pakahunas - Julio Fantasma

Transcrição

pakahunas - Julio Fantasma
PAKAHUNAS
Por Julio César Bianchi Furtado (Julio Fantasma)
http://www.juliofantasma.com.br
Stoneyfield, Oregon
18 de novembro de 1995
Biblioteca do Colégio Stanley
— Thomas, mas nós não fomos os únicos humilhados pelo Vietnã, outras potências também
foram e...
— Falem mais baixo! Não quero ser expulsa novamente da biblioteca por culpa de vocês,
além disso, precisamos entregar este trabalho de qualquer maneira.
— Não se preocupe, Christine, entregaremos o melhor trabalho da sala.
— Se eu perder minhas férias, vocês vão se ver comigo!
— Christine, por acaso estamos fazendo um trabalho sobre...... “lendas”?!”
— É lógico que não!
— Então esqueceram de dizer isso ao Kenneth.
Kenneth se aproxima.
— Kenneth, como vai a leitura? — perguntou Christine, em tom de ironia.
— Muito interessante. — respondeu Kenneth, sem tirar os olhos dos livros.
— Eu não acredito nisso, Kenneth, e o trabalho? Esqueceu-se que viemos à biblioteca
para fazer um trabalho sobre a Segunda Guerra?
— Mas eu já fiz a minha parte.
— O quê? — resmungou Thomas — Como assim? Desde que você pôs os pés nesta
biblioteca não tirou os olhos de cima desses livros velhos!
— Eu o fiz em casa, minha tia foi professora de história, usei seus livros.
— Então o que veio fazer aqui?
— Vim por isto. — Kenneth colocou os quatro livros que trazia consigo em cima da mesa.
Os livros estavam caindo aos pedaços, certamente uns dos mais velhos da biblioteca.
Colocados de perfil, notava-se os seguintes títulos: “Lendas e Mitos”, “Folclores
Regionais”, “As Lendas e suas Magias” e “Lendas e Mitos - volume II”.
— Pra que tudo isso? — perguntou Christine.
— Bom, digamos que eu seja um.... apaixonado por velhas histórias.
— Velhas mesmo, estão cheirando mofo!
— Em se tratando de lendas, quanto mais velhos os livros melhor. Por quê não
experimentam ler um? Vão gostar.
— Nem pensem nisso. — advertiu Christine, apontando para Thomas e Bruce. — Não
tenho culpa se vocês ainda não terminaram as suas partes do trabalho.
— E você, já? — perguntou Bruce
— Há alguns minutos.
Assim, Bruce e Thomas continuaram a fazer o trabalho. Kenneth e Christine sentaram-se
em uma mesa ao lado e começaram a folhear os livros velhos.
— Meu Deus! — exclamou Christine, após um longo período e silêncio — quem escreveu
isso é doente.
— Por quê diz isso? — perguntou Kenneth.
— Nunca li tanta bobagem. Aberrações da natureza! Este livro é que é uma aberração da
natureza.
— Não vejo bobagem nenhuma nisso. Aliás, lendas sobre aberrações são as minhas
preferidas. Leu alguma interessante?
— Não, são todas tão ridículas! Mas acho que um apaixonado por estas bobagens se
interessaria por esta aqui.
— Eu me interesso por todas.
— É ridículo, conta que por volta do ano de 1600, em uma pequena cidade da Itália,
nasceu uma criança, filha de uma camponesa com um pastor, era a criança mais horrível
que já existira, possuía dois chifres, seus olhos eram vermelhos como sangue, seus
dentes eram afiados como o de um felino, seus pés eram totalmente desproporcionais,
suas mãos eram negras e peludas como as de um macaco e seu corpo era totalmente
coberto de pêlos. Assim que a notícia se espalhou, o povo daquela pequena cidade
procurou pela criança, queriam queimá-lo, pois achavam que ele era um sinal do demônio,
ou o próprio.
— E aí? eles o queimaram? — perguntou Kenneth.
— Sim, mas, a partir daquele dia, todos os bebês daquela região passaram a nascer com
um membro ou um órgão....animal. Após a morte da camponesa, mãe da tal criança, que
morreu aos 104 anos de idade, os fenômenos pararam.
— Essa eu não conhecia. — disse Kenneth.
— Ainda não acabou, aqui diz que em 1915 fenômenos estranhos começararm a ocorrer
durante alguns partos.
— Como assim?
— Algumas pacientes juravam ver uma mulher rindo sarcasticamente durante o parto e que
após o nascimento da criança ela jurava vingança, dizendo que a criança morreria em
breve.
— Mas essa vingança realmente acontecia?
— Nenhuma das mães conseguiu criar seu filho por mais de um ano.
— Alguém aqui acreditou nessa baboseira? — perguntou Bruce, sem tirar os olhos do
trabalho escolar.
— Bruce, a questão aqui não é acreditar ou deixar de acreditar, o fato é que essas
lendas surgiram. Exatamente quando ou como, ninguém explica. Mas uma coisa é certa:
lendas não surgem do nada.
— Tudo isso não passa de uma idiotice. — Disse Christine.
— Christine, não sei se você já ouviu falar do mito da Súcubo. Súcubo foi um demônio
feminino a quem se atribuíam os pesadelos; no ano de 1900.......
— Caiu um papel aí do livro — disse Christine.
— Papel, que papel? — Kenneth abaixou-se para ver o que era, havia um pequeno pedaço
de papel velho.
— É seu? — perguntou Christine.
— Não. — respondeu Kenneth — Devia estar dentro do livro há muito tempo, olhem só a
cor!
— Diz alguma coisa? — perguntou Christine.
— Sim, parece uma espécie de código, não sei bem o que é.
— Dê-me. — Christine puxou rapidamente o papel, quase rasgando-o — O que será isso?
“6D 1E 9E 5D”
— Parece uma combinação de cofre. — disse Bruce. — Lembro-me da vez em que invadi
o escritório do meu pai e achei a combinação do nosso.
— Bruce tem razão, deve ser mesmo. — disse Kenneth, tentando pegar o papel de volta,
mas Christine não o largou de jeito algum. — Seis para a direita, um para a esquerda,
nove para a esquerda e cinco para a direita. O que mais diz aí?
— O nome de um banco, espero. — disse Thomas sorrindo.
— Infelizmente não é. — disse Christine — É o nome de uma pessoa: Sr. Conrad
Seymor.
— Nunca ouvi falar. — disse Thomas.
— Engraçado, esse nome não me é estranho. — disse Bruce.
— Pra mim também não. — disse Christine.
— Olhem só, arrancaram diversas páginas deste livro. — disse Kenneth.
— Não foi você, foi? — perguntou Christine.
— É lógico que não! De acordo com o índice, quem arrancou sabia exatamente o que
queria, pois arrancou das páginas 84 até 96.
— Aposto que havia alguma coisa de sacanagem. — disse Christine. — Homens não
prestam.
— Acho que não, — disse Kenneth — segundo o índice havia exatamente uma lenda entre
estas páginas, a velha lenda dos “Pakahunas”.
— O quê? — perguntou Christine.
— Você tem certeza? Pakahunas? — perguntou Thomas, surpreso.
— Sim, é o que diz aqui. Mas....e daí?
— Não sabia que a lenda dos Pakahunas fora assim tão popular, sendo até publicada.
— É bom saber que pelo menos 1 livro no mundo citou o nome de Stoneyfield. — disse
Christine. — Quer dizer, se é que citou.
— Como assim? — perguntou Kenneth, confuso.
— A velha lenda dos Pakahunas. Antigas histórias sobre índios que viveram na floresta de
Monkey Falls.
— Esperem um pouco, — disse Kenneth — eu estou mais perdido que agulha em
palheiro. Que histórias são essas?
— São histórias sobre uma tribo indígena, os Pakahunas — disse Thomas — Dizem as
histórias que eles habitaram a floresta de Monkey Falls, que fica há poucos quilômetros
daqui.
— E eles ainda habitam esta floresta?
— Não, eles se extinguiram há muitos anos, quero dizer, se é que eles realmente
existiram.
— Fantástico! — exclamou Kenneth — Por quê não me contaram isso antes?
— É melhor irmos embora, — disse Bruce repentinamente — já estou ouvindo o barulho
das chaves balançando no bolso do Sr. William.
— Tem razão, ele já está vindo trancar a biblioteca.
O Sr. William é o faz-tudo do Colégio Stanley, já com seus setenta e quatro anos e seus
poucos fios de cabelo, o Sr. William, como todos o chamam, pois seu verdadeiro nome é
Washington Goodwell William, é um daqueles velhinhos cuja saúde ainda permanece intacta.
Sempre prestativo e carinhoso com os alunos, detém a simpatia e amizade de uma enorme
fatia dos alunos do colégio, bem como a do diretor, professores e serventes.
Após devolverem os livros, encontraram-se com o Sr. William na porta da biblioteca...
— Estou gostando de ver, garotos, — disse ele, abrindo um largo sorriso — os livros
nos dão uma sabedoria inigualável.
— Nem todos, nem todos! — murmurou Christine ,olhando para Kenneth.
— O que disse, filha? Devo estar ficando surdo.
— Não foi nada, estava falando sozinha, só isso. Até amanhã, Sr. William.
— Até amanhã.
Após passarem por ele, Christine lembrou-se de lhe fazer uma pergunta.
— O senhor, por acaso, conheceu ou conhece alguém chamado Conrad Seymor?
— Olhe, filha, não me recordo. Por quê?
— Nada, apenas curiosidade.
O Sr. William achou aquela pergunta muito estranha, pois, na realidade, ele sabe sim quem
foi Conrad Seymor, mas por um motivo indesejável, não quis falar a respeito; não estava
preparado.
Na saída do colégio...
— Querem uma carona? — perguntou Kenneth.
— Seria ótimo, — disse Christine — mas...onde está o seu carro?
— Ali — disse Kenneth, apontando para um Dodge azul, ano setenta e sete.
— Aquele é seu carro? — perguntou Thomas.
— É, não é nenhuma Ferrari, mas....
Os três aceitaram a carona, Christine sentou-se ao lado de Kenneth, Bruce e Thomas
sentaram-se no banco de trás.
— Bom, preciso que me digam o caminho.
— Kenneth, — disse Thomas — não se preocupe, será a carona mais rápida que você já
deu. Sabe como é, Stoneyfield tem tantas ruas quanto o Sr. William tem de cabelo.
— Vire à esquerda e siga em frente. — disse Christine.
Assim, Kenneth foi seguindo as orientações de Christine, eram ruas estreitas e geralmente
esburacadas, só havia uma coisa certa: Stoneyfield não era lugar para automóveis.
Stoneyfield é uma dessas pequenas cidades do interior, onde cada um sabe o nome e o
sobrenome do vizinho do lado, da frente, do prefeito; ou melhor, de quase todos os
moradores. Sem crimes, assassinatos, seqüestros. Uma vez ou outra um pequeno
furto, tendo como sujeito ativo alguém de fora da cidade. Stoneyfield é uma cidadezinha
pacata, algo não muito agradável para os jovens, que têm como único e principal
divertimento o pequeno cinema; bom, se é que se pode chamá-lo de cinema: é um salão
que fora abandonado por uma empresa que há oito anos pretendia construir uma quadra poliesportiva, mas que fez o serviço pela metade, pois desistira da idéia. Agora, o salão é
usado duas, ou no máximo três vezes por mês para a exibição de filmes, o projetor é um
dos mais antigos, muito cobiçado pelos museus da região. Os filmes acompanham o
projetor, parecem ser um dos pioneiros da história da sétima arte. “Nosferatu” já foi
reprisado umas treze vezes. Uma vez ou outra, arranjam um filme mais recente, algo
como :”E o Vento Levou”, “Ben-Hur” e outros.
— Pode parar ali, — disse Thomas, indicando a frente de uma bela casa.
— Aquela é sua casa? — perguntou Kenneth.
Thomas — Nada mal, hen!
— Kenneth, por acaso você não percebeu que, de repente, os buracos da rua
desapareceram?
— Pra falar a verdade, sim. Estão começando a asfaltar?
— Não, essa é a rua da casa do vice-prefeito, pai do Thomas — disse Christine.
— Christine, não precisa jogar indiretas, diga logo o que você pensa: que o meu pai é
corrupto.
— Thomas, eu não tenho culpa se os noticiários vivem dizendo isso.
Thomas desceu do carro rapidamente.
— Thomas, espere! — gritou Kenneth, mas de nada adiantou, Thomas já havia
ultrapassado o portão de sua casa, ao qual, fechou violentamente. — Christine! Por que
disse aquilo?
— Kenneth, o problema é que você está há pouco tempo em Stoneyfield, mas logo logo
você entenderá direitinho o que eu acabei de dizer sobre o Sr. Dempsey Marx, pai do nosso
estimado colega.
— Christine, Thomas é um cara legal, você não....
— Kenneth, eu sei disso, conheço Thomas desde os seis anos de idade, brincávamos
juntos, aprendemos a ler e escrever juntos, isso não foi colocado em questão, o
problema é o pai dele, não é justo o que ele vem fazendo com Stoneyfield.
— Mas e o prefeito? não seria ele o culpado?
— O prefeito é um bom homem, mas não passa de um pobre caipira.
— Mas se todos sabem disso, por que não cassam o seu mandato?
— Provas, não há provas suficientes, foi o que disse um certo promotor que esteve aqui
em Stoneyfield certa vez. Tenho certeza que o Promotor recebeu algum por fora do Sr.
Dempsey.
— Hei! — resmungou Thomas — Não estou nem um pouco interessado em ouvir a
conversinha de vocês dois. Não daria para me deixarem em casa?
— Tem razão, Bruce, desculpe-me. Eu tinha até me esquecido que você estava aí!
Mais dois quarteirões e chegaram na casa de Bruce.
— Bruce, — disse Kenneth — pra que um muro tão alto assim? — o muro era tão alto
que não se via a casa.
— Não gostamos de intrusos por perto.
— Você está insuportável! — exclamou Christine.
Bruce desceu do carro, virou-se e disse:
— Vejo vocês amanhã.
Kenneth não respondeu, apenas fez um sinal de positivo. Em seguida, deu novamente a
partida no carro, pois chegara a vez de deixar Christine em casa. Não foram necessários
mais do que três quarteirões. A casa de Christine era uma casa simples, mas de uma
beleza indiscutível. Um gramado a sua volta verde e baixinho, muito bem cuidado. Ao
redor do gramado e, conseqüentemente, cercando toda a casa há uma cerca de mais ou
menos um metro de altura, frágil, pois a idéia principal de sua existência é logicamente a
de enfeitar, pois não impediria sequer uma criança de ultrapassá-la.
— Belo gramado! — disse Kenneth.
— Você gostou? Meu pai vive cuidando dele.
— Eu acho que todo este verde que há aqui em Stoneyfield estava me fazendo falta.
— Kenneth, por que você saiu de Los Angeles para vir morar neste fim de mundo?
— Bom, meus pais se separaram e resolveram viver cada um a sua vida, meu pai se
mudou para a Itália, e minha mãe só pensa em trabalho, a vida dela é o trabalho, assim,
decidi morar com os meus tios que moravam em Michigan, mas o tio Fredy, assim como
muitos outros da empresa onde ele trabalhava, foi demitido. Meu tio se viu encurralado,
sem emprego, o dinheiro foi diminuindo e as dificuldades aumentando, para ajudar o tio
Fredy eu até vendi o meu tão desejado Viper.
— Viper?
— É, aquilo é que era carro! fazia de zero a cem quilômetros em pouquíssimos segundos.
Não é como essa lata velha que eu comprei com o dinheiro que restou.
— Mas eu acho que foi até melhor você tê-lo vendido, pois com um carro desse nessas
ruas de Stoneyfield você atropelaria metade dos moradores.
Kenneth riu.
— Pensando bem, acho que você tem razão.
— Você ainda não me disse como veio parar aqui em Stoneyfield.
— Ah é! Bom, como eu dizia, a situação do meu estava se complicando cada vez mais,
até que um dia um amigo dele chegou com uma oferta de trabalho. Stoneyfield estava
precisando dos serviços de um engenheiro agrônomo, profissão do meu tio. E foi assim
que viemos parar aqui em Stoneyfield, eu, meus tios Fredy e Anna, minha prima Michelly,
de seis anos, e o meu primo Michael, de dez anos. Bom, já falei muito sobre mim,
agora é a sua vez.
— O que? falar sobre mim? não tenho nada de interessante para contar.
— Como é sua família?
— Bom, somos todos daqui de Stoneyfield, nesta casa vivemos eu, meu pai, e meu
irmão.
— Sua mãe não mora com vocês?
— Ela já morreu.
— Sinto muito.
— Tudo bem, já faz muito tempo, nem cheguei a conhecê-la.
— O seu pai não quis se casar novamente?
— Eu acho que não. Além do mais, depois que minha mãe morreu, não teve nem tempo
para pensar nisso, pois trabalhava muito e ainda cuidava de mim e meu irmão. Essa é a
única razão pelo qual ainda não deixei esta maldita cidade. Sinto muita pena quando penso
em deixá-lo, pois eu e o John somos as únicas coisas que ele tem nesta vida.
Fez-se um silêncio.
— O que vocês fazem para se divertir por aqui?
— Christine, a janta já está pronta — gritou alguém da janela, só se via sua silhueta,
era uma voz grossa e em um tom impaciente.
— Já estou indo — gritou Christine — É o meu pai.
— Pareceu-me bravo.
— Não, é o jeito dele — Christine desceu do carro — Kenneth, você conhece o
Bosque Municipal?
— Acho que sei onde é.
— Apareça por lá neste fim-de-semana, lá é o ponto de encontro dos jovens daqui.
— Estarei lá.
— Christine — gritou seu pai.
— Vá, — disse Kenneth — antes que ele fique realmente nervoso.
— Boa idéia. Tchau!
— Até amanhã — Em seguida, Kenneth deu a partida no carro, virou à esquerda e
seguiu em frente. Seu estômago roncava, o que disfarçou enquanto conversava com
Christine. Eram oito horas, exatamente a hora do jantar na casa de seus tios, o que o fez
pisar fundo no acelerador.
A casa onde Kenneth mora com seus tios é razoavelmente boa, se compararmos com as
demais casas de Stoneyfield, possui quatro quartos, um banheiro, uma sala, uma
cozinha e um quintal bem espaçoso. Mas sua localização não é das melhores, fica em um
dos cantos mais distantes do centro da cidade. Praticamente no meio de uma fazenda.
Durante o caminho, Kenneth começou a refletir sobre sua mudança para Stoneyfield, que
acontecera há duas semanas.
Jamais imaginara viver em uma cidade com oitocentos e
cinqüenta habitantes, como é Stoneyfield. E no fundo no fundo, Kenneth começou a
gostar da idéia, lógico que não por muito tempo, pois nunca conseguiria.
Mas esta mudança repentina de idéia, não veio do nada, digamos que teve uma certa
ajuda de um par de olhos castanhos e penetrantes, um cabelo moreno e cumprido, lábios
finos e atraentes, um corpo escultural de um metro e oitenta e nove, de dezoito anos, voz
suave e meiga, chamada: Christine.
Ao chegar e passar em frente da sua casa, Kenneth vê um carro estacionado em frente ao
alpendre. Enquanto guardava seu carro no celeiro, que estava sendo usado
improvisadamente como garagem, Kenneth enxerga alguém saindo da casa, mas não dava
para ver muito bem, pois o celeiro ficava a uns quinze metros da casa, além de estar muito
escuro, pois não havia iluminação. Tal silhueta lembrava seu pai, mas não acreditava sêlo. Pois ele nunca ousaria andar com um carro ano 77, como o que viu estacionado há
pouco. Mas então quem será?
Ao se aproximar, Kenneth pôde ver quem era.
— Dr. Rugh? Aconteceu alguma coisa?
Antes que o doutor respondesse, a porta se abriu, era seu tio.
— Kenneth, — disse Fredy — que bom que chegou.
— Tio Fredy, o que houve? — Kenneth estava temeroso, pois é de conhecimento de
todos que sua tia Anna tem freqüentemente problemas com sua pressão alta.
— Acalme-se, meu rapaz, — disse o doutor — tudo não passou de um susto.
— Seu primo resolveu podar uma árvore de um jeito novo.
— Como assim?
— Caindo junto com o galho.
— O que? Michael caiu de uma árvore?
— É, mas ele está bem, — disse o doutor — levando-se em conta o tamanho da árvore,
foi sorte ele ter apenas fraturado uma das pernas e sofrer apenas alguns arranhões nos
braços.
— Onde ele está?
— Está no quarto dele, sua tia e sua prima estão lá também.
Kenneth se dirigiu imediatamente para o tal quarto.
— Dr. Rugh, — disse Fredy — amanhã irei até o seu consultório para pagar a consulta,
faço questão.
— Sr. Fredy, não precisa, aceite isso como um : “sejam bem vindos a Stoneyfield”.
Bom, gostaria que não fosse assim tão doloroso, mas seu garoto é forte, dentro em
breve, muito breve, ele estará correndo como antes.
— Muito obrigado, doutor.
O doutor fez apenas um gesto de positivo, entrou no seu carro, deu meia-volta e se foi.
Em meio a tanta escuridão, seu carro desapareceu rapidamente das vistas de Fredy, que
ficara a observar.
— Acho que vou gostar deste lugar! — disse Fredy a si mesmo, após passar os olhos
por toda a escuridão que o rodeava.
Enquanto isso...
— Michael, como foi que aconteceu? — perguntou Kenneth, sentado ao lado do primo.
— Eu estava apenas brincando de subir em árvores.
— Esse moleque não toma jeito! — disse Anna, tia de Kenneth — será que ele não viu
como aqueles galhos são finos?!
— Mas mãe! os outros que eu subi eram iguais ao que quebrou.
Sem paciência para agüentar as famosas briguinhas entre sua tia e seu primo, Kenneth saiu
do quarto rapidamente, além do mais estava com fome.
— A janta deve estar fria — disse a tia Anna, logo após Kenneth passar pela porta.
— Vou tomar um banho, — disse ele — depois eu me viro com a janta.
Ás vezes Kenneth sentia-se um pouco arrependido de ter abandonado sua boa vida que tinha
ao morar com sua mãe, moravam em um dos mais luxuosos apartamentos da zona sul de
Los Angeles; com sauna, clube, uma comida deliciosa, lindas hóspedes e muito mais.
— Kenneth, — disse seu tio Fredy do lado de fora do banheiro — não sei o que houve
com o chuveiro, a água não está esquentando.
— Notei — sussurrou Kenneth, por pura força de vontade não disse o que realmente
gostaria de dizer, pois chocaria seu tio.
Após o banho gelado, Kenneth pegou sua roupa suja que deixara jogada em um canto do
banheiro, e deixa algo cair, era o pedaço de papel que achara na biblioteca do colégio.
Pegou-o e colocou no bolso.
Enquanto esquentava sua janta, Kenneth começou a pensar em Christine, surgiram em
sua mente pensamentos jamais tidos por ele, como: ele sentado à mesa e Christine, com
uma roupa toda engordurada, preparando sua janta. Após voltar à realidade, Kenneth
começou a rir de si mesmo.
— Acho que estou mesmo pirando — sussurrou ele ,sentado à mesa.
Após a janta, Kenneth ligou a tv, mas não viu nada que lhe interessasse, mesmo porque
só há dois canais com bom sinal pelas redondezas. Assim, Kenneth resolveu ligar uma das
poucas coisas que lhe restaram de sua vida anterior: seu aparelho de som. Mas a
tecnologia ainda não é lugar para Stoneyfield, só se pega uma rádio, não há lojas que
vendam fitas cassetes, discos, e muito menos CDs. Assim, Kenneth tem que se
contentar em ouvir seus velhos CDs. Ao ligar o aparelho de som, o rádio estava
sintonizado em uma emissora, onde o locutor parecia falar algo sobre: Dempsey Marx, o
vice-prefeito:
— .... todos nós sabemos que o Sr. Dempsey acabou com nossa querida Stoneyfield,
nossa cidade sempre foi muito unida, todos sabem que ele roubou literalmente o lugar do
nosso prefeito, o nosso amigo Paul Telysfill, não....
— Puxa....Christine parece mesmo ter razão sobre o que disse. — e desligou o rádio.
Já passava da meia-noite, mas a curiosidade de Kenneth em relação àquela combinação de
cofre era tão grande, que não a suportou mais, trocou-se rapidamente, e sem que
ninguém percebesse, saiu pela janela de seu quarto, foi até o celeiro, pegou o carro e
partiu rumo ao colégio, a escuridão era assustadora, o som dos pneus gastos a rolarem
sobre aquele caminho estreito de terra era algo extremamente irritante. Nuvens e mais
nuvens de poeira formavam-se na traseira de seu carro. Uma pequena falha nos faróis
dianteiros e sua morte seria a mais óbvia das conseqüências. A noite não estava nada
agradável, não havia estrelas, somente nuvens negras contrastando com um céu quase
negro. Ao fundo, uma lua cheia brilhava, mas era obscurecida pelas nuvens; ora sim, ora
não. A noite estava maravilhosamente macabra, como macabros estavam os sons que
vinham das fazendas ao seu redor, eram sons horríveis, como se todas as criaturas do céu
e do inferno estivessem de mau humor, sobre aquele lugar sombrio e desconhecido, sim,
desconhecido, pois por mais que houvesse tudo o que aqui foi descrito, Kenneth não
enxergava uma silhueta sequer além da luz dos faróis sobre o caminho de terra dura, coberta
com pequenas pedras por todos os malditos cantos.
Mas, pior do que não enxergar é
imaginar. Pois nossa imaginação durante as situações de perigo e pavor é algo
maravilhosamente perversa, algo como um demônio dentro de nós mesmos. O demônio
dentro de Kenneth começara a agir. Para Kenneth, a qualquer momento surgiria uma
enorme criatura branca, algo parecido com um dente-de-sabre, saltando detrás das cercas
de arame farpado e caindo sobre o teto do carro, tal criatura arrancá-lo-ia da direção e o
desmembraria em milhares de pedaços inimagináveis. Quando tal pensamento foi
descartado pela voz mais forte da razão, o demônio ataca novamente, desta vez,
Kenneth tem a firme sensação de que está sendo perseguido por um gigante que vira em um
filme há alguns dias, tal criatura, denominada Hogro, era algo abominável, possuía
uma pele vermelha, brilhante e asquerosa, três olhos, um grosso chifre sobressaltado do
centro de sua testa. Orelhas pontiagudas, um rabo com uma espécie de farpa na ponta,
olhos desproporcionalmente pequenos e negros, negros como suas mãos e pés, que
eram muito bem servidos de afiadas e descomunais garras. Durante estes minutos
aterrorizantes o credo no tal ataque era algo traduzido como a mais pura das realidades pela
mente possuída de Kenneth.
Finalmente Kenneth chega ao centro de Stoneyfield. Estava deserta, como sempre, como
uma cidade fantasma. Havia apenas uma forte brisa que varria toda a imundice da praça e
das ruas ao seu redor. Próxima parada: Colégio Stanley.
Apenas dobrando mais três estreitos quarteirões, Kenneth chega ao colégio. Estava
assustadoramente escuro por ali, o que não é comum. Aumentando ainda mais as
facilidades de Kenneth, as luzes do casebre do Sr. William estavam acesas, e não seria
nada difícil lhes subtrair as chaves do colégio. Aproveitando-se que o Sr. William dera uma
olhada pela janela, Kenneth gritou seu nome, logo em seguida, o Sr. William abriu a
porta e tomou a direção do portão, vindo ao encontro de Kenneth.
— Você é o garoto novo de quem os professores tanto falam, não é? — perguntou ele.
— Sim, sou eu, Kenneth.
— E o que você está fazendo aqui uma hora dessas, Kenneth?!
— Bom.....eu esqueci um dos meu livros de Química e amanhã eu vou ter prova sobre esta
matéria, e sem ele não há outra forma de estudar.
— Não vá me dizer que veio me pedir para abrir o colégio só para você pegar o tal livro!
— Por favor!
— Mas por que você não veio mais cedo?
— Não pude.
— Mas meu filho, se o diretor Stevenson descobrir, serei duramente penalizado!
— Sr. William, ninguém ficará sabendo. Por favor! eu não posso ir mal na prova de
amanhã!
O Sr. William deu uma olhada ao seu redor, fez uma cara meio contrariada, e disse:
— Tudo bem, mas não conte isso pra ninguém, pois se ficarem sabendo nunca mais
terei sossego durante as noites.
— Muito obrigado! o senhor é realmente muito legal, Christine disse-me muito a seu
respeito, mas foi na prática que pude comprovar.
Assim, o Sr. William abriu cuidadosamente o portão, de modo a não fazer barulho, mas
não foi possível, pois o portão era muito antigo, estava demasiadamente enferrujado, suas
juntas estavam todas carcomidas. Após Kenneth entrar, o Sr. William tornou a fechá-la.
— Vou buscar as chaves — disse ele.
— Esperarei o senhor aqui fora.
— Nada disso, assim poderá ser visto. Espere dentro de minha casa, é modesta, mas
servirá para escondê-lo.
Kenneth aceitou o conselho do Sr. William. Ao entrar no casebre, constatou que não era
tão pequeno quanto parece.
— Volto já, — disse o Sr. William — as chaves devem estar no meu quarto.
Alguns minutos depois...
— Pronto, elas haviam caído embaixo da cama.
— O que tem nessa sacola? — perguntou Kenneth ao ver uma pequena sacola preta na
mão esquerda do Sr. William.
— Acho que tenho duas lanternas guardadas aqui dentro, ajudará bastante. Pois não
poderei acender as luzes do colégio.
— É mes...
— Kenneth, preciso ir ao banheiro, sabe como..., não, é claro que você não sabe como
é, você ainda é jovem. Pegue isso — o Sr. William entregou ao Kenneth as chaves e a
sacola — Volto num instante.
Quando o Sr. William saiu, Kenneth deu uma olhada na sacola, e realmente havia duas
lanternas e algumas pilhas, e teve uma idéia, pegou as pilhas e as guardou em seu bolso.
Algum tempo depois...
— Bom, vamos pegar o seu livro.
Chegando no portão que dá acesso ao corredor...
— Kenneth, peque as lanternas, daqui em diante será um breu só.
— Sr. William, há um pequeno probleminha, não há pilhas — mentiu ele descaradamente.
— Mas como? — indignou-se o Sr. William — Eu me lembro de ter deixado algumas
pilhas aí dentro! É, estou ficando caduco mesmo. Kenneth, espere só um pouco, vou
ver se acho as malditas pilhas.
Assim, quando o Sr. William dobrou o corredor do pátio para ir à sua casa, Kenneth pegou
as pilhas, colocou-as na lanterna e com as chaves do colégio em seu poder, abriu o portão
e entrou.
O colégio estava de se arrepiar os cabelos, aquele longo corredor escuro dava-lhe nos
nervos, mas era algo previsível. A questão agora é: onde estaria o tal cofre?
Kenneth percorreu todo o corredor onde ficavam os armários, vasculhou algumas salas,
ante-salas, mas nada. Não havia sinal algum de cofre. De repente Kenneth viu uma
silhueta no escuro, seu coração disparou, parecia querer saltar de seu peito. Então,
resolveu dar uma olhada, talvez fosse apenas o Sr. William. Kenneth caminhou
cuidadosamente até onde vira a silhueta, e ela ainda estava lá, parecia estar imóvel,
Kenneth não entendia o que o Sr. William estaria fazendo ali estático, e foi se aproximando,
até que, de repente, algo o acertou. Kenneth gritou como nunca gritara antes. Ao apontar a
lanterna para o chão pôde ver quem, ou melhor, o que provocara a tal silhueta, era o
esqueleto da aula de biologia. Kenneth já estava para desistir, quando se lembrou da sala
do diretor. Primeiramente achou a idéia um tanto quanto ridícula, pois o que um cofre
velho estaria fazendo na sala do diretor? Mas não custava nada dar uma olhada, talvez até
achasse algo interessante, como a prova de biologia da próxima semana.
A penca de chaves era tão complexa que Kenneth levou uns três minutos para achar a da
sala do diretor. Não havia sinal algum de cofre, apenas uma mesa velha, alguns livros
de pedagogia sobre uma instante marcada pelos cupins, um armário enferrujado, uma
bandeira desbotada dos Estados Unidos da América e.... outra porta! Kenneth sentiu algo
diferente ao fitar aquela pequena porta velha. Kenneth correu imediatamente até ela, e
começou sua busca frenética pela preciosa chave. Mas não a encontrava, os minutos iam
se passando; um, dois, cinco, onze minutos, e nada. A penca em suas mãos não
possui a tal chave. O desespero e a raiva invadiram como uma avalanche à mente de
Kenneth. Ao fundo, a voz do Sr. William a lhe chamar o deixava ainda mais irado. Não
suportando mais, Kenneth pegou o mastro da bandeira e começou a golpear a porta.
Golpeou-a por vários minutos, até ceder. Por trás da porta há uma escada que parece
levar a um porão. Kenneth desceu-a cuidadosamente, pois parecia ser demasiadamente
velha. Lá debaixo havia um som ininterrupto, era o som de ratos, havia dezenas deles.
Ao terminar a descida, Kenneth começou apontar a lanterna vagarosamente para todos os
cantos. Era impressionante a quantidade de objetos que havia naquele local: livros antigos,
alguns quadros, pilhas e pilhas de cadernos, e principalmente muito pó, Kenneth estava
respirando com uma dificuldade enorme.
As chances de Kenneth estavam se esgotando, restavam apenas dois amontoados cobertos
com velhos lençóis. Ou o cofre está debaixo de um deles ou sua fantasia acabará por ali.
Kenneth optou em ver primeiro o amontoado que não apresentava forma, certamente não
possuindo sob a sua proteção o cofre. Ao retirar o lençol, veio a confirmação, havia
apenas uma caixa com brinquedos velhos e quebrados. Restara apenas um. Kenneth
caminhou lentamente até ele, arregaçou suas mangas, respirou bem fundo e puxou
bruscamente o lençol, e para sua surpresa.....não havia nenhum cofre, apenas uma velha
caixa velha de madeira fechada com um ...
— Cadeado com combinação, é isso! — exclamou Kenneth.
O coração de Kenneth disparou novamente, suas mãos tremiam. Tremiam tanto que teve
trabalho em procurar pelo pedaço de papel que deixara no bolso da calça. Ao achá-lo,
Kenneth tentou se acalmar para que pudesse seguir corretamente a combinação do cadeado.
Mas havia algo que o perturbava, era o cheiro que exalava da caixa, um cheiro horrível.
Na primeira oportunidade em que o cheiro diminuiu sua intensidade, Kenneth começou a
abertura do cadeado:
— Bom, vamos lá: seis para a direita — Kenneth seguiu cuidadosamente o giro da peça
do cadeado para não errar — , um para a esquerda, nove para a esquerda e..... — as
mãos de Kenneth voltaram a tremer. Sua ansiedade era tremenda — ..cinco para a direita.
O cadeado se abriu. Kenneth retirou-o vagarosamente. Agora, o fim do mistério que
habita a caixa dependia apenas de um simples toque em sua tampa.
O cheiro recomeçou, e agora mais forte do que antes. A tampa da caixa caiu, mas não pela
ação de Kenneth, havia algo de estranho, muito estranho, naquela velha caixa.
Talvez....algo vivo.
— Kenneth, — era a voz do Sr. William — você está aí? o que está acontecendo?
— Sr. William, estou aqui embaixo! — Kenneth se levantou e apontou a lanterna na
direção dos degraus.
O Sr. William começou a descer a escada.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou ele — Eu não lhe disse para não tocar em
nada?!
— Perdoe-me, mas....
— Kenneth, tem alguma coisa atrás de você!
— Oh meu Deus!
Se Kenneth não se abaixasse rapidamente, teria sua cabeça dilacerada por algo
monstruoso. A ação foi tão rápida que Kenneth não pôde sequer vê-lo, e pelo jeito nem o
verá, pois enquanto se abaixou sua lanterna voou longe e desligou-se.
— Kenneth, o que era aquilo atrás de você?
— Sr. William, fuja daqui! depressa!
— Fugir? Kenneth, que brincadei.....oh meu Deus! socorro!
A criatura pulara sobre o Sr. William.
— Sr. William! onde o senhor está? Sr. William! Sr. William!
Kenneth sabia que, a esta altura, o Sr. William só poderia estar morto. Só lhe restava
tentar escapar daquele maldito porão. Kenneth tentou achar algo com que pudesse se
proteger, achou uma carcaça de cadeira velha. Sua única chance de sair é chegar até a
escada, e sua única chance de chegar a escada será o seu instinto. Ao primeiro som feito
por Kenneth, a criatura se manifestou. Apenas o silêncio o mantinha vivo. Mas até
quando?
De repente, Kenneth tropeça em algo, ao tocá-lo, pôde ver o que era, Kenneth tropeçara
na ossada do Sr. William, isso mesmo, do corpo do Sr. William restavam apenas alguns
pedaços de carne, no mais, não passava de ossos. É horrivelmente incrível o que aquela
criatura fizera com ele em tão poucos segundos. Mas para piorar ainda mais a situação, a
criatura parecia estar agitada, parecia saber onde Kenneth estava, e realmente sabia.
Sem mesmo saber como, Kenneth conseguiu subir rapidamente a escada, e trancar a
porta. Feito isso, correu, correu desesperadamente.
Mas enquanto corria, o som da
porta sendo arrombada soou aos seus ouvidos como um tiro à queima-roupa. Seu pavor
triplicou. Suas pernas paralisaram-se. Lentamente, como que gozando cada segundo
do horror vivido por Kenneth, aproxima-se a criatura, com fome da carne e sede de seu
sangue quente circulando pelas veias. O som mórbido do caminhar da besta sintetizava o
mais puro sentimento do horror. Imóvel no fim do corredor, não lhe restava mais nada a
não ser esperar por uma morte rápida e sem sofrimento. Foram necessários apenas alguns
segundos até que ficassem frente a frente. Mas antes que a criatura lhe desse o golpe
fatal...
— Kenneth, já está na hora! — era a voz de Fredy, seu tio.
— Não! não me mate!
— Kenneth, do que você está falando?
— Hã? o que?
— Kenneth, você tem que parar de ler estes livros. Vamos, levante, se não você se
atrasará para sua aula.
— Não acredito, um pesadelo!
Após levantar-se, Kenneth foi até o seu armário, ao abri-lo....lá estava a criatura,
sedenta e voraz. O golpe foi súbito e fatal.
Neste momento, o despertador toca, eram exatamente seis e vinte da manhã. Fora tudo
um pesadelo.
Durante o café da manhã...
— Dormiu bem, Kenneth? — perguntou sua tia Anna.
— Bom, melhor, impossível — Kenneth evitou falar sobre o pesadelo que tivera, pois
não queria seus tios lhe dando os velhos sermões a respeito dos seus livros e filmes
prediletos, quase todos do mesmo gênero: terror.
— Como está o Michael? — perguntou ele.
— Ainda sente algumas dores, mas está bem. — respondeu sua tia, após tomar um gole
de café.
— Foi até bom, assim ele sossega um pouco — disse Fredy.
— O que? — Anna se irritou — como pode desejar isso ao seu próprio filho?
— Não desejei nada disso ao Michael, mas você, nós, sabíamos que isso aconteceria
mais cedo ou mais tarde. Sabemos como ele é.
Sem querer presenciar mais uma das discussões entre seus tios, Kenneth tomou
rapidamente seu copo de café com leite, pegou uma maçã e se mandou para o colégio.
O pesadelo que tivera à noite serviu para atiçar ainda mais a sua curiosidade a respeito
daquele pequeno pedaço de papel. Descobrir de onde vem aquela combinação se tornara
uma questão de honra.
Chegando ao colégio, Kenneth encontra com Thomas...
— E aí, Thomas? — disse Kenneth.
Thomas não respondeu.
— O que foi, cara? o que deu em você?
— Deixe-me em paz!
— Já sei, seu pai está com problemas, não é? Tudo bem, eu já estou indo, não quero
me meter — Kenneth apressou os passos.
— Kenneth, espere.
Kenneth parou.
— Desculpe-me por ter tratado você daquele jeito. — disse Thomas.
— Tudo bem, sei como é, há vezes em que eu acordo chutando até o cachorro.
— É, mas não é justo que você seja o meu “cachorro” de hoje.
Caminharam alguns metros, calados. Kenneth procurava por algum assunto com que
pudessem conversar, mas não encontrava, até que Thomas resolveu tomar a iniciativa.
— Kenneth, como sabia que eu estava nervoso por problemas com o meu pai?
— Hã...., bom...
— Pode dizer, já estou acostumado.
— Eu liguei o rádio ontem à noite e estavam falando a respeito dele.
— Kenneth, por mais que digam coisas horríveis sobre o meu pai, é difícil aceitar numa
boa. Poxa, ele é meu pai! sei que ele não é perfeito, mas gosto dele.
— É, sei do que você está falando.
— E o seu pai, Kenneth? ele mora com você?
— Não, ele deve estar em Milão, ou Roma, ou sei lá onde. Meu pai nunca se
entusiasmou pela idéia ser pai. Vivia e ainda vive viajando por todos os cantos do mundo,
mas nunca me deu muita atenção.
— Mas você ainda gosta dele.
— Sim.
— Kenneth, você é um cara legal. Pena que o Bruce ainda não pense o mesmo.
— É, tenho percebido que ele não me vê com bons olhos. É como se ele achasse que
estou roubando algo dele.
— Não se preocupe, Bruce é apenas um pouco revoltado. Também, ele tem motivos.
— Como assim?
— Bom, sua mãe é alcoólatra e seu pai é visto como um assassino pelos moradores de
Stoneyfield.
— Assassino?
— É, aos dezoito anos ele foi acusado de ter assassinado uma garota, ficou preso por
dezenove anos. Mas o povo de Stoneyfield acha que ele deveria ter pego prisão perpétua,
em razão da forma com que foi praticado o assassinato.
— E como foi?
— Dizem que só encontraram pedaços da garota.
— Jesus Cristo!
— Eu não acredito que o pai de Bruce tenha feito isso. Esta história sempre foi muito mal
contada.
Neste momento, toca o sinal para a aula.
— Bom, temos que nos apressar — disse Thomas.
Ao chegarem na sala, são fitados por todos os alunos e pela professora.
— Por que vocês dois só entraram agora? — perguntou a professora, irritada.
— Acho que não ouvi o sinal — respondeu ironicamente Kenneth.
— Pois tratem de lavar melhor esses ouvidos, da próxima vez não permitirei que entrem.
— Sim, Srª. Carthwrite — disse Thomas.
— Essa professora é um saco! — sussurrou Kenneth ao ouvido de Christine, que senta-se
a sua frente.
Durante a aula, Kenneth contou parte por parte o pesadelo que tivera. Mal prestaram a
atenção na aula.
Minutos antes do sinal para o intervalo...
— Kenneth, que pesadelo horrível você teve! — sussurrou Christine.
— Sabe, este pesadelo me deixou curioso a respeito da tal combinação.
Ao saírem da sala, Kenneth e Christine passaram pelo corredor, conversando a respeito da
combinação e sobre o tal nome: Conrad Seymor. O Sr. William, que por ali estava. Ao ouvir
novamente a pronúncia daquele nome, teve recordações nada agradáveis, como um que
ocorrera numa noite de outubro de 1958. Após o encerramento das aulas noturnas daquele
dia, o Sr. William se preparava para fechar e apagar as luzes das salas e dos corredores do
colégio, quando ouviu um barulho que lhe chamou a atenção, parecia-se com um gato
miando. Mas os corredores estavam escuros, então, o Sr. William resolveu acender a
luz de um deles. Ao acender, notou que havia realmente um gato no fim do corredor.
Resolveu, então, caminhar até ele. Á medida que se aproximava, percebia que havia algo
de estranho com aquele gato, algo diferente; sua barriga estava completamente esmagada,
um de seus olhos estava saltado para fora, seu corpo estava banhado de sangue. Mas
mesmo assim ele miava; estava vivo. O Sr. William não compreendia o que seus olhos lhe
mostravam. Era ele: Chester, o seu gato de estimação, que morrera há dois dias.
Horrorizado com aquela inexplicável cena, o Sr. William começou a se sentir mal, o cheiro
daquela coisa era horrível, e ele acabara de fechar todas as vidraças. Começou, então,
a caminhar até a saída, que ficava a aproximadamente uns quinze metros. Sua respiração
estava péssima. Enquanto caminhava, sentia que o gato, ou seja lá o que fosse aquilo,
lhe seguia. Os sons emitidos por aquela abominação lhe transtornavam.
Ao ultrapassar todo o corredor e chegar até a porta, algo lhe tocou as costas. O pavor
tomou-lhe conta. Seu coração nunca batera tão rápido.
— Boa noite, Sr. William.
Instintivamente, o Sr. William deu um sonoro grito. Mas pela voz, logo reconheceu quem
era.
— Sr. Seymor? o que o senhor estava fazendo no colégio até essa hora?
— Estava corrigindo algumas provas, não gosto de corrigir em casa. Mas que cara é
essa? parece que viu um fantasma!
— E acho que vi mesmo. O senhor, por acaso, não viu um gato preto todo
ensangüentado ali no corredor?
— Não, não vi.
— Mas não é possível! ele estava bem ali, e emitia um cheiro horrível.
— Sr. William, soube que possuía um gato, e que ele foi atropelado há alguns dias. O
senhor deve estar um pouco traumatizado, é só isso. Acho melhor o senhor ir dormir,
amanhã será um novo dia, e verá que não há nenhum gato ensangüentado vagando pelos
corredores do colégio.
— É, acho que o senhor tem razão.
— Até amanhã, Sr. William.
— Sr. William, o senhor está se sentindo bem? — disse Aline, uma das cozinheiras do
colégio.
— Hã? o que?
— Sr. William, o senhor ficou um bom tempo aí parado, nem piscava os olhos. O senhor
está bem?
— Sim, Aline, estou bem, obrigado. Estava apenas me lembrando de um fato que me
ocorreu há muitos anos.
— Nossa, parecia ter visto um fantasma! — murmurou ela.
A cena de Christine perguntando a respeito de Conrad Seymor veio à mente do Sr. William.
— Conrad Seymor. — disse pausadamente — Meu Deus, em que será que estes garotos
estão metidos?!
Um pouco zonzo, o Sr. William foi até a sua casa, nos fundos do colégio, tomou um
comprimido para dor de cabeça e começou a revirar um de seus velhos baús, onde estavam
alguns objetos abandonados no colégio e que não foram reclamados por seus donos, dentre
eles, havia 1 deixado por Conrad Seymor; com tamanho e forma de uma caixa de sapato.
Algo extremamente distinto do que já vira, não lhe foi possível definir ou nomear. Todos os
seus lados eram pintados e muito bem decorados, nas cores vermelho, azul e preto.
Havia também alguns dizeres, mas estavam em um dialeto não reconhecido pelo Sr.
William, talvez grego, pensou ele. E por fim, algo curioso, sobre o que parece ser a
tampa há um pequenino boneco, com aproximadamente três centímetros de altura. O tal
boneco estava em pé sobre o centro de um pentagrama, que por sua vez estava rodeado por
pequenos traços, formando um círculo; como em um relógio. Mantinha na sua mão
esquerda um livro e o seu braço direito esticado, apontando para algo, talvez para os
ponteiros. Ao balançar a caixa, o Sr. William pôde sentir que havia algo em seu interior.
Ao tocar o sinal para o fim da aula, o Sr. William foi até o corredor, a fim de encontrar com
Christine. Alguns minutos depois, ela apareceu, ao lado de Kenneth e Thomas, no fim do
corredor, pois a classe onde estudam é exatamente a última. Ao se aproximarem...
— Até amanhã, Sr. William — disse Christine.
— Espere — disse o Sr. William — lembra do que me perguntou ontem?
— Se o senhor conheceu um tal Conrad Seymor?
— Sim, e eu realmente o conheci.
— É mesmo? — exclamou Thomas.
Assim, todos os três acompanharam o Sr. William até o sua casa.
— Sentem-se — disse o Sr. William — vou trazer o que lhes falei.
— O que será que ele quer nos mostrar? — sussurrou Kenneth ao ouvido de Christine.
— Sei lá, talvez seja algum álbum de quando ele era pequeno.
— Vire essa boca para lá! — sussurrou Thomas — não vejo a hora de ir embora, estou
morrendo de fome.
De repente, o Sr. William aparece com a tal caixa em mãos.
— O que é isso?
— Não sei exatamente o que é, mas sei de quem era.
— Do Sr. Conrad?
— Isso mesmo.
— Então o senhor até o conheceu — disse Christine.
— Sim, ele lecionou aqui em 1958 e 59, eu já trabalhava aqui naquela época. Bom, eu
apenas o cumprimentava, o Sr. Conrad era um homem muito estranho. Não era de muita
conversa, mesmo com os outros professores. Lembro-me de uma história que até hoje me
deixa arrepiado, mas é melhor não contar, a menos que queiram achar-me louco.
— Sr. William, — disse Christine — nunca acharíamos isso do senhor.
— Tudo bem, contarei. Talvez até eu me sinta melhor se desabafar isso com alguém,
pois nunca contei isso pra alguém antes. Mas, tenho certeza que não me acreditarão.
Assim, o Sr. William lhes contou detalhadamente todo o episódio que lhe sucedeu naquela
assombrosa noite de 1959, que mesmo tendo acontecido há 36 anos, ainda lhe causa
mórbidos arrepios.
— Mas o senhor tinha certeza que era o mesmo gato? — perguntou Christine.
— Christine, eu lhe juro, era realmente o Chester, meu gato. Mas ao mesmo tempo
era assustador, pois eu vi com meus próprios olhos ele ser atropelado por um caminhão,
dois dias antes.
— O que o senhor acha que pode ter acontecido? — perguntou Thomas.
— Sinceramente?
— Sim, diga.
— O Sr. Conrad Seymor teve participação nesse episódio estranho.
— O que? — indignou-se Christine — como assim?
— Bom, eu não lhes contei o que eu vi no dia seguinte. Logo pela manhã, resolvi dar
uma olhada no colégio, para ver se realmente o que acontecera na noite passada foi apenas
uma alucinação.
Vasculhei todos os cantos do colégio atrás de rastros do sangue daquela
coisa. Mas não havia nada. Nem sangue, e nem se sentia mais aquele horrível odor.
— Então foi apenas uma alucinação — disse Kenneth.
— Calma, eu ainda não contei o que eu achei na sala dos professores.
— E o que foi? o gato? — perguntou Thomas.
— Não, debaixo do armário havia uma folha, de um branco escuro e encardido, como
uma espécie de um pergaminho, ao qual deveria ser muitíssimo antigo, pois quase não
se enxergava mais os seus dizeres, quero dizer, rabiscos, não havia sinal de escrita,
somente símbolos e pequenos desenhos.
— Mas, enfim, o que havia de tão surpreendente assim neste papel?
— Como já disse, não havia sinal de escrita, mas os desenhos. Aqueles desenhos
diziam mais do que palavras. E pude assim descobrir do que se tratava aquela maldita folha:
a reanimação de corpos.
— O que? — disse Kenneth — Sr. William, perdoe-me, mas o senhor está de
brincadeira conosco.
— Filho, nunca falei tão sério em toda a minha vida.
— Por acaso, o senhor não guardou esta folha?
— Lógico que não! — respondeu ele subitamente — assim que saí do colégio, queimei
aquela coisa profana.
— Quer dizer então que o senhor acha que o tal Conrad Seymor usou de magia negra e
conseguiu ressuscitar o seu gato? — e riu descontroladamente.
— Eu não duvido nada, pois o Sr. Conrad era um homem realmente esquisito; muito
esquisito. Ele tinha um olhar estranho. Parecia saber de tudo que se passava ao seu redor.
Tinha uma mancha negra no meio da testa. Acho que nunca me esquecerei daquele rosto,
nunca. Bom, tenho algo para lhes mostrar, estão vendo aquele objeto sobre a mesa? —
levantou-se e foi pegá-lo.
— O que é aquilo? — perguntou Christine.
— Isso pertenceu ao Sr. Conrad; estava bem perto do local onde eu achei a tal página.
Adivinhem como ela abre?
— Através de uma combinação? — perguntou Kenneth.
— Acho que sim. Vocês acharam uma combinação, não foi?
— Sim, — disse Kenneth — mas como sabia disso?
— Ouvi, quando passavam pelo corredor. Perdoe-me, mas não pude evitar.
— Tudo bem. Mas.... Sr. William, como esta caixa foi parar em suas mãos?
— No ano de 1959, o Sr. Conrad deixou o colégio, mas não por demissão ou abandono,
ele simplesmente desapareceu. E até hoje ninguém soube explicar o que aconteceu a ele.
Lembro-me que o diretor até ficou preocupado com o seu misterioso desaparecimento, e
pediu ajuda ao xerife. Mas não adiantou absolutamente nada. Nem o xerife e nem seus
homens conseguiram descobrir o que houve com ele. Todas as suas coisas ficaram aqui no
colégio, e o diretor pediu-me que achasse um lugar para guardá-las. Guardei-as tão bem
que nem me lembrava mais de tê-las aqui comigo. Há pouco, na hora do intervalo,
revirando um dos meus velhos baús, encontrei esse objeto estranho, e me lembrei que era
do Sr. Conrad.
— Então, — disse Thomas — o que estamos esperando para abri-la? Kenneth, você
está com a combinação?
— Pra quê?
— Precisaremos dela para abrir esta coisa.
— É mesmo? Pra falar a verdade, não estou com a combinação, mas eu já decorei.
— Droga! — resmungou Thomas — preferia que fosse de um cofre.
Pegando o objeto, Kenneth sentiu uma prazerosa sensação. Tudo aquilo devido um
simples papelzinho encontrado em um livro velho de biblioteca. Seria o destino batendo às
suas portas?
— Mas como isso funciona? — perguntou Thomas.
— Acho que já entendi, — disse Kenneth — esse bonequinho serve como uma espécie
de alavanca, girando-o de acordo com a combinação.
— Exatamente — disse o Sr. William, que também estava curioso em saber o que havia
dentro do objeto.
— Bom, vamos tentar, — disse Kenneth, após um rápido suspiro — se não me
engano, a combinação é: seis para a direita, — Kenneth girou lentamente o boneco,
fazendo com que seu braço direito apontasse na direção exata do sexto ponto ao redor do
pentagrama — um para a esquerda, puxa vida....isto está muito enferrujado!
— Vamos! Kenneth, — disse Christine — continue.
— Calma, deixe-me lembrar, acho que é.....nove para a....esquerda. E agora, o
último. Puts! acho que esqueci!
— Kenneth, eu mato você! — Christine se aborreceu.
— Brincadeirinha! como eu poderia esquecer? não tiro os olhos daquele papel o dia inteiro.
— Então abra logo! — disse ela — essa curiosidade está me matando.
— Tudo bem, cinco para a direita, — para provocar Christine, Kenneth girou
vagarosamente o boneco, até chegar no quinto ponto.
— E aí? — perguntou o Sr. William — abriu?
— Sim, deu para sentir um pequeno tranco quando girei o boneco para o quinto ponto.
O coração de Kenneth, bem como o de todos ali naquela sala, acelerou. Ao abri-la,
finalmente puderam ver o que se escondia em seu interior...
— Desenhos? — indignou-se Christine — perdemos todo esse tempo atrás de...patéticos
desenhos?
O desapontamento de Christine refletiu o dos outros ali presentes. Havia apenas desenhos
dentro da caixa. Sendo que em sua maioria os desenhos retratavam paisagens, como a de
uma floresta. Eram apenas medianos, com traços ingênuos e mal feitos. Percebia-se
logo que eram desenhos feitos por alguém interessado apenas em matar o tempo.
— Eu não acredito, — disse Kenneth — eu imaginava tudo, menos esses rabiscos
idiotas.
— Kenneth, — disse Thomas — veja este desenho!
Kenneth observou o desenho que Thomas lhe falou. Neste desenho havia um homem
entrando por uma espécie de um túnel, ao qual levava para debaixo da terra. Na boca do
túnel havia uma porta toda camuflada com mato e pequenos galhos de árvores.
— E daí? — perguntou Kenneth — Você acha que esse lugar realmente existe? Thomas,
isso é impossível.
— Impossível? não acho, há um outro igual a esse, só que de um outro ângulo.
Christine, dê uma olhada, veja se você reconhece alguma coisa neste desenho.
Logo ao bater os olhos sobre o desenho...
— O tal de Conrad Seymor não é nenhum Leonardo da Vinci, mas reconheço claramente,
ao fundo ele desenhou a Cachoeira de Prata.
— Cachoeira de Prata? — indagou Kenneth.
— Sim, ela fica na floresta de Monkey Falls — disse Christine — Íamos muito àquele
local, quando pequenos.
— E por que não vão mais?
— Ocorreram vários acidentes fatais naquela cachoeira, — disse o Sr. William — vários
garotos deste colégio morreram naquele lugar maldito.
— Eu não sei quanto a vocês dois, — disse Thomas — mas eu estou morrendo de fome.
— É, acho que nos esquecemos da hora — disse Kenneth.
— Sr. William, — disse Thomas — posso levar alguns desses desenhos?
— Claro! leve todos, e se quiser, pode levar esta caixa estranha também. Não quero nada
que tenha pertencido àquele homem.
Durante o caminho para suas casas...
— Thomas, — disse Kenneth — você tem certeza que estes desenhos retratam realmente
o lugar que você falou?
— Absoluta. Kenneth, você não reparou que os fatos, de uma forma ou de outra, estão
relacionados?
— Como assim?
— Lembra-se das páginas arrancadas daquele livro? você disse que elas diziam a respeito
da lenda dos Pakahunas, não é?
— Sim, mas e daí?
— E daí que, segundo a lenda, os Pakahunas habitaram a floresta de Monkey Falls, a
mesma de todos estes desenhos. E ainda tem mais uma coisa, está vendo este desenho
aqui? — Thomas entregou um dos desenhos ao Kenneth.
Kenneth alternava a atenção entre o volante e o desenho.
— Esta enorme pedra? — perguntou ele, após analisar o desenho.
— Sim, ela existe, fica no centro da floresta. É conhecida como a Pedra do Diabo.
— Pedra do Diabo?
— Isso aí, segundo a lenda, era ao redor dessa pedra que os Pakahunas se reuniam para
o sacrifício.
— E o que eles sacrificavam? — perguntou Christine.
— Acho que você não vai se alegrar ao saber. Eles sacrificavam uma jovem “branca”,
ofereciam-na ao guardião dos espíritos, aquele a quem se atribuía o dever de manter as
almas de seus velhos ancestrais em paz, longe da “maldição dos espíritos”, ao qual
conhecemos por inferno.
Chegando em frente à casa de Thomas...
— Amanhã é sábado, não é? — perguntou Kenneth — vocês já têm algum compromisso?
— Não — respondeu Thomas.
— Bom, ainda não — respondeu Christine.
— Pois o que acham de irmos até a Floresta de Monkey Falls?
— Ótima idéia! — disse Thomas.
— E você, Christine, o que acha?
— Não sei se é uma boa idéia.
— Mas por quê?
— Kenneth, — disse Thomas — Christine é uma, dentre a grande maioria dos
habitantes de Stoneyfield, que acredita nas centenas de histórias que contam sobre a
floresta.
— Que tipo de histórias?
— Histórias com criaturas aterrorizantes, seres de outro mundo, aborígines cruéis, rituais
macabros, etc.
— Não seja tão cínico assim! — disse Christine — lembro-me muito bem de que você
também morria de medo destas histórias.
— Mas isso foi há muito tempo, quando éramos crianças.
— Christine, — disse Kenneth — pense bem, que mal pode haver naquele lugar? Além
do mais, são histórias velhas, não são?
— Vocês não lêem jornal? há menos de duas semanas li uma reportagem sobre um
fazendeiro que afirmou ter visto um índio correndo pelos arredores da floresta.
— Talvez tenha sido um Pakahuna! — ironizou Thomas — sim! ele levantou-se de sua
catacumba e...
— Cale essa boca! — gritou Christine.
— Christine, — disse Thomas, sério — me perdoe, mas pra mim, essa é mais uma
história de caipira.
— Não sei, história de caipira ou não, alguma coisa ele viu.
— Thomas, — disse Kenneth — ao cair da tarde eu passo aqui para combinarmos tudo para
amanhã, Ok?
— Tudo bem.
— Você também está de acordo, Christine?
Christine não respondeu.
Após Thomas descer do carro, Kenneth levou Christine até sua casa. Durante o caminho,
permaneceram calados. Ao chegarem, o pai dela a esperava no portão...
— Por onde andou até essa hora? — perguntou ele, bem irritado.
Christine desceu imediatamente do carro.
— O colégio promoveu alguns jogos e ficamos assistindo, nem vi o tempo passar —
Christine improvisara todas essas frases.
— Tudo bem. E.....quem é você? — disse o pai de Christine ao olhar na direção de
Kenneth.
— Kenneth Dears, prazer em conhecê-lo, senhor.
— Ele é o colega de quem lhe falei — disse Christine.
— Aquele que veio de Los Angeles?
— Sim, ele mesmo.
— Olhe, rapaz, não quero nenhum garoto de cidade grande metendo idéias malucas na
cabeça de minha filha, entendeu bem?
— Pai! — Christine ficou muito envergonhada — como pôde dizer uma coisa dessas a um
amigo meu?
— Entendi, senhor, — disse Kenneth — mas saiba também que nunca tive essa
intenção.
— Acho bom. Christine, entre, você ainda nem almoçou.
Muito aborrecida, Christine percorreu aquele estreito caminho do portão até a porta de sua
casa, pisando firme.
— Boa tarde — disse Kenneth.
— Pra você também — respondeu ele em um tom não muito amigável.
Ao chegar em casa, Kenneth não recebe uma notícia muito animadora...
— Kenneth, — disse seu tio Fredy — amanhã terei de viajar pra Portland.
— Tudo bem — Kenneth não deu muita atenção, e já se preparava para ir para o seu
quarto, quando...
— Kenneth, eu ainda não terminei, tem mais uma coisa que eu preciso lhe dizer.
— Pode dizer.
— Sua tia e sua prima irão comigo.
— O que? mas e o Michael?
— Achamos que não haveria problema algum em você cuidar dele durante três dias.
— Três dias?
— Algum problema?
Após alguns segundos de reflexão...
— Não, tio Fredy, nenhum problema.
Na verdade não era bem essa a resposta que Kenneth tinha em mente, mas não conseguiu
dizer não a seu tio, pois ele não o disse quando lhe acolhera em sua casa.
Alguns minutos depois, enquanto almoçava, Michael aparece na cozinha, estava em uma
cadeira de rodas, com a perna direita engessada e alguns curativos nos braços.
— Oi, Kenneth — disse ele.
— Michael? — exclamou Kenneth surpreso — pensei que usaria muletas.
— Não deu certo, doía muito quando eu andava, ou melhor, tentava andar.
Kenneth,
meu pai já contou para você que ele, mamãe e Michelly vão viajar amanhã?
— Sim, já me contou.
— Será legal, poderei assistir televisão até tarde, comer o que quiser e...., quer dizer,
você não vai dar uma de “pai careta” pra cima de mim, vai?
— Michael, faça o que você quiser, afinal, a casa é do seu pai.
— Legal, acho que vamos nos dar muito bem durante esses três dias.
Estas últimas palavras desanimaram Kenneth ainda mais, pois estava cada vez mais claro
que além de perder o que estava combinado para o sábado, ainda teria que agüentar as
pentelhices de seu primo.
Ao cair da tarde, Kenneth pega o carro e vai até a casa de Thomas. Chegando lá, não
encontra apenas Thomas, mas também Christine e Bruce.
— Como você demorou! — disse Christine.
— Olha só quem está aqui! — disse ironicamente Kenneth — nossa querida medrosa
mudou de idéia?
— Bom, acho que foi mais para poder ficar livre das aporrinhações do meu pai. Aliás,
queria me desculpar pelo que ele disse a você naquela hora.
— Deixa pra lá, ele não disse nada de mais.
— Então quer dizer que o Sr. Rogster já lhe deu o primeiro coice?! — disse Bruce — o
velho da Christine é assim mesmo.
— E aí, Bruce? — disse Kenneth — Por que não foi à aula hoje?
— Não tive vontade de ir.
— Você nunca tem vontade — disse Christine.
— Kenneth, — disse Thomas — o Bruce também quer ir conosco amanhã. Já
contamos toda a história para ele. Tudo bem?
— Sem problema, mas só que surgiu um pequeno, quero dizer, um “pequeno grande”
problema: meus tios vão viajar e eu terei de cuidar do meu primo de dez anos.
— Puts! — disse Thomas — lá se foi nossa aventura.
— Kenneth, — disse Christine — por que não levamos ele também?
— Mas há um outro problema, ele está em uma cadeira de rodas.
— Coitado! o que aconteceu com ele? — perguntou Christine.
— Ele caiu de uma árvore ontem à tarde.
— Não há uma possibilidade dos seus tios o levarem na viagem? — perguntou Thomas.
— Acho que não.
— Podemos deixá-lo no carro enquanto estivermos na floresta — disse Bruce.
— Bom, até que não é uma má idéia, — disse Kenneth — mas o problema é que ele é
muito agitado, não sei se agüentaria nos esperar tranqüilamente no carro.
— Mas acho que estando em uma cadeira de rodas não vai dar para ele ficar tão agitado
assim, você não acha? — disse Christine.
Assim, Kenneth acabou convencido da idéia de levar seu primo. Combinaram a hora, o
trajeto, e o que levar.
Ao voltar pra casa, Kenneth teve de ouvir as recomendações de seu tio...
— Kenneth, amanhã sairemos bem cedo, ou como o povo daqui diz: “vamos madrugar
com o galo”, — Kenneth gostou bastante da notícia — então, já digo agora o que preciso
lhe falar, sua tia e eu fomos ao armazém e compramos tudo o que vocês vão precisar para
esses três dias. Não quero que abra a porta para estranhos e evite ao máximo sair de casa.
— Tio, não é por nada, mas eu acho que Stoneyfield nem sabe o que significa a palavra
“ladrão”.
— Mesmo assim, quero que me prometa que ficará sempre alerta.
— Bom, não sou um bom escoteiro, mas confie em mim, ficaremos bem. Mais alguma
coisa? eu estou querendo tomar um banho e descansar.
— Foi bom você tocar neste assunto, o gesso do Michael não pode se molhar, então,
antes que ele vá tomar banho, você terá que prender um plástico sobre o gesso e...
— Só me faltava essa! — murmurou Kenneth.
— Você disse alguma coisa?
— Eu? não.
— Bom, eu acho que é só isso. Pode tomar seu banho sossegado.
Quando Kenneth já se dirigia à porta do seu quarto...
— Kenneth, só mais uma coisa, não deixe o Michael assistir televisão até tarde, Ok?
— Tudo bem, tio. Mais alguma coisa?
— Não, não, quero dizer, sim, o chuveiro ainda está quebrado.
Na manhã seguinte...
— Kenneth, acorde.
— Hã? — disse ele meio adormecido.
— Já está na hora, — disse sua tia — se você não se apressar, nós perderemos o
ônibus.
— Que horas são?
— Cinco da manhã.
Após se trocar e tomar um rápido café, Kenneth pega o carro e os leva até o centro de
Stoneyfield, onde pegarão um ônibus até Castle Rock, de onde terão que tomar outro
ônibus, até a cidade de Down Falls, onde finalmente pegarão um avião até Portland.
Minutos antes de tomarem o ônibus...
— Tchau, Kenneth — disse seu tio.
Sua tia e sua prima fizeram o mesmo, logo em seguida.
— Tchau, boa viagem. Não se preocupem com o Michael, nós nos entenderemos muito
bem.
Assim, seus tios subiram no ônibus, se é que se pode chamar aquilo de ônibus, uma
verdadeira sucata ambulante, esta seria a melhor forma para descrevê-lo. Sua lataria
estava muito amassada, havia sinais de ferrugem por quase todos os cantos. O motorista
deve ser o mesmo que o guiou pela primeira vez, deve ter no mínimo uns sessenta e tantos
anos; cabelos grisalhos, um bigode ralo, magro, quase esquelético.
— Segunda-feira estaremos de volta — gritou seu tio, com a cabeça para fora da janela e
com o ônibus já em movimento.
Ao voltar para casa e ver que ainda eram seis horas da manhã, Kenneth resolveu dormir
mais um pouco, pois ainda faltavam mais de duas horas para a ida à floresta, que estava
marcada para as oito e trinta. Por precaução, pôs o relógio para despertar uma meia hora
antes.
O relógio desperta, são 8 horas da manhã, Kenneth pula rapidamente da cama e vai até o
quarto do seu primo.
— Michael, acorda.
— Eu estou com sono — respondeu ele. O som de sua voz saiu abafado pelo travesseiro.
— Michael, você não quer dar uma volta?
— Volta?
— Sim, um passeio na floresta.
Assim, quando o relógio marcou 8:25, Kenneth e Michael saíram de casa. Michael
sentou-se no banco da frente, ao lado de Kenneth.
— Quem mais vai com a gente? — perguntou Michael.
— Mais três colegas meus, eles são legais, você vai ver.
Durante o resto da viagem, permaneceram calados.
Ao entrar na rua da casa de Christine, já dava para vê-la de pé ao lado do portão. Em sua
mão direita, segurava uma sacola amarela.
— Entre — disse Kenneth, após baixar o vidro da janela.
Ao ver o primo de Kenneth sentado no banco da frente, Christine dirigiu-se imediatamente à
porta de trás.
— Esse é o seu primo? — perguntou ela, após entrar no carro — Que gracinha!
— Michael, essa é a Christine. — Michael não se mostrou muito entusiasmado. —
Vamos! diga ao menos um “oi”.
— Oi, Christine.
— Oi.
Ao dar a partida...
— E aí, seu pai não tentou lhe impedir?
— Não, pois eu não sou maluca de dizer que ia à floresta.
— Já imaginava.
— Bruce pediu pra lhe dizer que ele ia esperar por você na casa do Thomas.
— Ok.
Chegando em frente a casa de Thomas, Kenneth buzinou duas vezes. Pouco depois, eles
apareceram; ambos de mochila às costas. Ao vê-los, Christine abriu a porta e moveu-se
para um dos cantos do carro.
— E aí, estão prontos? — perguntou Kenneth.
— E como! — disse Thomas — eu nem dormi direito, não via a hora desta aventura
começar.
— Será que vai ser tão legal assim? — perguntou Bruce.
Kenneth deu a partida no carro.
— Não vão dar um alô para o primo do Kenneth? — disse Christine aos dois. Michael
virou-se e fitou-os.
— E aí, tudo jóia? — disse Thomas, dando dois tapinhas de leve no ombro esquerdo do
garoto.
— Tudo — respondeu ele, não muito contente com os tapinhas.
— Thomas, quantos minutos são daqui até lá? — perguntou Kenneth.
— Acho que uns.... vinte e cinco minutos. Entre à direita, depois à esquerda e siga em
frente, daí entraremos na velha estrada para Monkey Falls. Faz um longo tempo que eu
não vou para aqueles lados. Será que mudou alguma coisa?
— Thomas, faz muito tempo que “ninguém” vai para aqueles lados — disse Christine,
reforçando cada uma das sílabas.
— Christine, por favor, não comece com aquele papo novamente, Ok?
Ao entrarem na estrada...
— Kenneth, — disse Christine — você já parou pra pensar naquela história que o Sr.
William nos contou?
— Não, ele estava apenas querendo nos assustar um pouco, mas a mim não conseguiu.
E vocês, acreditaram?
— Eu não sei, — respondeu ela — vocês se lembram como ele ficou enquanto nos
contava? parecia muito assustado, suas mãos até suavam. Não sei, mas alguma coisa o
pobre do Sr. William viu, e acho que não foi um “passarinho verde”.
— Lógico que não. — disse Thomas — Foi um “gato preto” — e riu.
— Por que acha que ele nos contou aquela história?
— Sei lá. Talvez ela até tenha acontecido, mas ele exagerou um pouco em alguns fatos. É
muito estranho, pois o Sr. William nunca mentiu para nós.
— É, pode até ter acontecido alguma coisa, mas não exatamente com ele disse. Além
do mais, vocês sabem tão bem quanto eu que ele já é uma pessoa de idade, a cabeça
começa a não funcionar muito bem, esquece de algumas coisas, inventa outras, e assim
por diante.
— Tudo bem, — disse Christine — mas supondo-se que o que ele nos contou foi
verídico, então isso significa que o tal Conrad Seymor era algum bruxo, ou...
— Bruxo? — perguntou Michael repentinamente.
— Christine, — disse Kenneth — você está assustando o garoto. — e sorriu.
— Eu não tenho medo. — disse ele em um tom raivoso.
— Viu, Christine? — perguntou Thomas em tom de ironia — até uma criança sabe
que bruxos não existem.
— Eu não sou criança!
Todos riram ao ouvir a rápida resposta de Michael.
— É lógico que não, — ironizou Kenneth — lógico que não.
Faltando pouco para entrarem no estreito caminho de acesso à floresta, algo atinge o carro,
imediatamente Kenneth o freia.
— O que foi isso? — exclamou ele.
— Pareceu-me uma pedra, e das grandes — disse Thomas.
Saíram todos do carro, exceto Michael.
— Olhem só para isto! — Kenneth apontou para um amassado na lataria do bagageiro.
— Eu sabia, — disse Thomas, olhando para um canto da estrada — olhem só o que
provocou este amassado.
Era uma pedra de aproximadamente uns 20 Kg, estava com uma metade suja de terra,
dando a nítida impressão de tê-la sido arrancada.
— Deve ter se soltado da montanha — disse Christine.
— Eu não tenho tanta certeza assim, — disse Kenneth, olhando fixamente pra montanha à
beira da estrada — não há a menor possibilidade desta pedra ter se soltado e caído “sobre”
o carro. Ela poderia no máximo ter rolado lá de cima e atravessar a estrada, mas também
acho pouco provável.
— Mas Kenneth, então o que acha que aconteceu? alguém a atirou sobre nós? ah,
isso é impossível.
— É mesmo? então olhem pra cima.
Ao olharem para a montanha, viram um vulto, que desapareceu logo em seguida. Não foi
possível ver seu rosto ou vestimenta.
— Mas quem faria uma coisa dessas? — perguntou Christine.
— Não faço a menor idéia. — disse Kenneth, passando a mão sobre a parte amassada. —
Só sei que não estava pra brincadeira.
Ainda confusos, voltam para o carro. Em seguida, Kenneth dá novamente a partida.
Alguns quilômetros mais e finalmente entram na pequena estrada de acesso à Floresta. É
um caminho estreito, de aproximadamente uns três metros de largura. Ás suas margens
já se nota o início da floresta, com árvores enormes e seus sons característicos.
— Você tinha razão quando disse que ninguém mais passa por aqui, — disse Kenneth a
Christine — veja só este caminho, o mato está tomando conta; está por toda a parte.
— Kenneth, — disse Christine — se você estivesse ouvido as histórias que contam sobre
este lugar, também não pensaria duas vezes em ficar o mais longe possível daqui.
De repente, algo atravessa na frente do carro, Kenneth perde um pouco o controle e bate
de raspão em um barranco á beira do caminho.
— Merda! — disse ele. — o que foi aquilo?
— Pareceu-me um filhote de javali — respondeu Bruce, que até então permanecia calado.
— Vocês estão bem?
— Tudo Ok, pode continuar — disse Thomas.
— Viu, Michael? e você não queria usar o cinto, agora entende por que devemos usálo?
— Entendi. — respondeu ele, mesmo sem ter prestado a mínima atenção na pergunta.
Michael estava fascinado com a floresta ao seu redor.
À medida que prosseguiam, o caminho ia se estreitando cada vez mais. Parecia ter sido
feita em forma de um funil, começara com três metros de largura, e agora estava com
aproximadamente um metro e noventa. Entalariam se prosseguissem. Então, não sobrou
outra alternativa senão usar a marcha-a-ré. Por sorte, voltando uns quinze metros havia uma
clareira, onde cabia perfeitamente o carro. O local era meio inclinado, mas um bom freio
de mão resolveria.
Ao estacionar...
— Bom, teremos que parar por aqui — disse Kenneth, após puxar com toda a força o
freio de mão.
— Aqui está bom, — disse Thomas olhando os desenhos que trazia consigo — de acordo
com eles, o local que procuramos não fica muito perto da cachoeira, e esta, realmente, está
um pouco longe daqui.
— Então, é melhor descermos. Antes, o que vocês trouxeram?
— Bom, eu trouxe uma faca pra caça, uma lanterna e....alguns sanduíches — disse
ele, vasculhando sua mochila.
— Eu também trouxe uma faca, — disse Bruce — uma lanterna, algumas latas de
cerveja e....
— Cerveja? — indagou Christine.
Thomas sorriu e fez sinal de positivo.
— E você, Christine?
— Eu trouxe um repelente, alguns sanduíches, e...
— ..batom, pente, espelho, e outras coisinhas mais, sei — ironizou Thomas.
— Cale essa boca, Thomas! — gritou ela. — Porcaria, esqueci meu espelho.
— Christine, aqui é uma floresta; não é um salão de beleza.
— E o que você trouxe, Kenneth?
— Espere até ver o porta-malas.
— Kenneth, vamos! eu quero ir com vocês! — disse Michael, entusiasmado.
— O que? Michael, você se esqueceu que está com a perna engessada?
— Mas você trouxe a cadeira de rodas, não trouxe?
— É lógico que não, você acha que dá pra andar de cadeira de rodas em uma floresta?
Na realidade, Kenneth trouxera a cadeira de rodas, mas seria a última coisa que diria a seu
primo, senão em caso de extrema necessidade.
— Mas então eu vou ficar sozinho aqui? — as lágrimas começavam a lhe encher os olhos.
— Michael, é para o seu próprio bem, é perigoso lá fora. Não é, Bruce?
— Sim, na floresta tem javali, pantera, tigre, e muitas outras coisas que você nem
imagina.
— Além do mais, você mesmo disse que não é mais criança, então você não tem medo
de ficar no carro, sozinho, tem?
— Eu não tenho medo, — disse ele, olhando para aquelas árvores enormes que o
circundava e escureciam parcialmente o local, ligeiramente assustador, mas para dar um
jeito naqueles marmanjos ele disse:
— Podem ir, eu não tenho medo de nada.
— É isso aí, primo! gostei de ver, você já é realmente um homem.
Assim, Kenneth, Thomas e Bruce saíram do carro...
— Venha, Christine.
— Esperem um pouco, já estou indo.
Ao ver que os três estavam a averiguar o porta-malas...
— Michael, não ligue para esses três, se você quiser eu fico com você, não estou
mesmo muito a fim de ir — sussurrou Christine ao aproximar do banco onde estava o
garoto.
— Não precisa, eu não estou com medo.
— Sério?
— Sim, medo é coisa de menina.
Christine sorriu.
— É isso aí, garotão. — disse Thomas.
— Tudo bem, então eu já vou indo, espere quietinho aí por nós, Ok?
— Certo.
Ao colocar seus pés fora do carro, Christine percebeu o mau negócio que fizera: calçar seu
tênis quase novo. O solo estava úmido e barrento.
— Christine, venha até aqui — disse Kenneth.
— Já vou, já vou.
Ao ver o porta-malas...
— Kenneth, você trouxe o armazém inteiro!!
No porta-malas estava realmente abarrotado. Em se tratando de mantimentos, havia
pacotes com pães de forma, frios, latas de refrigerantes e biscoitos. Mas havia objetos
também, como panela, lanterna, faca, fósforos, e etc.
— E aí, podemos começar?
Assim, eles dividiram-se em duplas, Bruce e Thomas iriam por um lado, e Kenneth e
Christine iriam por outro. Cada dupla levará um dos desenhos para se orientar.
Antes de começarem, Kenneth foi passar algumas recomendações ao seu primo. Ao se
aproximar da porta, fez um gesto para que ele descesse o vidro.
— Michael, por favor, não saia deste carro, nós não vamos nos demorar.
— Tudo bem.
— Se você precisar de alguma coisa, basta apertar a buzina, entendeu?
— Entendi.
— Pegue isto, — Kenneth entregou-lhe uma sacola com duas latas de refrigerante,
alguns pães e algumas fatias de frios — caso sinta fome, isso dará um jeito nela. Então,
podemos ir tranqüilos?
Michael olhou para a enorme quantidade de árvores que havia ao seu redor e respondeu,
um pouco temeroso:
— Sim, podem ir.
— Bom garoto, então, logo logo estaremos de volta, tchau!
Michael não respondeu, apenas fez um gesto de positivo, abaixando e levantando a
cabeça.
Após os outros três se despedirem do garoto, Kenneth finalmente expõe o que deverão
fazer...
— Thomas e Bruce, peguem isso, — Kenneth jogou um bastão de madeira, e em
seguida um apito, pra cada um — no caso de terem problemas. E....Thomas, em que
direção fica a cachoeira e a tal Pedra do Diabo?
— Basta seguirmos esta descida logo a nossa frente. De acordo com os desenhos, o tal
lugar fica próximo da Pedra do Diabo, que não é difícil de achar.
Assim, cada dupla se dirigiu para a direção indicada por Thomas.
separados por uma distância de cinqüenta e poucos metros.
Ficaram paralelamente
Antes de perder de vista Bruce e Thomas, Kenneth gritou:
— Se vocês acharem o tal lugar, basta usarem os apitos, Ok?
— Pode deixar — gritou Thomas, lá do outro lado.
e o mesmo faremos nós.
Do carro, Michael ouvia tudo com uma inveja enorme de poder estar com eles.
Além da clareira, a floresta começava a ficar cada vez mais fechada. Enormes coníferas
tornam o local cada vez mais escuro, e ,conseqüentemente, mais aterrador.
— Kenneth, o que acha que estamos procurando?
— Pra falar a verdade, eu não sei. Os desenhos mostram uma entrada subterrânea.
Talvez seja algum esconderijo, ou.... bom, foi para isso que viemos aqui, não é?
— Bruce, você é sacana, hein! assustou o garoto dizendo que aqui há javalis, panteras
e jacarés. Mas que idioti....
— Thomas, eu não estava mentindo.
— O quê?
De repente, a buzina começa a tocar...
— É o Michael! — exclamou Kenneth, assustado
— Kenneth, deve ter acontecido alguma coisa, vamos até lá!
Do outro lado, Thomas e Bruce também ouviram a buzina.
Todos os quatro correram imediatamente na direção do carro, que de onde estavam, não o
enxergavam.
Após um tremendo sacrifício, pois o chão da floresta é demasiado traiçoeiro, com buracos,
pedaços de galhos, e tudo mais, chegam finalmente às proximidades do carro.
À distância, não parecia ter acontecido absolutamente nada. Ao chegarem mais perto...
— Michael, o que aconteceu? você está bem?
Dentro do carro, Michael estava deitado de bruços.
— Michael! — gritou Kenneth.
Ao abrir a porta, Michael virou-se, ria às gargalhadas.
— Puts! — disse Thomas, após bater a palma da mão contra a testa.
— Merda! Michael, seu pirralho! eu te mato!
— Vocês são rápidos, hein! — disse ele, rindo.
— Michael, por que fez isso?
— Foi apenas uma brincadeira!
— Que não teve a menor graça. Michael, você merece uns bons cascudos.
— Kenneth, — disse Christine, entrando à sua frente — acalme-se, foi apenas uma
brincadeira de criança.
— Eu sabia, esse pirralho estava quieto demais, estava apenas esperando a hora exata
para atacar.
— Michael, você não fará isso de novo, certo?
— Tudo bem.
Irritados, eles recomeçam a busca. Cada dupla na sua trilha. A caminhada pela floresta
não era fácil, seu chão é úmido, o mato não lhes permite uma visão sobre onde pisam, ao
mesmo tempo em que podem estar pisando sobre um galho seco, podem também estar
sobre uma cascavel.
Kenneth, de posse de um facão, — que pertence ao seu tio — ia à frente, tornando o
caminho viável. Christine, com os olhos muito bem abertos, ia logo atrás.
De repente, Christine dá um grito.
— O que foi? — exclamou Kenneth, virando-se subitamente em sua direção.
— Tire isso de cima de mim! tire isso de cima mim! — repetia ela, olhando com o rabo dos
olhos para cima do seu ombro esquerdo, onde havia um besouro de aproximadamente uns
dez centímetros de comprimento.
— Olha só! lembro-me ter visto um desses apenas em livros.
— Tira logo isso de mim!
Kenneth pegou cuidadosamente o besouro.
— Você não o conhece?
— E por que deveria?
— Antes de se transformar neste besouro, isso era uma larva, conhecida em Portugal
como cabra-loira. Há uma mística em torno dela. Na França e na Romênia, por exemplo,
acreditava-se que ela conseguia esconjurar o mal, se usada no chapéu.
— E matar uma garota, se usada sobre o ombro.
Thomas e Bruce, de posse dos bastões de madeira, iam batendo-os contra o chão úmido
da floresta, com a finalidade de acharem a entrada subterrânea.
— Thomas, você acredita nas histórias que contam sobre este lugar?
— Não, quero dizer, agora não. Quando criança eu botava a maior fé naquelas
histórias. Lembro-me de uma que....
— Você acreditaria se eu lhe dissesse que o meu pai é inocente do crime que o acusaram?
— Como assim?
— É isso mesmo que você ouviu. E tem mais, quem o prendeu também sabia de sua
inocência.
— Se sabiam, por que o prenderam?
— Para encobrir o que realmente aconteceu e evitar o pânico em Stoneyfield. Thomas,
eu vou lhe contar toda a verdade, mas você tem que me prometer não contar nada para
ninguém.
— Tudo bem.
— Bom, tal fato ocorreu no final dos anos 50, época em que o meu pai estava se
formando no Colégio Stanley. Segundo ele, a classe havia combinado de comemorar a
noite de formatura de uma forma diferente, nada de baile, nada de professor lhes dando
tapinhas nas costas e etc.
— Mas então onde eles fizeram a formatura?
— Bem aqui.
— O quê? aqui na floresta?
— Isso mesmo, e ainda tem mais, foi à noite.
— Puxa vida...me dá arrepios só de imaginar este lugar durante á noite.
— Noventa por cento da classe compareceu. Munidos de lanternas e lampiões eles
ajeitaram um local para a colocação dos comes e bebes. Reservaram um espaço para
poderem dançar e outro para...
— Eu já sei.
— Prosseguindo: enquanto a festa acontecia, meu pai e sua namorada...
— Sua mãe?
— Não, isso foi antes dele a conhecer. Mas como eu dizia, meu pai e sua namorada se
afastaram um pouco da turma, você sabe, para ficarem a sós. Para não atraírem a
atenção dos outros, em um certo local eles apagaram a lanterna. De repente, eles
ouviram alguns barulhos, como se houvesse alguém a caminhar ao seu redor. Meu pai não
tinha dúvida, alguém da turma os havia encontrado. Imediatamente ele se levantou e saiu
à procura da lanterna, mas ele não a encontrava, neste momento, a garota dá um grito.
Desesperado, meu pai foi em sua direção, mas alguém o acertou pelas costas. Meu pai
passou a noite inteira estirado na floresta.
— Mas quem o acertou? foi alguém do colégio?
— Não, eles ficaram tão surpresos quanto o meu pai.
— Mas então quem foi?
— Pela manhã, quando o meu pai acordou, achou algo pelo chão da floresta: uma
flecha.
— Ah não, sabia, é a velha história de sempre, os Pakahunas.
— Thomas, escuta, isso não é nada, você nem imagina o que aconteceu com a garota,
a namorada do meu pai.
— Eu sei, provavelmente encontrada nua pela floresta, após ter sido estuprada durante
noite por um dos formandos.
— Thomas, a garota foi encontrada às proximidades da Pedra do Diabo, havia sangue
por todos os lados. Sobre a pedra havia vários desenhos e símbolos, todos feitos com o
sangue da garota. Thomas, está mais do que claro que ela foi usada para um sacrifício.
— O quê? Bruce, aquela história que eu contei á respeito de sacrifícios era apenas uma
crendice.
— Thomas, então quem foi?
— Sei lá, talvez um maníaco, ou...
— Thomas, o que um maníaco estaria fazendo à meia-noite em uma floresta, e
justamente “naquele” dia?
— Bom, agora eu já não estou entendendo mais nada. Quer dizer então que o seu pai
ficou dezenove anos preso, e na verdade era inocente?
— Sim, pois era muito mais fácil jogar a culpa em cima de alguém e encerrar o assunto,
ao invés de espalhar por toda a região que a garota fora vítima de um sacrifício por uma tribo
canibal. Isso causaria um pânico generalizado, além de dar trabalho para o xerife e seus
homens. Veja só, ninguém, além do xerife e seus homens, chegou a ver o corpo da
garota. Disseram que o corpo estava em condições horríveis.
— E daí?
— Thomas, o corpo devia estar tão horrível que, nenhum ser humano teria condições de ter
sido o responsável. Por isso o mantiveram longe de todos.
— Quantos anos de condenação deram ao seu pai?
— Trinta anos, mas no ano de 1977, um novo xerife assumiu o posto, seu nome era
Norman Husmann, um dos colegas do meu pai na época da formatura, ele também
participara daquela festa na floresta. Ele mexeu alguns pauzinhos e acabou conseguindo a
soltura do meu pai. Por causa disso a cidade quase o tirou do cargo.
— Puxa....por esta eu não esperava.
— Thomas, pra mim, o que estamos procurando tem ligação direta com todo esse mistério
em torno dos.....
— Pakahunas? Ah....não me venha com esse papo de novo! Isso é história de pescador!
Enquanto isso, nas proximidades do carro, Michael se divertia jogando migalhas de pão
para um coelho que se aproximara. De repente ele vê alguém; um aborígine. Um aborígine
de pele branca!
— O que é aquilo? — perguntou-se Michael, espantado.
O corpo comprido e esbranquiçado do aborígine quase não aparece, pois está quase todo
pintado. Um pequeno trapo sujo encobre sua genitália. Sobre a cabeça há um crânio
humano, negro como carvão. A presença deste estranho ser causou um enorme pavor em
Michael, que paralisou-se de medo. Abaixou-se. Pensara em gritar ou apertar a buzina,
mas não sabia qual seria a reação daquela coisa, medo ou fúria. Por isso, resolveu
apenas ficar abaixado, deitado sobre os bancos da frente, e esperar.
Mas as coisas não saíram como ele gostaria. De dentro do carro, pôde ouvir os sons de
passos, cada vez mais próximos. Ele estava mesmo vindo até o carro. Michael começou a
chorar. Gostaria muito de ter forças para esticar um de seus braços e apertar a buzina. Mas
não conseguia. O medo lhe bloqueava os movimentos. Seu corpo todo tremia e suava frio.
De repente, o carro começou a balançar. O desespero e a angústia de Michael chegaram ao
grau máximo. Seus músculos não se mexiam, apenas suavam, um suor frio e intenso.
Mas, subitamente, mesmo não sabendo de onde veio tal força, Michael levantou-se
rapidamente e apertou a buzina, pressionou-a por aproximadamente uns dez segundos.
Seu medo foi tanto que nem conseguiu abrir os olhos.
Ao parar de buzinar, o carro também parou de balançar. O silêncio voltou, os sons dos
pássaros tornaram a invadir seus ouvidos, tudo voltara ao normal. Mas Michael esperou
mais uns dois minutos até criar coragem para olhar pela janela.
Lentamente, Michael foi se levantando, seus olhos ainda permaneciam fechados. Ao
voltar à sua posição anterior, — sentado sobre o banco ao lado do volante — e com sua
cabeça voltada para a janela esquerda, abriu subitamente os olhos.
— Graças a Deus... — disse ele após respirar bem fundo.
Ao virar para a janela à sua direita, deu de cara a criatura. Ali estava ela, frente a frente.
Michael deu um grito como jamais dera antes. O aborígine o fitou. Entre seus dentes
podres escorriam gotas e mais gostas de sangue. Estava devorando o coelho, desferindolhe ferozes dentadas. Comia-o cru. Ouvia-se o som dos ossos do pobre animal se partindo
ante os dentes negros do aborígine. Michael sentiu uma ânsia imediata. Por pouco não
vomitou. Talvez em razão do medo, que era tão sufocante que nem o permitia pensar ou
fazer outra coisa senão senti-lo, intensamente, impiedosamente.
Mas finalmente aquela coisa se foi, correndo de uma maneira toda desarticulada, como
um símio assustado. Antes, porém, jogara o coelho despedaçado no chão, caíra ao lado
de um dos pneus dianteiros.
— Kenneth,
e se agora foi sério?! vamos até lá!
— Christine, conheço o Michael, ele só está querendo nos fazer de idiotas de novo, mas
desta vez não vai conseguir.
— Mas ele prometeu não buzinar à toa.
— Christine, ele também prometeu ao meu tio que se comportaria ao chegar em
Stoneyfield, e veja no que deu, não vai sequer ao banheiro sem uma ajuda.
— É mesmo? então...
— Pelo amor de Deus, não me faça pensar nisso, fico com náuseas só de imaginar.
Neste momento, Michael recomeça a tocar a buzina, o medo daquele lugar tornara-se
insuportável.
Christine olhou aflita para Kenneth. Este lhe retribuiu com um gesto de descaso, e
continuou pela trilha.
Enquanto isso, Thomas e Bruce avistam a Pedra do Diabo...
— Bruce, estamos perto! estamos perto!
Bruce não lhe deu atenção, continuou em direção a pedra, que estava a uns trinta metros de
distância, pelo menos.
— Aonde você vai? não é a pedra que nos interessa.
Thomas começou a procura, sozinho. Enquanto isso, Bruce se aproximava da Pedra do
Diabo. Um imprevisto da natureza, uma pedra com formas irregulares, de
aproximadamente quatro metros de altura, para se contorná-la precisariam uns dez homens
formando uma corrente humana, como em uma ciranda.
Andando lentamente ao redor da pedra, Bruce pôde ver que havia rabiscos e desenhos
estranhos por toda a sua extensão. Eram desenhos primários e incompreensíveis, sem
forma e volume definidos.
— Essa pedra é muito estranha — murmurou Bruce a si mesmo.
De repente, Bruce ouve um barulho, e que viera do outro lado da pedra.
— Thomas, é você?
Não houve resposta. Bruce começou a se preocupar, seu coração, batida a batida,
começou a acelerar freneticamente. O medo dominou-lhe o corpo e a mente, e é aí que
nasce o verdadeiro perigo.
Mas por um instante a curiosidade superou o medo, e Bruce resolveu averiguar o que, ou
quem estava detrás da pedra. É incrível como em tão pouco tempo a mente humana é
capaz de criar personagens macabros. Bruce, enquanto caminhava sorrateiramente até o
outro lado da pedra, imaginou o que poderia estar a sua espera, sua mente foi rápida,
fez-lhe recordar de uma criatura que vira em um filme de terror recentemente exibido pela tv.
Fez-lhe também imaginar que poderia ser um dos seres que acertaram o seu pai na noite da
formatura, e muitas outras coisas terríveis, tantas que quase o fizeram desistir. Quase.
Após dar uma volta completa em torno da pedra, Bruce não encontrou nada.
— É melhor eu parar de assistir filmes de terror.
Ao virar-se, algo pula bem à sua frente, assustado, deu um sonoro grito. Mas logo se
recompôs, pois fora apenas uma gazela, talvez mais assustada do que ele.
Neste momento, Bruce ouve alguém aos berros, era Thomas, a uns vinte metros da
pedra.
— Bruce, eu achei! achei! o lugar existe mesmo!
Bruce correu em sua direção.
— Por que este estardalhaço todo?
— Venha e veja com seus próprios olhos.
Bruce o seguiu por alguns metros, até que repentinamente Thomas parou.
— É aqui? — Bruce começou a olhar pra todos os lados — mas eu não vejo nada além
de árvores, galhos secos, mato e formigas.
— É....eles fizeram um bom trabalho!
— Eles? de quem você está falando?
Neste momento, Thomas se abaixa e levanta uma espécie de tampa do chão, deve ter
aproximadamente um metro de largura por um e meio de comprimento. Por cima ela era a
cópia mais fiel possível do chão da floresta, e por baixo, toda revestida com madeira.
— Mas o que é isso?
— Camuflagem, meu caro Watson! vamos...dê-me uma ajuda.
Por debaixo da tampa, há uma pequena porta de madeira, sem cadeado ou algo parecido.
Mas há algo que lhes chamou a atenção, preso junto à porta há um pedaço de madeira, ao
qual possui uns oito gravetos enfiados em oito furos.
— O que serão esses pauzinhos? — perguntou Bruce.
— Não faço a menor idéia.
— Ah! que diferença faz? vamos abrir logo essa porta e ver aonde ela nos leva!
— Espere, precisamos apitar e avisar aos outros, é melhor que entremos todos juntos.
— Besteira, eu não vou esperar por ninguém.
Bruce tentou abrir a porta, mas ela não se mexeu um centímetro sequer.
— Bruce, não faça isso! vamos esperar o Kenneth e a Christine.
Bruce não lhe deu atenção, e continuou empurrando e esmurrando a porta. Mas não
adiantava nada.
Thomas, enfurecido com o companheiro, colocou o apito na boca e fez-lhe sair o mais alto
e agudo som.
A uns noventa metros dali, Kenneth e Christine ouvem, não muito claro, mas ouvem o
som do apito.
— Kenneth, você ouviu?
— Sim, eles devem ter encontrado o tal lugar!
— Mas de que direção veio o som?
— Também não consegui identificar, pois o pirralho do Michael não pára com aquela
maldita buzina!
— Acho melhor voltarmos até o local onde você deixou o carro, e de lá seguirmos a trilha
usada pelos dois.
— Ótima idéia....vamos!
Enquanto isso, Thomas e Bruce discutiam sobre abrirem ou não a porta.
— Tudo bem, Bruce, você quer abrir? abra, mas não lhe ajudarei.
— Mas essa merda nem se mexe!
— Então, mais um motivo para esperarmos, eles já devem ter escutado o apito, logo
logo estarão aqui.
— Espere, Thomas, acho que já sei como abrir esta maldita porta.
— Como?
— Isto, — Bruce apontou para os gravetos enfiados na madeira. — bom, pelo menos
pra alguma coisa eles devem servir, você não acha?
— Bruce, acho melhor você não tocar nisso.
— Por quê?
— Pode ser uma....
Neste momento, Bruce puxou um dos gravetos.
— Merda! não aconteceu nada.
— Bruce, cuidado! — Thomas pulou na direção de Bruce, empurrando-o.
Em uma fração de segundos, exatamente onde Bruce estava, caiu um pedaço de um
tronco com aproximadamente cinqüenta quilos.
— Cara.....lhe devo uma.
— Deve, deve mesmo. Bruce, por que você nunca me ouve?
Enquanto isso, Kenneth e Christine chegam às proximidades do carro.
— Christine, venha!
— Kenneth, vá você, eu vou até o carro para ver o que está acontecendo com o seu
primo.
— O Michael é assim mesmo, deixe-o aí, daqui a pouco ele sossega.
— Mesmo assim, eu vou ver o que é.
— Droga! tudo bem, fique no carro com ele, mas eu vou procurar o Thomas e o Bruce.
Não vou deixar que o Michael me estrague o dia.
Assim, Kenneth entrou pelo mesmo caminho ao qual Thomas e Bruce entraram. Christine
foi até o carro.
Ao longe, Christine ficou assustada, pois não conseguia ver o Michael no carro. Será que
ele fugira? pensava ela. Olhando atentamente para toda as direções, correu ela até o
carro. Quando se aproximou, sentiu-se aliviada, pois Michael estava apenas debruçado
sobre os bancos da frente.
Christine chegou ao lado do carro e deu três toques no vidro, Michael tremia
assustadoramente.
— Michael, você está bem?
Ele não lhe deu atenção. Christine abriu a porta do carro, ao tocá-lo, virou-se para ela,
suas expressões eram claras: estava em estado de choque. Tudo nele refletia pavor e
desespero.
— Michael! fale comigo! o que aconteceu?
Ele não respondia, tentava, mas não conseguia.
— Oh meu Deus....fale alguma coisa, Michael!
Assustado, Michael abraça Christine.
— Está tudo bem, estou aqui com você, Ok? — murmurou ela ao ouvido de Michael.
Enquanto isso...
— Thomas! Bruce! Onde vocês estão? — grita Kenneth repetidamente.
Mas não tem resposta.
— Onde será que aqueles dois se meteram?! — murmurou ele a si mesmo.
De repente, algo se mexe atrás de Kenneth, que se vira imediatamente e se prepara para
dar-lhe uma facada. Na floresta os golpes exigem uma rapidez, pois senão pode ser tarde
demais.
— Hei! Calma, cara!
— Ah...é você?! Não devia ter sido tão sorrateiro, quase lhe arranco a cabeça.
— Não duvido — disse Thomas, passando as mãos no pescoço.
— E aí? acharam alguma coisa interessante?
— Você nem imagina, siga-me.
Ao chegarem ao local...
— Não é possível! exatamente como aqueles desenhos!!
Enquanto tocava a porta, Kenneth se preparava para puxar um dos gravetos...
— Não! — gritou Thomas, impedindo que Kenneth o puxasse.
— O que foi?
— Temos um pequeno problema, quem mantinha este esconderijo era bom em
armadilhas.
— Como assim?
— Veja, — disse Bruce, apontando para o pedaço de tronco — aquilo quase caiu sobre
a minha cabeça, após eu puxar um desses malditos pauzinhos.
Kenneth riu após o que ouvira.
— Kenneth, é verdade! E quem nos garante que não há mais armadilhas se puxarmos
outros?
— Bom, vamos arrombar a porta, parece-me muito frágil.
— Frágil? — exclamou Bruce — Parece ser feita de aço!
— Se nós três tentarmos juntos, ficará mais fácil.
— Bom, não custa tentar.
Assim, Kenneth, Thomas e Bruce empurraram-na juntos, aplicaram toda a força possível.
Mas não adiantou, novamente a porta não se moveu um milímetro sequer.
— É....parece que vamos ter de arriscar, pelo menos, um desses gravetos deve ser o
que abre esta maldita porta.
— Só que sobraram 7, temos que errar o menos possível.
E assim começou o dilema, qual, dentre os 7 gravetos, retirar primeiro? O do meio? Um
dos extremos? Bom, a sorte está lançada.
— Vamos fazer da seguinte forma, — disse Kenneth — apenas aquele que retirar o
graveto ficará aqui próximo à porta, os outros dois ficarão a distância, pois se algo
acontecer, podemos ajudar.
— Combinado. — disse Thomas — Mas.... quem será o primeiro?
— Não olhem pra mim, — disse Bruce — eu já retirei um!
— Tudo bem, tudo bem, — disse Kenneth — eu serei o primeiro.
Assim, Kenneth ficou junto à porta, Thomas e Bruce se postaram a uns cinco metros do
local, atrás de uma árvore.
— Qual você vai escolher? — perguntou Thomas.
— Sei lá, chute é chute! Bom....vamos lá.
Kenneth escolheu o que estava ao lado direito daquele que Bruce retirara. Fechou os olhos,
respirou fundo, abriu novamente os olhos e subitamente....puxou, e correu dali.
— Não aconteceu nada! — disse ele sorrindo.
— Então você deve ter retirado o certo! — disse Thomas.
Os três correram imediatamente para a porta. Mas ao tentarem abri-la, não conseguiram,
estava do mesmo jeito.
— Mas que droga! — disse Thomas.
— Thomas, agora é a sua vez — disse Kenneth.
E assim foi feito, Thomas ficou junto à porta, Kenneth e Bruce esconderam-se atrás da
árvore.
Sobraram seis gravetos, Thomas estava indeciso.
— Vamos! é pra hoje! — gritou Kenneth.
Thomas escolheu um das extremidades, e puxou-o lentamente.
— Também não aconteceu na....
De repente, uma rede toda feita com cipó cai sobre Thomas.
— Me ajudem! tirem isso de cima de mim! — gritava ele desesperado, e embaraçado no
meio dos cipós.
Enquanto Kenneth e Bruce ajudavam-no a sair da rede, riam descontroladamente.
— Vocês riem, não é? mas eu vou rir mais ainda quando um de vocês for pego por uma
dessas armadilhas, esperem e verão.
Após totalmente desenroscado, chega a vez de Bruce. Este não pensou duas vezes,
puxou o primeiro que lhe veio à mente.
— Tudo Ok, caras.
— Droga! — resmungou Thomas — não é possível, por que essa porcaria só funciona
comigo?
— Hei! a porta está aberta! — disse Bruce euforicamente.
Kenneth e Thomas correram imediatamente até a porta. Ao se aproximar, Kenneth abriu-a
lentamente. Por detrás da porta não se via nada além de dois degraus de uma escada,
coberta de pequenas pedras, e mais adiante, uma escuridão sem fim. Era um corredor.
— É simplesmente incrível! — disse Kenneth — Um corredor subterrâneo sob a floresta!
— Eu não vou entrar aí sem uma boa lanterna — disse Thomas, ainda frustrado com a
sorte de Bruce.
— Você tem razão, mas o pior foi que eu deixei minha lanterna com a Christine, e as
outras estão no carro.
Assim, o três voltaram para o carro.
— Kenneth, — disse Christine, após descer rapidamente do carro — precisamos levar
seu primo até a cidade.
— Como é que é?
— Ele está em estado de choque, está terrivelmente apavorado.
— Mas apavorado com o quê?
— Eu não sei, está tão assustado que não consegue nem falar.
— Sei, este truque é velho, e já vi minha tia cair várias vezes nele. Deixe-me falar com
ele.
— Kenneth, não é truque nenhum, nunca vi alguém tão assustado em toda minha vida.
Kenneth sentou-se ao lado do primo.
— Michael, você não toma jeito, não é?
Ele não lhe respondia, apenas o olhava assustado.
— Tudo bem, quer continuar, continue, mas eu não sou sua mãe, que lhe faz todos os
seus caprichos.
Kenneth desceu do carro.
— Kenneth, estou falando sério, é melhor o levarmos ao doutor...
— Não sairei daqui enquanto não saber o que há no fim daquele túnel.
— Que túnel?
— Christine, — disse Thomas — aqueles desenhos retratam a verdade, o lugar que
procurávamos existe mesmo.
— Mas não é possível, os desenhos mostravam um túnel subterrâneo, e como seria
possível existir um túnel sob a floresta?
— Christine, se não acredita, pegue uma das lanternas aí no porta-malas e venha
conosco.
— Mas e o seu primo? Não podemos deixá-lo sozinho novamente.
— E o que quer que eu faça?
Christine o olhou de uma maneira tão meiga e fascinante que, não encontrou outra saída.
— Droga! por que será que nós homens sempre nos deixamos levar por um rostinho
bonito? — murmurou ele.
Assim, Kenneth carregou o seu primo até o local, enquanto que Thomas levou sua cadeira
de rodas, Christine; uma sacola com quatro lanternas, e Bruce; duas caixas com
mantimentos.
— Como você está pesado, garoto! Thomas, traga-me a cadeira de rodas, meus
braços já não agüentam mais.
Após colocar cuidadosamente seu primo na cadeira de rodas, Kenneth diz como agirão:
— Christine, quero que fique aqui com o Michael. Eu, Thomas e o Bruce entraremos
primeiro, para averiguar como é o lugar. Dependendo de como for lá embaixo,
voltaremos para buscar vocês dois, Ok?
— Tudo bem.
— Bruce, Thomas, pegaram as lanternas?
— Sim — responderam eles.
— Então chegou a hora, vamos.
O primeiro degrau ficava a um metro e meio abaixo do chão da floresta, que lhes fez tomar
um certo cuidado ao descerem, pois uma pisada em falso lhes causaria um tombo não muito
agradável. Kenneth foi o primeiro a descer à boca do túnel.
— Estranho, é frio aqui embaixo.
Kenneth começou a descer os degraus. Thomas foi o segundo a descer, sendo seguido
logo atrás pelo Bruce.
— Puxa vida....esse lugar não é frio, é simplesmente uma geladeira. — disse Thomas.
— E o pior é que quanto mais descemos, mais frio ele está ficando — disse Kenneth.
De repente, um grito ecoa de dentro do túnel, Christine se desespera.
— O que houve? — gritou ela agachada à boca do túnel.
— Nada, queríamos apenas saber se se importa conosco — disse Thomas,
ironicamente.
— Thomas, faça isto de novo e eu te mato — disse ela , irada.
Os três riram.
De lanternas em mãos, os três desciam, degrau a degrau, lentamente.
Medindo um
metro e alguns centímetros de largura, o túnel não lhes proporcionava conforto, seus
movimentos resumiam-se em caminhar, e algumas olhadelas às paredes.
As paredes,
os degraus, tudo ali está relativamente úmido, frio e com um aspecto morto.....e sombrio.
— Kenneth, — disse Thomas — esse túnel parece não ter fim!
— Calma, eu sinto que estamos perto.
— Hei, caras! É impressão minha ou há alguma coisa nestas paredes? — perguntou
Bruce.
— Droga! — gritou Thomas — Vejam isso!
Milhares de insetos e larvas se contorciam sobre as paredes, parecia estar viva.
Ao apontar a lanterna para a parede, Kenneth viu algo ainda mais assustador...
— Jesus Cristo! as paredes estão cheias de ossos humanos!
— Vamos descer mais depressa! — gritou Thomas — acabei de descobrir que tenho
claustrofobia.
Assustados, eles desceram os degraus o mais rápido que podiam, mesmo enfrentando a
umidade dos degraus e o limitado espaço do corredor, seus pés deslizavam
descontroladamente sobre os degraus lisos e escorregadios, caíram pelo menos umas duas
vezes. Mas mesmo assim, chegaram ao fim do túnel.
— Olhem só pra isso! — disse Kenneth boquiaberto.
É espantosamente incrível. Enquanto se preparavam para encontrar um pequeno porão
com revistas e garrafas velhas, encontraram sim um lugar com proporções dimensionais
inexplicavelmente gigantes. Seu aspecto e forma são como o de uma gruta: escuro,
lúbrico, gelado e com inúmeras estalactites pontiagudas.
— Não é possível, — disse Thomas — devemos estar sonhando, esse lugar não pode
ser real.
— Thomas, — disse Bruce — esse lugar é tão real quanto nós.
— Caras, parem e pensem no que acabamos de achar! podemos ficar famosos, esse
lugar está me cheirando à “arqueologia pura”! Esse lugar me parece tão antigo quanto às
Pirâmides do Egito.
— Ouçam, — disse Bruce repentinamente — sei que não acreditar, mas acho que sei
que raio de lugar é este.
— Pois se você sabe, então diga.
— Se vocês refletirem um pouco também chegarão à mesma conclusão que eu. Caras,
estamos sobre um......templo Pakahuna.
— O quê? — indagou Kenneth — mas não foram vocês mesmos que disseram que
esses tais...Pakahunas fazem parte apenas do folclore regional?
—
Hei! Não foi você quem disse que nenhuma lenda nasce sem um motivo ou um fato
real? Caras, pensem! não queiram fugir da realidade, às vezes ela é tão óbvia, mas
só porque é surpreendente, não acreditamos nela.
— Tudo bem, não quero discutir, é que você me pegou de surpresa. Bom......mas se
quisermos descobrir se esse lugar é realmente um templo Pakahuna, é melhor nos
separarmos e procurar indícios.
— Pakahunas! Bruce está ficando louco — murmurou Thomas a si mesmo.
Mas Bruce ouviu perfeitamente.
— Thomas, loucos foram aqueles que deixaram meu pai dezenove anos na prisão para
esconderem uma verdade que não lhes agradava.
Devido a escuridão que ali imperava, pois as luzes das lanternas estavam extremamente
enfraquecidas, não perceberam que estavam sobre um enorme círculo, e que sobre o círculo
há um pentagrama feito com milhares de pedrinhas justapostas ao chão. Cada vértice do
pentagrama aponta exatamente à uma porta.
Cada uma das cinco portas é separada uma
das outras uns quinze metros; feitas com troncos de pequenas árvores, justapostos e
entrelaçados com cipós; algo nitidamente artesanal.
Ao se aproximarem das portas, algo chamou a atenção...
— Hei, Bruce! será que os Pakahunas sabiam fabricar fechaduras?! — perguntou
Thomas com ironia — Vejam só estas portas!
— Thomas, essas fechaduras não significam nada — contestou Bruce — Você deve
se lembrar de que este lugar certamente já foi descoberto por alguém bem antes de nós, o
tal....
— Conrad Seymor — lembrou-lhe Kenneth.
— Então, só podem ter sido postas por ele.
— Tudo bem, — disse Thomas — não está mais aqui quem falou.
Assim, após cada um deles escolher uma porta, finalmente eles iniciam a exploração.
Uma exploração a um lugar fantástico, diferente de tudo o que já viram em suas jovens
vidas, mas também um lugar que no fundo no fundo lhes mete medo.
Kenneth, ao abrir aquela espessa e pesada porta, encontrou um lugar que foge totalmente
aos parâmetros vistos até este exato momento. Ao invés do vazio, há uma mesa, cadeiras,
jornais e vários outros objetos pertencentes comuns de uma casa, e pendurados nas
paredes, avistou algo que muito lhe agradou: dois lampiões. Apagados, é lógico. Mas
talvez ainda funcionem, é o que anseia. Rapidamente, Kenneth caminhou até o primeiro
lampião, pegou-o, e pelo peso que sentira, estava com no mínimo a metade de sua
capacidade.
Procurou a caixa de fósforos que deixara em um dos bolsos da calça, ao
achá-los, acendeu cuidadosamente o lampião. Pena não poder ter feito o mesmo com o
outro, pois estava vazio.
Após alguns segundos, a iluminação do ambiente mudou consideravelmente. É lógico que
uma lâmpada elétrica seria ótimo, pensou ele. Mas até que foi de bom proveito. Com o
lampião aceso pôde ver mais claramente o lugar, não era tão grande quanto o local do fim
do túnel, mas era consideravelmente maior do que qualquer cômodo da casa de seus tios.
Ao se lembrar de ter visto alguns jornais sobre a mesa, Kenneth pegou o lampião e foi até a
mesa, onde o colocou. Sentou-se em uma das cadeiras que ali se encontravam e pegou
um dos jornais que estavam sobre a mesa. Ao pegar aleatoriamente um jornal, Kenneth
procurou em primeiro lugar pela data. Lia-se claramente: “19 de dezembro de 1958”.
— É....acho que não encontrarei nada a respeito do jogo dos “Bulls” — ironizou Kenneth.
Ao passar os olhos pela primeira página do jornal, uma das reportagens lhe chama a
atenção. Tinha como título o seguinte:
“Estudante é encontrada morta na floresta de Monkey Falls”
Abaixo do título, Kenneth iniciou a leitura da reportagem...
— “Ontem pela manhã, o corpo da estudante Betty Morrison, de 18 anos, foi encontrado
nas proximidades da Pedra do Diabo em condições terrivelmente indescritíveis. Betty, que
estava desaparecida desde a noite de sua formatura, foi localizada após um telefonema
anônimo. As autoridades já têm um suspeito: Ernest Hiluey, de 18 anos, ex-namorado da
víti....
Neste momento, Kenneth ouve uma voz a lhe chamar. Era a voz de Christine. Assim,
pegou uma lanterna e correu imediatamente em direção ao corredor.
Enquanto subia, Kenneth sentia aqueles corpos minúsculos e pegajosos dos insetos tocarem
seu rosto, seus braços e seus pés. Os degraus estavam estranhamente mais
escorregadios, mais úmidos. Escorregou duas vezes, em um deles não pôde evitar o
tombo.
— Me ajudem aqui! — era o que ecoava entre aquele cenário claustrofóbico.
Logo após este último chamado, Kenneth finalmente aparece à boca do túnel, e só aí
compreende o porquê do histerismo de Christine: uma tempestade desabava sobre a
floresta, parecia o fim do mundo.
— Por que você não entrou no tún....
— Kenneth, deixe de perguntas e me ajude aqui com o Michael! — gritou ela, pois o
barulho da tempestade era ensurdecedor.
— Christine, tente pegá-lo nos braços e passá-lo pra mim.
— Tudo bem, vou tentar.
Após algumas tentativas, Christine finalmente consegue pegá-lo e erguê-lo da cadeira de
rodas.
— Kenneth, ele está muito quente! deve estar com febre.
— Vamos! dê-me!
Christine agachou-se vagarosamente e entregou o garoto às mãos de Kenneth.
— Christine, pegue a cadeira de rodas, ela possuiu uma alavanca que lhe permite dobrála. Dobre-a e traga-a aqui pra dentro, Ok?
Após Christine fazer o que Kenneth lhe pediu, este a esperou, entregou lhe a lanterna, e
propôs que ela fosse à frente iluminando os degraus.
À frente, com uma lanterna na mão direita, e puxando a cadeira de rodas dobrada com a
mão esquerda, ia Christine; atrás, Kenneth com o Michael sobre os braços.
Devido à
pouca largura do túnel, Kenneth teve que descer os degraus de perfil, pois do contrário o
corpo do seu primo não passaria.
— Kenneth, estou assustada, seu primo está emudecido desde aquela hora.
— É....parece que a coisa é séria mesmo, seu corpo está muito quente.
— E esse lugar é verdadeiramente um gelo! Kenneth, que raios de lugar é este?!
— Ainda não sabemos.
Mais alguns degraus, e Kenneth se lembra que a parte do túnel que possui todas aquelas
pequenas e asquerosas criaturas se aproxima.
— Christine, aconteça o que acontecer, olhe apenas para frente, esqueça o que há ao
seu redor, Ok?
— Por que?
Neste momento, alguma daquelas pequenas criaturas pula na perna de Christine.
— Kenneth! — gritou ela — tem alguma coisa subindo pela minha perna!
Imediatamente ela aponta a lanterna para a parede à sua esquerda.
— Oh..meu..Deus!
Ao se deparar com aquelas milhares de criaturas se contorcendo umas sobre as outras, seu
pavor foi tão grande que fê-la sair correndo degrau abaixo, deixando Kenneth e Michael às
escuras.
— Christine, volte aqui! — gritou Kenneth.
Mas de nada adiantou, a esta altura, Christine já deve ter chegado ao fim do túnel, de
onde, certamente não se aventurará a sair.
Mesmo sobre todo aquele breu, Kenneth prosseguiu a descida, degrau a degrau, passo a
passo. De repente, os degraus começam a se iluminar, seria Christine? não, era
Thomas.
— Puxa....nunca fiquei tão feliz em vê-lo! — disse Kenneth. — Thomas, vejo que está
com duas lanternas.
— Sim, uma era para Christine, mas ele já chegou lá embaixo.
— É, correu feito uma maratonista.
Riram.
— Bom....já que está com duas lanternas, dê-me uma e faça-me um favor, vá até lá em
cima e pegue as duas caixas, há comida nelas. Quer dizer, se a chuva não as estragou.
— Ok.
Thomas entregou-lhe uma das lanternas, subiu quatro degraus, virou-se para trás e disse:
— E o que faço com a porta? Devo fechá-la?
— De jeito algum!
Kenneth saiu do túnel. Ao ver Christine, lançou-lhe um olhar de descontentamento.
— Desculpa! Não consegui me controlar.
Kenneth balançou a cabeça e sorriu.
— Por que está rindo? — perguntou ela.
— Christine, não precisa se desculpar, nós três fizemos o mesmo.
Agora, riram os dois
— Christine, pelo menos a cadeira de rodas você trouxe, não é?
— Trouxe.
— Então, desdobre-a.
— Se pelo menos você tivesse me escutado antes, — disse Christine terminando de
desdobrar a cadeira de rodas — evitaríamos tudo isso. Faz horas que seu primo não está
nada bem.
Kenneth colocou Michael cuidadosamente na cadeira de rodas.
— Bom....já que estamos aqui, só nos resta torcer para que haja algo que possa nos
ajudar com a febre dele.
— O quê? — indignou-se Christine — o que um lugar com esse poderia ter para se
curar uma febre? Kenneth, o melhor que temos a fazer é levá-lo a um médico.
Imediatamente!
— Com a tempestade que cai lá fora? Impossível.
Venham, há um lugar aqui muito parecido com o cômodo de uma casa.
— Como é que é? — perguntou Christine
— É isso aí, tudo indica que o Sr. Conrad Seymor fez deste lugar o seu lar.
Enquanto se dirigiam até o local indicado por Kenneth, Christine perguntou:
— Onde está o Bruce?
— Bom....talvez ele tenha encontrado um lugar mais interessante do que os encontrados
por nós.
Ao chegarem ao local...
— O que me dizem? — exclamou Kenneth — Até que é confortável, não?!
Thomas chegou com as duas caixas.
— Não dá pra acreditar! — disse Christine surpresa — Olhem só: móveis, quadros...
— ...sepulcros — acrescentou Thomas colocando as duas caixas sobre um baú.
— O que disse? — perguntou Kenneth.
— Aqui, onde estamos agora, pode se parecer muito com uma casa. Mas o local que
eu achei não tem nada de caseiro. Kenneth, há um enorme cemitério aqui em baixo.
— Cemitério? — exclamou Christine assustada.
— Meu cachorro adoraria aquele lugar, há uma pilha enorme de ossos.
— Kenneth! — gritou Christine — Está acontecendo alguma coisa com seu primo!
Michael ficara muito agitado, debatia-se freneticamente na cadeira de rodas.
— Michael! — gritou Kenneth segurando em seus pulsos — O que aconteceu? Por que
está agindo assim?
Ele não lhe respondeu, apenas mantinha um olhar fixo e assustado a alguma coisa. Ao
olhar na mesma direção em que Michael olhava, Kenneth percebeu algo.
— Christine, ajude-me aqui, tente acalmá-lo.
Christine segurou-o carinhosamente.
— Michael, acalme-se, não tem do que ter medo, estamos aqui.
Kenneth pegou sua lanterna e foi averiguar para o quê Michael olhava tão aterrorizado.
— O que está fazendo, Kenneth? — perguntou Thomas.
— Já descobri o que estava o assustando. Veja: — Kenneth o retirou da parede e o
ergueu. Era um crânio todo enegrecido e amarrado com palha seca.
Quando Kenneth, com o crânio em mãos, aproximou-se, o coração de Michael foi à mil.
Aquele crânio negro trouxe a sua mente todo o pavor e angústia que sentira na floresta.
— Tire essa coisa horrível daqui! — esbravejou Christine — não vê que seu primo está
apavorado?!
— Deixe-me vê-lo — disse Thomas estendendo sua mão direita a Kenneth.
Ao pegá-lo, observou-o mais de perto.
— Puxa.....mais que cheiro horrível tem esta coisa!
De repente, algo sai de dentro do crânio: uma aranha, e das grandes.
Assustado,
Thomas jogou o crânio pra bem longe.
Kenneth aproximou-se do garoto e lhe perguntou:
— Michael, diga-nos, você viu alguma coisa na floresta que o assustou?
Seu desejo de poder dizer-lhes tudo o que acontecera era enorme. Poder dizer-lhes que
sentira na floresta o gosto amargo e mórbido de um pesadelo real, em carne e osso. Mas
infelizmente sua fala permanecia bloqueada, por isso conseguiu apenas um simples abaixar
e levantar de cabeça, indicando sim, que vira algo.
— Mas o que era? — perguntou-lhe Christine.
Após vários gestos sem nexo, enfim deu-lhes uma dica cuja compreensão foi mais fácil:
com os dedos da mão direita justapostos, bateu-os levemente contra seus lábios.
— O quê? Um índio? — exclamou Kenneth.
Michael fez que sim.
— Esse pirralho está delirando. — disse Kenneth — Índio! Que idiotice!
— Kenneth, — disse Christine assustada — eu não sei quanto a vocês, mas eu não vou
ficar mais nem um minuto neste lu....
Neste exato momento, um grito ecoou entre a semi-escuridão. Era a voz de Bruce.
— Bruce está precisando de ajuda! — disse Thomas.
— Oh meu Deus, em que diabo de encrenca fomos nos meter!
— Calma! — gritou Kenneth — Eu vou procurá-lo.
— Eu vou com você. — disse Thomas, levantando-se.
— Não, você vai ficar aqui e tomar conta de Christine e Michael.
Thomas não gostou de receber tal ordem, mas acatou-a. Assim, Kenneth pegou uma
lanterna, um bastão, e saiu à procura de Bruce.
Sorrateiramente, Kenneth abriu a porta usada por Bruce. A luz da lanterna enfraquecia-se a
cada minuto. Kenneth avistou um corredor, era tão estreito e parecia ser tão longo quanto
o que usara para chegar até ali. Percorreu-o cuidadosamente. Ao chegar no seu final,
encontrou outra porta. Kenneth a abriu, dando de cara com uma espécie de templo.
— Este lugar é simplesmente incrível! — exclamou Kenneth.
No centro do templo há uma arena, cercada por lanças pontiagudas apontadas para o alto.
Kenneth ficou curioso para saber como era tal arena, mas não conseguiu; as lanças medem
mais de três metros de altura. De frente para a arena há algo parecido com um altar; atrás,
dezenas de crânios pendurados por finos cipós.
— Mas que diabos é este lugar? — e olhou para a lanterna, com sua luz bem
enfraquecida. — Droga! Onde será que o Bruce se meteu?
— Bruce, onde você está? — gritou ele, provocando um longo eco.
Não obteve resposta. Então, Kenneth voltou à procura. Mas a cada passo, a cada
enfraquecida da lanterna, seu medo aumentava. Tentou, por vezes, negligenciá-lo, mas
não conseguia.
De repente, o medo o dominou por completo: a luz da lanterna se fora. A escuridão foi
total.
— Droga! não fazem mais pilhas como antigamente.
Kenneth começou a procurar pela porta. Enquanto procurava, ouviu Bruce pedir ajuda.
Ao virar-se, caiu em um buraco.
— Bruce?! — perguntou Kenneth, surpreso.
— Oh não! Eu queria alguém pra me tirar daqui, não pra me fazer companhia! — disse
Bruce apontando sua lanterna pro rosto de Kenneth.
— Puxa vida.....estou todo dolorido. De que altura caí?
— Da mesma que eu, talvez uns quatro metros.
— Que lugar é este? — perguntou Kenneth após olhar a sua volta e ver milhares de
ossos.
— Cara, eu não sei, mas não gostei nem um pouco.
— Empreste-me a lanterna.
Após pegá-la, Kenneth levantou-se e deu uma lenta volta de 360 graus, apontando a
lanterna.
— Olhe só pra isso! São todos esqueletos de mulher.
— O quê?
— É.....veja só estes trapos velhos sobre os ossos, só há roupas de mulher.
De repente, ao olhar para baixo, Kenneth viu algo caindo de um bolso de uma blusa jogada
sobre a ossada. Abaixou-se e o pegou.
— O que você achou?
— Não sei, acho que é um cartão.
— E o que diz aí?
— Diz......
"Aos Formandos da Turma de 1958,
Parabéns!!!
de seu Professor: Conrad Seymor
para Betty Morrison”
— O quê? Isso é impossível.
— Impossível? Pois veja você mesmo — disse Kenneth entregando-lhe o cartão.
Ao ler, Bruce constatou sua legitimidade.
— Mas por que você não me acreditou?
— Por isto: — Bruce apontou para algo escrito no cartão: “Betty Morrison”.
— Ainda não compreendo o porquê......hei! Espere um pouco, Betty Morrison! É a garota
que foi assassinada na floresta!
— Como você sabe disso?
— Li em um dos jornais que achei neste lugar.
Após olhar para todos aqueles ossos humanos, Bruce murmurou a si mesmo:
— Então era aqui que jogavam os ossos das garotas sacrificadas.
— Você disse alguma coisa?
— Não, impressão sua.
— Bom.....precisamos sair deste lugar. Tive um plano que pode funcionar.
Após contar o plano a Thomas, iniciaram-no. Kenneth se abaixou, Bruce ficou de pé
sobre seus ombros, feito isso, Kenneth levantou-se lentamente. Daí, bastou a Bruce
apenas esticar seus braços e alcançar a escotilha aberta, por onde caíram. Não teve
maiores dificuldades.
Após Bruce sair, Kenneth gritou-lhe lá debaixo:
— Bruce, não tenho certeza, mas parece que eu vi um barril aí por perto, veja se está
vazio, se estiver: empurre-o e jogue-o aqui pra baixo, Ok?
Feito isso, Kenneth subiu no barril e estendeu sua mão a Bruce que, com muito esforço,
puxou-o.
— Vamos sair daqui, devem estar preocupados conosco.
Quando estavam quase na metade do corredor, escutaram a voz de Thomas a gritar:
— Kenneth, Bruce, onde vocês estão?
— Thomas, estamos bem, já estamos indo — gritou Kenneth — E vocês, estão bem?
— Oh meu Deus! era verdade! — gritou Thomas desesperado.
— Thomas, o que aconteceu?
Ele não respondeu, ouviu-se apenas um estrondoso bater de porta.
Imediatamente, Kenneth e Bruce correram até a porta no fim do corredor. Quando abriramna, não acreditavam no que viam. Lá estava ele, o mesmo aborígine que assustara
Michael na floresta. Estava esmurrando a porta de onde estavam Thomas, Christine e
Michael.
— Não é possível! — disse Kenneth pasmado — Michael tinha mesmo razão!
Quando o aborígine avistou Kenneth, começou a correr furiosamente em sua direção.
Mas, imediatamente, Kenneth fechou a porta. Segundos após fechá-la, o aborígine
começou a esmurrá-la. Os golpes eram violentíssimos.
— De onde surgiu esta coisa?! — perguntou-se Kenneth empurrando a porta, para que
não abrisse.
— Quer mesmo saber? — respondeu Bruce ajudando Kenneth com a porta.
— Mas é claro! Você sabe?
— Acho que sim. Kenneth, ele é um....Pakahuna.
— O quê? mas isso é impossível!
— Cara, não sei quanto a você, mas depois do que eu vi aqui, pra mim, nada é
impossível.
— Nós vamos todos morrer! morrer! — repetia Christine aterrorizada.
— Acalme-se, Christine, ninguém vai morrer.
— Era o índio, não era? — perguntou Michael. Parece que o mesmo susto que o tirara
a voz, trouxe-a de volta.
— Michael! — exclamou Christine — Sua voz!
Christine tocou o rosto de Michael, ficando aliviada ao sentir que, pelo menos, sua
temperatura estabilizara-se.
— Christine, estou com muito medo. Eu o vi na floresta!
— Vou tentar acertar aquela coisa com o bastão. — disse Kenneth.
— O quê? Você enlouqueceu?
— Bruce, precisamos tentar alguma coisa!
— Sim, você tem razão. Mas como?
A porta era incessantemente esmurrada.
Kenneth fez uma pausa, passou o polegar e o indicador sobre o queixo e murmurou:
— Acho que sei como pegarmos essa coisa aí fora. — pegou o bastão e segurou-o
firmemente — Hei, Thomas! — gritou.
— É o Kenneth! — disse Christine procurando de onde viera o som — Parece chamá-lo,
Thomas.
— Diga, Kenneth! — gritou ele.
— Thomas, você poderia abrir a porta de vocês só por um instante?
— Pra quê?
— Somente para atrai-lo. Quando ele correr em sua direção, eu sairei com o bastão e o
acertarei. Você pode fazê-lo?
— Sim.
— Kenneth, — gritou Christine — não faça isso!
— É preciso, Christine. É preciso. — após uma pausa: — Thomas, está pronto?
— Pode apostar.
— Então, quando eu disser “três”, você abre e o atrai. Vamos lá.....um..— respirou
fundo — ..dois.....TRÊS!
Thomas saltou para fora.
— Estou aqui, babaca! — gritou ele ironicamente.
Imediatamente o aborígine foi em sua direção. Estava furioso.
— Kenneth, é a sua...VEZ!
Thomas entrou como um foguete, e fechou novamente a porta. Kenneth saltou com o
bastão preso às mãos.
— Hei! Por que não pega alguém do seu tamanho?
Estava a uns trinta metros de distância. Ao olhar Kenneth, correu desajeitadamente em sua
direção. Assustado, Kenneth começou a recuar. No meio do caminho, o aborígine botou
as mãos para trás e retirou um osso, possivelmente de um cavalo, ou algo parecido.
Pontiagudo. Fora transformado em uma arma.
— Osso, Bruce! Ele tem um enorme osso afiado em mãos!
O aborígine se aproximou e, com uma fúria descomunal, começou a desferir golpes e mais
golpes em cima de Kenneth, que se defendia com o bastão. Apavorado, Bruce fechou a
porta.
— Bruce, ajude-me aqui! Ajude-me, seu covarde!
A força daquele aborígine era incrivelmente superior a de Kenneth e, certamente, a de
qualquer ser humano.
A luta tornara-se desigual, Kenneth apenas se defendia dos ataques incessantes do
aborígine. Resistiu o máximo que pôde. Foi jogado ao chão. O bastão caiu a um metro
de sua mão direita, que a segurava até então.
— Hei! Por que não tentamos conversar? — sua voz estava trêmula — Você...sabe
falar?
Era inútil. O aborígine começou a caminhar lentamente até ele. Andava arcado, como um
símio. Era aterrador.
Kenneth fechou os olhos. “Era o fim”, pensava.
No momento em que o aborígine se preparava para desferir o golpe fatal em Kenneth,
Thomas apareceu e acendeu uma lanterna, apontando-a para os olhos do aborígine. Este
largou o osso e começou a se defender da luz, colocando os braços sobre os olhos.
Começou a recuar. Grunhia, como um animal, apavorado.
— Kenneth, pegue o bastão!
Mesmo assustado, Kenneth saltou na direção do bastão, pegou-o e, cuidadosamente,
aproximou-se do aborígine. Esta tentou agarrá-lo, mas Kenneth se esquivou. Quando
Thomas se aproximou ainda mais com a lanterna, Kenneth aproveitou e acertou um golpe
fortíssimo na cabeça do aborígine, que desabou.
— Thomas — disse Kenneth, ofegante — ,lhe devo uma.
Thomas fez que sim. Após um instante: — Christine! Bruce! Podem sair — gritou ele —
Está tudo bem.
Bruce foi o primeiro a sair. Logo em seguida, Christine, empurrando Michael em sua
cadeira de rodas.
— Meu Deus! — exclamou Christinem, olhando o corpo do aborígene, estirado no chão —
O que acham que seja esta coisa?
— Pergunte ao Bruce! — disse Kenneth, nervoso — Covarde!
— Desculpe-me, cara. Eu...eu...
— Se não fosse por Thomas — disse Kenneth — ,estaria morto.
— Kenneth — disse Michael — ,quero ir embora daqui.
— Ora, ora, ora! — ironizou Kenneth — Voltou a falar?
— Kenneth — disse Christine — , eu não fico mais um minuto neste lugar!
— E acha que eu quero ficar? — virou-se para Thomas e Bruce — Vocês vêm comigo?
— Pode apostar. — disse Thomas.
Todos olharam para Bruce.
— Acham que eu ficaria sozinho aqui? — disse Bruce.
Após recolherem tudo que trouxeram, iniciaram a subida pelo corredor. Kenneth repetiu o
que fizera com Michael na vez em que desceram. Christine levou a cadeira de rodas,
dobrada. Thomas ia à frente com uma lanterna; Bruce, atrás de todos, também levava uma
lanterna.
Os degraus estavam mais úmidos do que antes. O cuidado ao tocarem os degraus tinha de
ser redobrado, se não quisessem rolar escada a baixo.
Ao chegarem até a porta, esta estava fechada.
— Droga! Aquele índio imbecil a fechou!
Thomas tentou abrí-la. Mas não conseguiu.
— Vamos! — disse Kenneth — Empurre-a!
— Não dá! Está presa!
— Bruce! — disse Kenneth virando-se para trás — Segure o Michael um instante.
Bruce veio até ele e pegou-o em seus braços. Kenneth foi dar uma ajuda a Thomas.
Empurraram e empurraram. Desferiram toda a força que puderam. Mas não adiantou nada.
Não se moveu um centímetro sequer.
— Não entendo! — disse Kenneth — Por que esta joça não abre?
— Kenneth, — disse Thomas — tomara que eu esteja errado. Mas eu acho que essa
porta serve apenas como entrada. Deve haver uma outra porta, usada como saída.
— Por que acha isso?
— Bom...não se lembra de um daqueles desenhos que mostrava uma folhagem perto da
Pedra do Diabo?
— Acho que sim. E daí?
— É que você não estava comigo quando eu achei este lugar. Sobre esta porta, há uma
espécie de camuflagem. Muito parecida com a folhagem daquele desenho.
— E lá, seja a saída. É isso?
— Exato.
— É....talvez tenha razão.
— Oh não! — disse Christine — Quer dizer que teremos que procurar a saída deste
maldito lugar? — enfatizou o “procurar”.
— Acalme-se. — disse Kenneth — Nós a acharemos.
— Eu não agüento mais este lugar, Kenneth — disse Christine, quase chorando.
Kenneth e Christine se abraçaram.
— Tudo vai acabar bem, você vai ver.
Ao descerem, Kenneth e Bruce pegaram o aborígene pelos braços e o arrastaram até aquele
local onde estiveram. Jogaram-no sobre a ossada.
— Que lugar é esse? — perguntou Thomas.
Bruce gostaria de lhe dizer que ali era o local onde jogavam os ossos das garotas sacrificadas
durante os rituais dos Pakahunas. Mas ficou calado. Certamente troçariam dele.
— Não sei. — disse Kenneth — Só sei que daí ele não sai. Se não receber ajuda. É
claro.
— Fique tranqüilo. — disse Thomas — Essa coisa não vai mais a lugar algum. Está
morto.
— Bom....parece que sim. Mas em todo o caso!
— Será que essa coisa era algum tipo de canibal? — disse Thomas.
— Não. — disse Kenneth — Segundo o nosso amigo aqui, — olhou para o Bruce — era
um Pakahuna.
— O quê? Um Pakahuna? — disse Christine aproximando-se de Bruce.
— Impossível. — disse Thomas.
— Impossível, Thomas? — disse Bruce — O que é impossível para você? O que diria
se alguém chegasse para você e dissesse que há uma gigantesca gruta sob esta floresta?
Certamente diria: “Impossível”.
— Mas isso é diferente...
Bruce enervara-se.
— Diferente por quê? Ah, Thomas! Pare de “tentar” tapar o sol com uma peneira! A cada
minuto, a cada segundo há uma evidencia de que estou certo. Admita! Estamos em um
templo Pakahuna. E sabe que lugar é este onde estamos agora?
— Talvez a quadra de basquete dos Pakahunas! — disse Thomas rindo.
Bruce sacudiu a cabeça.
— Estamos em um sacrifical, seu idiota! — murmurou.
— Vamos, parem com essa discussão. — disse Kenneth — Temos que achar a saída
deste lugar.
Christine e Michael ficaram naquele local parecido com uma sala, onde havia móveis e tudo
mais. Quanto aos outros três, saíram à procura da saída. Separaram-se. Apesar de
estarem, um tanto quanto, amedrontados.
Não seria fácil achá-la. A gruta está cheia de corredores obscuros, labirintos extensos e
traiçoeiros, e provavelmente.....armadilhas.
— Que diabo de lugar é esse? — disse Thomas ao ver um extenso corredor, repleto de
entradas laterais.
Thomas entrou em uma delas. Media aproximadamente dois metros de largura, dois e
meio de comprimento e uns três de altura. Havia vários troncos pequenos cortados ao meio.
Estavam ocos. Cada tronco era dividido em oito compartimentos, e dentro de cada
compartimento havia um crânio sobre um punhado de cinzas. Thomas inclinou-se, tocou
um dos crânios, catou um pouco de cinzas com a palma direita, olhou-a e, após um
instante, soprou-a.
— Mas que diabos é Isso?
Saiu dali. Começou a percorrer o corredor. Uma vez ou outra lançava um olhar para as
demais entradas, mas eram todas idênticas àquela que entrara. Após uma longa
caminhada, avistou com a luz da lanterna o fim. Era como as outras entradas laterais, só
que um pouco maior. O frio ali era intenso. Thomas entrou, mas não viu que havia dois
degraus a baixo, e caiu. A lanterna escapou de suas mãos, ao cair, desligou-se.
— Droga!
Thomas levantou-se e começou a procurar pela lanterna. De repente, tocou em algo;
sólido e gelado.
— Mais que diabo de lugar é esse!
O frio aumentava a cada segundo.
— É melhor eu achar a lanterna e dar o fora daqui. Antes que eu me transforme em um
picolé. Puxa! — esfregou suas mãos — Como é frio aqui!
Thomas pisou em alguma coisa e escorregou; era a lanterna.
— Ufa! Até que enfim eu te encontrei — acendeu-a — Jesus Cristo! — disse
pausadamente.
Havia 3 corpos nus congelados. Todos com feições aborígines e dispostos em blocos de
gelo.
— Isso é incrível! — levantou-se — Será que Bruce tinha mesmo razão? Estamos em
um templo Pakahuna?
De repente, ouviu-se um som de gelo quebrando. Thomas ficou apavorado. Nem olhou
para os blocos de gelo, correu desesperadamente em direção ao corredor.
Kenneth acabara de voltar.
— Achou a saída? — perguntou Christine com um jornal velho nas mãos.
— Não, infelizmente. Não encontrei nada além de túneis e mais túneis sobre um breu
incessante. Droga de lugar. — olhou na direção de Michael e sussurrou a Christine —
Como ele está?
Michael estava sentado, olhando um jornal.
— Está mais calmo. Mas....não sei até quando. Pra dizer a verdade, eu estou muito
mais assustada do que ele. Esse lugar me dá calafrios.
— Bom....talvez o Bruce ou o Thomas tenha tido mais sorte do que eu e.....
Thomas entrou apavorado pela porta.
— Índios congelados! Mas.....eu acho que estão vivos! Vivos!
Kenneth levantou-se e o segurou.
— Acalme-se, Thomas! O que houve?
Sentaram-se à mesa.
— Vocês deviam ter visto! Tem gente congelada lá!
— Gente congelada? Mas do que você está falando? Você enlouqueceu? — tocou-o —
Minha nossa! Você está um gelo!
Kenneth tirou sua jaqueta e colocou sobre Thomas.
— Acalme-se, Thomas. Agora, diga-nos tudo o que você viu, calmamente.
Thomas contou-lhes tudo o que vira.
— Mas isso é impossível! — disse Kenneth. — Nenhum ser humano sobreviveria dentro
de um bloco de gelo.
— Escute o que eu estou te falando, Kenneth, aquilo não é humano.
— Mas então o que é?
— Bom.....talvez uma....raça desconhecida ou sei lá o quê.
— Mas eu só não consigo entender qual a ligação do Sr. Conrad Seymor com tudo isso.
— Kenneth, preciso mostrar-lhe algo. — Christine começou a virar e revirar os vários
jornais que estavam sobre a mesa.
— Mostrar o quê, Christine?
Christine achou o jornal que queria. Virou-o na direção de Kenneth e apontou para uma foto
de um garoto seminu, em uma floresta.
— Sabe quem é este garoto?
— Não. Quem é?
— O jovem Conrad Seymor.
— O quê? — Kenneth levantou-se e pegou o jornal.
— Leia a reportagem, ficará ainda mais surpreso.
A reportagem dizia:
“Um garoto de aproximadamente 16 anos foi encontrado ontem na floresta de Monkey Falls.
Apresentava instintos e movimentos selvagens. Tudo indica que ele seja o garoto que
desaparecera na floresta, 10 anos atrás. Em se confirmando tal hipótese, o garoto
encontrado chama-se Conrad Seymor, filho de Stephen e Tiffany Seymor. Hoje à tarde,
irão levá-lo até Chicago, onde passará por vários testes médicos.
Mesmo que os testes
comprovem a paternidade do casal Seymor,
de readaptação à vida social.”
o garoto terá que passar por um longo período
— Então quer dizer que...
— Ele viveu 10 anos na floresta. — disse Christine — E acho que já sei com quem.
— Com os Pakahunas. — disse Thomas.
Bruce entrou.
— Ora, Thomas! Não era você quem dizia que essa história de Pakahuna era idiotice?!
Todos olharam-no.
— Você tinha razão, cara — disse Thomas.
— O tempo todo — disse Kenneth.
— Encontrou a saída? — disse Michael, subitamente.
Bruce respirou fundo, soltou o ar pelas narinas, sentou-se e disse, desanimado:
— Estamos encrencados.
— O que houve, Bruce? — perguntou Kenneth.
— Acho que sei onde fica a saída.
— Ótimo! — disse Christine.
—
Mas é praticamente impossível chegarmos vivos até ela — completou Bruce.
— Por quê? — disse Thomas.
— Lá é muito gelado. Tentei ir até lá, acho que não cheguei nem na metade do
caminho, e quase morri. Meu corpo todo doía. Nem sei como consegui sair de lá. É
horrível.
— Mas deve haver uma maneira. Tem de haver!
— Kenneth, eu estou com fome! — disse Michael.
— Eu também.
Kenneth foi até as duas caixas. Estavam ensopadas. Mas como a maioria dos mantimentos
que trouxeram estava em embalagens plásticas, não perderam muita coisa.
Os 5 comeram quase tudo o que havia em uma das caixas. Estavam famintos. Se
pudessem, comeriam mais. Mas Kenneth não os permitiu. Pois não sabia quanto tempo
ficariam naquele lugar. Precisavam economizar o máximo que pudessem.
Por volta das 9h da noite, ajeitaram-se para dormir. Dentro do baú havia alguns
cobertores, que usaram também como colchão. Christine e Michael ficaram à direita da
mesa, os outros 3 ficaram à esquerda.
— Um colchão macio seria muito bem vindo. — disse Thomas, esfregando as mãos.
— Oh, nem me fale! — disse Kenneth — Esse chão parece gelo! O cobertor não
adiantará muita coisa.
— Você está bem, Michael? — perguntou-lhe Christine.
— Acho que sim. Christine, será que conseguiremos sair daqui?
— Sim, Michael. Fique tranqüilo. Amanhã nós sairemos deste lugar.
dormir.
Agora, procure
— Kenneth, por que será que o Sr. Conrad Seymor voltara ao templo? — perguntou
Thomas.
— Não faço a mínima idéia.
Bruce estava quase dormindo, mas ouviu o que Thomas perguntara a Kenneth. Ele tinha
uma resposta: para um sacrifício. Mas não quis compartilhá-la.
Um a um, iam pegando no sono. Até que, por volta das 10h, todos conseguiram dormir.
Mas, enquanto dormiam, havia alguém acordado e planejando algo. O Pakahuna estava
solto.
Usando uma passagem secreta, ele conseguiu entrar no local onde os 5 dormiam.
Sorrateiramente, tapou a boca de Christine e a arrastou até a passagem.
Por volta das 11:20h, Michael acordou.
— Kenneth! — gritou ele.
Kenneth, Bruce e Thomas acordaram assustados.
— O que foi? — disse Kenneth irritado.
— A Christine desapareceu!
Levantaram-se rapidamente. Kenneth acendeu o lampião.
— Mas aonde ela foi?
Thomas e Bruce aproximaram-se do local onde ela dormia.
— Christine! — gritou Kenneth.
— Oh meu Deus! — exclamou Thomas — Vejam!
Thomas mostrou-lhes um colar.
— Eles a levaram — disse Bruce. — Oh meu Deus! O sacrifical!
— Sacrifical?
— Vamos! Antes que seja tarde.
Assim, Kenneth, Bruce e Thomas foram até o sacrifical. Tiveram que caminhar sobre as
pontas dos pés. Pois com o silêncio que ali fazia, qualquer ruído seria um estardalhaço.
Ao chegarem na porta do sacrifical...
— Oh meu Deus! — exclamou Kenneth. — Aquele desgraçado! Como escapou?
— Vejam! Christine!
— Temos que agir rápido, ele já iniciou o ritual. — sussurrou Bruce.
Havia pouca luz no local, mas dava para ver Christine amarrada e amordaçada em uma
cruz, feita com dois troncos. Estava suspensa a uns 10 metros de altura, por grossos
cipós. Uma fenda no teto era usado como uma polia. A ponta do cipó estava presa a uma
barra de ferro, presa ao chão.
Embaixo da cruz, a 10 metros, ficava a arena, cercada
de lanças por todos os lados.
O aborígine estava no altar, ajoelhado. Olhava para a parede. Dizia algumas coisas,
mas em uma língua estranha e incompreensível. Algo estava para acontecer.
— Vamos tirar Christine de lá! — sussurrou Thomas.
— Calma, não podemos nos precipitar. — disse Bruce — Pois se fizermos besteira,
aquele desgraçado poderá soltar o cipó, daí será o fim de Christine.
— Bruce tem razão, Thomas.
Assim, aproveitando que o aborígine estava de costas para eles, Kenneth se escondeu
atrás de uma pilastra, Thomas e Bruce ficaram atrás das lanças da arena.
De repente, o aborígine levantou-se e virou-se. Começou a falar bem alto, como se
estivesse envocando algo. Ficou uns 3 minutos assim. Depois se dirigiu a barra de ferro e
desamarrou o cipó.
— Droga! Ele vai descê-la! — murmurou Kenneth a si.
E foi exatamente o que o aborígine fez, lentamente, começou a soltar o cipó e a descê-la
para dentro da arena. Enquanto a descia, dizia algo em versos cantados.
— O que devemos fazer? — sussurrou Bruce — Se o atacarmos, poderá soltá-la de
uma vez, e se ficarmos de braços cruzados, não gosto nem de imaginar o que poderá lhe
acontecer.
— Bom...acho que sei o que podemos fazer, quando ela estiver a uma altura baixa, sem
riscos, a gente ataca.
— Mesmo assim, teremos de agir muito rápido. Mas é a única solução.
Assim, Bruce começou a fazer gestos para Kenneth, a fim de que este compreendesse o
plano. Após vários gestos, Kenneth finalmente compreendeu, fazendo-lhe um sinal de
positivo.
Quando Christine ficou a pouco mais de 1 metro, os três atacaram o aborígine. Este,
com o susto, largou instintivamente o cipó. A cruz, com Christine, caiu sobre o centro da
arena.
Os três agarraram-se ao aborígine, que resistia; era muito forte. Desferiram-lhe
socos e pontapés. Mas ele permanecia intacto. De repente, ele acertou um soco em
Thomas, este caiu a 3 metros de distância.
— Thomas! — gritou Bruce, caído ao chão.
O aborígine foi em sua direção. No exato momento em que o atacaria, Kenneth atravessou
o corpo do aborígine com uma lança. De sua barriga, perfurada, jorrou um sangue escuro
e pegajoso.
— Oh meu Deus! — disse Bruce — O que são essas coisas, realmente?
— Não sei. Mas...de uma coisa eu tenho certeza; não são humanos.
De repente, ouviu-se um barulho ensurdecedor. Era estranho! Parecia vir debaixo da
arena.
— Christine! — lembrou-se Kenneth — Bruce, veja como está o Thomas, eu vou tirar
a Christine daquele lugar.
Kenneth tentou puxar o cipó e erguer Christine, mas estava muito pesado, e ele não tinha a
força do aborígine. O som que vinha debaixo da arena estava cada vez mais alto e
assustador.
— Bruce! Ajude-me aqui! — gritou Kenneth.
Bruce veio lhe ajudar, trouxe Thomas abraçado a ele.
— Como está, Thomas?
— Um pouco dolorido, mas estou bem.
Bruce ajeitou-lhe sobre o chão e começou ajudar Kenneth a puxar Christine.
— Oh meu Deus! — exclamou Thomas — Há alguma coisa embaixo daquela arena.
— E o que quer que seja, está à procura de Christine. — disse Bruce — Vamos,
Kenneth! Temos de puxar com mais força!
Quando ergueram Christine a 4 metros de altura, começaram a balançá-la, para que
pudesse descê-la do lado de fora da arena.
— Vocês viram aquilo! — gritou Kenneth.
Quando a cruz passava por sobre a arena, via-se dois braços grandes e peludos tentando
agarrá-la.
— Jesus Cristo! — exclamou Bruce — Há uma criatura ali dentro!
— Vamos! — gritou Thomas — Tirem a Christine de lá!
Quando a cruz passou do lado de fora da arena, Kenneth e Bruce soltaram um pouco mais
o cipó. A cruz desceu e bateu na borda de fora da arena. Desceram-na ao chão e tiraram
imediatamente a sua mordaça. Estava chorando, apavorada.
— Você se machucou? — perguntou-lhe Kenneth.
— Minhas costas estão doendo muito. Oh meu Deus....o que está havendo?
Soltaram-na da cruz. Kenneth pegou-a nos braços.
— Tem uma coisa horrível ali! Quase me agarrou. Senti uma mão gelada e peluda. Oh
Deus! Se vocês não me tirassem dali....Oh meu....
Christine desmaiou.
A criatura estava tentando se livrar das lanças. Fazia sons horríveis.
— Vamos sair logo daqui! — disse Kenneth. — Não sei até quando essa coisa ficará
presa ali dentro.
Voltaram. Michael estava aos prantos.
— O que houve? — perguntou-lhe Kenneth.
— Ouvi uns sons esquisitos, pensei vocês tinham morrido. — olhou para Christine — O
que aconteceu com a Christine?
— Apenas desmaiou.
Kenneth colocou-a sobre um cobertor.
— Precisamos fazer algo. — disse Bruce — Aquela coisa não demorará em escapar.
Kenneth olhou o lampião por alguns instantes.
— O que foi, Kenneth?
— Tive uma idéia.
Kenneth pegou o lampião e tentou sentir o seu peso.
— Acho que tem o suficiente.
— O suficiente para quê?
Após contar a sua idéia a Bruce, foram colocá-la em prática; banharam o corpo do
aborígine, morto, com o resto da querosene do lampião. Amarraram-lhe com um cordão,
bem comprido, também banhado com querosene.
— Agora, nós o jogamos dentro da arena, quando sentirmos que a criatura pegou a isca,
nós colocamos fogo no cordão, que o levará até lá.
— Genial! Só restarão as cinzas.
— Assim espero. — suspirou bem fundo — Está pronto?
— Estou.
— Então, vamos lá. Um....dois.....TRÊS!
Jogaram o corpo do aborígine dentro da arena. Quando ouviram a criatura o atacando,
botaram fogo no cordão. O fogo percorreu-o rapidamente, chegando até o corpo. A
criatura gritou horríssonamente.
— O fogo o atingiu! — gritou Bruce.
— É isso aí! Morra, criatura do demônio! Morra!
Uma fumaceira intensa saía da arena. A criatura não parava de gritar.
— Que cheiro horrível! — disse Kenneth, tapando o nariz.
— O corpo deve estar se decompondo. — disse Bruce, enojado.
De repente, a criatura parou de gritar. A fumaça diminuiu. O silêncio se fez presente.
— Está morta. — disse Bruce.
— Parece que sim. Mas se pelo menos pudéssemos vê-la.
— Pra quê? Não se preocupe, está morta. Não há dúvidas.
— É....acho que tem razão.
— É claro que tenho! Agora, vamos sair daqui, esse cheiro vai acabar nos intoxicando.
Na manhã seguinte...
— Kenneth, o que está fazendo? — perguntou Bruce, que acabara de se levantar.
Kenneth estava sentado à mesa, onde havia vários livros e anotações manuscritas.
— Bruce, andei revirando baús e gavetas durante toda a noite. E achei coisas muito
interessantes; como anotações do Sr. Conrad Seymor, desenhos e muito mais. Ele
estava traduzindo para o inglês todas as passagens do Humuré, o livro sagrado dos
Pakahunas.
— Diga-me, Kenneth, qual era a razão para os sacrifícios das garotas?
— Ainda não li muito a esse respeito, mas parece que eles atribuíam a morte a um Ser
sobre-humano.
— Como?
— Pelo que eu pude entender, quando um Pakahuna morria, eles não atribuíam a uma
doença ou algo assim, para eles, o causador das mortes, era o Takanuhui; o deus da
morte. Eles achavam que quando um deles morria, era porque Takanuhui estava zangado.
— E daí, ofereciam a garota como uma espécie de presente de reconciliação, é isso?
— Bom...a idéia principal era essa.
— Mesmo assim, essa história ainda está muito confusa. Porque se eles atribuíam a
morte à criatura,
por que continuaram a invocá-lo mesmo depois de sua raça ter acabado?
— Pensei nisso também, e cheguei a uma conclusão um pouco maluca, confesso, mas
eu acho que é a única.
— Qual?
— Acho que ainda há descendentes dos Pakahunas vivendo em Stoneyfield ou pelas suas
redondezas.
— O quê? Mas será que isso é possível?
— Talvez sim.
— Kenneth, também tem outra coisa que não consigo entender; se eles achavam que a
criatura era a responsável pelas mortes, por que não o mataram? Assim, acabariam de
vez com o problema.
— Eles tinham muito medo. Por isso, construíram aquela arena.
— Mas nem tentaram?
— Bom...o Sr. Conrad Seymor não terminou de fazer a tradução, mas parece que havia 3
líderes Pakahunas, e que eles tinham o poder necessário para enfrentá-lo. Mas a criatura
os amaldiçoou.
— Agora surgiu mais uma dúvida na minha cabeça; o Sr. Conrad Seymor deve ter sido
uma pessoa culta e estudada. Certamente não acreditaria nessa história de se atribuir as
mortes dos Pakahunas a uma criatura. Então, qual seria o interesse dele em sacrificar uma
garota inocente?
— Você está falando de Betty Morrison, não é? Mas como você sabia que foi ele o
responsável pelo sacrifício?
— Esta é uma longa história, que o meu pai, infelizmente, esteve no elenco.
— Depois de tudo o que eu li, descobri que o Sr. Conrad Seymor teve duas intenções ao
regressar a este lugar: capturar a criatura e....encontrar a poção capaz de retirar a maldição
dos 3 líderes Pakahunas.
— Mas havia mesmo esse manuscrito?
— Tudo indica que sim.
— Mas se havia, por que os Pakahunas não o usaram para retirar a maldição de seus
líderes?
— Eu já lhe disse, eles morriam de medo da criatura, achavam que ela poderia
amaldiçoar-lhes também.
Thomas levantou-se e foi até a mesa.
— Kenneth, eu ouvi você dizer algo a respeito de “3” líderes Pakahunas, estou certo?
— Sim, li em um dos manuscritos do Sr. Conrad Sey...
— São eles! — exclamou Thomas subitamente — Kenneth,
eu achei, eram 3!
— Por que você não me disse antes?
— Ora, você não me perguntou quantos eram!
os caras congelados que
Kenneth resolveu dar uma olhada nos 3 corpos. Thomas, já recuperado da pancada que
levara da criatura, levou-o até lá. Bruce ficou, para o caso de Christine ou Michael
acordarem.
Ao chegarem até o local...
— Meu Deus! — disse Kenneth pausadamente — Olha só para isso!
— Incrível, não?
— Sim, sim. — tocou um dos blocos — Estranho! Não me parece gelo. Toque
também.
Thomas não achou uma boa idéia. Mas acabou tocando.
— É verdade, não é úmido como gelo.
— Mas o que será que o Sr. Conrad pretendia fazer com eles, quando a maldição fosse
desfeita?
Kenneth e Thomas voltaram. Christine e Michael já estavam acordados.
— Como está se sentindo? — perguntou Kenneth a Christine.
— Um pouco dolorida, mas estou bem.
Aproximou-se de Kenneth.
— Ontem nem consegui agradecer pelo que fizeram, salvaram a minha vida.
— Não precisa agrade...
Christine deu-lhe um beijo no rosto.
Um pacote de biscoito e alguns goles de refrigerante, foi tudo o que consumiram no café da
manhã.
Enquanto isso, em Stoneyfield, o pai de Christine já estava desesperado. Comunicara o
fato ao xerife, que mandou alguns de seus homens vasculharem a cidade. O pai de
Thomas e Bruce resolveram dar mais um tempo. Se não recebessem notícias, iriam até o
xerife.
— Meu pai deve estar desesperado. — disse Christine.
— Acho que o meu nem notou minha falta — disse Thomas.
— Calma, gente. — disse Kenneth — Nós vamos sair deste lugar.
— Só não sei como. — disse Bruce.
— Bruce, eu estive pensando, você disse que lá é muito, muito frio. Certo?
— Muitíssimo frio.
— Bom....e se agasalhássemos um de nós com todos os cobertores que encontrássemos.
Será que não resolveria o problema?
— Cara, é uma ótima idéia! — disse Thomas.
— É, acho que poderia funcionar — disse Bruce, olhando os cobertores estendidos no
chão. — Vamos preparar os cobertores, eu irei até lá.
— Deixa que eu vou, Bruce.
— Não, eu irei.
Assim, cobriram-no completamente com os 7 cobertores que encontraram. Apenas seus
olhos ficaram à mostra.
— Faz tempo que eu não sinto essa sensação; como estou quente!
— Espero que continue assim até a saída — disse Kenneth.
— Eu bem que gostaria de ver a cara de um fazendeiro se visse você saindo debaixo da
terra desse jeito — disse Christine sorrindo — Na certa, morreria com o susto.
— Ou iniciaria uma nova lenda: — disse Thomas — O Monstro dos Cobertores!
Riram às gargalhadas.
Totalmente coberto, Bruce dirigiu-se ao tal lugar. Kenneth o acompanhou, quando o frio
começasse pra valer, voltaria.
— É um extenso corredor. — disse Bruce.
— Bom, já imaginava. Corredor é o que não falta neste lugar.
— Realmente. Kenneth, o que faremos se sairmos daqui? Contaremos o que vimos?
— Acho que devemos contactar algum centro de pesquisas arqueológicas. Eles saberão
o que fazer com este lugar. E ainda por cima, poderemos até receber o mérito pela
descoberta.
— Receberemos algum dinheiro?
— Bom, isso eu não sei.
— Então, acho que é melhor pensarmos em outra coisa.
Com o passar do tempo, o frio começou a aumentar, cada vez mais. Kenneth teve que
voltar.
— Puxa....agora eu sei como se sente um sorvete num freezer — disse Kenneth,
batendo os dentes.
— Volte, Kenneth. Isso aqui não é brincadeira.
— Nem precisa dizer duas vezes. Então, boa sorte, cara — deu-lhe dois tapinhas nas
costas de Bruce.
Bruce apenas acenou com a cabeça.
Kenneth voltou o mais rápido que pôde, pois ali fazia muito mais frio do que nos outros
lugares que estivera.
Quando estava bem próximo de sair do corredor, ouviu-se um grito
pavoroso; era Bruce. Kenneth virou-se rapidamente.
— Bruce! — gritou o mais alto que pôde — Oh meu Deus....o que aconteceu?!
Christine e Thomas apareceram à entrada do corredor, estavam muito assustados.
— O que houve, Kenneth? — perguntou Christine.
— Não sei! Fiquem aqui, eu vou ver o que aconteceu.
— Será que os cobertores não conteram o frio? — disse Thomas.
Kenneth já tinha ido. Atento a tudo o que lhe rodeava, caminhou rapidamente pelo
corredor. O cheiro mudara, não estava como agora há pouco. Havia algo ali. De
repente...
— Kenneth, já viu o que aconteceu? — ecoou lá de trás; era a voz de Christine.
Kenneth virou-se e gritou-lhe:
— Ainda não. Fiquem aí. Ok?
— Tudo bem — gritaram.
Quando Kenneth virou-se novamente, viu uma silhueta.
— Bruce, você está bem?
O corpo manteve-se estático. Kenneth tentou se aproximar. A luz da lanterna estava
enfraquecida. A imagem não era nítida, mas quando ficou a três metros do corpo pôde ver
o que realmente acontecera, era mesmo o Bruce. Estava morto. Seus olhos estavam
saltados para fora, sua pele estava toda rasgada, seu estômago estava aberto e com vários
órgãos à mostra. Algo monstruoso o segurava pelo pelo pescoço, não dava para ver com
nitidez, via-se apenas os seus quatro braços peludos.
— Oh meu Deus! — exclamou Kenneth horrorizado.
A criatura deu um grito horríssono, ecoando por toda a gruta.
— Jesus Cristo! — exclamou Thomas. — O que foi isso?!
— Kenneth! Kenneth! — gritou Christine, em estado de choque.
Christine tentou sair pelo corredor a fora, mas Thomas a puxou pelo braço.
Kenneth, frente a frente com a criatura, não sabia o que fazer. Não estava com nada em
mãos, a não ser a lanterna, que, diga-se de passagem, parecia irritar a criatura. Mas a
luz estava fraca. Não havia outra alternativa, Kenneth correu. Correu muito. A criatura não
o perseguiu. Ficou e terminou o seu jantar; Bruce.
De repente, enquanto corria, Kenneth chocou-se violentamente com Thomas. Ambos se
assustaram.
— Thomas, é você?
— Que grito foi aquele? Cadê o Bruce? O que houve com ele?
— Bruce está morto, Thomas.
— Morto? Oh meu Deus!
Kenneth ajudou-lhe a se levantar.
— Precisamos sair logo daqui!
Correram para fora do corredor. Christine os esperava, estava transtornada.
— O que houve? — gritou ela.
— Depois eu explico tudo, Christine. Agora, precisamos arranjar um lugar mais seguro
para ficarmos.
— O que aconteceu com o Bruce? Onde ele está? — Christine estava aos prantos.
Kenneth nem ouviu o que Christine lhe perguntara, correu até Michael e os mantimentos.
— Bruce está morto, Christine — respondeu-lhe Thomas, com lágrimas nos olhos.
Thomas e Christine se abraçaram, ambos choravam.
Kenneth voltou com um lampião na mão esquerda. Com sua mão direita empurrava Michael
na cadeira de rodas, este estava com a caixa de mantimentos no colo. Sobre a caixa havia
também alguns jornais e algumas anotações do Sr. Conrad Seymor.
— Vamos! — disse Kenneth — Sei de um lugar onde poderemos estar seguros.
— Você nem se importa com o Bruce, não é?! — disse Christine.
— No momento eu me importo com você, Thomas e meu primo.
— Mas o que foi que o matou? — perguntou Thomas.
— Ainda não sei direito. Estava muito escuro, mas parecia ser muito grande.
Os gritos da criatura ecoaram pelo local novamente. Era de arrepiar.
— Christine, olha pra mim. Posso parecer insensível, mas a morte de Bruce está doendo
em mim tanto quanto em você. Mas não há tempo para lamentos agora, se não sairmos
daqui imediatamente seremos os próximos!
Christine não lhe disse nada, apenas balançou a cabeça positivamente.
Seguiram por um corredor estreito e sufocante. Havia uma enorme quantidade de
estalactites e estalagmites, o que atrapalhava muito a passagem da cadeira de rodas de
Michael. Kenneth entregou o lampião a Christine e pegou seu primo nos braços. Thomas
levou a cadeira de rodas.
— Vamos! — repetia Kenneth.
— Mas não entendo, aonde estamos indo? — disse Thomas.
— Ontem eu descobri um lugar.
— Meu Deus! Mas que cheiro horrível é este? — resmungou Christine.
— Excremento de morcego — respondeu-lhe Kenneth — Este lugar está cheio deles.
Chegaram ao tal lugar. Não era muito diferente dos demais, a não ser por um aspecto: a
porta era espessa e possuía uma fechadura, primitiva, mas que funcionava. Para fechá-la,
foi necessária a força de Kenneth, Thomas e ainda uma ajuda de Christine. Era muito
pesada. Não possuía dobradiças. Ficava sobre vários troncos finos, dispostos
horizontalmente sobre o chão. Para fechá-la, precisavam empurrá-la, encaixá-la na
abertura da parede e travarem as três fechaduras; uma em cima e duas laterais.
— Que lugar é esse? — perguntou Christine.
Kenneth pegou uma das folhas que trouxera junto com os mantimentos, mirou a lanterna
sobre ela e respondeu:
— O aposento de Muik Yahara, um dos três líderes Pakahunas.
— Como é que você sabe?
— O Sr. Conrad mapeou todo este lugar, nomeando-os e indicando seus respectivos exdonos.
O local onde estão mede aproximadamente 10 metros de comprimento, 8 metros de largura
e 6 metros de altura. Havia uma enorme quantidade de cestos de palha, dentro deles:
ossos e mais ossos. As paredes eram todas enfeitadas, com penas e crânios de animais.
Havia restos de animais por várias partes. Não havia estalagmites nem estalactites. O
cheiro forte dos excrementos de morcego incomodava, e muito.
— Kenneth, — disse Christine — até agora, você não explicou direito o que aconteceu
ao Bruce.
Kenneth sentou-se a seu lado.
— E você acha que é fácil para mim falar sobre isso? Christine, foi a coisa mais horrível
que já vi. E, pelos sons que emitia, é certamente a mesma criatura que a atacou na
madrugada passada.
— Mas vocês não a mataram?
— Pensávamos que sim. Droga! Eu disse ao Bruce que devíamos ter averiguado, mas
ele insistia e afirmava com toda a convicção do mundo que a criatura estava morta. Agora,
veja no que deu.
Os olhos de Kenneth encheram-se de lágrimas.
— Não pude fazer nada, Christine. Absolutamente....nada.
— Não se culpe. Você não poderia fazer nada.
— Mas receio que você está em perigo aqui neste lugar, Christine, de acordo com o que
eu li, só há duas formas de nos livrarmos daquela coisa: acharmos a poção capaz de
trazer os três líderes Pakahunas de volta ou....
— Diga, Kenneth!
— Você, Christine. É a você que aquela coisa quer.
Christine voltou a chorar e abraçou Kenneth com toda a força.
— Não se preocupe, — sussurrou-lhe Kenneth — não deixarei que nada lhe aconteça.
Eram 11 horas da manhã, toda a Stoneyfield já tinha conhecimento do desaparecimento de
três jovens: Christine, Thomas e Bruce. Quanto a Kenneth e Michael, seus parentes
estavam fora, não havia mais ninguém para reclamar por eles.
— Aqui pode estar a nossa saída. — disse Kenneth, apontando para uma das caixas que
trouxera consigo.
— Sejamos francos, — disse Thomas sentado num canto. — estamos perdidos.
— Thomas, cale esta boca e venha me ajudar com estes manuscritos! Talvez tenha
alguma informação importante neles. Foram todos escritos por Conrad.
Michael se aproximou da caixa e pegou alguns manuscritos.
— Posso ajudar, Kenneth?
— É claro, Michael! Leia atentamente, e se achar algo que ache importante, diga-nos.
Christine e Kenneth também pegaram alguns. Após alguns minutos, Thomas também o
fez.
Assim, folhas e mais folhas foram passando aos seus olhares atentos e suas mentes
sedentas por algo que os ajudassem. O tempo ia passando e nada de importante aparecia,
até que de repente:
— Espere! — disse Kenneth — Acho que encontrei algo, ouçam:
“14 de janeiro de 1959
Hoje foi um dia especial, finalmente sinto estar próximo, muito próximo de achar a poção
sagrada de Fenish, nosso líder máximo. O local onde escondera fica exatamente a alguns
metros a baixo de seus aposentos, magnificamente protegido, mas para a minha sorte não
está lacrado. Amanhã de manhã, finalmente conseguirei adentrar o local. Peço para que
a noite seja o mais breve possível, pois minha ansiedade é imensa. Peço também para que
meu cansaço me abandone. Estou exausto.”
— Precisamos achar a página do dia 15 de janeiro de 1959, nela poderemos encontrar a
descrição do local onde ele achou a poção, e talvez onde a guardou, pois não chegou a
usá-la.
— Como sabe? — indagou Thomas — talvez ele tenha levado a algum laboratório ou sei
lá o quê.
— Pode até ser, mas, se não o fez, teremos uma boa chance de sairmos deste maldito
lugar.
Assim, os quatro começaram a procurar pela tal página. Mas não a encontraram.
— Não é possível! — resmungou Kenneth — Ela tem de estar por aqui.
— Kenneth, — disse Thomas — não sei se você percebeu, mas, não há nenhum
manuscrito com data posterior a 14 de janeiro de 1959.
— Espere um pouco, você tem razão.
— Sobraram duas hipóteses; ou ele guardou estes manuscritos....
— Ou algo de ruim lhe aconteceu. Droga!
— Nunca sairemos daqui — disse Christine, com um rosto muito abatido.
— Calma, — disse Kenneth — ainda não sabemos o que realmente aconteceu. — e
olhou para o mapa, caído ao chão. Caminhou até ele e o pegou.
— Estamos todos mortos, todos mortos — repetia Christine.
— Está aqui, — disse Kenneth, apontando um local no mapa. — o aposento de Fenish.
E, de acordo com este mapa, não estamos muito longe.
Não lhe deram atenção. A morte de Bruce ainda lhes atormentava.
— Eu vou até lá. — disse Kenneth.
Todos fitaram-no, assustados.
— O quê? — disse Christine — Enlouqueceu? Aquela coisa está aí fora!
— E vai continuar lá até apodrecermos aqui, a menos que façamos algo. — e olhou para
Thomas — Você vai comigo?
Após olhar para os rostos desesperados de Christine e Michael, Thomas não conseguiu dar
outra resposta, senão:
— Ok.
— Tranque bem estar porta — disse Kenneth.
— Mas se vocês precisarem dela aberta? Caso precisem fugir daquela coisa.
— Torça por nós para isso não acontecer. Agora faça o que eu lhe peço.
Assim, do lado de fora, Kenneth e Thomas ajudaram Christine a colocar a maciça porta de
volta ao lugar. Lá dentro, Christine a trancou, apesar de sentir um enorme aperto no
coração.
Munidos de um pedaço de pau e uma lanterna, Kenneth e Thomas saíram à procura do tal
lugar, que, segundo o desenho do mapa fica a mais ou menos uns 50 metros, no final de
um corredor.
Havia morcegos por todos os lados. O odor era o pior possível. O chão era totalmente
imprevisíveis, com buracos, pedras soltas e várias estalagmites perigosamente pontiagudas.
— O que acha que encontraremos? — perguntou Thomas.
— Sendo sincero, não faço a menor idéia.
Seus corações batiam cada vez mais rápido. A ansiedade e o pavor iam tomando conta.
Qualquer barulho era motivo para pânico. Mas passo a passo eles chegavam mais perto do
tal lugar. De repente encontraram uma abertura entre as rochas. Entraram. Kenneth mirou
todos os cantos com a lanterna. O lugar era grande. As paredes possuíam vários desenhos,
em sua maioria, de animais. Em suma, não era muito diferente dos demais, a não ser
pelo chão, que não era irregular como os outros. O chão era todo forrado com uma areia
fina e folhas, um verdadeiro relaxante para os pés, que até então, sofreram com os vários
buracos e estalagmites pontiagudas. Ao caminharem pelo local, Kenneth acabou
encontrando o que queria.
— Thomas, veja!
Havia um buraco no chão. Tinha 1 metro de diâmetro. Ao lado havia uma pá.
— É realmente o lugar descrito pelo cara. — disse Thomas ao se aproximar.
Kenneth apontou a lanterna para o buraco.
— Não é muito fundo, talvez uns dois metros, no máximo. Segure a lanterna.
Kenneth entrou no buraco, em seguida, Thomas jogou-lhe a lanterna.
— Droga! vou ficar aqui no escuro?
— Bom, se preferir vir até aqui e ficarmos sem uma forma de sair, tudo bem, você é quem
sabe.
— Ora, cale a boca, e ande rápido aí em baixo.
Kenneth estava exatamente num túnel cavado por Conrad Seymor, para chegar até o local
onde diziam estar a poção sagrada dos Pakahunas.
De repente, um bloco de terra desliza por sobre a perna de Kenneth.
— Droga, este lugar está desabando!
Após remover a terra que caíra sobre suas pernas...
— Oh meu Deus!
Kenneth acha uma caveira e algumas roupas apodrecidas.
— Conrad Seymor. Merda! Deve ter morrido soterrado.
O teto do túnel começou a mostrar sinais de que desmoronaria a qualquer momento. Ao
imaginar como foi o fim de Conrad Seymor, Kenneth não pensou duas vezes, começou a
recuar, lentamente, pois qualquer movimento brusco poderia ser o seu fim.
— Kenneth, encontrou alguma coisa? — gritou Thomas da entrada do túnel.
— Sim, o esqueleto do Sr. Seymor, o cara morreu soterrado.
— Estamos ferrados. — murmurou Thomas.
De repente, um som assustador ecoou por toda a gruta; a criatura estava por perto.
— Oh droga! Kenneth, aquela coisa está por aqui!
— Esconda-se, Thomas!
Thomas, desesperado, não sabia para onde ir, pois não havia lugar para se esconder.
Teve, então, que apelar para a escuridão que ali estava, encolher-se em um dos cantos e
torcer para que a criatura não sinta sua presença. A cada passo de Thomas, o teto do
túnel parecia desabar.
— Thomas, pare de andar pra lá e pra cá, decida-se! ou vai me soterrar.
Thomas correu para um canto e encolheu-se o máximo que pôde. Os sons cada vez mais
próximos eram como uma sinfonia demoníaca sobre seus ouvidos.
Enquanto isso, Christine e Michael choravam desesperadamente.
— Oh meu Deus, tenha misericórdia, ajude Kenneth e Thomas.
Ao ouvir a voz de Christine, a criatura começou a se debater contra a porta; gritava
horríssonamente.
— Vá embora! Vá embora! — gritava Michael.
— Fique quieto, Michael. Oh Deus, eu lhe imploro, não deixe esta coisa nos fazer mal.
De repente a criatura parou. Christine se abraçou a Michael e ergueu os olhos ao alto,
como que agradecendo uma ajuda divina.
— Vamos ter fé, Michael, pois é a única coisa que nos resta.
No momento em que Kenneth chegou à boca do túnel, a criatura chegava ao aposento.
— Agora é o fim, — murmurou Kenneth — ou a coisa me encontra........... ou me soterra.
A criatura entrou, a cada passo um pedaço de terra caía sobre Kenneth. Thomas,
apavorado, rezava, pela primeira vez em sua vida. O verdadeiro pavor tem dessas coisas.
Quando o pavor toma-lhe a mente por completo, você passa a ser um simples corpo,
comandado por atos completamente alheios a tudo o que você já imaginou ser capaz de
fazer. Thomas está exatamente neste estágio. A criatura ia em sua direção lentamente,
como que torturando-o fria e cruelmente.
— Estou ferrado, a coisa me viu — pensou Thomas.
Kenneth, por alguns instantes, sentiu-se aliviado, pois o túnel parou de ceder.
Thomas não sabia o que fazer, a criatura estava a menos de quatro metros, mesmo que
não o tivesse visto, iria vê-lo a qualquer momento. Pensou em correr, mas para onde?
estava escuro demais, cairia e seria pego. Mas, por outro lado, se não corresse, seria
pego ali mesmo, covardemente. Quando a criatura deu mais um passo em sua direção,
não conseguiu evitar, tirando coragem sabe lá de onde, levantou e....a criatura o viu.
— Jesus Cristo! Como pode existir algo assim? — disse ele ao ver a criatura mais de perto.
A criatura golpeou-o no estômago, jogando-lhe violentamente para trás, mas ele não se
chocou contra a gruta, pois, ele batera contra uma espécie de passagem secreta, que se
abriu ao receber a pancada. Ao passar por ela, Thomas caiu em algo como um
escorregador, gigante.
A criatura saltou sobre a passagem e tentou agarrá-lo, mas já era
tarde demais, Thomas já tinha escorregado uns seis metros. Ia a uma velocidade incrível,
mas, não se sabe para onde.
Kenneth, de dentro do túnel, só pensava uma coisa: Thomas fora a segunda vítima.
— Oh meu Deus, será que vamos todos morrer assim? — e chorou baixinho.
A criatura deixou o local, mas com os seus passos, fez com que um enorme pedaço do
túnel cedesse, o que quase provocou a morte de Kenneth.
Após sentir que a criatura não estava mais por perto, Kenneth, cuidadosamente, subindo
pelo monte de terra que desabara há pouco, conseguiu subir.
— Será que eles morreram? — disse Michael a Christine.
— Vire essa boca pra lá!
Ouviram algumas batidas na porta.
— Oh meu Deus, a coisa voltou! — disse Christine.
— Não, Christine, sou eu, Kenneth.
— Kenneth! você está bem?
— Sim, agora, ajude-me a abrir esta porta.
Após muito sacrifício, abriram-na. Kenneth entrou rapidamente e tornaram a fechá-la.
— Mas e o Thomas?
— Christine, — disse Kenneth, lançando-lhe um olhar tristonho.
— Oh não, não!
— Ele era legal. — disse Michael.
— Mas que droga, Kenneth! eu disse que era perigoso, por que não me ouviram?
Kenneth não soube o que responder.
— Morreremos um a um. — disse Christine, sentando-se ao chão. — Só nos resta saber
a ordem.
Michael começou a chorar.
— Não diga isso, Christine, tem de haver um jeito, tem de haver.
Ao contrário do que pensavam, Thomas não estava morto, apenas desacordado, em um
lugar escuro e estreito.
— Minhas costas estão quentes como o fogo. — abriu totalmente os olhos — Onde
estou? Kenneth, você está aí? Oh, droga! agora eu me lembro, devo ter escorregado
até aqui. Puxa, não consigo respirar direito, devo ter descido ainda mais.
De repente, podia-se ouvir vozes.
— Será que nos acharam? oh, graças a Deus. As vozes parecem vir lá de trás, vou
até lá.
Devido à altura e a largura do local, Thomas teve de ir engatinhando.
— Não vejo a hora de chegar em casa e comer um suculento hambúrguer.
O local para onde Thomas se dirigia havia luz, mas era estranho, não parecia ser luz de
lanterna, mas de lâmpadas de luz fria.
Ao chegar na extremidade, Thomas tomou conhecimento de que estava a uns vinte e cinco
metros de altura, mas o mais impressionante estava lá embaixo.
— O que é isso? — murmurou pausadamente a si mesmo.
Havia dezenas de máquinas, como esteiras, empacotadeiras e várias outras. Todas
sendo operadas, em sua maioria, por homens, mas havia algumas mulheres também.
Todos com máscaras de oxigênio.
— Eu não posso acreditar, traficantes em Stoneyfield! minha nossa, veja só quanta
droga! eles realmente não estão para brincadeira. Se sair deste lugar, avisarei
imediatamente o meu....
De repente, alguém adentrou as instalações, dando ordens e mais ordens às pessoas que
ali estavam, essa pessoa era .....
— Oh, não, não, não pode ser! pai?
Não havia a menor dúvida, era realmente Dempsey Marx, pai de Thomas. Entrara ali
gritando furiosamente; devido ao eco, Thomas pôde ouvi-lo:
— Já disse mais de mil vezes para tomarem cuidado ao saírem daqui, idiotas!
— Mas...
— Cale-se!
Thomas estava completamente chocado, sua mente estava confusa, imagens e mais
imagens de seu pai em épocas passadas vinham-lhe à memória.
— Por que, pai? por quê? — murmurou em meio a uma crise de choro. De repente,
como que liberando toda a sua dor e sua raiva, disse em voz alta: — Traidor!
Lá embaixo, todos ouviram e olharam para cima.
— Quem está aí? — gritou seu pai.
Alguém lhe entregou uma lanterna. Após mirá-la em alguns cantos, encontrou-o.
— Thomas? — disse ele, completamente pasmo.
Neste exato momento, algo rompeu a parede do túnel onde Thomas estava e indo cair
exatamente sobre um amontoado de pacotes de droga, lá embaixo. Era a criatura.
— Merda! o que é isso? — gritou o Sr. Dempsey.
Apavoradas, as pessoas corriam sem direção certa, gritavam desesperadas. Lá de cima,
Thomas assistia a todo aquele macabro espetáculo, que se iniciou quando a criatura se
recuperou e iniciou o ataque.
— Pai! fuja! fuja! — gritou Thomas.
Um a um, todos foram caindo perante as garras da criatura. As máquinas foram todas
destruídas. O chão ficou banhado com sangue. Havia pedaços de corpos por todos os
lados. Ninguém escapou. Ninguém.
— Seu filho da mãe! — disse Thomas, olhando a criatura com um ódio indescritível.
Pouco depois, a criatura percebeu sua presença. O modo com que ela o observava deixouo arrepiado. Transmitia a mais pura caracterização do ódio, da crueldade, da morte.
— Eu vou te pegar, — gritou Thomas. — desgraçado; nem que eu morra junto, mas,
eu vou te pegar.
Neste momento, a criatura começou a procurar um modo de subir até onde Thomas estava.
Jogava-se violentamente contra a parede e tentava se agarrar a ela. Mas não conseguia,
escorregava.
— Se ficar aqui morrerei. Parece não haver barreira para aquela criatura do inferno.
Não havia tempo para chorar pela morte de seu pai, Thomas teve de voltar pro lugar de onde
saíra. Mas não seria nada fácil alcançá-lo, pois quando a criatura passou por lá, acabou
destruindo tudo, devido o seu tamanho e peso avantajados.
— Droga! e agora? Como farei para voltar?
A mesma abertura por onde Thomas saíra estava agora a quatro metros de distância. Além
disso, dois problemas: um;o túnel onde Thomas se encontra não apresenta mais nenhuma
segurança; graças ao grande impacto sofrido quando da caída da criatura, dois; a criatura
está conseguindo escalar a parede e vindo em sua direção.
— Ou eu consigo chegar até aquela maldita abertura ou então...... é melhor nem imaginar.
Havia alguns pedaços do túnel, pelos quais poderia se agarrar e chegar até a abertura.
Mas, quem garante que não se soltarão ao menor contato? Porém, a criatura estava
realmente disposta a alcançá-lo, só lhe restava uma chance, a abertura.
Com a presteza de um gato, Thomas foi passando por sobre os pedaços remanescentes do
túnel. E agora não havia chance de voltar atrás, pois todos os pedaços, apoiados por
Thomas, desabaram. Estava na metade do caminho, quando a criatura aumentou seu
ritmo, parece que toda a carnificina que provocara há pouco não foi o suficiente, ela queria o
sangue e alma de Thomas. Para piorar ainda mais, os pedaços que estavam perto da
abertura, despencaram. Desesperado, Thomas não viu outra saída, senão.....pular e
tentar alcançar a abertura. Foi o que fez. Por muito pouco não caiu. Em seguida, após
adentrar a abertura, a criatura o alcançou. Tentou puxá-lo para sua enorme boca, sedenta
por sangue.
— Solte-me, filho da mãe!
A criatura deu-lhe uma mordida na batata da perna esquerda, a dor foi insuportável. Mas,
arrancando forças sabe lá de onde, Thomas conseguiu desferir-lhe um violento chute com a
perna direita, acertando em cheio a cabeça da criatura, que desequilibrada, despencou.
Thomas esticou o pescoço e deu uma olhadela pra baixo, a criatura estava imóvel, como
se estivesse....morta. Thomas suspirou aliviado.
— Obrigado, Senhor. — disse, olhando para o alto, depois, para a sua perna ferida.
— Estranho — disse Christine, espantada. — , tive a impressão de ter ouvido a voz de
Thomas, agora há pouco.
— Durma um pouco, Christine — disse Kenneth, sem tirar a atenção do lampião, que
parece não querer durar por muito tempo.
— O que quis dizer com isso? Que estou delirando?
— Não, só acho que....
De repente, os três ouvem um pedido de socorro, era a voz de Thomas.
— Thomas? — disse Kenneth, com uma mistura de espanto e alegria.
— Eu não disse? Ainda não estou louca — disse Christine.
— Se pelo menos, houvesse um modo de descer! — repetia Thomas, mentalmente.
— Só gostaria de saber quando e como o meu pai descobriu este lugar.........”puxa, mas
como dói esta maldita perna!!” — E voltou a gritar por socorro.
De repente....
— Thomas, onde você está?
Era a voz de Kenneth, estava um pouco afastada.
— Kenneth! — gritou Thomas — Puxa, como é bom saber que está vivo!
— Thomas! O que houve com você? Está bem?
— Mais ou menos. Kenneth, você já deve ter visto uma abertura entre essas paredes
rochosas, não viu?
— Sim — Kenneth aproximou-se da abertura e apontou a lanterna para o seu interior:
inclinado e escorregadio — Meu Deus, deve ter sido uma viagem e tanto!
— Mas, garanto-lhe, não repetiria por nada neste mundo.
— Fraturou algo?
— Não em função da descida. Mas....levei uma mordida da criatura.
— O quê? Ela está por aí?
— Bom, está, mas está morta.
— É mesmo? Mas como.....
— Kenneth, você precisa achar alguma coisa que lhe permita descer até aqui, acredite,
estamos a um passo de sair deste inferno.
— Como assim? — perguntou Kenneth, curioso e surpreso.
— Faça o que eu lhe pedi e verá com seus próprios olhos, só não garanto que acredite
neles. Pois eu ainda custo a acreditar no que vi.
— Não me deixe assim, Thomas! Quê mistério é esse?
— Já lhe disse, você só acreditará vendo.
— Tudo bem. Mas, quantos metros você acha que desceu?
— Não sei, talvez uns 13 metros, ou mais. Kenneth, se conseguir achar uma corda, ou
o que quer que seja, com pelo menos uns 40 metros, sairemos com certeza.
Aliviado e sorridente, Kenneth correu até Michael e Christine. Não via a hora de contar as
novidades.
— Tenho ótimas notícias! — disse Kenneth.
— O que houve? — perguntou Christine, segurando forte as mãos Michael.
— Thomas está vivo, e mais, disse que a criatura está morta, e que estamos a um passo da
saída!
— Onde ele está? — perguntou Michael.
— Ele caiu em uma espécie de...passagem secreta, sei lá, só sei que precisamos achar
uma corda e chegarmos até ele.
— Mas onde vamos achar uma corda? — perguntou Christine.
— Não acho que seja difícil achar alguns cipós por aí, só precisamos procurar. Vamos! O
que estamos esperando?
— Você tem certeza de que aquela criatura está morta?
— Bom, foi o que Thomas me disse. Vamos, sem a criatura, não temos com o que nos
preocupar.
Assim, Kenneth e Christine saíram à procura de uma corda. Michael ficou, pegara alguns
dos manuscritos, jogados sobre a mesa, e aproveitou para lê-los, entretendo-se.
Mesmo com a notícia de que a criatura morrera, era impossível não sentir medo ao caminhar
por aqueles corredores escuros e assustadores.
— Christine, — disse Kenneth — não acha que seria mais vantajoso se nós nos
separássemos?
— Nem pensar! Não ficarei sozinha aqui, de jeito algum!
— Sem a criatura por perto, este lugar me parece inofensivo.
— Inofensivo?
— Sombrio, concordo. Mas inofensivo.
Após percorrerem vários corredores, entrarem em becos, buracos e outros lugares
estranhos, encontraram algo que poderia ajudar.
— Veja só quanta roupa! — exclamou Christine ao abrir um baú.
— Está pensando o mesmo que eu? — disse Kenneth, abrindo um largo sorriso.
Christine pegou dois lençóis e os amarrou bem forte.
— Será que suportam? Parecem estar um pouco apodrecidos.
— Acho que suportam. Mas precisamos achar mais.
— De quantos metros precisamos?
— Thomas afirmou que, com 40 metros, sairemos daqui.
— 40 metros? Mas como vamos conseguir tudo isso?
— Procurando. Somente procurando. Bom, esses lençóis não bastam, mas já ajudam.
— “Oh, pai, por que fizera aquilo?” — perguntava-se Thomas, mesclando em sua memória
lembranças agradáveis e aquelas últimas, que teve de seu pai. Chorou.
— Kenneth? Christine? — perguntou Michael ao ouvir passos se aproximando. — São
vocês? Acharam alguma..... Socoooooorro! Kenneth! Christine!
— É o Michael! — exclamou Christine.
Kenneth largou os lençóis, agarrou o lampião e correu em direção ao aposento onde Michael
está. Christine o acompanhou.
Os gritos estavam cada vez mais fortes e carregados de pânico.
— Será que a criatura ainda está viva? — perguntou Christine, enquanto corria.
— Oh, meu Deus! Se for, chegaremos tarde demais.
Ao entrarem no aposento...
— Jesus Cristo! — exclamou Kenneth.
Era a coisa mais horrível que já vira. O aborígine que os atacou não morrera; estava ali,
rastejando-se pelo chão frio, agarrado aos pés de Michael. Seu corpo estava deformado,
enegrecido, aos pedaços. Inacreditável! Ossos expostos. De seu corpo apodrecido exala
um cheiro insuportável.
— Michael!? — gritou Christine, desesperada.
Kenneth segurou nos pés do aborígine e puxou. A pele, queimada e apodrecida,
desmanchou-se quase toda em suas mãos.
— Mas que diabo é isso? — disse Kenneth, jogando aqueles pedaços nojentos ao chão.
Suas mãos ficaram grudentas e com o cheiro do aborígine.
Michael estava chorando. Estava completamente horrorizado. Seu corpo todo tremia sobre a
cadeira de rodas manchada pelas mãos do aborígine.
O aborígine não conseguia andar; rastejava, com o auxílio das mãos. Furioso, foi em
direção a Christine.
— Christine! — gritou Michael.
Christine, apavorada, manteve-se imóvel. O medo a traiu.
O aborígine agarrou seus pés e começou a arranhá-la. Christine gritou desesperadamente.
No momento em que o aborígine se preparava para mordê-la, Kenneth desferiu-lhe um chute
fortíssimo e certeiro em sua cabeça apodrecida, que voou longe, indo de encontro com a
parede rochosa, despedaçando-se em milhares de pedaços.
Christine o abraçou, chorando. Segundos após, beijaram-se.
— Kenneth, — disse Michael — se sairmos daqui, quero você no meu time de futebol,
Ok?
Os três sorriram.
Kenneth saiu à procura de algo para se amarrar aos lençóis e ajudá-los a sair. Christine e
Michael ficaram juntos, mas em um outro local, pois aquele último ficara totalmente tomado
pelo cheiro insuportável do aborígine.
Algum tempo depois...
— Christine, — disse Michael — também ouviu?
— Ouvi o quê?
— Sei lá; um som esquisito, como se houvesse alguém sussurrando alguma.... escute!
Está acontecendo de novo!
Christine ficou atenta.
— Michael, você tem razão! Mas....mas....o quê é e de onde está vindo isso?
— Christine, é estranho, mas eu tenho uma sensação de que estão perto, muito perto.
— Sim, eu também.
— Estou com medo, Christine.
Christine se aproximou de Michael e segurou-lhe as mãos, aquecendo-as.
— Parecem vozes a rezar, ou algo assim.
De repente, em uma parte escura do aposento, algo cai, provocando um estardalhaço.
— O que foi aquilo? — perguntou Michael, abraçando-se a Christine.
Christine olhou espantada para o local escurecido. Não dava para ver nada.
— Pelo barulho, — disse Christine, fingindo estar calma — pareceu-me com um vaso
caindo. Acalme-se, foi só isso.
— E se for a criatura?
— Acalme-se! — era impossível tentar demonstrar calma, a voz de Christine passava o
mais transparente sentimento de pavor.
— Christine! — gritou Michael, esbugalhando os olhos e mirando-se para a parte escura do
aposento.
— O que houve? — e olhou na mesma direção em que Michael olhava. — Jesus Cristo!
Próximos ao local escurecido, havia 3 aborígines, estavam flutuando, seus corpos eram
ligeiramente transparentes, como fantasmas. Michael e Christine ficaram congelados de
pavor, não conseguiam acreditar no que estava diante de seus olhos. De repente, como
num piscar de olhos, os 3 seres desapareceram.
Após alguns segundos...
— Você também viu o que eu vi? — perguntou Christine.
— Depende do que você viu. Eu vi três índios fantasmas.
— Eu também. Mas não pode ser!
— Christine, desde o dia em que caímos neste lugar eu acredito em qualquer coisa. Juro,
qualquer coisa.
— Tem razão. Mas...quem eram eles?
Alguns minutos depois, ouve-se passos ao corredor.
— Kenneth? — gritou Christine, um pouco assustada.
Não ouve resposta.
— Oh, meu Deus! — exclamou Michael — São eles de novo, Christine!
Christine tomou coragem e dirigiu-se ao corredor, semi-escuro.
— Não vá, Christine!
Ao chegar ao corredor, algo segurou seu braço direito. Christine gritou.
— O que houve? — gritou Michael.
— Calma! Sou eu, Kenneth.
Christine ficou furiosa.
— Enlouqueceu? Está querendo me matar de susto?
— Não foi essa a minha inten....bom, eu confesso que quis lhe dar um sustinho.
— Sustinho? Eu quase tive um ataque do co....
— Acalme-se, tenho ótimas notícias!
— Vamos sair daqui? — perguntou Michael, ameaçando um sorriso.
— Pode apostar que sim, primo. — e olhou pra Christine — Somando-se os lençóis e os
cipós que eu encontrei lá no sacrifical, chegamos a 37 metros e alguns centímetros.
— Onde estão?
— Já deixei tudo pronto. Vamos, Thomas está nos esperando!
— Thomas, é muito bom saber que você está bem. — gritou Christine. O som ecoou até os
ouvidos de Thomas.
— Obrigado por se preocupar comigo. — gritou Thomas.
— Bom, vou descer primeiro para ver se é seguro. — disse Kenneth, entrando pela
passagem e segurando firme no lençol.
— Boa sorte, Kenneth. — disse Michael.
Kenneth fez-lhe um gesto de positivo e começou a descida.
— Estou descendo, Thomas.
— Sim, eu já sei.
— Thomas, não sei se fora tão ruim assim a sua descida, isso aqui é liso, parece até um
tobogã! — e sorriu.
— O problema não foi a descida, e sim a chegada.
— É, esqueci-me deste detalhe.
Thomas resolve dar uma olhada lá pra baixo e...
— “Oh, meu Deus! Onde ela se meteu?” — pensou consigo.
De repente, algo agarra seu braço. Thomas grita.
— Thomas, o que houve? — gritou Kenneth, apressando sua descida.
Violentamente, a criatura arrancou a cabeça de Thomas e a jogou lá pra baixo. Kenneth
assistiu a tudo, pois já havia descido o suficiente.
— O que houve, Kenneth? — gritou Christine.
— Não, não! — gritou Kenneth, olhando a criatura com um ódio brutal. — Seu filho da
mãe! É só isso que você sabe fazer, matar?
A criatura pegou o corpo de Thomas, lançou um olhar a Kenneth e jogou o corpo também lá
pra baixo.
— Droga! — exclamou Kenneth.
A criatura veio em sua direção. Kenneth iniciou imediatamente a subida.
— O que está havendo, Kenneth? — gritou novamente Christine.
— Aquela coisa matou o Thomas e está vindo atrás de mim!
— Oh, meu Deus! Suba, Kenneth! Suba!
— Droga, não sei se vou conseguir, Christine!
— É claro que vai, você precisa!
— Sinto a criatura se aproximando!
— Não pense nisso, Kenneth! Continue subindo! Se ao menos eu tivesse força para puxálo!
Christine, à beira da passagem, ouvia a respiração de Kenneth cada vez mais perto.
— Continue subindo, Kenneth!
De repente, Christine consegue tocá-lo.
— Graças a Deus! — exclamou Christine, puxando-o.
Mas antes que Kenneth conseguisse sair, a criatura o agarra. Ele grita. Christine,
desesperada, tenta puxá-lo. Kenneth balança o corpo e desfere chutes na criatura, mas
esta continua firme.
— Acredita em amor à primeira vista? — disse Kenneth, com os olhos cheios de lágrimas e
um rosto marcado por uma dor intensa.
Kenneth não resistiu e soltou-se do lençol. Ele a criatura desceram.
— Kenneth! — gritou Christine — Nãããããããão!
Neste momento, algo muito estranho começou a acontecer; centenas de espíritos aborígines
tomaram o local; vinham de todas os lados.
— Jesus Cristo! O que está havendo aqui? — gritou Christine.
Os espíritos ergueram Christine e Michael sobre seus braços e começaram a carregá-los.
— Soltem-me! — gritava Christine. Mas era impossível se soltar, estava segura por várias
mãos. — Quem são vocês? Ponham-me no chão!
— O que eles querem, Christine? — gritou Michael, também seguro pelos espíritos.
Nem Christine nem Michael conseguia compreender o que estava diante de seus olhos:
parecia não haver fim, espíritos e mais espíritos saíam de todas as partes, de todos os
corredores.
De repente, quando o local já estava completamente lotado deles e já não havia como se
locomoverem, pararam. Christine e Michael olharam em sua volta; via-se apenas milhares e
milhares de braços ao alto.
— O que desejam de nós? — gritou Christine.
Neste momento, os braços começaram a se agitar e moverem Christine e Michael.
— Uau! — exclamou Michael — Igualzinho aos shows de rock! Sempre quis fazer isso!
— Isso não é hora pra brincadeiras, Michael!
Christine não conseguia entender o porquê, mas os espíritos estavam movendo seus corpos
em direção ao mesmo corredor por onde ela, Michael, Thomas, Bruce e Kenneth entraram.
De mãos e mãos, aproximavam-se cada vez mais da porta.
— “Mas de quê adiantará? A porta está fechada!” — pensou Christine.
Felizmente, Christine estava enganada; a porta estava aberta. Ela e Michael foram
colocados para fora, indo parar na floresta. Em seguida, a porta se fechou novamente. Os
dois se abraçaram, aos prantos.
— Oh, meu Deus, — disse Christine, olhando ao seu redor — como é bom poder respirar
este ar puro novamente, ver o sol, o verde das árvores. — começou a chorar. — Não é
justo! Não é justo que Thomas, Bruce e Kenneth não possam sentir isso tudo novamente!
De repente, a porta se abre novamente. Christine e Michael olham-na, espantados.
— Oh, não, não! — gritou Christine.
Christine levantou-se rapidamente, pegou Michael em seus braços e começou a caminhar o
mais rápido possível, para longe dali.
— Christine, olhe! — disse Michael.
Christine olhou na direção da porta.
— Kenneth?
Ele a ouviu e olhou em sua direção.
— Sim, é ele! — gritou Michael. — Kenneth está vivo!
Christine correu até ele.
— Kenneth, graças a Deus, você está vivo!
— Sim, fui salvo por uns seres estranhos, pareciam-se com fantasmas, sei lá!
— Nós também! — disse Michael.
— E a criatura? — perguntou Christine.
— Christine, você devia ter.... Não, foi melhor você não ter visto o que aconteceu à criatura;
nunca vi uma morte tão cruel.
— Como foi que ela morreu? — perguntou Michael.
— É melhor eu guardar aquela cena só pra mim. — após alguns instantes: — Christine,
espero que haja pessoas orando por Stoneyfield.
— Por que diz isso?
— Christine, se aqueles seres que nos salvaram, voltarem-se contra Stoneyfield, não haverá
quem os detenha. Acredite, não haverá.
FIM
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Eu, Júlio César Bianchi Furtado, tenho todos os direitos sobre este conto.
Caso você o publique sem meu consentimento serei obrigado a processá-lo por plágio.