por perfu destinos
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Estilo Uma viagem aromática pode começar em Madagáscar, onde se encontra a baunilha (primeira foto à esquerda). Deve ainda passar pela Índia (em baixo) ou pelo Egipto (à direita) para sentir o cheiro do jasmim (à esquerda), ou em Grasse (à direita mais abaixo), capital mundial dos perfumes, onde decorre a festa anual do jasmim entre Maio e Junho. É na China que se encontra um citrino peculiar e que só se produz naquele país, o ‘yuzu’ (em cima). POR PERFU DESTINOS Em vez das melhores paisagens, já pensou em dar a volta ao mundo à procura dos aromas mais agradáveis? De planta em planta, país em país, um guia turístico escolhido por perfumistas. Uma viagem a destinos paradisíacos de praias, montanhas... e flores. T E X T O D E P E D R O M I G U E L N E V E S F eche os olhos e relaxe. Inspire profundamente e imagine-se num local de sonho. Vai partir numa viagem pelo planeta dos aromas. A partir de agora, o seu olfacto está no comando. “Quando fazemos um perfume, queremos contar uma história”. É Lourenço Lucena que o diz. E para contar histórias com aromas é preciso combiná-los “de forma harmoniosa”. Desta vez, vamos tentar fazê-lo num roteiro turístico capaz de agradar aos narizes mais sensíveis. A viagem começa em Madagáscar, uma ilha no Oceano Índico junto à costa de Moçambique. “Aqui é imprescindível conhecer a famosa baunilha. É uma matéria-prima que uso bastante, comum a quase todas as minhas criações. Posso dizer que é a minha assinatura”, afirma Lucena, o único português membro da Sociedade Francesa de Perfumistas. Este é também um dos primeiros destinos apontados por Vera Mata, co-fundadora da i-sensis (empresa que cria perfumes personalizados). “Existem 40 Fora de Série Julho 2013 alguns sintéticos mas que são muito diferentes do produto natural. Em Madagáscar têm até roteiros turísticos para visitar plantações de vagens de baunilha”, realça a perfumista. Seguindo no hemisfério Sul, é obrigatório dar um salto ao continente americano. “Um sítio paradisíaco para quem gosta destas coisas é a Amazónia. Está muito por explorar, é um local onde as multinacionais ainda mandam investigadores para procurar uma nova flor ou planta que os inspire no desenvolvimento de novos aromas. Uma zona que gosto bastante é o nordeste brasileiro... Baía, Fortaleza, têm muitos frutos exóticos que não conhecemos, com cheiros incríveis”, garante Vera, que juntou à formação em Engenharia Química um pós-doutoramento em Engenharia de Perfumes e Aromas, e trabalha nesta área desde 1998. Para os aficionados dos perfumes, não só o destino é importante, como também a época do ano em que se deve viajar. Lourenço leva-nos novamente numa longa viagem, agora para apreciar o cheiro “intenso” do jasmim: “Existem duas grandes proveniências. Acon- AS CAR AÍBAS NUMA GARR AFA O ORIENTE ZEN “Era uma vez um grupo de guerreiros que conquistou um castelo inimigo. Ao crepúsculo, o ar encheu-se de um perfume doce que pacificou os sentimentos agressivos dos guerreiros. Na manhã seguinte, bateram em retirada. O perfume era a fragrância natural da telosma cordata”. Na China, a antiga fábula exalta as qualidades místicas desta flor (conhecida como violeta chinesa) e ajuda a perceber a importância dos aromas na sociedade, que há muito alimentam histórias de amor ou vingança. Nesta zona do globo, Lourenço destaca o ‘yuzu’, um “citrino muito peculiar” que só se produz aí; ou então a ‘osmanthus’, uma flor “muito bonita, frágil e potente, com notas de couro”, que se encontra entre Guilin e Yangzhou. No Sudeste asiático fica um destino mais conhecido pelas praias paradisíacas e ondas perfeitas para o surf: Bali, Indonésia. Mas o que nos leva aqui é o aroma exótico do vetiver, um rizoma utilizado sobretudo na perfumaria masculina. “A Indonésia tem uma produção riquíssima de diver- A telosma cordata, conhecida como violeta chinesa, é referida em muitas fábulas antigas pelas suas qualidades místicas. Nas Ilhas Comores (em cima) poderá apreciar as plantações de ‘ylang ylang’. A QUE CHEIR A LISBOA? Lourenço Lucena é CEO da Blug, uma agência que desenvolve acções de marketing multi-sensorial. O perfumista, com formação na Cinquième Sens (Paris), está habituado a criar fragrâncias com o objectivo de optimizar a ligação do público-alvo às respectivas marcas. Natural de Lisboa, a FS desafiou-o a explicar os cheiros que, na sua opinião, mais se destacam no quotidiano da cidade. Foi, aliás, com estas sete matérias-primas que Lourenço compôs, para uma empresa de transportes públicos, um perfume de homenagem à capital: “Notas marinhas, que simbolizam a brisa do Tejo e a relação da cidade com o rio; jacarandás, uma referência olfactiva aos primeiros raios de sol na Primavera; manjerico, esta planta tão rica e característica dos Santos Populares; o cheiro da roupa lavada, que sentimos nas ruas de Alfama; baunilha e limão, dos pastéis de nata; cravos, que são o símbolo do 25 de Abril, mas se tivesse de identificar uma flor em Lisboa, seria esta”. sas plantas exóticas. Além do vetiver, tem por exemplo o patchouli. O país explora imenso as aromáticas para a indústria da perfumaria, pois têm mão-de-obra barata e produzem também os extractos”, conta Vera Mata. No regresso a casa, escolha entre os areais de sonho das Ilhas Comores (para apreciar as plantações de ‘ylang ylang’) ou da Sicília (onde pode sentir os aromas da laranja, do limão e da bergamota). Mas, para um perfumista, qualquer viagem de lazer pode rapidamente transformar-se numa expedição a fragrâncias desconhecidas. “É instintivo, somos inebriados pelos aromas e vamos atrás. Quando viajo em trabalho faço pesquisa para depois visitar os locais que me interessam na produção de óleos. Mas por vezes identificamos plantas em locais inesperados. Há uns tempos regressava de umas férias na zona de Aljezur e fiquei presa no trânsito, devido ao fim do Sudoeste [festival de música]. Comecei a ver, da estrada, plantas enormes de gerânio rosa. Enchi o carro e fui o caminho todo a cheirar o gerânio para o levar para o laboratório!”, confessa Vera Mata. Esperamos que a viagem sensorial lhe tenha agradado. Agora que está perto de casa, pode abrir os olhos e recordar todos os agradáveis aromas deste texto. BALI, NA INDONÉSIA, NÃO TEM SÓ BOAS ONDAS PARA SURFAR. AQUI EXISTE O AROMA EXÓTICO DO VETIVER, UM RIZOMA UTILIZADO SOBRETUDO NA PERFUMARIA MASCULINA. Julho 2013 Fora de Série 41 FOTOGRAFIAS DE REUTERS E RETRATO DE GONÇALO F. SANTOS selho a visitar a Índia em Junho ou então o Egipto em Setembro, são as alturas das colheitas. Esta é uma flor muito rica e que está presente em muitos perfumes femininos mais densos, quentes e envolventes. Só por curiosidade, são necessários 700 kg de flor de jasmim para fazer 1,2 kg de absoluto”. Estando na região, é preciso recordar que a Índia “é um país riquíssimo, a visitar obrigatoriamente, pelas inúmeras especiarias muito utilizadas na perfumaria, como por exemplo o cardamomo ou os cominhos. São pesadas e densas, por isso mais usadas em perfumes de Inverno”, acrescenta o perfumista. Mais perto, na localidade francesa de Grasse – considerada a capital mundial dos perfumes – existe a festa anual do jasmim entre Maio e Junho. Vera Mata e Paula Gomes conhecem-se desde os tempos de estudantes na Universidade do Porto. Em 2004, depois de anos de investigação na área dos perfumes, fundaram a i-sensis em S. João da Madeira. Desde então tentam concretizar os desejos aromáticos de quem as procura com fragrâncias personalizadas. Um dos trabalhos que mais marcou Vera foi o perfume “Amor Perfeito” criado para o estilista José António Tenente. “Como é que se concretiza esta analogia entre o sentimento e a flor? Os amores perfeitos florescem no Inverno, quando as outras flores não existem. Parecem frágeis mas são fortes. Foi um grande desafio escolher as matériasprimas que melhor se adequariam à mensagem que ele queria transmitir”, realça a perfumista. Como recebe muitos pedidos de aromas de paraísos tropicais ou de locais emblemáticos, a i-sensis criou fragrâncias – para um catálogo de marketing olfactivo – com nomes tão sugestivos como “Miami Beach”, “Caribe Mix”, “Cosmopolitan New York”, e tem aromas que fazem lembrar o Oriente, a gastronomia de Itália ou o Taj Mahal. “Acontece muito pedirem-nos um determinado perfume relacionado com locais. Tem sido um desafio criar as ideias mirabolantes dos clientes”, conclui.