Restaurantes típicos caiçara dos litorais norte de São
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Restaurantes típicos caiçara dos litorais norte de São
Restaurantes típicos caiçara dos litorais norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro a favor da sustentabilidade e hospitalidade LUCIANA MARCHETTI DA SILVA Universidade Anhembi Morumbi [email protected] HAMILTON POZO CEETEPS/UAM [email protected] Restaurantes típicos caiçara dos litorais norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro a favor da sustentabilidade e hospitalidade Resumo O grande desafio das nações atualmente é diminuir os danos à natureza, por isso, a sustentabilidade vem sendo discutida e estudada no âmbito empresarial, governamental e acadêmico. Paralelamente a isso, na gastronomia contemporânea, é crescente o movimento de valorização de ingredientes brasileiros e regionais como uma forma de contribuir com a preservação de hábitos, culturas e costumes alimentares tradicionais, da biodiversidade e de estimular a responsabilidade socioambiental, ao valorizar os pequenos produtores, os alimentos orgânicos e a agricultura familiar, além de favorecer a hospitalidade. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa é analisar como os restaurantes típicos caiçaras contribuem para a sustentabilidade local pelo uso de ingredientes regionais. A análise baseia-se em estudo qualitativo dos cardápios dos restaurantes típicos caiçaras do litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro. Conclui-se que os restaurantes contribuem para a sustentabilidade a medida que privilegiam o uso de alimentos regionais, sazonais e o pouco uso de carne bovina. Palavras-Chave: culinária caiçara; sustentabilidade; hospitalidade; restaurantes típicos Abstract The great challenge for nations is currently to reduce the damage to nature, so sustainability has been discussed and studied in business, government and academic environment. Parallel to this, in contemporary gastronomy, the movement is growing appreciation of brazilian and regional ingredients as a way to contribute to the preservation of habits, cultures and traditional eating habits, biodiversity and encourage environmental responsibility by enhancing small producers, organic foods and family farms, in addition to promoting hospitality. In this context, the objective of this research is to analyze how the typical restaurants caiçaras contribute to local sustainability by using regional ingredients. The analysis is based on a qualitative study of the menus of local restaurants caiçaras northern coast of São Paulo and south of Rio de Janeiro. It is concluded that restaurants contribute to sustainability as they favor the use of regional food, seasonal and little use of beef. Keywords: caiçara cooking; sustainability; hospitality; typical restaurants 1. INTRODUÇÃO A sustentabilidade tem ganhado destaque nas discussões científicas devido à crescente conscientização da necessidade de melhoria nas condições ambientais, econômicas e sociais, de forma a aumentar qualidade de vida de toda a sociedade. O objetivo desta pesquisa é verificar como os restaurante típico caiçaras contribuem para a sustentabilidade local, com o viés do processo de hospitalidade para o fortalecimento o turismo na região. A pesquisa sobre os restaurantes típicos caiçara foi desenvolvida nos restaurantes localizados Litoral Norte de São Paulo e Sul do Rio de Janeiro, região denominada de caiçara e onde concentram-se o maior número desses restaurantes. O termo sustentabilidade é abrangente, vai além de simplesmente não degradar o meio ambiente, envolve questões de qualidade de vida, tecnologias limpas, utilização racional dos recursos, responsabilidade social, entre outros. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a sustentabilidade envolve os seguintes aspectos: conservação do solo, da água e dos recursos genéticos animais e vegetais, além de não degradar o ambiente, ser tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceito (GIORDANO, 2005). A noção de sustentabilidade incorpora uma clara dimensão social e implica atender também as necessidades dos mais pobres de hoje, outra dimensão ambiental abrangente, uma vez que busca garantir que a satisfação das necessidades de hoje não podem comprometer o meio ambiente e criar dificuldades para as gerações futuras. Nesse sentido, a ideia de desenvolvimento sustentável carrega um forte conteúdo ambiental e um apelo claro à preservação e à recuperação dos ecossistemas e dos recursos naturais (BUAINAIN, 2006, p. 47). Altieri (2008, p. 82) diz que “definida de forma ampla, sustentabilidade significa que a atividade econômica deve suprir as necessidades presentes, sem restringir as opções futuras. Na Gastronomia a discussão em torno deste tema é complexa, inclui desde o uso do solo nas regiões agrícolas até o seu manejo com insumos, inseticidas e fertilizantes. Os restaurantes se encontram no final dessa cadeia e a redução do seu desperdício gera uma série de benefícios desde a diminuição do lixo urbano, menor impacto nas áreas agrícolas, além de melhorar a lucratividade e a imagem de marca para os clientes. Cientes desta realidade, Chefs de cozinha e proprietários de restaurantes tem se preocupado com a escolha das matérias-primas utilizadas no preparo dos pratos, a fim de diminuir ao máximo os danos ao meio ambiente e contribuir para o desenvolvimento regional. A valorização de ingredientes regionais diminui as emissões de gases de efeito estufa derivados do transporte, beneficia os produtores locais, gerando renda e melhorando a qualidade de vida de todos, por isso entende-se como uma ação benéfica a sustentabilidade ambiental. Na vanguarda deste movimento os restaurantes típicos caiçara que empregam em seus cardápios ingredientes regionais e tradicionais da culinária caiçara. 2.REVISÃO DA LITERATURA 2.1. Restaurantes típicos e a culinária caiçara O conceito de restaurante surgiu das pequenas casas que vendiam caldos restauradores de forças para pessoas fracas e debilitadas, esses caldos eram chamados de restaurant, assim por extensão se transformou no nome dos estabelecimentos dicionarizado pela primeira vez em 1835 (SPANG, 2003). Restaurante: Alimento ou remédio que tem a propriedade de restaurar as forças de uma pessoa doente ou esgotada. O consomê e o extrato de perdiz são restaurantes excelentes. Vinho, conhaque e licores são todos bons restaurantes para aqueles que estão sem energia. Alguns restaurantes são destilados a partir dos sucos de carnes leves e temperadas, combinados com vinho branco suave, águas, e preparados em pós estimulantes, conservas, electuários e outros ingredientes bons e adocicados. O aspic é um tipo de alimento, porém mais nutritivo e de consistência mais firme do que os outros, sendo líquido. (Furetière, Dictionnaire Universel (1708) apud “A Invenção do Restaurante”). Segundo Houaiss (2001), a palavra Restaurante se refere aos estabelecimentos que se dedicam ao negócio de servir refeições ou ainda a lugares em que se tomam refeições, comumente. Atualmente os restaurantes são classificados quanto ao seu conceito e composição: tradicional, internacional, gastronômico, especialidades, típicos, coletividades, dentre outros (FONSECA,2006). Considera-se restaurante típico, aquele que apresenta elementos da culinária de determinada região de um país. Além da culinária, esses restaurantes utilizam diversos outros elementos, como artesanato, música, vestuário, decoração, hábitos sociais e de comportamento (FONSECA,2006). Os restaurantes caiçaras caracterizam-se por sua decoração e por oferecer pratos originários do litoral paulista, fluminense e paranaense, por isso são classificados como típicos. As cozinhas típicas e regionais são processos de lentas fusões e mestiçagens, desencadeadas nas áreas fronteiriças e, depois arraigadas nos territórios como emblemas de autenticidade local (MONTANARI, 2008). Para Maciel (2004), a cozinha de um povo é criada em um processo histórico que articula um conjunto de elementos referenciados na tradição, no sentido de criar algo único - particular, singular e reconhecível. A cultura caiçara está relacionada a uma região específica do litoral brasileiro, que compreende o norte do Paraná ao sul do Rio de Janeiro. Devido à presença da barreira geográfica natural da Mata Atlântica, que se alonga nessa região, a população que ali se desenvolveu manteve-se afastada do planalto e evoluiu aproveitando os recursos naturais com base em ingredientes frescos oriundos da pesca e da serra. “O cozinhar com o que tem” demonstra não apenas a capacidade de adaptação da cultura caiçara, mas também o respeito à disponibilidade e sazonalidade do que vem da terra, da água e da lama” (FERREIRA; JANKPWSKY, 2009, p 10). O caiçara, assim como a comida criada por essa população, é fruto da miscigenação de europeus, indígenas e escravos africanos. Os colonizadores portugueses assimilaram os produtos indígenas, mesclaram produtos e técnicas europeias com os gêneros autóctones e introduziram o hábito de criar animais. Os escravos negros trouxeram suas crenças e seus aportes culinários, incorporando o milho, o inhame, o quiabo, a taioba e as pimentas. Dos indígenas herdou, sobretudo, a mandioca e o uso de ervas. A mandioca é uma raiz muito utilizada no cotidiano alimentar das caiçaras, apresentada frita, assada, cozida ou na forma de farinha. O processo da produção da farinha de mandioca é mantido entre essas comunidades em ações coletivas, assim como a elaboração de outros alimentos ou na própria atividade pesqueira. A produção de alimentos entre eles é focada na relação social de ajuda mútua, e até mesmo as crianças são envolvidas nas atividades. O milho e o arroz também fazem parte da alimentação e, assim como a mandioca, são consumidos como farinha no preparo de pirões ou pães que fazem parte da alimentação dessa população. (FERREIRA & JANKOWSKY, 2009) As espécies de pescados utilizadas pelos caiçaras variam segundo o tipo de litoral. No litoral sul de São Paulo os pescados de mar e estuário mais apreciados são a tainha e o parati, pescados no inverno. No verão são pescados o robalo, a corvina, as diversas espécies de pescada, o cação e a manjuba. No litoral norte paulista são mais abundantes os peixes de pedra, como a garoupa, o badejo e o sargo. Também são pescados peixes de pele como o bonito, a sororoca, o atum, o xaréu e o carapau. Os polvos e as lulas são abundantes nas costeiras rochosas desse litoral (BUENO et al, 2007) Uma preparação típica da culinária caiçara é o Peixe Azul Marinho, preparado originalmente com peixe cozido na água, com temperos que costumavam incluir alfavaca, salsinha, cebolinha, tomate, coentrão, acrescido de banana-da-terra, são tomé ou nanica verde. Atualmente para o preparo deste prato refoga-se alho e cebola no óleo e depois acrescenta-se o peixe e a banana. (AMORIM, 2010) O mangue sempre contribuiu para a alimentação caiçara, pois é o berço de inúmeras espécies como caranguejos, ostras e mariscos. “É impressionante o fato de sabores tão ricos virem de um ambiente com aparência lamacenta e com forte cheiro de enxofre” (FERREIRA & JANKPWSKY, 2009, p 83). O palmito é outro vegetal muito presente nesta culinária. Na Mata Atlântica, há vários tipos de palmeiras, mas foi o palmito Jussara que se destacou como alimento na culinária dessa comunidade até o século passado. Por questões ambientais a coleta desse palmito é proibida, pois ele faz parte da floresta nativa. Assim, a produção industrial voltou-se para o cultivo do palmito pupunha, que tem um sabor diferenciado e, consequentemente, afeta no resultado da culinária caiçara original. (FERREIRA & JANKOWSKY, 2009) Folhas, quiabo, peixes, frutos do mar, caça e animais de criação, como o gado, frango e peru também compõem a alimentação caiçara. Quanto aos temperos os mais utilizados são o colorau, salsinha, a cebolinha, o coentro nativo ou almeirão, a alfavaca e, mais recentemente, o manjericão. (FERREIRA & JANKPWSKY, 2009, p 10). Dentre as frutas estão as ameixas nativas (jabuticabas, cambuci, cajá-manga, cajazinho) bananas, pitanga, jambolão, abacaxi, coco, mamão. Das frutas são feitos doces, como o de banana nanica, de mamão verde, cocadas, dentre outros (BUENO et al, 2007). A culinária caiçara é a expressão de suas raízes, baseada na simplicidade e na cozinha familiar, mas que, ao ser degustada, revela a complexidade de sua elaboração. Paradoxalmente, suas características e autenticidade, a afastaram do cenário gastronômico brasileiro e por muitos anos foi considerada uma alimentação pobre. A desvalorização dos ingredientes regionais e tradição marcaram a gastronomia brasileira durante as últimas décadas Nos restaurantes de luxo predominava a comida fusion, que foi tendência durante muito tempo. Apresentavam pratos que combinavam características de várias tradições culinárias, misturando sabores franceses com tailandeses, sem compromisso nenhum com qualquer tradição. Mas nos últimos anos pode-se observar que a cozinha regional tem passado por uma valorização gastronômica. Muitos pratos tradicionais estão sendo adotados por grandes chefes e estão passando por um processo modernizador. Alguns cozinheiros estabelecidos no Brasil, como Claude Troigros e Laurent Saudeau, foram os precursores da valorização dos nossos produtos autóctones – tapioca, maracujá, caju etc. – valorizando receitas francesas, recuperando nossas cozinhas regionais com releituras tropicais. (BELUZZO ,2006) 2.2 . A gastronomia como atrativo turístico e componente da hospitalidade A valorização da gastronomia regional é um importante atrativo turístico-cultural, tendo em vista que os hábitos alimentares de um povo e suas tradições expressam a identidade de uma comunidade. De acordo com Schluter (2003, p. 32): A identidade também é expressa pelas pessoas através da gastronomia, que reflete suas preferências e aversões, identificações e discriminações, e, quando imigram, a levam consigo, reforçando seu sentido de pertencimento ao lugar de origem. Dessa forma vai-se criando uma cozinha de caráter étnico, explorada com muita frequência no turismo para ressaltar as características de uma cultura em particular. Franco (2001, p325) diz que: “graças à antropologia, sabe-se hoje que a preparação dos alimentos e o comer são também atividades simbólicas que permitem perceber as sociedades e a sua complexidade”. De acordo com Maciel (2004), a cozinha constitui-se em um tipo de linguagem, um código complexo que possibilita compreender os mecanismos da sociedade à qual pertence, da qual emerge e à qual confere sentido. A alimentação pode, assim, ser considerada uma linguagem que fala materialmente de dimensões sociais e simbólicas. Para o autor: A alimentação, organizada como uma cozinha, torna-se um símbolo de uma identidade (atribuída e reivindicada) através da qual os homens podem se orientar e se distinguir. Mais do que hábitos e comportamentos alimentares, as cozinhas implicam formas de perceber e expressar um determinado “modo” ou “estilo” de vida que se quer particular a um determinado grupo. (MACIEL, 2004, p. 36). Desta forma, a gastronomia oferece ao turista acesso ao patrimônio cultural, possibilitando conhecer a história, a cultura e o modo de viver de uma comunidade no formato de turismo cultural. Neste contexto, a gastronomia pode determinar a escolha de um destino turístico, sendo, por vezes, a principal motivação do turista. A hospitalidade tem grande importância para o estudo do turismo e envolve uma dimensão cultural, afirma Camargo (2003), com os seguintes aspectos: a recepção de pessoas, hospedagem, alimento e entretenimento. A gastronomia pode ser utilizada como uma forma de prover hospitalidade ao turista. O termo Hospitalidade, segundo Walker (2002, p. 4), “[...] é tão antigo quanto a própria civilização[...]. Deriva da palavra de origem francesa hospice” e significa dar ajuda / abrigo aos viajantes”. A origem do termo hospitalidade deriva de asilo, albergue, uma antiga palavra francesa que significa dar ajuda/ abrigo aos viajantes, que teve sua origem na Grécia e em Roma, por volta de 1700 a.C, nas tabernas onde já se fazia menções à hospitalidade (WALKER,2002) Segundo Lashley (2004, p 22), a hospitalidade consiste em uma troca contemporânea idealizada para aumentar a reciprocidade e bem estar entre as partes envolvidas, por meio da oferta de alimentos e/ou bebidas e/ou acomodação. Dias (2002, p. 102) acrescenta: (...) hospitalidade é a recepção cordial e generosa aos hóspedes, que compreende, a prestação gratuita ou não de serviços obtidos normalmente por uma pessoa em seu próprio lar, mas que por não possuí-lo, ou por estar dele ausente, temporariamente, não os tem à sua disposição. Basicamente abrange leito ou alimentação. Quando a hospitalidade é proporcionada com acomodações, para dormir, caracteriza-se a hospedagem, acompanhada ou não de refeições. Se as refeições são oferecidas, têm se a hospitalidade, mas não a hospedagem. Sendo assim, entende-se a que a gastronomia está inserida na hospitalidade, através dela o hóspede entra em contato costumes e tradições culturais do anfitrião. 2.3. A relação entre sustentabilidade e gastronomia Barbieri e Cajazeira (2009), resumem as dimensões da sustentabilidade em: social, econômica, ecológica, espacial, cultural, política e institucional. Os autores chamam a sustentabilidade relacionada ao ambiente, de sustentabilidade ecológica, e diz que ela referese às ações para evitar danos ao meio ambiente, causados pelos processos de desenvolvimento, como por exemplo, substituição do consumo de recursos não-renováveis por recursos renováveis, redução da emissão de poluentes e preservação da biodiversidade. Araújo et al. (2006) diz que o conceito de sustentabilidade está ligado às três dimensões e que para uma empresa ser considerada sustentável é necessário ter ações eficientes nessas três dimensões: Ambiental: redução das emissões de gases nocivos de efluentes líquidos e de resíduos sólidos; consumo consciente dos recursos água e energia; conformidade com as normas ambientais; exigência de um posicionamento socioambiental dos fornecedores; uso racional dos materiais utilizados na produção; investimentos na biodiversidade; programa de reciclagem e preservação do meio ambiente. Econômica: aumento ou estabilidade do faturamento; tributos pagos ao governo; folha de pagamento; maior lucratividade; receita organizacional; investimentos; aumento das exportações (relacionamento com o mercado externo). Social: desenvolvimento da comunidade/sociedade segurança do trabalho e saúde ocupacional; responsabilidade social; treinamento, cumprimento das práticas trabalhistas; seguridade dos direitos humanos; diversidade cultural. Os pilares da sustentabilidade (econômica, social e ambiental) complementam-se para uma empresa ou sistema ser considerado sustentável. Assim, para afirmar que uma empresa é sustentável, é preciso que sejam analisadas criteriosamente as ações/indicadores econômicos, sociais e ambientais. A ligação da Gastronomia a estes pilares é inquestionável, ela norteia a produção de alimentos locais, propaga tendências alimentares, transmite técnicas e conhecimentos culinários, e através da educação alimentar pode promover o bem-estar social e a qualidade de vida. Além disso, quando proposta de maneira sustentável, ensina os valores culturais, a apreciação por comida de qualidade, a valorização do trabalho rural e o modo como os ingredientes ao prato (SCARPATO, 2002). Segundo Nunes (2012, p. 37), “[...] restaurantes sustentáveis ainda são reduzidos, e a grande maioria tem o foco apenas na comida”. O maior desafio da gastronomia contemporânea é achar meios de suprir nossas necessidades nutricionais e lúdicas, mantendo a sustentabilidade. No Brasil, poucos estudos relacionam gastronomia e sustentabilidade, mas é crescente a discussão deste tema pelos Chefs de Cozinha e proprietários de restaurantes. Em outubro de 2011, a revista Prazeres da Mesa, em parceria com o Centro Universitário Senac, de São Paulo, lançou as primeiras sementes da sustentabilidade na cozinha, na Semana Mesa SP. O tema do Congresso Mesa Tendências – um dos eventos da semana gastronômica – era “O que a Gastronomia Pode Fazer pelo Planeta?” Neste Congresso chefs internacionais e nacionais trocaram experiências e mostraram ao público e aos leitores iniciativas que podem ser adotadas no dia a dia para melhorar a relação do homem com o planeta. As discussões resultaram na Carta de São Paulo, em que constam sete princípios básicos que devem orientar o novo momento dos profissionais de cozinha, são eles: 1. Conhecer o alimento que adquirimos, processamos e comemos. 2. Conservar os meios e as condições que dão origem ao alimento. 3. Preservar, valorizar e promover as qualidades naturais do alimento, assim como seu uso saudável. 4. Utilizar todo o alimento que adquirimos. 5. Remunerar adequadamente os produtores do alimento, inclusive pelos serviços ambientais providenciados para a sociedade. 6. Aplicar conhecimento e tecnologia inovadora para valorizar a diversidade e qualidade do ingrediente, assim como de seus usos. 7. Honrar e respeitar diariamente o ato de comer e de preparar a comida. Também em 2011, uma empresa brasileira que presta serviços de consultoria ambiental criou o selo ‘Restaurante Sustentável’ direcionado a restaurantes e bares que desejam divulgar suas ações de sustentabilidade no mercado. Para obtê-lo, os estabelecimentos gastronômicos passam por um processo de certificação onde são identificados diversos fatores préestabelecidos pela consultoria. 3. MÉTODO De acordo com Selltiz et al. (1975) as pesquisas de caráter exploratório têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. O método utilizado foi uma pesquisa qualitativa descritiva, definida por Charoux (2006) como pesquisa que descreve e classifica características de uma situação e estabelece conexões entre a base teórico-conceitual existente ou mesmo de outros trabalhos já realizados. Para a autora, esse tipo de pesquisa pressupõe uma boa base de conhecimentos anteriores sobre o problema estudado, já que a situação-problema é conhecida, bastando descrever seu comportamento. As respostas encontradas nesse tipo de pesquisa informam como determinado problema ocorre. (CHAROUX, 2006, p. 34) Quanto ao processo de investigação, foi realizada pesquisa bibliográfica. Segundo Vergara (2009), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material acessível ao público em geral, como livros, revistas, redes eletrônicas, entre outros. Após a pesquisa bibliográfica, foi realizada a análise dos cardápios dos restaurantes estudados e dos gêneros alimentícios presentes neles. O critério utilizado para a escolha dos estabelecimentos foi a tipologia dos restaurantes e a localização. Foram selecionados doze restaurantes definidos como típicos caiçaras localizados no litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro. 4. DEMONSTRAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Os cardápios dos restaurantes estudados oferecem pratos típicos caiçaras, releituras de pratos tradicionais e alguns pratos internacionais. Os proprietários e Chefs de Cozinha privilegiam alimentos regionais e sazonais, mas também utilizam em menor quantidade ingredientes originários de outras regiões do Brasil e importados de outros países. Dentre os alimentos típicos caiçaras estão presentes nos cardápios: pescados diversos (peixes, siri, caranguejo, lulas, mariscos, camarão e polvo), raízes (cará, mandioca, inhame), subprodutos da mandioca (tapioca, polvilho etc.), abóbora, taioba, palmito pupunha, milho verde e outros vegetais. Pela análise dos cardápios não foi possível identificar quais são os peixes mais utilizados, pois na descrição dos pratos usam o termo “peixe da estação”, o que permite o uso sazonal dos peixes. Carnes bovinas, suínas e de aves também estão presentes nos cardápios, mas em quantidades reduzidas. Quanto as frutas, estão presentes: diversos tipos de bananas, laranja, limão, maracujá, jabuticaba, caju, carambola, abacaxi, goiaba e coco. Os ingredientes não característicos da culinária caiçara presentes nos cardápios que mais se destacam são: salmão, bacalhau, aspargos, cogumelos shimeji e shitake, funghi, alcachofra, cuscuz marroquino, arroz arbóreo e frutas vermelhas (amora e framboesa). Predominam nos cardápios preparações assadas, grelhadas, guisadas, refogadas e salteadas. Há poucas preparações fritas, milanesas ou empanadas. O uso reduzido de carne bovina é uma medida sustentável, já que, segundo Naqvi e Sejian (2011), a criação de gado é responsável por 18% do total de emissões dos gases de efeito estufa. Somado a isso, a produção de carne bovina reduz a biodiversidade, pois milhões de hectares de florestas são desmatados com a finalidade de cultivar uma única espécie. Na América do Sul, 70% das florestas foram convertidas em pastagem para o gado, e grande parte do restante é utilizada para o cultivo de alimento para os animais (STEINFELD et al., 2006). Somado a isso, produção de carne contribui negativamente em outros aspectos: emissão de gás metano, compactação e desertificação do solo, geração de resíduos e consumo excessivo de recursos, como a água. Quanto a prevalência de ingredientes regionais, segundo Queiroz (2008, p. 2), preservar “[...] a gastronomia regional é assegurar a subsistência e manutenção da cultura de um povo”. Portanto, restaurantes típicos que em seus cardápios respeitam os aspectos culturais do alimento e utilizam ingredientes que tem uma história peculiar com a região na qual se encontra, alavancam a cultura local, desenvolvem a atividade turística sustentável e destacam os valores sociais e culturais de uma região, além disso tem o poder de rentabilizar economicamente os pequenos produtores locais de uma maneira sustentável. Os produtos regionais tradicionais fazem parte da história social de uma determinada cultura. A produção desses alimentos reúne relações sociais e familiares, num encontro entre o saber e a experiência é uma arte construída ao longo do tempo através da tradição familiar (RIBEIRO e MARTINS, 1995). O uso de alimentos sazonais também tem impacto na sustentabilidade porque além de possibilitar a variação de ingredientes conforme as estações climáticas, são produzidos com menos agrotóxicos e fertilizantes químicos. Esses alimentos têm menor necessidade de armazenamento e consequentemente menos recursos financeiros são empregados em sua produção. Para MacMillan e Fedenburgh (2009, p. 4), “[...] isso significa melhor valor, melhor sabor e um negócio melhor para o planeta”. 5. CONCLUSÃO A análise dos cardápios indicou que os restaurantes típicos caiçara privilegiam o uso de alimentos regionais e sazonais, mas utilizam também ingredientes oriundos de outras regiões ou países em menor quantidade. As preparações tradicionais também são maioria, porém há presença de releituras e pratos interacionais. Somente a análise não permite justificar a presença de alimentos e preparações não tradicionais, talvez a necessidade de atender a diversos perfis de clientes seja uma hipótese. O uso predominante de alimentos regionais e sazonais e a pouca utilização de carne bovina são as principais ações utilizadas pelos restaurantes que contribuem para a sustentabilidade. Consumir de produtores regionais, além de contribuir para o desenvolvimento econômico da região, reduz os custos com combustível e a emissão de CO2, uma vez que a distância entre produtor e consumidor é menor. O desperdício de alimento também é menor do que no transporte a longas distâncias. O respeito a sazonalidade garante maior proximidade com o ciclo natural dos alimentos, maior qualidade e preservação dos nutrientes. A pecuária é a maior responsável pelo desmatamento das florestas e contribui para a emissão de gás metano, compactação e desertificação do solo, geração de resíduos e consumo excessivo de recursos, como a água. Conclui-se que os Restaurantes estudados têm um impacto positivo na sustentabilidade ambiental pela escolha dos ingredientes fortalecendo o fator da hospitalidade. REFERÊNCIAS ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 5. ed. Porto Alegre: Editora da UFR- GS, 2008. AMORIM, Christina. Café com peixe. 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