Fernando Henrique Fernandes de Oliveira

Transcrição

Fernando Henrique Fernandes de Oliveira
1
UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL:
Perspectivas Brasileiras
Autor: Fernando Henrique Fernandes de Oliveira
Orientador: Prof. Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros
Co-orientador: Prof. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
BRASÍLIA
2009
2
FERNANDO HENRIQUE FERNANDES DE OLIVEIRA
Arbitragem Comercial Internacional:
Perspectivas Brasileiras
Monografia apresentada ao curso de graduação em
Direito da Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel
em Direito.
Orientador: Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros
Co-orientador: Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Brasília
3
2009
RESUMO
Referência: FERNANDES de OLIVEIRA, Fernando Henrique. Arbitragem Comercial Internacional :
perspectivas brasileiras. 2009. 50 folhas. Monografia de Direito – Universidade Católica de Brasília, Brasília,
DF, 2009.
Assim como em grande parte do mundo, a morosidade do sistema jurídico brasileiro se opõe aos interesses
comerciais de celeridade na pacificação de seus conflitos. Dessa forma, vêm buscando, os comerciantes, meios
alternativos de solucionar seus litígios. Nessa esteira, destaca-se a arbitragem como forma mais eficiente na
tutela de direitos patrimoniais disponíveis. Suas vantagens incluem não apenas a celeridade na disponibilização
de uma sentença arbitral com força de título executivo, mas também o sigilo ou discrição, especialização dos
julgadores no objeto da controvérsia, flexibilidade procedimental e ausência de recursos que possam protelar a
causa, cabendo perante o Judiciário Brasileiro, somente a ação de invalidade, que possui requisitos semelhantes
aos da ação rescisória. No entanto, as dúvidas quanto à prática da arbitragem comercial internacional no Brasil
só agora se dissipam. Tendo alcançado real viabilidade operacional somente com a Lei 9.307/96, dois fatores
foram essenciais na sua sedimentação pátria: o julgamento, pelo STF, que homologou sentença arbitral
estrangeira e a ratificação da Convenção de Nova Iorque sobre execução de laudo arbitral.
Palavras-chave: Arbitragem Comercial Internacional, Laudo Arbitral, Execução de Sentença Estrangeira, Lei 9307/96, convenção arbitral, cláusula compromissória, compromisso arbitral.
4
RÉSUMÉ
Référence: FERNANDES de OLIVEIRA, Fernando Henrique. Arbitragem Comercial Internacional :
perspectivas brasileiras. 2009. 50 pages. Monographie de Droit – Université Catholique de Brasília, Brasília,
DF, 2009.
Ainsi que dans le reste du monde, la lenteur du système juridique brésilien est opposé aux intérêts commerciaux
d'une pacification rapide des conflits. Par conséquent, les commerçants ont cherché d'autres moyens de résoudre
leurs différends. Sur cette piste, il faut souligner l'arbitrage comme le moyen le plus efficace dans la protection
des droits patrimoniaux disponibles. Ses avantages comprennent non seulement la rapidité de la livraison d'une
sentence arbitrale exécutable, mais aussi le secret ou la discrétion, l'expertise des arbitres dans l'affaire en litige,
la flexibilité de procédure et le manque de recours qui peuvent retarder la question, laissant seulement l’action de
nullité, qui possède des exigences très rigides pour être intentée. Toutefois, les doutes quant à la pratique de
l'arbitrage commercial international au Brésil seulement se dissipent maintenant. Ayant atteint la viabilité
opérationnelle réelle uniquement après l’entrée en vigueur de la loi 9307/96, deux facteurs ont été la clé de sa
sédimentation : le procès, au sein de la Cour Suprême, qui a approuvé une sentence arbitrale étrangère et la
ratification de la Convention de New York sur l'exécution des sentences arbitrales.
Mots-clés: arbitrage commercial international, Sentence arbitrale, exécution des jugements étrangers, Loi
9.307/96, convention d'arbitrage, clause d'arbitrage, compromis.
5
SUMÁRIO
Introdução
Noções Gerais
Conceitos
Fontes
Histórico
Antiguidade Helênica
Direito Mosaico
Roma Antiga
Idade Média
Sociedade Moderna
Brasil: da independência à lei 9.307/96
Arbitragem no Direito Contemporâneo
Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional
Brasil: A lei 9.307/96 e as novas perspectivas arbitrais
As Cortes Arbitrais Internacionais
Conclusão
6
INTRODUÇÃO
A arbitragem destaca-se como principal meio extrajudicial de
pacificação de conflitos. Tradicionalmente relevante no âmbito dos direitos
comercial e internacional, ganhou novo fôlego com a edição, no Brasil, da
nova lei de arbitragem. Tal posição ficou ainda mais sedimentada com o
julgamento do STF sobre a constitucionalidade da referida lei, bem como
ratificação do da Convenção de Nova Iorque em 2002, a qual dispõe sobre
execução de sentença arbitral estrangeira.
Todavia, novos paradigmas nascem desse novo, porém
antigo, instituto. Objetiva o presente trabalho expor a relação entre o Brasil e a
arbitragem
comercial
internacional,
destacando
suas
vantagens
e
dificuldades.
NOÇÕES GERAIS
Fontes
A arbitragem comercial internacional possui as mesmas
fontes do Direito Internacional Privado. Beat Walter Rechsteiner identifica
cinco fontes principais: a lei, o tratado internacional, a jurisprudência, a
doutrina e o direito costumeiro1.
1
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 116/133
7
A lei é a primeira fonte de direito internacional privado em
grande parte dos Estados. Porém, a edição dessas normas tende a ser
escassa ou insuficiente. O Brasil positivou suas regras gerais da matéria na
Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (LICC – Decreto Lei n° 4.657/42).
Mais de seis décadas após sua edição, a LICC mostra-se importante, porém
insuficiente para reger as atividades decorrentes do comércio internacional.
Cumpre registrar que diversos Estados2 publicaram leis
específicas sobre a questão, promovendo, por vezes, verdadeira codificação.
Rechsteiner observa que:
“já existiram várias tentativas de submeter a legislação em vigor a
uma revisão geral. Esses esforços louváveis, porém, não lograram
sucesso. Inclusive, com a vigência do novo Código Civil, a Lei n°
10.406, de 10 de janeiro de 2002, nada foi modificado em relação
às normas de direito internacional privado vigentes no País.”3
Os tratados internacionais, por sua vez, representam um dos
principais meios de uniformização e harmonização das legislações estatais. A
Convenção da ONU sobre o Direito dos Tratados (Convenção de Viena –
1969) define, em seu art. 1°, alínea „a‟:
“a. „tratado‟ significa um acordo internacional celebrado entre
Estados em forma escrita e regido pelo direito internacional, que
conste, ou de um instrumento único ou de dois ou mais
instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação
específica”4
2
Polônia, Portugal, Espanha, ex-República Democrática Alemã, Alemanha, Jordânia, Áustria, Hungria,
Yêmen do Norte, Yêmen do Sul, Burundi, Togo, Ex-Iugoslávia, Turquia, Grécia, Sudão, Emirados Árabes,
China, Suíça, Burkina Faso, Romênia, Itália, Principado de Liechtenstein, Tunísia, Eslovênia, Lituânia, Rússia,
República da Coréia, Bélgica, Bulgária, Japão. cf. Jacob Dolinger. Direito Internacional Privado. apud
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 116
3
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 117
4
http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm
8
Celebrado
entre
Estados,
constituem
verdadeira
normatização legislativa na medida em que os sujeitos de direito podem
invocá-los no âmbito de suas relações jurídicas. São divididos em selfexecuting e non self-executing. Os primeiros, auto-aplicáveis, não necessitam
de normatização complementar pelos legisladores pátrios para regulá-lo. Já o
seguinte tipo necessita de regulamentação para ser apreciados no âmbito do
Judiciário. Rechsteiner indica que:
“Cada país regula, individualmente, a incorporação do tratado
internacional ao sistema jurídico interno e sua ordem hierárquica
dentro desse sistema.”5
A discussão pátria acerca da posição dos tratados em
relação às normas internas ainda não foi completamente apaziguada. Faltam
critérios sólidos para determinar as relações entre tratados e legislação
nacional. O aludido doutrinador prescreve que a jurisprudência pátria aplica a
teoria da paridade entre tratados e legislação interna 6. Assim sendo, o tratado
prevalece sobre a legislação anterior à sua promulgação, mas pode ser
derrogado por lei interna posterior com a qual entre em conflito. Tal
posicionamento confronta com o entendimento de grande parte da doutrina
nacional, “que defende a primazia dos compromissos externos sobre as leis
federais ordinárias em geral”7.
Imperioso revelar que o Brasil não promulgou a Convenção
de Viena sobre tratados (1969). Enviada pelo Executivo ao Legislativo
somente em 1992, este até hoje não se manifestou. Não se sabe, ao certo, as
5
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 118
6
Ibidem, p. 121
7
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 121
9
razões exatas de seu esquecimento nas gavetas do Congresso. O que
facilmente se nota é a inconveniência dos artigos 26 e 27 para o legislador
pátrio:
“Artigo 26 - Pacta sunt servanda
Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por
elas de boa fé.
Artigo 27 - Direito Interno e Observância de Tratados
Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno
para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não
prejudica o artigo 46.”8
Ora, se a adoção de convenções repousa sobre uma relação
supranacional, envolvendo mais de um país, tal relação é bi/multilateral. O
rompimento unilateral de tal acordo, por iniciativa exclusiva do legislador
interno, atenta contra o pacta sunt servanda estabelecido entre as partes.
Outrossim, tradados envolvem adoção de compromissos cujo interesse é
supranacional. Assim sendo, a vulnerabilidade ou insegurança minam a
certeza de seu cumprimento. Tanto é assim, que a Convenção de Viena
dispõe, em seu art. 63, que sequer o rompimento das relações diplomáticas
tem o condão, por si só, de afastar a incidência dos tratados vigentes, a não
ser pelos meios legais postos à disposição para tal fim:
“Artigo 63 - Rompimento de Relações Diplomáticas e Consulares
O rompimento de relações diplomáticas ou consulares entre
partes em um tratado não afetará as relações jurídicas
estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na medida em que a
existência de relações diplomáticas ou consulares for
indispensável à aplicação do tratado.”9
8
http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm
9
http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm
10
Entretanto, o debate não está estanque. Nessa esteira, a
Emenda Constitucional n° 45 determinou que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos equivalem às emendas constitucionais.
Contudo, uma revisão das normas brasileiras sobre incorporação dos tratados
merece revisão, principalmente quando levado em consideração as
aspirações políticas internacionais que o Brasil vem desenvolvendo junto às
Nações Unidas, em especial sua vontade de ingressar permanentemente no
Conselho de Segurança.
A Jurisprudência é fonte consagrada do Direito internacional
Privado. Com efeito, a escassez de normas positivadas resulta em uma
lacuna preenchida pelo Poder Judiciário. Rechsteiner salienta que as
decisões de tribunais brasileiros sobre conflito de leis no espaço e direito
aplicável ainda é sutil, sua tendência é de ampliação. Na Europa Continental,
esse número é bem mais expressivo, pois há um elevado número de relações
jurídicas entre os indivíduos de países diversos10. O doutrinador relata que
“aos
tribunais
brasileiros
é
facultado
levar
em
consideração
essa
jurisprudência quando a relação jurídica sub judice não pode ser decidida
unicamente com base na legislação, na doutrina e na jurisprudência pátrias” 11.
Leciona, ainda, que tal jurisprudência foi utilizada por diversos países na
elaboração de suas legislações de direito internacional privado. “Esse é o
caso, p. ex., da Suíça, cuja legislação de 18 de dezembro de 1987 adotou, em
parte, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal daquele país”12.
Knoepfler, Schweizer e Othenin-Girard13 lecionam que sua
codificação germinou na Assembléia Geral da Société Suisse des Juristes de
10
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 128
11
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 129
12
ibidem
13
KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Droit International
Privé Suisse. Berna : Staempfli, 2005, p.37
11
1971, onde foi questionada a Loi Fédérale sur les rapports de droit civil des
citoyens établis ou en séjour de 25 de junho de 1891 por não mais atender as
necessidades suíças no âmbito de suas relações internacionais privadas. Nos
anos seguintes o debate se estendeu ao legislativo e, em 1973, o Conseil
Fédéral criou uma comissão extraparlamentar. O anteprojeto, concluído em
1978, culminou com a adoção da Loi Fédérale sur le Droit International Privé
de 1987 (LDIP). Ela é uma das legislações nacionais mais completas sobre
tema e regula problemas de competência internacional, lei aplicável,
condições de reconhecimento e execução de atos estrangeiros. Ora, mesmo
dotada de uma legislação de vanguarda, a doutrina permaneceu, na
Confederação Helvética, fonte importante do Direito Internacional Privado.
Nesse sentido, lecionam os aludidos doutrinadores:
“L’entrée en vigueur de la LDIP n’a pas réduit le rôle de la
jurisprudence, qui est restée aussi abondante qu’auparavant
dans le domaine du droit international privé."14
Dessa forma, a jurisprudência suíça delimitou e clarificou
diversos dispositivos, cobriu lacunas, rematou questões incompletas e definiu
noções não mencionadas.
Outra fonte importante reside na doutrina. Rechsteiner
ensina que “os princípios fundamentais do direito internacional privado
repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o século XIX” 15, e isso
em grande parte dos Estados. Nessa esteira, Knoepfler, Schweizer e OtheninGirard lecionam que sua importância decorre de uma tradicional raridade de
disposições legais16. Constitui, dessa forma, um motor importante tanto para a
14
KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Op Cit, p.41
15
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 129
16
KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Op Cit, p.41
12
criação de tais normas, como para diversas decisões judiciais. E
acrescentam:
“Elle est à l’origine de la loi du 18 décembre 1987 et du nouveau
droit de l’arbitrage international. Aux États-Unis, la profonde
évolution dans la conception du droit international privé est
essentiellement due à la doctrine."17
Nesse diapasão, Rechsteiner identifica que “o grande mérito
da doutrina é o de ter elaborado um sistema de regras jurídicas constitutivas
da parte geral do direito internacional privado”18. Ora, tais regras raramente
são positivadas nas legislações dos Estados, o que contribui para a
manutenção de seu alto grau de importância.
Quanto ao direito costumeiro, ambos autores citados na
leitura das fontes relatam não ter real importância, uma vez que é última
opção e inexiste um real conjunto de normas implementado que não seja
abrangido pela doutrina.
Conceitos
O conceito de arbitragem não é estático. Para defini-lo, devese considerar que a arbitragem depende de todo o contexto legal, histórico,
social e econômico no qual ela está inserida. Sua tradição é milenar e
atravessou
diversas
fases.
Em
determinados
momentos,
quando
o
nacionalismo reaviva e o Estado “leviatânico” toma para si a exclusividade da
tutela dos direitos, até nas relações subjetivas particulares, a autonomia da
17
Ibidem, p. 41/42
18
RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 129
13
vontade e a possibilidade de sanar a controvérsia por meios extrajudiciais são
desfavorecidas causando um recuo na arbitragem. Noutro giro, quando o
sistema legal vigente mostra-se insuficiente ou inadequado para tutelar os
referidos direitos, a arbitragem ganha terreno. Tal fenômeno pode ocorrer por
razões diversas. Enquanto na Idade Média ele se deu pela fragmentação das
nações,
atualmente
ela
tem
sido
privilegiada
pela
integração
e
interdependência entre os Estados.
Assim, é possível classificar a arbitragem sob diversos
prismas. Ela poderá ser obrigatória ou facultativa, em função da determinação
legal vigente. Poderá, também, ser interna se diz respeito aos particulares de
um mesmo Estado, ou externa, quando envolver uma relação internacional.
Ela poderá ser ad hoc (ou avulsa) quando as regras são
convencionadas entre as partes, ou institucional, se as regras forem
determinadas por determinada entidade arbitral.
No tocante à natureza jurídica – importante na determinação
dos limites legais da atuação do árbitro – existem duas grandes correntes
antagônicas evidenciadas por Pedro Batista Martins:
“De um lado, os privatistas que ressaltam a natureza contratual
da arbitragem, em objeção aos publicistas, que reconhecem a
função jurisdicional do juízo arbitral”19
O referido doutrinador aponta que:
“Os privatistas, cuja legião de seguidores cada vez mais sente-se
reduzida e isolada, entendem que o árbitro, no exercício de suas
funções de julgador, não detém dois dos elementos da jurisdição,
i.e., a coertio (direito de fazer respeitar de reprimir ofensa à lei) e
19
MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem através dos tempos – obstáculos e preconceitos à sua
implementação no Brasil. in GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de
artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 38
14
a executio (direito de tornar obrigatória e coercitiva sua própria
ordem ou decisão), configurando o laudo arbitral por ele emitido,
mero parecer ou opinião técnica, a necessitar de chancela
estatal para que se produza seus efeitos de direito.”20
Quanto à corrente jurisdicionalista, prescreve que possui um
número crescente de partidários. Salienta que a jurisprudência e as
modificações legais vêm fortalecendo o poder e a autoridade dos árbitros.
Assevera, ainda, que se trata de assegurar o próprio interesse do Estado na
resolução dos conflitos por meios alternativos de forma a “salvaguardar a
ordem jurídica e o equilíbrio nas relações privadas” 21. Nessa esteira, argui
que:
“Se a investidura nesse cargo tem caráter privado,
encarregado de julgar por um cidadão e não pelo
Estado, a assunção dessa função e o seu exercício
interesse do estatal, consubstanciando verdadeiro
publicum; é expressão de caráter público.”22
pois é
próprio
são do
munus
Por conseguinte, quando as partes escolhem a “jurisdição
privada”, nomeando árbitros, o fazem com o aval do Estado, interessado na
efetiva pacificação dos conflitos. As partes derrogam, assim, a justiça estatal,
e o árbitro passa “dizer” o direito aplicado ao litígio, resolvendo-o. Pedro
Martins assevera que os efeitos dessa decisão são de caráter público e
enfatiza que:
“Se o Estado ainda remanesce com a exclusividade de exercitar
a coertio e a executio, através do Poder Judiciário, ao árbitro é
20
ibidem
21
ibidem
22
ibidem
15
assegurado os demais componentes da jurisdição, a notio –
faculdade de conhecer a causa, vocatio – faculdade de fazer
intervir em juízo tudo o que se faça útil ao conhecimento da
verdade e, principalmente, o judicium – direito de judicar e de
pronunciar a sentença, que é a síntese e o componente
relevante da jurisdição.”23
Conforme já salientado, tais definições dependem do
contexto histórico e social no qual elas estão inseridas. Assim, o saudoso
Cláudio Vianna de Lima define a arbitragem contemporânea como:
“prática alternativa, extrajudiciária, de pacificação (antes do
que da solução) de conflitos de interesse envolvendo direitos
patrimoniais e disponíveis, fundada no consenso (princípio
universal da autonomia da vontade), através da atuação de
terceiro, ou de terceiros, estranhos ao conflito, mas de confiança
e escolha das partes em divergência, por isso denominados
árbitros (expressão advinda de arbítrio, ou livre exercício da
vontade)”24.
Portanto, ainda que intimamente relacionada, a arbitragem
diverge da composição e da mediação. Enquanto na primeira o acordo nasce
exclusivamente entre as partes, que, sozinhas, negociam para chegar ao
denominador comum; na segunda, o mediador auxilia a composição entre
elas. A arbitragem diverge no âmbito da forma de resolução do conflito. Não
sendo possível a composição, o árbitro redige um laudo solucionando o caso
de acordo com suas convicções. Dessa forma, poderá ser redigido um laudo
contrariando o interesse de determinada parte.
23
24
ibidem, p. 39
LIMA, Cláudio Vianna. A arbitragem no tempo - O tempo na abitragem in GARCEZ, josé Maria
Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de
Janeiro: Forense, 1999, p. 5
16
HISTÓRICO
A arbitragem é um instituto que permeia não apenas as
civilizações contemporâneas, mas a História desde a Antiguidade. Sua origem
está nos costumes. Com efeito, o doutrinador Edgar A. de Jesus salienta
haver “notícias de solução amigável no Egito, Assíria, Babilônia, Kheta e entre
os povos hebreus que resolviam suas contendas de direito privado com a
formação de um Tribunal Arbitral”25.
Nesse diapasão, ressalta o professor Antonio Sodré que
“vários são os indícios de que existiria, na Antiguidade clássica, meios para a
resolução de conflitos privados e públicos, que não o recurso à autotutela ou à
manifestação jurídico-estatal. Exemplo muito citado é um caso de arbitragem
entre as cidades-Estado da Babilônia, cerca de 3.000 a.C.”26.
Revela o ilustre professor Pedro A. Batista Martins que “a
arbitragem é instituto tão antigo que seu surgimento ocorre antes mesmo da
existência do juiz estatal e do próprio legislador”27. E acrescenta:
25
JESUS, Edgar A. de. Arbitragem – Questionamentos e Perspectivas. São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 2003, p. 9
26
SODRÉ, Antonio. Curso de Direito Arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008, p. 106
27
MARTINS, Pedro A. Batista.Op Cit, p. 35/36
17
“Foi ela utilizada pelos povos desde a mais remota antiguidade,
quando a desconfiança recíproca e as diferenças de raça e
religião tornavam precárias as relações entre os povos.
Passada a fase primitiva de autotutela, onde imperava a força
nas soluções dos conflitos, a composição dos interesses
divergentes passou a ser assegurada ao ancião da tribo.
Indivíduo sábio, com vasta experiência, era ele indicado para
atuar, como terceiro imparcial, na solução da lide, cabendo às
partes acatarem a decisão bona fide.
Na ausência de uma legislação positiva, cabia ao anciãoárbitro aplicar à controvérsia, não regras de direito expresso, mas,
sim, o costume e os princípios da moral e da ética quer
predominavam à época.
Daí a afirmativa de a arbitragem ser o instituto que precede o
legislador e o juiz estatal, pois, sem dúvida, não estava o Estado,
nos seus primórdios, devidamente aparelhado para administrar a
justiça.”28
É possível considerar que, ultrapassado o diálogo entre
Hobbes e Rousseau acerca da aplicação do contrato social29, a efetivação da
proteção dos direitos dele decorrentes não se deu abruptamente. Nessa
esteira, mister colher os ensinamentos de José Carlos Moreira Alves que
leciona, em sua obra, haver, geralmente, quatro etapas de proteção dos
direitos, a partir dos povos primitivos:
“a) na primeira, os conflitos entre particulares são, em regra,
resolvidos pela força (entre a vítima e o ofensor, ou entre os
grupos de que cada um deles faz parte), mas o Estado – então
28
29
ibidem
Enquanto o primeiro considera a limitação aos direitos limitava o exercício da liberdade, o segundo
defende que as leis geram liberdade ao homem por gerar leis advindas da vontade geral.
18
incipiente – intervém em questões vinculadas à religião; e os
costumes vão estabelecendo, paulatinamente, regras para
distinguir a violência legítima da ilegítima;
b) na segunda, surge o arbitramento facultativo: a vítima, ao
invés de usar da vingança individual ou coletiva [obtida com o
auxílio do grupo a que a vítima pertence] contra o ofensor,
prefere, de acordo com este, receber uma indenização que a
ambos pareça justa, ou escolher um terceiro (o árbitro) para fixál a;
c) na terceira etapa, nasce o arbitramento obrigatório: o
facultativo só era utilizado quando os litigantes o desejassem, e,
como esse acordo nem sempre existia, daí resultava que, as mais
das vezes, se continuava a empregar a violência para a defesa
do interesse violado; por isso, o Estado não só passou a obrigar os
litigantes a escolherem árbitro que determinasse a indenização a
ser paga pelo ofensor, mas também a assegurar a execução da
sentença, se, porventura, o réu não quisesse cumpri-la; e
d) finalmente na quarta e última etapa, o Estado afasta o
emprego da justiça privada e, por funcionários seus, resolve os
conflitos de interesse surgidos entre os indivíduos, executando, à
força se necessário, a sentença.”30
O ilustre doutrinador acrescenta, quanto ao afastamento do
emprego de justiça privada, ser lícito “dirimir o conflito mediante designação
de árbitro”31.
Por conseguinte, não se pode pensar na arbitragem apenas
como instituto antecessor do sistema jurídico estatal. De fato, trata-se de uma
prática antiga que vem sendo mais ou menos utilizada em função do contexto
histórico. Nesse sentido, Vianna de Lima ressalta, em sua obra, que:
“No comum da vezes, se reapresenta como algo novo,
aparentemente inédito, em plena moda. Ilustração enfática do
30
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano – volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 183
31
ALVES, José Carlos Moreira. Ibidem p.183
19
corsi e ricorsi do pensador italiano, do século XVII, João Batista
Vico [Princípios da Filosofia da História]. Sabe-se, no entanto, que
não há nada de novo na face do sol: Nil novi sub sole.”32
ANTIGUIDADE HELÊNICA
Antonio Sodré prescreve que o politeísmo e a estrutura
política da Grécia Antiga, com suas cidades-Estado, teriam privilegiado o
desenvolvimento da arbitragem, que se encontrava dentro do ideário helênico.
Nessa esteira, existem diversos episódios arbitrais na mitologia grega. O
referido doutrinador relata que “Zeus foi eleito juiz entre Atené e Posseidon, a
propósito de Egina; o mesmo com Foroné, entre Hera e Posseidon, a
propósito de Argólita”33. Cumpre destacar que, para a mitologia grega, os
deuses gregos escolhiam as cidades humanas que lhes prestavam
veneração. Havendo, pois, disputa entre eles por determinada cidade, tal
querela era resolvida por meio da arbitragem, geralmente por seus pares.
Acerca do procedimento arbitral como solução de conflitos
privados, Sodré ensina que ele coexistiu com o processo judicial sendo
realizado, por exemplo, pelos diaitetai – árbitros públicos para contendas
privadas34. E acrescenta outro exemplo de solução de conflito privado pela
arbitragem ocorrido na Atenas de Péricles, onde:
32
LIMA, Cláudio Vianna de. Op Cit, p. 5
33
SODRÉ, Antonio. Ibidem p. 106
34
SODRÉ, Antonio. Ibidem p. 107
20
“existiam as cortes populares – heliaea – compostas por milhares
de cidadãos atenienses, que se subdividiam em 10 tribunais, com
600 cidadãos em cada. A partir de determinado momento, as
cortes passaram a julgar casos de menor valor pecuniário,
somente se antes houvesse uma tentativa de conciliação entre
as partes por um árbitro, escolhido por sorteio, dentre os cidadãos
maiores de 60 anos”35.
Citado por Sodré, Guido Fernando Silva Soares afirma que a
“a base jurídica da arbitragem entre particulares ou entre cidades gregas era
um compromisso, contrato especial, ou uma cláusula compromissória inserta
nos contratos ou tratados de comércio, de aliança ou de paz. O direito
aplicável era o direito comum dos helenos”36. O ilustre professor afirma, ainda,
que os “juízes arbitrais eram escolhidos pelas partes e poderiam ser tanto um
rei, um magistrado, um homem público qualquer; por vezes aparecem
instituições religiosas como o Conselho Anfictiônico ou o Oráculo dos Delfos
[e adianta que a] sentença arbitral, quando prolatada em assuntos
intermunicipais, era, à semelhança dos tratados, gravada em muros de
templos, em estelas ou no sopé de estátuas, razões por que há abundantes
informações sobre a prática da arbitragem intermunicipal na Grécia antiga”37.
Mesmo com o domínio romano, a arbitragem permaneceu em uso na Grécia,
aperfeiçoando-se nos termos da tradição grega em razão da possibilidade de
os povos dominados manterem seus usos e costumes. Conforme relata a
Enciclopédia Barsa, o domínio romano sobre os gregos influiu em ambas as
culturas:
35
SODRÉ, Antonio. Ibidem p. 107
36
SOARES, Guido Fernando Silva. Arbitragem Internacional (introdução histórica) in SODRÉ,
Antonio. Curso de Direito Arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008, p. 107
37
SOARES, Guido Fernando Silva. Op Cit, p. 107
21
“Domínio romano. O período de 205 a 146 a.C. assinala o
avanço dos romanos, que, em 148 a.C., transformaram a
Macedônia numa província, esmagando, dois anos depois, as
forças da Liga Aquéia. Posteriormente, todas as demais ligas
foram abolidas, e a democracia grega substituída por uma
oligarquia de Estados sob a égide de Roma. Com o colapso da
Liga Aquéia e a derrota de Corinto, principal foco de resistência,
a Grécia passou à condição de província do império romano.
Alguns Estados, porém, como Atenas e Esparta, continuavam a
manter seus direitos, como civitates liberae38. Os distúrbios no
império romano passaram, todavia, a repercutir dentro do
mundo helênico, como aconteceu quando a primeira guerra
contra Mitriades VI Êupator o Grande (88-85 a.C.), que conseguiu
a adesão de muitas cidades gregas mediante a promessa de
apoio a seus partidos democráticos. Os resultados da guerra
foram desastrosos para a Grécia, que, além de punições
impostas por Roma, ainda teve sua parte central devastada. No
conflito entre César e Pompeu, os gregos contribuíram para a
formação da armada de Pompeu, e a batalha cisiva foi travada
em solo grego (48 a.C.). Finalmente, as requisições feitas à Grécia
por Marco Antônio, em 31 a.C., para sustentar a sua campanha
contra Otávio (futuro Augusto), constituíram o golpe de
misericórdia para o país. Ao reorganizar as províncias do Império,
Augusto incorporou a Tessália à Macedônia e converteu o
restante da Grécia em província de Aquéia, sob o controle de
um procônsul senatorial romano residente em Corinto. Diversos
Estados helênicos, incluindo Atenas e Esparta, mantiveram sua
condição de cidades livres. Do ponto de vista econômico,
entretanto, a nova província pouco iria lucrar. Sem esperanças
no futuro, os gregos contentavam-se em contemplar as passadas
glórias, orgulhosos do respeito com que os romanos encaravam a
cultura helênica. Para preservar essa cultura, os gregos
continuavam a dar grande importância”39.
38
Apesar de soberanas e independentes da República Romana, deviam fornecer soldados à
Confederação Romana.
39
Enciclopédia Barsa – volume 8. Rio de Janeiro / São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil
Publicações, 1994, p. 325
22
Verifica-se, portanto, que a cultura greco-romana passou por
uma intensa convergência mútua. Outrossim, como será visto adiante, a
prática da arbitragem também foi amplamente difundida no Império Romano,
sendo obrigatória até o século III d.C., de modo que não houveram conflitos
maiores entre os dois sistemas jurídicos civis. O declínio da influência grega
no mundo iniciou em 330 d.C., quando Constantinopla foi elevada à condição
de capital do Império Romano. Sua história compreende, ainda, um longo
domínio turco, iniciado com a queda de Constantinopla, no ano de 1453.
DIREITO MOSAICO
Não se pode olvidar, igualmente, que o direito mosaico
influiu os direitos romano e canônico, os quais deram inspiração à base do
civil law moderno. Conforme lembra o ilustre professor Jacob Dolinger:
“Este milenar direito apresenta um rico desenvolvimento das
instituições da conciliação e da arbitragem, que vem
acompanhando a história do povo judeu desde as narrativas de
Pentateuco, 3.800 anos atrás, até os tempos modernos. O Velho
Testamento narra como vários conflitos foram resolvidos pela
conciliação e faz referência à solução via arbitragem.”40
40
DOLINGER, Jacob / TIBÚRCIO, Carmen. Direito internacional privado: arbitragem comercial
internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 6
23
O referido doutrinador destaca existir uma divergência
doutrinária acerca do surgimento da arbitragem entre os judeus, se precedeu
ou não a organização legal por Moisés, no deserto:
“Uma escola entende que a justiça comum, organizada por
Moisés no deserto, após o êxodo do Egito, precedeu a
arbitragem, que só teria aparecido entre os judeus no século II,
ou quiçá pouco antes, no século I. Atualmente, esta escola é
capitaneada por Menachem Elon [The Principles of Jewish Law 1975, p.565], professor de direito judaico da Universidade
Hebraica de Jerusalém e ex-vice-presidente da Suprema Corte
israelense. O entendimento contrário foi exposto por Boaz Cohen,
do Jewish Theological Seminary of America, com sede em Nova
York, em seu clássico livro sobre o direito romano e o direito
judaico [Jewish and Roman Law – 1966, p.651-709].”41
Tal divergência, contudo, parece traduzir os corsi e ricorsi
storici abordados anteriormente. Com efeito, as raízes da civilização judaica
se perdem no tempo, de forma que encontram-se as palavras Israel e hebreu
em inscrições egípcias datadas do final do segundo milênio a.C. designando
uma confederação de tribos nômades vivendo nas regiões montanhosas da
Palestina42. Ora, eles reuniram, ao longo do tempo, os mais diversos aspectos
da organização social, pois “desenvolveram uma maneira de viver própria,
que abrange todos os aspectos da vida individual e coletiva e que é o
resultado do processo dinâmico das inter-relações sociais e espirituais dos
41
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 6
42
Enciclopédia Barsa – volume 9. Op Cit, p. 509
24
judeus com os diferentes povos”43. Por conseguinte, a história da cultura
judaica não é estática, mas, ao contrário, evoluiu recebendo e exercendo
influência no seu meio.
Após o Êxodo, o povo judeu se reuniu em um território de
onde, com Davi (1055-1015 a.C.), emergiu uma nação unida. Com a morte de
Salomão, sucessor de Davi, houve uma cisão que gerou o reino de Israel ao
norte e de Judá ao sul. A partir daí, os judeus conheceram novos episódios de
dominação. A Assíria, cuja queda ocorreu em 612 a.C., conquistou o reino de
Israel em 722 a.C.. Já Babilônia conquistou o reino de Judá por volta de 597587 a.C. e durou até 538 a.C., quando o rei persa Ciro, o Grande, conquistou
a Babilônia permitindo o retorno dos exilados à sua terra originária.
No século IV a.C. Alexandre, o Grande, estendeu seu
domínio e o helenismo penetrou a Judéia. Posteriormente, quando a prática
das tradições judaicas foi proibida sendo imposto o padrão helenístico, os
judeus revoltaram-se. Os revoltosos, denominados macabeus, venceram e
proclamaram sua independência em 142 a.C., estendendo, à partir daí, as
fronteiras de seu Estado.
No entanto, o Império Romano se difundiu. Em campanha
contra Mitríades VI do Ponto, o General Pompeu estendeu o domínio romano
à Jerusalém. Apesar das várias revoltas, os judeus não se libertaram dos
romanos e, em 70 d.C., os romanos sitiaram Jerusalém e conquistaram a
Judéia. Sem perspectivas político-militares, os judeus atravessaram um
renascimento religioso e uma dispersão de sua população originando a
Diáspora. A Torah foi estudada em dois grandes centros, a Palestina e a
Babilônia, gerando o Thalmud. Cumpre destacar que ambos refletem o
essencial da lei mosaica.
Em sentido amplo, a Torah designa a lei religiosa judaica.
Porém, em sentido estrito, ela recolhe os cinco primeiros livros da Bíblia, ou
43
Enciclopédia Barsa, ibidem.
25
Pentateuco que, por sua vez, é uma das partes da Tanakh, ou Bíblia Judaica,
a qual equivale ao Antigo Testamento protestante diferindo quanto à sua
organização.
Noutro giro, a compilação dos comentários à lei mosaica é
denominada Thalmud44. Como a Torah não se mostra suficiente como Código
para reger os aspectos sociais, políticos e econômicos, o Thalmud define a
organização da vida judaica pelas diversas doutrinas, disposições, normas e
tradições carreadas. Transmitido, no princípio, oralmente, ele foi codificado no
século II e revisto nos séculos IV e VI, ensejando as duas versões existentes.
Da primeira revisão, surgiu a versão da Palestina e, da segunda, a babilônica
(considerada a melhor).
O referido livro se divide em duas partes. A primeira parte,
Mishnah, consolida, no século II d.C., a Lei Oral que fora transmitida entre as
gerações por 15 séculos (entre Moisés e seu redator, rabbi Yehuda Hanassi).
A segunda parte, Guemarah (séculos IV-VI), reagrupa os comentários à
primeira parte. Ao todo, são 12 volumes.
Após apontar passagens, no Antigo Testamento, que
sugerem a utilização de arbitragem ou conciliação na resolução de conflitos 45,
Dolinger faz uma análise do Thalmud. Nele, identifica o instituto da arbitragem
na Psharah, ou Bitzuah:
“Temos vários significados de psharah: às vezes, a psharah é a
conciliação espontânea entre as partes, sem a intervenção de
terceiros; há a psharah como o processo de arbitragem por meio
de terceiros que julgam entre as partes numa atividade
extrajudicial e, finalmente, a psharah também significa uma
solução extralegal baseada na eqüidade, a que os tribunais
comuns recorrem quando este método possa levar a uma
44
Enciclopédia Barsa – volume 14. Op Cit, p. 454
45
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p.6/13
26
solução mais equitativa e justa, ou quando a lei é lacunosa”46.
Seriam, assim, mecanismos de resolução de conflitos
alternativos das cortes rabínicas. A psharah não leva em consideração a letra
fria da lei, mas observa os princípios da equidade. O ilustre doutrinador
acrescenta que ocorreu um grande desenvolvimento da arbitragem “na
Judéia, entre os sábios que preparavam o Talmud jerusalemita, em
decorrência das restrições impostas pelos romanos ao funcionamento das
cortes rabínicas.”47
No âmbito da arbitragem, a Mishnah determina que as
questões econômicas se decidam por três. Cada parte escolhe um julgador.
Quanto ao terceiro, Rabbi Meier sustenta que ambas as partes escolhem o
terceiro, enquanto os sábios (chachamim) alegam que são os dois julgadores
quem escolhem o terceiro48. Na Guemarah, concluiu-se que os dois
julgadores escolhem um terceiro, sujeito à aprovação das partes49. O
renomado professor destaca que o sistema arbitral por meio de três
julgadores atravessou os séculos de história judaica “tanto na Judéia, antes
da derrota sofrida nas mãos das legiões romanas, como na Diáspora em
todos os países onde as populações judaicas organizaram uma vida
comunitária”50.
46
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 11
47
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p.13
48
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 13
49
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 14
50
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 14
27
ROMA ANTIGA
Os mais de doze séculos de evolução no direito romano
renderam um dos maiores legados jurídicos já vistos. José Carlos Moreira
Alves salienta estarem presentes, no direito romano, todas as quatro etapas
de proteção dos direitos a que se referiu:
“da primeira, na pena de talião (vingança privada: olho por olho,
dente por dente), estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas; da
segunda, durante toda a evolução do direito romano, pois
sempre se admitiu que os conflitos individuais fossem resolvidos
por árbitros, escolhidos, sem a interferência do Estado, pelos
litigiantes; da terceira, nos dois primeiros sistemas de processo civil
romano – o das legis actiones e o per formulas; e da quarta, no
terceiro desse sistemas – a cognitio extraordinaria”51
Desse modo, a organização judiciária dos romanos passou
por grandes evoluções ao longo dos séculos e a tutela dos direitos subjetivos
se deu através de três sistemas de processo civil sucessivos: das ações da lei
(legis
actiones),
formulário
(per
formulas)
e
extraordinário
(cognitio
extraodinaria). Conforme leciona o supracitado doutrinador:
“O sistema das ações da lei foi utilizado foi utilizado no direito préclássico; o formulário, no direito clássico; e o extraodinário, no
direito pós-clássico. Note-se, porém, que – decorrência, aliás, de
uma das características do direito romano: ser infenso às
51
ALVES, José Carlos Moreira. Ibidem p. 183/184
28
modificações abruptas – cada um desses sistemas não foi
abolido, imediata e radicalmente, pelo que lhe sucedeu. Ao
contrário, a substituição foi paulatina: assim, por exemplo, surgido
o processo formulário, o sistema das ações da lei continuou a
vigorar a seu lado, mas, a pouco e pouco caiu em desuso.”52
Por
conseguinte,
a
arbitragem
foi
de
fundamental
importância para o direito romano, constituindo, até o final do século III d.C., o
principal meio de solucionar conflitos. Com efeito, leciona Sálvio de Figueiredo
Teixeira:
“Os romanos, porém, somente no final do século III d.C., já no
período pós-clássico, imperial, quando da chamada cognitio
extraordinaria (ou extra ordinem), viriam a estabelecer a Justiça
oficial, e com ela o juiz estatal, o que se deu no momento em
que o magistrado romano, mais alto funcionário, mas até então
sem poder jurisdicional, houve por bem chamar a si a
responsabilidade de solucionar o litígio entre as partes em nome
do Estado, missão que até então era exercida por um terceiro,
particular, árbitro portanto, escolhido pelos próprios contendores
ou por indicação do magistrado.”53
Nesse sentido, José Carlos Moreira Alves classifica os dois
primeiros sistemas (o legis actiones e o per formulas) na terceira fase da
evolução traçada, ou seja, a do arbitramento obrigatório54. Neles, vigorou o
ordo iudiciorum privatorum, sistema bifásico cujas origens históricas
remontam à realeza romana (754 a.C.)55. É assegurado, por um lado, in iure,
52
ALVES, José Carlos Moreira Alves. Op Cit, p. 182/183
53
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro in GARCEZ, josé
Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros.
Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 22
54
ALVES, José Carlos Moreira. Op Cit, p. 184
55
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Op Cit, p. 25
29
desenvolvendo-se diante do magistrado e, por outro, apud iudicem, diante de
um iudex, que é um particular e não um funcionário. Imperioso, portanto,
trazer à colação os ensinamentos do ilustre professor Pedro A. Batista
Martins:
“Os romanos criaram o iudicium privatum (lista de nomes de
ciadadãos idôneos – judex) que tinha por objeto dirimir,
extrajudicialmente, questões resultantes de negócio jurídico entre
seus nacionais. O cumprimento da decisão era garantido pelo
Estado que a executava, caso o vencido não a acatasse.”56
E acrescenta:
“A tutela jurisdicional, em Roma, pois, era dividida entre o
magistrado (cônsul, pretor, procônsul, edil etc.) e o judex; aquele,
revestido de imperium, e este, cidadão comum, limitava-se a
consagrar o direito entre as partes, deixando ao interessado, com
apoio estatal, a obrigação de assegurá-lo.”
Portanto, o sistema da cognitio extraordinaria reuniu, na
pessoa do magistrado, as duas etapas: in iure e in iudice. O processo se
desenvolvia integralmente diante dos magistrados que o conduziam e
decidiam, ao final, a lide. Esse sistema atravessou os séculos evoluindo para
o que se experimenta atualmente.
O magistrado, no entanto, devia respeitar a eventual cláusula
compromissória que obrigasse, contratualmente, a solução dos conflitos
advindos da relação entre as partes por um arbitro escolhido por elas.
56
MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p.36
30
IDADE MÉDIA
A queda do Império Romano do Ocidente, por convenção
datada de 476 d.C., resulta do declínio econômico, militar e da fragmentação
da unidade do Império, favorecendo as invasões bárbaras. Tal situação,
contudo, deu novo impulso à arbitragem facultativa, pois, conforme leciona
Pedro Martins:
“os habitantes das localidades invadidas, para fugir à aplicação
compulsória do direito dos invasores, optavam por dirimir suas
contendas via arbitragem, onde as regras legais poderiam ser
livremente escolhidas, tornando-se esse instituto meio apropriado
para adotar normas jurídicas aceitas e conhecidas dos
compromitentes”57
Outrossim, a Europa Medieval conheceu uma efervescência
na sua organização, resultado da fraqueza dos Estados. Os feudos, unindo
suseranos e vassalos, se formaram em prol da defesa contra invasões e
pilhagens. Com eles multiplicaram-se as regulamentações jurídicas levando à
pluralidade
normativa
num
mesmo
território
incitando.
Ora,
com
o
desenvolvimento das relações comerciais entre os feudos, surgiram os
burgos: centros de mercantilismo no seio dos feudos localizados nas
intersecções das rotas comerciais. Nesse particular,
57
MARTINS, Pedro A. Batista. Op. Cit, p. 36/37
31
A Igreja, por sua vez, consolidou e fortaleceu sua influência,
inclusive no campo da arbitragem obrigatória. Várias partes da Europa
possuíam
decretos
atribuindo
aos
eclesiásticos
o
conhecimento
de
determinados tipos de causas, como partilha, tutela ou questões entre clérigos
e leigos58. Sodré salienta, ainda, que a arbitragem eclesiástica recebeu
regulamentações do Direito Canônico e foi positivada no Codex Iuris Canonici.
Ressalta, também, duas correntes acerca das principais
causas de desenvolvimento arbitral da Idade Média 59. A primeira, capitaneada
por Carlos Alberto Carmona, aponta a ausência ou excessiva dureza das leis;
a falta de garantias jurisdicionais; a variedade de ordenamentos; a fraqueza
dos Estados; e os conflitos entre Estado e Igreja. A segunda, dirigida por
Guido Fernando Silva Soares, indica a reiterada prática arbitral no seio da
Igreja; as arbitragens intermunicipais, como forma de escapar à jurisdição do
Sacro-Império Romano Germânico; e a estrutura social estanque e
hierarquizada.
SOCIEDADE MODERNA
A ascensão das monarquias absolutistas e respectiva
retomada da força coercitiva estatal selou um período de retomada da tutela
das relações interpessoais pelo poder público. Pedro Batista Martins salienta
58
SODRÉ, Antonio. Op. Cit, p. 110
59
SODRÉ, Antonio. Op. Cit, p. 111
32
que o “instituto sofreu um refluxo considerável no transcorrer dos séculos XVI
e XVII, tendo sido retomada sua prática a partir do final do século XVIII”60.
BRASIL: da independência à lei 9.307/96
Declarada a independência, em 1822, o Brasil iniciou a
redação de sua legislação própria. A arbitragem voluntária encontrou, no
âmbito do direito privado pátrio, sua primeira previsão legal já na Constituição
Imperial de 1824,61 in verbis:
“Art. 160 – Nas civeis e nas penaes civilmente intentadas poderão
60
MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p. 37
61
DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 20
33
as partes nomear juizes arbitros. Suas sentenças serão executadas
sem recurso, se assim convencionarem as mesmas partes”
Nesse contexto, a previsão da arbitragem compulsória
também avançou. Legislações extravagantes referentes aos seguros e à
locação de serviços, editadas nos anos de 1831 e 1837, respectivamente,
continham determinação quanto à arbitragem obrigatória62.
Nessa esteira, o Código Comercial de 1850 trouxe matérias
que também possuíam obrigação de arbitragem: questões resultantes
contratos de locação mercantil (art. 245), que envolvesse matéria societária
em geral (art. 294), liquidação de sociedades (art. 348), naufrágios (art. 739),
avarias (783) e quebras (art. 846)63.
No mesmo ano, o decreto 737 estabeleceu as regras de
processo e arbitragem envolvendo questões comerciais. Curioso ressaltar que
não havia liberdade nem quanto à lei aplicável, nem quanto à utilização do
princípio da equidade. Com efeito, dispõe o referido diploma legal que é
obrigatória a aplicação da lei pátria:
“Art. 1°. Todo o Tribunal ou Juiz que conhecer dos negócios e
causas commerciaes, todo o arbitro ou arbitrador, experto ou
perito que tiver de decidir sobre objectos, actos, ou obrigações
commerciaes, é obrigado a fazer applicação da legislação
commercial aos casos occurrentes (art. 21 Tit. único do Código
Commercial).” 64
62
MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p.43
63
DOLINGER, Jacob. Op. Cit, p.20/21
64
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103248/decreto-737-50
34
Tal imposição também abrange contratos assinados no
estrangeiro, mas executados no Brasil:
“Art. 4º. Os contratos commerciaes, ajustados em paiz estrangeiro
mas exequiveis no Imperio, serão regulados e julgados pela
legislação commercial do Brazil.”65
No entanto, a arbitragem obrigatória foi extinta com a Lei
1.350 de 1866 e, no ano seguinte, o Decreto 3.900 regularizou o juízo arbitral
do comércio66. Dolinger leciona que este último diploma legal foi responsável
pelo total esvaziamento dos efeitos da cláusula compromissória, na medida
em que previu, em seu art. 9° que “a cláusula compromissória, sem a
nomeação de árbitros, ou relativa a questões eventuais não vale senão como
promessa, e fica dependente para sua perfeição e execução de novo e
especial acordo das partes, não só sobre os requisitos do art. 8°, senão
também sobre as declarações do art. 10”67, ou seja: sobre os requisitos
essenciais e facultativos do compromisso. Assim, o compromisso, firmado
após o conflito a ser solucionado, torna-se o único meio de ingressar no juízo
arbitral, tolhendo praticamente todo o interesse da cláusula compromissória.
Em 1895, a primeira Constituição Brasileira republicana não
tratou da arbitragem entre particulares, mas tão somente Estados soberanos
como forma de pacificação de conflitos68.
65
ibidem
66
DOLINGER, Jacob, Op. Cit, p. 21
67
DOLINGER, Jacob.Op Cit, p.21
68
MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p.43
35
Contudo, a arbitragem foi abordada pelo Código Civil de
1916 (arts. 1.037-1.048) e pelos Códigos de Processo Civil de 1929 (arts.
1.031-1046) e de 1973 (arts. 1.072-1.102).
Em seus comentários ao Código de Processo Civil de 1973,
Hamilton de Moraes e Barros ilustra a corrente dominante na época:
“Sendo o juízo arbitral um dos substitutivos da jurisdição estatal,
com força até de estancá-la, se já em exercício, não poderia o
Estado deixar ao livre capricho dos particulares e dos árbitros a
amplitude, composição, funcionamento, validade e eficácia
dessa jurisdição extra-estatal. Vem daí a sua disciplina, onde há
um mínimo irrenunciável de normas em proveito da sua
segurança e da garantia do direito das partes”69
As normas arbitrais, atualmente regidas pela lei 9.307/96,
representam esse mínimo irrenunciável. Porém, antes de sua vigência, não
apenas a cláusula arbitral era vista como uma imposição incompatível com o
princípio de que a jurisdição estatal não pode ser afastada, como também o
laudo arbitral, após o compromisso, ainda necessita da homologação judicial
para atingir sua plenitude e poder ser executado (o que ocorria no juízo que
homologou o laudo, convertendo-o em título executivo judicial).
Conseqüentemente, os mais de cento e vinte anos que
separam o Decreto 3.900/1867 da Lei 9.307/96 foram marcados pela adoção,
no Brasil, da corrente defensora da natureza privatista da arbitragem.
Nesse
diapasão,
Jacob
Dolinger
e
Carmen
Tiburcio
salientam que as principais características da arbitragem no plano interno,
antes da Lei 9.307/96 são:
“1) Distinção entre cláusula compromissória e compromisso; 2)
Necessidade de homologação do laudo arbitral pela autoridade
69
BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil – volume IX. Rio de
Janeiro: Forense, 1977, p. 462/463
36
judiciária.”
E acrescenta:
“Assim, a cláusula compromissória, contida em contrato,
prevendo a submissão de qualquer litígio à arbitragem, não
configurava garantia de instauração do juízo arbitral. Para tanto,
era o compromisso que obrigava sua realização efetiva,
representando a manifestação da vontade das partes pela
efetiva realização da arbitragem, após o surgimento do litígio.
Este critério decorria da imposição legal de ser especificado o
objeto do litígio (Decreto n° 3.900, art. 8°; CC de 1916, art. 1.039;
CPC, art. 1.074, II) dificultava, quando não impossibilitava, a
celebração de compromisso simultaneamente ao contrato.”70
No plano internacional, deve-se considerar que o Brasil foi
signatário do Protocolo de Genebra de 1923, ratificado em 1932. O referido
protocolo dispõe, dentre outros, sobre a validade da cláusula arbitral nos
contratos internacionais. Por conseguinte, as restrições quanto ao uso da
cláusula arbitral no ordenamento jurídico interno, não se estendem aos
contratos internacionais ou, pelo menos, não deveria. Nesse sentido leciona
João Bosco Lee:
“No tocante às arbitragens internacionais havia uma lacuna
deixada pelo próprio legislador pátrio, lacuna essa que veio a ser
suprida pela ratificação do Protocolo de Genebra. Com efeito, o
Protocolo integrou-se ao ordenamento jurídico nacional para as
arbitragens de caráter internacional. E esse caráter pode ser
tanto econômico quanto jurídico. Vale lembrar que para que, o
Protocolo seja aplicável, exige-se que a matéria discutida seja de
cunho comercial, uma vez que o Brasil fez a reserva de
comercialidade, ou seja, que o Protocolo somente seria aplicável
às questões comerciais.
70
DOLINGER, Jacob. Op cit, p.22
37
Mas, se, de um lado, a doutrina brasileira defendia
unanimemente a validade do Protocolo, no direito interno
brasileiro, por outro sua aplicação foi relegada ao ostracismo,
seja por desconhecimento das partes que não o invocavam, seja
pela conhecida resistência das Cortes brasileiras em reconhecer
uma prática arbitral implicando a aceitação de sua
incompetência para dirimir determinados conflitos. Destarte,
durante quase seis décadas, o Protocolo jamais teve qualquer
repercussão na jurisprudência.”71
O doutrinador salienta, ainda, que somente em 1990 o
Superior Tribunal de Justiça fundou sua decisão no referido protocolo 72. Com
efeito, nos autos do REsp 616/RJ73 fora discutida a legalidade da
homologação judicial de laudo decorrente de cláusula arbitral em contrato
comercial internacional. Vencido o relator, decidiram os Ministros pela
desnecessidade de firmar novo compromisso para instrução arbitral:
“CLAUSULA DE ARBITRAGEM EM CONTRATO INTERNACIONAL.
REGRAS DO PROTOCOLO DE GENEBRA DE 1923.
1.
NOS
CONTRATOS
INTERNACIONAIS
SUBMETIDOS
AO
PROTOCOLO, A CLAUSULA ARBITRAL PRESCINDE DO ATO
SUBSEQUENTE DO COMPROMISSO E, POR SI SO, E APTA A INSTITUIR
O JUIZO ARBITRAL.
2. ESSES CONTRATOS TEM POR FIM ELIMINAR AS INCERTEZAS
JURIDICAS, DE MODO QUE OS FIGURANTES SE SUBMETEM, A
RESPEITO DO DIREITO, PRETENSÃO, AÇÃO OU EXCEÇÃO, A
DECISÃO DOS ARBITROS, APLICANDO-SE AOS MESMOS A REGRA
DO ART. 244, DO CPC, SE A FINALIDADE FOR ATINGIDA.
3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA."
71
FILHO, Cláudio de Melo Valença/ LEE, João Bosco. Estudos de Arbitragem. Curitiba: Juruá, 2009,
72
ibidem
p.60
73
REsp 616/RJ. Rel. Claudio Santos, Rel. acórdão Gueiros Leite. Terceira Turma. Julgado em
24/04/1990. Publicado no DJ 13/08/1990 p. 7647.
38
A referida decisão foi um marco importante para o direito
internacional privado brasileiro sendo destacada em diversos informativos
especializados como a 7ª edição da Revue de Droit des Affaires
Internationales74. Em 2005, o Protocolo de Genebra foi citado em outra
decisão daquela Colenda Corte75, sedimentando a jurisprudência sobre a
força da cláusula arbitral.
Porém, a grande revolução ocorreu com a entrada em vigor
da Lei de Arbitragem (Lei n° 9.307/96). Contudo, para melhor captar sua
dimensão no comércio internacional, é necessário ter em mente, pelo menos,
o instituto que inspirou sua criação, a CNUDCI.
Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional
(CNUDCI / UNCITRAL)
74
75
LEE, João Bosco. Op Cit, p.61
REsp 712566/RJ, Rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 18/08/2005, Publicado no DJ
05/09/2005 p. 407.
39
Diversos institutos buscam harmonizar ou unificar, a nível
global, as normas, práticas e costumes do Comércio Internacional. Merece
menção, por exemplo, a Conferência de Haia de Direito Internacional
Privado76 – reunida pela primeira vez em 1896 – se tornou uma organização
intergovernamental em 1951. O Brasil promulgou o Estatuto da CHDIP pelo
Decreto 3.832/2001.
Destaca-se, também, o Instituto Internacional para a
Unificação do Direito Privado77 (UNIDROIT). Criado em 1926 pela iniciativa do
governo italiano e da Sociedade das Nações (SDN), antecessora da
Organização das Nações Unidas (ONU), elaborou diversos trabalhos de maior
relevância78, incorporados nas práticas das câmaras comerciais e arbitrais
internacionais.
Contudo, se na década de sessenta já existia certa
harmonização e unificação do direito internacional privado em andamento,
elas se davam em setores limitados da economia e reuniam um número muito
limitado de países. Havia, portanto, uma lacuna. Faltava legitimidade e
abrangência. Nesse sentido, lecionam Jacquet, Delebecque e Corneloup:
“cette entreprise présentait au moins deux points faibles; d’abord
elle avait été limitée à des secteurs spéciaux d’activité et ensuite
elle n’avait réuni qu’un nombre restreint de pays ; en étaient trop
souvent restés à l’écart les pays à économie planifiée et les pays
76
JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Droit do Commerce
International. Paris : Dalloz, 2007, p. 96
77
78
ibidem
O UNIDROIT participou, por exemplo, dos trabalhos da Comissão das Nações Unidas para o Direito
Comercial Internacional (CNUDCI/UNICITRAL), resultantes na Convenção de Viena sobre os contratos de
compra e venda internacional de mercadorias (CISG - United Nations Convention on Contracts for International
Sale of Goods), de 21 de abril de 1980. Ainda que não haja conflitos de grande magnitude entre os diplomas
legais nacionais e a referida Convenção, o Brasil não a subscreveu.
40
en voie de développement. Il apparaissait donc souhaitable
qu’un organisme jouissant d’une autorité mondiale puisse prendre
en charge les problemes du droit du commerce international."79
Assim, em 17 de dezembro de 1966, a Assembléia Geral das
Nações Unidas adotou a Resolução 2205 que instituiu, com força
permanente, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial
Internacional (CNUDCI80 ou UNCITRAL81). Os doutrinadores supracitados
salientam que, apesar da previsão inicial da CNUDCI sugerir que ela atuasse
como coordenadora, a Resolução 2205 insistiu que a Comissão devesse
atuar, também, como formuladora do Direito Comercial Internacional82.
Por conseguinte, seu objetivo é de melhorar e facilitar o
comércio
através
de
trabalhos
direcionados
à
harmonização
e
à
modernização progressiva do Direito Comercial Internacional. O Guia da
CNUDCI dispõe que:
“Son mandat est d’encourager l’harmonisation et la
modernisation progressives du droit commercial international en
élaborant des instruments, législatifs ou non, dont la Commission
encourage l’utilisation et l’adoption dans un certain nombre de
domaines clefs du droit commercial: le règlement des différends,
les pratiques en matière de contrats internationaux, les transports,
l’insolvabilité, le commerce électronique, les paiements
internationaux, les opérations garanties, la passation de marchés
et la vente de marchandises." 83
79
JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Op Cit, p. 95
80
Commission des Nations Unies pour le droit commercial international
81
United Nations Commission on International Trade Law
82
JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Op Cit, p. 95
83
Guide de la CNUDCI - L’essentiel sur la Commission des Nations Unies pour le droit commercial
international. Viena : Nações Unidas, 2007, p. 1
41
Desse modo, a
atividade da Comissão passa pela
elaboração de programas de trabalho, coordenação e promoção de trabalhos
conjuntos com outras organizações, assistência técnica sobre reforma legal,
publicação de material didático e informativo. Contudo, são as técnicas de
modernização e harmonização do direito comercial internacional que possuem
a maior relevância para a Comissão. Elas se dividem em três categorias:
legislativas, contratuais e explicativas.
A primeira categoria é formada pelas Convenções; Leis
Modelo; Guias legislativos e recomendações; Disposições Modelo; e pelas
Interpretações Uniformes dos textos legislativos (apanhado de jurisprudência
acerca dos textos da Comissão). Cada qual atende uma necessidade.
As Convenções84 representam o meio mais rígido de
atuação. Elas afetam diretamente a legislação dos Estados que a ratificam.
Por ser o instrumento mais rigoroso e formal do qual dispõe a UNCITRAL, ele
envolve questões que necessitam e permitem um elevado nível de coesão.
Salvo quando permite o uso de ressalvas, a Convenção deixa pouca margem
de manobra aos aderentes. Seu trâmite é o mais complexo, pois envolve toda
uma complexa ritualística interna dos países aderentes até que tenha força de
aplicação.
A Lei Modelo85 é um instrumento mais maleável na
homogeneização dos direitos. Trata-se de um texto de recomendações para
84
« La CNUDCI a élaboré les conventions suivantes: la Convention sur la prescription en matière de
vente internationale de marchandises (1974); la Convention des Nations Unies sur le transport de marchandises
par mer (1978); la Convention des Nations Unies sur les contrats de vente internationale de marchandises
(1980); la Convention des Nations Unies sur les lettres de change internationales et les billets à ordre
internationaux (1988); la Convention des Nations Unies sur la responsabilité des exploitants de terminaux de
transport dans le commerce international (1991); la Convention des Nations Unies sur les garanties
indépendantes et les lettres de crédit stand-by (1995); la Convention des Nations Unies sur la cession de
créances dans le commerce international (2001); et la Convention des Nations Unies sur l’utilisation de
communications électroniques dans les contrats internationaux (2005) » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 14
85
« La Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international (1985) a été la première loi
type adoptée par la Commission. Elle a été suivie de la Loi type de la CNUDCI sur les virements internationaux
(1992); de la Loi type de la CNUDCI sur la passation des marchés de biens, de travaux et de services avec son
guide pourl’incorporation (1994); de la Loi type de la CNUDCI sur le commerce électronique avec son guide
42
que os Estados adaptem-no às suas realidades. Apresentando um modelo de
legislação contendo os principais dispositivos que as legislações pátrias
deveriam conter ou, ao menos, se espelhar. Ela deve servir de inspiração aos
países para que adotem seus preceitos nas legislações.
Os Guias Legislativos e Recomendações86 são redigidos
quando existe uma resistência maior entre os Estados, seja quanto ao tema
discutido, seja quanto à forma como ele é abordado, impossibilitando a
adoção de Convenções ou Leis Modelo. Outra vantagem dessa técnica
legislativa consiste na possibilidade de se discutir soluções específicas, sem
generalizá-las. Poderão, assim, ser elaboradas variações das recomendações
gerais, em função das diversas alternativas e abordagens possíveis,
avaliando suas vantagens e inconvenientes. Outrossim, os Estados podem
solicitar recomendações para avaliar a adequação de suas leis e
regulamentos, ou, ainda, para atualizá-las.
As Disposições Modelo servem para unificar e modernizar
uma matéria objeto de diversas Convenções87. No entanto, podem,
igualmente, servir para completar um dispositivo de uma convenção88.
pour l’incorporation (1996); de la Loi type de la CNUDCI sur l’insolvabilité internationale avec son guide pour
l’incorporation (1997); de la Loi type de la CNUDCI sur les signatures électroniques avec son guide pour
l’incorporation (2001); et de la Loi type de la CNUDCI sur la conciliation commerciale internationale avec son
guide pour l’incorporation (2002) » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 15/16
86
« La première recommandation législative de la CNUDCI a été adoptée en 1985 pour stimuler
l’examen des dispositions législatives relatives à la valeur juridique des enregistrements informatiques. En 2000,
la CNUDCI a adopté le Guide législatif sur les projets d’infrastructure à financement privé et le Guide législatif
sur le droit de l’insolvabilité en 2004.» Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 16
87
« En 1982, par exemple, la CNUDCI a élaboré une disposition type établissant une unité de compte
universelle de valeur constante qui pourrait être utilisée, en particulier, dans les conventions sur le transport
international et la responsabilité internationale pour exprimer des quantités en termes monétaires. Dans le
même temps, la Commission a adopté deux variantes de dispositions types pour l’ajustement d’un montant fixé
dans une convention internationale: une clause modèle d’indice des prix et une procédure de modification
modèle pour une limite de responsabilité. » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 17
88
« La Convention des Nations Unies sur la cession de créances dans le commerce international (2001)
contient une annexe (de dispositions de droit matériel optionnelles) qui complète les règles de conflit de droit de
la Convention traitant des questions de priorité. En 2003, la CNUDCI a adopté les Dispositions législatives
types sur les projets d’infrastructure à financement privé qui complètent le guide législatif sur le même sujet. »
Guide de la CNUDCI. ibidem
43
A última modalidade de técnica legislativa repousa na
Interpretação Uniforme dos Textos Legislativos. Trata-se de um apanhado
jurisprudencial sobre os textos da CNUDCI denominado CLOUT (Case Law
on UNCITRAL Texts). Introduzido em 1988, ele é fruto de um sistema
baseado na coleta e difusão de informações sobre decisões judiciais e laudos
arbitrais envolvendo os textos legislativos da Comissão graças à atuação de
correspondentes.
A
segunda
categoria
de
técnicas
de
harmonização,
denominada contratual, é de fundamental importância para o funcionamento
da Comissão na análise e elaboração das melhores práticas contratuais. É um
processo de normalização das cláusulas modelo ou uniformes, de forma
geral. O objetivo é possibilitar a identificação de questões que devem ser
abordadas nas cláusulas contratuais e evitar eventuais nulidades:
“Il permet d’identifier toutes les questions que les parties devraient
aborder dans ces clauses ou règles, de s’assurer que la clause
produira des effets et ne sera pas (comme cela arrive parfois
dans le cas des conventions d’arbitrage) pathologique et donc
nulle ou sans effet, et de fournir des solutions internationalement
reconnues et actuelles à des questions spécifiques."89
Nesse sentido, a Comissão adotou, em 28 de abril de 1976,
o Regulamento da Arbitragem, o qual apresenta um conjunto detalhado de
regras e procedimentos que podem ser adotadas pelas partes na condução
de um procedimento arbitral. Essencialmente, propõe um modelo de cláusula
compromissória e cobre os aspectos do procedimento arbitral como
nomeação
dos
árbitros,
desenvolvimento
interpretação da sentença arbitral.
89
Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 18
do
procedimento,
efeito
e
44
O terceiro e último pilar de nivelamento das práticas
comerciais, formado pelas técnicas explicativas, se subdivide em Guias
Jurídicos e Declarações Interpretativas.
Os Guias Jurídicos90 concedem explicações sobre a redação
de contratos. Podem, ainda, tratar de assuntos do interesse dos legisladores e
autoridades regulamentadoras. Eles se justificam pela desnecessidade ou
impossibilidade de criação de um conjunto de regras contratuais modelo. O
Guia da CNUDCI indica como exemplo os contratos de trabalho:
"Les parties négociant des contrats internationaux complexes,
comme les contrats de travaux, rencontrent souvent des
difficultés lors de la négociation et de la rédaction de clauses
contractuelles appropriées par manque de compétences
spécifiques, de moyens ou de documents de référence. Du fait
que ces contrats doivent être adaptés aux circonstances de
l’affaire, il est normalement impossible d’élaborer un contrat type
dont le texte pourrait être utilisé dans un nombre suffisant
d’affaires pour justifier le coût de son élaboration. Par contre, les
parties peuvent s’aider d’un guide juridique qui aborde
différentes questions essentielles pour la rédaction d’un type de
contrat particulier, examine différentes solutions à ces questions,
décrit les implications, les avantages et les inconvénients de ces
solutions et recommande l’utilisation de certaines solutions dans
des circonstances particulières. De tels guides juridiques peuvent
également contenir des exemples de clauses contractuelles pour
illustrer des solutions particulières."91
As Declarações Interpretativas, por sua vez, servem para
proporcionar uma interpretação uniforme de algum texto, ou grupo de textos.
Geralmente, elas são necessárias quando ocorrem mudanças nas práticas
90
« Le premier a été le Guide juridique de la CNUDCI pour l’établissement de contrats internationaux
de construction d’installations industrielles (1987), qui a été suivi du Guide juridique de la CNUDCI pour les
opérations d’échanges compensés (1992) et de l’Aide-mémoire de la CNUDCI sur l’organisation des procédures
arbitrales (1996). » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 19
91
Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 19
45
comerciais,
tecnológicas,
ou
advento
de
jurisprudências
divergentes.
Efetivamente, qualquer fator que tenha incidência sobre a aplicação de um
texto é susceptível de ser objeto desta modalidade técnica. Dispõe o Guia da
Comissão que:
"Un tel instrument pourrait être particulièrement utile lorsque la
modification du texte d’une convention risque de poser des
problèmes techniques importants. La possibilité d’utiliser cette
technique a été examinée dans le contexte de l’exigence d’un
écrit énoncée au paragraphe 2 de l’article II de la Convention
pour la reconnaissance et l’exécution des sentences arbitrales
étrangères (New York, 1958) et plus généralement dans le
contexte de l’interprétation du paragraphe 1 de l’article VII de
cette convention. Elle a également été discutée dans le cadre du
commerce électronique et de l’opportunité d’interpréter un
certain nombre d’instruments de droit commercial international
en se référant à la Loi type de la CNUDCI sur le commerce
électronique. La question de l’interprétation a pu être résolue par
l’application d’un instrument différent, à savoir l’article 20 de la
Convention des Nations Unies sur l’utilisation de communications
électroniques dans les contrats internationaux (2005)."
Assim, o texto supracitado, após elencar as razões de sua
edição, traz duas recomendações:
"1. Recommande qu’on applique le paragraphe 2 de l’article II
de la Convention pour la reconnaissance et l’exécution des
sentences arbitrales étrangères conclue à New York, le 10 juin
1958, en reconnaissant que les cas s’y trouvant décrits ne sont pas
exhaustifs;
2. Recommande également que le paragraphe 1 de l’article VII
de la Convention pour la reconnaissance et l’exécution des
sentences arbitrales étrangères conclue à New York, le 10 juin
1958, soit appliqué pour permettre à toute partie intéressée de se
prévaloir des droits qu’elle pourrait avoir, en vertu de la législation
ou des traités du pays où une convention d’arbitrage est
invoquée, de demander que soit reconnue la validité de cette
convention."
46
Quanto à organização da Comissão, ela possui, atualmente,
sessenta Estados Membros, eleitos pela Assembléia Geral por seis anos. A
fim de preservar um fluxo de trabalho, as eleições ocorrem para metade das
vagas, a cada três anos, intercaladamente92.
O Brasil figurou dentre os membros da CNUDCI93 entre 1968
e1989, e entre 1995 e 2007. Ele participou ativamente da elaboração da Lei
Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1985. Trata-se de um
dos textos mais importantes sobre o tema.
Ele surge da discrepância entre as legislações nacionais em
matéria arbitral. A disparidade entre elas causa insegurança e incerteza,
nocivas ao desenvolvimento comercial entre os povos. Essas legislações,
geralmente voltadas apenas para a arbitragem interna, não costumam suprir
as necessidades clássicas do comércio internacional e, muito menos, as
contemporâneas. Conceitos tradicionais locais são, assim, impostos às
partes. Nesse sentido, dispõe a publicação da CNUDCI sobre a referida Lei
Modelo que:
"Les législations nationales obsolètes comportent souvent des
92
« Conformément à la résolution 2205 (XXI) de l’Assemblée générale en date du 17 décembre 1966,
les membres de la Commission sont élus par l’Assemblée générale pour une période de six ans, le mandat de la
moitié d’entre eux prenant fin à l’expiration d’une période de trois ans. Par sa résolution 3108 (XXVIII) du 12
décembre 1973, l’Assemblée générale a porté de 29 à 36 le nombre des membres de la Commission. Le mandat
des membres élus à la quarante-neuvième session de l’Assemblée générale a pris effet le jour de l’ouverture de
la vingt-neuvième session annuelle ordinaire de la Commission en 1996, et a pris fin le jour précédant
l’ouverture de la trente-quatrième session annuelle ordinaire en 2001. Le mandat des membres élus à la
cinquante-deuxième session de l’Assemblée générale a pris effet le jour de l’ouverture de la trente et unième
session annuelle ordinaire de la Commission en 1998, et a pris fin le jour précédant l’ouverture de la
trenteseptième session annuelle ordinaire en 2004. Par sa résolution 57/20 du 19 novembre 2002, l’Assemblée
générale a porté le nombre des membres de la Commission de 36 à 60 États. Les membres ont été élus à la
cinquante-huitième session de l’Assemblée générale en 2003, et leur mandat a pris effet le jour de l’ouverture de
la trente-septième session annuelle ordinaire de la Commission en 2004. Afin de maintenir le système d’élection
de la moitié des membres tous les trois ans, 13 de ces 24 nouveaux membres ont un mandat d’une durée de trois
ans prenant fin le jour précédant l’ouverture de la quarantième session annuelle ordinaire en 2007, et 11 ont un
mandat d’une durée de six ans prenant fin le jour précédant l’ouverture de la quarantetroisième session
annuelle ordinaire en 2010, de sorte que sur les 60 membres de la Commission, la moitié verra son mandat
prendre fin en 2007, et l’autre en 2010. » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 31
93
Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 31
47
dispositions qui assimilent la procédure arbitrale à la procédure
judiciaire et des dispositions fragmentaires qui ne traitent pas
toutes les questions de droit matériel pertinentes. Même la plupart
des lois qui paraissent à jour et complètes ont été conçues
essentiellement, sinon exclusivement, dans l’optique d’un
arbitrage national. Cette approche est compréhensible, puisque
aujourd’hui encore l’essentiel des litiges régis par le droit de
l’arbitrage est de caractère strictement interne; il en résulte
malheureusement que des concepts traditionnels locaux sont
imposés pour des affaires internationales et que les besoins de la
pratique moderne ne sont généralement pas satisfaisants.
Les attentes des parties telles que celles-ci les ont exprimées en
optant pour un règlement d’arbitrage ou en concluant une
convention d’arbitrage “particulière” peuvent être déçues,
surtout du fait de dispositions impératives prévues dans la loi
applicable. Des restrictions inattendues et indésirables imposées
par les lois nationales peuvent empêcher les parties par exemple
de soumettre des différends futurs à l’arbitrage, de choisir
librement l’arbitrage ou de subordonner la conduite de
l’arbitrage à des règles de procédure convenues sans que les
tribunaux étatiques interviennent plus qu’il n’est indispensable. Les
attentes des parties risquent aussi d’être déçues du fait de
dispositions supplétives qui peuvent leur imposer des conditions
indésirables si elles n’ont pas eu la vigilance de prévoir des
dispositions contraires lors de la rédaction de leur convention
d’arbitrage. Même l’absence de disposition législative peut créer
des diffi cultés en laissant tout simplement sans réponse certaines
des nombreuses questions de procédure qui se posent dans un
arbitrage et ne sont pas toujours réglées par la convention
d’arbitrage. La Loi type est destinée à réduire le risque de telles
déceptions, difficultés ou surprises." 94
No texto, foram previstos, essencialmente, um regime
procedimental especial para a arbitragem comercial internacional, a
convenção de arbitragem, a composição do tribunal arbitral e sua
competência, o procedimento arbitral, o pronunciamento da sentença e
94
Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international : 1985 avec les amendements
adoptés en 2006. Viena : Nações Unidas, 2008, p.26/27
48
encerramento do procedimento, o recurso contra a sentença arbitral e, por
fim, o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais.
Portanto, a Lei Modelo sobre arbitragem vem atingindo seu
objetivo, na medida em que serviu como base para a legislação de diversos
países95. Curiosamente, os brasileiros não figuram na lista de aderentes,
mesmo após a entrada em vigor da nova lei de arbitragem. Cumpre destacar
que a referida lei pátria foi diretamente inspirada pela Lei Modelo. Entretanto,
somente figuram na aludida lista os países que a incorporam, sem ressalvas,
no direito nacional e possibilitam seu fiel cumprimento. Apesar de a lei
nacional ser salutar e representar um avanço monumental na mentalidade
brasileira, ela não alcançou a exatidão necessária em sua redação a ponto de
refletir a Lei Modelo em toda sua extensão. Uma das lacunas mais salientes
deixadas pelo dispositivo legal tupiniquim está na omissão acerca de sua
aplicação nos litígios internacionais. A lei pátria não aborda os elementos de
conexão. De fato, a única menção de internacionalidade está no capítulo que
trata da homologação de sentença arbitral estrangeira. Outra omissão é
referente à língua utilizada no procedimento arbitral (art. 22 da Lei Modelo).
Contudo, os referidos diplomas legais não são antagônicos. Ao contrário,
estão praticamente alinhados. A lei pátria atende os litígios arbitrais
95
« Des textes législatifs fondés sur la Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international
telle qu’adoptée en 1985 ont été adoptés dans les pays et territoires suivants: Allemagne (1998), Arménie
(2006), Australie (1991), Autriche (2005), Azerbaïdjan (1999), Bahreïn (1994), Bangladesh (2001), Bélarus
(1999), Bulgarie (2002), Cambodge (2006), Canada (1986), Chili (2004), Chine (Région administrative spéciale
de Hong Kong (1996) et Région administrative spéciale de Macao (1998)), Chypre, Croatie (2001), Danemark
(2005), Égypte (1996), Espagne (2003), Estonie (2006), États-Unis d’Amérique (États de Californie (1996),
Connecticut (2000), Illinois (1998), Louisiane (2006), Oregon et Texas), ex-République yougoslave de
Macédoine (2006), Fédération de Russie (1993), Grèce (1999), Guatemala (1995), Hongrie (1994), Inde (1996),
Iran (République islamique d’) (1997), Irlande (1998), Japon (2003), Jordanie (2001), Kenya (1995), Lituanie
(1996), Madagascar (1998), Malte (1995), Maurice (2008 *), Mexique (1993), Nicaragua (2005), Nigéria (1990),
Norvège (2004), Nouvelle-Zélande (1996, 2007*), Oman (1997), Ouganda (2000), Paraguay (2002), Pérou
(1996), 2008*), Philippines (2004), Pologne (2005), République de Corée (1999), République dominicaine
(2008), Royaume-Uni de Grande-Bretagne et d’Irlande du Nord (Écosse (1990) et Bermudes, territoire d’outremer du Royaume-Uni), Serbie (2006), Singapour (2001), Slovénie (2008 *), Sri Lanka (1995), Thaïlande (2002),
Tunisie (1993), Turquie (2001), Ukraine (1994), Venezuela (République bolivarienne du) (1998), Zambie (2000)
et Zimbabwe (1996). – * Indique une loi fondée sur le Texte de la loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage
commercial international avec les amendements adoptés en 2006. » A/CN.9/674 – État des conventions et des
lois types – 42è Session de la CNUDCI. Viena : Nações Unidas, 2009, p. 16/17
49
internacionais
envolvendo
conexão
brasileira,
principalmente
quando
interpretada sistematicamente com o Protocolo de Genebra de 1923 e com a
Convenção de Nova York de 1958, a qual dispõe sobre a execução de
sentença arbitral estrangeira (elaborada pela ONU antes da criação da
CNUDCI, passou a ser administrada por esta). Ela foi ratificada e promulgada
pelo Brasil em 2002.
CONCLUSÃO
A arbitragem comercial internacional, apesar de encontrar
suas origens na mais remota antiguidade, se expandiu e retraiu diversas
vezes ao longo da História. Nesse início de milênio, diante do aumento
significativo das relações comerciais entre particulares a nível global, ganhou
nova força. O Brasil finalmente se realinhou diante desse instituto após mais
de 120 anos de obscuridade quanto à efetividade da autonomia da vontade.
50
Bibliografia
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2009,
KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Droit International
Privé Suisse. Berna : Staempfli, 2005
GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores
brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999
1
JESUS, Edgar A. de. Arbitragem – Questionamentos e Perspectivas. São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 20031
SODRÉ, Antonio. Curso de Direito Arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008
1
MARTINS, Pedro A. Batista.Op Cit, p. 35/36
1
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano – volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1996
1
Enciclopédia Barsa Rio de Janeiro / São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1994
1
DOLINGER, Jacob / TIBÚRCIO, Carmen. Direito internacional privado: arbitragem comercial
internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores
brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 22
1
BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil – volume IX. Rio de
Janeiro: Forense, 1977
1
FILHO, Cláudio de Melo Valença/ LEE, João Bosco. Estudos de Arbitragem. Curitiba: Juruá, 2009
1
JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Droit do Commerce
International. Paris : Dalloz, 2007
1
Guide de la CNUDCI - L’essentiel sur la Commission des Nations Unies pour le droit commercial
international. Viena : Nações Unidas, 2007
1
Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international : 1985 avec les amendements adoptés
en 2006. Viena : Nações Unidas, 2008