Cooperação Entre Empresas no Pólo Industrial de Manaus
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Cooperação Entre Empresas no Pólo Industrial de Manaus
COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS Guajarino de Araújo Filho TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO. Aprovada por: ________________________________________________ Profa. Anne-Marie Delaunay Maculan, Ph.D. ________________________________________________ Dra. Conceição Aparecida Vedovello, Ph.D. ________________________________________________ Prof. Elton Fernandes, Ph.D. ________________________________________________ Prof. José Manoel Carvalho de Mello, Ph.D. ________________________________________________ Dr. Léo Fernando Castelhano Bruno, Ph.D. ________________________________________________ Profa. Lia Hasenclever, D.Sc. RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL AGOSTO DE 2005 ARAÚJO FILHO, GUAJARINO DE Cooperação Entre Empresas no Pólo Industrial de Manaus [Rio de Janeiro] 2005 XIV, 196 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, D.Sc., Engenharia de Produção, 2005) Tese – Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE 1. Pólo Industrial de Manaus - abordagem socioeconômica. 2. Cooperação. 3. Cluster Industrial. 4. Eficiência Coletiva. 5. Governança. I. COPPE/UFRJ II. Título (série). ii A Deus, por ter permitido a união de meus pais. A meus pais, por terem persistido até o sétimo filho. iii AGRADECIMENTOS Esta é uma jornada que supera a intenção única do desenvolvimento de habilidades para a carreira acadêmica. Há o desejo de contribuir para a compreensão de uma realidade à qual minha identidade profissional está atrelada; há, também, a satisfação de concretizar o objetivo há muito estabelecido. Não posso dizer que houve sacrifício desmedido. Embora exigente, a natureza da atividade de pesquisa é, para mim, prazerosa. E a ela soma-se, ainda, a satisfação de contar com o apoio e a cumplicidade de muitos. É certo que muito me aproveitei da proximidade de tantos. E isto amplia o sentimento de gratidão e a motivação para registrá-lo a todos os que de alguma forma me suportaram na caminhada. À Profa. Anne-Marie Maculan, por ter aceito a empreitada, pela orientação firme e serena, pavimentada na tolerância e em reiteradas manifestações de confiança. É um privilégio ter podido usufruir sua experiência em todas as etapas deste projeto, sempre compartilhando a qualidade de suas reflexões. Ao Prof. Elton Fernandes, pela voluntariedade, perseverança e capacidade de articulação, fundamentais para a instituição da cooperação Coppe-UFRJ/Ufam que tornou possível o doutoramento a um grupo de profissionais. Ao Prof. Waltair Machado, por aceitar o desafio da coordenação local. Ao Prof. José Manoel Mello, pelo comprometimento que me permitiu inúmeras oportunidades de interação, durante as quais muito aprendi. Ao Prof. Roberto dos Santos Bartholo, pelo estímulo que representa seu pensamento estruturado e a sua capacidade de crítica. Ao Prof. Léo Bruno, pela participação na condição de co-orientador. Aos amigos Dimas José Lasmar e Niomar Lins Pimenta, pela amizade, o companheirismo na caminhada e, em especial, a cumplicidade no compartilhamento de sonhos. Aos colegas de turma, pela convivência. A todos os que compõem as equipes de apoio dos programas de pós-graduação em Engenharia de Produção, especialmente à Adelina de Souza Lorio (Coppe/UFRJ), Ana Cláudia Souza (Ufam), Maria Monteiro de Lima (Coppe/UFRJ) e Vera Nilce Dourado Campos (Ufam), pela paciência e dedicação. iv A Antonio Luiz Maués, Evandro Vieiralves e Fernando Folhadela, pela amizade, por meio dos quais manifesto o agradecimento por todo o carinho e incentivo dos demais amigos e colegas da Fucapi. À Izáida Castro, pela contínua torcida e dedicação. À Dra. Isa Assef dos Santos, pela confiança sempre renovada e por todo o apoio prestado. Ao Prof. Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, pelas reiteradas manifestações de apreço. À Maria José Lasmar (Mazé), por sua generosidade e tolerância. Ao Prof. Cícero Costa e a todos os professores e colegas do Departamento de Eletrônica e Telecomunicações do curso de Engenharia Elétrica da Ufam, pelo incentivo. Ao Prof. Roberto Lavôr, pela fundamental atuação na articulação e viabilização da cooperação Coppe-UFRJ/Ufam. À Suframa, por acreditar e investir na formação local de recursos humanos especializados. Ao Prof. Antonio Botelho, pela decisiva participação na conquista do apoio institucional que viabilizou a realização deste ciclo de formação a um grupo de profissionais. Ao economista Raimundo Sampaio de Souza e ao engenheiro Carlos Roberto da Silva, pela disponibilização de informações essenciais ao planejamento e operacionalização deste projeto de pesquisa. A todas as empresas e profissionais que participaram da pesquisa de campo, pela inestimável contribuição. Às instituições Fucapi e Ufam, por continuarem comprometidas com a formação de recursos humanos e com o fortalecimento da identidade regional. À Capes que, com a disponibilização dos Periódicos, transforma parte da rotina dos pesquisadores, permitindo que os esforços sejam concentrados no objeto de estudo. Por fim, um agradecimento muito especial a todos os integrantes de minha estimada família, inspirada no exemplo de minha Mãe, aos quais devo a construção dos valores que emprestam significado à minha vida. Cada um a seu modo, todos vocês contribuíram para o que vai aqui apresentado. Permita-me a vida, em algum momento, de alguma forma, poder retribuí-los. v Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.) COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS Guajarino de Araújo Filho Agosto/2005 Orientadores: Anne-Marie Delaunay Maculan Léo Fernando Castelhano Bruno Programa: Engenharia de Produção Por meio da concessão de benefícios fiscais, a Zona Franca de Manaus atraiu empresas e transformou o perfil da atividade econômica no estado do Amazonas. Amplamente estruturada a partir de capital e tecnologia exógenos, a indústria surgida induz à reflexão sobre a perspectiva de sustentabilidade para o desenvolvimento local, considerando o horizonte limitado para o benefício. Isto remete à necessidade de aprofundar a compreensão da dinâmica dessa indústria como condição prévia para implementar estratégias mais eficientes para o fortalecimento do desenvolvimento a partir de elementos endógenos. Este trabalho utiliza-se do conceito de eficiência coletiva, associado a cluster industrial, para avaliar a intensidade e a qualidade das interações cooperativas entre empresas nos dois mais destacados subsetores da indústria local, Eletroeletrônico e Duas Rodas. A partir de pesquisa de campo envolvendo a aplicação de questionário em empresas e a entrevista de importantes atores locais, a análise dos dados evidencia que apesar da existência de um capital cooperativo capaz de apoiar os esforços em direção ao aprendizado interativo e à inserção da indústria, há diferenças assinaláveis nos padrões de cooperação, quando comparados os dois subsetores, com implicações para a prática da governança econômica e para a formulação de políticas de interesse público. vi Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.) INTERFIRM COOPERATION IN THE MANAUS INDUSTRIAL POLE Guajarino de Araújo Filho August/2005 Advisors: Anne-Marie Delaunay Maculan Léo Fernando Castelhano Bruno Department: Production Engineering Supported by fiscal advantages, Manaus Free Trade Zone project did attract industries, changing the nature of economic activity in the Amazonas state. Widely structured under exogenous capital and technology, such existing industry evokes a critical thinking concerning local development in a sustainable perspective, considering that the set of benefits have a well-defined date to expire. This scenario demands a deeper comprehension of the industry dynamics as a previous condition to implement more efficient strategies, in order to achieve development since endogenous elements. This work aims to use both collective efficiency and industrial cluster concepts to evaluate the intensity and quality of cooperative interactions among firms in electronic and motorcycle sectors, the most significative fields of the local industrial activity. Sustained by a fieldwork that includes questionnaire-based survey and interactions with important local actors, data analysis shows that despite the existence of cooperative capital to support efforts into the interactive learning and local embeddedness of firms, there are remarkable inequalities related to cooperation practices concerning both sectors, deriving some implications to economic governance practices and even to elicitation of public policies. vii SUMÁRIO I. A ZONA FRANCA DE MANAUS E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO AMBIENTE LOCAL, 1. I.1. A Zona Franca de Manaus como "solução" para o desenvolvimento regional, 2. I.2. A dimensão da atividade industrial da ZFM e sua importância na economia do estado do Amazonas, 9. I.3. Características da crescente complexidade da atividade industrial em Manaus, 14. II. CARACTERIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E DOS ELEMENTOS DA PESQUISA, 22. II.1. A temática da capacitação local na literatura recente relativa à atividade industrial da Zona Franca de Manaus, 23. II.2. Delimitação do objeto de pesquisa, 29. II.2.1. A escolha de um subconjunto para análise, 29. II.2.2. Os elementos da pesquisa, 36. II.2.2.1. Das questões iniciais, 36. II.2.2.2. Dos objetivos estabelecidos, 37. II.2.2.3. Da hipótese, 38. III. COOPERAÇÃO EM AGLOMERAÇÕES INDUSTRIAIS – UM INSTRUMENTAL ANALÍTICO, 39. III.1. Crescimento e desenvolvimento: conceitos e implicações, 40. III.2. A natureza localizada do crescimento econômico e as aglomerações industriais, 44. III.3. Clusters e a promoção do desenvolvimento econômico, 48. III.3.1. Diferentes definições para cluster, 52. III.3.2. Atributos que caracterizam um cluster, 57. III.3.3. A análise de clusters e sua versatilidade de uso, 64. III.4. Eficiência coletiva, uma ferramenta para avaliar a cooperação, 67. III.5. Gestão do interesse coletivo e o conceito de governança, 71. III.6. Confiança, inserção e aprendizado segundo uma perspectiva pela dimensão sociocultural, 73. III.7. Apropriando os conceitos para uma realidade particular – uma digressão, 76. viii IV. CARACTERÍSTICAS DA METODOLOGIA DE PESQUISA UTILIZADA, 79. IV.1. Seleção da amostra, 79. IV.1.1. Conjunto de empresas pesquisadas, 79. IV.1.2. Perfil dos entrevistados, 88. IV.2. Descrição dos instrumentos de coleta, 90. IV.2.1. Estrutura do questionário, 90. IV.2.2. Roteiro da entrevista, 90. IV.3. Implementação do plano de coleta, 91. IV.4. Tratamento dos dados, 93. IV.5 Dificuldades e limitações, 94. V. CARACTERÍSTICAS DA COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO SUBSETOR DUAS RODAS, 97. V.1. Identificação do cluster Duas Rodas, 97. V.1.1. A representatividade do produto motocicleta, 100. V.1.2. Cluster Duas Rodas ou cluster Honda?, 102. V.1.3. A influência de uma cultura estrangeira, 103. V.2. Cooperação e interação no cluster Duas Rodas, 104. V.2.1. Assimetrias na cooperação horizontal, 106. V.2.2. O vigor da cooperação vertical, 109. V.3. Indicadores de confiança, inserção e aprendizado no cluster Duas Rodas, 113. V.3.1. A confiança como base nas principais manifestações de governança, 113. V.3.2. Alguns impactos da produção e do aprendizado para o perfil da mão-deobra, 115. V.3.3. Elementos da inserção local: o relacionamento com outros tipos de agentes, 119. V.4. Conclusões quanto à eficiência coletiva no cluster Duas Rodas, 120. VI. A PRÁTICA DA COOPERAÇÃO NO SUBSETOR ELETROELETRÔNICO, 124. VI.1. Identificação do cluster Eletroeletrônico, 124. VI.2. Cooperação e interação no cluster Eletroeletrônico, 127. VI.2.1. Variedade na cooperação horizontal, 129. VI.2.2. Variabilidade na cooperação vertical, 133. ix VI.3. Indicadores de confiança, inserção e aprendizado no cluster Eletroeletrônico, 136. VI.3.1. O comportamento oportunístico limitando iniciativas, 136. VI.3.2. Diversidade de associações: mais fóruns, melhor governança?, 137. VI.3.3. Mão-de-obra qualificada: alguns espaços de aprendizado e a questão da autonomia, 139. VI.3.4. Impactos para a inserção, 141. VI.4. Conclusões quanto à eficiência coletiva no cluster Eletroeletrônico, 143. VII. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS: ALGUMAS IMPLICAÇÕES DAS PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO, 147. VII.1. Um resumo dos perfis dos ambientes, 147. VII.2. Formas de cooperação: uma síntese dos resultados, 150. VII.3. Implicações para a dinâmica do aprendizado, 153. VII.4. Proposições para uma agenda local, 157. VII.4.1. Capacidade de governança, 157. VII.4.2. Inserção nas cadeias globais, 159. VII.4.3. Confiança e cooperação, 160. VII.4.4. Aprendizado e sustentabilidade, 161. VII.5. Reflexão final, 162. CONCLUSÕES, 163. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 169. ANEXO I – PERFIL DOS ENTREVISTADOS, 176. ANEXO II – QUESTIONÁRIO APLICADO NAS EMPRESAS, 179. ANEXO III – ROTEIRO DE ENTREVISTA, 195. x LISTA DE FIGURAS FIGURA V.1 – Pólo Industrial de Manaus – Identificação das Principais Empresas do Cluster Duas Rodas, 99. FIGURA VI.1 – Pólo Industrial de Manaus – Identificação de Relações Entre os Principais Subsetores do Cluster Eletroeletrônico, 125. FIGURA VI.2 – Subsetor de Componentes Termoplásticos – Esboço da Rede Articulada de Empresas Fornecedoras, 132. FIGURA VII.1 – Possibilidades de Interações em um Cluster, 156. xi LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO I.1 – Estado do Amazonas – População e Produto Interno – Evolução Histórica, 10. GRÁFICO I.2 – Estado do Amazonas – Composição do Produto Interno (R$ 103 de 2001), 11. GRÁFICO II.1 – Pólo Industrial de Manaus – Participação Percentual dos Insumos de Origem Regional nas Aquisições Totais, 34. GRÁFICO IV.1 – Subsetor Eletroeletrônico – Faturamento Acumulado, por Empresa, em 2002 (%), 84. GRÁFICO IV.2 – Subsetor Duas Rodas – Faturamento Acumulado, por Empresa, em 2002 (%), 84. xii LISTA DE TABELAS TABELA I.1 – Pólo Industrial de Manaus – Projetos Industriais Aprovados, por Subsetor, 12. TABELA I.2 – Pólo Industrial de Manaus – Faturamento por Subsetor de Atividade, 13. TABELA I.3 – Pólo Industrial de Manaus – Mão-de-Obra Empregada por Subsetor de Atividade, 13. TABELA II.1 – Pólo Industrial de Manaus – Faturamento Anual dos Principais Subsetores, 30. TABELA II.2 – Pólo Industrial de Manaus – Mão-de-Obra, Salários e Dispêndios em 2003, 31. TABELA II.3 – Pólo Industrial de Manaus – Aquisição de Insumos e Faturamento, por Origem, 32. TABELA II.4 – Pólo Industrial de Manaus – Subsetor Eletroeletrônico – Aquisição de Insumos e Faturamento, por Origem, 33. TABELA II.5 – Pólo Industrial de Manaus – Subsetor Duas Rodas – Aquisição de Insumos e Faturamento, por Origem, 34. TABELA III.1 – Comparação de Atributos para Clusters, Segundo Abordagens de Diferentes Autores, 65. TABELA III.2 – Comparação entre Abordagem Setorial e Abordagem por Cluster, 68. TABELA III.3 – Exemplos de Combinação entre os Diferentes Tipos de Cooperação, 70. TABELA IV.1 – Pesquisa de Campo – Estratificação das Empresas da Amostra, por Subsetor e Natureza dos Produtos, 85. TABELA IV.2 – Pesquisa de Campo – Origem do Capital Controlador das Empresas da Amostra, 86. TABELA IV.3 – Pesquisa de Campo – Hierarquia de Faturamento das Empresas da Amostra, em 2002, 87. xiii TABELA IV.4 – Pesquisa de Campo – Cronologia das Visitas e Experiência Local das Empresas da Amostra, 88. TABELA IV.5 – Pesquisa de Campo – Perfil dos Entrevistados, 89. TABELA IV.6 – Pesquisa de Campo – Composição do Questionário, Segundo Assuntos Contemplados nas Questões, 91. TABELA IV.7 – Pesquisa de Campo – Cronograma das Interações Ocorridas, 92. TABELA IV.8 – Pesquisa de Campo – Resumo dos Pontos Relevantes da Metodologia, 95. TABELA V.1 – Pólo Industrial de Manaus – Empresas e Linhas de Produção do Subsetor Duas Rodas, 98. TABELA V.2 – Diversidade da Cooperação no Cluster Duas Rodas, 122. TABELA V.3 – Extensão da Cooperação no Cluster Duas Rodas, 123. TABELA VI.1 – Diversidade da Cooperação no Cluster Eletroeletrônico, 145. TABELA VI.2 – Extensão da Cooperação no Cluster Eletroeletrônico, 146. TABELA VII.1 – Comparação entre os Ambientes dos Clusters Duas Rodas e Eletroeletrônico, 148. TABELA VII.2 – Práticas de Cooperação nos Clusters Duas Rodas (2R) e Eletroeletrônico (E), 151. TABELA VII.3 – Avaliação Comparativa das Práticas de Cooperação entre os Clusters Duas Rodas (2R) e Eletroeletrônico (E), 152. xiv I. A ZONA FRANCA DE MANAUS E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO AMBIENTE LOCAL. Este capítulo inicial procura caracterizar o panorama que justifica e ao mesmo tempo conforma o trabalho da pesquisa. A criação de um conjunto de benefícios – especialmente os incentivos fiscais – por meio do projeto Zona Franca de Manaus (ZFM), estimulou a implantação de empreendimentos industriais na capital do estado do Amazonas. Inicialmente estruturados a partir de poucas e simples operações, ao longo do tempo esses empreendimentos cresceram em complexidade, resultando em visíveis impactos na dinâmica da economia local. Sofisticação de operações e diversidade de iniciativas combinaram-se para exigir da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), autarquia federal responsável pela administração do principal conjunto de incentivos da ZFM, o desenvolvimento de competências para realizar o que na prática pode ser comparado à gestão de uma política industrial de abrangência reduzida, pelo menos no que concerne aos elementos passíveis de serem estabelecidos e influenciados localmente. Substituição de importações, atração de fornecedores de componentes, implantação de laboratórios de desenvolvimento e indução à tomada local de decisão são alguns dos exemplos de ações implementadas que buscaram a consolidação da atividade industrial, a partir de uma maior integração vertical. Paralelamente, alterações nas prioridades do País e resistências estabelecidas por governos e empresas de outras regiões têm cobrado um novo desempenho do modelo ZFM, não mais frente aos objetivos iniciais de ocupação territorial e integração regional, mas sim a partir de demandas pelo equilíbrio de sua balança comercial e, em escala crescente, segundo a perspectiva que caracteriza as recentes disputas interregionais por empreendimentos econômicos, que trazem consigo novos investimentos e empregos. Acrescente-se, no ambiente de um comércio internacional em que predomina a realidade da globalização econômica, uma possível redução de espaços para bens produzidos sob regime de incentivos fiscais – hoje só tolerados justamente quando vinculados a uma política de desenvolvimento regional – e antecipa-se, assim, o cenário de desafios reservado ao futuro próximo. 1 Completando o quadro, o horizonte aponta para o limite legal de vigência dos incentivos fiscais que, no caso da ZFM, está estabelecido para o ano de 2023, com toda a incerteza política que a negociação de futuras prorrogações possa representar. Em anos recentes, talvez como uma reação a essas dificuldades, a Suframa tem estrategicamente incorporado ao seu discurso o termo "Pólo Industrial de Manaus", em preferência a "Zona Franca de Manaus", uma postura que deixa transparecer pelo menos dois elementos: (i) a assunção do desgaste associado ao termo Zona Franca junto à opinião pública nacional e (ii) a comunicação de que a atividade industrial atingiu uma maior maturidade, à qual, então, passa a corresponder uma nova terminologia. A escassez de estudos sobre essa realidade, e seu potencial de impacto no futuro da economia local, reforçam a necessidade de ampliar a reflexão acadêmica, sustentada em fatos, conceitualmente embasada, capaz de contribuir na construção de uma agenda pública que tenha como elemento polarizador o desenvolvimento local sustentável. I.1. A ZONA FRANCA DE MANAUS COMO "SOLUÇÃO" PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Especialmente para o habitante natural de Manaus, que tenha nascido no início – ou antes – da década de 60 do século passado, é difícil imaginar em que patamar de desenvolvimento econômico encontrar-se-ia a cidade, e mesmo o estado do Amazonas, sem o advento do fenômeno Zona Franca. O complexo industrial de Manaus, que faturou US$ 46 bilhões no período 19992003 (SUFRAMA, 2004a), e possui quase 4 centenas de empresas implantadas, encontra representação em áreas tão distintas como as indústrias da eletrônica de consumo, mecânica, de brinquedos, química, relojoeira, ótica, naval, de higiene pessoal, alimentícia, madeireira, de motocicletas e bicicletas, além de indústrias de insumos como as de componentes eletrônicos, componentes plásticos injetados, metalúrgica e gráfica. Praticamente toda atividade econômica local está diretamente relacionada às empresas do pólo industrial incentivado, ou de alguma forma é uma conseqüência indireta da existência dessas empresas. O impacto dessa relação torna-se ainda mais evidente quando se percebe que a criação da Zona Franca foi responsável por encerrar um longo período de estagnação econômica, resultante do recrudescimento da outrora 2 pujante economia regional baseada no extrativismo da borracha1, passando, então, a oferecer novas oportunidades aos habitantes da Região. A Zona Franca de Manaus tem sua origem na Lei n.o 3.173, de 6 de junho de 1957, posteriormente regulamentada pelo Decreto n.o 47.757, de 2 de fevereiro de 1960, proposta pelo deputado federal pelo Amazonas, Francisco Pereira da Silva, e concebida com a pretensão de ser um modelo de desenvolvimento capaz de ocupar e integrar ao restante do País a região denominada Amazônia Ocidental (que, além do Amazonas, inclui os estados do Acre, Rondônia e Roraima), uma área de 2.185.202,2 km2 que corresponde a 56,7% da Região Norte e 25,7% do território brasileiro. Em seus anos iniciais os resultados alcançados foram modestos. Não há registro significativo do crescimento da limitada atividade industrial pré-existente, baseada na extração e processamento de matérias-primas regionais, o que motivou a reformulação da idéia original, por meio do Decreto 288, de 28 de fevereiro de 1967 (portanto, transcorridos dez anos após a tentativa original) e para a qual foi explicitado o seguinte propósito: "A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância que se encontram os centros consumidores de seus produtos" (Decreto-Lei n.o 288, Art. 1o). O objetivo expresso de integração da região ao restante do País teve como motivação paralela – ou principal, para alguns – a dimensão geopolítica, ancorada no argumento (verdadeiro ou induzido) da cobiça internacional pela Amazônia. Essa preocupação ocupava um lugar de destaque na agenda do governo militar que comandava o País, e que temia pela "internacionalização" da Região, apontada como uma possível conseqüência da frágil soberania que a ausência física representa. Em sua gênese, portanto, a ZFM seria uma solução, com fundamento geopolítico, para a ocupação regional e integração nacional, sinônimos de desenvolvimento. Nesta fase iniciada em 1967, o comércio foi o primeiro a dar sinais de revitalização, proporcionando à cidade de Manaus uma intensa e diferenciada atividade importadora, pelo menos na comparação com os padrões brasileiros. Empresários do setor comercial foram atraídos de outras regiões, e até mesmo países, agregando-se a 1 Pujante ao final do século XIX, a economia da Região lastreava-se na monocultura extrativa da borracha, revelando-se incapaz de competir com a produção racional asiática (localizada na Birmânia, 3 empreendedores locais na oferta de artigos que variavam de gêneros alimentícios industrializados a roupas, incluindo eletrodomésticos e até automóveis utilitários. Em poucos anos, a sociedade local – ou ao menos a sua parcela mais abastada – passou a ter acesso a uma série de bens característicos de sociedades mais industrializadas, ditas desenvolvidas. Apenas no início da década de 70, com a implantação dos primeiros projetos industriais incentivados, configurou-se de forma mais significativa a presença de unidades fabris. A criação do Distrito Industrial Marechal Castelo Branco (ou simplesmente Distrito Industrial, como é conhecido até hoje), dotado pelo poder público com infra-estrutura básica em seus 1.700 hectares de área, passou a concentrar a localização das fábricas, e facilitou a administração da política dos incentivos fiscais por parte da agência federal legalmente responsável pelo modelo, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa. A vantagem dos incentivos fiscais e desses outros benefícios era apresentada aos interessados como a contrapartida para o risco de empreender em uma região inóspita, implantando linhas de produção em galpões instalados em terrenos ocupados por floresta virgem e sem poder contar com uma cultura industrial local de maior relevância, o que também correspondia à inexistência de mão-de-obra qualificada. Tratando-se de um modelo baseado em incentivos que incidem sobre tributos diretos, de natureza fiscal, os benefícios às empresas só se concretizam na medida em que ocorre a produção e materializa-se na posterior comercialização do bem fabricado. O arcabouço da ZFM não contempla o incentivo financeiro aos projetos industriais; nem mesmo a Suframa os intermedia. O risco inerente à atividade empreendedora é, portanto, exclusivo do empresário. Para usufruir dos incentivos, todas as iniciativas no setor industrial devem ter sua viabilidade demonstrada em projeto econômico-financeiro submetido à análise do Conselho de Administração da Suframa, que atualmente é composto por representantes de 10 ministérios, governos dos estados da Amazônia Ocidental, prefeituras das capitais da região, entidades de classes (empresariais e de trabalhadores), além da Secretaria da Receita Federal. Apenas após a aprovação nesse Conselho, a empresa estará habilitada à implantação de seu projeto industrial. Malásia, Ceilão, Índia e Indonésia) que, de 1900 a 1913, partindo de uma produção inexpressiva, dominou o abastecimento do mercado mundial, estabelecendo a fronteira entre fausto e estagnação. 4 Após implantado o projeto, tem início o seu acompanhamento físico por parte das unidades operacionais da autarquia. A atividade envolve, dentre outras responsabilidades, a monitoração da compatibilidade do processo produtivo praticado, em termos do conjunto de operações realizadas e do nível de desagregação de componentes e insumos, frente às condições estabelecidas na aprovação do projeto da empresa. Além da Suframa, o aparato governamental de ação fiscalizadora também é complementado por rotinas de órgãos estaduais (Secretarias de Fazenda e de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Estado do Amazonas, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) e outros órgãos federais (Ministério da Ciência e Tecnologia, Secretaria da Receita Federal, Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Na dinâmica desse processo, a exclusividade de importar insumos e produtos, mesmo nos momentos em que o governo do País enfrentava dificuldades em honrar compromissos internacionais, ao mesmo tempo em que representou o diferencial que permitiu a aglomeração de empresas industriais em uma localização tão improvável, provocou reações de insatisfação e o questionamento, por parte de outras regiões, quanto à legitimidade dessa excepcionalidade. Evidentemente, na medida em que avançou o padrão de competitividade no cenário internacional, com conseqüente repercussão na sofisticação dos mecanismos e processos de produção, acrescido do acirramento da competição inter-regional por investimentos na legítima defesa do desenvolvimento local, a ZFM passou a conviver com crescente resistência, oriunda não apenas de regiões mais desenvolvidas, politicamente articuladas, mas, em períodos recentes, até mesmo de outras regiões que, de economia mais frágil, também aspiram a um nível mais elevado de desenvolvimento. Na própria esfera governamental há registro de conflitos de interesses em posições assumidas por diferentes ministérios. Portarias e regulamentações do Ministério da Fazenda, originadas, por exemplo, na Secretaria da Receita Federal, por vezes resultaram, na prática, em entraves e limitações à atividade produtiva. Esse comportamento, entendido por empresários e governos locais, além de Suframa, como uma extrapolação indevida de autoridade, que cerceava a utilização de vantagens previstas no Decreto-Lei 288 e legislação complementar, nem sempre teve uma discussão aberta, pelo menos no âmbito de maior interesse, o federal, talvez em nome da preservação da unidade. 5 Mas outros momentos conflituosos podem ser citados. Um desses episódios corresponde à implantação das quotas de importação para a Zona Franca de Manaus, já em meados da década de 70, quando a balança comercial do País e o serviço da dívida externa levaram o governo federal a estabelecer limites, em dólares, para as empresas locais, não apenas do setor industrial, mas também para o comércio. Anualmente, após o anúncio pelo governo federal do montante global equivalente às importações permitidas, iniciavam as gestões de cada empresa junto à Suframa para a conquista da maior quota individual possível para, no caso do setor industrial, dar atendimento às necessidades de produção previstas. A própria implementação da Política Nacional de Informática também é um episódio que merece registro, ao proporcionar benefícios a um conjunto amplo de empresas, independentemente de sua localização geográfica. O objetivo de desenvolver uma indústria nacional no setor foi contemplado pela promulgação da chamada Lei de Informática, em 1984, que passou a disciplinar as atividades de projeto, importação, produção e comercialização de bens, insumos e serviços de informática em todo o País, o que configurou uma superposição de autoridades entre a Secretaria Especial de Informática (SEI), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e a Suframa, à época vinculada ao Ministério do Interior, para o caso das empresas que, ao mesmo tempo, fabricassem produtos classificados nesse subsetor e estivessem instaladas – ou pretendessem a instalação – na ZFM. A compreensível disputa que se configurou alimentou um acalorado debate que certamente limitou a oportunidade para a construção de relações mais positivas entre as duas instituições durante praticamente todo o restante da década. Naquele momento histórico, afinal, a ZFM era interpretada como um modelo antagônico ao projeto nacional de desenvolvimento de uma capacitação em informática no País. Mas foram os primeiros anos de implementação da nova política que se revelaram particularmente difíceis, pois em virtude de uma limitação na legislação – a ausência de uma formalização conceitual que descrevesse os atributos ou características de um bem de informática – a SEI estendeu a abrangência de suas operações, ao considerar como bens de informática – e, portanto, sujeitando àquele órgão a aprovação prévia de guias de importação de componentes e insumos de empresas da ZFM – alguns produtos que a indústria local entendia como pertencentes à eletrônica de consumo. Esse confronto entre a indústria local e a indústria nacional de informática talvez tenha alcançado seu ápice durante o funcionamento do Assembléia Nacional 6 Constituinte. Na promulgação da nova Constituição federal, em 1988, a ZFM, que dois anos antes havia sido "salva" pelos políticos locais, com a prorrogação do prazo de vigência das isenções tributárias por dez anos (a partir de seu limite original), o que estabeleceu seu novo limite para 2007, viu esse direito ser ampliado por meio da inserção do Art. 40 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que garantia sua manutenção por mais 25 anos (a partir da promulgação), o que representou, na prática, um aumento real de 16 anos em relação ao prazo originalmente previsto. Como não poderia deixar de ser, a imprensa local, fazendo coro à opinião de políticos, considerou vitoriosas essas conquistas de prorrogação, que na prática transferiam uma "morte anunciada", inicialmente de 1997 para 2007 e, em seguida, de 2007 para 2013. Um pouco mais à frente, no início da década de 90, a abertura do mercado nacional às importações, pelo Governo Collor, configurou-se em um dos grandes desafios enfrentados pela atividade econômica local. Como resultados, o comércio de produtos importados praticamente sucumbiu, a indústria de componentes eletrônicos reduziu-se a um nível próximo à inexistência e muitas empresas fabricantes de bens finais encerraram suas atividades. As que permaneceram, só o conseguiram em conseqüência da implantação de programas de competitividade, aproximando seus padrões de eficiência das referências internacionais, a partir da implantação de práticas que envolveram, dentre outros, programas de redução de custos, implantação de sistemas da qualidade, terceirização de atividades não fundamentais ao negócio e o investimento na qualificação de mão-de-obra, tudo isso provocando evidente repercussão no número de empregos diretos gerados, que em seu ápice superou a casa de 76.000, em 1990, reduzindo-se a menos de 38.000 em 1993. Inserido em Emenda ao texto constitucional, promulgada ao final de 2003, relativa a alterações no Sistema Tributário Nacional, encontra-se o capítulo mais recente desse histórico: a possibilidade de redução de vantagens comparativas da ZFM, a partir da proposta de uniformização das alíquotas dos impostos estaduais (ICMS), proposta pelo governo federal. Mais uma vez, e não sem desgaste político, a Zona Franca de Manaus alcançou prorrogação de seu funcionamento, desta feita por outros dez anos, estando o novo prazo estabelecido para 2023. Se comparado ao período de 30 anos originalmente concedido, o conjunto de prorrogações, ao acrescentar outros 26 anos, quase dobra o prazo de vigência dos incentivos. É evidente que a prorrogação não é, por si só, uma garantia de que a estrutura atual, ou qualquer evolução dela, estará em funcionamento até aquela data. Existem 7 pelo menos dois grandes temas que se apresentam como fontes concretas de preocupação. O primeiro deles é a implantação da Área de Livre Comércio das Américas – Alca que, com potencial para acirrar a competição, na verdade não é uma preocupação exclusiva da indústria instalada em Manaus; o outro tema é a convergência digital, que está acelerando a junção, em um único produto, de funções das áreas de entretenimento e de informática, permitindo antever novas disputas ressurgindo no âmbito da Lei de Informática. Ao serem reunidas essas funções em um mesmo produto, e eventualmente este sendo caracterizado como um bem de informática – que atualmente recebe incentivos da legislação até o ano de 2.019, independentemente da localização do fabricante no País – estariam criadas condições para que as empresas da eletrônica de entretenimento buscassem outras localizações que não Manaus, o que tornaria 2.023 um limite temporal meramente burocrático. Esse histórico compacto de episódios está aqui apresentado para ilustrar a constatação de um fato: a fragilidade relacionada à continuidade e consolidação de uma atividade industrial local que esteja baseada exclusivamente em incentivos fiscais. A dificuldade em negociar novos – e provavelmente mais curtos – prazos de prorrogação para a ZFM, deixando de lado a questão do mérito da proposta, exige um dispêndio de energia cada vez maior, com desgaste igualmente elevado junto à sociedade brasileira, uma situação cujas conquistas esmaecem frente à convicção de que a prorrogação dos incentivos fiscais, considerada isoladamente sua contribuição, não resultará de forma espontânea na inserção e consolidação desejadas, pelo menos em prazos defensáveis frente ao restante da sociedade. Esse quadro remete a uma inevitável comparação com aquele correspondente ao fim do ciclo de fausto associado à economia da borracha. É possível conjecturar que, sob o panorama atual, e perdurando apenas as condições que hoje estimulam a existência da atividade industrial em Manaus, aconteça um recrudescimento acelerado dos investimentos, ainda antes do fim dos incentivos fiscais, em 2023, em virtude do tempo mais prolongado de maturação que o retorno proporcionado por empreendimentos industriais exige. Embora extrema, é uma perspectiva possível, capaz de reavivar na memória coletiva as graves conseqüências sociais que podem ser causadas por um vazio econômico semelhante àquele sofrido com a perda do mercado internacional da borracha para a produção asiática. 8 Contrapor-se ao aparente determinismo dessa trajetória é um esforço que não pode ser deixado apenas à classe política, mas deve ser compartilhado a partir de um maior envolvimento dos demais atores da sociedade local. A cada nova intervenção política que pretenda preservar o futuro do modelo será provavelmente acrescida a exigência, pela interlocução (governantes, políticos e empresários de outros estados, bem como representantes do governo central), de uma consistência em demonstrar os progressos que estão sendo alcançados, e que a região tem aumentado a sua capacidade endógena de enfrentar seus desafios e decidir pelos caminhos mais apropriados ao seu desenvolvimento econômico sustentável. A academia, como um dos componentes dessa sociedade, deve ampliar seu espaço de atuação, exercitando suas habilidades para contribuir na ampliação da compreensão do funcionamento do modelo ZFM, a partir da multiplicação de estudos que aprofundem temas importantes como a dinâmica de suas relações (internas e externas) e o estabelecimento de capacitação local para gerir uma evolução do modelo e indicar possíveis soluções que lhe sejam complementares. É grande o potencial da repercussão social e econômica desses estudos, como poderá ser mais bem avaliado a partir dos dados apresentados na seção a seguir. I.2. A DIMENSÃO DA ATIVIDADE INDUSTRIAL DA ZFM E SUA IMPORTÂNCIA NA ECONOMIA DO ESTADO DO AMAZONAS. O Produto Interno Bruto – PIB do estado do Amazonas no ano de 2001, a preço de mercado corrente, alcançou R$ 20,7 bilhões, representando 36,4% de todo o PIB da Região Norte, sendo o 14o colocado no ranking dos estados do País (IBGE, 2003). Se considerado o PIB per capita do mesmo ano, equivalente a R$ 7.169, foi inferior apenas aos dos estados da Região Sul, além de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal, superando o de estados mais tradicionais como Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Bahia, uma posição pouco provável, não fora a industrialização proporcionada pelo incentivo fiscal. O Gráfico I.1 apresenta a evolução histórica na relação entre população e PIB, para o estado do Amazonas, em que é possível perceber uma aceleração acentuada no crescimento de ambos, a partir da década de 70, exatamente no momento em que o setor industrial, impulsionado pela criação da ZFM, passa a contar com um maior número de empresas, iniciando a sua trajetória de representatividade na economia local. 9 GRÁFICO I.1 ESTADO DO AMAZONAS POPULAÇÃO E PRODUTO INTERNO – EVOLUÇÃO HISTÓRICA População PIB* 3.000.000 20.500.000 2.500.000 16.500.000 2.000.000 12.500.000 1.500.000 8.500.000 1.000.000 4.500.000 500.000 1950 População 514.099 PIB 1960 721.215 1970 1980 1991 2000 500.000 955.203 1.430.528 2.103.243 2.813.085 522.726 1.085.202 1.839.402 7.918.598 14.416.60 18.612.09 Fonte: Adaptado de SÁ (2004) Obs.: * Valores em R$ 103 de 2001 O crescimento da importância relativa do setor industrial, quando comparado com o setor de serviços e a agropecuária, está claramente representado no Gráfico I.2, um compacto da série histórica disponível. Se for considerado o conjunto completo dos dados, que inicia em 1939, no período que antecede a ZFM o ápice da participação relativa da atividade industrial no PIB do estado ocorreu no ano de 1960, quando foi responsável por 18,9% do total do PIB. Com a criação do modelo, e a contínua implantação de empresas, a atividade industrial, em 2001, torna-se responsável pela geração de quase 2/3 do total do PIB estadual. Isto é mais que o dobro do que representa o setor serviços, reservando à atividade agropecuária uma participação pouco expressiva de apenas 2,2%. Se, além disso, for considerado que parte das atividades hoje existentes, inerentes ao subsetor de serviços, é conseqüência direta de demandas geradas pela própria indústria, ou pelos profissionais que nela estão empregados, uma vez que passam a ter maior poder aquisitivo em função do aumento da renda, pode-se depreender a importância da ZFM para a economia do estado e – retomando o diálogo com o compromisso de um desenvolvimento endógeno, sustentável – as implicações de uma possível descontinuidade do modelo, após atingido o prazo-limite de vigência dos incentivos fiscais, evidentemente tendo como pressuposto a ausência de medidas de intervenção para a implementação de alternativas complementares no decorrer dessa trajetória. 10 Setores (participação %) GRÁFICO I.2 ESTADO DO AMAZONAS COMPOSIÇÃO DO PRODUTO INTERNO (R$ 103 DE 2001) 100% 80% 60% 40% 20% 0% 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Agropecuária 191.131 360.538 439.062 681.949 1.127.310 421.300 Serviços 280.000 518.987 Indústria 51.595 205.677 1.115.948 2.983.600 5.442.922 6.780.019 284.392 4.253.049 9.410.108 11.410.772 Fonte: Adaptado de SÁ (2004) A própria natureza da atividade industrial que emergiu com a ZFM é fruto das características do incentivo fiscal e da localização geográfica desfavorável da cidade em relação aos principais centros fornecedores e consumidores. A Tabela I.1 mostra que são vários os subsetores representados, mas poucos deles guardando relação com possíveis potencialidades regionais. Ao contrário, predominam as atividades econômicas em que a tecnologia exerce um papel preponderante. Embora ao longo do tempo, e em função das condições de mercado, cada um desses subsetores apresente flutuações quanto à representatividade maior ou menor, em termos de sua importância econômica, o subsetor Eletroeletrônico sempre esteve liderando os indicadores mais tradicionalmente utilizados, tais como número de empresas, faturamento, empregos gerados e impostos arrecadados. O destaque apresentado por esse subsetor é uma condição até certo ponto compreensível, em função de pelo menos dois elementos intrínsecos à sua natureza: (i) a dinâmica provocada pelas contínuas pressões impostas pelo mercado, relativas à atualização tecnológica de produtos, que demanda uma interação mais intensa com os principais mercados internacionais, mais desenvolvidos em termos de requisitos e desempenho; (ii) a superior relação preço/peso apresentada por esses mesmos produtos, que os favorece, comparativamente aos de outros subsetores, quanto à menor representatividade dos custos de transporte no preço final praticado para a sua colocação em mercados consumidores distantes. 11 TABELA I.1 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS PROJETOS INDUSTRIAIS APROVADOS, POR SUBSETOR Situação do Projeto Subsetor 1. Eletroeletrônico 1.1. Pólo de produtos 1.2. Pólo de componentes 2. Matérias Plásticas 3. Mecânico 3.1. Pólo relojoeiro 3.2. Outras empresas do subsetor mecânico 4. Químico 5. Metalúrgico 6. Material de Transporte 6.1. Pólo de duas rodas 6.2. Outros 7. Produtos Alimentícios 8. Papel, Papelão e Celulose 9. Editorial e Gráfico 10. Madeira 11. Diversos Total Implantado Em outra No Distrito área de Industrial Manaus 77 59 Em implantação Total 30 166 50 27 42 17 24 6 116 50 23 23 24 16 16 8 63 47 10 7 0 17 13 9 8 30 15 13 12 15 15 9 7 8 4 37 36 25 10 2 5 4 2 2 17 8 0 7 3 3 18 194 12 6 5 6 31 198 5 1 5 1 19 104 17 14 13 10 68 496 Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004b) A representatividade do subsetor Eletroeletrônico está destacada também na Tabela I.2, na qual é possível identificar que esse subsetor foi responsável por cerca de 55,0% do faturamento global da atividade industrial nos últimos 5 anos. Essa tabela, que apresenta os 4 principais subsetores da ZFM, em faturamento, destacados dos demais que compõem a atividade industrial, oferece uma perspectiva da concentração do valor da produção: no ano de 2003, cerca de 72,7% do faturamento global foi oriundo de apenas 2 subsetores (Eletroeletrônico e Duas Rodas). Em termos do benefício social representado pela geração de empregos, esse quadro praticamente se mantém (Tabela I.3). Os mesmos dois subsetores, liderando esse indicador, são responsáveis pela geração de 61,9% dos empregos. Com exceção do Termoplástico, presente também na tabela anterior, outros subsetores revezam-se nos primeiros lugares, em termos de importância, na oferta de empregos. 12 TABELA I.2 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS FATURAMENTO POR SUBSETOR DE ATIVIDADE Valores em US$ milhões correntes 1999 2000 2001 2002 2003 Subsetor Valor (%) Valor (%) Valor (%) Valor (%) Valor (%) Eletroeletrônico 3.948 54,7 5.944 57,2 4.917 53,9 4.865 53,4 5.812 55,2 Duas Rodas Químico Termoplástico Outros 1.579 15,2 1.554 17,0 979 9,4 871 9,5 241 2,3 272 3,0 1.649 15,9 1.516 16,6 1.325 14,6 977 10,7 734 8,1 1.203 13,2 1.848 17,5 1.014 9,6 488 4,6 1.369 13,0 Total 1.070 14,8 628 8,7 158 2,2 1.412 19,6 7.216 100% 10.392 100% 9.130 100% 9.104 100% 10.531 100% Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004a) Excetuando-se a mão-de-obra terceirizada e temporária, os 57.159 trabalhadores empregados pelo Pólo Industrial de Manaus, em média, no ano de 2003, receberam salários mensais de US$ 17.451,6 mil, o que perfaz US$ 305,32 per capita. Este valor sobe a US$ 693,18, no mesmo ano, quando incluídos, além de salários, os dispêndios com encargos e benefícios. Apesar da restituição de parcela do ICMS, variável com a natureza do empreendimento com projeto aprovado pela Secretaria de Fazenda, o estado do Amazonas alcançou R$ 1,9 bilhão em arrecadação de ICMS durante o ano de 2002 (SUFRAMA, 2003). TABELA I.3 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS MÃO-DE-OBRA EMPREGADA POR SUBSETOR DE ATIVIDADE Subsetor 1999 2000 2001 2002 2003 o o o o o N Eletroeletrônico 21.902 Duas Rodas 4.943 Termoplástico 2.572 Mecânico 274 Metalúrgico 1.102 Outros 12.302 Total % 50,8 11,5 6,0 0,6 2,6 28,5 N 25.870 5.709 2.933 435 1.400 12.532 % 52,9 11,7 6,0 0,9 2,9 25,6 N 28.100 6.566 3.609 505 1.531 14.448 % 51,3 12,0 6,6 0,9 2,8 26,4 N 27.910 7.490 5.100 2.066 1.861 13.385 % 48,3 13,0 8,8 3,6 3,2 23,1 N 30.937 9.052 5.436 2.912 2.447 13.807 % 47,9 14,0 8,4 4,5 3,8 21,4 43.095 100% 48.879100% 54.759100% 57.812100% 64.591 100% Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004a) A amplitude da atividade industrial fez com que o Amazonas fosse responsável por 59% de toda a arrecadação de impostos federais na 2a Região (que inclui ainda os 13 estados do Acre, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima), tendo sido o oitavo maior estado arrecadador de tributos federais dentre todos os estados da federação em 2002: R$ 2,7 bilhões em arrecadação de impostos para o governo federal (SUFRAMA, 2003), caracterizando-se como um remetente líquido de recursos para a União, ou seja, o volume de recursos transferidos para a União, por meio dos impostos arrecadados, é maior que os recursos dela recebidos pelo estado (CORRÊA, 2002). Até mesmo uma das principais desvantagens creditadas ao modelo, a concentração da atividade econômica na capital, acaba resultando em benefício indireto significativo. Manaus foi responsável por mais que 98,1% da arrecadação tributária do estado, no período compreendido entre 1997 e 2000, o que se por um lado reflete a frágil atividade econômica no interior, por outro transformou o Amazonas no estado que tem a maior área percentual de seu território – estimada em 98% – ainda coberta por vegetação original. Outros estados da região, em virtude de projetos centrados em produção agrícola ou de exploração mineral, não lograram o mesmo nível de preservação. Essa importância alcançada, pelo setor industrial, em termos de sua participação relativa na economia do estado do Amazonas, sinaliza que seus eventuais avanços e retrocessos encontram correspondência direta em termos de repercussões na área social, fortalecendo a idéia de se implementar ações que evitem possíveis conseqüências negativas de uma desaceleração da atividade industrial – ou, melhor ainda, a própria desaceleração – com a proximidade do fim dos incentivos fiscais. Para materializar essa intenção, transformando-a em realidade, será necessária uma mudança de atitude por parte de alguns dos agentes mais representativos da sociedade local. A eficiência de uma postura pró-ativa, entretanto, depende de um maior conhecimento da realidade subsidiando a tomada de decisão e a eleição de prioridades, e isto complementa a argumentação em prol da multiplicação dos estudos, em acordo com o que foi anteriormente sugerido. E na medida em que o tempo avança, percebe-se que os desafios tornam-se maiores, e a própria realidade cresce em complexidade, conforme será abordado na seção a seguir. I.3. CARACTERÍSTICAS DA CRESCENTE COMPLEXIDADE DA ATIVIDADE INDUSTRIAL EM MANAUS. Em mais de três décadas de funcionamento, os projetos industriais implantados a partir do projeto Zona Franca de Manaus ocuparam integralmente os 1.700 hectares 14 originalmente reservados ao Distrito Industrial, o que demandou a sua ampliação física, configurada na incorporação de uma área, contígua à original, com dimensão próxima a 5.700 ha, na qual os empreendimentos mais recentes têm se instalado. Embora a localização da empresa na área física do Distrito Industrial não seja obrigatória, essa opção acabou sendo adotada por aproximadamente a metade delas (194 dentre 392 projetos implantados, conforme está apresentado na Tabela I.1). Dos primeiros projetos industriais aprovados em 1968 até hoje, já são contabilizados quase 2.000 projetos2. A paulatina intensificação da atividade industrial, somada à ampliação da diversidade dos subsetores representados e o seu crescente adensamento, trouxeram, de forma associada, uma maior complexidade para a gestão do modelo. Um reflexo dessa complexidade é a multiplicidade de iniciativas – programas, políticas e ações – implementadas, em sua maioria, sem que fossem consideradas as devidas articulações entre seus efeitos. A seguir estão relatados alguns exemplos, compondo uma lista não exaustiva baseada na experiência individual do autor: 1. Implantação, a partir de 1976, de programas de substituição de componentes importados por componentes de fabricação nacional (chamados Programas de Nacionalização), nos quais as empresas deveriam alcançar índices numéricos mínimos estabelecidos para cada produto, denominados Índices de Nacionalização – IN’s, calculados a partir do quociente entre os valores gastos com componentes e outros insumos comprados no País e os valores correspondentes às compras totais – somatório das compras realizadas tanto no País quanto no exterior – utilizando para esse cálculo os valores FOB. Após elaborado o Programa de Nacionalização, pela própria empresa, prevendo as metas físicas, numéricas e temporais para a nacionalização de insumos e componentes, a proposta era analisada e, depois de aprovada, passava a compor um compromisso estabelecido e acompanhado pela Suframa. Essa sistemática permitiu que a autarquia desenvolvesse competências técnicas associadas à composição dos produtos fabricados, à identificação e desenvolvimento de fornecedores nacionais para níveis mais elevados de desempenho, assim como a 2 O número de projetos supera o número de empresas anteriormente apresentado por diversas razões: projetos correspondentes a empresas que não se implantaram, descontinuidade de atividades (falências ou simples encerramentos de empreendimentos), cancelamentos por irregularidades, além do fato de que qualquer alteração em um projeto já aprovado (novos produtos, alteração substantiva nos níveis de produção ou de seus processos) implica na necessidade de aprovação de um novo projeto pela empresa. 15 aspectos da tecnologia de manufatura. Sob um certo ponto de vista, a imposição da sistemática de Índices e Programas de Nacionalização contribuiu para ampliar, nas empresas da ZFM, o domínio de tecnologias relacionadas ao processo de fabricação, uma condição necessária à adoção de estágios mais avançados de desagregação de componentes, partes e peças com os quais começavam a lidar; 2. Estímulo a uma maior especialização da indústria local, concentrando a atenção na atração de empresas aderentes aos subsetores mais relevantes (eletroeletrônico, relojoeiro, duas rodas e ótico) que passaram a ser denominados "pólos". Talvez essa tenha sido a tentativa pioneira de disciplinar e planejar a atividade industrial, contida em um Plano Diretor elaborado em 1978, que passou a nortear as ações da Suframa, e cujo conjunto de diretrizes pode ser considerado um arcabouço de política industrial (SÁ et al., 1978). Além da especialização, o Plano Diretor apresentava como principais elementos a serem perseguidos: a verticalização da produção industrial; a harmonização dos ramos industriais da ZFM com os já instalados no centro-sul do País (do qual a própria seleção dos quatro subsetores pode ser considerada um reflexo); a absorção de tecnologia; a intensificação do uso de fatores regionais na produção e a reintegração progressiva da ZFM à normalidade tributária nacional; 3. Exigência de permanência, em Manaus, de um diretor qualificado para cada empresa com projeto aprovado (formalmente denominado Diretor Residente), que configurasse a existência de um interlocutor com autoridade para dialogar e decidir junto aos órgãos locais. Estabelecida no início da década de 80, foi uma conseqüência de dificuldades enfrentadas pela Suframa, na gestão do modelo ZFM, em encontrar prontidão nas respostas das empresas às suas indagações, em virtude do que vinha se caracterizando como um baixo nível de capacidade decisória local; 4. Criação induzida de instituto tecnológico3 para dar suporte às empresas industriais em termos de serviços especializados na área de engenharia, particularmente aqueles relacionados à engenharia industrial e à substituição de componentes importados (1982), o que talvez possa ser caracterizado como o 3 A Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica – Fucapi, embora criada sob inspiração da Suframa, foi instituída pela Federação das Indústrias do Estado do Amazonas – Fieam e pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas – Cieam. 16 esforço pioneiro de implementação de uma ação concreta voltada ao tratamento da questão tecnológica, nesse primeiro momento centrado na ampliação das atividades de engenharia; 5. Estímulo à realização de atividades locais de desenvolvimento de tecnologia, por meio da vinculação da aprovação de projetos industriais incentivados – fossem eles relacionados à implantação de novas empresas ou à modificação nos padrões das já existentes – à implantação de laboratórios de P&D, uma exigência estabelecida em 1983. Embora com resultados modestos, a iniciativa induziu algumas empresas à realização de atividades de engenharia em Manaus, voltadas à adaptação de projetos dos produtos oriundos de suas matrizes (ou dos parceiros tecnológicos) às características do mercado nacional. Se, em senso estrito, não podiam ser configuradas exatamente como atividades de P&D, tiveram o mérito de iniciar uma demanda local por profissionais com maior capacitação tecnológica; 6. Implantação de programas de substituição de componentes importados ou nacionais por componentes de fabricação local (chamados Programas de Regionalização), cujo objetivo – a integração vertical da produção local – pode hoje ser interpretado, em uma linguagem atualizada, como uma tentativa de adensamento local da cadeia produtiva, um esforço que se concentrou na segunda metade da década de 80. A atração de empresas fabricantes de componentes e insumos para Manaus, e os interesses por vezes conflitantes entre essas empresas e os produtores de bens finais, que destacavam os problemas de qualidade e custo dos fabricantes de componentes locais, preferindo manter suas rotinas de compras de fornecedores já habilitados, instalados no sudeste ou exterior, permitiu o acúmulo de uma experiência diferenciada, por parte da Suframa, na articulação e mediação de interesses público-privados relacionados à evolução da atividade industrial local; 7. Implementação da política de adoção dos chamados Processos Produtivos Básicos – PPB’s, na qual os IN’s, cujas exigências de nacionalização baseavamse no valor das aquisições, foram substituídos pela indicação do conjunto mínimo de atividades do processo produtivo, para cada tipo de produto, que deveria ser realizado localmente pela empresa incentivada (a partir de 1991). Foi uma conseqüência direta da política do governo federal de abertura do mercado nacional, com a redução das alíquotas dos impostos de importação dos produtos 17 em geral, que retirava uma vantagem comparativa dos produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, e resultou em um dos mais críticos episódios para a continuidade da atividade industrial local, com forte impacto na redução do número de empresas e, principalmente, de empregos, nos anos que se seguiram; 8. A partir do final da década de 90, exigência legal de aplicação, pelas empresas, na execução local de atividades de P&D, de percentual de seu faturamento com a venda dos bens de informática que fabricam. Em proporção regulamentada pela legislação, o valor global de cada empresa pode ser dividido entre aplicações internas (ou seja, projetos desenvolvidos exclusivamente por suas próprias equipes técnicas) e externas, nas quais a atividade de P&D deve, em um percentual mínimo do total de recursos a serem aplicados pela empresa, ser necessariamente demandada de instituições locais; 9. Também mais recentemente (a partir de 1998), tentativa de articular a formação de alianças, parcerias e cooperações entre o setor produtivo e as instituições de pesquisa, desenvolvimento e formação de recursos humanos, intermediadas pelo setor público, como meio de se alcançar um novo patamar no processo de desenvolvimento local, resultando na criação do Centro Tecnológico do Pólo Industrial de Manaus (CT-PIM). Esses diversos episódios, ainda que não deliberadamente articulados entre si a partir de uma ótica de desenvolvimento local sustentável, exemplificam alguns dos principais momentos vivenciados pela Suframa, em sua tarefa de administrar o modelo ZFM, que historicamente conformaram a trajetória da atividade industrial local. A eficácia dessa administração evidentemente esteve influenciada por condições de contorno inerentes à realidade local, dentre as quais pode ser ressaltada a virtual inexistência, anterior à ZFM, de uma cultura relacionada à atividade industrial. Isto implicou não apenas em absoluta escassez de mão-de-obra treinada, inclusive no que pertine à gerência de nível intermediário, para o setor privado, mas também de profissionais habilitados à gestão de um complexo industrial como instrumento propulsor de uma política de desenvolvimento, no caso do setor público. A crise econômica vivida pelo País a partir dos choques do petróleo, na década de 70, que estendeu a abrangência da política de substituição de importações até a ZFM, resultando no seu contingenciamento, a partir do estabelecimento de quotas máximas anuais autorizadas pelo governo central, um fato aparentemente incompatível com a proposta original do modelo, se por um lado causou limitações à amplitude da atividade 18 industrial, por outro fez com que as empresas se tornassem mais seletivas em suas importações, o que pode ser considerado um fator determinante de estímulo à estruturação e evolução dessa mesma atividade. Eventuais conseqüências negativas introduzidas por esses fatos históricos não chegam a rivalizar com as dificuldades causadas por desarticulações entre os agentes promotores das políticas setoriais do governo federal, que permitiram contínuos confrontos entre alguns de seus ministérios, especialmente o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), e seus predecessores, em antagonismo ao Ministério da Fazenda que, especialmente por meio da Secretaria da Receita Federal, em diferentes momentos dificultou, e por vezes impediu, utilizando-se de portarias e outros atos administrativos, o regular funcionamento da atividade industrial da ZFM, causando retração e até mesmo fuga de capital empreendedor; ou mesmo ao Ministério da Ciência e Tecnologia, especialmente durante a implementação da Política Nacional de Informática, que drenou atenção e energias que poderiam ter sido canalizadas pela liderança local para a tentativa de uma consolidação do desenvolvimento industrial. Em meio a esse quadro, às dificuldades de gestão do modelo ZFM podem ser acrescidos (i) o próprio conflito de interesses com as demais regiões do País, ancorado em motivos como a balança comercial negativa frente ao esforço nacional em busca de superávits; (ii) a disputa legítima por fábricas – e conseqüentemente empregos – de outras regiões que também procuram atingir novos estágios na escalada de seu desenvolvimento e (iii) a imagem negativa, da qual a ZFM tem dificuldade de desassociar-se, vinculada a "contrabando" e "fábricas de apertar parafusos", que préestabelece uma posição desfavorável em qualquer fórum em que apresente suas reivindicações. A singular reunião de episódios aqui descrita, pelo menos em se tratando de um projeto concebido para funcionar como uma zona franca, auxilia na caracterização da complexidade que está intrinsecamente ligada ao caminho trilhado pelo modelo e, por conseqüência, das dificuldades de sua gestão. À margem da formulação de qualquer juízo de valor associado ao conjunto dos resultados alcançados pelo modelo, interessa aqui refletir que as dificuldades enfrentadas decerto demandaram da região a criação e o desenvolvimento de determinadas competências que, em diferentes graus, foram sendo incorporadas por seus diversos agentes, públicos e privados, com o passar dos anos. 19 A Suframa, na qualidade de principal gestora do projeto, pode ser considerada como um exemplo para aquela assertiva. Na visão de alguns de seus componentes, a instituição superou seu papel de administrar incentivos, incorporando, em um primeiro momento, a função de promoção de investimentos e, mais recentemente, empreendeu esforços em direção ao comércio internacional e à dimensão tecnológica, esta última materializada na criação, em sua estrutura, de uma unidade organizacional especificamente dedicada a esse fim (BOTELHO, 2004). O encontro das pressões ambientais com a evolução na capacidade gestora talvez tenha sido o combustível que motivou a Suframa a inserir, dentre as ações inscritas no Plano Plurianual 2000/2003 do Governo Federal, o Programa Pólo Industrial de Manaus (PIM), um momento que pode ser entendido como de quase "rebatismo" da Zona Franca de Manaus. A importância já reconhecida da atividade industrial assume, então, novos contornos. À parte é conferido o status do todo, e PIM passa a ser livremente utilizado como um quase-sinônimo para ZFM, este último reservado a partir de então a documentos oficiais. Na interlocução com a sociedade em geral, de forma sistemática e crescente, a autarquia utiliza a expressão Pólo Industrial de Manaus, um esforço para o qual convida o setor privado, e é correspondida. Uma leitura possível para essa postura aparentemente libertadora ressalta que o esforço empreendido para fazer prevalecer a nova denominação comunica, ao mesmo tempo, e por vias paralelas, pelo menos dois importantes fatos: (i) o reconhecimento do desgaste histórico, pelos motivos já elencados anteriormente, amealhado pela "marca" Zona Franca de Manaus e (ii) um salto qualitativo alcançado pela atividade industrial, já que a partir de então passa a ser conjunta e definitivamente rotulada como Pólo. Em relação ao desgaste histórico, a Suframa e o próprio governo estadual anteriormente já haviam liderado iniciativas para a reversão dessa imagem. Campanhas institucionais divulgadas em jornais de grande circulação do Sudeste e em redes nacionais de televisão, além de diversas feiras promocionais dos produtos fabricados em Manaus, várias delas realizadas em outros estados, procuravam esclarecer sobre a realidade local, em contraposição à concepção interpretada como dominante na sociedade brasileira, correspondente a fábricas com processos produtivos elementares – quando existentes – e limitada agregação de valor. O selo "Produzido na Zona Franca de Manaus" que, por força de Portaria da Suframa, era postado na embalagem de todos os 20 produtos ali fabricados desde o início da década de 80, foi igualmente substituído pela nova mensagem "Produzido no Pólo Industrial de Manaus". Mas é o segundo fato comunicado por essa mudança – o salto qualitativo da atividade industrial – que está associado à inquietação que atua como elemento motivador para este trabalho de pesquisa. A par da experiência singular relacionada à implantação do projeto Zona Franca de Manaus, e da riqueza de sua trajetória, o próprio ambiente em que esta se insere talvez tenha sido um fator limitante para que, com o passar dos anos, estivesse disponível uma maior quantidade de estudos relacionados às diversas dimensões de sua dinâmica, de modo a aprofundar a compreensão de suas fragilidades e potencialidades. A sensação de que ocorreu uma determinada evolução deve ser enriquecida por estudos cuja contribuição seja ampliada e compartilhada com aqueles que, profissional ou socialmente, sentem sua responsabilidade diretamente imbricada à realidade do modelo. Sob que delimitações este trabalho pretende contribuir para uma maior compreensão da atividade industrial em Manaus, considerando sua importância para a economia do Amazonas e a necessidade de identificar e implementar caminhos sustentáveis para o desenvolvimento regional, em um ambiente de incentivos fiscais com prazo determinado, é o escopo do que será apresentado no Capítulo II, a seguir. 21 II. CARACTERIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E DOS ELEMENTOS DA PESQUISA. A pujança econômica refletida nos números da atividade industrial da Zona Franca de Manaus – ZFM, apresentados em conjunto com uma síntese da evolução do ambiente local, no Capítulo I deste trabalho, deve ter seu significado avaliado com cautela. Conforme discutido, ela não se constitui, isoladamente, em condição suficiente para a sustentabilidade futura de uma indústria local, especialmente quando se considera sua relação de estreita dependência dos incentivos fiscais. Embora não seja possível antecipar com absoluta certeza, é bastante razoável supor que, no caso de descontinuidade dos incentivos, a conseqüente elevação dos custos de produção, aliada à desvantagem da grande distância dos principais mercados consumidores, em grande medida provocariam o deslocamento de fabricantes para outros centros industriais no país ou exterior. Mas essa talvez seja uma visão simplista. Sob outra perspectiva, esse mesmo tamanho da atividade econômica pode se constituir em uma robusta plataforma para a estruturação das próximas etapas de uma política que, capitaneada pelas esferas governamentais, tenha por eixo condutor a sustentabilidade. Uma tal pré-condição pode ser encontrada quando se reúnem a um só tempo elementos como a existência de vários subsetores da atividade econômica; um conjunto de experiências acumuladas nas esferas pública e privada; a diversidade institucional caracterizada na presença de distintos agentes econômicos atuando; a disponibilidade de recursos públicos arrecadados a partir do funcionamento da própria atividade produtiva já existente; e, talvez como uma conseqüência dessa estrutura social, uma postura que pode ser preliminarmente traduzida como uma crescente maturidade da sociedade local, revelada pela demonstração de sua maior capacidade de mobilização. Conforme discutido, a experiência da ZFM é peculiar, única, construída tendo como ponto de partida um ambiente associado a uma cultura industrial local mínima, e em que se sucederam intervenções e pressões externas de diferentes naturezas que, mais importante que delimitarem a trajetória de seu desempenho, representam um acúmulo de competências ainda não apropriadamente avaliadas. Lidar com os episódios de crise e as oportunidades de crescimento que se apresentaram nestas pouco mais de três décadas de efetiva existência de uma indústria incentivada transformou – em maior ou menor intensidade – o ambiente local. De uma 22 certa forma seria equivocado, portanto, considerar que o estado atual do ambiente industrial local guarda proximidade com aquele correspondente ao momento em que foi iniciada a implantação do modelo. A compreensão das fragilidades e limitações de um crescimento econômico baseado em incentivos fiscais, segundo as características do modelo que foi implementado, e especialmente das eventuais evoluções alcançadas, é uma tarefa que para ser adequadamente realizada necessita contabilizar a experiência acumulada na região (ou, de uma forma reducionista, pelo menos na cidade de Manaus) no desenrolar deste processo. É uma condição recomendável para a abordagem, em uma perspectiva mais ampla, da transformação conceitual da ZFM em PIM (Pólo Industrial de Manaus), e da existência ou não de elementos que dêem suporte a essa postura e possam se transformar na base para as demandas futuras da sociedade para com o modelo. Como uma conseqüência imediata, sobressai a necessidade de ser aprofundada a compreensão da dinâmica da atividade industrial na ZFM e do seu nível de consistência em relação a uma desejável independência crescente dos incentivos fiscais, para a qual existe um amplo espaço de contribuição reservado à natureza e intensidade das relações entre os agentes socioeconômicos locais. II.1. A TEMÁTICA DA CAPACITAÇÃO LOCAL NA LITERATURA RECENTE RELATIVA À ATIVIDADE INDUSTRIAL DA ZONA FRANCA DE MANAUS. Mesmo a despeito do rico laboratório que representa, e de sua importância para a economia local, ainda pode ser considerado pequeno o acervo de estudos críticos que tenham como objeto central o modelo incentivado da Zona Franca de Manaus. As primeiras reflexões, provavelmente estimuladas pelos desafios iniciais enfrentados pela ZFM, ocorreram ainda na década de 704. A maioria contou com a contribuição de profissionais externos à região, mesmo quando a coordenação do trabalho era local, uma característica que, embora por si só não tenha conotação negativa, constata que, naquele momento, a dependência de capital intelectual externo, oriundo ou radicado em outras regiões, não se configurava apenas na ocupação dos cargos técnicos e gerenciais no ambiente fabril. 4 A natureza desta pesquisa limita os comentários da seção às contribuições mais recentes. Argumentos e pontos de vista apresentados em avaliações pioneiras podem ser encontrados em SÁ (1978; 1984), ANCIÃES (1980), BENCHIMOL (1980), RAMOS (1983) e BENCHIMOL (1988). 23 Embora observações sobre a fragilidade do modelo já fossem apresentadas nesses trabalhos pioneiros, a compreensão de sua dinâmica, em um nível que permita uma ação de política efetiva, é uma perspectiva ainda tratada de forma insuficiente, até a presente data. A quantidade de estudos mais aprofundados, que ultrapassem a dimensão genérica das condições macroeconômicas ou das repercussões sociais do modelo, e sejam capazes de orientar a implementação de ações em direção à sustentabilidade, historicamente tem recebido menor atenção da sociedade que os esforços políticos empreendidos para manter a continuidade do modelo a partir da mera prorrogação de incentivos. Desde essas primeiras avaliações, as críticas ressaltam como um elemento negativo relevante o frágil enraizamento (ou inserção) local da indústria incentivada, suportadas pela lícita argumentação de que os empreendimentos são constituídos a partir de capital e tecnologia exógenos, nos quais a utilização de produtos regionais é marginal. Esta configuração caracterizaria uma alta volatilidade para o conjunto da indústria, ou seja, na ausência do incentivo, a indústria local teria pouca motivação para continuar existindo. Por outro lado, seria irreal imaginar que o quadro atual é o mesmo daqueles momentos iniciais, e que nenhum avanço foi obtido durante o período de existência da ZFM. A crítica responsável, para ser consistente, deve estar refinada pela contabilização da própria experiência acumulada com a implantação do modelo. Identificar o grau desse avanço, aprofundando a compreensão da formação de uma possível identidade local para a indústria, ao mesmo tempo em que se apresenta como um desafio, torna-se uma etapa fundamental para entender e acelerar o grau de enraizamento. Essa é uma perspectiva de contribuir para a ampliação do desenvolvimento local que apenas agora começa a ser explorada com o nível de profundidade que as circunstâncias requerem. A necessidade de se buscar uma capacitação endógena é um dos elementos recorrentes na produção intelectual de BOTELHO (1996, 2001, 2004) que, há duas décadas compondo o quadro técnico da Suframa, é um dos poucos que compartilha, de forma mais ampla, e com alguma continuidade, suas observações reflexivas sobre – principalmente – os "desencontros" do modelo. 24 Na contribuição desse autor é possível observar com determinada freqüência a associação do modelo ao conceito de economia de enclave5, caracterizando a atividade industrial da ZFM por sua impulsão a partir de fatores exógenos, dentre os quais destaca capital e tecnologia. Atraídos por vantagens competitivas que denomina estáticas, esses fatores conformariam um ambiente em que o lucro retorna aos donos do capital, com poucos benefícios gerados localmente, uma vez que sua maioria é de residentes em outras regiões. Como reflexo associado a essa condição, destaca ainda que, no âmbito da competência instalada em Manaus, existiria uma assimetria entre o conhecimento utilizado pelas empresas incentivadas e aquele dominado pela academia local (BOTELHO, 2001 e 2004, especialmente às p. 110-1), o que certamente seria um elemento restritivo importante para o fortalecimento das relações da indústria com o ambiente em que fisicamente se insere. Especialização industrial e interiorização do desenvolvimento são dois dos elementos mais freqüentemente abordados na contribuição desse autor. O primeiro, a especialização, é uma expectativa já apresentada pelos pioneiros estudos avaliativos da ZFM, realizados sob demanda da própria Suframa, e que acabaram por resultar na criação dos chamados "Pólos", que orientaram a sua atuação na atração de novas empresas, privilegiando subsetores específicos (eletroeletrônico, duas rodas, ótico e relojoeiro), o que de uma certa forma constituiu-se, na prática, em um instrumento de política industrial; o segundo elemento, a interiorização do desenvolvimento, é defendido a partir da desconcentração espacial dos empreendimentos implantados – historicamente centrados na cidade de Manaus – e que, se construído a partir de empreendedores locais, calcado no fortalecimento de uma indústria que utilize a matéria-prima e o potencial regional, funcionaria como um pilar para o desenvolvimento endógeno, em bases sustentáveis (BOTELHO, 1996, especialmente às p. 91-2 e 142-4). Alicerçado em experiência acumulada a partir do exercício de funções de relevo na própria Suframa, além de uma participação contínua na academia local, outro autor que recentemente registrou em parte essa percepção é SALAZAR (2004). Abordando o desenvolvimento a partir de elementos de suas dimensões social e econômica, seu trabalho ressalta a importância da atividade industrial incentivada de Manaus para a 5 Sempre desempenhando um papel de contraponto à tendência do discurso de pleno êxito do modelo, trazendo à discussão principalmente os seus efeitos negativos, em sua mais recente contribuição o autor 25 Amazônia Ocidental, mas inclui a visão pessoal, oferecendo alternativas para a perspectiva de contornar os problemas apresentados pelo condicionamento do desenvolvimento aos incentivos fiscais. Em mais de um momento, esse autor também aborda a distorção da não retenção local de significativa parcela da renda gerada com a atividade industrial, ressaltando inexistirem mecanismos que estimulem – ou até obriguem – o reinvestimento, na própria região, dos lucros oriundos da atividade incentivada, categorizando essa característica como um dos maiores entraves ao êxito do projeto ZFM (SALAZAR, 2004, p. 304 e 354). O reinvestimento local dos lucros, portanto, seria uma alternativa para aprofundar o que denomina de integração produtiva – ou enraizamento – que, sugere, poderia ser obtido a partir da criação de um fundo especial, autônomo, parcialmente capitalizado com recursos do setor privado incentivado, destinado a apoiar programas e projetos regionais. Na síntese de sua contribuição, o autor enuncia o que considera as premissas para uma nova política para a atividade industrial de Manaus (SALAZAR, p. 349-51): definição e criação de clusters sinérgicos para o fortalecimento da cadeia produtiva local; desenvolvimento de recursos humanos e promoção de pesquisa para o domínio de tecnologias avançadas como fator de atração de novos investimentos; elaboração de políticas e ordenamento de incentivos para a realização de investimentos na implantação de um pólo de componentes; fortalecimento e ampliação do papel da Suframa. Com base nessas premissas, propõe um programa de consolidação que contribua para o desenvolvimento sustentável, a partir do estabelecimento das seguintes prioridades: 1) fortalecimento das exportações com base na modernização da infra-estrutura; 2) incentivo à agroindústria da soja, complementada por uma política de exploração de minerais; 3) criação de um pólo petroquímico a partir do petróleo e gás natural; 4) fortalecimento das instituições de pesquisa e dos centros regionais de ciência e tecnologia nos campos da biotecnologia, microeletrônica e da inovação tecnológica industrial (SALAZAR, 354-8). A inovação tecnológica como conseqüência do estabelecimento de uma capacitação local, citada dentre as prioridades propostas por esse autor, é um tema que apenas recentemente vem ganhando relevância na agenda pública, a partir de uma maior disseminação do conceito por entre algumas instituições governamentais – Suframa e a admite que o projeto ZFM tem se tornado cada vez menos um modelo de enclave, citando exemplos do que considera avanços, para assim defender a evolução de seu ponto de vista (BOTELHO, 2004, p. 110). 26 recém criada Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas, especialmente – bem como em instituições de ensino e pesquisa. Um exemplo dessa importância é uma demanda estabelecida por organizações locais6 que resultou na realização de um estudo sobre as competências tecnológicas da indústria instalada em Manaus. ARIFFIN e FIGUEIREDO (2003) conduziram pesquisa para avaliar o estabelecimento de competências técnicas, organizacionais e gerenciais nessa indústria, considerando ser esse um pressuposto para a inovação contínua de produtos e serviços, uma capacidade essencial para a competitividade de uma empresa. Nesse estudo, os autores realizam uma comparação entre as indústrias eletrônicas instaladas em Manaus e na Malásia, procurando centrar a análise a partir do enfoque de economias emergentes, nas quais é relativamente comum que um negócio local inicie tendo por base uma tecnologia adquirida de empresas originárias de outros países. No referido estudo, o progresso, em termos de desenvolvimento tecnológico, é avaliado segundo (i) a evolução da capacidade tecnológica rotineira em direção a níveis progressivamente mais elevados de capacidade criativa e inovadora, e (ii) a evolução, na fabricação, em direção a produtos cada vez mais complexos e de maior valor. A partir de referências da literatura especializada no campo da inovação, os autores elaboram uma estrutura de mensuração baseada em uma matriz bidimensional, na qual está apresentada uma tipologia classificando os diferentes níveis e tipos de capacidade tecnológica, configurando um modelo desenvolvido sob medida para a indústria eletrônica (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p. 70-2). Na referida matriz, a capacidade de cada empresa, segundo a dimensão tipo, é avaliada a partir de sua decomposição em competências, classificadas em quatro grandes grupos, que correspondem a: (1) gestão de projetos, (2) equipamento, ferramentaria, prensagem em metal, moldagem em plástico, (3) processos e organização da produção e (4) produtos. Para cada um desses grupos é relacionado um universo de possíveis capacidades para as quais, em função da pesquisa de campo realizada, foi identificada, individualmente, nas empresas da amostra, a presença ou ausência de cada uma dessas capacidades. Por exemplo, no grupo "produtos" estão relacionadas mais de 25 diferentes capacidades, que evoluem da inspeção de qualidade de entrada, abrangem o design de novos produtos e, no "limite" do que seria a capacitação para esse grupo, 6 O estudo foi apoiado pelas seguintes instituições: Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Fundação Centro de Análise, Pesquisa e 27 avançam até a execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento em novos materiais. Na dimensão nível da matriz estão apresentados os diferentes níveis de capacidade passíveis de serem alcançados pelas empresas, variando entre as seguintes categorias: aquelas que dominam apenas operações básicas (subdivididas nos níveis 1 e 2), as que avançam até a inovação básica (nível 3), as que alcançam a inovação intermediária (nível 4) e as mais evoluídas, com capacidade para realizar inovação avançada (nível 5) ou, no topo da pirâmide, que apresentam capacidade inovadora baseada em pesquisa (nível 6). A identificação da existência de determinado conjunto de práticas, em cada um dos grupos da dimensão tipo, permite a classificação do estágio mais adequado em que se encontra a empresa, segundo a dimensão nível. Essa decomposição é útil na compreensão e inferência sobre os diferentes estágios evolutivos intermediários alcançados pela indústria, contribuindo na avaliação de como as empresas se deslocam entre as várias categorias de atividade inovadora, conformando a sua trajetória de construção de competências tecnológicas. Em termos de países e regiões em desenvolvimento, é uma abordagem que apresenta evidentes vantagens frente à forma tradicional de identificar a existência de uma competência, tomando-se como referência, por exemplo, a avaliação realizada a partir do número de patentes obtidas, que induz à confrontação dicotômica. Como principal conclusão do estudo, foi identificado o desenvolvimento de capacidade tecnológica inovadora em 93% das 29 empresas da amostra, sendo que, dentre estas, 24% situaram-se no nível de capacidade tecnológica classificada como de inovação avançada (nível 5). Empresas situadas neste nível têm capacidade para ir além de usar e operar tecnologias existentes, podendo gerar e administrar mudanças tecnológicas. Em contrapartida, apenas 7% permaneceram limitadas às operações básicas, mesmo assim situadas no nível 2 (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p. 87). Segundo os autores, o resultado do estudo oferece evidências que sugerem que a internacionalização – ou disseminação – de competências tecnológicas tem ocorrido na indústria eletrônica em Manaus. De uma certa forma, isto fortalece a argumentação quanto ao aprendizado que vem sendo alcançado pela indústria local. Inovação Tecnológica (Fucapi) e Instituto Superior de Administração e Economia do Amazonas (Isae/FGV). 28 O trabalho também inclui uma avaliação da natureza de como se dá o processo de aprendizagem nas empresas estudadas. Nesse caso, os autores decompõem os mecanismos de aprendizado em duas categorias, interorganizacionais e intraorganizacionais. Para o caso do aprendizado interorganizacional, concluem que mais de 90% das empresas da amostra mantêm vínculos para produção (passagem gradual de produtos simples para produtos mais complexos) e inovação (desenvolvimento de atividades tecnológicas cada vez mais complexas) (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p. 120); no aprendizado intra-organizacional, os processos para desenvolvimento de suas próprias capacidades tecnológicas foram avaliados segundo os aspectos variedade, intensidade e funcionamento, deixando transparecer, com base em elementos qualitativos, uma evolução ampla alcançada nos indicadores, quando confrontado o desempenho nos anos 1980 com o correspondente nos anos 1990 (ARIFFIN e FIGUEIREDO, 2003, p. 125-8). Portanto, os trabalhos aqui comentados, se colocados na sucessão histórica de sua realização, ao serem comparados com os estudos pioneiros sobre o modelo ZFM, sinalizam um aprofundamento no conteúdo das contribuições, caracterizando uma maior preocupação com o estabelecimento de uma capacitação local que possa dar sustentação a um processo de desenvolvimento continuado. A discussão ao redor dessa temática, além de apresentar um potencial significativo para avançar na compreensão da dinâmica da atividade industrial incentivada, acrescenta novos elementos que estimulam a participação de um maior número de pesquisadores e estudiosos em geral. II.2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA. II.2.1. A ESCOLHA DE UM SUBCONJUNTO PARA ANÁLISE. Conforme abordado, em anos recentes, no processo de desenvolvimento local da cidade de Manaus, o conceito Zona Franca cede espaço à terminologia Pólo Industrial. A mudança descortina o amplo e rico laboratório que o modelo representa, ensejando a realização de estudos que aprofundem a compreensão de sua dinâmica. Essa é uma perspectiva particularmente favorável no que diz respeito à atividade industrial incentivada, que praticamente corresponde ao próprio universo representado pelo conjunto da indústria no Amazonas, e que por sua vez é responsável por 61% da composição do PIB do estado (ver Gráfico I.2). Tamanha representatividade justifica a expansão das reflexões relativas ao nível de inserção dessa indústria, considerando que 29 sejam capazes de contribuir para a estruturação de políticas públicas voltadas ao interesse de ampliar, de modo fundamentado, a sustentabilidade do desenvolvimento econômico, o que inclui o tratamento de toda a complexidade associada à ambição pela progressiva independência dos incentivos fiscais. Conforme visto na seção anterior, os estudos mais recentes sobre a atividade econômica local iniciam um aprofundamento da discussão sobre a evolução da indústria ao introduzir temáticas como a identificação de competências tecnológicas já estabelecidas, a prática da inovação e a natureza do aprendizado inter e intraorganizacional. Tendo como premissa a importância dessas questões frente à sustentabilidade, este trabalho de pesquisa insere-se no esforço de ampliar a discussão, procurando oferecer novos elementos que caracterizem a dinâmica das empresas, de modo a auxiliar na construção de uma agenda de interesse social que discuta um modelo futuro de desenvolvimento. Apresentado o contexto, em sua forma mais ampla, cabe estabelecer os limites associados ao desafio, inclusive no que diz respeito ao universo das empresas abrangidas, considerando a complexidade que seria tratar toda a indústria incentivada. As Tabelas II.1 a II.5 apresentam os dados que justificam a opção realizada quando da escolha do conjunto para análise. A Tabela II.1 reproduz os dados de faturamento global da atividade industrial incentivada em Manaus, nos últimos cinco anos, discriminando os dois maiores subsetores. Em resumo, os dados confirmam a importância econômica dos subsetores TABELA II.1 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS FATURAMENTO ANUAL DOS PRINCIPAIS SUBSETORES Valores em US$ milhões correntes PIM Eletroeletrônico Duas Rodas Ano (C = 100%) A A/C (%) B B/C (%) 1999 3.948,4 54,7 1.070,9 14,8 7.216,7 2000 5.944,5 57,2 1.579,4 15,2 10.392,6 2001 4.917,5 53,9 1.554,7 17,0 9.130,8 2002 4.865,5 53,4 1.325,8 14,6 9.104,7 2003 5.812,1 55,2 1.848,8 17,6 10.531,2 Total 25.488,0 55,0 7.379,6 15,9 46.376,0 Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a) 30 Eletroeletrônico e Duas Rodas que, conjuntamente, foram responsáveis por 70,9% do faturamento global da indústria incentivada, no correspondente ao acumulado do período 1999-2003. Um número igualmente significativo é observado quando se avalia a participação desses subsetores na mão-de-obra total empregada (Tabela II.2). A representatividade conjunta correspondeu a 61,6% da média mensal de empregos gerados no PIM em 2003 e 63,9% da massa salarial; se considerados os encargos e benefícios proporcionados aos trabalhadores, este número é ainda um pouco maior, alcançando 65,5% do total. TABELA II.2 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS MÃO-DE-OBRA, SALÁRIOS E DISPÊNDIOS EM 2003 Eletroeletrônico Duas Rodas Mão-deobra* (A) 26.686 8.548 PIM 57.159 Subsetor Salário Mensal (US$ 103 correntes) (B) (B/A) 8.127,5 304,56 3.032,4 354,75 17.451,6 Dispêndios Mensais** (US$ 103 correntes) (C) (C/A) 17.887,1 670,28 8.065,2 943,52 305,32 39.621,5 693,18 Fonte: Elaborada pelo autor, com base em SUFRAMA (2004a) * Média mensal, excetuando mão-de-obra terceirizada e temporária ** Inclui, além de salários, encargos e benefícios A dimensão da participação relativa desses dois subsetores motivou a sua seleção para a base do estudo. O nível de faturamento e o volume de empregos gerados, entretanto, não são os únicos elementos que justificam essa escolha. Alguns dados adicionais disponíveis apontam para importantes diferenças entre os dois subsetores, quando se tem como preocupação aprofundar a compreensão sobre o enraizamento da atividade produtiva, o que pode ser comentado a partir do conteúdo das tabelas e do gráfico seguintes. A Tabela II.3 apresenta os valores agregados das compras e vendas realizadas pelo conjunto da atividade industrial incentivada, no PIM, nos últimos 5 anos, de acordo com a origem geográfica das transações (compras dos insumos ou faturamento com as vendas). Nessa e nas tabelas seguintes, de acordo com terminologia utilizada pela Suframa, 'Regional' é o espaço geográfico correspondente à Amazônia Ocidental, 'Nacional' abrange as transações ocorridas com os demais estados do território brasileiro (afora os que compõem a Amazônia Ocidental) e 'Exterior' reúne os valores correspondentes a transações efetuadas com outros países. 31 A estratificação do dado por região geográfica é possível porque existem mecanismos de controle informatizados, implementados pela Suframa, a partir dos quais a autarquia monitora a entrada e saída de mercadorias incentivadas em toda a Amazônia Ocidental, o que compõe parte de suas responsabilidades na fiscalização das operações industriais. TABELA II.3 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS AQUISIÇÃO DE INSUMOS E FATURAMENTO, POR ORIGEM Valores em US$ milhões correntes Aquisição de Insumos Faturamento Ano Regional Nacional Exterior Total Regional Nacional Exterior Total (A) (B) (C) (A+B+C) (D) (E) (F) (D+E+F) 1999 811 938 2.141 3.890 1.111 5.729 375 7.215 2000 1.249 1.221 3.025 5.495 1.800 7.850 741 10.391 2001 1.215 1.041 2.701 4.957 1.682 6.619 829 9.130 2002 1.372 990 2.583 4.945 1.610 6.468 1.025 9.103 2003 1.777 1.076 3.223 6.076 1.909 7.396 1.224 10.529 Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a) Segundo os dados disponíveis, a origem Regional dos insumos adquiridos por todo o PIM iniciou com uma participação relativa de 20,8% das compras totais, em 1999, evoluindo até 29,2% em 2003, o que representa mais que o dobro, considerando os valores absolutos correntes, do número inicial. A origem Regional de insumos parte de uma posição inferior para superar, durante o período observado, as compras de origem Nacional, uma diferença que, na comparação direta, em 2003, é superior a 65%. As compras de origem Nacional regrediram de 24,1% para 17,7% do total de aquisições, no período observado. As compras no exterior apresentam participação percentual com alteração pouco significativa nos 5 anos, alcançando uma média de 53,9% das compras totais, e demonstrando uma grande dependência da indústria incentivada em relação a insumos de origem externa. Isto dá margem à interpretação de que houve um relativo deslocamento das compras globais do PIM, da origem Nacional para a Regional, o que corresponderia a um maior número de interações locais, com possíveis repercussões na dinâmica do ambiente industrial. Por outro lado, ainda na Tabela II.3, a avaliação da dimensão do faturamento indica um menor avanço na importância relativa da região como mercado para os produtos do PIM. A evolução da participação do faturamento Regional, inicialmente situada em 15,4% (1999), atinge 18,1% em 2003. No caso do Faturamento, o número 32 mais significativo corresponde ao aumento das vendas para o mercado externo, em nível equivalente a 226,4% no período, um dado que reflete ações de fomento às exportações que vêm sendo implementadas pela Suframa em anos recentes. As Tabelas II.4 e II.5, com estrutura similar à Tabela II.3, ressaltam os dados correspondentes aos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas, respectivamente. Na avaliação comparativa dos dados apresentados nessas duas tabelas é possível encontrar argumento adicional para justificar a escolha desses dois subsetores para a realização da pesquisa. TABELA II.4 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS SUBSETOR ELETROELETRÔNICO – AQUISIÇÃO DE INSUMOS E FATURAMENTO, POR ORIGEM Valores em US$ milhões correntes Aquisição de Insumos Faturamento Ano Regional Nacional Exterior Total Regional Nacional Exterior Total (A) (B) (C) (A+B+C) (D) (E) (F) (D+E+F) 1999 382 472 1.521 2.375 446 3.372 129 3.947 2000 696 586 2.238 3.520 890 4.746 307 5.943 2001 665 456 1.909 3.030 763 3.681 472 4.916 2002 748 355 1.857 2.960 587 3.510 767 4.864 2003 948 270 2.435 3.653 727 4.208 875 5.810 Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a) Embora com um crescimento significativo de 148% para o período, o subsetor Eletroeletrônico apresenta um volume de apenas 22,1% de compras regionais, em relação ao total de compras realizado pelo subsetor (Tabela II.4), um valor relativo inferior ao desempenho agregado do PIM; o mesmo indicador, para o subsetor Duas Rodas, corresponde a 45,4% (Tabela II.5). Em termos comparativos, isto significa que as compras regionais têm o dobro de representatividade relativa, em favor do subsetor Duas Rodas, quando seu desempenho é confrontado com o do Eletroeletrônico. Embora situado em patamar inferior, o faturamento com a venda de produtos para o mercado regional apresenta também um quadro com características similares, com vantagem em favor do subsetor Duas Rodas: 23,8%, no período, contra 13,4% para o subsetor Eletroeletrônico. Mas se o faturamento é dependente do tamanho do mercado, e o mercado do PIM, conforme exposto, está em grande parte localizado na região sudeste do País, a importância comparativa das compras locais ganha destaque. Os números percentuais apresentados pelos dois subsetores sugerem uma diferença na intensidade das relações 33 locais e, supostamente, do comportamento de seus agentes, o que potencializa distinções na intensidade da inserção local. TABELA II.5 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS SUBSETOR DUAS RODAS – AQUISIÇÃO DE INSUMOS E FATURAMENTO, POR ORIGEM Valores em US$ milhões correntes Aquisição de Insumos Faturamento Ano Regional Nacional Exterior Total Regional Nacional Exterior Total (A) (B) (C) (A+B+C) (D) (E) (F) (D+E+F) 1999 321 204 193 718 289 737 44 1.070 2000 411 272 309 992 380 1.132 66 1.578 2001 434 283 272 989 399 1.080 74 1.553 2002 472 281 239 992 165 1.069 91 1.325 2003 594 346 284 1.224 525 1.184 138 1.847 Fonte: Elaborada pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a) A evolução dos últimos 5 anos para esse dado está comparada no Gráfico II.1, que resume o ponto relevante identificado na diferença de comportamento entre os dois subsetores privilegiados, e é capaz de creditar ao Duas Rodas um maior nível de integração local da atividade produtiva. GRÁFICO II.1 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS INSUMOS DE ORIGEM REGIONAL NAS AQUISIÇÕES TOTAIS % 55,0 45,0 35,0 25,0 15,0 1999 2000 2001 2002 2003 PIM 20,8 22,7 24,5 27,7 29,2 Eletroeletrônico 16,1 19,8 21,9 25,3 26,0 Duas Rodas 44,7 41,4 43,9 47,6 48,5 Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de SUFRAMA (2004a) Aprofundar a compreensão das semelhanças e diferenças relativas às dinâmicas que caracterizam esses dois subsetores, é uma forma de contribuir para o debate de questões relacionadas à capacidade e enraizamento do próprio PIM. 34 É evidente que a intensificação dos negócios realizados em um nível regional pressupõe uma série de fatores que contribuem para uma maior inserção da indústria local e, de modo associado, para a possibilidade de aceleração do aprendizado e da capacitação. De forma mais geral, pode ser dito que as capacitações técnica e gerencial – incluindo um incremento na autonomia para decidir – tendem a ser ampliadas na medida em que aumenta a intensidade das transações locais. Um maior nível de compras de insumos só é possível se existirem fornecedores instalados; esses fornecedores, em função do porte e exigências de desempenho demandadas por seus clientes – vários deles empresas transnacionais – necessitam atender a especificações e padrões de trabalho internacionais; isto leva à necessidade de adotar, em seus procedimentos operacionais, práticas de classe mundial, com o conseqüente desenvolvimento de mão-de-obra com maior nível de especialização; com isso, as empresas envolvidas tenderiam a ampliar seu aprendizado, à medida de sua inserção nas cadeias globais de manufatura. Resumindo, há uma potencial influência do volume de transações regionais (aqui representado através do somatório das aquisições e faturamento regionais comparado ao somatório total das aquisições e faturamento) na dinâmica das relações locais, com capacidade de causar, a partir da integração da atividade produtiva, uma repercussão positiva pelo estabelecimento de maiores níveis de capacitação e aprendizado. As interações entre os agentes, por sua vez, representam um elemento importante para a capacidade competitiva em bases endógenas, um indicador da sustentabilidade da atividade econômica de natureza industrial. A variedade e a intensidade das interações podem ser determinantes para o avanço do aprendizado local, o que justifica o aprofundamento na análise do seu comportamento, nos dois subsetores principais. A investigação para a compreensão da dinâmica das interações locais entre os agentes desses dois subsetores, procurando explicitar suas semelhanças e diferenças é, portanto, o ponto de partida para a delimitação do trabalho de pesquisa. Como o interesse está voltado para a avaliação de um ambiente propício ao desenvolvimento sustentável, a partir do aprendizado possível de ser ampliado pela integração local da atividade produtiva, a perspectiva adotada é a das interações que tenham como característica uma relação cooperativa. 35 A cooperação, como uma importante – e valorizada – forma de interação, portanto, é entendida como uma prática que potencializa a aceleração do aprendizado na atividade econômica de natureza industrial, justificando a investigação de sua existência (ou ausência). Entender o dinamismo da cooperação local, sua intensidade e natureza, amplia a perspectiva de compreensão da capacidade da indústria incentivada de Manaus em aprender e reagir, a partir de uma base autóctone, endógena, às pressões competitivas. II.2.2. OS ELEMENTOS DA PESQUISA. É desejável que a agenda do desenvolvimento regional, no que diz respeito ao futuro da atividade industrial, seja influenciada por projetos e programas que privilegiem a aceleração do aprendizado frente à perspectiva de limitação temporal dos incentivos fiscais. A capacitação, em suas diversas formas, necessária ao desenvolvimento sustentável, deve ser fomentada, e os gargalos para a sua ampliação, removidos. No caso deste trabalho de pesquisa, o ponto de partida está colocado: a Zona Franca, na perspectiva do desenvolvimento endógeno, a partir da robustez de seu desempenho econômico, passou a ser tratada pela denominação Pólo Industrial. Caso esta mudança esteja assentada em bases apropriadas, deveria corresponder a um maior enraizamento da atividade produtiva, o que permitiria identificar algum reflexo na natureza das relações entre os principais agentes que protagonizam esse desempenho econômico superior. Sendo a cooperação uma forma de interação cuja existência depende da construção de um ambiente local e do fortalecimento de relações de confiança, os esforços deste trabalho de pesquisa estão centrados no mapeamento e na comparação de seus diferentes tipos e da variabilidade de sua ocorrência, uma vez que configuram uma importante base para a compreensão da realidade focada. II.2.2.1. DAS QUESTÕES INICIAIS. O trabalho de pesquisa foi conduzido de modo a contribuir para responder às seguintes questões: "Existem interações cooperativas em nível significativo entre as empresas na atividade industrial de Manaus? Qual a sua intensidade e natureza? A partir de uma perspectiva evolutiva, é possível identificar uma trajetória para seu comportamento? Que implicações podem ser preliminarmente creditadas a essas 36 interações cooperativas – ou sua ausência – no que diz respeito à continuidade da atividade industrial, em um eventual futuro sem incentivos fiscais?". A cooperação, dependendo de sua natureza e intensidade, é aqui entendida como uma prática – não suficiente, evidentemente – que favorece e influencia o desenvolvimento de uma cultura própria para um ambiente local. Ao fortalecer uma identidade, o ambiente permite ser individualizado quando de sua exposição comparativa perante outros ambientes. Para que exista, a cooperação demanda o estabelecimento de um nível mínimo de confiança entre os agentes e, na medida em que esta se consolida, estimula o aprofundamento das relações entre eles, uma condição essencial ao pretendido enraizamento da atividade produtiva. Entender a perspectiva institucional da cooperação no PIM é uma tarefa que pode proporcionar uma maior compreensão da capacidade local para priorizar problemas, encaminhar soluções e compartilhar aprendizados, o que reforça as bases de competência para coletivamente reagir às pressões externas (inclusive as de natureza fiscal) que ameacem a sustentabilidade econômica. II.2.2.2. DOS OBJETIVOS ESTABELECIDOS. Portanto, para buscar respostas às questões apresentadas, estabeleceu-se o seguinte objetivo geral: "Identificar as formas de cooperação praticadas por empresas da aglomeração industrial de Manaus e suas possíveis implicações para uma dinâmica do aprendizado". A realização do objetivo principal será buscada por meio de seu desdobramento nos seguintes objetivos específicos: 1. Identificar as formas de cooperação praticadas pelas empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas da aglomeração industrial de Manaus; 2. Avaliar as formas de cooperação identificadas quanto à natureza e intensidade; 3. Identificar possíveis relações entre a prática local da cooperação (ou a ausência dela) e o estabelecimento de uma dinâmica do aprendizado. Considerando a problemática descrita, a seleção do conjunto de objetivos apresentados assenta-se na lógica da existência de relações causais entre sustentabilidade, competências (aprendizado), enraizamento, interações cooperativas, confiança etc. 37 Por outro lado, é importante ressaltar que não se pretende o estabelecimento de uma estrutura linear, unidirecional, para as relações causa-efeito entre esses diversos elementos. Não é difícil perceber que a complexidade das relações pode ir além, incluindo a possibilidade de influências recíprocas (cooperação aumentando a confiança, que por sua vez volta a estimular a cooperação, para citar apenas um exemplo). II.2.2.3. DA HIPÓTESE. Como hipótese de trabalho a ser testada, lança-se mão dos dados anteriormente apresentados, que permitem identificar diferenças entre os dois subsetores selecionados, quanto à intensidade das relações no mercado local, a partir da seguinte assertiva: "Embora em grande parte circunscritas em um mesmo espaço geográfico, em Manaus, empresas de diferentes subsetores da atividade industrial incentivada utilizam-se de intensidades e práticas de cooperação distintas, sugerindo a possibilidade de existência de diferentes dinâmicas de aprendizado, com implicações particulares para o enraizamento da atividade industrial". O arcabouço conceitual que permite o tratamento da problemática contida nos elementos da pesquisa, dando suporte ao trabalho de investigação, está apresentado no capítulo III, a seguir. 38 III. COOPERAÇÃO EM AGLOMERAÇÕES INDUSTRIAIS – UM INSTRUMENTAL ANALÍTICO. Modernamente entendida como um atributo associado a ambientes industriais mais evoluídos, considerando o seu potencial para impulsionar a capacidade competitiva, a cooperação é aqui apresentada como objeto central da pesquisa. Identificar a existência de cooperação na Zona Franca de Manaus (ZFM), sua tipologia e intensidade, é uma forma de aprofundar a discussão da inserção local da indústria incentivada que surgiu em conseqüência desse modelo de desenvolvimento. O gerenciamento de operações produtivas mais complexas e a maior agregação local de valor demandam uma maior inserção dos agentes produtivos no ambiente, fortalecendo o aparato institucional que, com base em relações de confiança e no estabelecimento de uma identidade própria, dá suporte e estimula o aprendizado e, em conseqüência, o potencial para desenvolver e aplicar o conhecimento, uma condição necessária à sustentação do desenvolvimento econômico no longo prazo. Caso a cooperação seja uma prática estabelecida em níveis significativos, isto amplia os argumentos que permitem entender a adoção do termo Pólo Industrial de Manaus (PIM) não apenas como uma aspiração ou um simples – ainda que importante – esforço de marketing. Mais que isto, refletiria uma base efetiva, real, sobre a qual poderia ser construído o desenvolvimento sustentável, na hipótese não improvável de um futuro sem incentivos fiscais. Por este motivo, a cooperação, considerando o contexto em que se insere este trabalho de pesquisa, não deve ser entendida como um fim em si mesma. Ao contrário, pode ser considerada um instrumento que, aliado a outros conceitos que lhe confiram sentido e propriedade, apresenta um maior espaço de contribuição para a descrição do ambiente local, ampliando as alternativas e oportunidades de intervenção que incluem – sem restringirem-se a – a formulação de políticas de interesse público. É com essa intenção que o aparato conceitual foi estruturado, tendo como ponto de partida a literatura que analisa o tema das aglomerações industriais, ressurgido com muita ênfase especialmente a partir da década de 1990, com a nova geografia econômica e, paralelamente, a impulsão tomada pelo conceito de cluster. Na vasta literatura associada ao tema, identificou-se o conceito de eficiência coletiva como uma alternativa que propicia uma forma objetiva de entender a dinâmica da cooperação em um cluster. 39 Além destes, e por peculiaridades do ambiente local em Manaus, algumas das quais já introduzidas nos capítulos iniciais, são ainda apresentadas referências complementares, relacionadas às questões de governança, confiança e inserção, que apresentam potencial de uso para a análise e reflexão posterior, neste mesmo trabalho, sobre os resultados e alguns de seus possíveis desdobramentos. Os autores e conceitos selecionados são apresentados no conteúdo exposto nas demais seções deste capítulo. III.1. CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES. Interpretar e, de alguma forma, interferir no crescimento e desenvolvimento econômicos de uma determinada região têm exigido um contínuo esforço de pesquisadores e formuladores de políticas públicas para gerar abordagens conceituais que sejam, por um lado, de cunho genérico, para serem aplicadas em diferentes realidades, permitindo análises comparativas que subsidiem a implementação de melhorias, mas ao mesmo tempo precisas o suficiente para capturarem características intrínsecas – e por vezes singulares – que justamente conferem identidade própria a uma realidade particular. Alcançar ambos os predicados não aparenta ser uma tarefa fácil. E os esforços para contemplá-los apontam para pelo menos duas tendências em estudos e pesquisas realizados com esse propósito: a crescente multidisciplinaridade das abordagens relacionadas à análise de uma determinada economia regional – que será tratada um pouco adiante, nesta mesma seção – e a valorização dos aspectos qualitativos a ela associados. Em relação a esta última – a maior importância que tem sido conferida aos aspectos qualitativos – é uma tendência apontada pelo menos desde a última década do século passado (ver MALECKI, 1991). E é a constatação desse fato que impõe a necessidade de se compreender, inicialmente, a distinção entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico. A análise comparativa entre crescimento e desenvolvimento é uma discussão freqüente na literatura que trata do desenvolvimento urbano e regional. Apesar disso, é comum que os teóricos limitem-se a apresentar um conjunto de elementos que descreva cada um dos dois fenômenos. Tarefa muito mais árdua – e rara – é arriscar-se a 40 explicitar conceitos que abranjam e integrem as idéias vigentes com grau de sucesso suficiente para sobrepujar a crítica e alcançar a aceitação. Crescimento econômico é algo comumente relacionado a números, aos aspectos quantitativos, enquanto desenvolvimento econômico tem sido atrelado à dimensão qualitativa, algo (às vezes até implicitamente) relacionado a mudanças estruturais. Embora, em termos de demanda por recursos, crescimento e desenvolvimento possam ser competidores no curto prazo, em casos bem sucedidos tendem a ser complementares quando se objetiva o longo prazo. O crescimento é apresentado como uma condição essencial, embora insuficiente, para o desenvolvimento. Isto se justifica pelo fato de que, se mal manejado, poderá não resultar em inclusão social (HADDAD, 2001). Quando adequadamente incorporados seus resultados, o crescimento econômico pode gerar os recursos necessários à promoção do desenvolvimento que, por sua vez, proporciona novas estruturas técnicas, organizacionais, comportamentais ou legais que facilitam o crescimento (MALIZIA e FESER, 1999, p. 21). É uma relação de estímulo de via dupla. Resumindo, o crescimento incrementa os resultados, mobilizando mais recursos e utilizando-os de forma mais produtiva; o desenvolvimento muda a combinação dos resultados, empregando recursos locais para proporcionar diferentes tipos de trabalho (MALIZIA e FESER, op. cit.). Outra distinção presente na literatura especializada é a que associa o termo crescimento a economias e regiões ricas – uma vez que essas já seriam "desenvolvidas" – e desenvolvimento a países e regiões pobres. Esse conjunto de característicos é apropriado – e suficiente – para expressar o significado que se quer conferir ao termo desenvolvimento econômico no escopo deste trabalho, em que se busca observar a presença (ou ausência) de fatores relacionados a mudanças estruturais na realidade econômica da indústria incentivada em Manaus. Apensos ao substantivo desenvolvimento, também têm sido utilizados neste texto alguns adjetivos que merecem igual atenção. Local refere-se a um espaço geográfico que, embora nem sempre explicitamente determinado, facilita as interações face a face em conseqüência das distâncias limitadas, e cujos agentes nele circunscritos apresentam uma ou mais características comuns que auxiliam na composição de sua identidade. Na maioria das vezes, quando diretamente relacionado à problemática da pesquisa, diz respeito ao ambiente industrial de Manaus. 41 Quando esta segunda situação ocorre, procurou-se fazer com que o próprio contexto em que se insere permita a interpretação deste sentido. Como regra geral, Regional é um termo aqui utilizado de forma associada à idéia genérica de região como um espaço sub-nacional. Para outros significados, menos freqüentes, refere-se à Amazônia Ocidental, que corresponde à área de abrangência dos projetos sob a supervisão da Suframa, ou à Amazônia como um todo, mas nesses casos também valeu-se do próprio contexto em que se insere, para que corresponda à interpretação pretendida. Endógeno é utilizado no sentido de que a ênfase está na mobilização de recursos latentes privilegiando-se esforços "de dentro para fora". Não é empregado, aqui, associado à naturalidade (local de nascimento), mas sim a localidade. Traduz-se na capacidade de organização da sociedade de uma região, proporcionada pela configuração de um ambiente político-institucional apropriado, de conformar o seu futuro (HADDAD, 2001, p. 6 e seguintes). Sustentável talvez seja o adjetivo de mais difícil delimitação. Não faz parte do objetivo deste trabalho aprofundar uma discussão sobre a sustentabilidade do desenvolvimento. Ademais, os próprios especialistas atestam a dificuldade de se explicitar um conceito apropriado (BEBBINGTON, 2001; MALIZIA e FESER, 1999). A sustentabilidade é um predicado para desenvolvimento muitas vezes colocado (e algumas vezes arraigadamente subentendido) em contraposição a crescimento econômico. Supostamente, esse fato está vinculado à idéia de que a evolução nos padrões de consumo dos países desenvolvidos corresponde a um crescimento econômico sem limite previsível, o que impõe uma maior demanda global por recursos, mesmo a despeito de eventuais ganhos de produtividade. Em seu nascedouro, o conceito de sustentabilidade esteve especificamente atrelado à preocupação com a sustentabilidade ambiental, à qual, mais recentemente, foi acrescentada a questão da eqüidade social7. Portanto, de uma forma ampla, sustentabilidade diz respeito a levar em consideração o impacto da dinâmica econômica sobre as pessoas e a natureza. 7 Um marco dessa mudança, e talvez o conceito mais conhecido para desenvolvimento sustentável, é o exposto no Relatório Brundtland (Delegação Mundial das Nações Unidas sobre Meio-ambiente e Desenvolvimento, 1987): "development which meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs", uma definição tão conhecida quanto difícil de operacionalizar. Para aprofundar uma compreensão sobre a questão, ver BEBBINGTON (2001). 42 O fato é que a idéia de sustentabilidade tem ocupado cada vez mais espaço na agenda econômica, deixando de ser um atributo de um desenvolvimento "alternativo" (no sentido quase romântico empregado para caracterizar a possibilidade de comunidades desenvolverem-se à parte de uma economia globalizada) para incorporarse à própria corrente principal do pensamento econômico sobre desenvolvimento (ver PIETERSE, 1998). Para o propósito deste trabalho, todavia, a conotação na qual o termo sustentável é empregado está associada à idéia de continuidade, à propriedade que o desenvolvimento de uma economia relacionada a um determinado espaço geográfico tem de gerar e manter vantagens comparativas em uma perspectiva continuada, a partir da demonstração de uma capacidade adquirida para enfrentar pressões competitivas no mercado. Isto implica em ser capaz de adaptar as atividades econômicas atuais a novas demandas ou mesmo criar novas atividades (negócios) em áreas eventualmente ainda não exploradas pela atividade econômica local, a partir do uso de sua capacidade empreendedora e do conhecimento acumulado. Entende-se que localidade, endogenia e sustentabilidade, nos sentidos que aqui lhe são conferidos, são importantes elementos relacionados ao contexto econômico e à problemática tratados. Ao focar a dimensão qualitativa, o conceito de desenvolvimento permite que a indicadores quantitativos mais tradicionais, como PIB, renda, número de empregos e concentração, sejam acrescidos tipos de empregos gerados, perfil de competências desenvolvidas, estabelecimento de uma capacidade empreendedora para iniciar novas atividades econômicas, práticas usualmente adotadas para maximizar o benefício internalizado na própria região, todos eles presentes com freqüência crescente em estudos mais abrangentes relacionados ao tema. Isto corrobora o fato de que a atenção não deva estar voltada apenas ao crescimento, mas que também seja considerada a devida importância às forças que impedem ou permitem que esse crescimento ocorra (MALECKI, 1991, p. 7), uma perspectiva que certamente enriquece a compreensão da realidade, qualificando a análise e, de modo associado, a tomada de decisão. Além do privilégio aos aspectos qualitativos, fez-se referência, anteriormente, a uma segunda tendência na abordagem do desenvolvimento, que diz respeito à característica cada vez mais multidisciplinar de seu estudo, lançando mão de conceitos e conhecimentos originalmente desenvolvidos em distintas áreas. Às tradicionais inserções em subáreas da economia (como as economias regional e internacional, por 43 exemplo), somam-se contribuições advindas da geografia, política, sociologia e psicologia – para citar algumas – o que apenas corrobora o aumento no grau de complexidade da análise. III.2. A NATUREZA LOCALIZADA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO E AS AGLOMERAÇÕES INDUSTRIAIS. O fato de o crescimento econômico ser localizado é uma verdade conhecida e historicamente explorada por vários teóricos da área do desenvolvimento, dentre os quais citam-se François Perroux, Gunnar Myrdal, Albert Hirschman e John Friedmann, cujas idéias costumam ser referidas sob o rótulo de teorias da concentração espacial. Esse é um fenômeno que remete ainda ao final do século XIX, quando foi introduzido por meio da obra precursora – e hoje clássica – Principles of Economics, publicada em 1890 por Alfred Marshall. A partir de observações realizadas nos setores têxtil e metalúrgico na Inglaterra, Alemanha e França, Marshall apontou três vantagens proporcionadas pela concentração espacial de empresas, posteriormente associadas ao termo Trindade Marshalliana: desenvolvimento de um mercado para trabalhadores com habilidades especializadas; fornecimento local de insumos e serviços em grande variedade e a custos menores e disseminação mais rápida de invenções e melhorias (MARSHALL, 1920, apud KRUGMAN, 1991, p. 36-7). A influência do trabalho de Marshall atravessou o século XX e permanece grande até os dias de hoje. Eventualmente, as vantagens apontadas por ele podem ser tratadas e estudadas, na literatura especializada, com o uso de uma linguagem mais moderna. Por exemplo, criação de recursos especializados, upgrading de fornecedores e impacto na difusão de novas tecnologias (van KLINK e de LANGEN, 2001, p. 450). Sob a abordagem clássica, a concentração espacial de empresas justifica-se em virtude dos maiores retornos que é capaz de proporcionar ao capital, fundamentalmente porque (i) existem custos que conspiram contra a negociação realizada à distância, motivando a escolha de locais, para a produção, onde a demanda é maior ou o abastecimento de matéria-prima é particularmente conveniente e (ii) a produção concentrada proporciona economias de escala (KRUGMAN, 1991, p. 98). Esses dois argumentos combinam-se no estabelecimento da seguinte lógica: economias de escala forçam a produção a se concentrar em um número limitado de locais; por causa dos custos associados ao ato de negociar à distância, os locais 44 preferidos por cada fabricante são aqueles nos quais a demanda é grande ou em que o fornecimento de insumos é particularmente conveniente, e estes em geral já são (ou passam a ser) locais também escolhidos por outros fabricantes. A continuidade do processo faz surgir, então, uma aglomeração, um termo de maior uso nos anos recentes, comparativamente a "concentração". Do espaço geográfico que delimita a aglomeração nenhuma empresa deseja sair, para assim usufruir as vantagens alcançadas. Atingido um determinado ponto, o ciclo praticamente se estabiliza, pois as atividades tendem a agrupar-se nos locais em que os mercados são maiores e os mercados tornam-se maiores onde as atividades agrupam-se. Uma vez estabelecida a aglomeração, ela tenderia a se manter (KRUGMAN, op. cit., p. 98). O retorno recente do tema aglomeração à cena do debate econômico, após um período em plano relativamente secundário, é creditado por alguns autores à contribuição do economista Paul Krugman, em virtude de seu esforço para explicar a natureza localizada do crescimento econômico (SCHMITZ, 1997, p. 6; HELMSING, 2001, p. 278). Krugman define geografia econômica como sendo a "locação da produção no espaço", defendendo que é possível compreender a diferença nas taxas de crescimento dos países e a especialização internacional a partir da investigação das diferenças no crescimento regional e na especialização local (KRUGMAN, 1991, p. 3). Seu trabalho tem o mérito de introduzir a discussão das externalidades econômicas em um modelo de competição imperfeita, o que é uma evolução, se for considerado que até então predominavam os estudos baseados em ambiente de competição perfeita. Essa evolução proporcionada à tradicional teoria da localização acabou por caracterizar uma nova área de estudos na economia, cunhada pelo termo nova geografia econômica (new economic geography) por seu autor (ver KRUGMAN, 1998), ou economia geográfica (geographical economics), como sugerem alguns de seus mais destacados estudiosos (ver FUJITA e THISSE, 1996). Na literatura de desenvolvimento urbano e regional, as externalidades econômicas explicam os benefícios alcançados por uma empresa pelo simples fato de tomar parte em uma aglomeração (industrial ou de outras atividades) em locais particulares. Também podem ser denominadas economias de aglomeração e proporcionam economias em decorrência de redução nos custos ou de aumento na produtividade para empresas individuais. São referidas como "efeitos secundários" da atividade de um produtor sobre a de outro (MALIZIA e FESER, 1999, p. 95-6). 45 A literatura especializada oferece ainda a distinção de dois tipos específicos de economias de aglomeração: (i) economias de localização, ou reduções de custo para empresas de uma dada indústria que resultaram da concentração espacial do setor; e (ii) economias de urbanização, ou reduções de custo para todas as empresas em uma dada localização, que ocorrem quando a atividade econômica em geral se expande naquele local (MALIZIA e FESER, op. cit., p. 96; BELLEFLAMME et al., 2000, p. 159). Externalidades econômicas passam a existir somente quando os custos ou benefícios privados não se igualam aos custos ou benefícios sociais. Se os benefícios sociais são maiores que os benefícios privados, fica configurada a ocorrência de externalidades econômicas positivas, situação na qual os agentes econômicos não conseguem capturar no preço de seu produto todas as vantagens proporcionadas por seu investimento. Alguns resultados desse investimento "transbordam" (de modo involuntário, incidental) e acabam sendo capturados por outros agentes. Uma outra classificação associada a externalidades econômicas é aquela creditada a Tibor Scitovsky, que distingue externalidades pecuniárias, que correspondem aos benefícios das interações econômicas no mercado mediadas pela formação de preço, de externalidades tecnológicas, que dizem respeito a interações nãomercadológicas que afetam a utilidade percebida por um indivíduo ou a função de produção de uma empresa (SCITOVSKY, 1954, apud MEARDON, 2001, p. 39). Essa é uma distinção que pode proporcionar um melhor foco ao analista de uma determinada realidade econômica, considerando a contribuição cada vez mais significativa proporcionada pela tecnologia para a dinâmica econômica, um fato que se reflete na ausência das externalidades pecuniárias como um objeto significativo de análises econômicas recentes (MALIZIA e FESER, 1999, p. 95). Por outro lado, algumas abordagens ressaltam que as externalidades tecnológicas que surgem das interações pessoais são mais importantes para aglomerações de pequena escala. Para explicar aglomerações de larga escala, entretanto, deveriam ser observadas outras externalidades tecnológicas, cuja efetividade não se deteriora tão rapidamente com a distância, ou alternativamente, as externalidades pecuniárias (OTTAVIANO e PUGA, 1998, p. 708), ou ainda ambas, trabalhando juntas (ver FUJITA e THISSE, 1996). Isto é algo a ser considerado em análises que sejam feitas sobre a atividade industrial em Manaus, conforme sugere a apresentação do perfil das empresas, em capítulo à frente. 46 Na discussão de externalidades econômicas, um ponto a ser destacado é a conotação de incidentalidade que lhes é associada, por vezes apontada como uma limitação na utilização ampla do conceito para a promoção do crescimento econômico. A busca intencional – em contraponto à incidental – de relações entre empresas e pessoas é cada vez mais ressaltada como um importante instrumento para a melhoria de desempenho de aglomerações (ver SCHMITZ, 1997 e NADVI, 1997). Considerando a relação direta entre intencionalidade e a idéia de cooperação, e a posição central que esta última ocupa no foco deste trabalho, o tema será explorado com mais acuidade um pouco adiante, quando da apresentação dos conceitos de ação conjunta e eficiência coletiva, ainda neste capítulo. Além de Krugman, outro economista a ter reconhecida a importância de sua contribuição para a recondução do tema aglomerações ao centro do debate econômico é Michael Porter. A visão desse autor, ao mesmo tempo em que ressalta a importância de uma competição forte no mercado interno como um fator de sucesso para desenvolver vantagens competitivas capazes de possibilitar a conquista de novos espaços em acirrados mercados, aponta que essa competição modernamente ocorre entre as aglomerações industriais, em substituição – ou complemento – à visão tradicional da competição estabelecida apenas entre as empresas individuais (ver PORTER, 1990). Para uma empresa individual, conseqüentemente, alcançar espaços em novos mercados, mais competitivos, é uma tarefa que exigiria, além da sua própria eficiência produtiva, uma produtividade adequada do ambiente (aglomeração) em que se insere. Isto induz ao raciocínio de que o desenvolvimento econômico de uma região deve ser em parte creditado à capacidade de articulação dos diversos atores que a constituem, um argumento a mais a corroborar a importância da análise de aglomerações a partir de um enfoque qualitativo. No caso da literatura sobre economias de aglomeração é possível identificar uma mudança no foco dos estudos, que anteriormente privilegiavam principalmente os benefícios proporcionados pelos tamanhos urbano e da indústria, e mais recentemente têm conferido maior ênfase às sinergias entre empresas espacialmente próximas (MALIZIA e FESER, 1999, p. 96). De um certo modo isto expõe uma aparente contradição e demanda um esforço para a tarefa de compreender e explicar a dinâmica econômica e o sucesso de empresas e regiões: paralelamente ao fenômeno de intensidade crescente da globalização econômica, tem ocorrido uma maior valorização dos aspectos locais. 47 Mas essa mesma literatura tem utilizado o termo "aglomeração" de forma ampla, para corresponder a diferentes fenômenos do mundo real e, portanto, aos mais diversos arranjos de empresas. No intuito de melhor utilizar a sua potencialidade, em função do objetivo já explicitado de aprofundar uma capacidade de interpretar a realidade local, foram analisados e explorados outros conceitos disponíveis, relacionados à dinâmica de aglomerações, resultando no conjunto apresentado no restante deste capítulo. É evidente que o resultado assim alcançado é fruto da percepção pessoal do autor quanto a uma expectativa de utilidade dos conceitos selecionados para a tarefa de compreender um processo particular de interesse, sob os vieses da abrangência e perspectiva de longevidade da aglomeração industrial de Manaus, uma escolha que, certamente, não está isenta de juízo de valor. III.3. CLUSTERS E A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. A partir do que foi discutido na seção anterior, torna-se compreensível o tempo que os formuladores de políticas para o desenvolvimento econômico têm dedicado para entender o fenômeno das aglomerações, sua dinâmica de funcionamento e os mecanismos que impulsionam sua evolução. No caso brasileiro, a utilidade da análise das aglomerações pode ainda ser reforçada por algumas dificuldades impostas pelas características da economia do País, tais como a heterogeneidade das diferentes dinâmicas econômicas regionais, que dificulta a integração econômica, e a diversidade político-ideológica, que conjuntamente contribuem para a ausência de uma política industrial de alcance nacional, e acabam por configurar um cenário apropriado para a ocupação de espaços por políticas que atendam demandas locais e regionais (SUZIGAN, 2001, p. 28). Não será por restrições de terminologia que o desenvolvimento regional deixará de ser promovido. Diversos conceitos relacionados à análise de aglomerações industriais resultaram no surgimento de um variado menu: distritos industriais, pólos industriais, complexos industriais, cadeias de valor, análises setoriais e clusters, para citar apenas alguns dos mais disseminados. Na opção aqui realizada, entende-se que a abordagem por clusters apresenta algumas vantagens em relação a outras opções. Especialmente se comparada à análise econômica tradicional de um setor industrial, apresenta uma maior potencialidade quando o interesse principal refere-se à dinâmica das interações entre os agentes. Isto 48 permite que sejam contemplados os já referidos aspectos qualitativos, essenciais à compreensão da influência dessas interações na promoção da cooperação e, eventualmente, as possíveis conseqüências em termos de repercussões no nível da estrutura institucional de apoio. Além disso, apresenta uma flexibilidade maior para tratar diferentes níveis de aglomerações, em distintos estágios de desenvolvimento, contrariamente ao conceito de distritos industriais, por exemplo, relacionado a aglomerações de empresas de menor porte e que já pressupõe maiores níveis de especialização, de divisão do trabalho e a existência de intensas relações de cooperação. Deve ser ressaltado que o termo cluster é utilizado neste trabalho como uma forma reduzida de referir-se a um cluster de empresas industriais8. Optou-se pelo uso da palavra cluster em sua grafia original, em virtude de suas amplas disseminação e aceitação em nosso País. A referência pioneira utilizando cluster sob o ponto de vista da análise econômica é creditada a Joseph Schumpeter, embora o sentido original que esse autor conferiu ao conceito não abrangesse todas as características que hoje lhe são atribuídas (MARCEAU, 1994, p. 4). Modernamente, talvez o principal impulso para a popularização da abordagem por clusters deva-se a Michael Porter, que aliou o conceito a estudos sobre a competitividade de empresas (ver PORTER, 1990). Na medida em que a prosperidade de regiões cujas economias estruturam-se ao redor de clusters foi descrita em estudos, a divulgação dessas realidades provocou um crescente interesse de governos nacionais e regionais pelo fenômeno, influenciando a formulação de políticas públicas. Em um grande número de países, autoridades em todos os níveis têm, então, mobilizado recursos para favorecer processos que estimulem – e remover obstáculos que impeçam – a "clusterização" (clustering) (CHORINCAS et al., p. 43-4). Inicialmente, deve ser destacado que a própria variedade de terminologias associadas a cluster é algo que necessita ser observado com atenção. Levantamento circunscrito a estudos realizados em países que fazem parte da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), contabilizou os seguintes termos sendo utilizados como sinônimos para cluster: rede de produção, rede de inovação, rede 8 Em sua forma mais geral, no que diz respeito à atividade econômica, o termo cluster pode referir-se à aglomeração de qualquer tipo de organização ou recurso. É uma palavra que também encontra uso 49 de interação, rede de cooperação, distrito industrial Marshalliano, cadeia de produção, cadeia de inovação, cadeia de cooperação, fluxos de conhecimento interindústria, cadeia de valor e sistema de inovação, para citar apenas os mais familiares, de uma lista ainda mais longa (ROELANDT e den HERTOG, 1999a, p. 16). A diversidade na aplicação prática do conceito, no que tange à inexistência de uma corrente dominante, também é algo a ser comentado. Existem diferentes níveis em que análises de aglomerações são realizadas, distintas metodologias utilizadas pelos países, variações no grau em que políticas baseadas em cluster foram implementadas, incluindo uma variedade de instrumentos utilizados nessa implementação (ROELANDT e den HERTOG 1999b, p. 413). E cabe aqui ressaltar uma questão associada à literatura produzida nos países desenvolvidos. A utilização do conceito de cluster para o estímulo à aquisição e manutenção de vantagens competitivas por aglomerações industriais é algo que, nesses países, está ligado à questão da atualidade tecnológica, o que de forma direta coloca em evidência uma preocupação quanto à capacidade de inovar. Assim, muitos desses estudos concentram seus esforços na tentativa de identificar processos de inovação e estimular a sua ocorrência em nível institucional. A importância conferida à dinâmica da mudança tecnológica para o sucesso de políticas de desenvolvimento econômico é algo presente na literatura especializada há algum tempo (ver, por exemplo, MALECKI, 1991). Utilizar a inovação como alvo principal de uma tal política, no caso de países em desenvolvimento, requer cautela adicional, justamente porque alguns elementos da dimensão institucional que caracterizam esse processo podem não estar presentes na dinâmica econômica representada pelo cluster, o que poderia implicar na frustração de objetivos não alcançados, ou na desproporcional utilização de recursos (aí incluída a variável tempo) para obter os resultados desejados. Para o caso da aglomeração industrial de Manaus, o interesse aqui manifestado não é, inicialmente, o de identificar processos de inovação ou precipitar a implementação mais imediata de uma política que a tenha como foco. Preliminarmente, a intenção é avançar na compreensão do arcabouço institucional existente, por meio da investigação do nível de cooperação entre os agentes. Entende-se que essa melhor compreensão implicará em uma maior capacidade de refletir sobre as limitações da disseminado em outras áreas do conhecimento, como a ciência da computação, a astronomia e até a medicina. 50 estrutura real em sua relação com o desenvolvimento econômico pautado em elementos endógenos, proporcionando informações adicionais para a qualificação da tomada de decisão por parte de gestores, sejam eles da esfera governamental ou de empresas privadas. Os relatos de estudos oferecem evidências de que a sustentação continuada de um desenvolvimento econômico – pelo menos de uma economia que esteja integrada (aberta) a mercados mais exigentes – é algo que não prescinde da capacidade de inovar. E isto não está sendo colocado em discussão. O enfoque aqui adotado, todavia, privilegia uma compreensão prévia da base sobre a qual uma política de interesse público que tenha a inovação como um de seus objetos pudesse estar apoiada. Uma argumentação para isto é que a realidade local, atrelada a uma região menos favorecida de um país em desenvolvimento, difere substancialmente da realidade de países em que foram concebidos e são utilizados conceitos como sistemas nacionais, regionais e locais de inovação, que se valem de abordagens ex-post (LUNDVALL et al., 2002). Na problemática local, a experiência pessoal do autor aponta justamente para a inexistência de um sistema, o que afeta o escopo de políticas para o desenvolvimento que se pretenda formular, aí incluído o horizonte para sua implementação. Estabelecida essa premissa, convém, então, discutir o que caracteriza um cluster. Cluster é um fenômeno multidimensional, cujo entendimento tem recebido contribuições realizadas por profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Alguns deles defendem que uma abordagem integrativa para o fenômeno deveria considerar a literatura que não inclui explicitamente o termo cluster, especialmente se o objeto de estudo são as condições para a ocorrência da aproximação espacial, a "clusterização" (STEINLE e SCHIELE, 2002). Em geral, as contribuições dos diferentes estudiosos podem ser classificadas em quatro linhas principais de trabalho (SCHMITZ, 1999, p. 1629; CASSIOLATO e LASTRES, 2001, p. 2): 1) nova corrente do pensamento econômico, que focaliza os retornos crescentes proporcionados pelas economias de aglomeração, da qual Paul Krugman é o precursor e principal representante; 2) economia de empresas, liderada por Michael Porter, que aborda a vantagem competitiva na economia globalizada como dependente de um conjunto de fatores locais relacionados ao dinamismo da indústria; 51 3) ciência regional, especialmente a partir do estudo dos distritos industriais italianos, valorizando a região como sendo um espaço de relações não-comerciais interdependentes e 4) a literatura sobre desenvolvimento tecnológico, ao ampliar o estudo da dinâmica da inovação, da perspectiva da empresa individual para o aprendizado pela interação (learning by interacting), incluindo o desenvolvimento de conceitos como sistemas nacional e regional de inovação. A apresentação dessa classificação, complementando uma visão introdutória sobre o tema, não tem intenção que vá além de reforçar a idéia da heterogeneidade de abordagens baseadas em cluster. Uma amostra das definições que exemplificam essa heterogeneidade é explorada a seguir. III.3.1. DIFERENTES DEFINIÇÕES PARA CLUSTER. A extensão da literatura relacionada ao tema, se por um lado dissemina e populariza uma compreensão mais ampla sobre o sentido conferido ao termo cluster, por outro torna difícil a convergência para um conceito único, compreensível, que abranja cada uma das características valorizadas pelos diferentes enfoques e, por isto mesmo, alcance aceitação e uso universais. Nesse campo, a diversidade é quase tão pródiga quanto o número dos autores que militam no tema, sendo que cada um deles procura dar foco às particularidades que com mais propriedade atendam aos interesses de seu objeto de estudo. Aliado a isso, é também reconhecido um certo dinamismo para o conceito, pois à medida da disseminação de seu uso, o próprio significado conferido a cluster tem notadamente sido ampliado (MALIZIA e FESER, 1999, p. 95). Por esse motivo, torna-se necessário dedicar maior atenção ao aprofundamento de um significado para o termo, de modo a aumentar a precisão da interlocução. Na alternativa aqui adotada, optou-se pela apresentação de conceitos de diferentes autores, na tentativa de, posteriormente, abstrair os fundamentos que sejam úteis ao propósito da pesquisa. A observação mais básica que pode ser apresentada é a de que um cluster é um tipo de aglomeração com determinadas particularidades. Os resultados proporcionados por uma aglomeração, apenas em virtude da proximidade espacial dos que a compõem, não caracterizam a obtenção da clusterização ou "efeito cluster" (van KLINK e de LANGEN, 2001, p. 451). 52 Uma definição bastante disseminada é a que associa clusters a "geographic concentrations of interconnected companies and institutions in a particular field" (PORTER, 1998, p. 78). Em trabalho mais recente do mesmo autor, o conceito ganha em detalhamento e avança para "geographic concentrations of interconnected companies, specialized suppliers, service providers, firms in related industries, and associated institutions (e.g., universities, standards agencies, trade associations) in a particular field that compete but also cooperate" (PORTER, 2000, p. 15). Esse é um bom exemplo de como o conceito tem adquirido abrangência, com a disseminação de seu uso: além de valorizar o atributo da cooperação, que passa a estar explícito, Porter relaciona no próprio conceito os diferentes agentes que participam da diversificada estrutura de um cluster, e que por outros autores sequer são considerados como componentes obrigatoriamente presentes. Além de relacionar os fornecedores de insumos especializados (componentes, maquinaria e serviços) e provedores de infra-estrutura especializada entre os participantes do cluster, Porter preocupa-se também em identificar a extensão do cluster na cadeia produtiva (alcance vertical), indicando que muitas vezes pode avançar até canais de distribuição e clientes, bem como abranger indústrias correlatas (amplitude horizontal), sugerindo a inclusão até mesmo de fabricantes de produtos complementares ou empresas que utilizam habilidades, insumos ou tecnologias em comum. Afirma, ainda, que em muitos clusters estão presentes instituições (governamentais ou de outra natureza) tais como universidades, agências reguladoras, provedores de treinamento vocacional e associações comerciais capazes de proporcionar treinamento especializado, educação, informação, pesquisa e suporte técnico. Ou seja, para Porter, um cluster vai além de um simples arranjo de empresas, devendo incluir, ainda, os agentes que considera importantes para enfrentar com sucesso um ambiente de competição (PORTER, 2000, p. 16-7). Outro autor que apresenta uma consistente contribuição para o tema é Hubert Schmitz, que define cluster como "geographical and sectoral concentration of enterprises" (SCHMITZ, 1997, p. 3). O trabalho desenvolvido durante a década de 90, diretamente por Schmitz, ou de alguma forma sob sua liderança ou influência, tem o mérito de incorporar à agenda de pesquisa as particularidades de países em desenvolvimento, especialmente no que concerne ao estudo e reflexão sobre clusters de empresas de menor porte (ver NADVI e SCHMITZ, 1994; HUMPHREY e SCHMITZ, 1995 e 1996; NADVI, 1997, 1999a e 53 1999b; SCHMITZ, 1997 e SCHMITZ e NADVI, 1999). Alguns dos estudos têm o Brasil como foco, mais precisamente clusters localizados na região Sul (por exemplo, MEYER-STAMER, 1997, 1998 e 1999 e SCHMITZ, 1999). Uma distinção que pode ser feita entre as contribuições de Porter e Schmitz é quanto ao porte das empresas nas aglomerações de interesse. Enquanto os trabalhos de Porter, situados na área das estratégias de competição, são conhecidos por terem como principal objeto de estudo as grandes empresas, muitas delas transnacionais, e sua inserção em um ambiente de competição internacional, Schmitz – pelo menos até mais recentemente, como será visto adiante – concentra boa parte de sua análise em empresas de menor porte e nas interligações dentro do cluster. Para Schmitz – e alguns dos que com ele colaboram com mais freqüência em projetos de pesquisa – especialização e cooperação não são atributos que estejam previamente associados, por definição, a um cluster. Ao contrário, sua existência deve ser investigada a partir de pesquisa empírica (NADVID e SCHMITZ, 1994, p. 4; HUMPHREY e SCHMITZ, 1996, p. 1863). Uma possível explicação para essa postura é a influência exercida nos trabalhos iniciais de Schmitz, nesta área, pela literatura sobre distritos industriais italianos. No início da década de 80, os diversos estudos desenvolvidos sobre esse tipo de aglomeração de empresas de menor porte enfatizavam as relações de cooperação praticadas. Considerando que o trabalho desse autor esteve em grande parte centrado justamente nas empresas de menor porte, incluir os atributos da especialização e da cooperação tornaria por demais próximos os conceitos de cluster e distrito industrial. A proposição de Schmitz é ao mesmo tempo restritiva, por explicitar exclusivamente empresas, e também pouco exigente, pois permite classificar como cluster praticamente qualquer tipo de aglomeração, uma vez que se reduzem a um mínimo os requisitos para a sua caracterização (apenas a concentração geográfica e a concentração setorial). Emil Malizia e Edward Feser apresentam uma definição em que a abordagem admite uma maior diversidade para os agentes que compõem o cluster, ainda que as fronteiras de sua delimitação permaneçam pouco definidas. Malizia possui diversos trabalhos na área do desenvolvimento regional, enquanto Feser tem contribuído para essa área por meio da realização de estudos e o subsídio à formulação de políticas para a promoção de clusters, especialmente nos Estados Unidos. Segundo sua definição, 54 "In theory, clusters are a geographically concentrated group of firms essentially interdependent along one or both of the following dimensions: (1) presence in the same product (or input-output) chain; (2) important similarities in technology or workforce requirements. Clusters might also be characterized by the presence of related organizations (educational institutions, business associations, formal networks)" (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226). Pontuada pela possibilidade de diferentes opções e combinações, essa definição oferece um bom exemplo para ilustrar como um extenso conjunto de diferentes aglomerações industriais pode ser abrangido pelo conceito de cluster. Malizia e Feser, compartilhando a visão de Porter, incorporam aos agentes principais do sistema produtivo (empresas) a presença de outros atores, o que amplia o universo de análise. Essa presença, todavia, dessa feita não é indicada com o mesmo senso de obrigatoriedade. Privilegiar aspectos qualitativos na análise de clusters talvez seja o principal impeditivo para a obtenção de uma definição de maior exatidão. Alguns autores defendem que a ênfase em variáveis como confiança e enraizamento social, de difícil mensuração, resulta na impossibilidade de formular um conceito preciso, ou mesmo o estabelecimento de uma linha divisória melhor definida entre o que é uma simples aglomeração e um complexo cluster com fortes externalidades (ALTENBURG e MEYER-STAMER, 1999, p. 1694). Esses mesmos autores, ao analisarem a natureza estrutural de clusters em países da América Latina, propõem uma definição que denominam de operacional: "A cluster is a sizable agglomeration of firms in a spattialy delimited area which has a distinctive specialization profile and in which interfirm specialization and trade is substantial" (ALTENBURG e MEYER-STAMER, op. cit., p. 1694). Segundo a argumentação utilizada, a operacionalidade é justificada pelas características que estão explícitas no conceito, passíveis de mensuração objetiva. Philip Cooke, cuja produção acadêmica guarda relação com a literatura referente a sistemas de inovação e, mais recentemente, economia baseada no conhecimento, estrutura um conceito a partir de crítica na qual reputa uma característica estática à maioria das definições existentes. Em sua proposição, cluster corresponde a "[g]eographically proximate firms in vertical and horizontal relationships involving a localized enterprise support infrastructure with a shared developmental vision for business growth, based on competition and cooperation in a specific market field" (COOKE, 2002, p. 121). No caso, o elemento distintivo introduzido pelo autor é a necessidade de uma visão compartilhada do desenvolvimento futuro do negócio, o que 55 pressupõe uma identidade para a aglomeração e a existência de um certo grau de articulação dos atores. Essa característica é convergente com o conceito de governança, apresentado mais à frente, neste capítulo. Ainda no campo de definições mais formais, um fenômeno que merece ser ressaltado é o crescente uso do conceito de cadeia de valor associado a cluster9, por vezes explicitamente presente na definição formulada por alguns autores. É o caso de ROELANDT e den HERTOG (1999a, p. 12), que consideram preponderante para a caracterização de um cluster a interligação dos atores envolvidos em uma cadeia de valor. Em sua percepção, "Clusters can be characterised as networks of production of strongly interdependent firms (including specialised suppliers) linked to each other in a value-adding production chain. In some cases, clusters also encompass strategic alliances with universities, research institutes, knowledge-intensive business services, bridging institutions (brokers, consultants) and customers" (ROELANDT e den HERTOG, op. cit., p. 9). A dimensão dessa importância pode ser aquilatada por um grande número de trabalhos mais recentes10. Constatar a diversidade de interpretações para o termo cluster – pelo menos para um conceito que é empregado com mais intensidade em um período que não vai muito além de quinze anos – talvez seja um dos motivos que ajudem a explicar a tendência de, ao invés de buscar uma improvável definição integradora, alternativamente ressaltar as características, expressas em sua maioria por meio de atributos, que devem estar presentes em uma determinada aglomeração, para que esta seja classificada como um cluster. Como exemplo dessa abordagem pode ser citado o trabalho desenvolvido por van KLINK e de LANGEN (2001). Com base em uma revisão da literatura, esses 9 O sentido conferido ao termo cadeia de valor pode, por exemplo, ser emprestado da definição elaborada por KAPLINSKY (2000, p. 8): "The value chain describes the full range of activities which are required to bring a product or service from conception, through the intermediary phases of production (involving a combination of physical transformation and the input of various producer services), delivery to final consumers, and final disposal after use". Um panorama mais completo sobre o assunto pode ser obtido em KAPLINSKI e MORRIS (2002). 10 Sem estender a discussão, os conceitos anteriormente creditados a Porter e Malizia e Feser introduziam o assunto, ao fazer referência à cadeia de produção. O termo cadeia de valor é de maior amplitude porque envolve o conjunto das atividades, e não apenas aquelas diretamente relacionadas à produção. Em grande parte, a produção acadêmica recente que relaciona os conceitos cluster e cadeia de valor deve-se aos pesquisadores ligados à Universidade de Sussex (ver HUMPHREY e SCHMITZ, 2000 e 2002; MESSNER e MEYER-STAMER, 2000; SCHMITZ, 2000a; BAZAN e NAVAS-ALEMÁN, 2001; MEYER-STAMER e SEIBEL, 2002 e NADVI e HALDER, 2002). Mas também são identificadas contribuições com outras origens (por exemplo, em BROWN, 2000; BAIR e GEREFFI, 2001 e STEINLE e SCHIELE, 2002). 56 autores resumem as seguintes características para identificar um cluster: interação econômica na cadeia de valor; relações estratégicas entre empresas; especialização; competição cooperativa; inovação e difusão; compartilhamento de uma cultura coletiva. Essa abordagem alternativa, que considera cluster a partir do exame de alguns de seus predicados, será, então, utilizada. Com isto, preserva-se uma das vantagens de seu uso como ferramenta analítica, uma vez que permite avaliar e comparar distintos tipos de aglomerações, mas sem que seja perdida a qualidade de estabelecer foco no aspecto central associado ao objeto desta pesquisa. III.3.2. ATRIBUTOS QUE CARACTERIZAM UM CLUSTER. Conforme visto, na literatura especializada, distintas abrangências imputadas ao conceito de cluster permitem a utilização do termo para denominar aglomerações com diferentes graus de complexidade, se consideradas a variedade dos agentes econômicos e das atividades presentes na aglomeração como parâmetros. Mas isso não impede a identificação dos elementos mais importantes para a sua caracterização. E, neste caso, conclui-se que, em um cluster, as empresas (ou agentes, pela abordagem mais abrangente) devem estar em um espaço geograficamente limitado (concentração espacial), desenvolver atividades industriais em um campo particular de atuação (especialização) e apresentar algum grau de interconexão (interação) entre si. A importância conferida a cada um destes três atributos do fenômeno cluster é que varia de acordo com as interpretações ou interesses particulares de cada autor ou analista. Embora os comentários a seguir explorem os três atributos individualmente, deve estar claro que existem influências recíprocas de cada um deles sobre os demais, conferindo um grau de complexidade que merece a atenção dos que de alguma forma tenham interesse na identificação das relações causa-efeito associadas à trajetória de um cluster objeto de análise. E este interesse tanto pode ser motivado pela necessidade de induzir a formação de um cluster, a partir de potencialidades identificadas, como de robustecer capacidades de clusters já existentes. Tome-se como exemplo a interação. É uma característica que se fortalece ainda mais pela intensidade com que ocorrem os demais atributos (concentração e especialização). A proximidade física (concentração) facilita – embora não seja condição suficiente para – o contato entre os agentes; a atuação em um escopo específico de atividade (especialização) contribui para a construção de uma linguagem comum que impacta na eficiência da comunicação necessária à interação. 57 Considerações a respeito do atributo Concentração Espacial. A concentração é primordial até mesmo para o uso do termo aglomeração, visto que a proximidade física é que possibilita o benefício das externalidades econômicas. Na discussão desse atributo, o interesse, em termos de desenvolvimento econômico sustentável, não está em como identificar um limite físico preciso que circunscreva os agentes que fazem parte do cluster, mas ter sempre em conta que esse limite existe, e que para além dele deterioram-se as eficiências decorrentes do efeito proximidade. Em seu trabalho, Porter, por exemplo, não estabelece um limite espacial de abrangência, admitindo que um cluster pode alcançar o espaço geográfico de um país11. Isto não deixa de ser antagônico à sua própria argumentação de que, em uma economia globalizada, as vantagens competitivas duradouras dependem cada vez mais de componentes locais, entre os quais incluem-se conhecimento, relações e motivação, que são de difícil obtenção por concorrentes distantes (PORTER, 1998, p. 78). Se estes elementos locais assumem características próprias em cada região, mantidas por meio de relações "face a face", é razoável inferir que as vantagens de proximidade associadas a um determinado cluster que tenha abrangência nacional estariam enfraquecidas na medida em que maior fosse o tamanho desse país. Ao invés de utilizar o país como unidade natural da análise, seria recomendável considerar, por este atributo, a estrutura geográfica de produção, como sugerem outros autores (KRUGMAN, 1991, p. 87). A partir da concentração espacial, como condição prévia mínima, tornam-se possíveis desdobramentos e desenvolvimentos futuros que, conformando a densidade e a trajetória de um cluster específico, comporão a sua identidade, distinguindo-o de uma outra aglomeração qualquer. O leque de possibilidades inclui: divisão do trabalho e especialização entre os produtores; agilidade na oferta de produtos e serviços especializados; aparecimento de fornecedores de matérias-primas, componentes, partes e peças, além de serviços especializados; surgimento de agentes distribuidores para a venda do produto em outros mercados; criação de um ambiente apropriado para a troca de informações; formação de um contingente de trabalhadores com habilidades específicas para o setor; organização de consórcios para tarefas específicas (realização de feiras e participação em eventos, por exemplo); surgimento de associações que 11 A afirmativa está referendada na descrição de vários clusters apresentada em PORTER (1990), nos capítulos 7 e 8. 58 proporcionam serviços e representam os interesses de seus membros (NADVI e SCHMITZ, 1994, p. 14; SCHMITZ, 1997, p. 4). Do ponto de vista da organização espacial, a concentração de um cluster nem sempre se submete aos limites territoriais impostos pela geografia política: a atividade econômica pode perfeitamente extrapolar as linhas divisórias de um município, estado ou país, o que demanda certa atenção quando o interesse está voltado à formulação de políticas públicas. Considerações a respeito do atributo Especialização. A especialização é um atributo que deve ser observado sob dois aspectos. O primeiro, diz respeito à especialização da própria aglomeração em si, em termos do objeto da atividade produtiva, capaz de caracterizar um setor específico da atividade econômica (ou parte dele); o segundo, guarda relação com a divisão do trabalho entre as empresas da própria aglomeração, ou seja, a divisão do trabalho na cadeia produtiva. A especialização da empresa individual tem a vantagem de proporcionar oportunidades em ganhos de eficiência, pois em geral o desempenho melhora na medida em que é reduzido o escopo das atividades praticadas. A composição desse conjunto reduzido de atividades pode, por exemplo, ser conseqüência de uma decisão consciente da empresa, do aproveitamento de uma oportunidade específica de mercado ou ainda de sua limitação em termos do conhecimento necessário à prática das demais etapas da cadeia produtiva. Se a capacidade para empreender é restrita a uma faixa específica de atividades, isto implica necessariamente em um limitado conjunto para a realização de escolhas. Em termos gerais, pode-se supor que atividades que apresentam complementaridade que dependa de conhecimentos similares têm chances de serem mais bem coordenadas dentro da própria organização. Se, por outro lado, as atividades estão baseadas em conhecimentos não similares, a busca desse conhecimento em outras empresas, por meio de cooperação formal ou informal, pode ser uma melhor opção (HELMSING, 2001, p. 287). A divisão do trabalho entre as empresas tende a ser influenciada pelo próprio perfil do cluster. Se a sua estrutura caracteriza-se por pequenas empresas que fornecem para uma grande empresa, por exemplo, há uma tendência da grande empresa exercer maior influência na organização da divisão do trabalho. 59 Em termos da especialização da aglomeração como um todo, uma questão que merece ser ressaltada é a relação entre o escopo de atuação e a contínua capacidade de competir do cluster. Adaptar ou modificar o escopo de atuação para assumir novos posicionamentos estratégicos é uma característica essencial de clusters de maior longevidade. O processo de mudança que incorpora a agregação de valor tem sido referenciado na literatura por meio do uso do termo upgrading (ver HUMPHREY, 1995; SCHMITZ, 1999 e 2000a; BAIR e GEREFFI, 2001; BAZAN e NAVAS-ALEMÁN, 2001 e MEYER-STAMER e SEIBEL, 2002). Um upgrading pode resultar em processos mais eficientes, na fabricação de produtos com novas características ou na incorporação de novas etapas da cadeia, com maior agregação de valor no próprio cluster. O sucesso de um cluster não é constante ao longo do tempo, e a velocidade da mudança tecnológica demanda estratégias de upgrading para que seja mantida a capacidade de competir. O conjunto dos upgrades resultantes compõe a trajetória do cluster. Essa trajetória reflete, então, uma capacidade de se adaptar e enfrentar as pressões competitivas. Compreender a trajetória do cluster, portanto, é por vezes considerado um instrumento mais útil para a formulação de políticas do que a simples descrição do seu estado atual (ver a discussão apresentada em HUMPHREY, 1995). Considerando a unidade produtiva individual, o ponto que cada empresa pode alcançar, do ponto de vista da mudança tecnológica, é uma função de sua posição corrente e dos possíveis caminhos alternativos à frente. Por sua vez, a posição atual é freqüentemente uma conseqüência de escolhas anteriormente realizadas e, evidentemente, do caminho percorrido – o que tem dado margem ao uso disseminado da expressão "a história importa". Esta idéia está contida no conceito "dependência da trajetória" (path dependence), útil para compreender alguns comportamentos de atores econômicos que aparentam ser irracionais para um observador externo (ver MEYERSTAMER, 1998). A explicação lógica para a dependência da trajetória percorrida reside no fato de que não é sensato considerar todas as possíveis alternativas de evolução, durante todo o tempo. Existe um custo de mudança, que depende do aprendizado, da rapidez da mudança e da efervescência do ambiente competitivo, dentre outros fatores. Caso o custo de mudança seja elevado, isto provoca um efeito denominado "trancamento" 60 (lock-in) (TEECE et al., 1997, p. 522-3), no qual a empresa se vê limitada a continuar com as soluções atuais, o que pode ter grande impacto em sua capacidade competitiva. Extrapolando esse raciocínio, o conjunto das soluções das empresas individuais repercute coletivamente na trajetória do cluster. Também o cluster, portanto, poderia apresentar a dificuldade de escapar de um caminho percorrido ao longo de anos, tornando-se dependente de uma determinada trajetória (path dependent), assim como de permanecer "trancado" em uma solução tecnológica específica, ambos com repercussões para a sua capacidade competitiva. Encontrar novos caminhos e escapar de roteiros previamente concebidos exige uma maior capacidade de coordenar os interesses coletivos dos diversos agentes que participam do cluster (ver BAZAN e NAVAS-ALEMÁN, 2001), o que reforça a interdependência entre os atributos e ressalta a importância da interação. Considerações a respeito do atributo Interação. A intensidade da interação entre seus integrantes é, seguramente, um atributo distintivo para um cluster. Conforme discutido, a proximidade física, sem uma correspondente interação, limita os benefícios potenciais proporcionados por uma aglomeração. A interação modifica a capacidade cognitiva de um indivíduo, suas idéias e representações; afeta a transmissão do conhecimento. Sua constante prática permite que se estabeleçam processos que resultam na construção de um ambiente favorável ao aprendizado coletivo. E a existência de uma capacidade endógena da economia local para promover o desenvolvimento sustentável, sem a facilidade dos benefícios fiscais, ponto de partida para o estabelecimento da problemática tratada nesta pesquisa, tem relação estreita com a capacidade coletiva de aprender. O aprendizado coletivo permite o desenvolvimento de competências que se disseminam mais rapidamente com a proximidade e o contato proporcionado pela interação entre os agentes do cluster. E isto é considerado particularmente importante na construção e promoção de conhecimento tácito, não codificado (DE BERNARDY, 1999, p. 344). Uma informação, que é mais facilmente codificada, pode ser transmitida a longas distâncias com baixo custo; já o conhecimento, de difícil codificação, tem sua transferência facilitada a partir de interação face a face, por meio de contatos freqüentes (ou das redes construídas a partir desses contatos), algo que pode ser mais bem 61 gerenciado a partir da proximidade física (AUDRETSCH, 1998, apud OELERMANS et al., 2001, p. 65; STORPER e VENABLES, 2004, p. 352). A interação não ocorre apenas entre as empresas, mas vai além, envolvendo os outros agentes do cluster, daí a importância de se fazer uso de um conceito no qual essa diversidade de agentes se faça presente. Diversidade e intensidade das interações são indicadores que contribuem para caracterizar o ambiente do cluster, a riqueza e a complexidade das relações existentes. E também de sua capacidade de aprender, o que tem relação direta com sua trajetória. Dentre possíveis tipos de interação entre os agentes, ressalta-se a importância da cooperação, que possui a característica de ser uma atividade voluntária. Por demandar o atendimento de um objetivo estabelecido de forma compartilhada entre as partes, a cooperação comumente exige discussão e intermediação. É, portanto, um tipo mais elaborado de interação, com propensão para ocorrer com mais intensidade em ambientes nos quais já está estabelecida uma cultura própria, ou seja, aonde exista um histórico de relações locais. A constatação ressalta um ponto importante: se clusters pressupõem especialização, cooperar não significaria compartilhar iniciativas com os concorrentes? Essa é justamente uma das mais importantes questões relacionadas a clusters, o dualismo entre competição e cooperação. Interagir e cooperar com um vizinho de cluster, para que sejam alcançados objetivos comuns, em alguns momentos pode significar o compartilhamento de uma iniciativa com um concorrente. Mesmo quando a relação de cooperação é vertical – com um fornecedor, por exemplo – existe a possibilidade de que informações sejam capturadas por um concorrente, especialmente se o fornecedor não é exclusivo. De uma certa forma, maiores níveis de cooperação podem ser esperados de clusters que atingiram níveis mais elevados de maturidade, algo que só se configura caso as relações entre os agentes estejam suportadas por um ambiente que inspire um nível mínimo de confiança. A confiança, por sua vez, baseia-se em regras de comportamento e códigos de conduta informais, que se estabelecem ao longo do tempo, em conjunto com a construção de uma identidade local, conforme será mais apropriadamente explorado um pouco adiante. A intensidade das interações, e a diversidade de processos pelos quais as regras e os códigos de conduta se fortalecem, são elementos que constituem a base desse processo, e que resultam, posteriormente, na capacidade de empreender ações 62 conjuntas imprescindíveis para enfrentar os desafios competitivos (tais como as que seriam necessárias à sobrevivência da atividade produtiva sem incentivo fiscal em Manaus, por exemplo). Referindo-se a essa capacidade desenvolvida a partir de um histórico de interações, KENNEDY (1999, p. 1673 e 1687) utiliza-se do termo "capital cooperativo". Para um agente em particular, então, a disposição em cooperar é inversamente proporcional à intensidade do risco, por ele percebido, de não conseguir a apropriação individual do benefício gerado pelo esforço coletivo. E a dificuldade é maior quando se dissemina o comportamento oportunístico. A cooperação entre concorrentes (horizontal) talvez seja a forma mais complexa de cooperação e a que exige um clima de maior confiança entre as partes, quando comparada com a cooperação (vertical) com fornecedores ou clientes, por exemplo. Na abordagem econômica tradicional, a cooperação era, em geral, considerada danosa à performance global da economia, por permitir a conspiração, que por vezes resulta na fixação de preços ou estabelecimento de barreiras para a entrada de novas empresas (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226). Hoje, sob algumas condições, é estimulada por governos, em países desenvolvidos, representando uma mudança de postura em relação à corrente do pensamento econômico que no passado lhe creditava apenas os efeitos negativos, levando alguns autores a até defenderem que uma abordagem da atividade produtiva a partir de clusters deve conferir mais ênfase à colaboração do que propriamente à competição (MARCEAU, 1994, p. 7). Para outros autores, ainda que haja cooperação, sem uma vigorosa competição um cluster fracassará (PORTER, 1998, p. 79). E, argumentando por este ponto de vista, apontam a necessidade de um ambiente interno extremamente competitivo e desafiador para que seja mantida a capacidade externa de competir das empresas que compõem o cluster. Abstraindo-se de uma discussão que utilize argumentações excludentes, pode-se dizer que competição e cooperação encontram espaço para coexistir porque ocorrem em diferentes dimensões. Considerando a globalização econômica, a interação apresenta ainda uma outra perspectiva de análise, que diz respeito às relações externas ao cluster. A inserção do cluster (e seus agentes, individualmente) em cadeias globais apresenta conseqüências para o ritmo do aprendizado e, em caso da presença de empresas transnacionais, para a autonomia de decisão. Essas características terão uma maior ou menor influência em 63 função do perfil das empresas que participam do cluster, inclusive quanto às estratégias de upgrading. No caso da indústria de Manaus, que apresenta forte presença de empresas transnacionais, é de se esperar que as decisões corporativas repercutam no desenvolvimento local, o que deve ser considerado na implantação de qualquer política que pretenda ser bem sucedida. Cada um dos três atributos aqui comentados, conforme já observado, influencia e é influenciado pelos demais, aumentando a complexidade para a compreensão das relações causa-efeito em ações associadas aos agentes de um cluster. A Tabela III.1 sintetiza informações sob a perspectiva dos vários autores citados, organizadas segundo os atributos selecionados para caracterizar um cluster, com destaque para o item cooperação. Além de resumir informações já discutidas, são apresentados alguns elementos adicionais. Ao definir o escopo de estudo, portanto, este trabalho circunscreve a pesquisa a um dentre os três atributos ressaltados para clusters, a interação. E mesmo assim estabelecendo o foco em uma categoria específica, particular, a cooperação. Entende-se que a importância do tema, a complexidade de sua investigação e a inexistência de trabalhos anteriores abordando a realidade local sob essa perspectiva, são argumentos que suportam a decisão tomada. III.3.3. A ANÁLISE DE CLUSTERS E SUA VERSATILIDADE DE USO. "Análise de cluster" (cluster analysis) é uma forma disseminada de referir-se ao uso do conceito de cluster para, sob variados interesses, compreender a dinâmica da atividade produtiva de uma aglomeração que se enquadre no conceito adotado. As informações obtidas na análise de cluster são fundamentais para ampliar as chances de sucesso de estratégias formuladas com o objetivo de implementar uma trajetória desejada. Ao administrador público, a análise de cluster permite obter uma perspectiva única e detalhada das características básicas de uma economia regional, enfatizando as ligações entre indústrias e a interdependência de empresas (BERGMAN e FESER, 1999, p. 244). A própria versatilidade já ressaltada para o conceito permite seu uso associado a diferentes objetos de análise, desde o foco mais convencional nas relações comerciais de 64 TABELA III.1 COMPARAÇÃO DE ATRIBUTOS PARA CLUSTERS, SEGUNDO ABORDAGENS DE DIFERENTES AUTORES Atributos Autores Porter (2000) Schmitz (1997) Malizia e Feser (1999) Altenburg e MeyerStamer (1999) Cooke (2002) Roelandt e den Hertog (1999a) van Klink e de Langen (2001) Concentração Espacial Especialização Interação Î "campo" particular; inclui interconexão entre os empresas de indústrias agentes relacionadas não é um atributo concentração concentração setorial necessariamente geográfica presente presença em uma mesma concentração cadeia de produção; uso não explícita geográfica de tecnologia ou força de trabalho similar aglomeração perfil "distintivo" para a "grande", aglomeração; substancial comércio espacialmente especialização entre entre empresas delimitada empresas empresas baseada em competição "campo" específico de geograficamente e cooperação; conexões mercado próximas horizontais e verticais não citada; redes de produção de pode incluir alianças subentende-se como empresas interligadas na estratégicas; essencial pré-condição cadeia de valor para a inovação não citada; interação econômica na relações estratégicas subentende-se como cadeia de valor; entre empresas; pré-condição especialização concentração geográfica Cooperação ênfase na competição ("competir, mas também cooperar") importância da cooperação é ressaltada para a inovação intensidade da cooperação é associada a uma tipologia para clusters ação econômica colaborativa é considerada essencial para compartilhar necessidades e restrições comuns foco na competição cooperativa Características adicionais inclui outros agentes: empresas, fornecedores, provedores e instituições divisão do trabalho (entre empresas) não é condição prévia incluem outros agentes incluem outros agentes, mas admitem a heterogeneidade dessa composição agentes compartilham visão do crescimento do negócio admitem a possibilidade de outros agentes inovação e difusão; compartilhamento de uma cultura coletiva Fonte: Elaborada pelo autor 65 troca, até estudos que privilegiam as interligações para a inovação ou o fluxo de conhecimento (ROELANDT e den HERTOG, 1999b, p. 414). Mas essa mesma versatilidade, sob outro aspecto, pode revelar-se uma desvantagem. A diversidade das metodologias de abordagem representa um obstáculo para a comparação de resultados de estudos realizados em distintos clusters (DeBRESSON e HU, 1999, p. 28) e, de uma certa forma, implica em uma maior dificuldade de utilizar experiências anteriores para subsidiar e suportar a formulação de políticas específicas que promovam a indução ou expansão de um cluster (BERGMAN e FESER, 1999, p. 243-4), justamente as principais aplicações para a análise de cluster sob o ponto de vista de políticas de desenvolvimento econômico regional. Na análise de cluster, repete-se uma discussão apresentada anteriormente, relativa à confrontação das abordagens qualitativa e quantitativa. Privilegiar relações de troca entre comprador-fornecedor no cluster, por exemplo, induz ao uso de técnicas quantitativas tradicionais, como a matriz insumo-produto, utilizada em economia para, por exemplo, expressar o fluxo de comércio entre empresas; enfatizar elos informais, não comerciais, entre os membros do cluster, qualquer que seja o objeto tratado, configura uma abordagem qualitativa mais centrada nos aspectos sociais, culturais e políticos que afetam o processo (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226). Nas contribuições mais recentes, embora sejam ressaltados o dinamismo dos clusters e sua competitividade no longo prazo, associados a questões de aprendizado e conhecimento (presentes, por exemplo, em BELL e ALBU, 1999; ZHOU e XIN, 2003 e MOROSINI, 2004), ou ainda as diversas dimensões da relação entre o local e o global, conforme comentado anteriormente, permanecem freqüentes os estudos que exploram taxonomias razoavelmente dedicadas a realidades específicas (ver ALBU, 1997; McCORMICK, 1999; ALTENBURG e MEYER-STAMER, 1999; BORTAGARAY e TIFFIN, 2000 e CHORINCAS et al., 2001), que de uma certa forma minoram as possibilidades de ampliação da aplicação dos resultados. Qualquer que seja a configuração atual do cluster, ou sua trajetória histórica, adotar a análise de cluster implica em assumir algumas premissas. Dentre elas, o fato de que o sucesso de um negócio individual é em parte determinado coletivamente, uma vez que depende de fatores comuns, melhorias tecnológicas, e até do crescimento da economia como um todo; no mesmo nível, destaca-se também a necessidade de abandonar a visão neoclássica padrão de economias de mercado, que promovem ênfase à competição acirrada entre empresas individuais (MALIZIA e FESER, 1999, p. 226). 66 Mesmo essas limitações não impediram que a análise de cluster, pelo crescimento percebido no volume da literatura especializada, tenha ocupado maiores espaços, comparativamente à análise econômica setorial tradicional. Ao estabelecer fronteiras estritas para indústrias e setores (quase sempre com base exclusiva em convenções estatísticas), enfatizando grupos estratégicos de empresas análogas com posições similares na indústria, a análise tradicional deixa de considerar a importância das conexões e do fluxo de conhecimento entre os agentes de uma aglomeração. A análise de cluster, ao contrário, oferece uma abordagem capaz de capturar a natureza em constante mudança que caracteriza o ambiente empresarial moderno. A abordagem setorial privilegia as relações horizontais e a interdependência competitiva (entendida como as relações entre competidores diretos com atividades similares operando nos mesmos mercados de produtos), enquanto a abordagem por cluster também inclui a importância das relações verticais entre empresas não similares e as associações de interdependência sinérgica entre elas (ROELANDT e den HERTOG, 1999a, p. 12). Tendo como fonte original uma apresentação realizada por Michael Porter, em um congresso ocorrido em 1997, ROELANDT e den HERTOG (1999a, p. 13) efetuam uma comparação bastante ilustrativa, confrontando a abordagem setorial tradicional e a abordagem por cluster na análise da indústria, conforme pode ser depreendido da Tabela III.2. Como resultado dessa comparação, é possível interpretar que a abordagem qualitativa baseada no conceito de cluster proporciona uma maior capacidade de contabilizar os esforços resultantes de ações compartilhadas, dentre os quais incluem-se os processos de cooperação, um argumento que fortalece o aprofundamento desse conceito como suporte a este estudo. III.4. EFICIÊNCIA COLETIVA, UMA FERRAMENTA PARA AVALIAR A COOPERAÇÃO. Retomando um conceito apresentado anteriormente, externalidade econômica é qualquer benefício alcançado passivamente por uma empresa, simplesmente por fazer parte de uma aglomeração industrial. É, portanto, um fenômeno incidental, não planejado. 67 TABELA III.2 COMPARAÇÃO ENTRE ABORDAGEM SETORIAL E ABORDAGEM POR CLUSTER Abordagem Setorial grupos com posições similares na rede foco em indústrias de bem final foco nos competidores diretos e indiretos hesitação em cooperar com rivais diálogo com o governo geralmente tende para subsídios, proteção e restrição da rivalidade busca pela diversidade nas trajetórias existentes Abordagem por Cluster grupos estratégicos com posições principalmente complementares e diferentes na rede inclui clientes, fornecedores, provedores de serviços e instituições especializadas incorpora o arranjo de indústrias inter-relacionadas compartilhando tecnologias comuns, habilidades, informação, insumos, clientes e canais a maior parte dos participantes não é de competidores diretos mas compartilha necessidades e restrições comuns amplo espaço para melhorias em áreas de interesse comum que aumentam a produtividade e a competição; um fórum para um diálogo mais construtivo e eficiente entre governo e empresariado busca por sinergias e novas combinações Fonte: ROELANDT e den HERTOG, 1999a, p. 13 (adaptado de PORTER, 1997) A capacidade de competir de um cluster será restringida, e no longo prazo encontrará dificuldade em ser mantida, caso sua sustentação esteja apoiada fundamentalmente em vantagens passivas. Para construir vantagens adicionais, e usufruir os seus benefícios, os participantes da aglomeração devem adotar um comportamento pró-ativo, intencional, possível a partir do estreitamento das relações entre as empresas no espaço local. O estímulo para que essa aproximação ocorra depende de alguns fatores subjetivos, dentre os quais a confiança exerce um papel reconhecidamente significativo. Por não ser uma característica facilmente transferível através do espaço, a confiança é um exemplo típico de vantagem que pode ser impulsionada pelo efeito proximidade proporcionado por um cluster. Portanto, fazendo parte de uma aglomeração, uma empresa individual amplia as oportunidades para expandir sua capacidade de aprender, desde que exista uma cultura e um ambiente que estimule a cooperação, reduzindo a incerteza a partir do comportamento transparente e do bloqueio ao comportamento oportunístico. Isto facilita a troca de informações, a articulação de necessidades e a coordenação de ações. Em última instância, potencializa o aprendizado coletivo (CAMAGNI, 1991b, p. 130). 68 Identificar a existência desses comportamentos intencionais em uma determinada aglomeração, e a intensidade em que ocorrem, auxilia na compreensão do efetivo estabelecimento de uma identidade que afete positivamente a dinâmica industrial, com todos os reflexos que isto possa acarretar para o aprendizado local e o conseqüente desenvolvimento de uma capacidade endógena. Um conceito útil para auxiliar na compreensão dessa realidade que, em um cluster, reúne os benefícios incidentais e os planejados, é o de eficiência coletiva, desenvolvido por Hubert Schmitz. Segundo esse autor, eficiência coletiva é a vantagem competitiva obtida por empresas que fazem parte de aglomerações, em conseqüência não apenas de externalidades econômicas, mas também de esforços de cooperação deliberados, aos quais denomina ação conjunta (SCHMITZ, 1997, p. 9). Aproveitar os benefícios da externalidade econômica não requer vínculos de produção ativos ou deliberados com outros agentes dentro ou fora do cluster (NADVI, 1997, p. 20). Porém, externalidades econômicas podem ser consideradas apenas uma parcela dos benefícios que a aglomeração potencialmente oferece aos produtores locais, uma vez que a ação conjunta deliberada amplia a perspectiva de ganhos competitivos posteriores para o cluster. Mas para isto é necessária uma postura de cooperação. Contrariamente à externalidade econômica, a ação conjunta é conscientemente perseguida e, portanto, reflete uma efetiva capacidade de interação entre as empresas do cluster. A existência de ação conjunta em um cluster configura a materialização da vantagem da proximidade atribuída a aglomerações. Para caracterizar as vantagens oriundas de externalidades econômicas e da ação conjunta, ao invés de recorrer aos termos "não planejadas" e "planejadas", NADVI (1997, p. 6) prefere utilizar "passivas" e "ativas", respectivamente. Assim, o conceito de eficiência coletiva tenta capturar, a um só tempo, as seguintes idéias: (i) a prosperidade econômica não pode ser entendida, e nem tampouco estimulada, apenas enfatizando o desempenho da empresa individual e (ii) os efeitos incidentais não são uma explanação suficiente para o sucesso competitivo de uma aglomeração, devendo ser complementados por um segundo componente fundamental, a ação conjunta (SCHMITZ, 1997, p. 9). Apresentados dessa forma, pode parecer fácil estratificar externalidades econômicas e benefícios da ação conjunta. Mas fazer essa separação não é algo simples, uma vez que a própria ação conjunta pode proporcionar o surgimento de externalidades econômicas, ou seja, a ação conjunta pode beneficiar mesmo quem não participou 69 ativamente do esforço de cooperação, o que implicaria na existência de "externalidades da ação conjunta" (NADVI, 1997, p. 37). Para facilitar a identificação dos tipos de cooperação, são utilizadas duas dimensões de análise: segundo o número de empresas que cooperam, pode ser bilateral ou multilateral, dependendo de que seja um esforço empreendido por apenas duas ou por mais que duas empresas; segundo a direção da cooperação, pode ser horizontal – se realizada entre empresas que se encontram no mesmo elo da cadeia produtiva (competidores) – ou vertical, quando ocorre entre um produtor e um fornecedor de insumos (backward ties) ou entre esse produtor e um distribuidor de produtos (forward ties) (SCHMITZ, 1997, p. 8). A Tabela III.3 resume esquematicamente as diferentes possibilidades de combinação, apresentando alguns exemplos. Dos diferentes tipos de ação conjunta, a cooperação horizontal é a que proporciona uma mais clara relação entre competição e cooperação. Se a relação é construtiva, induz à inovação e abre novos mercados; caso seja destrutiva, pode resultar em guerra de preços e falência da cooperação horizontal no cluster (NADVI, 1997, p. 28-9). TABELA III.3 EXEMPLOS DE COMBINAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES TIPOS DE COOPERAÇÃO Tipo Horizontal Vertical Bilateral Compartilhar equipamento Produtor e fornecedor desenvolvendo componente Multilateral Associação setorial Aliança na cadeia de valor Fonte: SCHMITZ, 1997, p. 8. Embora uma maior intensidade da ação conjunta sinalize a existência de um ambiente favorável na aglomeração e, portanto, de uma cultura estabelecida, as evidências apontam que, além da esperada variação entre diferentes clusters, ocorre também uma variação da intensidade da cooperação, em um mesmo cluster, ao longo do tempo, conforme pode ser visto em SCHMITZ (1997, p. 14; 1999, p. 1628 e 2000b, p. 325). Nos resultados apresentados nesses trabalhos, uma maior intensidade da ação conjunta é identificada quando o cluster é confrontado com grandes desafios, ou seja, uma mudança da eficiência coletiva, de passiva para ativa, é tão mais necessária quanto maior for a mudança exigida pelo ugrading pretendido para o cluster. 70 A partir deste ponto, este trabalho utiliza-se dos termos ação conjunta, cooperação e colaboração para, de forma equivalente, traduzir quaisquer desses esforços que representem iniciativas comuns a duas ou mais empresas. É evidente que a investigação concentra-se apenas nos esforços praticados com "bons propósitos" (conforme sugerido em SCHMITZ, 2000b, p. 326), sem interesse nos que provoquem limitação à competição ou restrição a práticas de livre-mercado. III.5. GESTÃO DO INTERESSE COLETIVO E O CONCEITO DE GOVERNANÇA. A capacidade de administrar o interesse coletivo, harmonizando interesses individuais eventualmente conflitantes, a partir da mobilização de atores, compartilhando responsabilidades e tarefas, é a idéia apropriada pelo conceito de governança. A qualidade da governança praticada em uma determinada localidade revela não apenas a capacidade de articulação dos agentes que ali atuam, mas principalmente o seu potencial de resposta aos desafios que se apresentem. Contrastando com o que o termo possa induzir a pensar, governança não é uma prática reservada a agentes de governo. Ao contrário, pode ser – e, modernamente, em economias desenvolvidas, tem sido – exercitada também por indivíduos, empresas, associações, organizações não governamentais, enfim, todos aqueles que de alguma forma sejam capazes de intervir nos processos locais de decisão. Por meio da governança é possível interferir na organização dos fluxos de produção ou conhecimento, gerenciando problemas comuns, acomodando interesses e estimulando a realização de ações cooperativas (LASTRES e CASSIOLATO, 2003, p. 14). Dependendo do interesse, diferentes dimensões podem ser utilizadas para analisar a prática da governança em um espaço local específico. Tipos de intervenção, natureza (pública ou privada) e nível de formalização das relações são algumas dentre as que têm sido abordadas com mais freqüência na literatura. Na dimensão que avalia a governança segundo sua natureza, a governança pública, mais óbvia, pode ser desempenhada por uma ampla gama de agentes governamentais, nas diferentes esferas de governo, agindo em nome do interesse público. Uma eventual superposição conflitante de políticas emanadas dessas diferentes esferas, a descontinuidade de sua implementação ou mesmo a frágil participação de 71 legítimos representantes da sociedade em sua formulação são indicativos de uma governança débil. A governança privada (ou governança do interesse privado), por sua vez, ressalta uma capacidade de articulação dos agentes econômicos, que se manifesta, por exemplo, a partir de funções reguladoras desenvolvidas por associações, por meio do estabelecimento de normas e padrões para produtos, pela recomendação de melhores práticas, regulamentando códigos de conduta etc. A ausência de associações representativas dos diversos agentes locais, ou a limitada capacidade de se fazer expressar das que eventualmente existam, são exemplos que refletiriam oportunidades de melhoria nos níveis da governança privada. O fenômeno da economia globalmente desenvolvida, em que sobressaem as corporações transnacionais, destaca uma forma particular de governança privada, a chamada governança corporativa. Por via indireta, a articulação dos interesses da corporação, a partir de decisões tomadas nos centros de comando dessas empresas, em seus países-sede, é capaz de trazer repercussões para a realidade local, conforme já comentado, interferindo no ritmo de aprendizado local, com conseqüências para as possibilidades de upgrading do cluster e, portanto, para sua trajetória. Governança pública e governança privada não representam, necessariamente, interesses antagônicos. Ao contrário, ao ser pensado o desenvolvimento econômico local de forma mais ampla, idealmente podem atuar de forma complementar na construção do futuro coletivo, revelando-se não apenas por meio da simples coexistência, mas principalmente como instrumentos úteis na construção de canais de comunicação que possibilitem a ampliação da interlocução entre os agentes. Esta percepção é ainda mais significativa à medida que são enfrentados problemas de maior nível de complexidade, que exigem a interação e a coordenação da atuação de uma maior diversidade de agentes, demandando o que alguns autores (ver, por exemplo, HUMPHREY e SCHMITZ, 2000) denominam governança público-privada (no âmbito da OECD, com alguma freqüência substituído pelo termo parceria), no qual ambos os perfis de agentes encontram seu espaço de atuação. A prática de mecanismos de governança em um cluster representa uma vantagem para a intervenção positiva na construção de sua trajetória, independentemente do estágio de desenvolvimento em que este se encontre. Admitindo que mesmo clusters bem sucedidos atravessam crises, torna-se mais adequado entender o sucesso não como um estado, mas um processo que depende de habilidades coletivas 72 para saber obter vantagens a partir das oportunidades e estar preparado para combater as adversidades (ver SCHMITZ, 1997). Em qualquer dessas duas situações, aperfeiçoar e utilizar continuamente a capacidade de governança contribui para explorar mais e melhores alternativas de solução, pois os esforços serão mais adequadamente compartilhados e as responsabilidades na implementação das alternativas poderão ser mais claramente definidas. A ausência de mecanismos apropriados de governança, por outro lado, pode comprometer a vitalidade da economia de uma região no longo prazo. A tendência à descentralização e transferência das responsabilidades públicas para o nível local, em economias de transição, especialmente quando estas não estão respaldadas na correspondente transferência de recursos compatíveis com as novas demandas, amplia a necessidade de que sejam fortalecidas as estruturas locais e, por conseguinte, impele os governos e a sociedade locais a um novo papel, previsivelmente mais ativo, para uma adequada condução do processo de desenvolvimento econômico. Conseqüentemente, é possível que a capacidade de governança seja utilizada para o estabelecimento de uma conexão mais robusta entre as externalidades econômicas e o aprendizado coletivo (HELMSING, 2001, p. 277), uma associação que confere à governança um importante papel no desenvolvimento da desejável capacitação endógena. III.6. CONFIANÇA, INSERÇÃO E APRENDIZADO SEGUNDO UMA PERSPECTIVA PELA DIMENSÃO SOCIOCULTURAL. Sob um ponto de vista estritamente econômico, o progresso de uma região está intrinsecamente ligado à sua capacidade de gerar vantagens comparativas de modo contínuo. Na superação desse desafio, conhecimentos, habilidades e capital, sempre associados a uma estrutura espacial específica, revelam-se uma fonte endógena dessas vantagens (MALECKI, 1991, p. 85). E pode-se dizer que pelo menos dois desses elementos – conhecimentos e habilidades – de particular interesse para este trabalho, uma vez adquiridos, não desaparecem. A redescoberta da região como uma importante fonte de vantagem competitiva está, em parte, baseada em estudos de sucesso de economias regionais de grande dinamismo que utilizam recursos locais para estabelecer seu nível de competitividade (AMIN, 1999, p. 368). A diversificada literatura sobre áreas especializadas de produção evidencia a industrialização como um processo territorial, e ressalta a importância da 73 aglomeração e de fatores não econômicos (cultura, normas e instituições) para a performance econômica de regiões. Se o fenômeno da aglomeração é um conceito capaz de capturar a idéia de que a mudança está condicionada ao passado e aos modelos de acumulação espacial, o acréscimo de fatores não econômicos à análise introduz no cenário a importância das estruturas socioculturais locais, conferindo-lhes um papel de maior relevância na arquitetura do desenvolvimento regional. De uma certa forma, entende-se que essas estruturas sejam capazes de acelerar a dinâmica do desenvolvimento, por meio da criação de um ambiente estimulante, no qual os agentes interagem, revelam suas experiências e, de uma certa forma, socializam informações. O resultado dessa interação é o que se denomina aprendizado interativo, um processo no qual os agentes comunicam e cooperam para a criação e utilização de conhecimento novo, economicamente útil (LUNDVALL et al., 2002, p. 226). Estabelecer uma vantagem competitiva, portanto, seria uma conseqüência de um processo de aprendizado interativo, social e territorialmente inserido (ASHEIM e COOKE, 1998, p. 145). Inserção (embeddedness) é um conceito cujo uso tem sido notadamente intensificado nos últimos 20 anos, graças a uma contribuição realizada por Mark Granovetter12. Em um sentido amplo, inserção refere-se à estruturação social, cultural, política e cognitiva das decisões em contextos econômicos, amparada na relação indissolúvel entre o ator e seu ambiente social (BECKERT, 2003, p. 769). A utilização do conceito de inserção implica, para a sociologia da economia, na busca de uma melhor forma de entender e explicar a ação em contextos econômicos, para além da visão que considera a racionalidade como um comportamento baseado na maximização da utilidade de um indivíduo. Contrariamente, as estratégias seriam formuladas a partir da compreensão, pelos atores, do seu contexto social e da construção de uma racionalidade suportada na interpretação de expectativas do grupo social (BECKERT, op. cit., p. 782). Isto implica em admitir que o desenvolvimento econômico não é o resultado de preferências individuais, mas sim um processo institucional, conformado a partir de forças coletivas (AMIN, 1999, p. 367). 12 Mark Granovetter publicou, em 1985, o trabalho "Economic action and social structure: the problem of embeddedness", no American Journal of Sociology, considerado um marco para a ampla utilização posterior do conceito por parte da sociologia da economia na compreensão "ampliada" da dinâmica do ambiente econômico. 74 Relacionamentos territoriais, então, ajudam a explicar a dinâmica econômica, em que as interações, relações e sinergias interpessoais e ações coletivas sociais influenciam sobremaneira o sucesso econômico de localidades específicas. Criatividade e inovação contínua – e, portanto, manutenção de vantagens comparativas – podem ser vistas como o resultado de um processo de aprendizado coletivo. Mais que configurar a eficiência de sistemas produtivos, os aspectos socioculturais, incluindo o nível de cooperação, determinam a capacidade de resposta de uma localidade a um ambiente externo em constante mudança (CAMAGNI, 1991a, p. 1-2). A relação direta entre a interação colaborativa e o aprendizado local, em um ambiente que evidentemente inclui outros elementos não-econômicos que caracterizam essa inserção social, é constantemente reafirmada na literatura. Embora sob diferentes rótulos, a mensagem comunicada é essencialmente a mesma: a cooperação acelera o aprendizado coletivo. Assim, em uma sucessão histórica de contribuições mais recentes, por exemplo, MALECKI et al. (1998, p. 262), concluem que fluxos de conhecimento, aprendizado e inovação são facilitados pela maior interação entre os atores; HELMSING (2001, p. 289) considera que além do estabelecimento de regras de comportamento e códigos de conduta, uma linguagem de compromisso e a colaboração são as pré-condições para o aprendizado coletivo; GREFFE (2004, p. 270) afirma que parcerias deveriam buscar promover a cooperação dentro e entre todos os setores da sociedade como um dos meios para fortalecer a capacidade de aprendizado coletivo da região. Em momento anterior, LUNDVALL (1992), com trabalhos precursores e um reconhecido pesquisador nesta temática, enfatiza o aprendizado como um processo predominantemente interativo, que demanda cooperação e criação coletiva, o que inclusive reforça a propriedade de sua inserção social. A estreita relação apontada pela literatura entre inserção e aprendizado, intermediada pela cooperação, ressalta o terceiro elemento apresentado no título desta seção, a confiança, brevemente referenciado em uma seção anterior deste mesmo capítulo. A existência da confiança na interação entre os agentes é essencial para que haja a colaboração, pois estimula a aproximação na medida em que reduz a expectativa de que ocorra o comportamento oportunístico. A confiança ajuda a restringir a incerteza transacional, criando oportunidades para a troca de bens e serviços para os quais seria difícil estabelecer um preço (UZZI, 2001, p. 6). 75 Considerando uma associação direta simples, pode ser dito que uma maior confiança entre os agentes da aglomeração amplia o potencial colaborativo; na via contrária, quanto mais intensa for a cooperação, maior o conhecimento que se estabelece entre os agentes, o que aumenta a confiança. São características que se estimulam mutuamente. A importância da confiança para a composição do tecido social que modela a dinâmica do aprendizado está sintetizada na seguinte contribuição de LUNDVALL et al. (2002, p. 220): "Trust is a multidimensional and complex concept which refers to expectations about consistency in behaviour, full revelation of what agents regard as relevant information for the other party and restraint in exploiting the temporary weakness of partners. The institutions that constitute trust are crucial for interactive learning and innovation capabilities. The strength and the kind of trust embedding markets will determine to what degree interactive learning can take place in organised markets." Como resultado, é possível inferir que apesar de mais facilmente estabelecida a partir de relações bilaterais, a confiança, em termos institucionais, apresenta impacto direto na robustez da atividade econômica e, portanto, é uma qualidade a ser nutrida e conquistada por uma sociedade. O nível de confiança que regula as relações em um ambiente auxilia na criação da identidade do espaço local, uma vez que se fortalece mais facilmente entre os que estão espacialmente próximos, em contraste ao que caracteriza o seu estabelecimento por meio de vínculos longínquos. Ao estimular e promover trocas não obrigatórias de recursos e serviços entre os atores, a confiança pode ser entendida como um mecanismo de governança para relações enraizadas (UZZI, 2001, p. 8). Evidentemente esses não são os únicos elementos a compor o ambiente sociocultural com capacidade de interferir no resultado das relações econômicas. Mas, novamente, estão sendo abordados por serem percebidos como aqueles que estão mais proximamente relacionados ao tema da cooperação. III.7. APROPRIANDO OS CONCEITOS PARA UMA REALIDADE PARTICULAR – UMA DIGRESSÃO. A importância da inovação para a prosperidade futura de uma nação ou região e a característica institucional de sua dimensão são elementos previamente ressaltados na parte inicial deste capítulo, na seção em que foi apresentada a relação entre "clusterização" e desenvolvimento econômico. 76 A moderna teoria da inovação demanda uma abordagem mais sociológica para o processo de inovação, no qual esse mesmo aprendizado interativo discutido na seção imediatamente anterior é considerado um aspecto fundamental (LUNDVALL apud ASHEIM & COOKE, 1998, p. 147). Apesar de não ser o foco central desta pesquisa, a inovação, consideradas essas condições, configura-se como um elemento inevitável de uma agenda de discussão do desenvolvimento local em bases endógenas, o que justifica, no mínimo, uma apropriada explicitação das suas relações (percebidas) com os conceitos selecionados. E é na perspectiva de ampliar a compreensão da lógica que orientou a adoção dos conceitos anteriormente apresentados que se optou pela inclusão dos comentários a seguir. Pode ser dito que pertencer a um cluster contribui para aumentar a produtividade, o ritmo da inovação e a performance competitiva de uma empresa. Clusters são um exemplo de como uma região pode reduzir riscos, aproveitando as externalidades econômicas, a partir do encorajamento das relações verticais e horizontais, recíprocas e cooperativas (MORGAN, 2004, p. 69). A atividade industrial espacialmente concentrada alcança e sustenta com maior dinamismo suas vantagens competitivas a partir da prática da inovação contínua, que, por sua vez, requer cooperação interna, socialmente interativa (ASHEIM e COOKE, 1998, p. 148 e 174). Interações cooperativas encontram estímulo na proporção direta da confiança estabelecida entre os agentes. Os resultados dessas interações podem ser mais amplamente (ou mais rapidamente) alcançados, do ponto de vista do interesse do desenvolvimento econômico local, por meio de uma maior sofisticação dos mecanismos de governança, capazes de contribuir para um melhor foco da trajetória do cluster. Esse conjunto de elementos, com toda a complexidade de se identificar as possíveis inter-relações e relações de causa e efeito, certamente contribui para um ferramental analítico de maior amplitude. Por uma questão de factibilidade da pesquisa, este trabalho enfatiza os conceitos de cluster, eficiência coletiva e governança, reunidos e orientados pelo prisma da cooperação. Mas deve-se ter em conta que a compreensão da dinâmica das relações nos dois principais subsetores do Pólo Industrial de Manaus não pode se dar de forma descontextualizada da abordagem institucional diretamente relacionada à inserção social. 77 Embora os demais conceitos – que poderiam ser chamados de complementares – não tenham sido objetivamente tratados a partir de questões na configuração da pesquisa (e, por essa razão, tampouco possam ser explicitados estatisticamente nos resultados), influenciaram a construção da abordagem – conforme será visto à frente na discussão da metodologia – assim como a análise dos resultados. Evidentemente, a realidade é sempre mais complexa que os modelos a que se recorre – e que a capacidade de interpretação do pesquisador – conseguem alcançar. Mas o esforço de reunir os conceitos neste mosaico pode ser justificado por contribuir para estabelecer mais nitidamente os limites da investigação e, conseqüentemente, seu potencial de contribuição, assim como por favorecer que novas linhas de pesquisa, ainda não privilegiadas, ou mesmo outros eventuais desdobramentos futuros, sejam mais facilmente identificados. 78 IV. CARACTERÍSTICAS DA METODOLOGIA DE PESQUISA UTILIZADA. É razoavelmente aceito que, pelo menos nos últimos vinte anos, as abordagens qualitativas na pesquisa têm conquistado um espaço significativo na produção acadêmica (ATTRIDE-STIRLING, 2001, p. 385; PATTON, 2002, p. xxi-xxii), fortalecendo sua capacidade de contribuir para a compreensão de fenômenos antes reservados ao tratamento quantitativo, durante décadas responsável por um quase monopólio no uso do adjetivo "científico". Certamente têm colaborado para essa mudança uma maior sistematização na descrição dos métodos de pesquisa utilizados e o surgimento de novas tecnologias que auxiliam na manipulação de dados qualitativos, especialmente aqueles de caráter textual. Este capítulo apresenta os procedimentos que, utilizados na coleta e tratamento dos dados, em seu conjunto caracterizam a metodologia empregada para alcançar os objetivos estabelecidos para o projeto de pesquisa. Além de descrever as etapas dessa metodologia, e comentar as decisões inerentes às opções realizadas, o conteúdo identifica alguns dos obstáculos enfrentados, incluindo aqueles mais diretamente relacionados à implementação da pesquisa de campo, com o intuito de que o relato resultante possa ser útil no eventual planejamento de atividades similares, especialmente no tratamento da problemática local. IV.1. SELEÇÃO DA AMOSTRA. Em virtude de esta pesquisa ter utilizado dois conjuntos distintos e bem delimitados como fontes de informação na investigação de campo, sempre que pertinente os esclarecimentos apresentados estarão associados de modo particular a cada conjunto, como é o caso de suas seleção e composição, apresentadas destacadamente nas seções seguintes. IV.1.1. CONJUNTO DE EMPRESAS PESQUISADAS. A opção pelo estudo dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas foi justificada anteriormente, respaldada pelos números da atividade produtiva apresentados originalmente nos capítulos I e II deste trabalho. Fundamentalmente, os dois principais motivos que levaram a essa escolha são (i) a importância dos dois subsetores para a economia do estado do Amazonas e (ii) a 79 perspectiva de relações enraizadas de naturezas distintas, como conseqüência direta de diferentes intensidades nas compras locais, quando comparados os dois subsetores. A identificação das empresas que seriam abordadas, em cada um dos subsetores, todavia, foi uma tarefa menos imediata. Repetiu-se, para a definição da amostra, o critério da seleção em função da expressão econômica, considerada a intenção do estudo de alcançar a maior repercussão possível, com a análise dos resultados, enfatizando-se a perspectiva do desenvolvimento econômico sustentável. Esta opção permite contemplar o conjunto das relações de cooperação com maior potencial de impacto econômico, recorrendo-se ao valor da produção como "peso" para a ponderação de sua representatividade. Embora deva ser reconhecido que tal procedimento eventualmente represente uma redução no espectro das experiências de cooperação passíveis de serem registradas, é uma peculiaridade que de todo modo estaria associada a qualquer abordagem que privilegiasse uma amostra, em detrimento do universo das empresas. Definido o critério, o passo seguinte foi a obtenção de uma listagem com a indicação do faturamento de cada uma das empresas incentivadas implantadas no Pólo Industrial de Manaus (SUFRAMA, 2002). Por ser uma informação de acesso restrito, a listagem só foi obtida em função da natureza e dos objetivos da pesquisa, sendo sua utilização condicionada à não divulgação de dados personalizados. Como a listagem apresentava o universo de empresas do PIM, foi necessário identificar aquelas que faziam parte de cada um dos dois subsetores de interesse. Para isso, tomou-se como referência as informações apresentadas em duas publicações oficiais de responsabilidade da Suframa: o Perfil Industrial e os Indicadores de Desempenho do Pólo Industrial de Manaus. O Perfil Industrial (SUFRAMA, 2004b) é um cadastro com disponibilidade de acesso on-line que inclui todas as empresas com projeto aprovado para implantação no Pólo Industrial de Manaus, indicando o status dessa implantação, a linha de produtos aprovada para a fabricação incentivada, bem como um conjunto de informações cadastrais. É um documento de atualização periódica, justificada por motivos diversos: fusões, alterações de razão social, novos projetos aprovados a cada reunião do Conselho da Administração da Suframa, encerramento de atividades produtivas de empresas etc. Observe-se que inclui todas as empresas, estejam elas em funcionamento, paralisadas ou mesmo que não tenham, ainda, iniciado a produção. A cada ano as empresas devem 80 renovar seus dados cadastrais, sendo esse, portanto, o intervalo máximo de atualização dos dados individuais de uma determinada empresa. Nesse documento, as empresas encontram-se estratificadas em 19 subsetores industriais, alguns deles com subdivisões, aqui denominadas subgrupos. A estratificação atualmente utilizada é uma composição histórica tradicional. A ausência de critérios objetivos formalmente explicitados para a definição dessa estratificação dá margem a tratamento individual mesmo para subsetores ou subgrupos que hoje não correspondem a uma maior relevância econômica. Constata-se que pelo menos 8 deles possuem o número de empresas variando entre zero (ou seja, um subsetor ou subgrupo que não possui qualquer empresa ativa) e três. Em virtude de uma alteração na linha de produção ou por qualquer nova caracterização de interesse da Suframa, a empresa pode ser eventualmente deslocada de um para outro subsetor. É o que ocorre, por exemplo, quando uma empresa possui uma linha diversificada de produtos, o que admitiria mais de uma possibilidade de classificação. Nesse caso, mesmo que a prática comum seja a de classificar a empresa em função da sua linha de produtos mais representativa, em termos econômicos, este é um status que pode variar ao longo do tempo em função das condições de mercado, o que obviamente repercute nos indicadores de produção contabilizados para aquele subsetor. O segundo documento de referência, Indicadores de Desempenho do Pólo Industrial de Manaus (SUFRAMA, 2004a), também se apresenta em formato eletrônico com disponibilidade para acesso on-line, e configura um conjunto de dados sobre o setor produtivo, de amplo alcance, cuja série histórica teve sua construção iniciada na segunda metade dos anos 70, recebendo um tratamento mais elaborado a partir da década de 80, continuamente aperfeiçoada em termos metodológicos desde então. Além dos dados de produção e vendas (unidades produzidas e faturamento), esse documento inclui ainda estatísticas relativas a salários, empregos, compras, impostos etc. A série histórica dos dados agregados é uma boa referência para se compreender o comportamento evolutivo da atividade industrial em Manaus, desde que utilizada com a precaução devida, especialmente quanto às imprecisões já apontadas. Ainda em relação a esse documento, apenas empresas a partir de um determinado porte são formalmente obrigadas a submeter seus dados, e isto ocorre segundo uma freqüência mensal. No período compreendido pelo trabalho de campo da pesquisa, a quantidade de empresas abrangidas variava entre 300 e 350. 81 Os dados brutos enviados pelas empresas para a composição destes indicadores, devidamente manipulados, são a fonte original a partir da qual foi elaborada a listagem com o ranking de faturamento das empresas para o ano de 2002, base para a escolha da amostra. Assim, de posse da listagem, com o auxílio do Perfil Industrial foram identificadas as empresas que compunham os dois subsetores de interesse. No caso do Eletroeletrônico, o subsetor identificado no Perfil Industrial é denominado Material Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, subdividido nos seguintes subgrupos: (i) Pólo de Componentes, (ii) Pólo de Produtos Elétrico, Eletrônico e de Comunicação exclusive Máquinas Copiadoras e Similares e (iii) Pólo de Máquinas Copiadoras e Similares. Percebe-se que a reunião dos três subgrupos alcança tanto os fabricantes de produtos acabados (bens finais) quanto os de componentes eletrônicos. Em termos metodológicos, considerar o subsetor Eletroeletrônico como a reunião dos três subgrupos justifica-se não só pela similaridade da natureza do trabalho e dos processos das empresas que os constituem, mas também no fato de que vários dos empreendedores – e, portanto, dos padrões de comportamento – possuem presença em mais de um desses subgrupos. O subsetor Duas Rodas, por sua vez, é indicado no Perfil Industrial como um subgrupo do subsetor Material de Transporte. Mais acentuadamente que no caso do Eletroeletrônico, existem empresas de interesse à análise do Duas Rodas compondo outros subsetores, como são exemplos o subgrupo Outras Empresas do Subsetor Mecânico, vinculado ao subsetor Mecânico, e o subsetor Metalúrgico. O documento Indicadores de Desempenho do Pólo Industrial de Manaus foi utilizado de forma complementar para que, a partir da análise da importância econômica dos demais subsetores, e considerando que o foco da abordagem privilegia o conceito de cluster, fossem identificadas outras empresas que pudessem fazer parte da amostra, mesmo classificadas em outros subsetores ou subgrupos. Observadas essas especificidades, a listagem principal deu origem a duas listas de empresas ordenadas por faturamento decrescente, uma para cada subsetor em análise, considerando apenas a própria classificação adotada pela Suframa. No subsetor Eletroeletrônico, foram identificadas 117 empresas; no subsetor Duas Rodas, 19 empresas. A partir das listas, fez-se uso do que talvez seja a principal distinção entre os métodos para abordagens quantitativas e qualitativas: a amostra. No caso da pesquisa 82 aqui descrita, e a partir das listas de empresas, em termos da definição da amostra utilizou-se como critério a amostragem intencional (purposeful sampling) (PATTON, 2002, p. 237-8). Enquanto a amostragem estatística, que predomina na abordagem quantitativa, é uma base confiável e conveniente para que, a partir da identificação da existência de um fenômeno na amostra, sejam alcançadas generalizações para a população como um todo, a amostragem intencional privilegia o conteúdo da informação, procurando selecionar casos particulares que contribuam para esclarecer as questões centrais da investigação. Dentre as diferentes possibilidades de estratégia para a realização da amostragem intencional, optou-se pela denominada chain sampling (ou snowball), na qual os elementos da amostra são definidos a partir da consulta a pessoas em posição destacada, e mesmo a outros elementos já determinados para compor a amostra. Segundo essa estratégia, solicita-se aos interlocutores a identificação de fontes prioritárias de informação, considerando o contexto de interesse. A citação freqüente de uma mesma fonte e a pertinência da potencial contribuição para o objetivo da pesquisa justificam, então, sua inclusão na amostra (PATTON, 2002, p. 237-8). Além dos casos mais destacados, a pesquisa pretendeu que a amostra atingisse o equivalente a pelo menos 50% do faturamento de cada um dos dois subsetores, um percentual que poderia ser ampliado se, após alcançado, ainda restasse prazo disponível no período abrangido pelo tempo planejado para a realização do trabalho de campo, correspondente a 10 meses. Esse prazo global, evidentemente, foi o principal elemento balizador da amplitude da amostra, considerando o envolvimento de um único pesquisador na condução da atividade de campo. Uma implicação que resulta da decisão de utilizar o faturamento como um dos critérios de seleção pode ser apreendida a partir do Gráfico IV.1, que apresenta uma perspectiva do nível elevado de concentração desse faturamento, em um número relativamente reduzido de empresas do subsetor Eletroeletrônico. Os 15 maiores faturamentos, correspondentes às empresas genericamente denominadas de I a XV, acumulam um quantitativo equivalente a quase 79% do faturamento total do subsetor, enquanto as restantes 112 empresas, representadas pela coluna Outros, são responsáveis por pouco mais de 21% do faturamento total. 83 O nível de concentração é ainda maior no subsetor Duas Rodas, conforme pode ser observado no Gráfico IV.2: apenas 4 empresas, representadas pelas letras de A a D, são suficientes para que sejam alcançados 90% do faturamento total do subsetor. GRÁFICO IV.1 SUBSETOR ELETROELETRÔNICO FATURAMENTO ACUMULADO, POR EMPRESA, EM 2002 (%) Faturamento Acumulado (%) 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV Out Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos em SUFRAMA (2002). A dinâmica da atividade industrial e o período até certo ponto prolongado da pesquisa de campo provocaram a necessidade de alguns ajustes na amostra, como por GRÁFICO IV.2 SUBSETOR DUAS RODAS FATURAMENTO ACUMULADO, POR EMPRESA, EM 2002 (%) Faturamento Acumulado (%) 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 A B C D E F G H I J L Out Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados obtidos em SUFRAMA (2002). 84 exemplo a inclusão de uma empresa do subsetor Eletroeletrônico que, por ser de implantação recente, embora tivesse menor expressão econômica no ano base para a geração da lista, foi atraída para Manaus em virtude de ser um fornecedor internacional de vários dos fabricantes ali instalados, tornando-se em pouco tempo uma destacada empresa local. A Tabela IV.1 resume o conjunto final das empresas que participaram da pesquisa de campo, estratificadas por alguns padrões de interesse. Ressalte-se que por meio da amostragem intencional procurou-se introduzir um equilíbrio na participação de empresas fabricantes de bem final e fornecedores de componentes, uma vez que a interação entre elas é um dos elementos de destaque para a abordagem das relações de cooperação em um cluster. TABELA IV.1 PESQUISA DE CAMPO ESTRATIFICAÇÃO DAS EMPRESAS DA AMOSTRA, POR SUBSETOR E NATUREZA DOS PRODUTOS Subsetor Eletroeletrônico Duas Rodas Outros TOTAL Natureza dos produtos Bens Finais 6 3 9 Componentes 2 2 2 6 TOTAL 8 5 2 15 Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo e em SUFRAMA (2004b). Como a composição de cada subsetor, no Perfil Industrial, é orientada pela natureza da atividade produtiva, e a interação fornecedor-produtor não se dá apenas dentro do mesmo subsetor, também foram incluídas na amostra empresas de outros dois subsetores. Uma delas, que compõe o subsetor Produtos de Matérias Plásticas, o terceiro em faturamento no Pólo Industrial, foi uma das mais citadas empresas, considerando a estratégia chain sampling; a outra, foi selecionada do subsetor Metalúrgico que, conforme comentado, apresenta relação de proximidade com o subsetor Duas Rodas. Entende-se que essa inclusão favorece a harmonia com os conceitos de aglomeração e cluster. Deve ser ressaltado que a classificação das empresas em seus respectivos subsetores, na Tabela IV.1 e nas seguintes, acompanha as indicações apresentadas no documento Perfil Industrial. 85 Uma outra forma de estratificar a amostra pode se dar segundo a origem do capital controlador do empreendimento, conforme apresentado na Tabela IV.2, sendo que nesse caso a informação foi obtida a partir das próprias empresas. Em algumas situações é indicado capital controlador de origem nacional, embora a empresa nacional associada a esse controle tenha, por sua vez, um controle de capital de origem estrangeira. Dada a importância da questão cultural para o tema em estudo, para a qual existe um potencial de contribuição relacionado à cultura do país de origem da empresa (ou corporação), a Tabela IV.2 apresenta duas colunas, uma com a informação original e outra com a informação denominada como "corrigida". TABELA IV.2 PESQUISA DE CAMPO ORIGEM DO CAPITAL CONTROLADOR DAS EMPRESAS DA AMOSTRA Origem do Capital Controlador Local Nacional Coréia EUA Finlândia Holanda Japão TOTAL Quantidade Original 1 6 1 2 1 0 4 15 Corrigida 1 3 1 2 1 1 6 15 Fonte: Elabora pelo autor, com base em pesquisa de campo. A Tabela IV.3 resume a importância econômica das empresas envolvidas na amostra, na qual está apontada a ordem ocupada por cada uma das empresas em termos de sua representatividade para o faturamento do subsetor a que pertence e do PIM como um todo. Apesar de um menor número de empresas participando da amostra, a maior concentração do faturamento apresentada pelo subsetor Duas Rodas permitiu que fossem envolvidas empresas correspondendo a 87,6% do faturamento desse subsetor, comparativamente a 52,7% do faturamento para o subsetor eletroeletrônico. Evidentemente esses números não incluem o faturamento das duas empresas selecionadas de outros subsetores de interesse, apesar de seu ranking também estar indicado na Tabela IV.3. Para facilitar as referências aos dados obtidos e a correspondente reflexão sobre seu significado, ao mesmo tempo permitindo a oportunidade de um tratamento 86 individualizado, mas sem comprometer o aspecto confidencial das informações prestadas, as Tabelas IV.3 e IV.4 adotam uma identificação numérica associada às empresas da amostra, estabelecida a partir de relação direta com a ordem cronológica efetiva das interações realizadas na pesquisa de campo. TABELA IV.3 PESQUISA DE CAMPO HIERARQUIA DE FATURAMENTO DAS EMPRESAS DA AMOSTRA, EM 2002 Empresa Subsetor Ordem de Faturamento No subsetor a No PIM 01 E 12 19a 02 D 1a 2a 03 D 2a 7a 04 D 11a 158a 05 O 5a 46a 06 E 3a 5a 07 E 4a 6a 08 E 8a 11a 09 E 22a 41a 10 E 2a 4a 11 D 10a 116a 12 D 3a 16a 13 O 4a 100a 14 E 9a 118a 15 E 1a 1a Fonte: Elaborada pelo autor, com base nos dados obtidos em SUFRAMA (2002; 2004b). A Tabela IV.4 apresenta a cronologia da realização das visitas, informando o período de tempo em que cada empresa estava instalada na Zona Franca de Manaus, no momento da interlocução, bem como a natureza de seus produtos (bens finais ou componentes), permitindo a estratificação dessa informação segundo o subsetor e por empresa. Percebe-se que, em média, as empresas do subsetor Eletroeletrônico envolvidas na pesquisa estavam desenvolvendo atividade industrial em Manaus há cerca de 16 anos; para o subsetor Duas Rodas essa média atinge 16 anos e 5 meses. O conjunto das 15 empresas pesquisadas, incluindo as 2 empresas de outros subsetores, tem uma média 87 ainda um pouco superior, correspondente a 17 anos. A mais nova das empresas, no momento da pesquisa, estava implantada há apenas 2 anos; a com maior experiência, há 32 anos. TABELA IV.4 PESQUISA DE CAMPO CRONOLOGIA DAS VISITAS E EXPERIÊNCIA LOCAL DAS EMPRESAS DA AMOSTRA Empresa Subsetor Natureza Data Experiência na (mês/ano) ZFM (anos) 08/03 27 01 E F 02 D F 08/03 27 03 D C 08/03 17 04 D C 08/03 11 05 O C 09/03 25 06 E F 03/04 9 07 E F 03/04 31 08 E F 03/04 10 09 E C 04/04 2 10 E F 04/04 32 11 D F 05/04 8 12 D F 05/04 19 13 O C 06/04 20 14 E C 06/04 13 15 E F 04/04 4 Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo e em SUFRAMA (2002; 2004b). Como elemento adicional final, ressalte-se que na composição do subsetor Duas Rodas, em termos de fabricantes de bens finais, encontram-se principalmente empresas que produzem bicicletas ou motocicletas. Para a composição da amostra, prevaleceram as que têm relação com a fabricação de motocicletas, pelos motivos que estão mais detalhadamente expostos no capítulo V. IV.1.2. PERFIL DOS ENTREVISTADOS. Além do questionário aplicado às empresas industriais, a metodologia envolveu a coleta de dados sob a forma da exploração de informações relacionadas a diferentes experiências de profissionais que acompanham ou participam da atividade empresarial local. 88 A escolha dos profissionais baseou-se na experiência pessoal do autor, mas também considerou algumas sugestões obtidas durante as primeiras interações, repetindo-se o uso da estratégia chain sampling. Como resultado, o grupo de profissionais entrevistados reflete uma extensa experiência relacionada à ZFM e possui projeção em termos da função que exerce ou exerceu em empresas e organizações de diversas naturezas. Alguns dos entrevistados atuam nas próprias empresas em que o questionário foi aplicado, o que permitiu confirmar, detalhar ou até mesmo confrontar fatos de maior interesse. Para a definição do grupo, foi buscada a diversidade quanto à experiência dos profissionais, com o intuito de contemplar possíveis visões complementares sobre a dinâmica local. No total, foram realizadas 16 entrevistas, estando as principais características que compõem o perfil dos entrevistados resumidas na Tabela IV.5. TABELA IV.5 PESQUISA DE CAMPO PERFIL DOS ENTREVISTADOS Entrevistado Subsetor AU E FD Geral FG Dimensão Data (mês/ano) 10.03 Geral Empresa Associação de Classe Governo GF E IX Experiência Local de na ZFM* Nascimento (anos) 19 S. Paulo 08.03 18 R.G. Sul 03.04 30 Amazonas Instituição de P&D 03.04 19 Amazonas D Empresa 03.04 17 S. Paulo JC D Empresa 08.03 20 Amazonas JMB E Governo 09.03 20 Amazonas JP E Empresa 04.04 9 Paraíba JRS E Empresa 08.03 22 Ceará LNK D 06.04 20 S. Paulo ML Geral 12.03 23 R. Janeiro MS E Empresa Associação de Classe/ Empresa Empresa 04.04 2 Finlândia OM Geral Empresa 04.04 6 R. Janeiro RL E 10.03 19 Amazonas TY D 09.03 36 Japão UT Geral Consultoria Associação de Classe/ Consultoria Empresa 09.03 25 Amazonas Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo. * Contabilizada na data da entrevista 89 Observa-se que, na média, os entrevistados apresentam aproximadamente 19 anos de atividade profissional relacionada à ZFM. Embora a pesquisa tenha como foco a cooperação entre empresas, a importância do ambiente em que se inserem fez com que fossem incluídos na amostra representantes do setor governamental e de instituições de pesquisa. O Anexo I apresenta a lista completa dos profissionais entrevistados, incluindo uma breve descrição de suas credenciais. IV.2. DESCRIÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE COLETA. Os instrumentos utilizados na estratégia de coleta dos dados foram basicamente um questionário, aplicado nas empresas, e um roteiro de entrevista, utilizado nas entrevistas dos profissionais. IV.2.1. ESTRUTURA DO QUESTIONÁRIO. O questionário utilizado está reproduzido no Anexo II. Sua constituição engloba 78 questões, subdivididas e agrupadas em 15 diferentes seções e tem como base um questionário similar, utilizado por NADVI e SCHMITZ (1994), principal responsável pela inspiração, de forma direta ou adaptada, de um quantitativo um pouco superior a 80% do total de questões formuladas. Sobre esta base agregou-se cerca de 6% de contribuições obtidas a partir de JARAMILLO et al. (2001), conhecido como Manual de Bogotá, que propõem questões para a abordagem investigativa de atividades de inovação relacionadas a países considerados em desenvolvimento. A Tabela IV.6 oferece uma visão da distribuição das questões formuladas, segundo os assuntos tratados, tendo como parâmetro o número de questões associadas a cada assunto. A estratificação dos assuntos apresentados na primeira coluna dessa tabela está em consonância com os principais conceitos abordados na fundamentação teórica apresentada no Capítulo III deste trabalho. IV.2.2. ROTEIRO DA ENTREVISTA. Para cada profissional entrevistado foi elaborado um roteiro básico de entrevista, procurando levar em consideração a exploração da sua experiência particular em relação à atividade industrial incentivada em Manaus. Antes de representar uma limitação para o conteúdo da entrevista, o roteiro foi adotado com o propósito de atuar como um check-list para garantir que os temas de interesse fossem efetivamente tratados. 90 TABELA IV.6 PESQUISA DE CAMPO COMPOSIÇÃO DO QUESTIONÁRIO, SEGUNDO ASSUNTOS CONTEMPLADOS NAS QUESTÕES Assunto Geral/Perfil da empresa Desempenho Aglomeração/Externalidades Interação Cooperação Competição Governança Inserção Número de questões 11 7 5 3 4 5 4 1 4 2 1 2 3 2 2 2 2 1 8 3 2 1 3 Seção a que pertence (no questionário) 1 2 4 5 9 10 11 15 15 6 7 8 11 6 7 8 10 11 13 12 14 15 3 Fonte: Elaborada pelo autor, com base no questionário utilizado para a coleta de dados nas empresas (Anexo II). Em todas as sessões foi adotada a prática de permitir ao entrevistado, considerados os objetivos previamente apresentados, adicionar determinado tema por ele considerado relevante, e sobre o qual desejasse manifestar seu ponto de vista ou relatar alguma experiência pertinente. Um exemplo de roteiro utilizado está apresentado no Anexo III. IV.3. IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE COLETA. A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2003 a junho de 2004, conforme está apresentado na Tabela IV.7, extrapolando em 1 mês o período inicialmente planejado. 91 Houve uma proposital interposição entre as aplicações do questionário nas empresas dos dois subsetores e a realização das entrevistas, de forma a ampliar eventuais sinergias nas respostas obtidas. TABELA IV.7 PESQUISA DE CAMPO CRONOGRAMA DAS INTERAÇÕES OCORRIDAS Número de contatos efetivados Mês/Ano Entrevistas 08/2003 09/2003 10/2003 12/2003 03/2004 04/2004 05/2004 06/2004 TOTAL 3 3 2 1 3 3 1 16 Aplicação de questionário 4 1 3 3 2 2 15 Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo. Embora tenha sido elaborado um planejamento inicial na ordenação das interações, para o caso das empresas, na prática houve a necessidade de adaptações à agenda dos profissionais envolvidos, e até de reprogramação de empresas que não aceitaram a participação na pesquisa. O quase interregno representado pelos dois últimos meses de 2003 e os dois primeiros meses de 2004 é conseqüência das características da atividade industrial local. Nesse período, a desaceleração na demanda provoca uma concentração das férias coletivas nos setores de produção das empresas, assim como de seus dirigentes, o que de uma certa forma impediu uma trajetória mais homogênea para o ritmo da pesquisa de campo. A aplicação dos questionários e a realização das entrevistas foram conduzidas pessoalmente e exclusivamente pelo autor, evitando-se com isso possibilidades de dúbia interpretação das questões formuladas, e até mesmo permitindo o aprofundamento de temas, pela possibilidade do imediato estabelecimento de conexões com respostas proporcionadas por interlocuções anteriores, no caso das entrevistas. Cada aplicação do questionário exigiu um período de tempo variando aproximadamente entre 60 e 120 minutos; no caso das entrevistas, a média alcançou 75 92 minutos, mas com uma amplitude de variação maior, entre os limites de 30 e 210 minutos. A cada interação com empresa, duas cópias do questionário eram utilizadas, ficando uma sob a guarda do respondente, para melhor acompanhamento das questões formuladas, e outra sendo preenchida de próprio punho pelo pesquisador. Algumas vezes a submissão prévia do questionário, por meio eletrônico, foi necessária para a aprovação da participação na pesquisa. Uma única vez o preenchimento se deu sem a presença do pesquisador, por opção da empresa, que submeteu o questionário preenchido por meio de arquivo eletrônico. Ainda no caso da aplicação dos questionários, algumas empresas optaram por não responder determinadas questões que, sob a ótica do respondente, envolviam informação sigilosa. O caso mais comum esteve relacionado às questões de ordem financeira e mercadológica. No caso das entrevistas, todos os depoimentos foram gravados em fita cassete. Das 16 entrevistas realizadas, 15 foram presenciais e apenas 1 foi realizada remotamente, por telefone. Todas as interações, seja na aplicação do questionário, seja na realização da entrevista, iniciaram-se pela apresentação do pesquisador e dos objetivos da pesquisa. IV.4. TRATAMENTO DOS DADOS. A capacidade de transformar a massa de dados em descobertas relevantes talvez não seja o único, mas é seguramente o principal desafio das análises qualitativas. E a dificuldade instala-se na medida em que não existem fórmulas ou outros meios para replicar perfeitamente os processos de pensamento analítico de um pesquisador. Com isso, a identificação de padrões e a comunicação do que de essencial os dados revelam torna-se um resultado pessoal, dependente da capacidade intelectual, mas também da honestidade do pesquisador, conforme ressalta PATTON (2002, p. 433): "[…]Because each qualitative study is unique, the analytical approach used will be unique. Because qualitative inquiry depends, at every stage, on the skills, training, insights, and capabilities of the inquirer, qualitative analysis ultimately depends on the analytical intellect and style of the analyst. The human factor is the great strength and the fundamental weakness of qualitative inquiry and analysis – a scientific two-edge sword". Essa constatação reflete-se em uma responsabilidade adicional para o pesquisador que, diferentemente de abordagens lastreadas em ferramentas estatísticas, deve ampliar o espaço e, conseqüentemente, realizar um esforço suplementar, para que, 93 além dos resultados, seja reportado e discutido, com a maior precisão possível, seu próprio processo analítico. Na tentativa de alcançar uma maior familiaridade com os dados qualitativos, especialmente aqueles relacionados às entrevistas, a transcrição dos conteúdos das fitas cassete ("degravação") também foi uma tarefa integralmente realizada pelo próprio autor. As respostas aos questionários foram tabuladas em quadros-resumo, agrupadas a partir do conteúdo e estratificadas segundo o perfil das empresas. Cabe ressaltar que todas as principais reflexões, mediadas pelos objetivos da pesquisa, tiveram por base um comportamento que procura separar descrição de interpretação, orientando-se pelos três balizadores para a avaliação em uma pesquisa qualitativa: (i) confirmar o que é sabido, suportado em dados; (ii) abandonar concepções prévias errôneas e (iii) ressaltar elementos importantes que não eram conhecidos, mas deveriam ser (PATTON, 2002, p. 480). Finalmente, a Tabela IV.8 oferece uma apreciação resumida dos aspectos considerados mais importantes sobre a metodologia utilizada. IV.5 DIFICULDADES E LIMITAÇÕES. Não é difícil encontrar, no mesmo fator que revela a fortaleza da abordagem qualitativa, a sua fragilidade. A inexistência de métodos amplamente aplicáveis na realização de análises qualitativas, que tenham sido testados, consolidados e aceitos, de certa forma repercute na discussão da validade dos resultados. Contornar essa dificuldade é uma tarefa aqui tratada, conforme recomenda a bibliografia especializada, por meio de uma exposição mais detalhada dos procedimentos adotados. Também a opção por um trabalho individual, se por um lado estende a capacidade do pesquisador de aprofundar-se nos dados e casos em estudo, em contrapartida estabelece limites para o número de elementos da amostra, que de outro modo poderia ser mais amplo. Um fato não esperado – e relevante – na pesquisa de campo foi a dificuldade de acesso a algumas empresas contatadas. Parte da responsabilidade pela extensão do cronograma efetivamente realizado deveu-se a tentativas infrutíferas de envolver na amostra algumas empresas que, pela estratégia do ranking de faturamento, estariam à frente de outras empresas que acabaram por substituí-las. 94 Talvez isto seja uma conseqüência de que atividades de pesquisa sejam ainda muito esporádicas ou mesmo que não tenha se estabelecido uma maior confiança das empresas quanto ao propósito ou relevância de atividades desenvolvidas pela academia. TABELA IV.8 PESQUISA DE CAMPO RESUMO DOS PONTOS RELEVANTES DA METODOLOGIA Etapa Objeto da interação Profissionais 16 profissionais; amostragem intencional (estratégias chain sampling 15 empresas; amostragem Tamanho e intencional (estratégias chain e experiência pessoal do autor) e seleção da sampling e faturamento) estratificada (indústria, governo, amostra instituições de pesquisa, associações) Entrevista baseada em roteiro Instrumento Questionário padrão individual, previamente definido, de coleta gravada em fita cassete Semi-estruturada: temas principais comuns a todos os entrevistados, Forma de Questões estruturadas, iguais complementados por temas específicos, apresentação para todas as empresas adaptados a cada indivíduo; espaço dos temas para inclusão de outros assuntos Discussão direta prévia Definição do (telefone e/ou e-mail) com o Discussão direta prévia (telefone e/ou momento da principal executivo ou e-mail) interação profissional por ele indicado Entrevista conduzida no ambiente de Aplicação in loco (com 1 trabalho do entrevistado (com 1 exceção, em que a empresa Local da exceção, realizada no ambiente de optou pelo preenchimento e interação trabalho do pesquisador), presencial envio eletrônico dos dados) (com 1 exceção, realizada por telefone) Duração da interação Empresas Entre 60 e 120 minutos, em seção única Apresentação de carta, complementada com Apresentação exposição presencial, com e abordagem explicação dos objetivos do inicial trabalho e do compromisso com o sigilo das informações Análise dos dados Tabulação dos dados dos questionários em quadrosresumo; comentários efetuados sobre os resultados percebidos como relevantes Entre 30 e 210 minutos, em até 2 seções Exposição presencial de alguns conceitos de trabalho, dos objetivos da pesquisa e do roteiro, previamente ao início da entrevista Degravação integral dos conteúdos, pelo próprio autor; análise de conteúdo, tomando-se a citação de palavras-chave como referência, com extração dos dados considerados relevantes; comentários acrescidos com o objetivo de ressaltar e compor perspectivas Fonte: Elaborada pelo autor, adaptada a partir de SIEGEL et al. (2003, p. 37) 95 Uma hipótese para que o pesquisador alcance maior aceitação por parte das empresas, para a realização da atividade de campo, em trabalhos similares, é o seu encaminhamento também ser efetuado pela Suframa, evidentemente supondo o prévio interesse dessa instituição no conteúdo da proposta de estudo, ao invés de ser realizado exclusivamente pela academia. 96 V. CARACTERÍSTICAS DA COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS NO SUBSETOR DUAS RODAS. Os principais resultados obtidos a partir da análise dos dados coletados com a pesquisa de campo, em relação ao subsetor Duas Rodas, estão descritos nas seções que se seguem, neste capítulo. Para facilitar a compreensão de como se estabelecem as relações de cooperação entre as empresas, no subsetor, optou-se pela exposição dos dados e das inferências a eles associadas segundo um recorte que os agrupa em dois diferentes níveis de detalhamento. Inicialmente, considera-se uma perspectiva mais geral, em que são descritos os três principais componentes que contribuem para formar a identidade do subsetor, influenciando a relação de forças que atuam em seu ambiente e, de forma direta, condicionando sua dinâmica. Em seguida, avançando no nível de detalhamento, são explorados as interações e os elementos de cooperação reconhecidos. V.1. IDENTIFICAÇÃO DO CLUSTER DUAS RODAS. Excetuando-se as empresas paralisadas, ou que ainda estejam em processo de implantação, todas as demais empresas que constituem o subsetor Duas Rodas estão registradas na Tabela V.1. A composição ali exibida, baseada em uma classificação apresentada em documento oficial e complementada por dados da pesquisa de campo, não é, todavia, suficientemente abrangente a ponto de oferecer uma visão adequada do que poderia ser chamado "cluster Duas Rodas". Para isso torna-se necessário ampliá-la, de modo a incluir as empresas que, embora classificadas em outros subsetores, participam do que seria a sua "cadeia produtiva". Com a ampliação, entende-se que estaria atendida uma condição necessária à coerência da análise frente aos conceitos tratados no capítulo III, especialmente os de aglomeração e cluster. A materialização dessa necessidade repercutiu, inclusive, na composição da amostra, conforme já discutido, tendo sido objeto de atenção desde o momento inicial de concepção da abordagem metodológica. 97 TABELA V.1 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS EMPRESAS E LINHAS DE PRODUÇÃO DO SUBSETOR DUAS RODAS Empresa Agrale Amazônia S.A. ASAP Ciclo Componentes Ltda Caloi Norte S.A. Companhia Brasileira de Bicicletas S/A Harley-Davidson do Brasil Ltda Honda Componentes da Amazônia Ltda HTA Ind. e Com. Ltda. J. Toledo da Amazônia Ind. e Com. de Veículos Ltda Kasinski Fabricadora de Veículos Ltda Monark da Amazônia S.A. Moto Honda da Amazônia Ltda Prince Bike Norte Ltda Showa do Brasil Ltda Yamaha Componentes da Amazônia Ltda Yamaha Motor da Amazônia Ltda Linha de Produção Aprovada Ciclomotor, motocicleta, motoneta, quadriciclo Componentes para bicicletas: amortecedor, aro, garfo, guidão, cubo da roda, raio para roda, roda Bicicleta, ciclomotor, motoneta, motor de popa, motocicleta, gerador, quadriciclo, bicicleta ergométrica e brinquedo mecânico "patinete" Bicicleta, bicicleta ergométrica, ciclomotor, brinquedo mecânico, motocicleta, esteira rolante elétrica, triciclo, quadriciclo, stepper Motocicleta Partes, peças e componentes para motocicleta Ferramentas, gerador, motor estacionário, peças e componentes Ciclomotor, motoneta, motocicleta, quadriciclo Motocicleta, motoneta, triciclo, utilitário não esportivo Bicicleta Motocicleta, motoneta, quadriciclo, motor estacionário e partes e peças para motocicleta Bicicleta Amortecedor para motocicleta, peças e partes para amortecedor Partes e peças para motocicleta Motocicleta Fonte: Elaborada pelo autor com base em SUFRAMA (2004b) e na pesquisa de campo O resultado obtido respeitando esta condição está apresentado na Figura V.1, na qual estão reunidas as principais empresas identificadas para o cluster13 em questão, mas desta feita não mais em forma de tabela. Assim, além do próprio subsetor Duas Rodas – considerado segundo a perspectiva adotada pelo Perfil Industrial (SUFRAMA, 2004b) – percebe-se a participação de empresas de outros 4 subsetores (mecânico, metalúrgico, eletroeletrônico e termoplástico), que com ele interagem em grau mais significativo. 13 Na revisão conceitual foi possível firmar a idéia de que um cluster abrange outros atores (ou agentes) que não apenas as empresas. A delimitação, no caso da figura, justifica-se porque o foco estabelecido para a pesquisa está na cooperação entre empresas, o que não impede que sejam feitas algumas considerações sobre a participação dos demais atores presentes, conforme será visto à frente, neste mesmo capítulo. 98 FIGURA V.1 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS IDENTIFICAÇÃO DAS PRINCIPAIS EMPRESAS DO CLUSTER DUAS RODAS MECÂNICO Nippon Seiki J C Leakless J C Mitsuba J C FCC J C Musashi J C Denso J C Keihin J C METALÚRGICO Metalfino J C Sodécia C Tecal C ELETROELETRÔNICO TERMOPLÁSTICO GK&B - Showa J C Honda Comp. J C HTA J C Multibras C IFER - C Springer Plást. C DUAS RODAS MOTO HONDA J M Yamaha J M J. Toledo M Harley-Davidson M Ava M Agrale M Nissin Brake J C Scorpios C Reflect C LEGENDA C Yamaha Comp. J C Kasinski M Caloi M, B CBB M, B Monark B Prince Bike B ASAP - C NOME da Empresa (quando sombreado, indica fornecedor Honda) PRODUTO fabricado IDENTIFICAÇÃO (Motocicleta, Bicicleta de origem japonesa ou Componente) Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo 99 Isto remete à necessidade de que seja ressaltada a diferença entre o "subsetor" Duas Rodas, conforme tradicionalmente tratado pelos órgãos oficiais, e o "cluster" Duas Rodas. A partir deste ponto, sempre que for feita uma referência ao cluster, entenda-se o conjunto de abrangência mais ampla, com a participação de empresas de outros subsetores, representado pela ilustração contida na Figura V.1. Ainda em referência à figura, sua concepção tem a intenção de facilitar a compreensão das características mais relevantes observadas para esse cluster, resumidas nos seguintes pontos: (i) a importância técnica e econômica do produto motocicleta, comparativamente aos demais produtos (bens finais) fabricados; (ii) o papel dominante desempenhado pela empresa Moto Honda da Amazônia e (iii) o predomínio de empresas de capital e tecnologia de origem japonesa. Essas três características, por conferirem uma singularidade ao cluster, serão exploradas individualmente, nas seções a seguir. V.1.1. A REPRESENTATIVIDADE DO PRODUTO MOTOCICLETA. Segundo dados oficiais (SUFRAMA, 2004a), a motocicleta14 esteve entre os três produtos de maior faturamento, dentre todos os fabricados no PIM, em cada um dos anos do período recente compreendido pelo intervalo 1999-2003, compartilhando essa primazia com os produtos televisor em cores e telefone celular. Nesse mesmo período, foi responsável por no mínimo 93,4% do faturamento anual relativo a bens finais do subsetor Duas Rodas, atingindo um máximo de 96,1% justamente em 2003, o ano mais recente do intervalo. Tamanha contribuição corresponde a uma representatividade única do produto, tanto para o subsetor quanto para o cluster Duas Rodas, naturalmente exigindo, neste trabalho, maior atenção às relações entre empresas que participam de sua cadeia produtiva na aglomeração local. Bicicleta, o segundo produto em importância econômica, alcançou apenas 3,9% do faturamento total do subsetor no ano de 2003; os demais produtos (triciclo, quadriciclo, patinete etc) correspondem a uma participação não significativa, em parte um reflexo de uma produção intermitente. Um segundo argumento que corrobora um tratamento diferenciado ampara-se nos distintos níveis de complexidade desses dois produtos, tanto em termos de conteúdo 14 O termo é o mesmo utilizado nas estatísticas da Suframa, e será aqui empregado para também representar, além da própria motocicleta, os produtos motoneta e ciclomotor. Embora todos sejam veículos automotores, existem entre eles diferenças técnicas cuja discussão foge aos propósitos deste trabalho. A alternativa "motociclo", talvez a mais adequada, é aqui descartada apenas por seu uso menos familiar. 100 tecnológico, quanto em termos de infra-estrutura para sua produção (máquinas, equipamentos, processos e, principalmente, qualificação da mão-de-obra). A motocicleta é um produto com maior conteúdo tecnológico, que requer conhecimentos, habilidades e especializações mais diversificadas. Por conseqüência, apresenta potencial para mais intensas e variadas interações entre empresas. A distinção, portanto, minimiza o risco de se uniformizar o tratamento de ambos os produtos e seus respectivos fabricantes, reduzindo a possibilidade de generalizações equivocadas na interpretação dos dados. Cabe ressaltar que, a partir das consultas realizadas, foram identificadas apenas duas empresas que fabricam, ao mesmo tempo, bicicletas e motocicletas (estas, no caso, do tipo motoneta); todas as demais fabricam exclusivamente um dentre esses dois produtos, conforme explicitado na Tabela V.1. A Figura V.1 também incorpora essa informação, sendo possível perceber os fabricantes de produtos acabados – todos pertencentes ao subsetor Duas Rodas – e as suas linhas de produção correspondentes, no que dizem respeito a esses dois produtos. No arranjo concebido, as empresas estão agrupadas pela similaridade das linhas de produção, o que permite um reconhecimento imediato. Assim, estão agrupadas as 7 empresas que fabricam exclusivamente motocicletas (Moto Honda, Yamaha, J. Toledo, Kasinski, Harley-Davidson, Ava e Agrale) e, da mesma forma, as 2 que se dedicam exclusivamente à fabricação de bicicletas (Monark e Prince Bike) e as 2 que fabricam ambos os produtos (Caloi Norte e Companhia Brasileira de Bicicletas). As demais integrantes do subsetor Duas Rodas são fabricantes de componentes para motocicletas (Honda Componentes, Yamaha Componentes, Showa e HTA), com exceção da Asap, que é fabricante de componentes para bicicletas. As empresas dos demais subsetores que compõem o cluster também são fabricantes de componentes, sejam eles dedicados apenas aos produtos de duas rodas (particularmente algumas empresas dos subsetores Mecânico e Metalúrgico), ou de atendimento mais amplo, como é o caso das empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Termoplástico. Portanto, em reflexo à influência do produto motocicleta, deve ser considerado que as conclusões aqui delineadas terão sido obtidas a partir da observação e análise do comportamento de empresas de um cluster cuja denominação mais específica e apropriada talvez fosse "Duas Rodas motorizado". 101 V.1.2. CLUSTER DUAS RODAS OU CLUSTER HONDA? Uma segunda importante constatação proporcionada pela pesquisa de campo é quanto à presença dominante da empresa Moto Honda no cluster Duas Rodas, influenciando e de certo modo determinando sua trajetória, conforme pode ser exemplificado por alguns números a ela associados. A Honda15, instalada em um terreno de 500 mil m2, é a maior empresa em área construída no Distrito Industrial de Manaus, com 125 mil m2, constituindo um complexo que corresponde a US$ 550 milhões em investimentos acumulados desde a sua implantação, em 1976, tendo empregado 5,6 mil profissionais em 2004. Segundo dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas e Bicicletas (ABRACICLO, 2005), a entidade que congrega as empresas do segmento de duas rodas, sua produção em 2004 alcançou 895 mil unidades de motocicletas, o que corresponderia a aproximadamente 84,7% do mercado nacional. Considerando que a produção brasileira de motocicletas está concentrada em Manaus, isto qualifica a empresa como um fabricante de expressão nacional, e até mesmo internacional, pois estima-se que seja a 4a maior fábrica de motocicletas do mundo. Esse porte faz com que as ações da empresa, em termos de suas relações industriais, proporcionem uma repercussão sem similar, com influência direta no comportamento dos demais atores do cluster. A intensidade de sua influência pode ser aquilatada pelo número de seus fornecedores locais, conforme demonstram os retângulos sombreados na Figura V.1: dentre os 21 fabricantes de componentes para motocicletas, 19 são fornecedores Honda. Em relação à Yamaha, segunda maior empresa do setor, com cerca de 13,5% do mercado (ABRACICLO, 2005), foram identificados 9 fornecedores locais (incluindo 2 empresas ainda em processo inicial de negociação), sendo 7 deles fornecedores comuns à Honda (Nissin Brake, FCC, Musashi, Mitsuba, Keihin, Reflect, Metalfino), 1 fornecedor dedicado (Yamaha Componentes) e 1 de atendimento amplo ao pólo industrial (Springer Plásticos). O poder atrelado a uma demanda assegurada e contínua de insumos e componentes é capaz de fazer com que a Honda, em determinados momentos, desempenhe até um papel a princípio reservado a órgãos governamentais, no qual se 15 A abreviação Honda será preferencialmente utilizada, a partir deste ponto, em substituição à denominação completa da empresa, Moto Honda da Amazônia Ltda. 102 incluem a promoção de investimentos e a atração de empresas – ainda que as de seu interesse – com o conseqüente adensamento local da cadeia produtiva a que pertence. Portanto, as ações protagonizadas pela empresa têm um alcance potencial bem mais amplo que apenas os eventuais resultados apresentados pelo seu desempenho nos negócios, e o que se percebe é que os principais momentos da trajetória do cluster têm estreito vínculo com a trajetória da própria Honda. V.1.3. A INFLUÊNCIA DE UMA CULTURA ESTRANGEIRA. A característica que ressalta como a mais singular dentre as associadas ao cluster Duas Rodas é a elevada concentração de empresas de origem japonesa, talvez um fenômeno único em termos de um predomínio tão significativo de uma cultura de outro país, quando observado o conjunto de subsetores do Pólo Industrial de Manaus Essa característica não está apenas confinada aos dois principais fabricantes de motocicletas, Honda e Yamaha. Ela também se reflete na composição da rede de fornecedores de insumos e componentes: no total, metade das empresas de alguma forma relacionadas à fabricação de motocicletas, no cluster, é de origem japonesa. Alguns desses fornecedores foram estimulados a instalarem-se em Manaus em conseqüência da capacidade de compras da Honda, corroborada por um relacionamento prévio entre as matrizes das empresas, no Japão. De certa forma, então, houve a transferência de um "capital acumulado" em relações de negócios, do Japão para Manaus. Juntamente com as relações de negócios, aportaram em Manaus práticas profissionais, valores e outros elementos da cultura daquele país, reforçando e ampliando a participação da colônia japonesa na economia do estado do Amazonas, cuja presença, embora antecedendo em algumas décadas o advento da Zona Franca de Manaus, anteriormente distinguia-se por uma atuação concentrada na atividade agrícola. Em parte, a preservação dos aspectos culturais é mantida pela presença de técnicos japoneses (ou descendentes de japoneses) na ocupação de cargos e funções nos níveis mais elevados. Ao ser consultada a informação oficial (SUFRAMA, 2004b), percebe-se que todos os nomes dos principais executivos ou representantes das 15 empresas com esse perfil revelam a origem japonesa. A manutenção de uma identidade é suportada, ainda, por interações em instituições locais, como a Associação Nipo-Brasileira da Amazônia Ocidental e a Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas, que respectivamente 103 privilegiam aspectos sociais e de negócios. Os contatos entre os membros associados são constantes oportunidades para o fortalecimento dessa cultura, reforçando a existência desse ambiente específico, particular. Depreende-se que os padrões culturais assim sedimentados são o principal responsável por um comportamento entendido como ético e não-oportunístico nas relações entre empresas, ressaltado por vários dos entrevistados, e cuja existência em boa parte está alicerçada na confiança mútua que a origem comum proporciona. V.2. COOPERAÇÃO E INTERAÇÃO NO CLUSTER DUAS RODAS. Ressaltadas essas três principais características, é possível discutir e aprofundar a perspectiva para as diferentes formas de cooperação reconhecidas a partir da coleta dos dados. Das 15 empresas submetidas ao questionário, 8 fazem parte do cluster Duas Rodas e, portanto, suas respostas foram utilizadas na análise e comentários inseridos neste capítulo. Nesse subconjunto de 8 empresas, e considerando o conceito de origem "corrigida" do capital, conforme utilizado na composição da Tabela IV.2, foram identificadas 6 empresas de origem estrangeira (5 japonesas e 1 americana), 1 nacional e 1 local. Em relação à natureza dos produtos, 3 são fabricantes de motocicletas e 5 são fornecedoras de componentes, partes e peças para motocicletas. Tomando-se como referência a Tabela IV.1, e as explicações apresentadas na seção V.1, neste capítulo, além das 5 empresas do subsetor Duas Rodas, as demais empresas pertencentes ao cluster têm sua origem no subsetor Eletroeletrônico (1) e em Outros subsetores (2). Das pessoas que, destacadas pelas empresas, responderam ao questionário, 5 são naturais do Amazonas e 3 são de outras regiões do país. Em suas respostas, não houve qualquer vinculação entre o fato de tornar-se empreendedor em Manaus e a necessidade de ser originário da cidade. Apenas 1 indicou a importância de ser da liderança local, uma incidência que torna-se ainda mais significativa se for considerada a representatividade dos respondentes: 5 desempenham funções de gerência, 2 ocupam funções de diretoria e 1 é o próprio dono da empresa. Por essas respostas, depreende-se que a cultura do ambiente local não oferece barreira à entrada de novos empreendedores, independentemente de sua origem. 104 A preocupação com a qualidade sobressai como um padrão de comportamento no cluster. Em termos de importância, a "Qualidade" é considerada como o primeiro fator para a competição para 6 empresas, enquanto o "Preço" e o "Design" foram apontados no mesmo nível de prioridade por apenas 1 empresa cada. Os reflexos dessa preocupação podem ser percebidos na organização interna da produção das empresas: todas mantêm treinamento na área da qualidade para seus empregados e utilizam-se das técnicas básicas ("Inspeção de recebimento", "Inspeção final" e "Controle estatístico de processo"); 5 delas (todas japonesas) praticam "Círculos de controle da qualidade", uma técnica originária e bastante disseminada no Japão; 6 empresas (incluindo 4 japonesas) utilizam-se de "Gestão pela qualidade total". A "Certificação de qualidade ISO 9000" atinge mais empresas (87,5%) que a "Certificação ambiental ISO 14000" (62,5%). E todas as empresas, sem exceção, utilizam-se de "Relações com os clientes para melhoria da qualidade". Ampliando um pouco mais a perspectiva, também é possível reconhecer esse compromisso com melhoria contínua na organização da produção: 6 das 8 empresas alteraram a forma pela qual organizam e controlam a produção, nos últimos 5 anos, sendo todas as iniciativas "Seguindo novos métodos de organização trazidos de fora" da fábrica. Em 2 das empresas, pela natureza de seus produtos (componentes), a produção é organizada exclusivamente por "Arranjo em células/grupos de manufatura"; todas as demais se utilizam de "Linha de montagem" tradicional ou um arranjo "Misto". Como conseqüência, confirma-se uma relação entre essa preocupação com os processos e a percepção de um desempenho superior: 1 empresa avalia que seu produto "Melhorou um pouco" nos últimos 5 anos e as demais 7 acreditam que "Melhorou bastante". Uma prática comum às empresas pesquisadas, com uma única exceção (justamente a que se revelou com poucas relações locais), é a realização de visitas de benchmarking a outras empresas locais, atestada como uma importante fonte de informação e cooperação, em qualquer de suas formas (horizontal ou vertical). Reunindo-se os dois lados da experiência, "Ser visitada" é uma prática considerada "Freqüente" por metade das empresas e "Ocasional" pela outra metade; "Realizar visita" é "Freqüente" para 3 empresas e "Ocasional" para 4. As visitas são compreendidas até mesmo como fonte principal de informação para a "Inovação de processo", tendo sido, neste caso, consideradas uma prática "Ocasional" por 6 empresas e "Freqüente" por 1 empresa. 105 Esses dados sugerem uma postura pró-ativa por parte das empresas do cluster, que favorece uma dinâmica de contínua evolução nos processos, características que auxiliam a compreensão dos elementos de cooperação, detalhados a seguir. V.2.1. ASSIMETRIAS NA COOPERAÇÃO HORIZONTAL. Honda e Yamaha, juntas, respondem por mais de 98% das vendas de motocicletas no mercado nacional, além de serem apontadas como as duas únicas empresas exportadoras (ABRACICLO, 2005). Este é um fator que pode ser considerado um balizador para as possibilidades da cooperação horizontal no cluster Duas Rodas. O maior porte dessas duas empresas, quando comparado ao das demais concorrentes, e o fato de serem ambas de origem japonesa, foram percebidos como os principais motivos para que apresentem um comportamento local que é considerado por vários dos entrevistados como bastante distinto daquele atribuído às suas matrizes no Japão, e aqui interpretado como determinante em termos das possibilidades de cooperação horizontal no cluster. A competição direta na disputa pelos mercados brasileiro e internacional não impediu que Honda e Yamaha tenham construído uma relação de cordialidade, na qual são encontrados exemplos de cooperação, no caso das unidades fabris de Manaus. Dentre esses exemplos, ressaltou a ocorrência, em um passado recente, de visitas mútuas para intercâmbio de experiências em gestão, especialmente nas áreas de qualidade e meio ambiente. As atividades relacionadas às práticas de gestão acabam por configurar-se em maiores oportunidades de cooperação por não serem consideradas pelas empresas como elementos estratégicos para o sucesso do negócio (ou "de sigilo industrial", conforme reportado). Essa pré-disposição cooperativa é também sinalizada, por parte da Honda, para outras áreas, tais como as de responsabilidade social e segurança. Em fase anterior, talvez o momento mais peculiar do relacionamento tenha sido alcançado quando a Honda implementou, em seu ambiente de produção, parte de um processo de fabricação para atendimento à Yamaha, tornando-se sua fornecedora. Isto ocorreu no período entre 1994 e 1997, em que a Honda forneceu à Yamaha cilindro externo de amortecedor dianteiro e placa inferior de assento, ambos para motocicleta, por possuir o único processo em Manaus que poderia, à época, fabricar estes dois itens. Essa relação de fornecimento implicou em que a Yamaha, motivada pelos padrões de seu sistema da qualidade, realizasse auditorias periódicas na linha de 106 produção da Honda, um comportamento que, se nas relações fornecedor-comprador em um ambiente industrial moderno é relativamente freqüente, torna-se no mínimo inesperado ao envolver especificamente duas empresas concorrentes. O relacionamento entre Honda e Yamaha é citado por mais de um entrevistado como uma característica própria deste ambiente local, uma prática que não acontece entre suas matrizes no Japão e, provavelmente, permanece até sendo do desconhecimento destas. Ao serem argüidos quanto ao motivo que explique esse comportamento, a resposta típica vincula-o ao isolamento de Manaus, nos anos iniciais da atividade industrial da Zona Franca, que ajudou a criar uma cultura de aproximação das empresas. Embora hoje a quase totalidade dos aspectos associados àquele isolamento histórico não mais exista, teriam permanecido alguns dos hábitos adquiridos durante aquela fase. O ambiente de respeito e confiança mútuos, entretanto, não é suficiente para estimular a troca de experiências ou intercâmbio no campo tecnológico. À ausência de exemplos nessa arena pode ser oferecida a explicação resumida na seguinte assertiva de um dos entrevistados: "Naquilo que é específico, tecnologia, invenção própria (...) isto é guardado, pois é o nosso ‘pão’, o nosso diferencial". Também não foi registrada cooperação horizontal bilateral envolvendo qualquer outro fabricante de bem final, um panorama que tem pequenas chances de se alterar, permanecidas as condições atuais: diferenças culturais, de porte e, em conseqüência, de processos produtivos, funcionam como barreiras, concentrando o universo de exemplos em Honda e Yamaha. Em geral, o ponto de partida para a maioria dos esforços de cooperação horizontal é proporcionado por uma interação em reunião de associação de classe, especialmente o Centro da Indústria do Estado do Amazonas – Cieam e a Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas. Ambas as entidades reúnem regularmente associados e membros de diretoria. Novamente, o comportamento das empresas líderes, especialmente da Honda, é indicado como distinguido, nessas associações, quando comparado ao das demais. Particularmente no caso do Cieam, que internamente subdivide-se em distintos fóruns, de funcionamento concomitante, o porte pode mais uma vez ser um motivo, já que a realidade das empresas menores, associada a um quadro quantitativamente limitado de recursos humanos, dificulta uma participação mais constante nas várias frentes que se estabelecem. 107 Mesmo considerando o status das maiores empresas, apurou-se uma tendência de que os assuntos de mais amplo alcance sejam tratados inicialmente na Câmara e, após convergência para posições comuns, apresentados por meio de pleitos e sugestões no Cieam. Essa hierarquia pode ser uma conseqüência do maior número de associados e subsetores representados no Cieam, o que se reflete em maior capacidade de expressão política local para a entidade. Essa vantagem, para que seja desfrutada, necessita da superação de uma dificuldade pelo associado: a de tornar-se capaz de interferir em uma agenda que, pelos mesmos motivos, tende a ser mais densa e difícil de ser influenciada por qualquer empresa isoladamente. Já no caso da Câmara, embora também seja uma organização aberta, o idioma japonês, que predomina nos contatos, é diretamente apontado, inclusive por sua diretoria, como um fator limitante para a conquista e participação de um número maior de associados. Em seu conjunto, a menor participação dos demais fabricantes de motocicletas nesses ou mesmo em outros fóruns, como a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas – Fieam e as reuniões para a aprovação de projetos do Conselho de Administração da Suframa, reduz a possibilidade do contato face a face e, com ela, as oportunidades de interação cooperativa. Apesar disso, ela ainda se manifesta quando os interesses comuns mais básicos são ameaçados. Esforços de cooperação horizontal multilateral sempre encontram estímulo nas eventuais alterações na legislação, federal ou estadual, que provoquem impacto nos benefícios fiscais ou que atribuam novas exigências a processos produtivos. Um exemplo recente deu-se em 2003, com a reforma da lei que regulamenta o incentivo estadual, citada como a primeira vez em que, a partir de uma abordagem não impositiva do governo do estado do Amazonas, um esboço prévio da legislação foi submetido à apreciação e discussão pelas empresas. Para facilitar a participação, as empresas mobilizaram-se por meio de câmaras específicas, instaladas com o propósito de discutir o projeto. Mesmo após a nova legislação estar aprovada, as câmaras permaneceram ativas, algumas com reuniões de freqüência regular, por vezes utilizando-se da infra-estrutura da associação de classe. Essas câmaras apresentam-se como novos fóruns para o tratamento de questões que envolvam um maior número de interessados, estimulando a aproximação de empresas e profissionais, inclusive favorecendo relações com outros subsetores da atividade industrial em Manaus, o que potencializa a disseminação mais rápida de informações. 108 Um último elemento na composição das interações cooperativas, aparentemente diferenciado, é uma maior aproximação entre os fabricantes de componentes, identificada para empresas dos subsetores mecânico e metalúrgico do cluster. Embora não se enquadre rigorosamente na idéia de cooperação horizontal (uma vez que não se trata de empresas que disputam um mesmo mercado, com produtos substitutos), tampouco é vertical (pois não há relação direta comprador-fornecedor entre elas): registrou-se também a ocorrência de visitas mútuas entre fabricantes de componentes, para aprendizados em práticas de gestão, desta feita privilegiando temas como a busca de soluções para tratamento de efluentes de processos produtivos e o aperfeiçoamento na gestão de recursos humanos. Em resumo, a prática da cooperação horizontal é intermitente e, em termos de disseminação, não homogênea. A quase totalidade dos exemplos, quando resultado de motivação interna das próprias empresas, está centrada na cooperação horizontal bilateral Honda-Yamaha; quando mais abrangente (multilateral), é resposta a um estímulo externo sob a forma de "ameaça" ao usufruto de benefícios. Mas se os dados disponíveis permitem que se conclua pela existência de um comportamento não uniforme no relacionamento entre concorrentes, também ocorre a constatação de uma razoável diversidade nas iniciativas de cooperação horizontal bilateral. E a importância relativa, no cluster, dos que a praticam, amplia o benefício de seus efeitos. V.2.2. O VIGOR DA COOPERAÇÃO VERTICAL. As relações produtor-fornecedor, na indústria brasileira de motocicletas, tendem a ser de mais longo prazo. A natureza do produto não permite que um fornecedor seja facilmente descartado ou substituído, em curto prazo, em virtude de pelo menos dois motivos principais: (i) na maioria das situações, especialmente em se tratando de componentes, não é possível diluir um pedido entre vários fornecedores, pois as quantidades são pequenas e, comumente, o fornecedor é único, mesmo considerando todo o mercado ofertante nacional; (ii) os componentes fabricados por esses fornecedores não são "de prateleira", pois via de regra foram desenvolvidos em atendimento a especificações atreladas a um determinado modelo de produto, a partir de atividades que consumiram tempo e outros recursos para serem realizadas. 109 A situação de mútua dependência, portanto, tende a tornar os vínculos mais estáveis. Ainda que por via indireta, é um elemento que se revela como um ponto forte para o estímulo às relações de cooperação vertical. E os exemplos nas relações locais são vários, estendendo-se para além de fornecedores de componentes: foram identificadas iniciativas alcançando empresas prestadoras de serviços, como por exemplo transportadoras e recicladoras. Nas respostas ao questionário, em termos gerais pode-se concluir que são boas as relações entre empresas e seus fornecedores: 87,5% destes "Oferecem assistência com problemas que surgiram em seus produtos" e 75% "Solicitam sugestões de como melhorar" e "Explicam as características de seus produtos". As empresas de bem final citam "Assessoria na organização da produção", "Empréstimo de máquinas ou equipamentos" e "Treinamento de trabalhadores" como os benefícios que mais se destacam dentre os que oferecem no relacionamento com os subcontratados. Ainda assim, a incidência é considerada "Ocasional" (outras alternativas incluíam "Freqüente" e "Nunca" como opções). Esses tipos de benefícios são confirmados pelos exemplos obtidos por meio dos relatos dos entrevistados, conforme será comentado adiante. Duas unanimidades foram obtidas nas relações com subcontratados: em termos de benefícios, nenhuma das empresas pratica o "Pagamento adiantado"; em outra frente, o principal comportamento quando da quebra de um contrato é o que "Solicita que o trabalho seja refeito". Um fato que reforça uma tendência à divisão do trabalho entre as empresas do cluster é que 100% dos fabricantes de bem final e 85,7% do total da amostra subcontratam em virtude da "Maior eficiência do subcontratado", sinalizando uma inclinação à especialização. Por outro lado, apenas 1 empresa classificou-se como subcontratada, dificultando o aproveitamento de suas respostas para a generalização de um comportamento. Em sua prática de relacionamento, a Honda utiliza-se do termo parceiros para referir-se aos fornecedores, proporcionando-lhes apoio em diversos níveis. E isto se configurou como um elemento distintivo detectado na comparação direta com a Yamaha: embora os níveis de exigência, em termos de especificações técnicas, qualidade e pontualidade na entrega, sejam interpretados como equivalentes, a Honda é percebida, por alguns dos fornecedores, como uma empresa que oferece maiores oportunidades para cooperação. 110 Talvez a principal contribuição para explicar essa realidade esteja na utilização da técnica just in time, pela Honda, no relacionamento com os fornecedores locais: enquanto o estoque de fornecedores do exterior corresponde em média a 45 dias de produção, e o de nacionais, a 20 dias, não existe estoque para os componentes fornecidos localmente. Essa política tem conseqüências econômicas significativas, pois, embora apenas 19 dos 102 fornecedores da empresa sejam locais, eles respondem por 60% do valor total das suas compras nacionais; por sua vez, o mercado nacional é o principal abastecedor da Honda, graças a índices de nacionalização que, justamente nos modelos de motocicleta que apresentam maior volume de produção, são superiores a 90%. Assim, qualquer desarmonia no abastecimento local corresponde a atribulações para o cumprimento de seus planos de produção, induzindo à aproximação com os fornecedores e, por conseqüência, favorecendo a cooperação. Por isso, a cooperação manifesta-se em diferentes níveis e tipos: transferência de conhecimento tecnológico (a partir da base local ou com o apoio da vinda de especialistas da matriz japonesa ou de outras empresas da corporação) ou de know how operacional (metodologias de gestão de produção, logística, suporte legal e burocrático em operações de importação), avançando até mesmo ao apoio financeiro direto. Nesse último caso, por exemplo, se um fornecedor não possui disponibilidade de recursos para investir de forma ágil em resposta a um aumento de demanda da Honda, ela apóia e viabiliza financeiramente o investimento em máquinas. Diferentemente do que ocorre em termos da cooperação horizontal, foram registradas iniciativas no âmbito tecnológico: o Desenvolvimento conjunto de produtos, uma forma bastante particular de cooperação, foi citada por 3 empresas. Embora, em termos de aprendizado, seja uma perspectiva promissora, deve ser ressaltado que em todas elas a própria natureza dos produtos exigia proximidade estreita com os clientes. De certa forma, então, os fornecedores locais, evidentemente segundo também o interesse da própria Honda, podem contar com facilidades proporcionadas por uma empresa que participa de uma corporação com 40 unidades em 37 países. Um outro tipo de apoio é o envolvimento financeiro por meio da participação na composição do capital de empresas. Além de manter o controle sobre as empresas Honda Componentes e HTA, que fazem parte do grupo Honda, a empresa tem participação no capital de Showa e Keihin. Por vezes, a participação em algumas empresas é temporária, uma forma de demonstrar comprometimento com o sucesso do fornecedor de componentes por ela própria atraído, como são os casos de FCC e Nissin 111 Brake, exemplos em que a Honda deteve participação no capital, desde o momento da implantação, posteriormente retirando-se quando os empreendimentos alcançaram uma condição de operação considerada estável. O apoio à manutenção de equipamentos é mais um exemplo de relação cooperativa. O setor de manutenção da Honda, reconhecido na comunidade industrial pelo bom desempenho, alicerçado em conceitos de manutenção produtiva total (MPT), com alguma freqüência cede técnicos a parceiros que, em virtude do porte, não possuam equipe de manutenção própria para fazer frente a eventuais contratempos com o inadequado funcionamento de suas próprias máquinas. É plausível admitir que o apoio proporcionado seja pautado pelos próprios interesses atrelados às necessidades de produção da Honda. Em seu conjunto, a articulação do processo resulta no exercício de uma prática pouco usual, pelo menos para os padrões locais, que poderia ser denominada "gestão integrada de fornecedores". Em intervalos quinzenais ou mensais, as diretorias dos fornecedores locais são reunidas para trocar idéias e relatar dificuldades eventuais no cumprimento da programação de produção especificada pela Honda. Essa iniciativa não se limita às questões diretamente vinculadas à produção, mas envolve também problemas do dia-adia (aspectos comerciais e de tributos, especialmente aqueles relacionados aos trâmites de alfândega, em processos de importação) ou qualquer outra atividade que possa de alguma forma comprometer o atendimento à produção planejada. A supervisão dos fornecedores é complementada pelo destacamento de funcionário com responsabilidade para avaliar e reportar individualmente o atendimento aos pedidos colocados. O reconhecimento de um problema, real ou potencial, é motivo para que o apoio mais apropriado seja prestado. Os depoimentos evidenciam que tal comportamento é ampla e positivamente favorecido pela origem japonesa dos protagonistas, que proporciona um maior nível prévio de confiança para o estabelecimento das relações. Por outro lado, de acordo com um dos relatos, a participação nas reuniões conjuntas realizadas pela Honda estaria limitada aos fornecedores de origem japonesa, novamente sendo citado o idioma estrangeiro como uma barreira para a participação mais ampla. De todo modo, as opiniões permitem concluir que o relacionamento cooperativo tem se intensificado ao longo dos últimos anos, e há uma percepção de que tende a se expandir, no futuro, em direção a questões concernentes aos níveis operacionais das empresas. 112 Outro fator que fortalece essa tendência é o crescimento recente das atividades da Yamaha. A empresa tem realizado investimentos na ampliação de suas instalações, para receber a transferência de linhas de produção que funcionavam na matriz japonesa, o que implicará em um adensamento local de sua rede de fornecedores, correspondendo à realização, em Manaus, de mais etapas de seus processos de produção, contribuindo para novas oportunidades de cooperação. Assim, o atributo de ter um cliente único, como ainda é o caso de um representativo grupo de fornecedores do cluster Duas Rodas, tende a ser menos freqüente, o que ampliaria a possibilidade de apurar as observações e opiniões sobre o comportamento cooperativo, aprimorando-as por meio de comparações de desempenho. V.3. INDICADORES DE CONFIANÇA, INSERÇÃO E APRENDIZADO NO CLUSTER DUAS RODAS. As principais características atribuídas ao cluster Duas Rodas, no início deste capítulo, serão agora utilizadas em auxílio a uma análise mais acurada do seu perfil, mediada por alguns dos conceitos complementares abordados na revisão teórica. V.3.1. A CONFIANÇA COMO BASE NAS PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES DE GOVERNANÇA. No ambiente em que se dá a trajetória do cluster Duas Rodas, é possível perceber que, além das empresas de maior porte (Honda e Yamaha), dois outros agentes exercem uma influência diferenciada em termos de práticas e comportamentos. O primeiro, a Câmara de Comércio Nipo-Brasileira, revelou-se um espaço para a aproximação de executivos de empresas, especialmente daquelas com origem japonesa (e não apenas as pertencentes ao cluster Duas Rodas, embora sua presença seja mais destacada), que percebem ali um canal de comunicação mais eficiente para a busca de consenso em torno de temas prioritários (particularmente questões institucionais que envolvam governo, sistema tributário e benefício fiscal), cujas posições serão posteriormente encaminhadas a outros fóruns apropriados, ou apresentadas diretamente aos órgãos de governo. Atividades que inicialmente concentravam seus objetivos na maior integração social, com o tempo evoluíram para a discussão de questões pertinentes ao desempenho nos negócios. O Cieam, o segundo desses agentes, é por ampla margem apontado por empresas e profissionais consultados, relacionados ao cluster Duas Rodas, como a associação mais ativa, especialmente em questões econômicas, ambientais, de qualidade e de 113 recursos humanos. A criação de comissões especializadas no tratamento de temas de interesse das empresas associadas, uma prática da entidade, auxilia na convergência de opiniões e na discussão e socialização de soluções. Esses dois agentes, Câmara e Cieam, podem ser considerados os principais fóruns a abrigar manifestações de governança privada identificadas para o cluster e, conseqüentemente, aos quais pode ser creditado um papel relevante a ser desempenhado em qualquer trajetória futura desejada que se pretenda estabelecer. Nas empresas submetidas ao questionário, as associações de classe são citadas como sendo utilizadas (de modo "Freqüente") para o acesso a "Cursos e seminários" e a "Boletins informativos". Também é citado o objetivo do "Aconselhamento em questões legais" (de modo "Freqüente" ou "Ocasional"). Mas a "Interação na associação de classe" "Nunca" é fonte de informação para a "Inovação de processo" (no caso, associada ao maquinário ou à organização da produção) para 6 das 8 empresas, e é uma fonte "Ocasional" para as outras 2. Este dado confirma os depoimentos quanto à ausência de discussões e interações sobre questões com viés técnico (ou tecnológico) nas associações. A existência da confiança, já ressaltada como uma virtude essencial à ampliação de um comportamento cooperativo, é explicitamente citada pelos entrevistados, associada de forma regular à propriedade de facilitar as aproximações. Este predicado é favoravelmente beneficiado pelo singular predomínio da cultura japonesa, conforme evidenciado para esse cluster. E o benefício deve ser entendido em toda a sua extensão, pois não se dá apenas na dimensão das interações internas ao cluster, mas também influencia as incursões externas deste, seja facilitando a atração de novos atores, seja na busca de apoio e soluções a partir das próprias relações corporativas da empresa líder, ambas confirmadas por exemplos a partir da pesquisa de campo. Igualmente importante é destacar que esse papel ativo da comunidade japonesa, traduzido em um "espírito local de colaboração", é citado como um diferencial de Manaus, mesmo quando esta é comparada a outras cidades que no Brasil também abrigam japoneses e seus descendentes em maior número, como são os casos de Belém e São Paulo. Diversamente, outras comunidades estrangeiras localmente presentes são citadas em contra-exemplo, respaldado na hipótese de que não provocariam a mesma capacidade aglutinadora. 114 Portanto, uma reflexão em termos mais abrangentes sugere que existem e estão sendo fortalecidas as condições para o desenvolvimento de um ambiente em que um processo mais amplo e ativo de governança seja sedimentado. Essa perspectiva confirma-se até mesmo nas relações entre empresa e governo: em geral, empresas e entrevistados reconhecem que o acesso à Suframa e às secretarias estaduais, para consultas e troca de idéias, é uma tarefa que atualmente está mais facilitada. Canais de comunicação mais eficientes tendem a reforçar que as empresas continuem evoluindo suas relações nos fóruns aqui descritos, na perspectiva de que suas sugestões alcancem maior respaldo. V.3.2. ALGUNS IMPACTOS DA PRODUÇÃO E DO APRENDIZADO PARA O PERFIL DA MÃO-DE-OBRA. É interessante observar, também, a influência de diferentes fases vivenciadas pelo modelo Zona Franca na trajetória de aprendizado do cluster, como pode ser avaliado a partir das alterações no perfil da mão-de-obra. Em 7 das 8 empresas pertencentes ao cluster que responderam ao questionário, e cujos dados de mão-de-obra foram informados, trabalhavam 7.494 pessoas, sendo 11,9% deste total compostos por profissionais com nível superior, uma parcela significativa, se for observado que a atividade tradicional de manufatura corresponderia a uma maior geração de empregos em postos de trabalho no chamado "chão de fábrica". Em 75% das empresas, o número de empregados havia aumentado no período compreendendo os 5 anos precedentes, sugerindo que as atividades, no cluster, encontravam-se em crescimento. Nenhuma das empresas externou dificuldades para a contratação de mão-de-obra não especializada, um resultado previsível, considerando as mais de 3 décadas de atividade incentivada contribuindo para o estabelecimento de uma cultura industrial em Manaus, o que resultou na existência de um contingente de profissionais aptos ao trabalho na indústria em geral, uma das principais externalidades atribuídas a aglomerações industriais. Por outro lado, uma ampla maioria de 75% das empresas alegou dificuldades com a mão-de-obra especializada, um dado reforçado por alguns dos depoimentos. As duas únicas empresas que não indicaram essa dificuldade utilizam-se de processos produtivos simples, para os quais não é exigido um maior preparo técnico na sua condução, o que torna o dado ainda mais contundente. 115 Na visão dos entrevistados, embora a totalidade destes perceba uma evolução da capacitação da mão-de-obra local, a posição sustenta-se na dificuldade enfatizada de contratar profissionais com determinado perfil. Para exemplificar, tome-se novamente como referência a Honda. Na fase crítica da substituição de importações e do estabelecimento de quotas limitando as compras de insumos e componentes no exterior, a empresa buscou o desenvolvimento de componentes nacionais, de modo a tornar possível alcançar os índices de nacionalização exigidos, uma solução bastante particular de adaptação às realidades brasileira e local. Esses esforços de nacionalização refletiram-se no desenvolvimento de um processo produtivo com alto grau de verticalização, em virtude da inexistência de fornecedores locais e do limitado mercado nacional de motocicletas, cujas demandas não despertavam interesse de possíveis fornecedores potenciais (como seria o caso, por exemplo, das empresas que atendem aos fabricantes nacionais de automóveis). A verticalização que se impôs, então, resultou da necessidade da Honda realizar atividades que, em outro panorama, poderiam ser executadas por fornecedores. Os relatos revelam que durante essa fase a empresa recebeu apoio de seus fornecedores no Japão para implementar as atividades que, tecnicamente, não eram de seu domínio. O processo como um todo proporcionou um aprendizado que beneficiou não apenas a empresa em si, mas repercutiu positivamente na formação local de mãode-obra especializada. Assim, os anos iniciais da atividade produtiva podem ser caracterizados por uma maior demanda pelo profissional com habilidades de cunho genérico, considerando que o mesmo desempenharia tarefas relacionadas a assuntos distintos, um desafio compensado pela menor complexidade destas. Com o passar dos anos, o avanço nos processos tornou mais nítida a necessidade de divisão interna do trabalho, implicando na busca por profissionais com um maior nível de especialização, por vezes alcançada apenas a partir de capacitação interna. Além das inúmeras operações na produção, podem ser oferecidos como exemplos as atividades de metrologia e diversos tipos de ensaios e testes, incluindo até mesmo a pilotagem de motocicletas, cada uma delas hoje conduzida por profissional com o preparo específico. Com a evolução do mercado nacional, a Honda enfrentou a impossibilidade de manter o crescimento de sua própria infra-estrutura em um ritmo adequado ao atendimento à contínua demanda por novos modelos, estratificada em função de 116 diferentes usos desejados para a motocicleta, e ao mesmo tempo correspondendo a uma crescente sofisticação tecnológica. Essa condição precipitou a ampliação do número de fornecedores locais, atendida por meio da estratégia de atrair, preferencialmente, aqueles que, no momento anterior, haviam lhe proporcionado apoio. Ao mesmo tempo isto disseminou, para outras empresas, a demanda por algumas especialidades profissionais até então restrita à Honda. Embora não seja o único, este é um motivo determinante da trajetória e da configuração atual do cluster, com implicações diretas para seu ritmo de aprendizado. Além disso, a ocupação de mercados externos contribuiu para acelerar uma nova configuração. O Brasil registra exportação regular desde 1988 e no ano de 2004 as exportações corresponderam a 14,7% do total de motocicletas vendidas (ABRACICLO, 2005). A Honda, em 2002, exportou para 34 países. O alcance de tantos mercados seria um desafio difícil de ser vencido se não houvesse agregação local de valor à produção. A agregação local é decisiva para a capacidade competitiva de uma empresa que, de outro modo, teria dificuldades de enfrentar a disputa pelo mercado internacional com os próprios centros de produção que sejam seus fornecedores. Se a estratégia de exportar é causa ou efeito do fortalecimento da rede de fornecedores locais, esta é uma questão que a abordagem da pesquisa não teve a intenção de investigar. O fato é que, nos últimos 5 anos, ocorreu a implantação de praticamente metade dos fornecedores locais da Honda, de origem japonesa, que não fazem parte direta de seu grupo de empresas; paralelamente, nos últimos 3 anos as exportações brasileiras de motocicletas conseguiram avançar para a casa dos dois dígitos, em termos de participação percentual no total das vendas das empresas nacionais. Um outro contexto reforça uma expectativa favorável quanto ao aumento da capacitação local é o exemplo da implantação da fábrica de automóveis da Honda em Sumaré (SP). Além de todos os investimentos necessários à implantação e ampliação da fábrica originarem-se do desempenho da unidade de motocicletas, em Manaus, a mãode-obra amazonense é citada como a responsável pela colocação daquela fábrica em operação. Com base nesses elementos, torna-se surpreendente a ênfase imputada por empresas e depoentes à escassez de mão-de-obra local especializada, que se apóia no fato de ainda serem recrutados profissionais oriundos de outras localidades, nominalmente citadas São Paulo, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais. 117 Segundo essa visão, ainda não há formação local para atendimento ao que consideram importantes especialidades, como seria o caso da Engenharia Metalúrgica. Uma prática recente que corrobora a necessidade de sobrepujar essa dificuldade é a contratação de dekasseguis (brasileiros descendentes de japoneses que emigraram em busca de trabalho no Japão). Aqueles que desejam voltar ao Brasil são recrutados e posteriormente treinados em fábrica ainda no próprio Japão. Ao chegar a Manaus, desempenham suas funções com a vantagem adicional de auxiliar na comunicação entre a mão-de-obra local e o executivo japonês. Segundo depoimento de dirigente, a maior parte dessa mão-de-obra é originária do interior de São Paulo, e sua adaptação a Manaus é alcançada com mais facilidade do que a da recrutada diretamente naquele estado (ou, como tem sido mais comum, de estados da Região Nordeste). Mas o tema permite que seja ainda acrescentado um outro elemento à análise. Quando avaliados os dados relativos à formação de recursos humanos, por meio das respostas aos questionários, é possível interpretar uma distinção no desempenho percebido para as instituições formadoras de mão-de-obra. No nível do ensino técnico e profissionalizante, as relações com as instituições ocorrem em maior intensidade, por meio de 6 das empresas, todas indicando um grau de satisfação "Adequado" (outras opções oferecidas foram os graus "Totalmente Insatisfatório", "Inadequado" ou, no extremo, "Totalmente Satisfatório"). Em princípio, a disponibilidade de mão-de-obra em nível técnico não seria um problema para as empresas. Já no nível superior, apenas 4 empresas assinalam relações com universidades, com algumas das experiências reportadas de forma negativa, o que evidentemente reforça uma dificuldade para a evolução no quadro da mão-de-obra especializada. Outros exemplos que se contrapõem a uma conclusão definitiva são as atividades técnicas como "Contabilidade e Custeio" de produtos, funções executadas internamente por todas as empresas; a "Manutenção em máquinas" e o "Recrutamento e seleção", que foram apontadas como sendo de realização interna pela grande maioria. E todas elas refletem uma necessidade de utilização de profissional especializado. Essa aparente confrontação entre percepção e dados pode encontrar uma justifica no fato de que os interlocutores consideram mão-de-obra especializada apenas aquela diretamente atrelada à formação em nível superior na área tecnológica, descartando dessa categoria a mão-de-obra de nível técnico e os demais profissionais de nível superior. A confirmação dessa suposição, que acarreta o reconhecimento do 118 subdimensionamento do contingente de profissionais especializados, exigiria uma nova incursão ao campo. V.3.3. ELEMENTOS DA INSERÇÃO LOCAL: O RELACIONAMENTO COM OUTROS TIPOS DE AGENTES. Se a cooperação entre empresas ocorre em intensidade apreciável, a relação das empresas com outros agentes do cluster é manifestada pelos entrevistados como ainda frágil, um fato confirmado pelos dados obtidos com a aplicação do questionário. Argüidas quanto à existência e grau de satisfação ("Totalmente Insatisfatório", "Inadequado", "Adequado" ou "Totalmente Satisfatório") na aquisição local de vários tipos de serviços, alguns pontos podem ser destacados. Os agentes locais com os quais há maior incidência de relações, citados por 7 das empresas, são "Laboratórios de ensaios e testes", "Centros de treinamento" e "Consultores independentes/Empresas de consultoria". A presença da consultoria local, a princípio surpreendente, é compreendida quando esclarecidas as atividades que lhe são demandadas: 71,4% das vezes dizem respeito ao atendimento a necessidades de "Treinamento e capacitação". Essa mesma consultoria local nunca é citada como fonte de inovação, um papel reservado aos "Consultores de fora", citados como fonte "Ocasional" por 5 empresas (62,5%). Apenas 3 empresas apontam a interação com Institutos de tecnologia, utilizados em serviços de "Ensaios, análises e metrologia" e "Treinamento e capacitação", mas o grau de satisfação foi classificado por todas como "Inadequado", o que aparenta uma dificuldade adicional para o desejado desenvolvimento de atividades com maior conteúdo. Se nesta matriz analítica, o foco voltar-se das linhas (tipos de "Agentes") para as colunas (tipos de "Serviços"), é possível compreender mais claramente qual o objeto das interações: a principal incidência está relacionada ao "Treinamento e capacitação de pessoal". Todas as empresas utilizam-se (não exclusivamente) de serviços externos para a realização destas atividades, sendo que 75% delas interagem com 2 ou mais diferentes tipos de agentes para esse fim. O segundo tipo de serviço mais freqüente são os "Ensaios, análises e metrologia" que, embora sejam contratados de 4 diferentes tipos de agentes, estão mais concentrados em "Institutos de tecnologia" e "Laboratórios de ensaios e testes". Esse serviço funciona como um suporte para atividades de gestão da qualidade e controle de produção e, 119 portanto, o dado confirma a importância que as empresas conferem a ambos os temas, conforme comentado anteriormente. Interações com maior conteúdo tecnológico, traduzidas nas opções "Projetos de P&D", "Desenvolvimento de produto e processo" e "Assessoria técnica e tecnológica", têm uma presença marginal. A exceção é a prática generalizada de relações locais por uma das empresas da amostra, confirmando o acerto de sua inclusão a partir da estratégia chain sampling. Um reflexo da inexistência de alguns serviços técnicos especializados em Manaus é o uso de instituições de fora ou, mais uma vez, a sua verticalização. Grande parte da calibração dos instrumentos da Honda, por exemplo, é realizada internamente, uma atividade que a empresa explicita a preferência por não realizar; parte menor é destinada a alguns prestadores de serviços locais; mesmo assim, permanecem sendo deslocados instrumentos até instituições em São Paulo. V.4. CONCLUSÕES QUANTO À EFICIÊNCIA COLETIVA NO CLUSTER DUAS RODAS. Uma conclusão inicial importante é o discernimento de que o ambiente, ainda que tenha etapas a vencer em seu processo de amadurecimento, estimula a cooperação. Características como a ausência de comportamento oportunístico e o clima de confiança mútua reforçam a informalidade que amplia as relações: nenhum dos exemplos de cooperação identificados resultou de relação formal, segundo os interlocutores. A base instalada da empresa Honda, tendo em conta sua infra-estrutura física, a importante rede de fornecedores locais, a participação ativa em associações de classe e a capacidade de interlocução com os órgãos de governo, fazem com que a sua posição de liderança não encontre paralelo, no cluster Duas Rodas, sendo de difícil comparação até mesmo com o restante do universo da atividade industrial em Manaus. Os recentes investimentos da Yamaha sinalizam uma possibilidade, ainda a ser confirmada, de que um crescimento associado provoque uma distribuição mais homogênea da participação nas relações de cooperação para o cluster. Como a Honda não impõe o fornecimento cativo, não é improvável que a Yamaha, em sua trajetória de ampliação das atividades locais, usufrua algumas externalidades proporcionadas pela caminhada precedente da sua principal concorrente. Na configuração atual, porém, é a posição de liderança da Honda que pauta boa parte das ações relacionadas ao cluster. 120 O surgimento de novos fóruns e a consolidação da capacidade de expressão política de entidades já existentes, naturalmente conduzem para maiores oportunidades de aproximação, ampliando o contato face a face e, considerando o predomínio de um clima de confiança proporcionado pela prevalência da cultura japonesa, favorecem iniciativas baseadas em cooperação. À parte dos exemplos de cooperação horizontal bilateral (Honda-Yamaha), facilitados pela origem cultural comum, as demais iniciativas (multilaterais) surgem em diferentes fóruns internos estabelecidos nas associações de classe, demonstrando o papel relevante que essas entidades podem representar para o fortalecimento da governança do cluster. Nas relações mapeadas, todavia, não foi registrado exemplo de cooperação horizontal que tivesse como foco uma questão tecnológica mais relevante, como por exemplo um desenvolvimento conjunto, uma temática considerada de caráter "estratégico" e "sigiloso". Em anos recentes, relações horizontais multilaterais de cooperação têm estado atreladas a ações ou demandas de governo vinculadas à legislação de incentivos fiscais. A ameaça ao usufruto do benefício foi identificada como o único poder capaz de mobilizar os atores para a ação coletiva. A cooperação vertical ocorre com mais freqüência quando principalmente centrada na cadeia produtiva da Honda, e por isso mesmo com capacidade de atingir um número significativo dos atores, favorecida por sua prática de just in time com os fornecedores locais. Várias empresas instalaram-se tendo como objetivo imediato o fornecimento para a Honda, que por diversas vezes desempenha um papel ativo na sua própria atração. Credite-se a ela, na figura de mais importante agente individual, a responsabilidade direta pela trajetória e a configuração atual relacionadas ao cluster Duas Rodas. Caso sejam contabilizados os exemplos de cooperação com a participação de Honda e/ou Yamaha, pode-se dizer que estaria sendo coberta a quase totalidade das iniciativas do cluster. A essa assimetria de forças, na comparação com os demais atores, pode ser imputada a inexistência de qualquer exemplo de cooperação vertical multilateral envolvendo a gestão de algum gargalo da cadeia produtiva (ou, o que seria mais abrangente, cadeia de valor) como um todo. 121 A Tabela V.2 apresenta uma síntese das observações quanto à diversidade das experiências de cooperação identificadas pela pesquisa de campo. TABELA V.2 DIVERSIDADE DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER DUAS RODAS Tipo Bilateral Multilateral Horizontal • Benchmarking em qualidade • Benchmarking em gestão ambiental • Práticas de responsabilidade social • Práticas de segurança • Fabricação e fornecimento regular de partes e peças para motocicletas • Gestão de recursos humanos • Avaliação de alteração na legislação estadual de incentivos (ICMS) • Avaliação de exigências estabelecidas em novas propostas de PPB (especialmente para partes e peças) Vertical • Transferência de conhecimentos tecnológicos • Técnicas para gestão da produção • Técnicas de logística • Suporte legal e jurídico (legislação, impostos, alfândega, relacionamento com sindicatos de trabalhadores) • Investimento em equipamentos; importação triangulada de equipamento • Participação no capital social (implantação de empreendimento) • Manutenção de equipamentos • Execução interna de processos do fornecedor, em razão de dificuldade temporária deste • Gestão integrada do plano de produção com fornecedores Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo. A situação singular do ambiente de "camaradagem" em Manaus é constantemente colocada em contraste com outros centros industriais, notadamente São Paulo, onde as empresas seriam mais reservadas, favorecendo um comportamento individualista. Curiosamente, essa posição é sustentada também por exemplos de apoio mútuo e cooperação com empresas de outros subsetores industriais, viabilizados principalmente por meio de benchmarking das práticas de gestão. Isto permite supor que, embora a cultura japonesa predominante possa amplificá-la, não se trata de uma particularidade do cluster, mas provavelmente de um atributo que também possui um componente de influência do ambiente industrial de Manaus como um todo. 122 Essa propriedade de se relacionar com empresas de outros subsetores sugere que as relações externas do cluster, por paradoxal que possa parecer a afirmativa, começam ainda em Manaus. A Tabela V.3 oferece uma avaliação resumida da extensão com que a cooperação é praticada no cluster, tanto em termos de freqüência no tempo quanto em termos de disseminação de comportamento, segundo a perspectiva do autor. TABELA V.3 EXTENSÃO DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER DUAS RODAS Tipo Horizontal Vertical Bilateral Multilateral • Intermitente, estimulada por proximidade cultural • Práticas concentradas nas duas maiores empresas do cluster • Contínua, com maior intensidade nos últimos anos • Freqüência elevada • Ocorrência concentrada (especialmente entre Honda e fornecedor) • Intermitente, subordinada à agenda de governo • Participação de outros atores sob liderança dos maiores produtores • Contínua • Freqüência elevada • Ocorrência limitada (dois níveis da cadeia de produção) Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo. A leitura dos resultados permite concluir que o nível da cooperação entre empresas no cluster não é homogêneo, mas é significativo. A não homogeneidade justifica-se porque as iniciativas para a cooperação estão concentradas em apenas 2 empresas. Por outro lado, a significância dos exemplos é ampliada justamente pela magnitude econômica dessas empresas: a densidade de suas operações e processos industriais faz com que a reunião de seus comportamentos, mais que uma amostra, traduza a identidade do próprio cluster. Portanto, além das externalidades passivas alcançadas pelas empresas, por sua participação na aglomeração, diversos exemplos de ação conjunta deliberada foram identificados, independentemente de terem sido originados em oportunidades de melhoria ou ameaças externas, contribuindo para o seu desempenho competitivo e, finalmente, caracterizando a existência de elementos de eficiência coletiva no cluster. 123 VI. A PRÁTICA DA COOPERAÇÃO NO SUBSETOR ELETROELETRÔNICO. Este capítulo é dedicado à apresentação e interpretação dos dados relacionados ao subsetor Eletroeletrônico, o segundo dos subconjuntos tratados, complementando, assim, o objeto de análise proposto para a pesquisa. A abordagem utiliza-se da mesma estrutura lógica adotada para o capítulo anterior, em que a caracterização inicial de âmbito geral é seguida por um maior detalhamento dos resultados alcançados. Embora já fiquem evidentes, no transcorrer do capítulo, algumas das semelhanças e divergências, em termos de práticas de cooperação, a análise crítica comparativa entre os dois clusters, especialmente considerando os objetivos propostos, está reservada ao capítulo seguinte. VI.1. IDENTIFICAÇÃO DO CLUSTER ELETROELETRÔNICO. Avançar a abrangência da análise, do subsetor para o cluster, no caso do Eletroeletrônico, é uma tarefa que requer um cuidado adicional, em virtude do maior número de subsetores que dele participam, assim como da diversidade das empresas, em termos de porte e natureza das linhas de produção. A eletrônica de consumo, principal concentração dos produtos do subsetor, está associada a uma dinâmica de produção bastante particular: modelos de produtos que se sucedem a intervalos cada vez menores, alto conteúdo tecnológico e significativas mudanças de tecnologia implicando até mesmo na descontinuidade da fabricação de alguns tipos de produtos (como são os casos do toca-discos de vinil e do videocassete, para citar apenas dois exemplos). A publicação oficial utilizada como principal fonte de referência (SUFRAMA, 2004b) apresenta as empresas de produtos eletrônicos reunidas no Subsetor de Material Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, que por sua vez subdivide-se em 3 conjuntos: Pólo de Produtos (excetuando-se máquinas copiadoras), Pólo de Componentes e Pólo de Máquinas Copiadoras e Similares. É a reunião desses conjuntos que costuma ser referida como subsetor (ou pólo) Eletroeletrônico, com uma presença capaz de ocupar 27 dentre os 50 principais postos no ranking de faturamento da indústria incentivada em Manaus. A composição desses 3 conjuntos agrega um total de 129 empresas, já excluídas as que estejam em implantação ou paralisadas por algum motivo, um número que dificulta a apresentação do subsetor pelo modelo da lista de empresas e suas respectivas 124 linhas de produção, conforme padrão adotado no capítulo anterior. Essa mesma dificuldade afeta a composição de uma figura que ilustre o cluster. Por essa razão, optou-se pela construção de uma ilustração alternativa, conforme observado na Figura VI.1, que inclui todos os subsetores identificados na composição do cluster, o número de empresas pertencentes a cada um e a relações industriais bilaterais entre eles, representadas por meio de setas. FIGURA VI.1 PÓLO INDUSTRIAL DE MANAUS IDENTIFICAÇÃO DE RELAÇÕES ENTRE OS PRINCIPAIS SUBSETORES DO CLUSTER ELETROELETRÔNICO Papel, Papelão e Celulose 9 empresas Máquinas Copiadoras Químico 7 empresas 4 empresas Produtos Elétrico, Eletrônico e de Comunicação 84 empresas Componentes Termoplásticos 24 empresas Componentes (Eletrônicos) 41 empresas Metalúrgico 4 empresas Fonte: SUFRAMA (2004b), complementada com base em pesquisa de campo e experiência pessoal do autor. Deve ser observado que estão incluídos apenas os subsetores mais significativos e, dentro deles, contabilizadas somente as empresas que mantêm alguma relação de negócios com os conjuntos em que tradicionalmente o subsetor Eletroeletrônico é subdividido. Isto adiciona 4 subsetores e 44 empresas para a formatação do cluster. 125 Todas as setas procuram apontar o sentido fornecedor-cliente das relações industriais. Duas delas, indicadas por traços mais fortes, traduzem uma maior importância econômica relativa para o cluster. Dentre as elipses que representam os conjuntos e subsetores, a única que está sombreada ressalta o que seria o motor da dinâmica da aglomeração, as 84 empresas fabricantes de bem final reunidas no conjunto de Produtos Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, um termo aqui adotado por ser mais específico e esclarecedor que Pólo de Produtos. Uma distinção desse grupo é a presença de grandes corporações transnacionais, várias delas instaladas em Manaus desde o início da atividade industrial na Zona Franca. São essas empresas que ditam o ritmo das atividades: lançamento de novos produtos, introdução de novas tecnologias, estabelecimento de padrões para processos etc., que acabam por repercutir, com diferentes intensidades, no comportamento e nas decisões dos demais subsetores do cluster. Algumas delas possuem empresas coligadas que ajudam a compor o conjunto denominado Componentes (Eletrônicos). A escolha das empresas pesquisadas e dos profissionais entrevistados procurou considerar essas várias características: do total de 9 empresas, 6 pertencem ao conjunto Produtos Elétrico, Eletrônico e de Comunicação, 2 ao Componentes (Eletrônicos) e 1 ao Componentes Termoplásticos; dentre os 16 depoimentos, 7 foram obtidos junto a profissionais diretamente envolvidos com a indústria eletrônica e 1 com a de componentes termoplásticos. Um registro importante é que 2 dentre as empresas também tiveram suas respostas incluídas na análise do Duas Rodas, uma vez que participam, simultaneamente, como fornecedores de componentes em ambos os clusters. Em termos da performance, nos últimos 5 anos, de 6 empresas que responderam à questão, 5 indicam aumento no nível de produção e 3 apresentam aumento no nível das exportações; quanto ao lucro líquido, apenas 5 empresas se manifestaram, sendo que em 2 dos casos foi relatado um crescimento. A presença de empresas com origem em vários países faz com que, neste caso, não haja uma cultura específica predominante. Ao contrário, diversidade talvez seja a palavra mais adequada para caracterizar o cluster: muitas empresas, diferentes portes, variados produtos. E é justamente essa diversidade que possibilita as diferentes formas de cooperação observadas. 126 VI.2. COOPERAÇÃO E INTERAÇÃO NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO. Empresas instaladas desde a origem da atividade industrial em Manaus têm marcada influência na trajetória da cooperação e na adoção de determinados comportamentos até hoje apresentados pelo cluster Eletroeletrônico. A permanência dos mesmos profissionais nas principais funções executivas de algumas das empresas, naturalmente resultou em uma maior aproximação entre eles, quando em comparação a dirigentes daquelas cuja implantação é mais recente. Essa particularidade também foi um facilitador para a apuração de registros mais antigos de cooperação. Novamente, o principal fator aglutinador apontado para a fase inicial da Zona Franca é a distância dos grandes centros. Os problemas eram razoavelmente comuns a todos e, conseqüentemente, induziram às primeiras interações cooperativas, no que pode ser entendido como um início da formação de seu ambiente. Duas características já se faziam presentes naquele primeiro momento: (i) a informalidade das relações e (ii) apesar do dirigente local normalmente estar subordinado a um nível hierárquico superior (empresa matriz, unidade central de planejamento e/ou vendas), situado em outro ponto do país, a aproximação constituía-se em um fenômeno exclusivamente relacionado às unidades produtivas em Manaus, sendo que em boa parte das vezes as operações sequer chegavam ao conhecimento dessas outras unidades. A influência de outras regiões é bastante evidente, inclusive na presença de executivos e dirigentes que muitas vezes deslocaram-se de suas cidades para trabalhar na indústria em Manaus. No próprio conjunto dos 9 profissionais que, representando as empresas, responderam ao questionário, apenas 2 são naturais do Amazonas; 6 são oriundos de outras regiões do país e 1 é do exterior. Em termos da representatividade das respostas, esse mesmo grupo de profissionais é formado por 4 ocupantes de cargos gerenciais, 4 diretores e 1 sócio de empresa. Assim como no Duas Rodas, é unânime a posição de que não precisa ser de origem local para tornar-se empreendedor em Manaus. Porém, expressivos 44,4% desses profissionais acreditam que é importante pertencer à liderança da comunidade 127 social, um número que reflete a maior importância conferida, neste cluster, à capacidade de alcançar melhores resultados a partir da rede de relações e da influência social. Uma preocupação bastante elevada com a qualidade do produto também é depreendida das respostas. Dentre 8 empresas, 4 consideram que a "Qualidade" é o principal fator, em importância, para sobrepujar os rivais e 2 fabricantes de bens finais indicaram "Novos projetos". O "Preço" só foi identificado como o principal fator por 1 empresa, fabricante de componentes, o que permite inferir que a competitividade baseada em preço baixo e mão-de-obra barata tende a ser uma exceção. A totalidade das empresas utiliza-se das técnicas básicas da qualidade ("Inspeção de recebimento", "Inspeção final" e "Controle estatístico de processo"), de "Gestão pela qualidade total" e possui "Certificação de sistema da qualidade ISO 9000". "Círculos de Controle da Qualidade" são uma ferramenta utilizada por 4 delas, enquanto a "Certificação ambiental ISO 14000" só não foi alcançada por 1 única empresa. Dentre 8 respondentes, 6 empresas alteraram a "Forma em que a produção é organizada" nos últimos 5 anos, 5 delas seguindo "Novos métodos de organização trazidos de fora". "Linha de montagem" é o arranjo que predomina em 60% dos fabricantes de bem final, enquanto 2/3 dos fornecedores de componentes utilizam-se de "Arranjo misto". Considerando que a média da presença das respondentes em Manaus é superior a 16 anos, esses dados sugerem dinamismo para as operações. E isso se reflete na própria percepção sobre a qualidade global dos produtos que fabricam: 5 de 7 empresas entendem que a qualidade "Melhorou um pouco" ou "Melhorou bastante". "Visitas para troca de informação/benchmarking" são novamente o exemplo mais recorrente encontrado para a cooperação. Benchmarking deve ser aqui compreendido pelo sentido mais popular que lhe foi conferido ao longo dos anos, representando o esforço empregado para aprender a partir da experiência ou desempenho de outra empresa. Nenhum dos exemplos relatados correspondeu ao uso rigoroso dos procedimentos metodológicos associados à técnica. Todas as empresas que responderam à questão confirmaram que "Visitam" e "São visitadas". Em ambas as situações, 3 delas dimensionam a intensidade da prática como sendo "Freqüente". Dentre elas, 75% apontam que o objetivo para as visitas é a "Troca de informações" e o "Benchmarking". 128 VI.2.1. VARIEDADE NA COOPERAÇÃO HORIZONTAL. Limitações na logística e as conseqüentes descontinuidades de abastecimento, no período inicial da indústria na ZFM, revelam-se como os fatores críticos que também acabaram por se constituir em uma força aglutinadora, motivando o que provavelmente tenha sido a pioneira iniciativa multilateral de cooperação no cluster – e talvez da história da indústria local incentivada – em que profissionais de várias empresas criaram o Grupo dos Administradores de Material de Manaus, que contava com responsáveis pela administração de materiais atuantes na maioria das grandes empresas instaladas à época. Por meio de interações regulares, durante certo período o grupo teve destacada função na socialização de informações sobre fornecedores (locais ou não) e na articulação coletiva para obtenção de padrões de fornecimento, especialmente em meados da década de 80. Um comportamento surgido nesse período, representativo das dificuldades de abastecimento impostas pela distância dos grandes centros fornecedores, é o "empréstimo" de componentes. O não raro atraso na entrega de materiais levou à instituição da prática da cessão de componentes de uso comum, muitas vezes evitando ou reduzindo a parada de linhas de empresas desabastecidas, mesmo sendo concorrentes diretos no mercado. A participação nesse tipo de operação solidária tornou-se efetivamente comum porque as posições invertiam-se ao longo do tempo, ou seja, em algum momento a empresa poderia estar em condição desfavorável, na dependência de seu concorrente. A análise dos depoimentos permite constatar que empresas pioneiras como Evadin, Philco, Philips, Semp Toshiba e Sharp são citadas com maior freqüência em episódios que exemplificam o apoio mútuo estimulado pela dificuldade. Isto sugere que as empresas que vivenciaram o ambiente inicial da ZFM construíram relações mais estreitas, tendo maior influência na reprodução dessa e de outras práticas, ao longo do tempo, inclusive disseminando-as para novos atores. O empréstimo (componentes, materiais, matérias-primas) foi o segundo tipo de atividade de cooperação mais lembrado, citado por 60% das empresas de bem final. Evidentemente, é uma prática menos freqüente entre os fabricantes de componentes, pelo menor uso de itens comuns. Ainda assim, foi identificada a sua existência no subsetor de Matérias Plásticas. 129 Outro exemplo não trivial de cooperação horizontal é a disponibilização temporária de linhas de produção para atendimento a necessidades de um concorrente. Por exemplo, após um sinistro de grandes proporções ocorrido na fábrica da Philco, a empresa conseguiu manter parte de suas operações utilizando-se do apoio prestado por concorrentes. A Philips disponibilizou um turno completo de sua fábrica de placas montadas para o atendimento emergencial, assim como ajuda semelhante também foi proporcionada pela Sharp. Alternando-se os papéis, a Philco já executou parte do processo de fabricação para concorrentes, como por exemplo a Samsung, que em virtude de problemas com equipamento, encontrava-se sob risco de não atender a prazos contratuais. É interessante observar como essa aproximação, apoiada por executivos locais, de algum modo desloca parte da responsabilidade da competição, do setor de produção para outros setores da empresa (vendas, marketing, planejamento etc.) que, pelo menos no caso das que possuem um maior porte, raramente estão instalados em Manaus, mas sim próximos ao principal mercado consumidor, na região Sudeste. Algumas vezes esse comportamento pode até encontrar reforço em políticas internas das próprias organizações, como é o caso de uma empresa transnacional em que o setor de vendas, localizado fora de Manaus, tem liberdade para implementar aquilo que considere ser a melhor solução para atendimento ao mercado interno, desde que estruturada em produtos da marca. Qualquer unidade industrial da corporação (pelo mundo ou, no mínimo, dentre as do próprio continente) transforma-se em potencial fornecedor. Neste exemplo, a unidade industrial de Manaus perdeu recente disputa com a fábrica instalada no México, cuja proposta tornou-se a opção escolhida pelo setor de vendas para atender a um negócio específico concretizado no mercado brasileiro. Assim, suplantar a competição interna na própria corporação, com base na ampliação dos laços de cooperação com outros atores locais, pode ser uma razão capaz até de conferir racionalidade para certas condutas anteriormente descritas. Dentre empresas de maior porte citadas como não apresentando um comportamento de integração, os exemplos mais comuns são justamente as de implantação tardia, supostamente por não terem participado do momento inicial que estimulou a cultura da "camaradagem" ilustrada pelos episódios relatados. Foram descritas situações em que até mesmo a visita às instalações é bastante restrita. Na cooperação horizontal multilateral, uma das iniciativas revela a interação de empresas na área de telefonia móvel. A legislação brasileira em vigor exige que um 130 percentual do faturamento das empresas, correspondente aos produtos dessa área, seja aplicado em atividades de pesquisa e desenvolvimento. Ericsson, Motorola, Nokia e Siemens, empresas que atuam no setor, têm promovido reuniões periódicas em Manaus para a identificação de programas "não competitivos", objetivando a implementação conjunta de parte desses investimentos obrigatórios. Dentre elas, Nokia e Siemens são as únicas instaladas em Manaus, e justamente as que buscaram a aproximação, inclusive no convite às empresas extracluster. O histórico de projetos conjuntos entre esses atores, em âmbito internacional, certamente foi um facilitador para a iniciativa, e ilustra como as práticas corporativas podem influenciar a realidade local. Outro exemplo diferenciado envolve um subsetor que participa do cluster. Em uma crise ocorrida no período 1996-97, as empresas de componentes plásticos reduziram seus quadros e indenizaram alguns profissionais com máquinas, dando origem à implantação de várias empresas de pequeno porte. Uma das empresas líderes do subsetor decidiu restringir suas atividades ao trabalho com máquinas de grande porte, selecionando 3 pequenas empresas para que lhe suprissem as peças menores e mais simples, por meio de subcontratação. Essa solução, adotada posteriormente por outras empresas, acabou por multiplicar a cooperação entre elas: as empresas satélites recebem apoio da empresa líder – treinamento de pessoal e manutenção de moldes e ferramentas são alguns dos tipos identificados – e, embora tenham uma relação de maior proximidade com uma empresa específica, não são seus fornecedores exclusivos. Posteriormente, a solução evoluiu para um estágio de maior integração, quando as empresas líderes passaram a interagir e distribuir, entre si, eventuais demandas que excedam à sua capacidade de produção somada à das satélites. O relato indica que o conjunto é composto por 5 a 6 empresas líderes, cada uma delas com 2 ou 3 empresas satélites, em uma configuração aproximada à apresentada na Figura VI.2, em que as letras representam as empresas líderes e os números, as satélites. Percebe-se que é um exemplo de interação em rede que, associando à tipologia adotada por este trabalho, seria classificado como uma cooperação multilateral, mas com características mistas, pois envolve tanto relações horizontais quanto verticais. Outra iniciativa multilateral identificada, com participação de várias empresas do cluster, mas sem restringir-se a ele, envolve a discussão de práticas de gestão relacionadas a vários temas: manutenção, alimentação, transportes (de funcionários e mercadorias), segurança e recrutamento e seleção. A proposta para formação do grupo 131 FIGURA VI.2 SUBSETOR DE COMPONENTES TERMOPLÁSTICOS ESBOÇO DA REDE ARTICULADA DE EMPRESAS FORNECEDORAS 2 1 3 A 15 4 E 14 B 5 13 6 D C 7 12 11 10 9 8 Fonte: Elaborada pelo autor. foi realizada em uma reunião do Cieam, liderada por profissional que está há relativamente pouco tempo em Manaus, e ocupa função de diretoria em empresa de atuação global que não pertence ao cluster, a Gillette. De 16 empresas convidadas a tomar parte no grupo, entre 10 e 12 estariam participando com regularidade. Cada um dos temas é tratado isoladamente, e a experiência das empresas que apresentam as melhores soluções para determinado tema é utilizada como referência para o aprendizado e desenvolvimento das demais. A sistemática, em si, é um exemplo da socialização de um aprendizado alcançado na trajetória de um profissional, novamente evidenciando a influência da experiência corporativa na realidade local. O episódio também demonstra que assim como diretores radicados há mais tempo oferecem a vantagem de formar, preservar e transmitir uma identidade, a rotatividade na ocupação de alguns dos cargos executivos, ainda que significando a perda de parte do capital cooperativo acumulado, tem o mérito de introduzir novas práticas empresariais, oxigenando o ambiente industrial. Muitos outros exemplos registrados de cooperação horizontal multilateral estão em sua maioria relacionados ao esforço de responder a alterações na legislação, federal 132 ou estadual, que provoquem impacto nos benefícios fiscais ou nos processos produtivos das empresas. Isto implica em ações coletivas como articular em oposição ao aumento de taxas públicas, pressionar órgãos de governo para contestar alíquotas ou quotas físicas impostas por outros países que prejudiquem o acesso dos produtos da ZFM a seus mercados, reivindicar do poder público investimentos em infra-estrutura, flexibilizar etapas a serem incluídas nos processos produtivos obrigatórios a serem praticados etc. A variedade das iniciativas é, portanto, uma característica da cooperação horizontal no cluster Eletroeletrônico, mediada pela atuação das entidades de classe. A iniciativa pela cooperação, conforme visto, por vezes suplanta a obrigação da competição, o que ratifica a visão depreendida dos entrevistados de que o ambiente facilita a cooperação. VI.2.2. VARIABILIDADE NA COOPERAÇÃO VERTICAL. Em termos do suporte mútuo, e assim como já fora identificado para o Duas Rodas, a pesquisa de campo confirma uma mesma boa relação entre empresas de bem final e de componentes para o Eletroeletrônico: 87,5% dos fornecedores aproximam-se para "Oferecer assistência para problemas que surgiram em seus produtos" e 75% Solicitam sugestões de como melhorá-los". Quando o contrato é eventualmente quebrado, os comportamentos mais comuns, utilizados em algum momento por 100% dos clientes, é "Solicitar que o trabalho seja refeito" e "Oferecer supervisão para evitar problemas futuros". Em termos de apoio, a "Assessoria na organização da produção" é a assistência prestada com maior intensidade, utilizada por 4 das 6 empresas de bem final da amostra. Assim como no Duas Rodas, nenhuma empresa pratica o "Pagamento adiantado" como forma de apoio ao subcontratado e em caso de quebra de contrato todas "Solicitam que o trabalho seja refeito". Comprovando o bom nível das relações, no sentido inverso todos os 3 fornecedores de componentes confirmaram que os clientes "Prestam assistência para a melhoria da qualidade de seus produtos". Esse nível geral de aproximação e colaboração, todavia, não impede a existência de importantes pontos de contraste. Um deles diz respeito à trajetória da cooperação vertical que, no caso do cluster Eletroeletrônico, não aparenta corresponder a uma tendência ascendente. 133 O histórico que evidencia essa afirmativa inicia na segunda metade da década de 80, quando um esforço conjunto de política industrial entre os governos federal (Suframa) e estadual (à época, a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo), objetivando o estímulo à implantação de fornecedores de componentes, resultou na ampliação e diversificação do mercado ofertante, pressionando uma mudança no comportamento dos fabricantes de produtos, que já possuíam suas rotinas de abastecimento estabelecidas. Considerando a inexistência (ou, na melhor das hipóteses, a incipiência) de um setor de compras local nas empresas, a preferência era sempre pela manutenção de relações de fornecimento já consolidadas. Os chamados Programas de Regionalização forçaram uma aproximação entre os dois elos da cadeia produtiva. No ápice da iniciativa, em 1988, havia cerca de 80 fornecedores em Manaus, nos mais diversos subsetores. A interação destes com os fabricantes de produtos, para a busca de padrões de qualidade e regularidade no fornecimento, ocorreu como uma conseqüência direta da obrigatoriedade legal. Se no primeiro momento a aproximação não foi voluntária, a inevitabilidade fez com que algumas empresas aproveitassem a oportunidade para implementar programas bastante consistentes de desenvolvimento de fornecedores. Técnicos especialistas, trazidos de outras unidades corporativas, orientavam empresas de componentes, das áreas de injeção plástica, material gráfico, estamparia e ferramentaria, a alcançar um melhor desempenho, compatível com as expectativas de qualidade do mercado demandante. Entretanto, a legislação permissiva fez com que os fabricantes de bem final criassem suas próprias empresas de componentes, para as quais terceirizaram a montagem de placas, usufruindo benefício adicional que provocou forte impacto negativo na arrecadação estadual. Isto precipitou uma mudança na legislação, que na prática inviabilizou a continuidade do programa, esvaziando o que já era reconhecido como um pólo de empresas de componentes. Em seguida, o ápice na intensidade da cooperação vertical bilateral talvez tenha correspondido ao período de abertura do mercado interno às importações, na década de 90, que estimulou uma busca por padrões internacionais de desempenho. A maioria dos grandes fabricantes criou programas para a competitividade que, dentre outros pontos, incluíam a qualificação de fornecedores. Se os fornecedores já não eram tantos quantos os do final da década anterior, em contrapartida o objeto da interação tornou-se mais amplo. 134 Uma das mais reconhecidas iniciativas foi o programa de Manufatura Classe Mundial, desenvolvido pela Sharp e utilizado como referência por várias outras empresas. A Multibras, um fabricante de peças plásticas injetadas, foi uma delas. Inspirada no programa, estreitou relações com clientes, visitou empresas matrizes de alguns deles em seus países de origem e desenvolveu parcerias para o aprendizado com os pontos fortes percebidos para cada um: Sharp (gestão), Philips (qualidade), Sony (injeção) e Honda (logística), esta última caracterizando sua participação em mais de um cluster. Com isso estruturou um programa de melhoria de desempenho que se desenvolveu por todo o restante da década, fortalecendo a cooperação com essas e outras empresas, inclusive algumas com as quais não mantinha relações de negócio. Após esse período, e com algumas empresas consolidando seus próprios modelos de gestão, prevalece a opinião de que a cooperação vertical bilateral tornou-se menos freqüente. Empresas com programas para a atração e desenvolvimento local de fornecedores descontinuaram a abordagem mais sistemática; outras, talvez por terem sobrepujado o momento da ameaça competitiva mais crítica, desaceleraram o ritmo das parcerias. Analisando o conteúdo dos depoimentos, a única exceção identificada para esse perfil seria a Nokia, que apresenta uma intensa atuação com fornecedores locais em anos recentes. Assim como a Honda, no Duas Rodas, a Nokia tem evidenciado uma participação ativa na atração de fornecedores. Em 2001, organizou um seminário, em Manaus, com o envolvimento de aproximadamente 40 dos parceiros internacionais da corporação, com o intuito de estimular sua implantação na ZFM. Segundo estimativas, em 2004 já consumia cerca de 2/3 da produção de sua rede local de fornecedores, composta por mais de 20 empresas. Outros exemplos recentes contabilizam apenas interações pontuais, tais como o desenvolvimento de matérias-primas e acabamentos especiais, dispositivo automático para máquinas insersoras de componentes etc. Ao avaliar o conjunto, todavia, fica a interpretação de que o mesmo está aquém do potencial da aglomeração, considerando seu tamanho e a diversidade de empresas. Assim, para o conjunto do cluster, embora a interação fabricante-fornecedor seja amistosa, há evidência de que em momentos anteriores já foi bem mais intensa – ainda que em decorrência de reação a pressões externas – e que atualmente prevalece uma acomodação nas relações de cooperação vertical, com a exceção descrita. 135 VI.3. INDICADORES DE CONFIANÇA, INSERÇÃO E APRENDIZADO NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO. De forma similar ao que foi realizado no capítulo anterior, também é possível explicitar algumas características do perfil do cluster Eletroeletrônico, com o apoio dos conceitos complementares, o que é feito nas próximas seções. VI.3.1. O COMPORTAMENTO OPORTUNÍSTICO LIMITANDO INICIATIVAS. Há um elemento presente no ambiente do cluster Eletroeletrônico e que não foi identificado no Duas Rodas, que é o comportamento oportunístico aumentando a resistência a algumas interações. Um dos principais motivos alegados para a sua existência é a não paridade na intensidade do benefício fiscal estadual, cuja legislação permitiria a convivência de distintos níveis de incentivo para empresas com produtos similares. Isto implicaria em um importante diferencial competitivo que as empresas em vantagem procuram resguardar, mantendo sigilo sobre a informação. É um fator que se contrapõe ao estabelecimento da cultura da confiança, e que foi supostamente restringido por uma modificação da legislação, ocorrida ao final de 2003. Outro comportamento oportunístico é registrado como motivo para o insucesso de algumas iniciativas multilaterais. Trata-se da falta de transparência na revelação de números associados a preços pagos por matérias-primas e serviços. A apresentação de números incorretos, para preservar conquistas de relações comerciais, é apontada como motivo da inviabilização de esforços realizados, por exemplo, para a compra conjunta de componentes. No próprio exemplo da cooperação multilateral em rede, anteriormente descrito, é identificado o comportamento oportunístico em tentativas de cooptar clientes das empresas parceiras. Trata-se de um contraste evidente com o Duas Rodas, no qual a pesquisa de campo não se defrontou com qualquer situação similar. E essa conduta pode, por exemplo, ser um fator que impede a concretização de outras oportunidades, como foi o caso de recente tentativa de redução nos custos da cadeia logística. Em esforço multilateral coordenado pelo Cieam, buscou-se o compartilhamento de modais por empresas de vários subsetores, para o transporte conjunto de produtos aos devidos centros de distribuição. Apesar da realização de um 136 estudo indicando a possibilidade de redução do custo de transporte em 33%, as empresas não demonstraram interesse na solução conjunta, alegando principalmente dois argumentos: (i) a decisão do modal a ser utilizado não era tomada em Manaus e (ii) não gostariam de agrupar a sua própria carga com a dos concorrentes. Relato de um dos entrevistados sinaliza que nesse episódio houve uma nítida distinção entre o comportamento das empresas do cluster Duas Rodas, dispostas em participar e "cooperar para competir", e o das empresas do Eletroeletrônico, mais conservadoras, algumas delas justificando a origem no setor comercial. VI.3.2. DIVERSIDADE DE ASSOCIAÇÕES: MAIS FÓRUNS, MELHOR GOVERNANÇA? Uma vantagem comparativa que pode ser ressaltada é a maior variedade de associações de classe no cluster Eletroeletrônico: foram 10 as associações citadas diretamente nas respostas ao questionário. Dessas, o Cieam é a mais freqüente, presente em 88,9% das respostas; Fieam (77,8%) e Eletros (66,7%) vêm em seguida, sendo que a sede desta última não é local. O principal uso que se faz das associações é o mesmo referenciado no Duas Rodas: das empresas que responderam à questão, todas utilizamnas para "Aconselhamento em questões legais" (5 delas, "Freqüentemente") e para acesso a "Cursos e seminários" (3 de modo "Freqüente") e "Boletins informativos" (4 delas, "Freqüentemente"). Em termos de reflexões quanto à atuação para melhores práticas de governança, uma comparação entre as associações de classe aponta novamente o Cieam como a principal liderança do Distrito Industrial, uma posição sem divergência entre os depoentes. A Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam) encontraria dificuldade em exercer um papel de maior representatividade porque congrega todos os segmentos da atividade industrial do estado, resultando na reunião de interesses mais amplos, alguns deles de difícil conciliação; ao mesmo tempo, sua estrutura sindical desfavorece a atuação global organizada, pois além de serem muitos os sindicatos, vários são de pequeno porte e sem relação direta com a atividade concentrada no Distrito Industrial. Outras associações tratam um grupo específico de empresas, como é o caso da Associação das Indústrias e Empresas de Serviços do Pólo Industrial do Amazonas (Aficam), o que implica em um menor porte. Dois dos principais exemplos de cooperação multilateral, a iniciativa em logística e o benchmarking coletivo das 137 práticas de gestão, iniciados nas reuniões do Cieam, ilustram a existência dessa liderança e sua importância para a disseminação da cooperação. Apesar de uma percepção geral quanto aos fatores positivos na atuação dessas associações, há uma crítica, manifestada por uma parcela dos interlocutores, quanto a uma postura de pouca atenção ao cenário futuro. A queixa relaciona-se à falta de iniciativa para a discussão da viabilidade da indústria sem os incentivos fiscais. Nas palavras de um entrevistado, "todas pensam no pão de cada dia, nenhuma em plantar o trigo". E isto se reflete no comportamento das empresas, e em sua ausência a fóruns temáticos importantes, como os que são promovidos no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio para a discussão de competitividade, nos quais por vezes são encaminhadas decisões que afetam a realidade local. O governo estadual também é citado, ressaltando-se que o conteúdo de sua legislação teria mais preocupações com a arrecadação imediata do que com perspectivas futuras. Ainda no tema governança, as manifestações sobre as relações com as instituições públicas reforçam uma posição percebida para o cluster Duas Rodas: a opinião é de que o diálogo teria sido ampliado, quando comparado ao passado, e as instituições estariam com maior foco no auxílio à competitividade das empresas. A Suframa, em especial, é entendida como o agente com potencial de liderar as empresas para estágios mais avançados da dinâmica industrial. Alguns dos profissionais até enfatizam a crença de que a Suframa, nesse aspecto, teria evoluído mais que o governo do estado. Anteriormente, seria uma instituição menos próxima, tratando com sigilo muitas das questões de interesse do setor produtivo; hoje, adotaria procedimentos mais transparentes e, com isso, conquista parcerias. No outro lado dessa relação, a própria Suframa, por meio de seu principal dirigente, também interpreta que a aproximação com o setor produtivo tem apresentado sinais de avanço. Uma referência constante utilizada pelos entrevistados para exemplificar como essa liderança se revela é a realização bienal da Feira Internacional da Amazônia (Fiam), organizada pela Suframa com o intuito de divulgar a produção e o potencial de negócios da região e atrair novos investimentos. Embora iniciativas similares tenham ocorrido de modo esporádico, nas décadas de 80 e 90, àquela época representaram muito mais um esforço de contrapropaganda à imagem negativa da ZFM. Atualmente, a Fiam assume conotações de um evento de negócios, focado na viabilização de novos empreendimentos, ampliação de relações comerciais, e que também inclui seminários técnicos com programação paralela discutindo temas do interesse da indústria. 138 Apesar da compreensão de que é mais efetiva a cooperação entre o setor público e o privado, há manifestação explícita de que os resultados coletivos poderiam ser melhores. Alguns dos entrevistados ressentem-se de uma maior participação do governo, por exemplo, na formação direta de profissionais com determinadas competências, ou mesmo no papel de indutor de programas com esse fim. Desta forma, pode-se entender que a possibilidade de evoluir a um nível ainda superior de articulação é um espaço aberto para o desenvolvimento e consolidação de mecanismos adicionais de governança. Assim, embora atestando a existência de um maior número de associações, as interações de campo não permitem concluir que esta vantagem potencial materialize-se em uma distinção significativa nas práticas de governança, quando comparados os dois clusters analisados. VI.3.3. MÃO-DE-OBRA QUALIFICADA: ALGUNS ESPAÇOS DE APRENDIZADO E A QUESTÃO DA AUTONOMIA. Em relação à qualificação da mão-de-obra, nas 9 empresas que responderam ao questionário trabalhavam 8.717 pessoas, sendo que 13,2% deste total correspondem a profissionais com nível superior, um indicador que praticamente não apresenta diferença se comparado entre os fabricantes de bem final e as empresas de componentes, e é apenas 1,3% superior ao do cluster Duas Rodas. Para 75% das empresas, a rotatividade da mão-de-obra permaneceu a mesma ou decresceu, nos últimos 5 anos, o que sugere estabilidade. Dos 7 profissionais oriundos de outras localidades, que responderam pelas empresas ao questionário, 5 estão na mesma organização desde sua chegada, o que qualifica especialmente o dado coletado que indica, para 77,8% dos casos, que a participação de pessoas locais ocupando cargos de gerência ou direção aumentou nos últimos 5 anos, e em nenhum deles teria diminuído. É um fator indireto importante que evidencia a evolução na capacitação da mão-de-obra. Por outro lado, essa dimensão significativa assumida pela contribuição de profissionais de outras regiões e países, no histórico da direção de empresas, reforça a característica da diversidade que compõe a identidade do cluster. Ainda em relação à mão-de-obra, há uma clara convergência para a idéia de que é abundante, conseqüência da atividade industrial continuada. Os dados revelam que atividades básicas como "Contabilidade", "Custeio de produtos" e "Recrutamento e 139 seleção" são desenvolvidas internamente por todas as empresas. "Manutenção de máquinas" é realizada internamente por 88,9% delas. Também foram identificadas, de forma mais disseminada, capacitação e autonomia locais para a execução de atividades como especificação, seleção e compra de máquinas e equipamentos, elaboração de leiaute fabril e adaptação de projetos de produtos. A mão-de-obra especializada não é apontada como um problema por empresários e representantes de empresas, diferentemente do status encontrado para o Duas Rodas. Em relação ao tema, a única exceção foi reportada em depoimento de dirigente de instituto de tecnologia, indicando escassez de mão-de-obra especializada para P&D, uma situação que não pode ser considerada surpreendente, uma vez que são atividades em fase inicial, de pouca tradição na indústria incentivada em Manaus. No caso do cluster Eletroeletrônico, a abertura do mercado nacional é fortemente referenciada como o principal ponto de mudança em uma trajetória de aprendizado. Se antes as empresas lidavam principalmente com otimização de processos e aspectos gerais de organização da produção, a partir de 1991 aumentou a percepção da importância de uma gestão integrada dos diversos processos que compõem a organização, inclusive expondo a fragilidade de empresas que se ressentiam de lastro em tecnologia. Um profissional com muitos anos na liderança de equipes de desenvolvimento, no campo da eletrônica de entretenimento, envolvido pela pesquisa de campo, afirma que existe uma capacitação local para a realização de projetos com nível superior à maioria dos que são contratados no exterior. A exploração do potencial dessa capacitação dependeria da mobilização dos atores e da organização da demanda, o que mais uma vez ressalta a oportunidade para a atuação coletiva. Um espaço para disseminação de informação e aprendizado citado por vários dos entrevistados são as instituições de ensino superior. Com a multiplicação de seu número, em anos recentes, a interação na sala de aula, seja em nível de graduação ou pós-graduação, é uma oportunidade informal para a aproximação de profissionais de diferentes empresas. Cursos na área de Eletrônica e, especialmente, Produção, são oferecidos em várias instituições. Enquanto o curso pioneiro de Engenharia Elétrica em Manaus data de 1976, os primeiros cursos em Engenharia de Produção implantaram-se em 1998, um nítido contraste com o porte (e a demanda de profissionais) do parque industrial. A expansão do ensino superior permitindo maior interação entre profissionais de distintas empresas pode ser o motivo para que os relacionamentos informais, 140 baseados em amigos ou antigos colegas de curso ou trabalho, tenham sido ressaltados por 87,5% dos respondentes. Mas se para o setor produtivo essa evolução vem ocorrendo sob um ritmo favorável, há um contraponto a ser considerado. Uma das observações ressaltadas pelos profissionais de empresas entrevistados é a necessidade de que as instituições públicas invistam na capacitação de seu próprio pessoal, pois, segundo eles, o bem sucedido esforço que o setor governamental empreendeu para atualizar e automatizar processos administrativos não teria sido adequadamente acompanhado por uma evolução de seu corpo técnico. VI.3.4. IMPACTOS PARA A INSERÇÃO. A maior autonomia de decisão em decorrência do aumento na capacitação das unidades locais também pode ser considerada como um indicador do nível de inserção da indústria. Todos os entrevistados, com especial atenção para empresários e executivos, destacam que as organizações ganharam autonomia na medida em que a indústria da ZFM foi se estruturando e as operações tornaram-se mais complexas. Uma única ressalva apontou que o aumento da autonomia estaria limitado pela rotatividade dos dirigentes em alguns dos grupos transnacionais, uma afirmativa cuja comprovação no mínimo demandaria nova incursão ao campo, uma vez que as capacidades acumuladas na organização evidentemente não estão concentradas exclusivamente no dirigente principal. Essa relação entre competência e autonomia torna-se bastante evidente quando, em alguns casos, a evolução é mais lenta. É o caso da agenda de investimentos obrigatórios em P&D, em que poucas empresas dispõem de autonomia local de decisão; também da seleção de fornecedores e a efetivação de processos de compra, em que a distância dos centros de abastecimento não contribui para a concentração dessas atividades em Manaus, isso sem considerar que são atividades que representam um grande poder nas organizações, para as quais seus executores costumam oferecer resistência à transferência ou delegação de autoridade. Mesmo assim, exemplos favoráveis podem ser encontrados em empresas como Nokia e Philips. A Nokia possui autonomia local para a homologação de fornecedores, com autoridade para habilitá-los ao fornecimento para qualquer das unidades da corporação, em escala mundial. O mesmo procedimento ocorre com a Philips, um exemplo ainda mais significativo, pois o seu centro de compras para o Brasil, instalado 141 em Manaus, possui ascendência hierárquica sobre as compras da unidade da Philips em Terra do Fogo (Argentina). Os dois exemplos configuram uma condição bastante improvável de ser concebida há apenas duas décadas, quando a Suframa viu-se obrigada a exigir em legislação a presença permanente em Manaus de um diretor de cada empresa, para poder alcançar um nível mínimo de interlocução. Em termos das relações com outros agentes do cluster, as mais citadas referemse a "Instituições de ensino técnico ou profissionalizante", utilizadas por 85,7% das empresas, com a totalidade delas indicando um nível "Adequado" ou "Totalmente satisfatório" para a interação. Em segundo lugar são citados os "Laboratórios de ensaios e testes", utilizados por 71,4% das empresas e apenas 1 delas correspondendo a um nível "Inadequado" para a relação. Praticamente nesta mesma intensidade de utilização encontram-se "Centro de treinamento" e "Consultores independentes ou empresas de consultoria". As "Instituições de ensino técnico ou profissionalizante" mais uma vez têm uma maior aproximação com as empresas que as "Universidades", que foram referenciadas por 57,1% das que responderam à questão. Dentre todos os depoimentos, uma única citação mais robusta quanto ao relacionamento com o setor acadêmico foi obtida. E justamente para lamentar a pouca interação entre academia e setor produtivo. Segundo a perspectiva do interlocutor, o reduzido número das empresas que vão à universidade buscar algum tipo de apoio ou conhecimento justifica-se pela ausência de uma cultura para investir com objetivos de longo prazo, a visão de que a universidade não consegue responder de forma ágil e também pela pretensa dissociação entre necessidades do mercado e formação acadêmica oferecida. Assim como no Duas Rodas, o objeto do serviço que é mais comumente solicitado de outros agentes é o "Treinamento e capacitação", demandado de todos os outros 8 tipos de agentes (afora as empresas) oferecidos como opção. "Consultores independentes ou empresas de consultoria" e "Empresa matriz" são os agentes mais ecléticos, executando 6 dos 7 tipos de serviços relacionados. A existência de uma maior diversidade de atores, no caso do Eletroeletrônico, faz com que as iniciativas de cooperação com outros agentes, como é o caso de institutos tecnológicos, alcancem registros bem mais antigos. Remontam a meados da década de 80 exemplos em áreas como qualidade (elaboração de procedimento comum de inspeção de componentes) e transportes (melhoria das condições do transporte de 142 contêineres), em que a articulação das empresas contou com a intermediação de instituto tecnológico. A cooperação com base em matéria técnica ainda é exceção, vista até com bastante ceticismo por alguns que não pertencem ao setor produtivo, em virtude de suposta tendência à compra de kits, no mercado internacional, como única alternativa para competir com o contrabando e a escala da produção asiática. Em suma, no cluster Eletroeletrônico percebeu-se a existência de expectativa por uma ação coletiva mais coordenada, para a qual a eleição dos líderes de ambos os setores, público (Suframa) e privado (Cieam), é resultado de um nítido consenso. O aperfeiçoamento dos mecanismos de governança pode auxiliar na remoção de algumas barreiras que limitam o alcance da cooperação e, conseqüentemente, tendem a afetar o ritmo do aprendizado. VI.4. CONCLUSÕES QUANTO À EFICIÊNCIA COLETIVA NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO. A eficiência coletiva no cluster Eletroeletrônico ratifica alguns dos elementos já observados para o Duas Rodas, no capítulo V, mas reputados ao ambiente industrial de Manaus como um todo. Dentre eles, destacam-se a capacidade aglutinadora representada na ameaça ao benefício fiscal e o nível de informalidade que caracteriza a cooperação que resulta da ação conjunta. Outra semelhança é a importância da mediação realizada pelas associações de classe. No caso do Eletroeletrônico, o Cieam é generalizadamente reconhecido como a entidade líder, em cujos fóruns internos o contato face a face resulta nos mais significativos exemplos de cooperação horizontal multilateral. Mas também existem fatores que espelham diferenças assinaláveis na composição das identidades dos dois clusters analisados. Um deles é a não polarização da liderança que, para o caso do Eletroeletrônico, pode-se dizer que está pulverizada em várias empresas. A ausência de uma força individual em nível significativo estimula a busca do consenso para opiniões divergentes, facilita a existência simultânea de diferentes iniciativas de cooperação e certamente contribui para a diversidade das práticas. Outro fator distintivo é o menor nível de confiança entre competidores diretos, percebido em mais de um elo da cadeia produtiva. Tanto fabricantes de bens finais quanto fornecedores de componentes demonstraram desconforto ao reconhecer a prática 143 de comportamento oportunístico. Se isto não é algo generalizado, uma vez que a confiança foi evidenciada como um atributo da relação entre as empresas presentes há mais tempo na ZFM, no mínimo representa um fator limitante às perspectivas de cooperação. Ou seja, as empresas de implantação mais recente usufruem as externalidades, mas têm maior dificuldade de se adaptar à cultura da "camaradagem". A obrigatoriedade de investimentos em P&D, para algumas empresas, tende a ampliar, no futuro, as experiências de cooperação que tenham como escopo o elemento técnico, diferentemente da situação associada ao Duas Rodas, cujas atividades não se submetem à mesma exigência. Um significativo desdobramento dessa política é o surgimento recente de vários institutos tecnológicos, alguns deles associados a empresas específicas, outros de atuação aberta, ambos executando atividades intensivas em mão-de-obra qualificada em nível elevado. A presença desses institutos significa uma diversificação dos tipos de agentes existentes no cluster e correspondem a uma expectativa elevada, por parte dos órgãos públicos, quanto à sua contribuição para a inserção da atividade produtiva, por meio da qualificação de profissionais. Outro fator que tende a acelerar a criação de valor local é a tendência crescente da ocupação de espaços em novos mercados, a partir da exportação. O aumento das exportações do setor industrial é um objetivo que tem recebido apoio por parte da Suframa, em consonância com a política praticada pelo ministério ao qual está vinculada, resultando no aumento do número de empresas exportadoras e do valor das exportações, especialmente a partir de 2000. Dentre as 9 empresas da pesquisa de campo, 7 são exportadoras, incluindo todas as fabricantes de bem final, sendo a América do Sul o destino principal de suas exportações. A Tabela VI.1 resume os exemplos de cooperação identificados pela pesquisa de campo. Com exceção da cooperação vertical multilateral, todos os demais tipos de cooperação transparecem a diversidade já ressaltada como uma característica importante do cluster. A cooperação horizontal multilateral talvez seja o principal fator distintivo do conjunto, pois, apesar das dificuldades apontadas, revela que há uma importante aproximação entre empresas que competem, e que pode transformar-se em um ponto forte para a concepção de uma trajetória futura desejada. 144 TABELA VI.1 DIVERSIDADE DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO Tipo Bilateral Multilateral Horizontal • Empréstimo de componentes, materiais e matérias-primas • Cessão de linha de produção • Benchmarking em qualidade • Benchmarking em gestão ambiental • Benchmarking em gestão da produção • Socialização de informações sobre fornecedores • Programas não competitivos em telefonia móvel • Administração de sobredemandas (rede) • Benchmarking em práticas de gestão • Discussão de mudança em legislação de incentivos Vertical • Treinamento de pessoal • Manutenção de moldes e ferramentas • Benchmarking em programas de competitividade • Desenvolvimento conjunto de componentes • Desenvolvimento de dispositivo de alimentação para máquina de inserção • Administração de sobredemandas (rede) Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo. A Tabela VI.2 complementa o resumo da informação sobre a cooperação no cluster Eletroeletrônico, oferecendo uma perspectiva da extensão da cooperação, ou seja, o quanto, na percepção do autor, a prática estaria disseminada. Segundo esse ponto de vista, os resultados evidenciam que a cooperação horizontal ocorre com mais freqüência, é mais disseminada, e é exercitada de forma contínua. Contrariamente, a cooperação vertical revelou-se uma conduta mais discreta, relativamente à amplitude do cluster, inclusive com flutuações mais nítidas de sua intensidade, ao longo do tempo, tendo sido possível identificar que o seu ápice ocorreu em um passado já não tão recente. Ao final, a ação conjunta deliberada no cluster Eletroeletrônico apresenta uma maior quantidade absoluta de exemplos, sendo também mais diversificada. A presença significativa de empresas de grande porte, de alcance global, na sua composição, é um dos motivos dessa diversidade de práticas, e da influência que a dinâmica da cooperação 145 TABELA VI.2 EXTENSÃO DA COOPERAÇÃO NO CLUSTER ELETROELETRÔNICO Tipo Bilateral Multilateral Horizontal • Contínua, com características de solidariedade • Práticas mais intensas entre os precursores • Intermitente, condicionada à agenda de governo; ativa, em termos de melhores práticas em gestão • Envolvimento de grandes empresas fortalecendo sua rede de relações • Transbordamento para relações extracluster • Influência de decisões e padrões corporativos Vertical • Intermitente, com intensidade decrescente nos últimos anos • Ocorrência significativa recente concentrada em um único fabricante • Contínua, mas de existência recente (rede) • Ocorrência pontual Fonte: Elaborada pelo autor, com base em pesquisa de campo. horizontal exerce em sua eficiência coletiva. Todavia, de forma associada, implica também em uma maior influência das decisões corporativas na realidade local. 146 VII. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS: ALGUMAS IMPLICAÇÕES DAS PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO. Após a apresentação dos dados obtidos a partir da pesquisa de campo, realizada nos capítulos V e VI para cada um dos clusters sob análise, é necessário avaliá-los segundo a perspectiva dos objetivos propostos para este estudo. O cumprimento dessa tarefa, concretizado neste capítulo, inicia com uma abordagem comparativa dos ambientes e das práticas de cooperação identificadas, no intuito de consolidar uma visão global das principais semelhanças e desigualdades percebidas para os objetos de estudo. Em seguida, são retomados de modo crítico os elementos formais estabelecidos para o estudo, de acordo com a estrutura descrita no capítulo II, a partir dos quais a análise de mérito sobre os objetivos específicos e algumas implicações para os principais atores são estabelecidas. O capítulo finaliza sugerindo desdobramentos e complementações que poderiam compor uma agenda propositiva de interesse para a temática tratada. VII.1. UM RESUMO DOS PERFIS DOS AMBIENTES. Uma das idéias em que se assenta este trabalho de pesquisa diz respeito à estreita vinculação existente entre a inserção social dos agentes econômicos e a dinâmica do aprendizado. As relações entre os agentes – e aí não apenas os econômicos – influenciam o ambiente e são por ele influenciadas. Ao ambiente, portanto, é conferida uma propriedade de estimular ou dificultar as relações que levam ao aprendizado, inclusive as de natureza cooperativa. É conveniente, então, resumir as principais características observadas para os ambientes dos dois clusters estudados. A Tabela VII.1, que tem esse objetivo, procura apresentar tais características concentrando-se especificamente nas diferenças identificadas entre eles, pois são elas que oferecem um maior potencial para explicar as eventuais particularidades de suas dinâmicas. Características comuns, como a capacidade de mobilização coletiva contra a ameaça aos incentivos, a existência de abundante mão-de-obra não especializada ou o comportamento predominante de companheirismo, não estão registradas. Evidentemente, os conteúdos da Tabela VII.1, em maior ou menor grau, são inferências que resultam da apreciação crítica atrelada à visão pessoal do autor. Também não se pretende afirmar que os itens abordados são os únicos que importam 147 para a caracterização do ambiente, mas sim aqueles que de algum modo foram ressaltados com a investigação de campo. TABELA VII.1 COMPARAÇÃO ENTRE OS AMBIENTES DOS CLUSTERS DUAS RODAS E ELETROELETRÔNICO Cluster Característica Observada Duas Rodas Eletroeletrônico Número de empresas Médio Elevado Diversidade de produtos Baixa Alta Diversidade dos agentes Baixa Média Capacidade de influenciar a trajetória Concentrada Distribuída Influência cultural Predomínio de uma cultura estrangeira Múltipla Base de confiança para as relações Alta Maior, entre empresas pioneiras Disponibilidade de mãode-obra especializada Restrita ("importação" de outras regiões ou países) Limitada, para atividades de maior conteúdo (P&D) Expectativa futura Integração de novos agentes; ampliação de conexões Manutenção das conexões existentes; diversificação do seu escopo Fonte: Elaborada pelo autor. Ainda que seja incompleta, a comparação é suficiente para destacar um elemento significativo para a continuidade da análise e seus possíveis desdobramentos: é necessário reconhecer que existem algumas diferenças não triviais entre os dois ambientes, com potencial para influenciar o sucesso ou insucesso de iniciativas que lhe digam respeito. O porte, por exemplo, é uma questão que se apresenta como crucial. Com poucas exceções, a cooperação foi evidenciada como uma prática disseminada de forma mais ampla em empresas de maior porte. Para este indicador, portanto, o cluster Eletroeletrônico oferece uma maior liberdade em termos de implementação de políticas estratégicas, uma vez que possui uma quantidade acentuada de grandes empresas, quando comparada a apenas duas do cluster Duas Rodas. Esta é seguramente uma indicação de prioridade para a intervenção positiva na ampliação do exercício da cooperação. 148 O cluster Eletroeletrônico, comparativamente ao Duas Rodas, tem uma maior diversidade de agentes, pois inclui várias instituições de P&D (dedicadas ou não) e maior quantidade de instituições de ensino e treinamento atuando. Isto repercute em maior variedade na tipologia das interações, e amplia o potencial para a implementação de soluções coletivas por meio da cooperação. A diversidade de empresas tem vínculo direto com a capacidade de influenciar a trajetória do cluster. No caso do Duas Rodas, em que a concentração econômica é grande, as duas maiores empresas são responsáveis por praticamente todas as iniciativas de ação conjunta identificadas. Qualquer que seja a trajetória, e o incremento na capacidade de reagir às pressões competitivas, elas certamente estarão desempenhando um papel de protagonistas. Alguns dos códigos de conduta e comportamento são introduzidos a partir da cultura original da empresa que implanta uma filial em Manaus. No caso do Duas Rodas, ressalta a influência de uma cultura específica, a japonesa, o que impõe o padrão de confiança percebido nas relações e estimula diretamente a existência da cooperação. No caso do Eletroeletrônico, o potencial a explorar é o das múltiplas experiências que podem ser proporcionadas pelas diferentes origens. A mão-de-obra especializada é um item a ser tratado com precaução. Em ambos os casos não foi identificada a carência em assuntos relacionados a profissões ligadas a atividades de apoio (ou atividades-meio), ou à gestão da produção. No cluster Duas Rodas, a indicação de carência tem a ver com o objeto técnico da aglomeração, enquanto no Eletroeletrônico as manifestações sugerem que a fragilidade encontra-se em um nível mais sofisticado, ligado às atividades de pesquisa e desenvolvimento. É, sem dúvida, um tema cuja investigação merece aprofundamento. Não há como desconsiderar que a eficiência de eventuais políticas para a inserção está imbricada à questão da qualificação da mão-de-obra, cujos gargalos devem ser necessariamente removidos. O histórico da cooperação em cada um dos clusters e alguns eventos importantes em anos recentes, dentre os quais podem ser destacadas a verticalização da Yamaha, no Duas Rodas, e a implantação da Nokia, no Eletroeletrônico, auxiliam no exercício de antecipar possíveis tendências. Para o Duas Rodas, pode ser esperada a integração de novos fornecedores e a ampliação da quantidade de relações fabricante-fornecedor. Empresas que hoje são fornecedores exclusivos da Honda poderão ter seu mercado ampliado. Com isso, 149 também tende a ampliar o alcance da cooperação vertical. Mesmo em relação às conexões existentes, para o caso da Honda, há expectativa dos próprios parceiros de que ocorra algum avanço em termos de escopo. Pelos elementos identificados, a cooperação horizontal, todavia, continuará limitada. Com apenas duas grandes empresas, restará a cooperação extracluster local, em que diminui a possibilidade do tratamento de questões tecnológicas, permanecendo as iniciativas nas áreas de gestão e correlatas. No cluster Eletroeletrônico, o comportamento da Nokia pode causar um fortalecimento da cooperação vertical, até então aparentemente estabilizada em um baixo nível de intensidade, quando comparado com o ritmo do passado. A cooperação horizontal, assim como a interação com outros agentes, tende a ampliar, em conseqüência de investimentos em P&D. As perspectivas para a ação conjunta com escopo técnico são favoráveis. Para a formulação de políticas públicas, esse conjunto de diferenças entre os dois clusters deve ser admitido como um ponto de partida importante que corrobora a necessidade do tratamento individualizado, considerando a seleção e consolidação de trajetórias desejadas em direção ao desenvolvimento endógeno. Se os elementos que compõem a base em que se firmam as relações sociais (ou a ausência delas) possuem distinções assinaláveis, seria surpreendente que uma mesma política, generalizadamente aplicada, alcançasse um grau de eficiência elevado para a aceleração do aprendizado e, em conseqüência, da inserção local, para diferentes clusters. VII.2. FORMAS DE COOPERAÇÃO: UMA SÍNTESE DOS RESULTADOS. Os dois primeiros objetivos específicos propostos nesta pesquisa estabeleceram a necessidade de identificar e avaliar, segundo a natureza e a intensidade, as formas de cooperação praticadas pelas empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas. A análise comparativa das práticas de cooperação, a partir dos resultados apresentados nos dois capítulos precedentes, permite comprovar essa realidade e é oferecida como base para o juízo de valor sobre o atendimento aos objetivos. Na Tabela VII.2 estão reunidas as diferentes formas pelas quais a cooperação é exercitada. Além da utilização generalizada do benchmarking como uma prática comum, estão ali indicadas as práticas diferenciadas para a ação conjunta observada nos dois clusters estudados. É claro que em ambos os conjuntos ocorrem situações de exceção, mas a síntese apresentada concentra-se nos fenômenos mais significativos evidenciados. 150 No geral, é possível perceber como são rarefeitos os exemplos de cooperação vertical multilateral. Isto se dá não só pela dificuldade de reunir várias empresas em torno de um mesmo interesse comum, mas também da maior sofisticação exigida para a coordenação, e principalmente porque a competição externa, entre aglomerações locais e de outras regiões ou países, que seria um forte demandante desse tipo de iniciativa, ainda não é tratada de forma estruturada, coletiva, ensejando uma clara oportunidade de avanço para a formulação de estratégias competitivas para o desenvolvimento econômico local. TABELA VII.2 PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO NOS CLUSTERS DUAS RODAS (2R) E ELETROELETRÔNICO (E) Bilateral Multilateral Bilateral Multilateral Cooperação Vertical Cooperação Horizontal Práticas Comuns Práticas Diferenciadas • Empréstimo (componentes, facilidades de produção) (E) • Benchmarking (gestão da produção) (E) • Visita de • Benchmarking (segurança) (2R) benchmarking (qualidade, gestão • Manutenção (moldes e ferramentas) (E) ambiental) • Fornecimento de componentes (2R) • Gestão de recursos humanos (2R) • Responsabilidade social (2R) • Análise de impacto • Investimento compartilhado em projeto não de mudança em competitivo (telefonia móvel) (E) legislação • Socialização de informações sobre fornecedores (E) (incentivos, • Administração de sobredemandas (rede) (E) processo • Benchmarking (práticas de gestão) (E) produtivo) • Transferência de conhecimento tecnológico (2R) • Treinamento de pessoal (E) • Desenvolvimento de componentes e dispositivos (E) • Visita de • Investimento (máquina, equipamento) (2R) benchmarking • Participação no capital social (2R) • Orientação em • Suporte legal e jurídico (2R) técnicas para gestão de produção • Manutenção de equipamentos (2R) • Logística (2R) • Execução de processos de fornecedores (2R) • Benchmarking (programas de competitividade) (E) - • Gestão integrada de fornecedores (2R) • Administração de sobredemandas (rede) (E) Fonte: Elaborada pelo autor. 151 No cluster Eletroeletrônico, por diversos motivos (relações históricas, porte das empresas, valorização das relações de influência etc.), a aproximação entre concorrentes está mais presente e é onde estão concentradas as cooperações multilaterais; no Duas Rodas, o ponto forte da cooperação revela-se por meio das interações fabricantefornecedor. A Tabela VII.3 reúne e sintetiza as conclusões obtidas em relação à dinâmica da cooperação, de forma comparativa, procurando contemplar as principais dimensões privilegiadas na análise. A última coluna traduz a interpretação do autor quanto à existência de eventos em curso, identificados especialmente durante as entrevistas, que sejam potencialmente capazes de influenciar a trajetória futura da cooperação. TABELA VII.3 AVALIAÇÃO COMPARATIVA DAS PRÁTICAS DE COOPERAÇÃO ENTRE OS CLUSTERS DUAS RODAS (2R) E ELETROELETRÔNICO (E) Bilateral baixo intermitente, baixa baixo média manutenção do estado atual E alto contínua, média baixo média ampliação do escopo (tecnológico) Multilateral Tendência 2R baixo intermitente, baixa baixo baixa manutenção do estado atual E médio intermitente, média médio alta ampliação do alcance (interação em associação de classe) Bilateral Impacto Diversidade Econômico 2R 2R alto contínua, alta alto alta Ampliação E baixo intermitente, média baixo média ampliação (alcance e impacto) 2R médio contínua, alta alto média ampliação discreta (freqüência e escopo) E contínua, média baixo baixa manutenção do estado atual Multilateral Cooperação Vertical Cooperação Horizontal Alcance Freqüência baixo Fonte: Elaborada pelo autor. Nas demais colunas, busca-se a expressão da Intensidade da cooperação, por meio de classificação que se utiliza de uma escala ordinal de 3 níveis (baixo, médio e alto). Para o "Alcance", a referência é o número de empresas que citam a sua pratica, 152 relativamente ao tamanho da amostra; a "Freqüência" traduz a quantidade de vezes em que a cooperação é indicada, tendo por base respostas ao questionário; no caso do "Impacto Econômico", a informação ali apresentada procura estabelecer um vínculo entre os exemplos citados (entrevistas) e a importância econômica que representam para cada cluster. Uma segunda escala, de apenas dois níveis (contínua e intermitente) complementa a informação para a "Freqüência" da cooperação, procurando traduzir se a prática tem sido contínua nos últimos 5 anos anteriores à pesquisa de campo (período de tempo explicitamente abrangido pelo questionário) ou, contrariamente, se apresenta descontinuidades. Entende-se que as análises apresentadas nos capítulos V e VI, reunidas às Tabelas VII.2 e VII.3, representam o atendimento aos dois objetivos referidos. Esse conjunto oferece evidências quanto à existência de interações cooperativas na atividade industrial em Manaus, bem como quanto à natureza e variação das práticas. Resta, então, avaliar que elementos podem ser apreendidos a partir da constatação dessa realidade, frente ao interesse de contribuir para uma dinâmica mais acentuada de aprendizado, ou seja, identificar possíveis relações que podem ser estabelecidas entre os dois fatores, de modo a orientar o desdobramento de investigações futuras, o que será concretizado na seção a seguir. VII.3. IMPLICAÇÕES PARA A DINÂMICA DO APRENDIZADO. Evidentemente, como o foco da pesquisa são as práticas de cooperação, para cuja compreensão as ferramentas para a investigação de campo foram selecionadas, a tarefa de identificar relações entre os resultados obtidos e a dinâmica do aprendizado encontra maiores oportunidades a partir de uma abordagem ex-ante. E é sob essa perspectiva que foram organizados os elementos apresentados nesta seção. Os resultados alcançados assemelham-se aos de trabalhos similares relatados na literatura. SCHMITZ (2000b), ao comparar o desempenho de clusters em Guadalajara (México), Agra (Índia), Sialkot (Paquistão) e Vale dos Sinos (Brasil), conclui que a cooperação não é uma prática que se mantenha em níveis estáveis. Ao contrário, varia não apenas quando são confrontados diferentes clusters, mas também de empresa a empresa, dentro de um mesmo cluster e, o que talvez seja menos desejável para a formulação de estratégias para a competitividade, ao longo do tempo. Ela se intensifica na medida em que há necessidade de responder a maiores desafios, correspondam eles a oportunidades ou, o que se revelou mais comum nesta 153 pesquisa, ameaças. Como há distintos motivadores para a ação conjunta, as empresas tornam-se seletivas, tanto em termos de iniciativas, quanto de parceiros. Para que a cooperação se efetive, uma empresa deve sentir-se segura quanto à possibilidade de que parte dos resultados possa ser por ela apropriada e que o tempo e o esforço dedicados à sua obtenção serão adequadamente recompensados. Assim, se as externalidades econômicas podem ser aproveitadas por todas as empresas da aglomeração, a ação conjunta tende a ser não universal. Empresas de maior porte, dependendo de sua condição de liderança, ditam quando e com quem cooperar; para o caso daquelas de menor porte, a possibilidade é mais restrita, pois mesmo que vença as dificuldades inerentes ao tamanho, e demonstre interesse e disposição, a oportunidade de cooperar em princípio depende com menor intensidade de sua própria iniciativa. Essa é uma primeira consideração importante, de interesse aos gestores públicos e aos líderes de associações de classe: não se pode esperar uma linearidade no comportamento cooperativo. A pré-disposição cooperativa não é permanente e a participação contínua não é automática. Para a implementação de um projeto coletivo, portanto, a cada nova iniciativa, elementos para persuasão e atração dos atores desejados devem ser ponderados como parte da estratégia. Se o alcance e a freqüência das iniciativas explicam a intensidade do exercício da cooperação, a diversidade é um complemento importante dessa informação, uma vez que reflete a sua riqueza quanto às diferentes práticas utilizadas, esclarecendo como ela ocorre e qual o seu escopo. Uma maior diversidade implica em mais formas de interação e oportunidades de aprendizado sendo desenvolvidas e consolidadas no cluster. Assim, ambas as dimensões, intensidade e diversidade, devem ocupar seu espaço na análise da relação entre cooperação e aprendizado. Em alguns casos, uma determinada cooperação oferece menor contribuição para o aprendizado, orientada pela emergência de uma parada de linha de produção ou pela ameaça ao benefício fiscal; em outros, o foco é justamente o aprendizado. Para exemplificar, tome-se a cooperação horizontal: há iniciativas bastante seletivas de interação, como é o caso do exemplo da rede, no subsetor de Componentes Termoplásticos do cluster Eletroeletrônico, ou do esforço coletivo de benchmarking das práticas de gestão. Para os propósitos ressaltados neste trabalho, os dois exemplos são bem mais significativos que a capacidade de mobilização para discutir uma mudança na legislação, independentemente da freqüência com que esta mobilização ocorra, ou 154 mesmo que o disseminado recurso do empréstimo de um componente. E em termos de esforço orientado para o desenvolvimento endógeno, esta é uma distinção a ser feita para a ação conjunta, quando mediada pela associação de classe ou pelo poder público, que resulta em diferentes ganhos para a composição do tecido social. O nível de aproximação e confiança entre as empresas que cooperam, para os dois diferentes tipos, revela-se muito mais crítico em situações que objetivem, por exemplo, as visitas mútuas de aprendizado, nas quais a necessidade de um conduta transparente pode intimidar a participação em caso de receio quanto a comportamento oportunístico. Essa constatação sugere, então, que há um nível mínimo de confiança necessário ao estabelecimento de uma relação cooperativa específica, e que varia com seu tipo. Parece razoável admitir que as empresas que trabalham com produtos complementares, em uma dada cadeia produtiva, tenham uma maior tendência à ação conjunta que aquelas com produtos similares (ou substitutos). Em outras palavras, considerado um mesmo ambiente industrial, em um certo momento no tempo, como regra geral a cooperação vertical deveria ser aquela mais facilmente observável. Isto é um ponto relevante quando o esforço coletivo está em busca de resultados que permitam o efeito demonstração. Para a cooperação horizontal, a confiança é exigida em um nível mais elevado. E, conforme visto, maiores níveis de confiança só podem ser alcançados com a prática contínua ao longo de um período de tempo muitas vezes incompatível com a urgência requerida pela dimensão política. Cabe, portanto, aprofundar investigações sobre os mecanismos de estabelecimento de confiança no ambiente local. Esse é um tema cuja importância para a agenda de pesquisa já está sinalizada, há algum tempo, para o contexto de economias desenvolvidas: é necessário analisar o papel da coesão social e da confiança como prérequisitos para o aprendizado, de modo a entender como este ocorre, no tempo e no espaço (LUNDVALL e BARRAS, 1998, p. 10). Essas observações reforçam a idéia da importância da qualidade das relações, individuais e coletivas, entre os atores locais. No caso desta pesquisa, por razões de exeqüibilidade, o foco foi estabelecido para a relação entre as empresas. Entretanto, conforme pode ser notado na Figura VII.1, este é apenas um segmento das interações que compõem a dinâmica do cluster. 155 FIGURA VII.1 POSSIBILIDADES DE INTERAÇÕES EM UM CLUSTER Academia Governo Empresas Relações Externas do Cluster Fonte: Elaborada pelo autor. Na Figura VII.1, a seta sombreada ressalta em que campo principal as relações foram investigadas neste trabalho. Além destas, foi possível obter algumas indicações das interações com os outros atores (empresas-academia e empresas-governo). As relações internas à academia e internas ao governo, por exemplo, assim como entre eles, não foram exploradas. E isto para citar apenas as interações que ocorrem dentro dos limites do cluster. Para aprofundar a compreensão do impacto dos diversos tipos de relações no aprendizado coletivo, em uma estrutura com o nível de complexidade em que se encontra o Pólo Industrial de Manaus, é insuficiente considerar exclusivamente aquelas de origem interna. Enquanto a capacidade de gerar conhecimento estiver em níveis frágeis, o foco nas relações locais será útil principalmente para incrementar a socialização de conhecimentos eventualmente já dominados por empresa(s) do cluster. Mas, para entender a sistemática de contínua apreensão de novos conhecimentos, torna-se fundamental a análise das conexões externas, o que, aliás, mesmo não tendo sido o objeto focal da pesquisa, já pôde ser observado em termos da influência dos padrões corporativos. 156 Essas conexões externas são capazes de se estabelecer não apenas entre empresas do mesmo grupo, mas também entre diferentes empresas, entre governo e empresas, entre governo e potenciais investidores, entre grupos de empresas a partir de sua representação associativa etc. Ampliar a contribuição das relações internas ao aprendizado significa, antes, alcançar a estruturação de uma base, calcada em recursos humanos e infra-estrutura educacional e tecnológica, que dê suporte à criação de vantagens competitivas endógenas, uma tarefa que exige maior investigação para reflexão futura. A inserção global é, portanto, um contraponto essencial na análise do sucesso de uma política para o desenvolvimento sustentável. VII.4. PROPOSIÇÕES PARA UMA AGENDA LOCAL. A visão estabelecida para este trabalho utiliza-se do conceito de cluster para a construção do desenvolvimento endógeno de uma região, centrada nas vantagens proporcionadas pelas economias de aglomeração (ou associação). Segundo a análise realizada a partir da dimensão socioeconômica, uma das condições essenciais para alcançar esse desenvolvimento é a promoção do diálogo social e o estímulo ao aprendizado baseado em conhecimento compartilhado e troca de informação (AMIN, 1999, p. 370-1), algo que certamente pode contribuir, em um segundo momento, para o fortalecimento de uma cultura da inovação. Ao introduzir a problemática, na fase inicial deste trabalho, foi ressaltada a quantidade restrita de estudos que abordem a realidade da indústria de Manaus, principalmente se for considerada sua importância econômica e, em termos de sustentabilidade futura, a estrita dependência do benefício fiscal com prazo limitado. Dos resultados aqui apresentados, bem como de outras questões suscitadas a partir das interações de campo, podem ser extraídos alguns elementos para a composição de uma agenda propositiva para desdobramentos, ações e mesmo estudos futuros, em direção a maiores níveis de inserção e sustentabilidade, o que é exercitado nas demais seções deste capítulo. VII.4.1. CAPACIDADE DE GOVERNANÇA. A apontada característica da inserção social atribuída às decisões tomadas pelos agentes econômicos distingue a importância da qualidade das relações entre os atores locais, valorizando a coordenação das ações de desenvolvimento econômico a partir da base. 157 Isto implica em que a capacidade coletiva de estabelecer prioridades, além de discutir e implementar as opções mais adequadas para a satisfação das necessidades da sociedade, é uma competência essencial a uma economia que pretenda a instituição de uma plataforma estratégica para o desenvolvimento sustentável. Esse é, portanto, um ponto inicial a ser destacado, e do qual todos os demais de alguma forma tornam-se dependentes: a amplitude do desafio que se coloca à atividade industrial de Manaus exige mais e melhores práticas de governança do que as atualmente praticadas. A necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de governança fica evidente quando, na interação com os interlocutores, durante a execução da pesquisa de campo, ocorreram várias manifestações de preocupação com a ausência de objetivos de longo prazo que contemplem a maior independência da economia local frente aos incentivos fiscais. Porém, o crescimento do número de associações de classe e a melhoria das relações entre empresas e governo, conforme indicam os resultados, ainda que não tenham proporcionado as condições suficientes para que esse nível mais elevado de coordenação fosse atingido, permitem a abordagem da questão sob uma outra perspectiva, mais favorável. Para assumir a liderança necessária ao salto qualitativo nas práticas de governança, em direção à discussão de uma agenda coletiva, surgem dois potenciais candidatos, destacados por empresas e entrevistados: Cieam e Suframa. Em relação ao Cieam, o envolvimento crescente das empresas na associação de classe é um ponto forte a ser considerado na formulação de estratégias que contemplem esse objetivo. As atividades desenvolvidas em anos recentes, e a representatividade política que vem alcançando, provocaram a participação de mais empresas e, conseqüentemente, um aumento das interações entre elas. Discutir propostas de ação conjunta com as empresas de maior capital cooperativo, envolver as que sejam menos atuantes, aproximar-se de outros atores coletivos, articular com o poder público e ampliar a interação com a academia são, todas, iniciativas com potencial para promover o avanço pretendido. No caso da Suframa, alguns elementos adicionais para compreender a atuação desejada para a autarquia podem ser obtidos a partir dos resultados da pesquisa conduzida por NOGUEIRA (2002). Utilizando-se de questionário aplicado a 53 empresas incentivadas instaladas no Distrito Industrial, com participação em diversos 158 subsetores, o estudo concluiu que apesar de uma percepção global favorável sobre o desempenho da Suframa, situada entre "positiva" e "muito positiva", há ressalvas que apontam o pouco comprometimento com a Região do seu colegiado máximo, o Conselho de Administração, bem como uma competência restrita da instituição, imposta pelo governo federal, para o tratamento de assuntos relacionados ao PIM. O resultado que apresenta as maiores implicações para a governança, porém, é a comprovação de que a Suframa teve seu pior desempenho, alcançando uma atuação classificada apenas como "moderada", nos itens Apoio ao desenvolvimento tecnológico, Inserção internacional competitiva, Atração de investimentos, Apoio à logística e Desenvolvimento institucional, justamente aqueles em que um desempenho superior demandaria a maior capacidade de governança. Em suma, pode ser dito que fica fortalecida a interpretação de que existe espaço para que ambas as instituições ampliem sua atuação. Assim como se revelou uma prática disseminada nas empresas, o benchmarking poderia ser adotado por Cieam e Suframa, tendo como escopo o aprendizado em governança, para, a partir das relações extracluster, facilitar a superação desse desafio. VII.4.2. INSERÇÃO NAS CADEIAS GLOBAIS. O conjunto das atividades executadas em uma determinada aglomeração é, em parte, uma conseqüência da sua inserção na respectiva cadeia global de produção. Há uma tendência, na utilização do conceito de cluster, para concentrar a análise nas relações internas, o que por várias razões deve ser tratado com precaução, para o caso da realidade em análise, dentre as quais podem ser apontadas a limitação do mercado local e a dependência da tecnologia externa. A concentração de uma razoável quantidade de protagonistas globais em um espaço geográfico limitado, como é o caso da atividade industrial em Manaus, é outra justificativa, e implica em algumas possibilidades e conseqüências que restringem as opções de upgrade para a trajetória futura de clusters locais. Para algumas dessas empresas, a direção muda em média a cada 5 anos. O executivo que sai de Manaus normalmente ascende na organização, ocupando uma função de maior destaque e poder; o profissional que o substitui, especialmente se oriundo de outra região ou país, traz consigo novas experiências. Ambas as situações proporcionam novas conexões e oportunidades de aprendizado. 159 Essas conexões com as estruturas corporativas podem exercer um papel destacado na adoção de estratégias voltadas à agregação de valor, especialmente quando o objetivo é o upgrading funcional16, em que se almeja a ampliação vertical a partir da implementação de novas etapas da cadeia de valor, tais como as de projeto e marketing. Parte importante das decisões que repercutem na especialização da aglomeração é tomada fora da região, no comando central das empresas. Portanto, seria apropriado entender de que forma cada cluster é atingido por essas decisões e ao que isto corresponde em termos de condicionantes externos para uma trajetória desejada. O nível de autonomia local como um reflexo da hierarquia corporativa representa um impacto potencial nas aspirações da sociedade, o que justifica ampliar a sua compreensão a partir de mais esforços de investigação. VII.4.3. CONFIANÇA E COOPERAÇÃO. Uma das principais implicações para o agente de governo, ao assumir a postura de substituir a intervenção direta pelo papel de fomentar e mediar os agentes econômicos e as instituições, é o maior esforço de articulação e coordenação de atividades, que leva à necessidade já ressaltada de adotar formas mais sofisticadas e eficientes de governança. Parece claro que, para acelerar resultados, o estímulo às parcerias e a ampliação do nível de cooperação devem ser tratados como pré-requisitos – ou, na mais conservadora das hipóteses, paralelamente – à melhor governança. Se, conforme visto, a confiança é um mecanismo de governança para relações enraizadas, isto remete à questão de como ampliar o seu nível entre os agentes da aglomeração. A análise dos resultados oferece evidências de que o nível de confiança varia não só entre os dois clusters estudados, mas também entre diferentes empresas de um mesmo cluster. Se a confiança é uma conquista que se sedimenta a partir do acúmulo de interações positivas, disseminar essa característica configura-se uma tarefa não trivial. Nesse caso, a intervenção, seja da associação de classe ou do órgão público, pode ser produtiva no sentido de propor e induzir a execução de projetos que privilegiem o estímulo à confiança, com múltiplos participantes, com a autoridade de quem pode intervir e desestimular o comportamento oportunístico. 16 Para aprofundar a compreensão sobre tipos de upgrading, ver HUMPHREY e SCHMITZ (2002). 160 Uma oportunidade clara pode ser percebida quando os resultados da pesquisa apontam a sintomática ausência da cooperação vertical multilateral envolvendo vários elos da cadeia produtiva. É um tipo de ação conjunta que exige grande esforço de coordenação e uma maior maturidade dos agentes, pois obriga a pensar o cluster de modo abrangente e, conseqüentemente, também envolve a superposição de interesses individuais e coletivos que devem ser revelados e discutidos, o que só será possível em um ambiente de maior confiança. Promover iniciativas com essa intenção seria uma forma de exercitar as capacidades atuais em busca da ampliação de seus limites. VII.4.4. APRENDIZADO E SUSTENTABILIDADE. Uma primeira condição óbvia para ampliar o aprendizado e a sustentabilidade é o imperativo de se aprofundar a compreensão sobre as necessidades atuais e futuras de mão-de-obra especializada e o efetivo atendimento à demanda existente: entender que conhecimentos são importantes, quem os domina, como podem ser acessados e qual a melhor forma de promover a sua difusão. Estabelecer uma sintonia entre a atuação dos formadores de mão-de-obra e essa demanda é uma condição essencial ao desenvolvimento endógeno, cujo sucesso não pode prescindir dos esforços para estreitar as relações entre o setor produtivo e a academia. Um importante componente que reflete parte da capacitação alcançada diz respeito ao desenvolvimento de líderes com habilidades e experiência para ocupar os níveis hierárquicos mais elevados das organizações. É natural que o profissional de origem local tenha maior tendência a permanecer radicado em Manaus, o que permitiria a utilização de suas capacidades no desenvolvimento de novas empresas e negócios, eventualmente mesmo em subsetores industriais ainda não despontados. Uma pesquisa que pudesse avaliar a evolução da ocupação dos níveis hierárquicos mais elevados, por parte de profissionais amazonenses, ofereceria uma contribuição tanto para o monitoramento do passo em que a qualificação de mão-de-obra avança, quanto para futuras estratégias que incentivem o empreendedorismo. Ainda atrelada ao tema, embora menos evidente, existe a questão de compreender como ocorre a circulação da mão-de-obra e as suas repercussões para o aprendizado. Para os clusters analisados, os resultados apontaram uma redução na 161 rotatividade da mão-de-obra, o que traz implicações para a disseminação da informação, cujo nível de impacto e suas conseqüências poderiam ser submetidos a uma avaliação. Evidentemente, não se pode desconsiderar a dimensão tecnológica. Na economia baseada em conhecimento é improvável que seja promovida a capacidade endógena sem que a absorção e o desenvolvimento de tecnologias sejam contemplados. Para algumas empresas, o desafio implica em ainda introduzir essa preocupação em nível local. Para isso, seria apropriado avançar na investigação do tema, tanto do ponto de vista da empresa individual (processo interno de capacitação tecnológica, base tecnológica existente etc.), como da abordagem coletiva para cada cluster (aporte de novas tecnologias, gargalos tecnológicos para a inserção competitiva etc.). No caso específico, paralelamente à ação positiva poderia ocorrer o próprio estímulo à inclusão da cooperação com escopo tecnológico nas práticas das empresas, uma evidente fragilidade identificada pelos resultados obtidos nesta pesquisa. VII.5. REFLEXÃO FINAL. A abrangência da discussão iniciada neste trabalho reflete-se no próprio conjunto de itens de ação e investigação propostos, demonstrando parte da complexidade associada à temática do desenvolvimento regional, no caso da indústria incentivada de Manaus. Na revisão conceitual apresentada anteriormente neste estudo, foi ressaltada a relação direta entre a dinâmica da mudança tecnológica e o desenvolvimento econômico, com ênfase nos riscos da utilização da inovação como elemento central de uma estratégia de desenvolvimento sem que, previamente, sejam compreendidas as características da dimensão institucional. Alguns dos principais fatores que compõem essa base institucional, tais como confiança, cooperação e governança, foram aqui abordados. Os pontos fortes e as fragilidades apontados podem ser utilizados para otimizar a investigação da inovação em seus múltiplos aspectos: dos motivadores internos às pressões externas para inovar, processos de inovação em diferentes empresas e clusters, identificação dos líderes em inovação etc. Entretanto, considerando uma perspectiva sistêmica, o que talvez se configure como mais importante contribuição é a possibilidade de utilizar esses resultados como subsídio à abordagem ex-ante, na qual a inovação seja também tratada como o alvo em torno do qual a sustentabilidade futura estaria ancorada. 162 CONCLUSÕES. Após um longo período de estagnação, a criação do modelo Zona Franca de Manaus (ZFM) representou uma retomada do crescimento econômico do estado do Amazonas, provocando profundas transformações no perfil da atividade produtiva, que em poucas décadas passou a estar concentrada no setor industrial. Submetida a solicitações diversas, desde meados da década de 70 a ZFM passou por adaptações que se refletiram na base produtiva que lhe dá suporte, tornando mais complexas as operações e resultando em uma diferenciada experiência acumulada pela sociedade local. A crescente cobrança por um novo desempenho, oriunda de outros estados ou regiões, e por vezes de organismos do próprio governo federal, sustentada na argumentação da balança comercial deficitária, e estimulada pela disputa inter-regional por investimentos e empregos, tornou-se ainda mais acentuada por uma imagem historicamente desfavorável, acrescida de condicionantes que incluem a intolerância crescente ao incentivo fiscal e o seu horizonte limitado. A realidade dessa indústria incentivada, em grande medida associada a capital e tecnologia exógenos, causa incertezas quanto ao fato do crescimento estar efetivamente atrelado a um desenvolvimento sustentável, no sentido aqui utilizado para caracterizar a existência de capacidade para adaptar a atividade econômica a novas demandas e pressões competitivas, permitindo, assim, a continuidade da atividade industrial, mesmo após o encerramento do benefício fiscal de prazo definido. Em anos recentes, a Suframa adotou o uso do termo Pólo Industrial, em preferência a Zona Franca, uma iniciativa interpretada como tendo duplo propósito: desassociar o modelo de sua desgastada denominação original e oferecer a percepção de um salto qualitativo na atividade industrial incentivada. Esse cenário estimula e justifica uma melhor compreensão da dinâmica da atividade industrial na ZFM, de modo a oferecer novos elementos que auxiliem a construção de uma agenda de interesse social que contemple a discussão de um modelo futuro de desenvolvimento. Embora contribuições recentes tenham abordado a questão, entende-se que são escassas, algumas delas de natureza genérica, considerando a importância do tema. E esse foi o propósito que motivou a elaboração deste trabalho de pesquisa: aprofundar uma compreensão sobre a dinâmica da indústria incentivada, centralizando a 163 discussão na importância de sedimentar o desenvolvimento em bases endógenas, perante um horizonte temporal limitado para os incentivos fiscais, como forma de contribuir para a intervenção positiva. No tratamento da questão, o estudo valeu-se da comprovada importância das aglomerações industriais para o desenvolvimento econômico local. As vantagens proporcionadas pelas aglomerações são um fenômeno antigo, mas sob um novo enfoque têm despertado amplo interesse como instrumento de políticas públicas. O tema oferece inúmeras opções de abordagem e, no caso desta pesquisa, buscou-se a produção de evidência sobre dois casos específicos, com a intenção de que sejam oferecidos elementos para a formulação de políticas públicas e a atuação coletiva. Dentre as possíveis abordagens para o estudo de aglomerações industriais, optou-se pelo conceito de cluster, uma ferramenta analítica com acentuada evolução a partir da década de 90, que apresenta a vantagem de induzir a construção de uma perspectiva sistêmica, integrando os diversos agentes do processo e, de importância análoga, deslocando o foco de análise do tamanho para as sinergias. Atrelada a esse conceito está a idéia de que o desempenho de uma empresa depende da produtividade da aglomeração em que se insere e que, portanto, a prosperidade de uma localidade não pode ser creditada apenas à performance da empresa individual. A valorização de aspectos qualitativos configurou, então, uma abordagem socioeconômica para o estudo, em que os relacionamentos territoriais dão suporte à inserção social que caracteriza as decisões de cunho econômico e, principalmente, que promove o aprendizado interativo. E é a inserção social e territorial do aprendizado que instigou a investigação de fatores que, no ambiente local, estimulam ou reduzem a sua intensidade. Ao caracterizar um cluster pelos atributos de concentração espacial, especialização e interação, a justificada ênfase sobre este último, por seu potencial de contribuição à problemática tratada, estabeleceu uma limitação inicial para a dimensão da pesquisa. Uma segunda limitação relaciona-se com o fato de que, embora em um cluster possam estar presentes diversos tipos de agentes, a atenção principal recaiu sobre as empresas, motivada por sua importância para a atividade econômica. 164 Ao instituir o foco nas interações, o estudo teve a pretensão de sobrepujar o interesse nas externalidades econômicas, passivas, estendendo seu alcance às relações intencionais de natureza cooperativa. A cooperação pode ser considerada uma forma mais nobre de interação porque além de não ser mediada pelo mercado, é voluntária, exige discussão e, por isso, aprofunda as relações. Tem mais chances de ocorrer onde existe um histórico de relações e a confiança está estabelecida; ou seja, onde é maior a inserção. Sob esse prisma, então, é entendida como um vetor importante para a ampliação do aprendizado, essencial na composição da base efetiva sobre a qual poderia ser arquitetado o desenvolvimento sustentável. Assim, a dinâmica das interações entre empresas foi analisada segundo a perspectiva da cooperação, o que incluiu identificar e avaliar as formas de sua ocorrência, bem como apontar possíveis relações com a dinâmica do aprendizado. Na execução dessa tarefa, fez-se uso do conceito de eficiência coletiva, justamente por contemplar não apenas a vantagem competitiva obtida em conseqüência de externalidades econômicas, mas também do esforço deliberado de cooperação, denominado ação conjunta. Complementando o instrumental de análise, uma terceira ferramenta selecionada foi o conceito de governança, que tem sido empregado para expressar a capacidade de uma sociedade tratar, por meio da coordenação e negociação entre os atores sociais, os problemas e desafios comuns. No contexto do estudo, entende-se que por meio da governança é possível ampliar os resultados da ação conjunta para o aprendizado. Portanto, cluster industrial, eficiência coletiva e governança compuseram o instrumental conceitual utilizado nesta pesquisa para avaliar a intensidade e a qualidade das interações cooperativas entre empresas na indústria incentivada de Manaus. E isto ocorreu tomando-se como objeto empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas, os subconjuntos mais representativos do pólo industrial. Além da importância econômica, uma vez que são os líderes em indicadores de faturamento e geração de empregos, a justificativa dessa escolha residiu em uma diferença percebida entre os dois subsetores, que aponta uma maior participação relativa das compras com origem local para o subsetor Duas Rodas, considerando como referência o valor total das compras efetuadas para atender à produção do próprio subsetor. 165 Para a condução da abordagem utilizou-se de pesquisa de campo que implicou na aplicação de questionário em 15 empresas e a entrevista de 16 profissionais, para obter os dados que permitissem comparar os ambientes e as práticas de cooperação, com a expectativa de que entender as semelhanças e diferenças entre os dois clusters é um meio adequado ao aperfeiçoamento de mecanismos para sua consolidação. Na identificação dos ambientes, foram percebidas características que são comuns a ambos e, mais amplamente, até ao próprio ambiente industrial local como um todo. Nesse conjunto podem ser destacados o clima geral de apoio mútuo e camaradagem para situações mais simples, a capacidade de mobilização contra as ameaças ao benefício fiscal, a participação crescente de empresas nas associações de classe e a visão compartilhada de que hoje há uma maior aproximação com o poder público. Mas são as diferenças que podem enriquecer a análise e demarcar fronteiras para o uso de iniciativas comuns ou particulares de políticas públicas, ampliando as chances de sucesso. E algumas diferenças entre os subsetores são bastante evidentes. No caso do cluster Duas Rodas, que possui menor número de empresas, identificou-se um ambiente em que a liderança está polarizada em uma determinada empresa e o poder econômico da produção está concentrado em um produto específico (motocicleta). Com forte influência de uma cultura estrangeira, a japonesa, possui uma base de confiança que suporta e estimula as relações cooperativas. Já o Eletroeletrônico é caracterizado pela diversidade de agentes e por uma capacidade de liderança distribuída. A possibilidade de individualmente influenciar a trajetória do cluster é significativamente menor. Se por um lado a maior quantidade de empresas de grande porte – que são as que regulam a existência e o ritmo da cooperação – amplia as oportunidades de interação, por outro há o desestímulo provocado por um comportamento oportunístico que reduz o nível geral de confiança. Ao mesmo tempo, alguns condicionantes legais apontam para a possibilidade de ampliação na cooperação com escopo técnico. Com base nos resultados obtidos, também foi possível identificar o perfil da cooperação em cada cluster, tomando-se como indicadores o alcance, a freqüência, o impacto econômico e a diversidade. Recorrendo à taxonomia utilizada, o conjunto desses elementos ajuda a evidenciar uma maior intensidade da cooperação vertical (produtor-fornecedor) no Duas Rodas e da cooperação horizontal (entre competidores) no Eletroeletrônico. 166 Se a intensidade e o tipo da cooperação são indicadores importantes, também o é a diversidade, pois reflete como ela ocorre e qual o seu escopo. E nesse aspecto a diversidade não pode ser colocada em plano secundário, pois, principalmente em função do escopo, tem importância destacada para o aprendizado interativo. Em ambos os clusters, os exemplos que demandam maior capacidade de governança, como é o caso da cooperação vertical multilateral, são escassos e restringem-se a dois elos da cadeia produtiva. Esta é uma clara evidência de que os esforços para tratar a aglomeração como um cluster precisam ser ampliados. Na avaliação global dos registros de ação conjunta é possível concluir que há um significativo capital cooperativo acumulado pela indústria local, capaz de facilitar a implementação de estratégias para a inserção e o aprendizado. Mas eles também ressaltam que, embora tomando parte da grande aglomeração industrial que é a indústria incentivada em Manaus, os clusters Eletroeletrônico e Duas Rodas têm composição estrutural e os principais padrões de cooperação com diferenças assinaláveis. A constatação de ambientes distintos, suportada na descrição de suas características principais, é um ponto que deve ser ponderado quando da formulação de políticas de interesse público que tenham como objetivo a consolidação dessa indústria, considerando a premissa do benefício fiscal com prazo limitado. As instituições, públicas ou privadas, responsáveis ou interessadas na implementação dessas políticas, devem ser capazes de olhar para cada cluster e enxergar as suas individualidades, evitando o caminho fácil da abordagem generalista de uma grande e única aglomeração, o Pólo Industrial de Manaus. Caso contrário, corre-se o risco de comprometer a eficiência e/ou a eficácia das estratégias para o desenvolvimento. A caracterização dos clusters a partir da cooperação, embora restrinja a descrição da inserção local da indústria incentivada a apenas uma dimensão, configurase em um componente com capacidade para refletir com propriedade as relações sociais que resultam em aprendizado interativo. A aglomeração industrial de Manaus, tratada pela ótica dos conceitos selecionados nesta pesquisa, poderia ser configurada como um multicluster. Se esta abordagem sacrifica parte da vantagem do atributo da especialização com que se caracteriza um cluster, tem o mérito de (i) apontar a existência de vários clusters interrelacionados e (ii) ressaltar a ocorrência de interações entre empresas desses diferentes clusters, cujo significado, em termos de resultado para a aceleração do aprendizado 167 coletivo, precisa ser apreendido com maior eficiência, qualquer que seja o instrumento para a análise. Assim, apesar dos vários exemplos da atuação institucional, evidenciou-se a existência de razoável espaço para o exercício da coordenação, da mediação, e o desenvolvimento da governança. A prática continuada, a partir de uma prévia e qualificada seleção de exemplos, é um mecanismo recomendado para que essa governança se fortaleça e ajude a estabelecer uma base concreta que efetivamente contemple a visão de futuro dos diversos atores que conformam o interesse coletivo. Ampliar o estudo e aprofundar a compreensão sobre as relações entre as empresas e outros agentes, assim como considerar as relações externas do cluster são fundamentais para encontrar os mecanismos para fortalecer a confiança e o aprendizado que permitirão identificar e perseguir a trajetória mais adequada à inserção competitiva. Para esse desafio, apesar da grande flexibilidade e utilidade demonstradas pelo conceito de cluster, a investigação futura pode acrescentar outros conceitos, como é o caso de cadeia de valor e redes, que apresentam vantagens para a análise de alguns exemplos específicos, ou mesmo quando o interesse remete a um nível mais operacional. Vários dos elementos apresentados a partir da análise dos dados da pesquisa de campo e da experiência pessoal do autor confirmam uma complexidade para a atividade industrial localmente realizada que vai além do que seria esperado da imagem de operações simplórias associadas a uma zona franca. Mas, ao final, o mais importante é que, embora exista um mérito na transformação conceitual, de Zona Franca em Pólo Industrial, é necessário atentar para o fato de que essa alteração deveria, na verdade, ser tomada como um ponto de partida para a intervenção qualificada. 168 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ABRACICLO, 2005, Motociclos – Vendas – 2004. Disponível em: <http://www.abraciclo.com.br>. Acesso em: 05 maio 2005. ALBU, M., 1997, Technological Learning and Innovation in Industrial Clusters in the South. M.Sc. dissertation, SPRU/University of Sussex, Brighton, UK. ALTENBURG, T., MEYER-STAMER, J., 1999, "How to Promote Clusters: Policy Experiences from Latin America", World Development, v. 27, n. 9, p. 1693-713. AMIN, A., 1999, "An Institutionalist Perspective on Regional Economic Development", International Journal of Urban and Regional Research, v. 23, n. 2, p. 365-78. ANCIÃES, A.W.F. 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Liderou equipe pela qual passaram mais de 100 profissionais, entre estagiários e engenheiros, na mais ampla iniciativa de atividades de desenvolvimento de produto realizada em Manaus. Empresário, presta serviços de desenvolvimento a empresas do PIM. Carlos Geraldo de Britto Feitoza – amazonense, foi professor da Ufam e técnico da Fucapi e da Suframa. Acompanha a atividade industrial desde 1985. É Diretor Presidente do Instituto Nokia de Tecnologia - INdT, organização responsável pelos investimentos obrigatórios da Nokia em atividades de P&D, que possui estabelecimento principal em Manaus e sede em Brasília. Jânio Martins Bitar – amazonense, ex-técnico da Suframa (1983) e técnico da Fucapi desde 1984. Desenvolve, para a Suframa, atividades diversas relacionadas à formulação e implementação da legislação de política industrial, tais como análise de viabilidade técnico-econômica de projetos industriais, definição de PPBs, atração de novas empresas para o PIM etc. José Petronilo – paraibano, reside em Manaus desde 1995. É Gerente de Compras da Philips. Lidera equipe com autoridade para desenvolver e homologar fornecedores que se transformam em potenciais fornecedores de quaisquer das empresas do grupo, em escala mundial. José Renato Sátiro Santiago – cearense, trabalha na Philco (Ford) desde 1970. Está em Manaus desde 1981. Ocupa a função de Diretor Industrial, a mais elevada na hierarquia local. Responde por todas as operações da empresa desde quando havia a parceria tecnológica com a Hitachi do Japão, posteriormente substituída pela Itautec, do grupo Itaú. Markku Sakkinen – finlandês, Gerente de Compras Sênior da Nokia. Está em Manaus desde 2002. Identifica, desenvolve e homologa fornecedores para a Nokia, habilitando-os para fornecimento em nível mundial. 176 Roberto Bacellar Alves Lavôr – amazonense, ex-técnico da Fucapi, professor da Ufam, consultor e empresário. Iniciou contato com a atividade industrial do PIM em 1984. Com atuação em órgãos e associações de classe, é consultoria para a aplicação de investimentos em P&D. 2. Profissionais com experiência no subsetor Duas Rodas. Ivanildo Xavier Soares – paulista, Assistente de Diretoria e coordenador da Assessoria Jurídica da Moto Honda, sendo o responsável legal pela Honda. Está em Manaus, e na empresa, desde 1987. Na Honda, já atuou nas áreas de comércio exterior, planejamento estratégico, controladoria, RH e treinamento. Josué Castro Campos – amazonense, consultor sênior e gerente de garantia da qualidade da Moto Honda. Está na empresa desde 1983, sendo responsável pelas áreas de qualidade e meio-ambiente, com responsabilidades sobre as certificações ISO 9000 e ISO 14000. Luiz Noboru Kato – paulista, diretor da Metalino, empresa da área metalúrgica que trabalha com peças de metal injetado, fornecedora de Moto Honda e Yamaha. Trabalha na empresa, em Manaus, desde 1984. Teruaki Yamagishi – japonês, está em Manaus desde 1967. É Diretor Adjunto da Fieam e Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas. A partir de 1997 tem trabalhado como consultor, atraindo e orientando empresas – especialmente as de origem japonesa – para o PIM. 3. Profissionais com experiência em ZFM. Flávio José de Andrade Dutra – gaúcho, empresário, ex-Diretor de Assuntos Governamentais da Xerox e ex-Diretor da Fucapi. É Diretor Adjunto das Coordenadorias da Fieam e possui histórico de atuação em entidades de classe patronais. Sua experiência com a atividade industrial em Manaus iniciou em 1985. Flávia Skrobot Barbosa Grosso – amazonense, Superintendente da Suframa. Está há mais de 30 anos na organização, tendo toda a sua carreira profissional ligada à autarquia. Já exerceu funções em diversas de suas unidades, tendo assumido o posto máximo desde 2003. 177 Maurício Elísio Martins Loureiro – carioca, está na atividade industrial em Manaus desde 1980. É Diretor da empresa fabricante de relógios Technos e Presidente do Cieam, entidade com cerca de 190 associados, dentre os quais as principais empresas transnacionais instaladas no PIM. Olney Martins Ferreira – carioca, está desde 1998 na Gillette de Manaus, sendo que há 3 ocupa seu cargo máximo. A experiência internacional no grupo Gillette contribuiu para uma das principais iniciativas de benchmarking entre empresas, iniciada em fórum do Cieam. Ulisses Tapajós Neto – amazonense, Diretor Superintendente da Multibrás, fornecedora de peças plásticas injetadas para empresas dos subsetores Eletroeletrônico e Duas Rodas. Dirigente do Cieam, responde pelo projeto de responsabilidade social da entidade. Participa da atividade industrial, em Manaus, desde 1978. 178 ANEXO II QUESTIONÁRIO APLICADO NAS EMPRESAS Universidade Federal do Amazonas – UFAm Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia COPPE Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção – PPGEP Doutorado em Engenharia de Produção Questionário para Pesquisa em Aglomerações Industriais* PROPÓSITO DA PESQUISA – As informações a serem registradas por este questionário são essenciais para o conhecimento do relacionamento entre empresas do Pólo Industrial de Manaus. Os resultados agregados da pesquisa, após publicados, estarão disponíveis a todos os interessados e podem se constituir em elemento para uma avaliação de desempenho comparativo. SIGILO DAS INFORMAÇÕES – Todas as informações coletadas neste questionário serão tratadas em caráter confidencial, sendo destinadas exclusivamente a fins estatísticos. Número de Identificação Data Entrevistador 1. Informações Gerais. 1.1. Empresa: ___________________________________________________________ 1.2. Endereço: __________________________________________________________ 1.3. Respondente: _______________________________________________________ 1.4. Telefone/ e-mail: _____________________________________________________ 1.5. Posição na Empresa: a) Proprietário/Sócio: Sim ( ) Não ( ) b) Diretor ___________________________________ : Sim ( ) Não ( ) c) Gerente ___________________________________ : Sim ( ) Não ( ) 1.6. Desde que ano o respondente trabalha: a) Na empresa (ou grupo)? _______________ * A realização deste trabalho de pesquisa tornou-se possível graças ao apoio financeiro prestado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa à iniciativa da UFAm. 179 b) Na atividade industrial em Manaus? _______________ 1.7. Em que ano a empresa instalou-se em Manaus? _____________________ 1.8. Veio transferida de alguma outra cidade/país? Qual? ________________ 1.9. Principais produtos fabricados (em % do faturamento total): a) Produto1: ________________________________________ % ______ b) Produto2: ________________________________________ % ______ c) Produto3: ________________________________________ % ______ 1.10. Composição percentual do capital controlador: a) Local: % ______ b) Nacional: % ______ c) Internacional: % ______ (País de origem: ____________________ ) 1.11. Se a empresa não fabrica um bem final completo, em que processo se especializou? ______________________________________________________________________ 2. Mão-de-obra. 2.1. No médio de empregados em 2002: ___________ a) Contratados: _____________ b) Terceirizados: ______________ 2.2. Evolução do número médio de empregados nos últimos 5 anos: a) Aumentou b) Permaneceu o mesmo c) Diminuiu 2.3. No de contratados, segundo a escolaridade: Básico: ___________ Técnico/Profissionalizante: ___________ Superior: ___________ Pós-graduação: ___________ 2.4. No de empregados desligados em 2002: _______________ 2.5. No de empregados contratados em 2002: _______________ 2.6. A rotatividade nos últimos 5 anos: a) Aumentou b) Permaneceu a mesma c) Decresceu 2.7. A empresa enfrenta dificuldades em encontrar: a) Trabalhadores especializados Sim ( ) Não ( ) 180 b) Trabalhadores não especializados Sim ( ) Não ( ) 3. Etnia e identidade social. 3.1. De que região você é? a) De Manaus b) Do interior do estado do Amazonas c) De outra Região do País d) De outro país (Qual? ____________________) 3.2. A fim de ser bem sucedido como empreendedor na indústria local, é importante: a) Ser de origem local Sim ( ) Não ( ) b) Pertencer à liderança da comunidade social Sim ( ) Não ( ) 3.3. Ao longo dos últimos 5 anos, a participação de pessoas locais ocupando cargos de gerência/direção na sua empresa: a) Aumentou b) Permaneceu a mesma c) Diminuiu 4. Performance. Dados de Produção (2002) Tendência dos últimos 5 anos a) Produção (diária ou mensal): + = - b) Média de preço (em dólar) + = - c) % Exportado + = - d) Ocupação da capacidade instalada + = - e) Lucro líquido (em dólar) + = - 5. Investimentos. 5.1. Na sua empresa, que percentagem de capital investido nos últimos 5 anos vem de: a) Recursos próprios? ________ b) Empréstimo? _________ 5.2. O percentual de capital emprestado nos últimos 5 anos utilizado por sua empresa: a) Aumentou b) Permaneceu o mesmo c) Diminuiu 5.3. Em que áreas a empresa tem investido nos últimos 5 anos? 181 Intensidade do Intenções investimento Futuras para Grande Pequena Nada Investimento Quantia Quantia Áreas de investimento a) Expansão da capacidade de produção em + = - + = - + = - d) Desenvolvimento de novos produtos + = - e) Melhoria de máquinas e equipamentos + = - f) Marketing (feiras, propagandas etc) + = - g) Integração para frente (lojas, distribuidores) + = - h) Integração para trás (fornecedores) + = - i) Programas de redução de custos + = - j) Gestão da qualidade e produtividade + = - l) Gestão ambiental + = - h) Bens imóveis + = - j) Outro (Qual? _______________________ ) + = - Manaus b) Expansão da capacidade de produção fora de Manaus c) Adaptação de projetos de produtos ("tropicalização") 6. Subcontratação. 6.1. Em que extensão a atividade de produção é terceirizada com outras empresas? Percentagem Etapa do processo Operação ocorre em sua fábrica ou na do subcontratado? Interna Externa n.d. F S a) Injeção de partes e peças plásticas b) Estamparia de partes metálicas c) Usinagem 182 d) Inserção/Montagem de componentes em PCIs e) Montagem de cabos, fios e conectores f) Montagem de outros subconjuntos g) Outra (Qual? ___________________) 6.2. Sua empresa proporciona algum dos itens a seguir a seus subcontratados? Tipo de Assistência Freqüentemente Ocasionalmente Nunca a) Pagamento adiantado b) Assessoria na organização da produção c) Empréstimo de máquinas ou equipamentos d) Conserto/manutenção de máquinas e) Treinamento de trabalhadores f) Transporte de partes ou produtos g) Outro (Qual? ______________________) 6.3. O que sua empresa faz se o subcontratado quebra o contrato (por exemplo, atrasa a entrega ou não alcança a qualidade especificada)? Ação Freqüentemente Ocasionalmente Nunca a) Solicita que o trabalho seja refeito b) Deduz parte do pagamento c) Muda de subcontratado d) Oferece supervisão para evitar problemas futuros e) Outra (Qual? ______________________) 6.4. Por que sua empresa subcontrata? a) Demanda irregular Sim ( ) Não ( ) b) Economia de espaço ou máquinas Sim ( ) Não ( ) c) Maior eficiência do subcontratado Sim ( ) Não ( ) 183 d) Salários mais baixos do subcontratado Sim ( ) Não ( ) e) Evitar encargos sociais Sim ( ) Não ( ) 7. Trabalhar como um subcontratado. Nos últimos 5 anos sua empresa trabalhou como subcontratada (terceirizada) para outras empresas? Sim ( ) Não ( ) Se sim, responda às demais questões deste item 7. 7.1. Em que processo(s) você se especializou? Nível da concorrência Operação ocorre na sua fábrica ou Alto Médio Baixo no contratante? Processo M C a) Injeção de partes e peças plásticas b) Estamparia de partes metálicas c) Usinagem d) Inserção/Montagem de componentes em PCIs e) Montagem de cabos, fios e conectores f) Montagem de outros subconjuntos g) Outro (Qual? ________________________) 7.2. Com que freqüência o contratante lhe proporcionou as seguintes facilidades? Tipo de Assistência Freqüentemente Ocasionalmente Nunca a) Pagamento adiantado b) Assessoria na organização da produção c) Empréstimo de máquinas ou equipamentos d) Conserto/manutenção de máquinas e) Treinamento de trabalhadores f) Transporte de partes ou produtos g) Outro (Qual? ______________________) 184 7.3. Caso você não tenha conseguido atender ao contrato, que tipo de ação o contratante tomou? Ação Freqüentemente Ocasionalmente Nunca a) Requisitou que o trabalho fosse refeito b) Deduziu parte do pagamento c) Trocou-o por outro fornecedor d) Ofereceu supervisão para evitar que os problemas se repetissem e) Outra (Qual? ______________________) 8. Relacionamento com fornecedores. 8.1. Localização dos fornecedores: Que percentagem de itens sua empresa compra, considerando o seguinte: Localização Tipo de Item Disponibilidade Na quantidade Na qualidade requisitada requisitada Sim Sim Local Nacional Exterior Não Não a) Matérias-primas? b) Componentes? c) Máquinas e equipamentos? 8.2. Os seus fornecedores locais têm se aproximado de você para: a) Oferecer assistência com problemas que surgiram nos produtos deles? Sim ( ) Não ( ) b) Solicitar sugestões de como melhorar produtos deles? Sim ( ) Não ( ) c) Explicar as características dos produtos deles? Sim ( ) Não ( ) d) Outros propósitos? (Quais? _________________________________________) Sim ( ) Não ( ) 185 8.3. Quem executa as seguintes funções para a sua empresa: Outros Tipos de serviços A própria empresa Outros (fora (na sua fábrica) da sua fábrica) a) Manutenção de Máquinas? b) Contabilidade? c) Custeio dos produtos? d) Recrutamento e Seleção? 8.4. Assinale a existência e o objeto dos relacionamentos com os seguintes tipos de agentes locais, nos últimos 3 anos. Determine o grau de satisfação com cada um desses agentes (totalmente satisfatório - TS, Adequado - A, Inadequado - I, Totalmente Agente Local Projetos de P&D Desenvolvimento de produto e processo Assessoria técnica e tecnológica Assessoria em mudanças organizacionais Grau de satisfação (TS, A, I, TI) Objeto Ensaios, análises e metrologia Informação tecnológica e de mercados Treinamento e capacitação insatisfatório - TI). a) Instituto de tecnologia b) Laboratório de ensaios/testes c) Centro de treinamento d) Instituição de ensino técnico ou profissionalizante e) Universidade pública f) Universidade privada g) Consultores independentes ou empresas de consultoria h) Empresa matriz i) Empresas relacionadas (do grupo) j) Outras empresas 186 9. Mercado. 9.1. Especifique para quem você vende seus produtos, em percentagem das vendas totais: % das vendas a) Direto para o consumidor b) Direto para o varejista c) Direto para o atacadista d) Através de um representante de vendas independente e) Para um agente de exportação f) Através de um consórcio com outros fabricantes g) Outro (Qual? __________________________) 9.2. Onde os produtos de sua empresa são vendidos? Dê a sua resposta como uma percentagem das vendas totais. % das vendas a) área local b) resto do estado c) resto do país d) exterior 9.3. Para onde sua empresa exportou em 2002? Dê a sua resposta como uma percentagem das vendas totais. % das vendas a) América do Sul b) EUA c) Europa d) Outros países 9.4. Em 2002, você participou, como expositor, de alguma feira de negócios? Sim ( ) Não ( ) 187 10. Inovação em processos. 10.1. Suas máquinas, na maioria, são: a) compradas novas? b) compradas de segunda mão? 10.2. Pelos padrões locais o seu maquinário é: a) avançado? b) equivalente à média? c) defasado? 10.3. Nos últimos 5 anos, o padrão do seu equipamento melhorou: a) bastante? b) um pouco? c) nada? 10.4. Geralmente, de onde vêm as inovações relativas ao maquinário? Fonte da Informação Freqüente- Ocasio- mente nalmente Nunca a) Adquiridas prontas no mercado nacional b) Adquiridas prontas no mercado internacional c) Desenvolvidas internamente d) Adaptadas internamente e) Da cooperação com a assistência técnica f) Da cooperação com o fornecedor de máquinas g) Da cooperação com outros fabricantes locais h) Da cooperação com empresas-cliente i) De sugestões da empresa-matriz j) Outro (Qual? __________________________) 10.5. Nos últimos 5 anos você mudou a forma em que a produção é organizada e controlada? Sim ( ) Não ( ) Se sim, como isto foi feito? a) Baseado na sua própria experiência e idéias b) Seguindo novos métodos de organização trazidos de fora 10.6. Qual o tipo de organização da produção que prevalece atualmente? a) linha de montagem 188 b) arranjo em células/grupos de manufatura c) misto (linhas e células/grupos) d) não estruturada 10.7. Quais são suas fontes de informação para a inovação de processo (maquinário ou organização da produção)? Fonte da Informação Freqüente- Ocasio- mente nalmente Nunca a) Ocasiões sociais (bar, clube etc.) b) Agentes de exportação c) Fornecedores de máquinas d) Exposições / feiras e) Assistência técnica f) Empresas-clientes g) Publicações especializadas h) Visitas a outras empresas locais i) Visitas a empresas em outras regiões j) Trabalhadores anteriormente empregados em outras empresas k) Interação na associação de classe l) Consultores locais m) Consultores de fora n) Livrarias ou serviços de informação o) Treinamento p) Outro (Qual? ___________________) 11. Inovação de produto e qualidade. 11.1. Os produtos de sua empresa estão baseados em: a) projetos desenvolvidos internamente 189 b) projetos obtidos junto à matriz c) projetos desenvolvidos por um projetista externo d) projetos especificados por um cliente e) outro (Qual: ________________________________________________) 11.2. De onde vêm as idéias para novos projetos? a) visitas a feiras de negócios locais b) visitas a feiras de negócios em outras partes do país c) visitas a feiras de negócios no exterior d) catálogos e revistas e) orientação da empresa matriz f) especificações de clientes g) projetista prestador de serviço h) outro (Qual: _______________________________________________) 11.3 Nos últimos 5 anos, a qualidade do produto de sua empresa: a) declinou b) permaneceu a mesma c) melhorou um pouco d) melhorou bastante 11.4. Sua empresa utiliza algum dentre os seguintes procedimentos para garantia da qualidade? Sim Não a) Inspeção de recebimento b) Inspeção final c) Treinamento dos trabalhadores em garantia da qualidade d) Controle estatístico do processo/qualidade e) Círculos de controle da qualidade f) Controle total da qualidade/ gestão pela qualidade total g) Outro (Qual? ____ __________________________________) 11.5. Esses procedimentos foram impostos pelos clientes? 190 Sim ( ) Não ( ) 11.6. Os clientes proporcionam assistência para a melhoria da qualidade? Sim ( ) Não ( ) 11.7. Você possui sistema da qualidade certificado com base nas normas ISO9000? Sim ( ) Não ( ) 11.8. Você possui sistema de gestão ambiental certificado com base nas normas ISO14000? Sim ( ) Não ( ) 12. Competição. 12.1 Onde estão localizados os principais competidores de sua empresa? a) em Manaus b) em outras partes do país c) no exterior 12.2. Qual o perfil dos principais competidores de sua empresa? a) grandes empresas b) médias empresas c) pequenas empresas 12.3. Quais os três principais fatores (em ordem da maior para a menor importância) que permitem à sua empresa sobrepujar os rivais? ________ a) preço ________ b) qualidade ________ c) novos projetos ________ d) diversidade e entrega pontual ________ e) outro (qual? _______________________________ ) 13. Cooperação entre empresas. 13.1. Você tem algum acordo formal com outras empresas? Sim ( ) Não ( ) Se sim, qual? ______________________________________________ 13.2. Outras empresas do mesmo subsetor industrial possuem qualquer participação na composição do capital de sua empresa? Sim ( ) Não ( ) 191 13.3. Sua empresa possui qualquer participação na posição do capital de outra empresa do mesmo subsetor? Sim ( ) Não ( ) 13.4. Você coopera com outros produtores locais na sua indústria de alguma das seguintes formas? a) empréstimo de maquinário b) desenvolvimento de produto c) marketing d) treinamento de trabalhadores e) compra conjunta de insumos e componentes f) troca de informações/ visitas de benchmarking g) outro (Qual? ___________________________________________ ) 13.5. Você troca idéias ou discute problemas ou estratégias com outros produtores locais? a) nunca b) ocasionalmente c) freqüentemente 13.6. Você visita ambientes de produção de outras empresas locais? a) nunca b) ocasionalmente c) freqüentemente 13.7. Outras empresas visitam sua fábrica? a) nunca b) ocasionalmente c) freqüentemente 13.8. Como os seus relacionamentos informais com outras empresas usualmente acontecem? a) Laços familiares Sim ( ) Não ( ) b) Vizinhos ou proximidade espacial Sim ( ) Não ( ) Não ( ) c) Amigos ou antigos colegas de cursos ou trabalho Sim ( ) d) Outro (Qual? __________________________________________ ) 14. Associações de classe. 14.1. Sua empresa participa de alguma Associação? Sim ( ) Não ( ) Se sim, de qual(is)? 1. ____________________________________________________________________ 192 2. ____________________________________________________________________ 3. ____________________________________________________________________ 4. ____________________________________________________________________ 5. ____________________________________________________________________ 14.2. Para que sua empresa usa a(s) Associação(ões)? Serviço Freqüentemente Ocasionalmente Nunca a) Aconselhamento em questões legais b) Informação sobre outros empreendimentos c) Cursos e seminários d) Boletins informativos e) Outro (Qual? _____________________) 15. Política governamental e aglomeração industrial. 15.1. Com o quê as políticas governamentais mais contribuiriam para elevar a eficiência e inovação na sua empresa? (indique as três mais importantes) _________ a) Mais e melhor treinamento técnico _________ b) Melhorias na educação básica _________ c) Apoio para contratar consultores especializados _________ d) Linhas de crédito subsidiado _________ e) Menor regulamentação da atividade produtiva _________ f) Maior estabilidade macroeconômica _________ g) Outro (Qual? ______________________________________ ) 15.2. Os resultados atualmente obtidos por sua empresa seriam os mesmos se ela não estivesse localizada em Manaus? Sim ( ) Não ( ) 15.3. Quais são as principais vantagens de estar localizada nesta área? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 193 15.4. Quais são as desvantagens de estar localizada nesta área? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 15.5. De que forma a proximidade do fim dos incentivos fiscais em Manaus tem afetado o desempenho de sua empresa? a) Reduzimos investimentos, aguardando a formalização da prorrogação dos incentivos b) Aumentamos os esforços para nos tornarmos competitivos mesmo sem os incentivos c) Preocupa muito, pois não é possível ser competitivo em Manaus sem os incentivos d) Em nada, ainda. Nossa maior preocupação tem sido a retração da economia e) Outra (Qual? _____________________________________________________ ) 15.6. Quais as possibilidades de sua empresa permanecer em Manaus, caso se configure o fim dos incentivos fiscais em 2013? a) Dependeria do sucesso dos esforços para aumentar a nossa capacidade competitiva b) Já atingimos um nível em que, aliado a outras vantagens (não fiscais), são boas as chances de permanecermos aqui c) Em nosso subsetor não é possível ser competitivo em Manaus sem os incentivos fiscais atuais d) Ainda não temos elementos concretos para definir uma posição e) Outra (Qual? _____________________________________________________ ) 194 ANEXO III ROTEIRO DE ENTREVISTA 1. Apresentação dos objetivos da pesquisa 2. Qualificação do entrevistado Nome: Cargo atual: Cargo anterior: Data: 3. Cooperação Relações locais (como se dão, relação competição x cooperação, confiança, grupos étnicos e outros) Quais os mecanismos de cooperação mais utilizados, segundo seu conhecimento? Quais os principais tipos de cooperação vividos ou vistos? Vertical Entre empresa e fornecedor Entre empresa e cliente/distribuidores Horizontal Entre concorrentes As práticas de cooperação são generalizadas? Qual o nível de confiança existente nas relações de cooperação? Como está a relação empresa-governo (Suframa, Gov Am)? Como está a relação empresa-academia? Qual a relação com instituições de pesquisa e desenvolvimento locais? De que forma as relações de cooperação têm facilitado o desempenho? 4. Governança Que associações de classe conhece e a quais pertence? Como se dá a atuação das associações a que pertence? Que tipos de apoio prestam aos associados? Que associação é mais ativa? E mais influente? Quais as evoluções na relação com o Governo (estadual e federal)? 195 O que ainda falta ao ambiente industrial de Manaus? Qual a agenda das associações e governo para médio e longo prazos? 5. Aprendizado Por onde circula a informação em Manaus? (associações de classe, reuniões de Conselho, eventos sociais etc.) O que mudou em Manaus no período em que acompanha o PIM? Quais os progressos mais visíveis? Que novas atividades foram incorporadas localmente? E quanto ao grau de autonomia? (no caso de ser empresa filial) Que tipos de serviços/componentes/atividades estão disponíveis hoje e eram de difícil acesso anteriormente? Qual sua avaliação sobre a evolução da capacidade competitiva endógena da indústria local? (Eletroeletrônico, Duas Rodas ou PIM) 6. Outros itens destacados pelo entrevistado 7. Sugestões de outros profissionais a entrevistar 196