% ) Básicos = 111 ( 47% ) Figura 17. Número e percentagem de projectos por grau de complexidade 127 90 Distribuição de projectos publicados ao longo do tempo Número de projectos publicados 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 7 Mês de 2008 - Janeiro (1) a Junho (6) Figura 18. Distribuição de projectos publicados ao longo do tempo (a tracejado representa-se a linha de tendência) Distribuição no tempo de projectos publicados por aluno (2007/2008) 30 25 JUN MAI ABR 15 MAR FEV 10 JAN 5 Número de projectos Figura 19. Distribuição no tempo dos projectos publicados por aluno Nali Lag Bug Piria Laim Nalim Frus Ebir Dama Gong Cinip Sereia Zang Pali Cob Arqui Kit Vizi 0 Aiba Aluno 20 128 70 Distribuição de projectos publicados ao longo do tempo e por grau de complexidade (% por mês) 60 E - exploratório Projectos publicados (%) B - básico B+ - básico complexo 50 A - avançado 40 30 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 7 Mês de 2008 - Janeiro (1) a Junho (6) Figura 20. Distribuição de projectos publicados ao longo do tempo e por grau de complexidade (a tracejado estão representadas as linhas de tendência) Nas Figuras 17 a 20 podem destacar-se vários aspectos que merecem reflexão. A percentagem de projectos classificados como avançados é reduzida, sendo a produção dominada pelos projectos classificados como Básicos (mais e menos complexos). A brusca descida verificada em Março coincidiu com as férias da Páscoa. A produção reduziu-se bastante nessa altura e o mesmo veio a acontecer nas férias do Verão. Surgiram apenas alguns projectos (menos de seis e apenas de uma aluna – Sereia) pouco depois das aulas acabarem e, novamente, um pouco antes das aulas recomeçarem em Setembro a Aiba publicou um projecto. Alguns alunos tiveram uma produção bastante irregular ao longo do ano lectivo de 2007/2008, iniciando com entusiasmo e quase parando a partir de certa altura, retomando ou não a produção quase no final do ano lectivo. Outros, não aderiram com entusiasmo desde o início, mas manifestaram algum interesse a partir do terceiro período. Alguns alunos nunca manifestaram interesse pelas actividades durante todo o ano lectivo. A distribuição de projectos publicados ao longo do tempo, por grau de complexidade (Figura 20), revela dois tipos de características: flutuações mais ou menos acentuadas (relativamente) e declives positivos ou negativos (aumento ou decréscimo global da produção de projectos em termos percentuais). Os projectos classificados como Básicos – menos complexos – (produzidos em maior quantidade) começaram com valores relativamente elevados e descresceram tendencialmente com o tempo. Os projectos Exploratórios apresentam uma variação acentuada, mas também decresceram tendencialmente com o 129 tempo. Os projectos Básicos+ cresceram consistentemente com o tempo, sendo a tendência semelhante à dos projectos classificados como Avançados, embora com um declive menor do que os Básicos+. Este tipo de distribuição não apresenta diferenças muito significativas de tendência e evolução da produção dos alunos, ao longo do tempo, em comparação com resultados absolutos e relativos obtidos numa análise semelhante de projectos, também produzidos num intervalo de seis meses de Janeiro a Junho (Kafai et al., 2006), se tivermos em conta a criação de duas categorias de projectos Básicos (mais e menos complexos) em que os mais complexos (crescem ao longo do tempo) podem ter alguma aproximação ao comportamento dos Avançados. Juntando os valores B com B+ e refazendo o gráfico (Anexo XXXVI), tendo em vista a comparação com os dados de Kafai et al. (2006), verifica-se uma tendência de subida dos Básicos (tomados globalmente) ao contrário de Kafai et al. (2006) onde a tendência é de descida. O Quadro 39, em que se comparam os resultados globais deste estudo com os de Kafai et al. (2006), parece revelar que, apesar de tudo, existe mais afinidade de classificação entre B e B+, do que entre B+ e A (Anexo XXXVI), apesar de alguns B+ poderem estar a funcionar como projectos Avançados na análise das tendências . Existem, todavia, aspectos distintos entre as duas experiências que devem ser salientados para melhor compreender as eventuais semelhanças e naturais diferenças. Por um lado, enquanto a Turma X era constituída por 19 alunos (10 e 11 anos), a amostra de Kafai et al. (2006) era constituída por cerca de 75 jovens identificados, entre os oito e os 18 anos. Essa indicação não consta no artigo, mas solicitei-a a uma das autoras e fui informada de que em cerca de 20% dos projectos não foi possível na altura identificar os autores, havendo uma estimativa de cerca de 100 jovens que contribuiram para o conjunto analisado (embora os não identificados pudessem ser apenas membros esporádicos do espaço comunitário onde o estudo foi feito). Por outro lado, a Turma X trabalhou uma vez por semana (em dois momentos do dia – aula e clube) na Escola e depois em casa livremente, ao passo que os jovens da amostra de Kafai et al. (2006) trabalharam livremente, sem horário fixo e num espaço comunitário de actividades de ocupação de tempos livres (Computer Clubhouse). Na Turma X, com mediação regular, existiram propostas de trabalho ou sugestões mas sem metas curriculares, instrução formal, ou avaliação e classificação com consequências nas notas dos alunos. Na Computer Clubhouse também não existiram metas curriculares, instrução ou classificação, não tendo sido possível averiguar a motivação para a criação dos projectos, ou avaliar as importantes influências sociais e locais na produção e nas suas características. Importa referir que, à data do estudo de Kafai et al. (2006), apenas puderam 130 ser analisados os projectos gravados pelos alunos nos computadores, uma vez que a plataforma de partilha na Internet, que muito facilitou o presente estudo, não existia, tendo provavelmente escapado muitos projectos que não chegaram a ser gravados pelos seus autores na Computer Clubhouse. Seria interessante replicar estudos em condições distintas procurando perceber se a semelhança verificada foi casual, ou se a tendência de produção em diferentes contextos segue eventualmente um qualquer padrão (Quadro 39). Quadro 39. Comparação dos resultados obtidos na Turma X com os do estudo de Kafai et al. (2006) Grau de complexidade dos projectos Exploratórios Básicos Avançados Total Turma X Estudo de Kafai et al. (2006) 71 – 30% 147 – 61% 21 – 9% 235 72 – 30% 142 – 59% 26 – 11% 240 Podem avançar-se algumas interpretações para a distribuição dos projectos, por grau de complexidade, ao longo do tempo. Por um lado, os projectos Exploratórios (mais simples e rápidos de fazer) são mais comuns no início das actividades, tendendo a ser substituídos por projectos mais complexos (que demoram mais tempo a ser concretizados) embora com recaídas (muitos alunos, depois de gastarem bastante tempo com um projecto mais complexo, intercalam novamente com projectos Exploratórios simples e pessoais, normalmente relacionados com música ou ídolos, cartões de aniversário ou outros). Os projectos Básicos (em maior número, cerca de 50% do total) decrescem ao longo do tempo, enquanto os Básicos+ e os Avançados (em pequena quantidade – 14% e 9%) aumentam (de forma menos acentuada nos Avançados). O percurso lento de progresso, com projectos que demoram cada vez mais tempo a concluir, o trabalho em pares, a dificuldade em apoiar o trabalho dos alunos com mais condições para progredir, alguma imaturidade intelectual (nível etário médio provavelmente mais baixo na Turma X do que o das crianças e jovens da Computer Clubhouse – progressão mais lenta no domínio de competências de programação), podem ser algumas causas para o observado. Não é de excluir a possibilidade de concepção de alguns projectos Avançados, próximo do arranque das actividades, terem resultado da exploração de códigos alheios e cópia parcial de projectos (“remix”) de outros programadores da plataforma ScratchR. É ainda importante referir que no estudo de Kafai et al. (2006) se regista um pico 131 em Fevereiro (no presente estudo os picos são em Janeiro e Fevereiro) e uma descida acentuada em Abril (não interpretada no artigo) com pequena subida em Maio e novamente descida em direcção a Junho. No presente estudo a descida acentuada verifica-se em Março, com nova subida em Abril e, depois, descida regular até ao mês de Junho. Não conhecendo as condições da mediação e apoio prestados na Computer Clubhouse, nem a existência regular ou cíclica de mentores, mas comparando o estudo de Kafai et al. (2006) com outro de Kafai et al. (2007), parece acontecer algo semelhante em que a ausência de mediação e de possibilidade dos alunos se encontrarem e partilharem essas actividades uns com os outros, apoiando-se mutuamente, coincide com períodos de baixa produtividade. No presente estudo, as férias são o melhor indicador dessa ausência de mediação presencial e de contacto com os pares, associada à descida drástica de produção. Recordando o que já foi dito, apesar do ambiente estimulante, que motiva e propicia o trabalho autónomo, permite uma iniciação fácil e não implica o ensino formal de conceitos de programação, vários estudos feitos durante a concepção e desenvolvimento do Scratch relevam a importância da cooperação, da mediação e acompanhamento do trabalho dos jovens, sem a qual a evolução não acontece a um ritmo elevado, uma vez que existem conceitos de programação mais complexos que parecem só ser desenvolvidos com alguma orientação (Kafai, Peppler, Alavez e Ruvalcaba, 2006; Kafai, Peppler e Chiu, 2007; Peppler e Kafai, 2007a, 2007b, 2008; Maloney et al., 2008a, 2008b). Também é necessário referir que em algumas Computer Clubhouses foi testado um sistema de “recompensas” quando os jovens se envolviam em actividades de programação (que permitia acumular pontos - “dinheiro a brincar”, para adquirirem tempo para jogar jogos de computador). Tratava-se de uma espécie de estímulo (foram debatidos os efeitos negativos e positivos dessa prática) para “motivar” os jovens a praticar actividades mais complexas como é a programação que, provavelmente, não constituiriam a sua primeira escolha) (Peppler e Kafai, 2008). No acompanhamento de follow up (meses de Setembro de 2008 a Janeiro de 2009, inclusive) a produção dos alunos (agora apenas no clube, para os alunos inscritos, e em casa) encontra-se expressa no Quadro 40 (Anexo XIV). Este Quadro inclui igualmente os valores do ano lectivo 2007/2008 para ser mais fácil a comparação entre os dois momentos considerados. A quantidade de projectos publicados diminuiu para menos de metade: de 39,2 projectos por mês (235/6), passou-se para 15,4 projectos por mês (77/5), numa redução de 60,7%. Mas a redução deu-se sobretudo nos projectos Exploratórios (menos 93,2%), porque nos restantes, (Básicos, Básicos+ e Avançados), as reduções foram de 57%, 13,2% e 43%, respectivamente, pelo que se pode concluir que a turma não regrediu na qualidade, embora 132 também não tenha melhorado significativamente. No ano lectivo 2008/2009 o trabalho prosseguiu, pois, a um ritmo mais lento, com menor incidência de projectos exploratórios, maior maturidade e complexidade e evolução em alguns aspectos (reposicionamento do projecto no ponto inicial e utilização da comunicação “anunciar”), mas sem saltos qualitativos assinaláveis. Alguns alunos não voltaram a programar (caso de Vizi e Gong; outros reduziram de forma acentuada o ritmo de publicação: caso de Cob, que apenas fez um projecto, e de Ebir, que apenas em Janeiro retomou as actividades e se inscreveu no Clube, continuando depois a programar a um nível e qualidade que não atingiu no ano lectivo anterior – foi um dos alunos que pouco aderiu às actividades). Um dos melhores programadores, Zang, que nunca mais havia retomado as actividades de programação (deixou de ter Internet em casa e inscreveu-se no Clube apenas em Janeiro), apresentou o primeiro projecto de jogo envolvendo uma variável de contabilização de pontuação, com recurso a instruções condicionais, para além de outro mais simples, algo nunca feito antes na turma. Continuou a programar e a frequentar o Clube a partir dessa data a um ritmo lento. Como se verá mais à frende, a falta de recursos no Clube (insuficientes para que todos pudessem aceder frequentemente à experiência de trabalho mais individualizado) e o funcionamento irregular da Internet, bem como outras dificuldades relacionadas com hardware e software, condicionaram também, de forma negativa, as actividades ali realizadas uma vez por semana (pouco mais de uma hora). 133 Quadro 40. Classificação dos projectos em 2007/2008 e 2008/2009 (Fernando Frederico, Anexo XIV) Nomes Aiba Ano Lectivo 2007/2008 (6 meses) Ano Lectivo 2008/2009 (5 meses) E B B+ 0 1 2 A Soma Total global 2 5 22 14 E B B+ A Soma 3 9 1 4 17 0 1 0 1 2 0 3 10 Kit 2 7 1 2 12 Arqui 3 3 1 0 7 0 1 2 Cob 0 6 1 5 12 0 1 1 0 2 14 Vizi 0 0 2 0 2 0 0 0 0 0 2 Pali 2 7 2 0 11 2 1 3 0 6 17 Zang 3 13 2 6 24 0 1 0 1 2 26 Sereia 3 6 4 1 14 0 0 3 1 4 18 Cinip 2 3 0 0 5 2 4 0 0 6 11 Gong 3 3 1 0 7 0 0 0 0 0 7 Dama 2 6 5 0 13 0 4 2 2 8 21 Ebir 4 1 0 0 5 0 0 1 0 1 6 Frus 6 6 5 1 18 0 2 1 0 3 21 Nalim 2 13 3 0 18 0 1 4 1 6 24 Laim 0 4 1 0 5 0 1 0 1 2 7 Piria 11 10 1 1 23 0 6 4 1 11 34 Bug 20 5 0 1 26 0 9 0 0 9 35 Lag 3 3 2 0 8 0 1 0 0 1 9 Nali 2 6 0 0 8 0 6 0 0 6 14 71 111 32 21 235 4 40 23 10 77 312 Total O trabalho de construção dos projectos (2007/2008) permitiu a abordagem de conceitos previstos e não previstos no programa de estudos do 5.º ano. Os conteúdos emergiram de forma directamente relacionada com a utilização dos conceitos e comandos de programação que criam um contexto construcionista fértil, propício ao desenvolvimento de competências matemáticas (Papert, 1980, 1993, 1997). Trata-se de uma aprendizagem inerente à utilização de uma linguagem de programação em geral, e desta em particular, com o raciocínio lógico sempre presente. Os conceitos matemáticos emergiram também de forma indirecta através da necessidade gerada pela concretização das propostas de trabalho e sugestões feitas aos alunos (não apenas na disciplina de Matemática, mas também em Ciências da Natureza), ou das suas iniciativas pessoais e dos percursos feitos por estes para lhes dar resposta. Retoma-se aqui o Quadro 3 da página 30 (Síntese de conceitos de programação explorados no Scratch – documento completo no Anexo IV - documento original do MIT 134 Media Lab - tradução de Fausto de Carvalho – PT Inov.) acrescido de alguns dos conceitos e competências trabalhados pelos alunos (Quadro 41). Toma-se como referência de apoio na indicação de domínios e conceitos matemáticos a Figura 15 da página 101 - Mapa integrador de apoio ao trabalho do professor de Matemática. Alguns dos conceitos trabalhados intencionalmente (com todos os alunos) não previstos no plano de estudo do 5.º ano foram: ângulos internos, externos e suplementares e gráfico cartesiano – coordenadas no plano, números relativos (abordagem superficial). A propósito de alguns percursos e projectos individuais dos alunos foram abordados conceitos como o de percentagem, variáveis e operações com números relativos. Durante o trabalho não acompanhado nem observado directamente no processo de construção, poderão ter sido aflorados pontualmente sem formalização, de forma prática, intuitiva e não explícita, outros conceitos. Algumas das propostas de trabalho que conduziram às aprendizagens a que fiz referência foram já descritas previamente. As mais significativas relacionaram-se com a construção de polígonos (envolvendo o trabalho com ângulos), a modelação do problema do caracol e os projectos em torno das fracções. Ao trabalho de exploração prática seguiam-se geralmente aulas de sistematização e formalização e de prática procedimental. A unidade do programa referente à análise de dados foi trabalhada com a proposta de reflectirem sobre os trabalhos publicados na plataforma por cada um: número de projectos publicados, visualizações, transferências, pareceres favoráveis (“Adorei”), comentários e outros aspectos. Solicitei a representação gráfica dos dados e relatório com ensaio de interpretação da informação recolhida. 135 Quadro 41. Síntese de conceitos e competências de programação explorados no Scratch e competências e conceitos matemáticos trabalhados na Turma X. Scratch: Competências e Conceitos de Programação e algumas competências e conceitos matemáticos trabalhados Competências para resolução de problemas e para a concepção de projectos - raciocínio lógico - decomposição de problemas complexos em partes mais simples - identificação e eliminação de erros - desenvolvimento de ideias, desde a concepção até à concretização do projecto - concentração e perseverança Noções básicas sobre computadores e programação - os programas indicam ao computador exactamente o que deve ser feito, passo por passo. - criar programas para computador em Scratch não exige perícia especial, apenas raciocínio claro e cuidadoso Conceitos específicos de programação: Sequência, iteração(ciclos), instruções condicionais, variáveis, execução paralela, sincronização, interacção em tempo real, lógica boleana, números aleatórios, gestão de eventos, desenho de interface do utilizador, estruturas de dados. Sequência - Para criar um programa Scratch é preciso pensar de forma sistemática na ordem de execução das instruções. No estabelecimento de prioridades de cálculo (expressões numéricas), ou de passos de resolução de um problema, o entendimento desta ideia de prioridade trabalhado com as sequências é fundamental. Iteração (ciclos) e também sequências - repete e para sempre podem usar-se para repetir um bloco de instruções. Operação multiplicação (adição de parcelas idênticas). Todas as operações - Números e cálculo (primeira abordagem aos números racionais e ao conceito de percentagem – comandos que permitem redução e ampliação), Medida, Geometria e Álgebra (uma vez que a sequência de instruções combinadas que se repete nos ciclos pode ser de qualquer natureza ou domínio matemático). Alguns aspectos trabalhados pelos alunos: movimento obtido com recurso à variação das coordenadas (posição de um ponto no plano); movimento linear obtido com recurso a um valor inteiro ou fraccionário, ângulos internos e externos, ângulos suplementares; combinação dos ângulos com movimento linear para obtenção de “linhas curvas”); tempo (valor inteiro ou fraccionário), velocidade, direcção, sentido... Gestão de eventos e desenho de interface do utilizador – resposta a eventos despoletados pelo utilizador ou por outra secção de um programa e desenho de interfaces de utilizador interactivas – por exemplo usando sprites clicáveis para criar botões. Mesmo projectos que não ilustram directamente conceitos matemáticos usamnos. O controlo de gráficos e eventos pode ser uma actividade matemática intensa que envolve conceitos diversos, dependendo do contexto e da situação. Para a construção de histórias e diálogos, por exemplo, os alunos necessitam de controlar os tempos e momentos de intervenção fazendo, por sua iniciativa, os cálculos necessários. Para conceber alguns cenários propostos foi necessário recorrer às coordenadas no plano e descobrir modos de garantir o rigor de determinadas distâncias. 136 (b) Relação afectiva dos alunos com a disciplina de Matemática, com a actividade de resolução de problemas (representações e crenças) e percepção sobre o seu desempenho nesta disciplina De acordo com a Figura 21, na Turma X a relação com a Matemática parece ter melhorado e na Escola não apresentou alteração significativa entre o pré-teste e o pós-teste. Escola - Relação com a Matemática (pós-teste) 80 Turma X Relação com a Matemática (pós-teste) Escola vs Turma X (pré-teste e pós-teste) Relação com a Matemática Turma X Relação com a Matemática (pré-teste) 70 Escola - Relação com a Matemática (pré-teste) Alunos (%) 60 50 40 30 20 10 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 21. Relação com a Matemática – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) Nas Figuras 22 a 24 pode constatar-se que as mudanças ocorridas na Escola relativamente à relação com a Matemática e com a resolução de problemas não são significativas entre o início e o final do ano lectivo, mantendo-se a diferença, com desvantagem para a relação com a resolução de problemas. Já na Turma X verificaram-se algumas oscilações que parecem apontar para uma melhoria global da relação dos alunos com a disciplina e com a actividade mencionada, sendo que a relação com a resolução de problemas surge com valores acima dos da relação com a Matemática nos pontos intermédios (gosto e gosto muito). As justificações da Questão 1 (Quadro 42) que apresentavam disparidades no pré-teste, uniformizam-se no pós-teste decrescendo as referências a ambas as categorias e recorrendo-se a outros argumentos menos específicos onde essas categorias não podem ser identificadas (exemplos: “é uma disciplina que não é fácil de perceber, por isso tem de se praticar e eu gosto disso”, “acho que a professora explica de maneiras divertidas e 137 me empenhei para ter bons resultados... e porque agora a Matemática é mais misteriosa”, “porque a Matemática é como um livro aberto a folhear páginas de sabedoria”...) Quadro 42. Justificações da Questão 1 (Relação com a Matemática: pré-teste e pós-teste ) Incidência de referências nas categorias de análise Pré-teste Categorias Procedimentos e conceitos Resolução de Problemas e Raciocínio Escola 40% 19% Turma X 62% 38% (pré-teste e pós-teste) Escola - Relação com os problemas (pré-teste) 70 Pós-teste Turma X 13% 13% Escola Escola - Relação com a Matemática (pré-teste) 80 Escola 21% 15% Escola - Relação com a Matemática (pós-teste) Relação com a Matemática Relação com os problemas Escola - Relação com os problemas (pós-teste Alunos (%) 60 50 40 30 20 10 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Ador o Figura 22. Relação com a Matemática e com os problemas – Escola (pré-teste e pós-teste) 138 80 Turma X Relação com a Matemática (pré-teste) (pré-teste e pós-teste) Relação com os problemas (pré-teste) Relação com a Matemática Relação com os problemas Relação com a Matemática (pós-teste) Relação com os problemas (pós-teste) 70 Alunos (%) 60 50 40 30 20 10 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 23. Relação com a Matemática e com os problemas – Turma X (pré-teste e pós-teste) Escola vs Turma X (pós-teste) Relação com a Matemática Relação com os problemas 80 Escola - Relação com a Matemática (pós-teste) 70 Escola - Relação com os problemas (pós-teste) 60 Turma X Relação com a Matemática (pós-teste) Alunos (%) Turma X Relação com os problemas (pós-teste) 50 40 30 20 10 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 24. Relação com a Matemática e com os problemas – Escola e Turma X (pós-teste) Na análise de conteúdo da justificação à Questão (5 no pré-teste e 6 no pós-teste) sobre a relação com a resolução de problemas, as respostas distribuiram-se pelas categorias já referidas antes (a propósito da apresentação de dados do pré-teste), como indicado no Quadro 43. 139 Quadro 43. Justificações das questões sobre a relação com a actividade de resolução de problemas (5 no pré-teste Q1 e 6 no pós-teste Q2) - Incidência de referências nas categorias de análise Categorias Relação afectiva, descoberta, desafio Grau de compreensão e dificuldade, sucesso Pré-teste Escola Turma X 58% 88% 39% 44% Pós-teste Escola Turma X 51% 81% 46% 31% A segunda categoria, tal como foi previamente referido, inclui a maioria dos alunos que revelam alguns problemas na relação com a resolução de problemas – detesto, não gosto – enquanto a primeira inclui a maioria dos que dizem gostar muito ou adorar resolver problemas (ver Quadro 43). A atribuição do nível intermédio (gosto) distribui-se de forma semelhante pelas duas categorias. Não existem diferenças significativas entre a Escola e a Turma X no pré-teste e no pós-teste. A evolução da relação com a resolução de problemas é importante do ponto de vista do estudo, tendo-se procurado caracterizá-la segundo várias perspectivas, utilizando para isso não apenas os questionários escritos mas também as entrevistas que permitiram aprofundar, pela voz dos alunos, alguns aspectos relevantes relacionados com a utilização da ferramenta Scratch. Nas Figuras 25 e 26 optei por uma forma diferente de apresentar os dados (também representados na Figura 27 em conjunto) para mais facilmente se visualizarem as diferenças entre a Escola e a Turma X. Uma das alunas da Turma X, que nunca gostou de resolver problemas, não o assumiu de forma clara no início do ano, mas foi possível obter no pós-teste uma resposta mais ajustada ao seu real sentimento (“detesto”). Esta aluna fez progressos na prática da resolução de problemas, teve um desempenho sempre Bom, mas manteve o bloqueio e o medo associados a esta actividade (verbalizando-os ao longo do ano) e assumiu o “detesto” no pós-teste (questionário Q2). Percebe-se nos gráficos a quase invariância de valores na Escola, por oposição à Turma X que, como se disse, melhorou globalmente a sua relação com esta actividade. 140 35 31 30 25 25 Relação com os problemas 25 25 Alunos (%) 29 28 Escola vs Turma X (pré-teste) Escola - Relação com os problemas (pré-teste) 19 20 19 Turma X Relação com os problemas (pré-teste) 15 10 9 5 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 25. Relação com os problemas – Escola vs Turma X (pré-teste) 40 Escola vs Turma X (pós-teste) 38 35 31 30 30 Relação com os problemas Alunos (%) 30 25 25 Escola - Relação com os problemas (pós-teste) 22 19 20 Turma X Relação com os problemas (pós-teste) 15 10 5 9 6 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 26. Relação com os problemas – Escola vs Turma X (pós-teste) 141 Escola - Relação com os problemas (pós-teste) 80 Turma X Relação com os problemas (pós-teste) Escola vs Turma X (pré-teste e pós-teste) Relação com os problemas Turma X Relação com os problemas (pré-teste) 70 Escola - Relação com os problemas (pré-teste) Alunos (%) 60 50 40 30 20 10 0 Detesto Não gosto Gosto Gosto muito Adoro Figura 27. Relação com os problemas – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) Pareceu-me importante completar a informação com o conhecimento da visão que os alunos tinham sobre o que era para si “um problema” de forma a compreender melhor a percepção expressa nos questionários e entrevistas. No Anexo XXXVII podem encontrar-se as respostas dadas em Junho à questão “O que é um problema?”. A maioria identifica problema como algo (dados, situação, coisa, desafio...) que tem de ser resolvido, existindo entre as definições alguns juízos de valor como: poderem ser “fáceis ou difíceis”, “divertidos” ou “algo que muitos meninos não gostam”. No Quadro 44 pode apreciar-se a diferença entre as respostas dadas pelos alunos da Turma X relativamente à forma como se relacionavam com a resolução de problemas (valor atribuído e justificação) antes e depois da experiência de utilização da ferramenta Scratch. 142 Quadro 44. Comparação da relação dos alunos da Turma X com a resolução de problemas: préteste vs pós-teste Aluno Aiba Kit Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Cinip Gong Dama Ebir Frus Nalim Laim Piria Bug Lag Nali Q1 - Novembro Q2 - Junho 3 - Porque é giro descobrir as soluções às vezes com dificuldade, mas é giro. 2 – Não gosto porque não percebo o que o problema quer dizer. 3 – Porque melhora a minha capacidade de estudo. 4 – Porque sempre gostei de pensar. 5 – Porque nos faz puxar pela cabeça. 3 – Eu gosto mas mais ou menos porque alguns problemas são mais difíceis e eu acabo por não resolver bem ou mesmo fico sem conseguir resolver. 4 – Porque uns são mais fáceis e gosto de os resolver. 2 – Acho que os problemas são muito complicados e depois aborrece-me de não conseguir resolver. 1 – Eu detesto resolver problemas porque é difícil, fico com a cabeça muito baralhada e fico muito nervosa. 4 – É giro e parece um jogo. 5 – Nunca tive problemas com os problemas. 5 – Gosto de todos, só não simpatizo com os de áreas 2 – A razão é que os problemas são chatos de resolver. 5 - Porque eu adoro fazer contas e os problemas envolvem sempre contas. 2 – Não gosto dos problemas das áreas e não gosto. 4 – É divertido e os problemas vão sempre dar a um jogo. 3 – Porque tenho dificuldade nos problemas. 4 – Porque eu gosto de enigmas e os problemas são parecidos com os enigmas. 3 – Eu achava que era divertido e ainda acho. 3 – Eu apenas gosto porque às vezes fico nervosa por não os conseguir resolver 1 – Não gosto muito de problemas, de resolver problemas. 4 – Gosto de todos os problemas. 4 – Porque sempre gostei de puxar pela cabeça. 4 – São engraçados. 3 – Sempre tive algumas dificuldades, mas não gostava muito, resolvia. Mas desde que entrei no 5º ano descobri que os problemas não são nenhum “bicho-de-sete-cabeças”. 4 – Acho-os engraçados, divertidos e giros. 3 – Acho giro estar a resolver as operações e chegar à resposta. 3 – Porque também é um desafio e eu gosto de desafios. 4 – Porque domino bem a resolução de problemas. 5 – Gosto dos desafios que os problemas me dão. 5 – Gosto de os descobrir, ver através deles. 4 – Porque em alguns problemas da Matemática existem mistérios que nós temos de descobrir. 5 – Acho que nos faz pensar muito e assim ficamos com a Matemática bem estudada e também faz bem pensar. 3 – Antes não gostava, mas agora gosto mais e já acho mais fáceis. 3 – Tenho alguma dificuldade em resolver problemas. 5 – Porque agora tenho o Scratch e não vejo os problemas como coisas tão complicadas. 5 – Porque gosto de resolver enigmas e para mim problemas é como se fosse um enigma. 3 – Gosto porque é divertido Legenda: 1 - Detesto; 2 - Não gosto; 3 - Gosto; 4 - Gosto muito; 5 - Adoro Na entrevista feita em Junho propôs-se aos alunos que reflectissem sobre a resolução de problemas (por que razão algumas pessoas gostam e outras não, e o que diriam a um irmão 143 mais novo, que vai entrar na sua escola, sobre os problemas e o Scratch). Nas respostas (Anexos XXII e XXIII) os alunos referem frequentemente possuir uma percepção positiva da actividade com o Scratch e da influência que ela pode ter tido no seu gosto pela resolução de problemas. Na Questão sobre o que diriam a um irmão mais novo, 13 dos 19 alunos afirmam acreditar que o Scratch influenciou positivamente o seu gosto e aprendizagem da resolução de problemas; num aluno falhou essa Questão durante a entrevista; dois alunos dizem não ter a certeza se existiu influência; duas respostas são confusas; e uma aluna diz apenas que “se tivesse um irmão mais novo punha-o já a trabalhar com o Scratch... porque gosto de mostrar às outras pessoas as coisas de que gosto”. Na Questão dirigida aos sentimentos sobre a resolução de problemas é feito um número significativo de referências positivas (Quadro 45), embora se perceba que alguns alunos (cinco) já gostassem de resolver problemas antes, três não tenham a certeza ou não acreditem que o Scratch pode ajudar a gostar, a aprender mais e a perder o receio. 144 Quadro 45. Excertos das respostas dos alunos sobre a resolução de problemas (entrevista) Aluno Aiba Kit Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Cinip Gong Dama Excertos Eu sinceramente não gostava muito de resolver problemas... E agora... eu acho que como é no Scratch, vamos fazendo mil e um esquemas no computador, vamos fazendo, vamos investigando e passado um bocadinho vemos que a resposta está mesmo ali à nossa frente... ... Não acho que o Scratch tenha ajudado a deixar de ter medo... ... Sempre gostei de resolver problemas. ... Gosto de resolver problemas... O Scratch é uma espécie de problemas que a gente tem de resolver de cada vez que faz um projecto... temos que ir pensando como é que se faz e ir evoluindo... até à conclusão, que é o projecto já feito... no Scratch normalmente vai-nos surgindo problemas e a gente tem que tentar resolvê-los e se não conseguirmos não conseguimos acabar os projectos... e assim pode ser que comecemos a gostar mais de resolver problemas... ... Eu nunca gostei assim muito de resolver os problemas... Agora já não... a partir do quinto, este ano, ainda tive um bocadinho de vergonha de responder à frente dos outros... A mim o Scratch ajudou-me, eu acho que a mim como pessoa ajudou-me nos problemas... mas não sei... porque depende da pessoa se gosta mais de resolver problemas, se tem mais dificuldades ou menos... depende de cada pessoa, não sei se depende do Scratch. Uns se calhar não gostam porque se calhar não gostam de matemática... não há mal, ninguém é obrigado a gostar de uma coisa... cada um tem o seu interesse... ... depende dos problemas, mas sim, gosto de resolver. Os mais fáceis são aqueles que eu menos gosto. Eu gosto de fazer problemas. Mas ao princípio do ano não gostava assim lá muito... porque achava dificuldade nos problemas... ou eu conseguia resolver... percebia o problema... mas depois não conseguia pô-lo em conta... Mas agora já consigo melhor resolver problemas... já... vêm-me logo as contas à cabeça dos problemas... mas há outros que não... que ainda tenho que estar ali a pensar e a tentar resolver... da primeira vez que vim para o quinto ano e a professora fez-nos aquele questionário... eu respondi que não gostava assim lá muito de problemas... mas agora já respondi que gostava mais de problemas... Eu acho que foi as duas coisas... eu também cresci muito em vir para o quinto ano... mas também acho que o Scratch e os problemas que eu ia resolvendo, as contas que eu ia fazendo, acho que também me ajudou a puxar mais pela cabeça depois para os meus problemas já não sentir assim tanta dificuldade. Eu para mim acho que dei algumas coisas mais interessantes do que do quarto ano... gostei mais de dar... não sei se foi por causa do Scratch, se calhar até foi, o que eu senti mais diferente... é o Scratch. O que aprendi com o Scratch foi a resolver os problemas, depois fui aprendendo com as aulas... Nas expressões numéricas o Scratch ajudou porque eu fiz aquele projecto... fui ao livro, fui pesquisar coisas, escrevi, estive a pensar... Isso é mais o que eu sinto, não gostar muito... Agora já gosto mais... Não gosto... mas dantes detestava ter problemas à frente! Dantes no primeiro ciclo não gostava tanto... agora gosto mais porque não era tão bom, não sabia fazer tão bem, depende dos problemas... Entendi melhor, percebia melhor o que é que era um problema que era para fazer na altura depois por acaso, gostava mais mas, por exemplo, agora no fim do quarto ano todos os testes que tive problemas, tive muito bom... Não sei porquê porque se calhar estava no final já tinha mais conhecimentos sobre o problema e já vim para aqui com mais conhecimentos e mesmo assim não sou ainda muito, muito bom a fazer... mas sou bom... sei fazer, sai mal , sai bem... Eu gosto muito porque percebo, dá para me pôr à prova a mim própria, ver o que é que eu sei e o que é que eu não sei, ver o que é que tenho de fazer... experimentar várias coisas.. ver muitas coisas mesmo... dá para ver se consigo tentar resolver ao máximo, especialmente os mais difíceis são os mais engraçados, porque têm de se fazer mais cálculos e aquilo depois fica uma misturada toda e mesmo assim às vezes consigo ter certo... O Scratch ajudou-me a compreender melhor a Matemática, apesar de eu já gostar muito dela, ainda me fez com que eu gostasse ainda mais, ou seja... de um a cinco, eu dava seis. Gosto de pensar... Com o Scratch aprendemos várias coisas de Matemática... como eu já disse há bocado, consegue-se resolver problemas que no papel são mais difíceis... É divertido trabalhar no Scratch e ao trabalharmos no Scratch resolvemos problemas ou seja... gostamos mais de os resolver. Uma pessoa que não goste de problemas não vai ficar muito contente, mas depois vai começar a gostar um bocadinho mais... Porque aquilo é com computadores... é uma espécie de jogo... aquilo ao brincarmos estamos a aprender e depois sabemos muitas coisas. Ebir ... O Scratch é um programa em que temos de pensar, raciocinar, saber fazer contas... e pode ajudar muito. Eu também passei a gostar mais... dantes não gostava muito... gostava bastante, mas não adorava... 145 Frus É que eu já não gostei de problemas e passei a gostar. Porque os que não gostam fazem do problema um problema mesmo e os que gostam não têm medo, vêem-no bem, procuram nele as coisas que é mesmo preciso e... procuram as coisas que é preciso. Eu não gostava quando fazia dos problemas um problema. Desde quando entrei para o quinto ano não gostava de problemas, comecei a perceber os problemas e a conseguir resolvê-los melhor e depois como os conseguia resolver, também me motivava mais. Fazer dos problemas um problema é ter medo do problema... A Matemática do quinto é mais complicada só que gosto mais... acho mais divertida... tem mais problemas. Nalim ...Quem gosta é um desafio, mas tenho que pensar no que lá tenho. É uma aventura. Eu gosto de resolver problemas. O que gosto mais é ter o raciocínio correcto...No Scratch estou a fazer um projecto, aparece-me uma coisa que eu não sei fazer à frente... então... eu... isso é um problema... Tento resolver. E vou pedindo a ajuda da professora, se ela der. Mas às vezes ela não dá, temos de pensar. Pelo menos puxa pela cabeça. Faz bem. É bom puxar pela cabeça. Laim Eu quando não gostava de problemas dizia: “eu detesto problemas, não consigo resolver isto, é uma seca, porquê, não consigo, não dá, isto não vai dar resultado certo, não percebo!”, sentimos: “que raiva, não consigo!”, mas depois quando se começa a gostar é porque gostamos mais e conseguimos resolver melhor quando se começa a gostar. Começa-se a resolver melhor e depois começa-se a gostar. Porque eu comecei a trabalhar com o Scratch e achei que isso me desenvolveu muito, o pensamento, a cabeça... Ter melhor raciocínio. ... sentia raiva porque nunca conseguia resolver os problemas e agora já consigo resolver melhor, gosto mais. Gosto e não gosto mais ou menos dos problemas. Por exemplo, no 4.º ano já não gostava nada de Matemática, mas agora, com o 5.º ano, gosto mais...Se calhar, porque esta matéria é mais gira... Piria Bug Lag Nali Alguns podem ter medo de errar e de os outros gozarem... isso não é o problema da nossa turma, podem ter vergonha, coisas assim ou podem então mesmo não gostar mesmo de fazer os problemas e os que gostam podem simplesmente, por exemplo, usar as ideias do Scratch, por exemplo como fui eu no teste. A professora disse para dividir o problema do Scratch porque havia aqui um... daquilo do caracol... e eu dividi o problema... lembrei-me de dividir o problema da área da sala do capítulo... E eu separei, dividi o rectângulo, depois dividi o quadradinho, dividi não, calculei a área e depois juntei as duas áreas e deu logo a área certa! Os que gostam devem sentir assim uma capacidade de assim... eu consigo, eu consigo, hum... eu consigo, eu consigo...Depois acabam por conseguir e pensam no Scratch e vêem os problemas como se fosse o Scratch e assim conseguem resolver problemas... O Scratch pode fazer ou não gostar mais de problemas. Porque ele pode ver os problemas como o Scratch, dividi-los como no Scratch, ou então pode não gostar muito como, por exemplo, se ele gostar muito do Scratch vai conseguir ter uma boa resolução de problemas ou às vezes mais ou menos, mas pode pensar um bocadinho e ver se no Scratch eu faço assim aqui também posso fazer. Gostei mais do 5.º porque eu gosto muito de resolver problemas e no 5.º há mais do que no 4.º...Com o Scratch aprendi a dominar melhor os problemas e aprendi algumas vezes a escrever melhor porque acho que às vezes dava muitos erros e agora já não dou tantos erros. Habituamo-mos a fazer problemas e começamos a gostar mais porque não temos outro caminho, sem ser resolver isso ou então paramos o projecto todo.Eu não parava porque eu quero continuar o projecto. Uma pessoa que não gostasse não ficava agostar mais porque não gostava e então não queria. Eu gosto... não é desgosto nem gosto... gosto... Há o não gosto, o gosto e o adoro... e eu gosto. Porque leio o enunciado e não consigo ver na minha cabeça como é que se faz. Fico um bocadinho aborrecida de não conseguir resolver...Agora gosto mais. Antes não gostava tanto de Matemática porque era o que fazíamos nas aulas... era contas e depois fichas e depois falar... Agora é mais divertido porque tem os computadores, porque tem... porque há mais coisas... Aprendi a utilizar a ferramenta, é uma maneira de estudar, de fazer exercícios, por exemplo Matemática, Ciências... tentar fazer projectos com que se aprenda, ou então coisas que sejam divertidas, só para divertir...Que gostava mais de resolver problemas... é mais giro, porque é no Scratch... é diferente, é mais interactivo. É melhor porque podemos resolver problemas no computador, podemos pôr os bonequinhos a ensinar e essas coisas... é mais giro. Na Figura 28 apresenta-se a evolução da percepção dos alunos sobre o seu desempenho (“O que a Matemática diz de mim” - Escola e Turma X - questionários Q1 e Q2). Na Turma X a percepção do desempenho, embora tenha subido nos valores Médio e Bom, desceu significativamente no Muito Bom. Na Escola a percepção do desempenho subiu no valor Médio e desceu nos valores Bom e Muito Bom. As diferenças na percepção do desempenho são significativas no valor Médio (valores mais altos para a Escola) e no Bom 146 (valores mais altos para Turma X). Relativamente ao Muito Bom o pós-teste revela que os valores iniciais da Turma X se aproximam dos da Escola no pós-teste. Escola vs Turma X (pré-teste e pós-teste) O que a Matemática diz sobre mim 70 Escola - O que a Matemática diz sobre mim (pré-teste) Turma X O que a Matemática diz sobre mim (pré-teste) 60 Escola - O que a Matemática diz sobre mim (pós-teste) Turma X O que a Matemática diz sobre mim (pós-teste) Alunos (%) 50 40 30 20 10 0 Muito Fraco (E) Fraco (D) Médio (C) Bom (B) Muito Bom (A) Figura 28. O que a Matemática diz sobre mim – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) A análise de conteúdo das justificações da Questão “o que a Matemática diz sobre mim” (4 no pré-teste Q1 e 5 no pós-teste Q2) revelou cinco categorias onde podem ser incluídas as fundamentações das escolhas dos alunos (Quadro 46). Na categoria “sucesso” não se verificam diferenças significativas entre o pré-teste e o pós-teste. Na categoria “comportamento” a turma X valorizou mais esse aspecto no pós-teste, descendo um pouco as referências à “relação afectiva”. Tanto a Escola como a Turma X passaram a valorizar mais o “empenho e estudo” e menos a “compreensão” nas justificações das respostas. Quadro 46. Justificações da Questão “O que a Matemática diz sobre mim” (4 no pré-teste e 5 no pós-teste) - Incidência de referências nas categorias de análise Categorias Sucesso Comportamento Relação afectiva Empenho e estudo Compreensão Escola 47% 7% 14% 9% 32% Pré-teste Turma X 63% 0% 25% 13% 25% Pós-teste Escola Turma X 54% 56% 9% 19% 11% 19% 21% 38% 16% 13% 147 Foi também feita a análise de conteúdo da Questão “O que mais gosto e o que menos gosto de fazer em Matemática” (3 no pré-teste e 4 no pós-teste) e da Questão 6 do pré-teste (Escreve o que é para ti a Matemática) e Questão 8 (Escreve uma carta a um ser de outro planeta explicando o que é a Matemática), utilizando para esse efeito as mesmas categorias já utilizadas na análise das justificações da Questão 1 (Procedimentos e conceitos e Resolução de Problemas e raciocínio). Na Questão 3 (e 4) acrescentaram-se duas categorias expressivas suscitadas pelas respostas dos alunos (“tudo” e “nada”) por serem bons indicadores do sentimento deles. No Quadro 47 verifica-se que as referências aos procedimentos e conceitos (gosto mais e gosto menos) descem no pós-teste, tanto para a Turma X como para a Escola. Salienta-se que, embora as referências à resolução de problemas e raciocínio desçam no pósteste em ambas as amostras, a Turma X continua a gostar mais de resolver problemas do que a Escola e reduziu significativamente as referências a este domínio no “gosto menos” – no pré-teste a Turma X tinha 44% de referências à resolução de problemas contra 37% da Escola e, no pós-teste, passa apenas a ter 13% de referências contra 32% da Escola, parecendo revelar mais adesão a este tipo de actividades. A referência ao “gosto de tudo” passa de 19% na Turma X para 38%, enquanto que na Escola se mantém constante e em valores significativamente mais baixos (8% e 9%). Esse aparente maior gosto pela disciplina traduzse também nos valores do “gosto menos de...” respondidos com “nada” (significando que gostam de tudo) que na Escola passa de 11% para 27% e na Turma X de 13% para 69%. No Quadro 48 ao explicarem o que é a Matemática, não se verificam grandes diferenças entre os valores do pré-teste e do pós-teste na Escola (com excepção de uma ligeira subida na referência à categoria “resolução de problemas”), mas na Turma X ocorre um aumento significativo de referências em ambas as categorias que se situam cerca de 20% acima dos valores da Escola. Quadro 47. Análise de conteúdo – respostas à Questão 3 do Q1 e 4 do Q2 – O que gosto mais e menos de fazer em Matemática Opções Pré-teste Gosto mais... Procedimentos e conceitos Resolução de problemas e raciocínio Tudo Nada Pós-teste Gosto menos... Gosto mais... Gosto menos... Escola Turma X Escola Turma X Escola Turma X Escola Turma X 82% 37% 8% 3% 88% 50% 19% 0% 45% 37% 6% 11% 50% 44% 0% 13% 68% 29% 9% 2% 69% 38% 38% 0% 36% 32% 0,8% 27% 13% 13% 0% 69% 148 Quadro 48. Análise de conteúdo – respostas à Questão 6 do Q1 e 8 do Q2 – O que é para ti a Matemática Pré-teste Categorias Procedimentos e conceitos Resolução de problemas e raciocínio Escola 51% 33% Turma X 56% 38% Escola 62% 41% Pós-teste Turma X 88% 63% Foram ainda contabilizadas as escolhas dos alunos na pergunta 7 do pós-teste – Q2 – Importante estudar Matemática porquê? (eram sugeridas três hipóteses e indicado que apenas podia ser escolhida uma). Todos os alunos disseram que era importante estudar Matemática e assinalaram as suas opções nesse campo. Três alunos da Turma X (18%) e 18 alunos na Escola (16%) colocaram as três opções em simultâneo. A contabilização feita teve em conta as repetições (Quadro 49). A Turma X valoriza ligeiramente mais as opções 1 e 3 (cerca de 70% optam pela opção “serve para o dia-a-dia” e cerca de 40% escolhem “saber pensar e compreender”) e menos a que diz respeito à Matemática como auxiliar de uma profissão (25%). Quadro 49. Respostas à Questão 7 do Q2 – pós-teste Opções Serve para o dia-a-dia Ajuda na profissão que se quer ter Ajuda a saber pensar e compreender Escola 55% 31% 26% Turma X 69% 25% 38% Opinião sobre a área curricular de Matemática - final do 4.º ano (1.º Ciclo) (pré-teste) 80 Turma X 70 Escola Alunos (%) 60 50 40 30 20 10 0 Não gostei Gostei Gostei bastante Sem opinião Figura 29. Opinião sobre a área curricular de Matemática – Escola e Turma X (pré-teste) 149 "Disciplina de que mais gostei" - final do 5.º ano (2.º Ciclo) (pós-teste) 80 Referência à disciplina em 1.º lugar (%) Turma X 70 Escola 60 50 40 30 20 10 0 Disciplina de que gostei mais Disciplina de que menos gostei Figura 30. Disciplina de que mais gostei – Escola e Turma X (pós-teste) As Figuras 29 e 30 revelam que a Turma X já havia estabelecido no 1.º ciclo uma relação positiva com a disciplina de Matemática, relação essa que parece ter-se reforçado no final do 5.º ano, em comparação com os valores registados pelos alunos da Escola. É fundamental referir que a validade das respostas ao pedido de “definição de Matemática” feito nas questões 6 (Q1) e 7 (Q2), bem como a comparação dos dados obtidos desta forma, pode ter sido comprometida em ambos os casos pelas razões que se seguem: no questionário Q1, pelo facto do questionário colocar questões sobre a resolução de problemas (claramente associada à Matemática no próprio questionário), podendo induzir os alunos a utilizar esta referência nas suas definições e justificações de outras questões; no questionário Q2, pelo facto da Questão 7 condicionar a carta escrita ao Extraterrestre, ao solicitar aos alunos que escolham entre três opções sobre possíveis razões (claramente associadas a concepções) que justificam a importância de estudar Matemática. Na verdade, em algumas das respostas, foi possível encontrar referências às frases das opções propostas. Num estudo envolvendo a averiguação das representações dos alunos, estas questões deveriam ser aplicadas isoladamente sem quaisquer referências próximas para evitar a influência e contaminação de ideias. 150 (c) Envolvimento familiar, forma de ocupação dos tempos livres , organização do trabalho e percepção que os alunos (e pais) tiveram da experiência Logo após o arranque das actividades com o Scratch, foi aplicado um questionário aos alunos (em jeito de apoio à criação de um diário de campo sugerida por mim) que permitisse fazer um breve levantamento sobre como haviam decorrido as primeiras experiências. Foi entregue aos alunos ainda em Dezembro de 2007 e a recolha teve como prazo limite Fevereiro de 2008. Em simultâneo foi igualmente aplicado um questionário aos Pais e procurei ir registando a evolução do processo tentando perceber o grau de adesão dos alunos à ferramenta e ao trabalho, bem como os limites da sua autonomia e o envolvimento familiar no processo. Alguns dos dados obtidos encontram-se nos Quadros 50 e 51 e nas Figuras 31 a 33. As primeiras sensações foram condicionadas pela expectativa criada. Os alunos sabiam que iria acontecer algo, que iriam trabalhar como uma ferramenta nova. Esse suspense criado foi intencional e teve bons resultados na primeira abordagem ao trabalho. No pós-teste (questionários a pais e alunos e entrevista final aos alunos) foi possível produzir e recolher informação sobre aspectos mais particulares do trabalho desenvolvido e caracterizar melhor as percepções e preferências dos alunos em áreas diversas: “mais fácil e menos fácil”, “mais giro e menos giro”, “planear ou experimentar”, “projectos livres ou sugestões do professor”, “trabalhar em grupo ou individualmente”... (no Anexo XXIII pode encontrar-se a organização por temas das respostas dos alunos nas entrevistas). 151 Quadro 50. Algumas respostas dos alunos ao questionário sobre o primeiro contacto com o Scratch (Quadro completo no Anexo VIIIc) Questões Como encontraste o Scratch?Alguém te ajudou? Tiveste ajuda para o instalar? Quando foi feita a instalação? (Apresentação no dia 3 de Dezembro) O que consultaste primeiro na página do Scratch? O que fizeste? Quando tempo gastaste nas pesquisas e consultas? Respostas (número de alunos) Google – 12 Não – 12 Blogue da turma – 4 Sim – 5 Não – 8 Sim – 6 Quem? Pai – 5; Irmão – 2; Mãe – 1 (por vezes ajuda de mais do que um elemento da família) Até ao final do mês de Dezembro – 9: 3 Dez – 3; 5 Dez – 1; 9 Dez – 2; 11 Dez – 1; 14 Dez – 1; 24 Dez – 1 Até ao final do mês de Janeiro – 5: 1 Jan – 1; 6 Jan – 2; 7 Jan – 1; 16 Jan – 1 Fevereiro – 1 (Arqui*) (Uma aluna não respondeu) Gong – Consultei as galerias, cheguei a uma delas e pensei como haveria de fazer a minha. Demorei cerca de duas ou três horas. Lag – Fui procurar aonde estava disponível o programa para ser descarregado. Gastei mais ou menos 30 minutos. Frus – Fiz uma conta. Cob – A coisa que fiz primeiro foi ver alguns projectos, depois fui ver a galeria teresamar. Demorei mais ou menos uma hora. Ebir – A instalação. Fiz projectos. Dama – (não respondeu) Laim – Eu consultei as falas, comecei a fazer falas e gastei mais ou menos 2 horas. Bug – Várias coisas como brincar com o gato. Pouco tempo. Sereia – Consegui pôr o gatinho a andar para a frente e trás. Fiquei tão feliz. Com a ajuda do meu pai. Aiba – Consultei primeiro as galerias para ver os projectos. Gastei aí uma hora e meia. Zang – Os projectos. Comecei a observar os trabalhos de outras pessoas lá postos. Cerca de meia hora. Kit – Primeiro fiz a instalação e depois fui pesquisar teresamar no procurar e vi projectos da professora, foi fixe. Cinip – Consultei os jogos. Joguei, pesquisei. Gastei uma hora. Nalim – Primeiro fui ver os trabalhos da minha professora. Depois fui ver os vídeos dela. Gastei mais ou menos duas horas. Pali – Fui à galeria da Telle. Fui jogar ao corpo humano. Arqui – Eu primeiro consultei foi o Scratch, instalei-o. Gastei uma média de 10 min. Gong – Apenas pus dois ou três sprites a andar e estava acompanhado (Mãe). Lag – Sim. Experimentaste o programa Scratch? Tentei pôr o gato a mexer. Estava sozinho. Frus – Experimentei o Scratch e fiz um cubo. Estava sozinho. Cob – Experimentei movimentar, rodar, encaixar as barras. Ebir – Sim. Eu Se responderes fiz uns fundos. Eu estava sozinho. Dama – Sim! Fui pondo os comandos para ver o que sim, descreve o dava. Estava sozinha. Laim – Eu comecei por pôr o gato a falar, não tive ajuda nem estava que fizeste neste acompanhada. Bug – Sim e estava sozinha e o gato disse olá, adeus, como te chamas. primeiro encontro Sereia – Sim. Carreguei em movimento e transportei várias peças. No princípio não percebi (não te esqueças nada carregava em tudo e nada, irritei-me e o meu pai teve de me ajudar. Aiba – Experide dizer se mentei primeiro pôr o boneco a andar e estava sozinha. Zang – Sim. Estava sozinho, não fui estavas sozinho ou ajudado e apareceu-me um gato. Percebi que se tinha de fazer algo com ele e fui juntando placas e ele começou a mover-se. Kit – Sim. Fiz coisas giras, fiz pequenos desenhos. Eu acompanhado, se foste ajudado e por estava sozinha e não fui ajudada por ninguém. Cinip – Sim. Joguei, brinquei, pesquisei. Estava acompanhada, não fui ajudada. Nalim – Sim. Primeiro tentei que o gato andasse., quem...) então arrastei os comandos para cima do gato e não resultou. Eu estava sozinha e ninguém me ajudou. Pali – Fui experimentando os comandos motion e estava ao pé do meu pai, mas ele só viu. Arqui – Sim, então eu consultei todas as páginas, andei a escarafunchar em tudo, era tudo muito giro mas gostava de estar acompanhado. *O Arqui só instalou o programa em Fevereiro. Na entrevista – pós-teste – referiu que a mãe estava em casa e sempre no computador e ele não podia ir para lá... mas que tinha depois começado a trabalhar fora de casa e ele assim já conseguia ir ao computador. Em 12 de Dezembro pedi que me deixasse um registo explicando por que não tinha ainda instalado o Scratch... Escreveu: Eu não vou muito ao computador, por isso ainda não instalei o Scratch. Também o meu pai quando chega, não me deixa mexer no computador. A minha mãe está sempre a ver os mails que lhe mandam e no messenger. Nunca tenho o computador a jeito para mim. 152 Quadro 51. Resposta dos alunos ao questionário sobre o primeiro contacto com o Scratch - primeiras sensações (Quadro completo no Anexo VIIIc) Descreve aqui as tuas primeiras sensações e sentimentos ao contactar com o Scratch e com o blogue da turma. Aiba – Foi muito giro eu adorei imenso o blogue da turma e o Scratch. Kit – Foi giro. Comecei a ficar muito curiosa, quando cheguei a casa fui logo instalar. Arqui – Adorei, era uma coisa diferente, giro e ao mesmo tempo estávamos a trabalhar. Cob – Foi uma sensação muito boa. Pali – Senti que nos íamos divertir muito a trabalhar. . Zang – Gostei muito e acho que foi uma bela ideia da minha professora fazer-nos lidar com este site. Sereia – Foi muito giro e divertido gostei muito do Scratch e do blogue. Ainda vai ser mais giro daqui para a frente. Cinip – Quando contactei o Scratch senti que era giro e quando contactei o blogue da turma senti o mesmo. Gong – Com o Scratch achei que podia me divertir a construir várias coisas. Com o blogue achei que era uma forma de ficarmos mais perto uns dos outros. Dama – Achei que ia ser maravilhoso este ano com o Scratch e a nossa professora que ajuda muito. Ebir – Senti-me muito emocionado com o Scratch e gosto imenso daquele “site”. Frus – As sensações eram boas. Nalim – Gostei. Foi divertido, muito divertido. Laim – Fiquei muito contente, principalmente com o Scratch. Bug – (não respondeu) Lag – Foi muito engraçado, senti que o programa me ajudou a desenvolver o pensamento. (Vizi, Piria e Nali não entregaram) Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido - pedido de ajuda, partilha do blogue da turma, utilização do Scratch (família) Questionário aos encarregados de educação - Janeiro (logo após o início da actividade) 16 Não 14 Sim Alunos (n.º) 12 10 8 6 4 2 0 Pediu ajuda Partilhou o blogue da turma Alguém na família experimentou utilizar o Scratch Figura 31. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – partilha com a família, trabalho em casa (Janeiro, logo após o início das actividades) 153 Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido - a quem pediu ajuda, quem usou Questionário aos encarregados de educação - Janeiro (logo após o início da actividade) 6 A quem pediu ajuda? 5 Alunos (n.º) Quem usou? 4 3 2 1 0 mãe pai irmãos Figura 32. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – a quem pediu ajuda, quem usou (Janeiro, logo após o início das actividades) – visão dos pais Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido - partilha com a família, trabalho em casa Questionário aos encarregados de educação - Janeiro (logo após o início da actividade) 16 Falou sobre o assunto 14 Trabalhou em casa Alunos (n.º) 12 10 8 6 4 2 0 Não Pouco Algumas vezes Muito Figura 33. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – conversa sobre o assunto, trabalho desenvolvido (Janeiro, logo após o início das actividades) – visão dos pais No arranque das actividades o papel da família no processo parece ter sido importante (papel que estimulei no primeiro encontro com os pais, onde foi explicado o projecto de trabalho para esse ano lectivo). Muitos alunos revelaram autonomia nos procedimentos de pesquisa e instalação (necessidade de atingir um objectivo que na altura foi considerado 154 importante e motivador da acção), tendo o blogue – criado para apoio e divulgação do trabalho da turma – sido utilizado apenas por quatro alunos no processo inicial de arranque das actividades. A maioria dos alunos não solicitou ajuda na fase inicial e procurou o Scratch para instalação no Google (12). A novidade e a expectativa criada em torno da ferramenta parecem ter agido como um estímulo. No final do ano lectivo quer os alunos quer os pais voltaram a ser inquiridos, existindo questões, em ambos os questionários aplicados a pais e filhos, que permitiram obter um quadro mais completo do ocorrido em casa e da percepção em confronto de ambos sobre a experiência, como se pode ver nas Figuras 34 a 36 e no Anexo XXI Do ponto de vista dos pais (Figura 34), um número considerável de alunos parece ter aderido com entusiasmo às actividades, alterado padrões de ocupação dos tempos livres e procurado partilhar o trabalho com a família. A percepção dos alunos sobre as actividades inquiridas (Anexos VIIIb e VIIIc) não parece revelar diferenças substanciais relativamente à dos seus progenitores, apenas se verificando algumas disparidades (exemplo do aluno Arqui) que podem ser conferidas no Anexo XXI onde são colocados lado a lado as percepções de ambos, relacionadas com as questões equivalentes em ambos os questionários). Aparentemente, os alunos iniciaram uma cultura de trabalho que distribuiu os tempos entre o mero consumo (jogos e outras actividades) e a construção de conteúdos por sua iniciativa (com o Scratch), sendo importante perceber se essa cultura persistiu no tempo para além do ano em que o trabalho foi desenvolvido de forma mais orientada e com actividades em contexto formal de aprendizagem. As figuras 34 a 36 mostram a visão dos pais sobre a forma como os seus educandos reagiram ao trabalho no ano lectivo de 2007/2008. 155 Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido - partilha com a família, trabalho em casa, interesse revelado, alteração na ocupação de tempos livres Questionário aos encarregados de educação (pós-teste Maio-Junho) Falou sobre o assunto Alunos (n.º) 16 14 Trabalhou em casa 12 Revelou interesse 10 Alterou ocupação de tempos livres 8 6 4 2 0 Não Pouco Algumas vezes Muito Figura 34. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – partilha com a família, interesse, ocupação dos tempos livres (pós-teste – Maio/Junho) – visão dos pais Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido - pedido de ajuda, partilha do blogue da Alunos (n.º) turma e do blogue pessoal, utilização do Scratch (família) Questionário aos encarregados de educação (pós-teste Maio-Junho) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Não Sim Pediu ajuda Partilhou o blogue da turma Partilhou o Alguém na blogue pessoal família (15 alunos) experimentou utilizar o Scratch Figura 35. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – pedido de ajuda, partilha do blogue, utilização do Scratch (pós-teste – Maio/Junho) – visão dos pais 156 Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido - a quem pediu ajuda, quem usou Questionário aos encarregados de educação (pós-teste Maio-Junho) 6 Alunos (n.º) 5 4 A quem pediu ajuda? 3 Quem usou? 2 1 0 mãe pai irmãos outros Figura 36. Reacção do aluno, em casa, ao trabalho desenvolvido – Turma X – a quem pediu ajuda, quem usou (pós-teste – Maio/Junho) – visão dos pais Ao longo do ano, cerca de metade dos alunos trabalhou sem pedir ajuda em casa a ninguém e contando sobretudo com a professora e pares para obter esclarecimento de dúvidas. Afirmam ter gostado muito de trabalhar com o Scratch , existindo 11 alunos que dizem ter alterado a forma como ocuparam os seus tempos livres ao longo do ano (Quadro 52). No exercício de cruzamento de percepções (pais e alunos) foram também acrescentadas as presenças nas actividades do espaço Scratch time, de natureza facultativa, que podem ser indiciadoras do interesse dos alunos (Anexo XXI), embora alguns tenham outras ocupações que não lhes permitiram frequentar essas actividades (entre os 19 alunos, três alunos tiveram frequência inferior a três em 13 sessões, quatro alunos foram a cinco ou seis sessões e os restantes 12 a sete ou mais sessões. O interesse expresso por escrito ou oralmente – em entrevistas e questionários – nem sempre foi concordante, para alguns alunos, com o volume e qualidade do trabalho produzido. É natural que alguns alunos menos motivados tivessem optado por verbalizar sentimentos positivos à sua professora (investigadora). 157 Quadro 52. Respostas dos alunos às perguntas 1, 3, 4, 6, 7 e 11 do Questionário sobre o Scratch (pós-teste) Aluno Aiba Kit Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Cinip Gong Dama Ebir Frus Nalim Laim Piria Bug Lag Nali Totais: 1 - Trabalhaste em casa com o Scratch? 3 - Sozinho ou acompanhado? 6 - Alteraste forma de ocupação dos tempos livres? 4 (em casa) Como resolv. problemas? Pediste ajuda? 11 - Gostaste de trabalhar com o Scratch? Muito Algumas vezes Algumas vezes Algumas vezes Pouco Algumas vezes Muito Muito Algumas vezes Muito Sempre Algumas vezes Muito Muito Muito Algumas vezes Sempre Algumas vezes Pouco P–2; AV–8; M–7; S–2 Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Ambos Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Sozinho Ambos Sozinho S – 17 A–2 Sim Não Sim Pouco Não Sim Não Sim Não ( mãe leva o portátil) Pouco Sim Sim Sim Sim Sim Pouco Sim Sim Pouco N – 4; P – 4; S – 11 Não pedi- aula Não pedi Não pedi Às vezes-pai Às vezes-mãe Não pedi- aula Não respond. Só no início Família e aula Às vezes-mãe Não pedi Não pedi Não pedi Não pedi-aula Às vezes-Aiba Não pedi Às vezes-mãe Às vezes-pais e-mail prof. NP – 9; AV – 8 (aula/prof – 4) Muito Muito Às vezes Sempre Muito Sempre Muito Muito Muito Muito Sempre Muito Muito Muito Muito Muito Sempre Sempre Muito AV– 1;M– 13 S–5 7 – Como resolveste os problemas sentidos na escola? Pediste ajuda? A quem? Pedi à professora: 14 alunos Pedi a colega(s): 8 alunos (Alguns mencionaram em simultâneo professora e colegas) Não responde ou não pediu ajuda: 2 alunos As respostas dadas pelos alunos na entrevista (Anexos XII e XIII), permitiram recolher a percepção dos alunos sobre diferentes aspectos relacionados com a utilização da ferramenta. Ao serem questionados sobre o que era “mais giro” ou “menos giro”, embora as respostas tenham revelado alguma dispersão, a tendência geral do “mais giro” apontou para o facto de poderem partilhar os projectos, ter comentários, serem eles os autores da construção de algo seu, controlo do processo de programação. A maioria associou o “menos giro” às dificuldades sentidas em alguns momentos, aos problemas que os impediram de avançar. Quando foram questionados sobre o que era “mais fácil” e “menos fácil” no Scratch, associaram ao mais fácil as “coisas que já sabiam”, comandos simples (colocar imagens, fundos, bonecos, fazer projectos parados...). Consideraram “mais difícil” fazer projectos muito elaborados, as “coisas que ainda não sabiam”, certos comandos mais complexos, perceber como funcionam algumas coisas do programa. Relativamente ao trabalho desenvolvido a partir de sugestões do professor, ou 158 suportando-se essencialmente nas ideias do aluno, a entrevista revelou dispersão nas opções: seis alunos não tinham preferência, cinco preferiam criar os projectos sem sugestões e cinco preferiam trabalhar em projectos relacionados com temas curriculares que surgissem a partir de sugestões do professor (a resposta de três alunos não é clara ou não fornece dados sobre a questão). Alguns alunos (mesmo os que referiram preferir a liberdade de escolha) afirmaram aprender mais com os projectos que resultavam de sugestões; também foi referido por alguns que, mesmo com as sugestões do professor, colocavam sempre algo das suas ideias porque podiam criar e acrescentar o que quisessem ao que era sugerido, não se sentindo limitados na sua criatividade. Questionados sobre a relação entre o Scratch e a Matemática, na primeira abordagem à questão sem as pistas que forneci depois, não parece existir na maioria dos alunos uma consciência muito clara da relação entre a maioria dos comandos e os conceitos de Matemática envolvidos. Alguns alunos (oito) conseguem perceber a relação referindo alguns comandos (coordenadas, ângulos, distâncias), mas apenas três fazem referência aos “problemas”. Outros (cinco) centram-se sobretudo no facto do Scratch poder estar relacionado com todas as disciplinas, pois permite fazer projectos sobre qualquer tema. Apenas três alunos referem que quase todos os comandos do Scratch se relacionam com a disciplina (embora depois não lhes seja fácil explicar por que pensam isso). Os alunos desenvolvem actividades no Scratch por sua iniciativa nem sempre com a consciência clara que muitos dos seus gestos e raciocínios estão directamente relacionados com a Matemática. Algo ocorrido com um outro aluno (2008/2009 – inscrito no Clube Scratch time, não integrou as minhas turmas) pode fazer luz sobre esta questão: o C. está no 5.º ano há três anos e tem 14 anos. No desenvolvimento do seu primeiro projecto (longo e complexo) teve de recorrer às coordenadas e percentagens. A certa altura disse-lhe: “... tens de passar no 5.º ano… Tu até já andas aqui às voltas com muitas coisas de matemática do 7.º ano!” Olhou para mim admirado e perguntou: “Isto é matemática?”. Para este aluno se a actividade dá prazer, então não pode ser Matemática? No arranque do ano lectivo posterior ao da realização da experiência de utilização do Scratch decidi testar a percepção dos alunos sobre o trabalho realizado. Para tal, concebi um questionário (A) (Anexo XIII) sem qualquer referência ao Scratch, que não fosse identificado pelo alunos como proveniente da professora de Matemática, ou tendo qualquer relação com a recolha de informação sobre o Scratch. A Directora de Turma aplicou o questionário como se se tratasse de um diagnóstico associado à área curricular de Formação Cívica por si leccionada, sem qualquer referência ou ajuda. A escolha da professora não foi aleatória: 159 tratava-se de uma figura significativa e fundamental para os alunos, que dinamizou vários projectos motivadores (grupo de dança renascentista que a maioria dos alunos da turma integra e a Ópera dos Castelos que foi uma actividade com muito sucesso, na qual a turma esteve envolvida, e que foi apresentada a toda a comunidade no final do ano). Procurava-se assim levar os alunos a responder num ambiente claramente influenciado pela Directora de Turma e do papel forte que ela havia representado e continuava a representar para os alunos e verificar quantos recordariam o Scratch, e de que forma, no conjunto das respostas às perguntas (Quadro 53). A aluna Pali (que revelou bastante interesse pelas actividades com o Scratch) não soube explicar posteriormente por que razão não lhe havia ocorrido o Scratch. Questionada sobre o mesmo facto, a aluna Nalim (uma das mais entusiasmadas e melhores programadoras) referiu ter pensado que o questionário dizia apenas respeito a actividades realizadas com a Directora de Turma. O aluno Gong foi lacónico em todo o questionário e falou apenas de boas notas, testes e bons professores, sem referir qualquer actividade em que tenha participado. O aluno Arqui não falou de actividades, referiu-se apenas a disciplinas. Para além deste questionário, foi ainda aplicado outro em Janeiro de 2009 (Questionário B) sobre os hábitos dos alunos e preferências relativamente ao trabalho com o computador. O Scratch parece ter perdido algum terreno, sem que o distanciamento tenha sido completo. No Quadro 54 é possível comparar algumas respostas dadas em Junho de 2008, pelos alunos, com informações referentes aos projectos publicados no ano lectivo 2008/2009, resposta a uma das questões do Questionário de follow up (Janeiro 2009), complementados com reflexões feitas com base na observação directa dos alunos. No Quadro 55 pode encontrar-se uma síntese das respostas às questões, do questionário B de follow up (Anexo XIII), mais relevantes para a compreensão da evolução de utilização do Scratch e do lugar ocupado por esta ferramenta nas preferências dos alunos seis meses depois de realizados os útimos questionários e entrevistas de pós-teste em Junho de 2008. De notar a consistência das respostas dos alunos. Recorde-se que os alunos não conheciam as perguntas às quais teriam de responder, nem a sua sequência. Se, por um lado, há um decréscimo global de interesse em casa, com recuperação do recurso a outras actividades (com supremacia para os jogos), por outro, os alunos continuam a gostar de trabalhar com o Scratch na Escola, com a professora e na presença dos colegas-amigos (apenas dois alunos não se inscreveram). Na turma onde foi realizado o teste-piloto para este questionário, os resultados foram idênticos. A maioria da turma inscreveu-se no Clube, mas são muito raros os alunos que trabalham com o Scratch em casa, preferindo fazê-lo na escola. Esta turma não era minha no ano lectivo passado e não realizou actividades com o Scratch de forma consistente e regular com os seus professores. 160 Quadro 53. Respostas com referências ao Scratch no questionário de “follow-up” Qual a coisa que fizeste no ano passado de que mais te orgulhas? Aiba Se tivesses de escolher três coisas que mais gostaste de fazer no ano lectivo que passou, quais seriam? Por que as escolheste? 2- Trabalhar com o Scratch porque nunca tinha trabalhado com um programa de computador 2 – Os projectos Scratch Kit Arqui Cob (A Matemática) Vizi Trabalhar no Scratch porque não só temos de puxar pela cabeça mas também nos divertimos. Pali Zang Das coisas que fizeste no ano lectivo que passou, quais gostavas de continuar a fazer este ano? Completa a frase: No ano lectivo que passou gostei de ter frequentado esta escola porque... O Scratch, porque gosto do Scratch Continuar a trabalhar com o Scratch porque é uma forma engraçada de fazer projectos ...ter aulas de Scratch porque gosto de computadores 1 – Ter conhecido o Scratch e aprendido a usá-lo Sereia 2- Gostei de trabalhar com o Scratch, aprendi coisas novas Cinip 1 – O Scratch porque gosto de computadores Gostei das aulas que tivemos em Matemática na sala de informática ... o Scratch Gong Dama Seriam o Scratch, o blog e estar com os meus estudos, porque o Scratch é um programa de computador muito giro e o blogue tabém é muito engraçado 1 – O Scratch... (são as coisas que eu mais gosto de fazer na escola) Ebir Frus Nalim Laim Piria Projectos Scratch e O Scratch porque me interessei muito 3 – Scratch – gosto do programa e é bom para mim ... e com o Scratch Continuar sempre com o Scratch... 2 – O Scratch porque gosto de computadores e do programa em si e de Matemática porque gosto de fazer os problemas e contas. 1 – O Scratch time Nali ... continuar com o Scratch 1 – O Scratch Bug Lag (Tudo, porque gostei de tudo!) Foi o Scratch... porque desenvolvia a capacidade nos problemas de Matemática... (Continuar a ter a professora Teresa porque acho que ela ensina bem) O Scratch time. Porque é muito giro e podemos trabalhar no Scratch Totais 1 aluno 13 alunos 10 alunos 0 alunos 161 Quadro 54. Comparação da relação dos alunos com o Scratch em 2007/2008 e 2008/2009 Aluno Aiba Kit Arqui Cob Vizi Pali Zang Sereia Gostaste de trabalhar com o Scratch? (Junho 2008) Muito Projectos feitos em 08/09 5 Muito 2 Às vezes 3 Sempre 2 Muito 0 Sempre 6 Muito 2 Muito 4 Muito Cinip 6 Muito 0 Gong Dama Ebir Sempre 8 Muito 1 Muito Frus Nalim 3 Muito 6 Muito 2 Laim Piria Bug Lag Nali Muito 11 Sempre 9 Sempre 1 Muito 6 O que falta ao Scratch (o que é que ele não tem) para poder ser a primeira escolha nas actividades que desenvolvem com o computador? (Jan. 2009) (observações em itálico) Eu uso o Scratch tantas vezes como os outros programas (corresponde à realidade observada) Não lhe falta nada, só gosto mais de o usar na escola (depois de um período de desinteresse em 2008, voltou a trabalhar com o programa) Não sei “porquê”... “pergunto eu!!!” (depois de um período de desinteresse em 2008, voltou a trabalhar com o programa) Para mim não é a 1ª coisa nem a 2ª porque não uso (Foi dos alunos mais motivados em 07/08 mas não se inscreveu no Clube, fez apenas correcção de um projecto antigo e um novo tendo parado a publicação) Não é giro (Mantém o padrão do ano lectivo 07/08, frequenta o clube, mas não produz qualquer projecto – inicia algum trabalho que não conclui) É que para além de programar também gosto de usufruir daquilo que os outros programas dão. Dar para pôr vídeos. Não é o programa favorito. (depois de um período de desinteresse em 2008, voltou a trabalhar com o programa) Para mim o Scratch é o segundo programa favorito que eu uso mais. Acho que o Scratch não precisa de melhorar em nenhum aspecto. (corresponde à realidade observada) Umas vezes gasto mais tempo no Scratch, outras vezes não. Umas vezes custa-me a apetecer. Fazer coisas novas e explorar coisas novas. Outras vezes não me apetece ou não tenho paciência. Mas gostava mais se o Scratch fosse falar com pessoas online como o H5, o msn, ou o habbo, ir passear pelos cantos dos outros (corresponde à realidade observada) É mesmo porque eu não gosto muito de programação. (nunca revelou muito interesse, apesar da afirmação em 2008. Não se inscreveu no Clube, nunca mais programou) O Scratch é sempre a minha segunda escolha. A primeira são os jogos. (corresponde à realidade observada) Eu acho que não falta nada (depois de um período de desinteresse em 2008, voltou a trabalhar com o programa a um ritmo lento) Tem menos interesse do que outras coisas. Mas muitas vezes, quase sempre, ligo o computador e vou para o Scratch. Mas não tem defeitos, nuns dias apetece-me umas coisas e noutros outras. (corresponde à realidade observada) O Scratch é um dos meus favoritos. Talvez o favorito. Eu adoro fazer TPC em Scratch. (corresponde à realidade observada) Porque no msn dá para falar e no Scratch não, porque o blogue dá para descrever aquilo que sinto. (corresponde à realidade observada. Revela interesse irregular mas qualidades como programadora) Não lhe falta nada, só que antes tenho coisas a fazer no computador. (corresponde à realidade observada) Não lhe falta nada, apenas fica para o fim porque gasto mais tempo e gosto de trabalhar no Scratch com calma. (corresponde à realidade observada) Não sei explicar (nunca se dedicou de forma intensa. Frequenta o Clube mas produz pouco) Eu gosto, mas não é a coisa favorita para eu estar no computador, porque às vezes não tenho muita vontade. Quando faço projectos é porque me está a apetecer estar no Scratch e fazer projectos, mas às vezes não vou muito. (corresponde à realidade observada. A quantidade não é acompanhada de complexidade e qualidade) 162 Quadro 55. Síntese das respostas a algumas das questões do questionário B de follow up Questão 4 O que fazes no computador? Respostas Incluídos nas duas primeiras referências: Scratch – 4; Jogos – 10; Conversação – 5; Blogues – 4; Música – 2; Internet – 2; E-mail – 1; Powerpoint – 1 Questão 7 Em que actividades gastas mais tempo no computador? Respostas Incluídos nas duas primeiras referências: Scratch – 4; Jogos – 9; Conversação – 7; Blogues – 5; Música – 2; Internet – 1; Word – 2 Questão 12 Usas o Scratch em casa? Respostas Não uso – 4; Raramente – 4; Algumas vezes – 9; Com frequência – 2 Questão 13 Gostas mais de usar o Scratch em casa ou na Escola? Respostas Casa – 3; Escola – 12; Ambos – 2; Não responde (não usa) - 2 Questão 14 Preferiam ter um Clube de informática com várias actividades ou o Clube Scratch time só com Scratch. Porquê? Respostas Clube de informática com tudo – 15; Clube só com Scratch – 4 Questão 15 Nas horas que gastaram no computador nestas férias de Natal, quantas vezes se lembraram do Scratch e o usaram? Respostas Nenhuma – 6; Uma vez – 7; Algumas vezes – 6 Questão 16 O que falta ao Scratch (o que é que ele não tem) para poder ser a primeira escolha nas actividades que desenvolvem com o computador em casa? Respostas Favorito – 1; Uso em paralelo com os outros – 3; Não é primeira escolha – 9; Não uso – 3; Não responde – 3 Questão 17 Que diferença faz ou não o professor no trabalho que se faz com o Scratch? Respostas Não respondem – 2; Não faz diferença – 1; Faz diferença – 16 163 (d) Desempenho académico comparado Antes de apresentar os dados recolhidos, que devem ser analisados à luz das limitações referidas no Capítulo II – Metodologia, deverá ter-se em conta que os professores que leccionaram o 5.º ano na escola (turmas objecto do estudo), inquiridos sobre o desenvolvimento de actividades com recurso às TIC em contexto de aula, revelaram não o ter feito de forma sistemática e regular. No Quadro 56 encontra-se uma síntese dos resultados da averiguação feita junto dos professores. Quadro 56. Actividades com recurso às TIC desenvolvidas nas aulas de Matemática pelas outras turmas do 5.º ano da amostra Escola NÚMERO DE TURMAS 2 1 3 ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS COM RECURSO ÀS TIC NA AULA DE MATEMÁTICA Nenhuma actividade (numa destas turmas foram desenvolvidas algumas actividades pontuais com o Scratch apenas no terceiro período, em Área de Projecto, depois de alunos de uma das turmas que leccionei terem ido a essa aula ensinar a utilizar a ferramenta, a pedido da Directora de Turma) Actividades esporádicas usando apenas um computador fixo e o quadro interactivo – iam ao quadro resolver exercícios. Utilização do Excel a pares durante a unidade de estatística Cerca de uma vez por semana: actividades várias com o quadro interactivo e um computador fixo. Numa destas turmas, no final do ano lectivo, foi apresentado o Scratch por alunos das turmas que leccionei, tendo alguns alunos realizado actividades pontuais com este programa, nas aulas de Estudo Acompanhado no final do terceiro período. Na Figura 37 está representada a comparação dos resultados obtidos pela Escola e pela Turma X nas Provas de Aferição relativas ao 4.º ano de escolaridade e na Prova Global aplicada no final do ano lectivo. Verifica-se que a Turma X melhorou o desempenho académico na resolução de problemas do tipo dos utilizados em provas de aferição nacionais, medido por estes instrumentos, relativamente à prova de aferição realizada previamente no 4.º ano, o que não aconteceu com a média da Escola. O desempenho da Turma X na Prova Global (construída, como se disse, com perguntas de provas de aferição do 6.º ano, acessíveis a este nível de escolaridade) foi superior ao observado na média das turmas do 5.º ano de escolaridade da Escola (recorda-se que nesta amostra se encontra contabilizada a Turma X) incluídas no estudo de comparação pré-teste vs pós-teste. 164 Escola vs Turma X (pré-teste e pós-teste) Prova de Aferição 4.º ano e Prova Global 5.º ano 60 Escola - Prova global (pós-teste) Turma X- Prova global (pós-teste) Turma X Provas de Aferição 4º ano (pré-teste) Escola - Provas de Aferição 4º ano (pré-teste) 50 Alunos (%) 40 30 20 10 0 MI I S B MB Figura 37. Prova de Aferição no 4.º ano e Prova Global no 5.º ano – Escola e Turma X (pré-teste e pós-teste) Este estudo deveria ser aprofundado, sem o qual não podem ser estabelecidas relações directas de causalidade dado o elevado número de factores envolvidos no processo. Independentemente da utilização do Scratch ou de outra ferramenta, toda a abordagem do currículo foi centrada na resolução de problemas e em conceitos fundamentais da Matemática, visando-se uma interligação constante dos conteúdos trabalhados, evitando-se a compartimentação, sem descurar a prática procedimental mais formal. Turma X vs Escola (pré-teste ) O que a Matemática diz sobre mim vs Prova de Aferição 4.º ano 80 70 Turma X Provas de Aferição 4º ano (pré-teste) Escola - Provas de Aferição 4º ano (pré-teste) Turma X O que a Matemática diz sobre mim (pré-teste) Escola - O que a Matemática diz sobre mim (pré-teste) Alunos (%) 60 50 40 30 20 10 0 Muito Fraco (detesto) Fraco (não gosto) Médio (gosto) Bom (gosto bastante) Muito Bom (adoro) Figura 38. O que a Matemática diz sobre mim e Prova de Aferição no 4.º ano – Escola e Turma X (pré-teste) 165 Escola vs Turma X (pós-teste) O que a Matemática diz sobre mim e Prova Global 5.º ano Escola - Prova global (pós-teste) 70 Turma X- Prova global (pós-teste) Turma X O que a Matemática diz sobre mim (pós-teste) 60 Escola - O que a Matemática diz sobre mim (pós-teste) Alunos (%) 50 40 30 20 10 0 MI I S B MB Figura 39. O que a Matemática diz sobre mim e Prova Global no 5.º ano – Escola e Turma X (pós-teste) Comparando a percepção dos alunos sobre si próprios relativamente à Matemática, nos questionários de pré-teste e pós-teste (“o que a Matemática diz sobre mim”), com os resultados obtidos na prova global realizada posteriormente (Figuras 38 e 39), verifica-se que, tanto os alunos da Escola como os da Turma X, têm sempre uma expectativa muito superior aos resultados obtidos nas provas, não se tendo verificado diferenças da Turma X nesse aspecto depois do trabalho desenvolvido. Independentemente da necessária discussão sobre se a prova permite ou não uma avaliação correcta da realidade, que não é o âmbito deste trabalho, pode questionar-se se esta expectativa resulta das várias avaliações mais simplificadas e acessíveis feitas aos alunos ao longo do ano, abordando partes dos conteúdos e não a sua globalidade, o que permite construir neles uma percepção de desempenho acima do obtido em avaliações globais finais que envolvem todos os conteúdos trabalhados e têm, naturalmente, grau de dificuldade mais elevado. 166 QInv3 - Constrangimentos à criação e desenvolvimento do ambiente de aprendizagem (a) Recursos No texto que se segue são considerados como recursos o tempo, o espaço e o apoio prestado pelo professor aos alunos. O tempo previsto na componente individual não lectiva para preparação de aulas, acompanhamento de alunos, estudo e formação é, de acordo com o novo modelo previsto no novo estatuto da carreira docente em vigor, insuficiente para o cumprimento, com a necessária qualidade, de todas as tarefas directas e indirectas de preparação e acompanhamento do trabalho e projectos dos alunos, tendo sido sempre largamente ultrapassado o total da 35 horas de trabalho semanal. Esta informação é relevante para se perceber as condições em que decorreu a actividade e a possibilidade de reprodução de aspectos da mesma por outros professores noutros contextos de trabalho. O constrangimento da falta de tempo não se restringe ao professor. Muitos dos alunos, para além do elevado número de horas que passam na escola, estão ocupados em múltiplas actividades extra-lectivas que os obrigam a fazer um exercício de gestão relacionado, quer com a necessidade de estudo e de trabalho, quer com os seus interesses pessoais. No questionário aplicado em Junho sobre o Scratch, os alunos identificaram o tipo de dificuldades que condicionaram o seu trabalho com esta ferramenta, sendo os resultados expressos nos Quadros 57 e 58. A falta de tempo surge como o factor referido mais frequentemente. 167 Quadro 57. Dificuldades sentidas pelos alunos expressas como frequência das opções no questionário sobre o Scratch (pós-teste Junho) Tipo de dificuldade (opções indicadas no questionário – podia ser escolhida mais do que uma) Tempo disponível para trabalhar em casa Acesso aos computadores Compreensão das tarefas a realizar Orientações dadas para as tarefas Utilização do Scratch Funcionamento dos computadores Falta de apoio do professor por serem muitos alunos Forma como o professor explicava Forma como os colegas explicavam Tempo disponível para trabalhar na escola Número de alunos 10 4 3 3 2 2 1 0 0 0 Quadro 58. Dificuldades sentidas pelos alunos expressas por referências feitas em pergunta aberta no questionário sobre o Scratch (pós-teste Junho) Fala sobre as dificuldades que sentiste (não constam no quadro os alunos que disseram não ter sentido dificuldade, ou que não responderam) Frus – As dificuldades foram nos projectos Referencial 1 e Referencial 2. Arqui – Eu tive algumas dificuldades, mas não sei explicá-las. Vizi – Em aplicar-me no Scratch. Gong – Tinha pouco tempo porque tinha de estudar muito. Por causa dos controlos. Zang – Eu no princípio não estava a perceber como o projecto funcionava pois era recente para mim e ainda agora às vezes esqueço-me de algumas coisas, mas acho que isso é normal. Sereia – Não senti muitas, mas quando sentia eram logo resolvidas, como pôr o boneco a falar, quando tocar na borda voltar, escrever no fundo, ... Piria – À primeira senti algumas dificuldades em mover as coisas, buscar bonecos. Mas agora já não tenho dificuldades. Nali – Tive algumas dificuldades a enviar porque aquilo demorava muito tempo e não enviava. Na utilização do Scratch porque algumas funções não consigo usar. No tempo disponível porque tenho de estudar. Nas orientações dadas porque às vezes não compreendo bem. Cinip - Num projecto do caracol em pôr essas coisas difíceis. Cob - As dificuldades que senti foi na fabricação de projectos. Pali - Senti dificuldades em alguns projectos e em como tinha de realizar certos pormenores do projecto. Nalim – Não tinha muito tempo para trabalhar em casa. Tive problemas (poucos) com o funcionamento da galeria. Estava previsto na distribuição de serviço inicial, do ano lectivo 2007/2008, eu leccionar Área de Projecto na Turma X, situação ideal para prolongar o trabalho da aula de Matemática e Ciências, estabelecendo mais facilmente pontes com outras áreas curriculares no desafio à construção de projectos multi e interdisciplinares. No início do ano lectivo fui informada de que tal não aconteceria e passei assim a leccionar quatro níveis diferentes num horário misto muito sobrecarregado (quatro dias por semana, manhã e tarde – um deles 168 incluindo aulas de mestrado ou reuniões – sobrando pouco tempo para tudo o resto), o que condicionou muito o trabalho desenvolvido ao longo do ano (escola e investigação). Para poder desenvolver simultaneamente as actividades com o Scratch, num ambiente menos condicionado, tive necessidade de criar um tempo extra noutro momento como já descrevi – o Clube Scratch time. Por outro lado, nesse ano lectivo foi aprovado pelo Ministério da Educação e aplicado um normativo que impunha a utilização, nos oitavos anos, do tempo destinado a Área de Projecto para actividadees com as TIC. A sobrecarga de ocupação do pouco equipamento, provocada por esse normativo, implicou perder o acesso à utilização dos computadores portáteis (do programa “Iniciativa Escolas, Professores e Computadores Portáteis”) numa aula em que era necessário fazê-lo. Mais ainda, deveria ser eu a ter prioridade, pois fui uma das duas professoras que conceberam o projecto e as regras eram claras a esse respeito, até, mais uma vez, outro normativo se sobrepor a elas. Embora eu leccionasse Estudo Acompanhado nessa turma, também era impossível o acesso a qualquer equipamento informático nessa hora, já ocupado ou pelos alunos do 8.º ano ou pelos alunos com a disciplina de TIC. Em Área de Projecto, as professoras responsáveis também não tinham acesso às duas salas pelas mesmas razões. Foi necessário fazer uma troca entre Matemática e Ciências para poder usar o equipamento nas duas aulas de Matemática e não apenas numa. No período de preparação de questionários e do guião para a entrevista e respectiva aplicação, fui nomeada correctora e classificadora de 90 provas de aferição nacionais, cerca de 2000 itens para corrigir e classificar, que implicaram reuniões de professores correctoresclassificadores fora da escola e da localidade. O tempo permitido de dispensa de componente não lectiva não foi suficiente, pois parte desse tempo coincidia com actividades do Scratch time. Decidi, portanto, não faltar para não prejudicar os alunos e poder prosseguir com as actividades possíveis. A ligação dos portáteis à Internet (durante o clube Scratch time) sustentava-se num ponto de acesso sem fios fornecido no equipamento do programa “Iniciativa Escolas, Professores e Computadores Portáteis”. Este falhava frequentemente, provocando muita desilusão nos alunos que viam as expectativas de trabalho goradas com demasiada frequência. Na entrevista, (Anexos XXII e XXIII) quando inquiridos sobre o que mudariam se pudessem regressar atrás no tempo, 14 alunos referiram as falhas da Internet e 12 a falta de tempo (em casa e na escola), havendo alguns que pontualmente referiram a dificuldade de acesso ao equipamento pelo facto das salas estarem quase sempre ocupadas por outros alunos nas horas em que a turma tinha aulas. 169 A rede fixa na sala com os computadores também falhou com alguma frequência, acontecendo precisamente numa das sessões onde os alunos fizeram uma iniciação a professores coordenadores de Departamentos de Matemática de outras escolas no âmbito do Plano de Matemática. O trabalho ficou comprometido e não foi possível mostrar projectos, documentos de apoio em língua portuguesa, acesso para instalação do programa, nem exemplificar o processo de criação de contas e de partilha na plataforma do MIT. A necessidade de que, em alguns momentos, o trabalho a desenvolver fosse individual não se cumpriu devido ao número insuficiente de computadores disponíveis, tendo sido o trabalho de pares a opção mais frequente (em certos momentos contra a vontade de alguns alunos que precisavam de avançar no desenvolvimento de um projecto próprio, ou progredir nos conhecimentos de programação). Na entrevista feita aos 19 alunos em Junho de 2008 (Anexos XXII e XXIII), oito alunos referiram preferir trabalhar sozinhos, sete referiram preferir trabalhar em grupo, enquanto quatro afirmam não ter preferência, dependendo do trabalho em mãos ou da situação. Embora os alunos reconheçam as vantagens do trabalho cooperativo na aprendizagem (sobretudo aqueles que têm ocasião de trabalhar com pares que consideram estar mais avançados), também são importantes momentos de aprendizagem mais individualizados. A quase inexistência de possibilidade de trabalho individual pode ter limitado a velocidade de progressão de alguns alunos. A mediação possível, tendo em conta a necessária distribuição do tempo do professor e das aulas pelos alunos, permitiu espaço para o desenvolvimento de alguma autonomia na resolução de problemas. Nas questões da entrevista relacionadas com o apoio do professor (Anexo XXIII), muitos reconhecem que o professor não pode estar sempre presente e é bom que os alunos sejam obrigados a pensar nos problemas, embora outros façam referência à falta que sentem do apoio por serem muitos a pedir ajuda: “Nós também temos de saber trabalhar sozinhos, não temos de estar sempre ali com o professor ao lado porque... pronto... também é para nós investigarmos, mas quando temos assim uma dúvida muito grande e estamos em casa sozinhos, podemos sempre enviar um email ao professor que neste caso a professora responde logo...” (Aiba), “Professor ajuda os alunos mas não consegue, se houvesse mais professores se calhar seria mais fácil. Mas como só há um, é mais difícil.” (Vizi) “Acho que chega... Temos muitos alunos e eu não posso exigir que a professora esteja sempre ao meu lado... se não eu não conseguia puxar pela cabeça... Eu só quando estou com muita dificuldade, já tentei tudo, já fui ao livro e essas coisas é que peço ajuda à professora... 170 e coisas do Scratch... não há coisas do Scratch no livro... e então eu chamo a professora para dizer a dúvida...” (Cinip) Pelo facto de serem muitos alunos e muitas as solicitações, este apoio muito distribuído pode eventualmente ter sido factor decisivo nos progressos lentos de desenvolvimento de competências de programação de muitos dos alunos. Outro elemento que pode ter condicionado o desenvolvimento do trabalho foi a fragmentação dos tempos e momentos presenciais de utilização do programa ao longo da semana (apenas duas vezes, e no mesmo dia), que nunca permitiram um ambiente de total imersão (consistência e persistência) no processo de utilização da ferramenta no contexto de actividades escolares. Acrescente-se, finalmente, que, nas condições descritas, seis meses (duração da experiência) é pouco para conseguir que a maioria ou todos os alunos desenvolvam competências de programação de nível superior ou se produzam alterações significativas na sua forma de encarar o conhecimento e a aprendizagem. No ano lectivo seguinte ao da intervenção, esse tempo reduziu-se a pouco mais de 60 minutos semanais apenas em componente extra-curricular, com associação ao apoio pedagógico acrescido a alguns alunos, no mesmo espaço (tudo isto devido à insuficiência de recursos, à sua indisponibilidade nas horas necessárias e à redução dos tempos da disciplina de cinco para quatro). O acompanhamento de follow up (Anexo XV) revelou que os alunos da Turma X continuaram a referir como aspectos que alterariam no funcionamento do clube, para se tornar melhor, o aumento do número de equipamentos (claramente insuficiente – diminuiu devido a avaria em alguns portáteis), a melhoria de funcionamento e estabilidade da Internet e a necessidade de mais tempo na Escola para essas actividades. De referir que no ano lectivo de 2008/2009, a mudança no sistema de acesso passando por um servidor proxy (exigências do protocolo de funcionamento das salas TIC) inviabilizou a colocação de projectos na plataforma do MIT (“upload”), causando constrangimento grave, já que durante os dois primeiros meses esse trabalho foi feito no meu computador pessoal, com Internet paga por mim. A situação só se resolveu quando adquiri um aparelho pessoal de distribuição de Internet sem fios para criar uma segunda linha de acesso que não passasse pelo proxy, permitindo assim a todos a publicação dos seus projectos na plataforma do MIT sem passar pela rede. Todavia, mais tarde, uma segunda intervenção com modificação da configuração dos portáteis, e a saída do director de instalações, gerou durante mais de um mês problemas graves no acesso e colocação dos projectos nas contas dos alunos (Internet) e na sua visualização com o Java, tendo o trabalho ficado novamente comprometido. Acabei por ser 171 eu, com prejuízo das actividades do Clube, a resolver a maioria dos problemas detectados. Todas estas limitações interferiram directamente no trabalho do Clube e na motivação dos alunos que manifestavam frequentemente o seu desagrado por não conseguir ver os seus projectos publicados rapidamente na Internet. (b) Gestão do currículo da disciplina de Matemática Apesar do currículo ser extenso, o facto de os alunos terem visto atribuído à turma um quinto tempo para esta disciplina e o facto de ter sido criado um clube de apoio extra-curricular, facilitou o desenvolvimento do trabalho. Embora a abordagem tivesse sido globalizante, e assente em conceitos fundamentais e não na listagem fragmentada de conteúdos, não teria sido fácil, sem aquele tempo extra, conjugar o trabalho exploratório com o Scratch. Tão pouco teria sido possível aprofundar a necessária síntese e prática compreensiva de procedimentos, abrangendo os conteúdos e ideias fundamentais. O escasso tempo semanal de dois blocos de 90 minutos atribuído à disciplina de Matemática é um claro constrangimento à gestão do currículo desta disciplina, se os professores desejarem envolver os alunos em actividades de investigação e exploração de natureza mais prática. No Anexo IX , p. 41 ficou expresso um dos momentos em que as dificuldades de gestão foram objecto de reflexão. (c) Estabelecimento de pontes com outras áreas curriculares Não foram conseguidas pontes significativas com outras áreas curriculares, para além das estabelecidas com Matemática e Ciências da Natureza (facilitadas pelo facto de ser eu a professora de ambas), ainda que em Ciências da Natureza não tenha ocorrido trabalho directo com o Scratch em contexto de sala de aula. Por sua iniciativa, os alunos desenvolveram projectos em casa, reagindo a sugestões feitas nas aulas, ou cumprindo trabalhos (com liberdade de escolha do suporte) sobre temas variados relacionados com a disciplina de Ciências. Apenas muito pontualmente os alunos desenvolveram projectos de temas relacionados com outras áreas curriculares por iniciativa própria, ou sugestão no espaço Scratch time. Existiu alguma vontade de envolvimento da Língua Inglesa, quer no apoio à compreensão dos comentários recebidos, ou resposta aos mesmos, mas tal não se cumpriu de forma consistente tendo sido inexpressivo o trabalho realizado. O blogue de apoio ao trabalho da turma, GT Scratch, embora inscrito no Projecto Curricular da turma, era apenas frequentado por mim e pelos alunos (entradas e comentários). Tal deve-se, acredito, para 172 além da falta de agilidade e formação de alguns professores nestes campos, a muitos dos constrangimentos da nova organização do tempo escolar e ao número elevado de turmas leccionadas por alguns professores. Por exemplo, a Directora de Turma leccionou nesse ano sete turmas do segundo ciclo, precisando de gerir na Turma X a presença de um aluno autista, uma aluna insulino-dependente e um aluno com problemas sócio-afectivos graves transferido para a turma durante o segundo período. No terceiro período, com a cedência pontual da sala com computadores portáteis por outra turma, foram concebidos em Área de Projecto, com as professoras que leccionavam esta área, alguns projectos sobre o tema dos castelos, tendo sido o único momento em que os alunos tiveram a oportunidade de desenvolver com outros professores actividades com o Scratch (o número de projectos produzido foi muito reduzido). Nenhum professor da turma ou encarregado de educação comentou os projectos Scratch dos alunos nas suas contas individuais (no portal do MIT – Internet). 173 CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS Reflexões Ficou explícito na Introdução que, neste trabalho, era minha intenção fundamental aproximar-me de uma resposta à seguinte questão: Como combinar formas de agir e recursos tecnológicos, nomeadamente as tecnologias da informação e comunicação, para recuperar a necessidade de aprender (motivação intrínseca) e caminhar no sentido de uma formação mais exigente em contexto formal de aprendizagem? Ao escolher o Scratch como ferramenta central do trabalho com os alunos, pretendi observar, descrever e analisar a influência da sua utilização, em contexto escolar formal, na recuperação da necessidade criadora de agir, promovendo nos alunos (e também no professor) a motivação para desenvolver o engenho na formulação e resolução de problemas. Para o professor, este foi um trabalho “sem rede”, num contexto muito próprio, sem antecedentes próximos semelhantes, pelo que a necessidade foi ditando a forma de resolver os problemas que iam surgindo, quer na qualidade de professor, quer na de investigador. O saldo foi positivo, mas fica a sensação de que o que aqui se relata é apenas o esboço de um modesto princípio. Levar os alunos a aprender com as TIC cada vez mais e melhor, numa perspectiva construcionista, terá de assentar na continuação do desenvolvimento de trabalho directo com eles em ambientes de aprendizagem concebidos para servir esse propósito. Isto porque é na prática e na partilha das experiências que se aperfeiçoarão os gestos e se tornarão mais eficazes as acções em contexto educativo formal de aprendizagem (escola), seja em actividades curriculares, disciplinares ou não, ou extra-curriculares (preferencialmente todas em estreita ligação umas com as outras). Mesmo sem aprofundar as numerosas teorias sobre a motivação e a sua relação com a aprendizagem, o trabalho, a atenção, a memória, o sucesso, o encorajamento e apoio, e os alvos estabelecidos, procurei perceber se o Scratch, integrado numa estratégia e plano de acção intencionais (mas flexíveis), em contexto formal de aprendizagem, poderia ser a fundação e a semente de uma forma de estar assente na iniciativa e autonomia construtoras. Fundação e semente de um modo de agir que reduzisse no aluno o papel de consumidor passivo (com dificuldade em identificar e formular problemas, e em defrontar-se com a resolução dos mais complexos) em prol do crescimento de uma atitude que se traduzisse em comportamentos mais persistentes, reveladores da expressão autónoma da criatividade e da construção de conhecimento sem imposição exterior. E também sem necessidade de 174 recompensa ou reforço do tipo da avaliação e atribuição de uma classificação, mas resultando essencialmente do estímulo cognitivo obtido (Lieury e Fenouillet, 2006). Será que o Scratch pode constituir um estímulo regulador da actividade cerebral, satisfazendo a necessidade de curiosidade (Lieury e Fenouillet, 2006)? Se é verdade que, à luz de um dos grandes princípios do humanismo (que pode ser encontrado na teoria motivacional da pirâmide das necessidades), o homem tende para a necessidade da realização pessoal (Lieury e Fenouillet, 2006; Fenouillet, 2003), seria importante perceber que aspectos da actividade contribuiram, ou podem contribuir, para esse tipo de realização, levando o aluno a conseguir atingi-la através de actividades pessoais de construção e não exclusivamente de consumo. O Scratch parece ter sido um meio potenciador e capaz de gerar motivação para além da presença do professor e dos pares (em períodos onde a distância e ausência não foram grandes, o mesmo não se verificando em períodos longos de afastamento, como as férias). No entanto, não é possível concluir que o Scratch (ou outro factor em particular, desligado do contexto global de trabalho) esteve na origem directa dos aparentemente melhores resultados da turma na prova académica aplicada a todos os alunos do 5.º ano, ou da melhor relação com a actividade de resolução de problemas e melhoria das concepções sobre a disciplina e maior investimento em casa em tarefas relacionadas com a escola (suportadas na utilização do Scratch). É importante referir que não parece ter existido qualquer relação directa entre o trabalho desenvolvido com o Scratch e o nível de desempenho académico individual de cada aluno. Tal poderia significar que, provavelmente, um factor importante residiu nas características do ambiente de aprendizagem, como um todo, criado em torno da utilização da ferramenta e que privilegiou atitudes favoráveis ao estabelecimento de uma relação próxima com a resolução de problemas. São muitos os factores envolvidos, na escola e em casa. O próprio facto deste tipo de actividades, envolvendo as TIC, fazer com que os alunos tivessem dedicado mais tempo à Matemática do que dedicariam noutro contexto, pode eventualmente originar um ganho de confiança e segurança, a melhoria da percepção e das representações sobre a disciplina, com consequências positivas no desempenho dos alunos e na sua predisposição para se dedicarem a actividades extra-escolares. Longe de ser um obstáculo a esta investigação, esta possibilidade foi encarada como uma vantagem a ter em conta, e um efeito que pode e deve ser intencionalmente induzido com o auxílio do Scratch, pleno de sentido e rico de conteúdo. Isto para não se cair no vazio do uso das TIC pelas TIC, apenas como chamariz, sem que aconteça uma mudança real nas práticas. Pretendeu-se alargar no tempo (persistência) o contacto dos alunos com actividades de construção, envolvendo conteúdos curriculares, por iniciativa própria (autonomia). Se a utilização do Scratch tiver 175 capacidade para ampliar essa necessidade pessoal, então a sua utilização (em combinação com outras ferramentas) faz sentido em contexto formal de aprendizagem, mesmo que em relação directa com o esforço de mediação e desafio do professor (uma das conclusões principais deste estudo). Alguns estudos indicam que a motivação parece não estar centrada apenas no indivíduo. A motivação do indivíduo pode ser modificada pela simples presença de outros (estrutura hirárquica, homogeneidade, coesão e dimensão do grupo; tipo de tarefas; contexto, avaliação, resposta e reacção ao desempenho – feedback) não sendo simples nem lineares as relações em jogo nesse processo (Fenouillet, 2003). Parece, por exemplo, ser possível matar a motivação intrínseca (interesse pela actividade em si, sem recompensa) com o excesso de reforço positivo, ou matar qualquer tipo de motivação extrínseca com o excesso de resposta negativa indiscriminada (Lieury e Fenouillet, 2006; Fenouillet, 2003). As actividades com o Scratch parecem ter reproduzido estes aspectos. Foi fundamental a não associação de uma classificação directamente relacionada com os projectos, a reacção e retorno rápidos (comentários, reconhecimento dos aspectos positivos e negativos, correcções necessárias...), a sugestão de desafios com alguma complexidade, a presença dos pares e do professor para apoiar sem dar resposta a todas as dificuldades, deixando espaço para a conquista pessoal e a satisfação cognitiva associada a essa conquista. Não foi alheio a este cenário o conceito de auto-eficácia percebida (a crença na própria capacidade para realizar uma tarefa com sucesso) (Bandura, 1977, citado por Tuckman e Sexton, 1994), associada ao encorajamento exterior por alguém percepcionado como conhecedor (feedback intencional com reforço dos aspectos positivos e das conquistas) e à definição de um alvo a atingir. Estas são as fontes essenciais de motivação num processo em crescendo: quanto mais as pessoas acreditam em si e se autopercepcionam como capazes, melhor é o seu desempenho, e quanto melhor é o seu desempenho mais cresce a confiança em si próprios (Lieury e Fenouillet, 2006; Fenouillet, 2003; Tuckman e Sexton, 1994). O trabalho desenvolvido com o Scratch envolveu aspectos que podem ter contribuído para uma melhoria da percepção dos alunos sobre o seu desempenho, o que pode ter trazido melhorias reais nesse desempenho. Os gestos regulares de encorajamento, a proposta de desafios à medida, com grau de dificuldade adequado, mas procurando-se que integrassem a zona de desenvolvimento próximo (Vygotsky, 1977, 2007), foram parte do ambiente de aprendizagem desenvolvido intencionalmente no trabalho com o Scratch. O Scratch parece oferecer um contexto rico para pensar, criar, desenvolver a fluência tecnológica, o trabalho cooperativo, a integração numa comunidade, o desenvolvimento de 176 um compromisso persistente e sustentado com uma tarefa (Peppler e Kafai, 2007c). Se tiver capacidade, num contexto específico de trabalho, para melhorar a motivação para a Matemática e os sentimentos e representações positivas sobre esta disciplina, então vai ao encontro das recomendação feitas nas actuais orientações curriculares (Abrantes et al., 1999; ME-DEB, 2001) e poderá ter efeito benéfico no desempenho dos alunos. O Scratch parece apresentar potencialidades para favorecer o envolvimento dos alunos no trabalho e a melhor compreensão prática de conceitos matemáticos, facilitando e estimulando a posterior formalização e abstracção, quando integrado numa estratégia global que privilegie os desafios e a exigência de resolução de problemas e investigação como actividade central das aulas, tal como acontecia com a linguagem LOGO (Papert 1980, 1993, 1997, 2005, 2006). São também muitos os factores envolvidos nos contextos de aprendizagem, pelo que a já vasta investigação neste campo da utilização das linguagens de programação como forma de desenvolver funções cognitivas superiores, deve ser continuada e aprofundada para identificar de que forma as variáveis envolvidas interagem para produzir os efeitos esperados e desejados (Pea e Kurland, 1984). Destaca-se em Portugal, pela sua pertinência e relação próxima com o presente estudo, uma investigação em torno da concepção de um ambiente de aprendizagem LOGO em meio escolar e estudo dos seus efeitos na cognição e nos conhecimentos geométricos de crianças de 9-10 anos, que evidencia serem os métodos usados pelo docente, associados à utilização de certas ferramentas das TIC que produzem efeitos positivos na motivação, atitudes e sobretudo nos conhecimentos e competências cognitivas dos alunos (Miranda, 1998). É importante recordar que, no presente estudo, o tempo semanal dedicado à utilização do Scratch foi escasso e que a duração da experiência foi de apenas seis meses, tempo insuficiente para a produção de mudança e evolução significativa dos alunos, uma vez que não se chegou a verificar uma verdadeira imersão (Abrantes, 1999). A novidade e a expectativa criadas em torno do Scratch também parecem ter agido como um estímulo para a maioria dos alunos e, sobretudo nos primeiros tempos, aparentemente desenvolveu-se um ambiente de trabalho autónomo que redistribuiu a utilização do tempo, gasto em casa no computador, entre o mero consumo (jogos e outras actividades) e a construção, por sua iniciativa, de conteúdos com o Scratch. A construção de jogos interactivos (neste caso com o Scratch) parece proporcionar às crianças uma porta de entrada na cultura digital não apenas como consumidores, mas também como produtores e construtores (Kafai, 1995; Kafai, 2006, Peppler e Kafai, 2007c). Ao tomar a decisão de acompanhar os alunos por mais algum tempo (follow up, até 177 Janeiro de 2009), pretendi perceber se essa cultura persistiu no tempo, para além do ano em que o trabalho foi desenvolvido de forma mais mediada e com actividades em contexto curricular formal de aprendizagem (aula de Matemática), depois de se tornarem apenas possíveis actividades em contexto extra-curricular (Clube Scratch time). A realidade é que a produção se reduziu para menos de metade, sem perda de qualidade (deixaram de ser feitos projectos exploratórios), curiosamente na mesma proporção da redução do tempo gasto na escola com essa actividade sob mediação directa do professor. Registe-se aqui que alguns alunos de uma turma de 6.º ano que leccionei no mesmo ano da Turma X foram desenvolvendo, em casa, projectos muito interessantes com o Scratch, apenas por sugestão nas aulas (menor mediação e apoio directos = menor produção e menos alunos envolvidos). Ao passar para o 7.º ano de escolaridade, com todos os desafios e dificuldades inerentes a essa transição, e acrescidos da minha ausência propondo, desafiando e encorajando esse tipo de actividades, nunca mais voltaram a publicar qualquer projecto Scratch nas suas contas individuais. No entanto, não se deve concluir apressadamente, deste facto, que não tenham existido ganhos reais e relevantes no processo. As questões não devem ser colocadas apenas em termos genéricos e globais, com a quantidade ou qualidade da produção a condicionarem (negativamente, neste caso) as conclusões. Muitas das conquistas são invisíveis ao olhar desatento e necessitariam de abordagens mais discriminatórias e mais aprofundadas. As potencialidades da ferramenta revelaram-se em alguns momentos cruciais, testemunhados durante a observação e o acompanhamento das actividades dos alunos, em que a necessidade, relacionada directa ou indirectamente com o Scratch, gerou engenho e contribuiu para o desenvolvimento da competência de resolução de problemas surgidos pelas mãos dos alunos e sentidos como significativos e mobilizadores. Nesses momentos os alunos revelaram a capacidade de, reagindo a um problema ou desafio, desenvolver a autonomia na procura de soluções e fazer progressos nas suas aprendizagens. São alguns bons exemplos os seguintes: (a) na prova global, a aluna Bug recorreu à ideia de fraccionamento de um problema em partes mais simples no cálculo de uma área por decomposição, táctica aprendida durante a realização de um projecto com o Scratch com scripts longos, e exteriorizou verbalmente de modo espontâneo a forma como conseguiu associar a aprendizagem prévia à nova situação; (b) a descoberta, pela Aiba, dos comandos “anunciar” e “receber” para resolver o problema de comunicação entre objectos e fundos, num projecto feito por sua iniciativa para Matemática; (c) resolução, pela Pali, de um problema de instalação de software ao verificar que um projecto feito na escola não abria em casa, e, depois de colocar e verificar a hipótese de que 178 tal se deveria a uma diferença entre as versões instaladas, actualizar a versão que possuia e comunicar a imensa felicidade de ter resolvido o problema sem ajuda; (d) utilização, pela Kit, de um tutorial em vídeo para aprender a fazer animação com recurso aos trajes, e aplicar esse conhecimento na construção de um projecto avançado; (e) utilização das variáveis pela Mada, pelo Zang e de forma menos consistente pela Bug; (f) descoberta, pelo Cob, do uso da gravação directa e utilização do som em projectos; (g) descoberta feita por vários alunos da relação entre o número de lados de um polígono regular e o seu ângulo externo, o que permitiu a concepção de programas interactivos de construção de qualquer polígono e a utilização da operação divisão como uma necessidade e não como uma imposição (este trabalho resultou de um desafio feito à turma de forma intencional); (h) descoberta, pela Sereia e pela Aiba, dos rudimentos das operações com inteiros relativos para resolver um problema de movimento num referencial cartesiano; (i) estudo autónomo das fracções, por vários alunos, para a produção de projectos com este tema; (j) necessidade constante de correcção de aspectos relacionados com a língua materna em todos os projectos envolvendo texto; (k) desenvolvimento da persistência na construção de projectos mais complexos a que alguns alunos dedicaram muitas horas em vários dias; (l) utilização do referencial cartesiano por todos os alunos. Estes exemplos parecem indicar que existiram ganhos reais e relevantes, nem sempre evidenciados pelos números disponíveis, o que mostra que a análise quantitativa deve ser realizada cautelosamente e ser sempre contextualizada pelas situações a que se reporta. O questionário de follow up que senti necessidade de fazer em Janeiro de 2009 (Anexo XV), evidenciando a grande diferença de produção entre escola e casa, permitiu mostrar que os alunos preferiram trabalhar com o Scratch na escola (Clube Scratch time) comigo e com os seus pares (os alunos inscritos foram sempre assíduos). Em casa o Scratch passou apenas a ser utilizado, pontualmente, por alguns alunos (projectos sugeridos na escola), continuando a verificar-se a ausência de publicação em período de férias. Todavia, a produção ainda se manteve regular no segundo ano (6.º ano) e foram poucos os alunos que abandonaram completamente a programação (Gong e Vizi, embora este último frequente o Clube explorando sem publicar) ou a reduziram substancialmente (Cob, Fca). O interesse pela ferramenta ainda existe, mas não é certo que se tenha conseguido criar um hábito persistente de recurso à programação alargado à maioria dos alunos, com condições para continuar depois destes iniciarem o 7.º ano em 2009/2010 e deixarem de estar em contacto regular, intencional e mediado com este tipo de actividades. A dispersão por um grande número de actividades com supremacia dos jogos e das conversas síncronas com os amigos, a 179 quase inexistência de mediação e acompanhamento em casa das actividades com o computador, propiciam a cedência ao mais fácil, ao prazer mais imediato com menos esforço investido, sobretudo se esse processo se iniciar cedo na vida dos jovens e persistir sem alternativas que reequilibrem o tipo de actividades, criando oportunidades de mudança e reeducação da atitude face à dificuldade e à necessidade de desenvolvimento de trabalho mais complexo com recurso às TIC, como são as actividades de programação (neste caso com o Scratch que, pelas suas características, permite um início mais simplificado de utilização). Todo o trabalho desenvolvido parece indicar que as actividades dos alunos são muito directamente condicionadas pelas características da mediação do professor, e do ambiente de aprendizagem criado, e pelo tempo investido directamente em actividades com o Scratch (sem esquecer a importância da presença e cooperação com os pares). Esta mediação passa pelos desafios colocados, sugestões, o feedback, o apoio-para-se-chegar-mais-longe, i.e. scaffolding na literatura (Dennen e Burner, 2008; Lourenço, 2005; Spector et al., 2008; Wood, Brunner e Ross, 1976). Tal parece corroborar o resultado de outros estudos, nomeadamente estudos realizados em Portugal sobre a utilização da linguagem de programação LOGO por crianças do mesmo escalão etário (Miranda, 1998) e em outros países, relativamente à utilização do LOGO, ou de outras ferramentas, (Miranda, 2007). É importante recordar aqui, como já foi referido, que a utilização das TIC não deve ser condicionada exclusivamente pelos seus efeitos nos resultados académicos de características mais tradicionais. Como refere Miranda (2007): A introdução e uso das tecnologias da informação e comunicação no ensino não devem ser só avaliadas tendo como referência os efeitos que têm sobre a aprendizagem e os resultados académicos dos alunos. Esta é uma entre muitas variáveis a ter em conta, embora considere ser a mais importante. Outras que também me parecem relevantes são: o contributo para uma maior literacia tecnológica de docentes e alunos; um maior interesse dos estudantes pelas disciplinas que usam recursos tecnológicos de um modo inovador e criativo; uma modificação dos métodos e estratégias de ensino dos professores (p. 48). Se não se puder falar ainda, como resultado da actividade desenvolvida, da criação de um hábito interiorizado de programação com o Scratch, pode pelo menos falar-se da criação de uma comunidade de prática (Lave e Wenger, 1991) em torno desta ferramenta, sobretudo impulsionada pelas actividades presenciais e reforçada pelas ligações virtuais resultantes da publicação dos projectos na plataforma do MIT e agora também no Portal do Sapo Kids. Pode eventualmente falar-se do estabelecimento de uma cultura de aprendizagem com 180 características próprias, à semelhança do que Papert (1980) definia como locais onde a aprendizagem evoluia de forma natural, sem obstáculos. Talvez, como refere Turkle (2005), possa ser identificado um conjunto de alunos que aderiu e se envolveu de forma mais entusiástica (e com maior sucesso no percurso e nos produtos) constituindo uma sub-cultura de programação no ambiente de aprendizagem exibindo um grau de autonomia significativo relativamente aos programas curriculares oficiais e aos meios formais também utilizados em paralelo. Seymour Papert (1980, citado por Kafai et al., 2006), já havia referido a necessidade de criar culturas informáticas, em vez da realização de experiências isoladas, para aprender com e sobre as tecnologias, onde fosse possível a promoção do acesso à fluência tecnológica – em contraste com a literacia informática – e dando destaque à expressão pessoal e criativa como um catalizador fundamental para a aprendizagem (ambientes construcionistas). A criação dessas culturas provou ser um empreendimento desafiador, particularmente no que respeita às actividades de programação, pois não é simples transformá-las nas actividades preferidas ou mais ecolhidas em detrimento de outras (Kafai et al., 2006). Apesar das dificuldades, foi possível criar num ambiente de aprendizagem que sustentou de forma continuada a produção da maioria dos alunos com o auxílio fundamental da mediação e cooperação (professor e pares) e com recurso a outras ferramentas tecnológicas que complementaram e enriqueceram esse percurso de construção conjunta de saberes. Tal como o LOGO foi considerado, mais do que uma ferramenta, uma cultura e um ambiente (feito de ideias poderosas, pessoas e coisas) onde se pretendia fazer a criança entrar com a intenção de ampliar as oportunidades de aprendizagem em vários domínios, para além dos relacionados directamente com a ferramenta (Papert, 2005; Solomon, 1976), também o Scratch parece configurar as mesmas características, aparentemente mais apelativas, de um ambiente que permite fazer mais e melhor, chegando mais longe com a integração das TIC nos processos de aprendizagem na escola. Na caracterização do ambiente de aprendizagem construcionista criado com base na utilização do Scratch, foi possível identificar aspectos que vão ao encontro das mais recentes investigações sobre a aprendizagem e funcionamento do cérebro, bem como a operacionalização deste conhecimento em indicações para tornar mais eficazes e eficientes os processos de aprendizagem dos alunos (Bransford et. al., 2000; Donovan e Bransford, 2005; Bruner, 1999a; Dennen e Burner, 2008; Jensen, 2002; Molenda; 2008 Narciss, 2008; Resnick, 2001; Tileston, 2005, 2007 ). Parece evidenciar-se como central o papel do professor e da relação pedagógica estabelecida com os alunos (mais do que o da própria ferramenta), pela forma como desafia, apoia, procura estimular a criatividade, encoraja, acompanha e promove a utilização das 181 tecnologias não deixando que sejam domesticadas ou condicionadas pelo currículo, ou pelo excesso de instrução para a sua manipulação como se fosse essa a meta final de todo o trabalho. Não foi essa a intenção do trabalho desenvolvido com os alunos e parece que, no contexto criado, as ferramentas serviram o propósito de enriquecer as aprendizagens e não reforçar a pobreza das abordagens assentes exclusivamente em processos de transmissão unidireccional. O Scratch parece apresentar fortes potencialidades educativas pelas suas características, se for possível criar no aluno a necessidade intrínseca de utilização através de uma mediação desafiadora, securizante e encorajadora, continuada no tempo e não apenas pontual num período curto. Na mediação assíncrona foram importantes ferramentas complementares como o correio electrónico e o blogue da turma, bem como o hábito regular de visitar e comentar os projectos publicados, e desafiar os alunos para a correcção de alguns aspectos ou o desenvolvimento de outros. Esse retorno “na hora” foi uma força motivadora importante. Para conseguir a consistência, persistência e congruência necessárias parece ser fundamental alargar este tipo de actividades construcionistas no tempo (Scratch ou outras ferramentas) e integrá-las desde muito cedo no currículo (pré-escolar?), envolvendo a família e os restantes professores (maior imersão em actividades de construção para tentar contrariar a tendência de recurso quase exclusivo a actividades de consumo e visualização menos dinâmicos, que não convocam a formulação e resolução de problemas), dotando as escolas dos recursos necessários e os professores de mais tempo para o acompanhamento deste tipo de actividades com as TIC, uma vez que os autores e investigadores têm constatado que o acesso por si só não é suficiente (Resnick e Rusk, 1996c; Resnick, Rusk e Cooke, 1999). Desta forma as crianças poderiam entrar no universo digital como construtores, antes de se tornarem quase exclusivamente consumidores (Kafai, 2006; Papert 1980, 1993, 1997; Peppler e Kafai, 2007b, 2007c; Resnick, Rusk e Cooke, 1999). No estudo em apreço, os alunos já haviam adquirido previamente hábitos de utilização do computador que uma experiência isolada (apenas um professor e duas disciplinas em poucos tempos muito fragmentados e dispersos), embora com efeitos positivos, não parece ter conseguido influenciar de forma permanente no sentido de valorização da “construção” de conteúdos em detrimento do tempo gasto no seu “consumo” (alguma excepção no que respeita aos blogues, já que seis alunas desenvolveram esse hábito e regularmente gastam tempo na “construção” e enriquecimento desses espaços. Todavia, pode afirmar-se com alguma certeza que o trabalho desenvolvido permitiu aprendizagens fundamentais, para além do currículo formal, que poderão vir a ser úteis num tempo futuro. Seria importante perceber com mais rigor que 182 aprendizagens foram essas e de que forma serão mobilizadas um dia pelos alunos em diferentes contextos – um estudo de que ficam aqui apenas lançadas algumas sementes. Perspectivas O Scratch é uma ferramenta recente, na linha das suas mais próximas antecessoras, com vantagens sobre as linguagens que estão a montante e com potencialidades como ferramenta de aprendizagem com as TIC. Continuará, naturalmente, a ser estudada, procurando-se outras perspectivas e metodologias de abordagem (caso português), quer no que respeita ao público-alvo (seria importante a experimentação nos primeiros três ciclos, e também no pré-escolar, com todo o tipo de crianças, nomeadamente aquelas com percursos diferentes, com antecedentes de dificuldades de aprendizagem, com sobredotação), quer no que respeita aos contextos e ambientes de aprendizagem. Seria importante a realização de estudos de caso para esclarecer as questões que ficaram por responder sobre os processos de aprendizagem envolvidos no trabalho com o Scratch e o tipo de competências (engenho) desenvolvidas em função da necessidade criada de concepção de projectos e dos recursos oferecidos por este ambiente de programação para os concretizar. Será também importante averiguar a extensão da influência das características do professor e da sua abordagem quando está em jogo a utilização deste tipo de ferramentas. A Turma X integrava um aluno autista que trabalhou sob orientação da professora da Equipa de Educação Especial. Esta mesma professora, que considerou a experiência muito positiva, voltou a recorrer à utilização da ferramenta Scratch com um aluno Asperger obtendo bons resultados. Parece, pois, abrir-se um campo interessante de investigação com o Scratch no âmbito da Educação Especial. Algumas experiências marginais (no contexto do Clube que voltei a criar no ano lectivo seguinte ao do estudo, mas aberto a toda a Escola) mostraram que o Scratch pode ter um papel importante em algumas crianças com percursos escolares difíceis. Um dos alunos mais interessados e cujo padrão de comportamento parecia alterar-se no contexto do Clube (não integrava as minhas turmas, mas inscreveu-se, sendo sempre assíduo) foi um aluno com 14 anos, a frequentar o 5.º ano pela terceira vez, com historial de suspensões e outros problemas no seu percurso. Reclamava apenas que 90 minutos por semana era pouco. O Scratch não tem de funcionar com todas as crianças, mas seria interessante perceber por que razão funciona bem com algumas. O sucesso de algumas experiências valerá o investimento, porque cada criança merece o esforço possível e o potencial de uma ferramenta não pode apenas ser analisado e medido à luz de resultados 183 estatísticos sem faces. Procurei, ao longo do desenvolvimento do trabalho, não descurar as vertentes da partilha de experiências e da divulgação que me parecem ser o melhor meio para levar mais educadores a testar as potencialidades do Scratch e a encontrar formas de o utilizar em contextos formais e não formais de aprendizagem. Fi-lo em vários momentos, em diferentes suportes, para diferentes públicos adultos, virtualmente (blogues), presencialmente em encontros e conferências, ou sessões informais, e através de um artigo que me foi solicitado pela Associação de Professores de Matemática (Marques, 2008). Em alguns dos momentos presenciais, os alunos da Turma X (e de outra turma que leccionava na altura) colaboraram comigo na tarefa de iniciação de outros professores e alunos, e essa tarefa revelou-se uma actividade importante que muito motivou os alunos da Turma X e os catalizou para o envolvimento nos projectos com o Scratch. É uma acção que merece ser continuada e desenvolvida de forma intencional – alunos colaborando na iniciação e formação de professores (em domínios onde são mais competentes do que os adultos). Simultaneamente, trabalhei em cooperação com o MIT Media Laboratory – Lifelong Kindergarten Group no sentido de criar alguns recursos em língua portuguesa (tradução de documentos de referência e de apoio) e de organizar outros recursos dispersos de apoio às actividades com o Scratch, num espaço criado pelo MIT para esse efeito em http://info.scratch.mit.edu/Translation/Portugu%C3%AAs_%2F%2F_Portuguese (Anexo XXXVIII - traduções e Anexo XXXIX – Guia “Explorando o Scratch”, elaborado por Fernando Frederico). Estive depois presente na primeira conferência sobre o Scratch, no MIT, em Julho de 2008. É importante continuar a enriquecer esse acervo e, sobretudo, seria interessante criar um espaço próprio para a partilha entre educadores interessados em discutir estas questões da utilização educativa do Scratch e relação possível com outras ferramentas (à semelhança do Scratch-Ed que foi concebido por Karen Brennan no MIT) onde seja possível encontrar recursos, partilhar ideias e materiais, conversar com outros educadores numa comunidade de prática desenvolvida em torno do Scratch. O presente estudo aponta para a clara necessidade de motivação dos docentes, sem os quais a mediação em contexto de escola falhará e, eventualmente, não permitirá a generalização de uma cultura de programação e de utilização das TIC numa perspectiva construcionista, tão importante para se poder ultrapassar a utilização mais corrente e geralmente reprodutora das práticas de sempre, e gerar nos alunos a necessidade que lhes permita avançar e fortalecer a capacidade de reagir aos desafios. A partilha na Internet do nosso trabalho com o Scratch chamou a atenção de Fausto de 184 Carvalho, Engenheiro de Electrónica e Telecomunicações - investigador na PT Inovação na área das Aplicações Colaborativas e Serviços Web 2.0, e, posteriormente, de professores da Universidade de Aveiro, tendo esse sido o ponto de partida para a criação das condições de aproximação, com o consequente estabelecimento de um protocolo de parceria, entre o MIT e Portugal, através da iniciativa da Portugal Telecom. Esta parceria veio a traduzir-se na criação de um portal português de alojamento de projectos, PT Inovação – SAPO, e de uma aplicação autónoma em língua portuguesa adaptada a monitores pequenos (que corrigiu de forma excelente as fragilidades da tradução portuguesa com que os alunos trabalharam até Janeiro de 2009, data em que foi lançado o portal e a aplicação portugueses), prevendo-se outras iniciativas futuras de carácter tecnológico e educativo. A plataforma recentemente criada oferece uma oportunidade única de investigar alguns aspectos de disseminação e utilização do Scratch no nosso país e noutros países de língua portuguesa, para os quais também foi criada. Já na sequência da criação desse portal, a Universidade de Aveiro, através do Departamento de Comunicação e Arte (DeCA) , unidade curricular de Projecto, com o apoio do Lab Sapo UA e da PT Inovação - Sapo, iniciou um projecto designado “Scratch’ando com o SAPO”, coordenado pela Professora Doutora Conceição Lopes. No contexto deste projecto, esta professora visitou a Turma X por duas vezes em Março de 2009, com alunos da universidade envolvidos no referido projecto, promovendo-se a oportunidade de partilha de saberes e de valorização do trabalho dos alunos (que ajudaram os adultos na utilização do Scratch e responderam às suas questões sobre a ferramenta). Foi já dinamizado um evento de celebração (internacional) do Scratch day na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, em 16 de Maio de 2009, com a colaboração de outras instituições e de professores do Ensino Básico, onde participaram mais de 100 pessoas entre crianças, famílias e professores, com o intuito de divulgação e motivação para o uso do Scratch. O caminho que falta fazer é bem mais longo do que a pequena distância que foi percorrida em busca de algumas respostas e mais conhecimento sobre esta nova ferramenta. Foi lançada ao solo apenas uma semente. Possa este estudo e o desafio nele contido gerar nos educadores a necessidade de reflectir sobre a forma de utilização das TIC na escola e no desenvolvimento do currículo e, com essa necessidade, estimular o engenho para reinventar as práticas mais adequadas à construção do futuro que imaginamos ser o melhor para os cidadãos do século XXI, mas que não nos atrevemos a antecipar, tão vertiginosa é a mudança do mundo à nossa volta. 185 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abrantes, P. (1989). Um (bom) problema (não) é (só)..., Educação e Matemática, 8 (pp. 7-10). Abrantes, P., Serrazina, L., e Oliveira, I. (1999). A matemática na educação básica. Lisboa: ME-DEB. Abrantes, P. (1999). Investigações em geometria na sala de aula. In E.Veloso, H. Fonseca, J. Ponte & P. Abrantes (org.), Ensino da Geometria no virar do milénio (pp. 51-62). Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ackerman, E. (1996). Perspective-taking and object construction: Two keys to learning. 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