Fernando Henrique Fernandes de Oliveira
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Fernando Henrique Fernandes de Oliveira
1 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL: Perspectivas Brasileiras Autor: Fernando Henrique Fernandes de Oliveira Orientador: Prof. Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros Co-orientador: Prof. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy BRASÍLIA 2009 2 FERNANDO HENRIQUE FERNANDES DE OLIVEIRA Arbitragem Comercial Internacional: Perspectivas Brasileiras Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros Co-orientador: Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Brasília 3 2009 RESUMO Referência: FERNANDES de OLIVEIRA, Fernando Henrique. Arbitragem Comercial Internacional : perspectivas brasileiras. 2009. 50 folhas. Monografia de Direito – Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2009. Assim como em grande parte do mundo, a morosidade do sistema jurídico brasileiro se opõe aos interesses comerciais de celeridade na pacificação de seus conflitos. Dessa forma, vêm buscando, os comerciantes, meios alternativos de solucionar seus litígios. Nessa esteira, destaca-se a arbitragem como forma mais eficiente na tutela de direitos patrimoniais disponíveis. Suas vantagens incluem não apenas a celeridade na disponibilização de uma sentença arbitral com força de título executivo, mas também o sigilo ou discrição, especialização dos julgadores no objeto da controvérsia, flexibilidade procedimental e ausência de recursos que possam protelar a causa, cabendo perante o Judiciário Brasileiro, somente a ação de invalidade, que possui requisitos semelhantes aos da ação rescisória. No entanto, as dúvidas quanto à prática da arbitragem comercial internacional no Brasil só agora se dissipam. Tendo alcançado real viabilidade operacional somente com a Lei 9.307/96, dois fatores foram essenciais na sua sedimentação pátria: o julgamento, pelo STF, que homologou sentença arbitral estrangeira e a ratificação da Convenção de Nova Iorque sobre execução de laudo arbitral. Palavras-chave: Arbitragem Comercial Internacional, Laudo Arbitral, Execução de Sentença Estrangeira, Lei 9307/96, convenção arbitral, cláusula compromissória, compromisso arbitral. 4 RÉSUMÉ Référence: FERNANDES de OLIVEIRA, Fernando Henrique. Arbitragem Comercial Internacional : perspectivas brasileiras. 2009. 50 pages. Monographie de Droit – Université Catholique de Brasília, Brasília, DF, 2009. Ainsi que dans le reste du monde, la lenteur du système juridique brésilien est opposé aux intérêts commerciaux d'une pacification rapide des conflits. Par conséquent, les commerçants ont cherché d'autres moyens de résoudre leurs différends. Sur cette piste, il faut souligner l'arbitrage comme le moyen le plus efficace dans la protection des droits patrimoniaux disponibles. Ses avantages comprennent non seulement la rapidité de la livraison d'une sentence arbitrale exécutable, mais aussi le secret ou la discrétion, l'expertise des arbitres dans l'affaire en litige, la flexibilité de procédure et le manque de recours qui peuvent retarder la question, laissant seulement l’action de nullité, qui possède des exigences très rigides pour être intentée. Toutefois, les doutes quant à la pratique de l'arbitrage commercial international au Brésil seulement se dissipent maintenant. Ayant atteint la viabilité opérationnelle réelle uniquement après l’entrée en vigueur de la loi 9307/96, deux facteurs ont été la clé de sa sédimentation : le procès, au sein de la Cour Suprême, qui a approuvé une sentence arbitrale étrangère et la ratification de la Convention de New York sur l'exécution des sentences arbitrales. Mots-clés: arbitrage commercial international, Sentence arbitrale, exécution des jugements étrangers, Loi 9.307/96, convention d'arbitrage, clause d'arbitrage, compromis. 5 SUMÁRIO Introdução Noções Gerais Conceitos Fontes Histórico Antiguidade Helênica Direito Mosaico Roma Antiga Idade Média Sociedade Moderna Brasil: da independência à lei 9.307/96 Arbitragem no Direito Contemporâneo Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional Brasil: A lei 9.307/96 e as novas perspectivas arbitrais As Cortes Arbitrais Internacionais Conclusão 6 INTRODUÇÃO A arbitragem destaca-se como principal meio extrajudicial de pacificação de conflitos. Tradicionalmente relevante no âmbito dos direitos comercial e internacional, ganhou novo fôlego com a edição, no Brasil, da nova lei de arbitragem. Tal posição ficou ainda mais sedimentada com o julgamento do STF sobre a constitucionalidade da referida lei, bem como ratificação do da Convenção de Nova Iorque em 2002, a qual dispõe sobre execução de sentença arbitral estrangeira. Todavia, novos paradigmas nascem desse novo, porém antigo, instituto. Objetiva o presente trabalho expor a relação entre o Brasil e a arbitragem comercial internacional, destacando suas vantagens e dificuldades. NOÇÕES GERAIS Fontes A arbitragem comercial internacional possui as mesmas fontes do Direito Internacional Privado. Beat Walter Rechsteiner identifica cinco fontes principais: a lei, o tratado internacional, a jurisprudência, a doutrina e o direito costumeiro1. 1 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 116/133 7 A lei é a primeira fonte de direito internacional privado em grande parte dos Estados. Porém, a edição dessas normas tende a ser escassa ou insuficiente. O Brasil positivou suas regras gerais da matéria na Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (LICC – Decreto Lei n° 4.657/42). Mais de seis décadas após sua edição, a LICC mostra-se importante, porém insuficiente para reger as atividades decorrentes do comércio internacional. Cumpre registrar que diversos Estados2 publicaram leis específicas sobre a questão, promovendo, por vezes, verdadeira codificação. Rechsteiner observa que: “já existiram várias tentativas de submeter a legislação em vigor a uma revisão geral. Esses esforços louváveis, porém, não lograram sucesso. Inclusive, com a vigência do novo Código Civil, a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, nada foi modificado em relação às normas de direito internacional privado vigentes no País.”3 Os tratados internacionais, por sua vez, representam um dos principais meios de uniformização e harmonização das legislações estatais. A Convenção da ONU sobre o Direito dos Tratados (Convenção de Viena – 1969) define, em seu art. 1°, alínea „a‟: “a. „tratado‟ significa um acordo internacional celebrado entre Estados em forma escrita e regido pelo direito internacional, que conste, ou de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua denominação específica”4 2 Polônia, Portugal, Espanha, ex-República Democrática Alemã, Alemanha, Jordânia, Áustria, Hungria, Yêmen do Norte, Yêmen do Sul, Burundi, Togo, Ex-Iugoslávia, Turquia, Grécia, Sudão, Emirados Árabes, China, Suíça, Burkina Faso, Romênia, Itália, Principado de Liechtenstein, Tunísia, Eslovênia, Lituânia, Rússia, República da Coréia, Bélgica, Bulgária, Japão. cf. Jacob Dolinger. Direito Internacional Privado. apud RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 116 3 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 117 4 http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm 8 Celebrado entre Estados, constituem verdadeira normatização legislativa na medida em que os sujeitos de direito podem invocá-los no âmbito de suas relações jurídicas. São divididos em selfexecuting e non self-executing. Os primeiros, auto-aplicáveis, não necessitam de normatização complementar pelos legisladores pátrios para regulá-lo. Já o seguinte tipo necessita de regulamentação para ser apreciados no âmbito do Judiciário. Rechsteiner indica que: “Cada país regula, individualmente, a incorporação do tratado internacional ao sistema jurídico interno e sua ordem hierárquica dentro desse sistema.”5 A discussão pátria acerca da posição dos tratados em relação às normas internas ainda não foi completamente apaziguada. Faltam critérios sólidos para determinar as relações entre tratados e legislação nacional. O aludido doutrinador prescreve que a jurisprudência pátria aplica a teoria da paridade entre tratados e legislação interna 6. Assim sendo, o tratado prevalece sobre a legislação anterior à sua promulgação, mas pode ser derrogado por lei interna posterior com a qual entre em conflito. Tal posicionamento confronta com o entendimento de grande parte da doutrina nacional, “que defende a primazia dos compromissos externos sobre as leis federais ordinárias em geral”7. Imperioso revelar que o Brasil não promulgou a Convenção de Viena sobre tratados (1969). Enviada pelo Executivo ao Legislativo somente em 1992, este até hoje não se manifestou. Não se sabe, ao certo, as 5 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 118 6 Ibidem, p. 121 7 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 121 9 razões exatas de seu esquecimento nas gavetas do Congresso. O que facilmente se nota é a inconveniência dos artigos 26 e 27 para o legislador pátrio: “Artigo 26 - Pacta sunt servanda Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé. Artigo 27 - Direito Interno e Observância de Tratados Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.”8 Ora, se a adoção de convenções repousa sobre uma relação supranacional, envolvendo mais de um país, tal relação é bi/multilateral. O rompimento unilateral de tal acordo, por iniciativa exclusiva do legislador interno, atenta contra o pacta sunt servanda estabelecido entre as partes. Outrossim, tradados envolvem adoção de compromissos cujo interesse é supranacional. Assim sendo, a vulnerabilidade ou insegurança minam a certeza de seu cumprimento. Tanto é assim, que a Convenção de Viena dispõe, em seu art. 63, que sequer o rompimento das relações diplomáticas tem o condão, por si só, de afastar a incidência dos tratados vigentes, a não ser pelos meios legais postos à disposição para tal fim: “Artigo 63 - Rompimento de Relações Diplomáticas e Consulares O rompimento de relações diplomáticas ou consulares entre partes em um tratado não afetará as relações jurídicas estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na medida em que a existência de relações diplomáticas ou consulares for indispensável à aplicação do tratado.”9 8 http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm 9 http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm 10 Entretanto, o debate não está estanque. Nessa esteira, a Emenda Constitucional n° 45 determinou que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalem às emendas constitucionais. Contudo, uma revisão das normas brasileiras sobre incorporação dos tratados merece revisão, principalmente quando levado em consideração as aspirações políticas internacionais que o Brasil vem desenvolvendo junto às Nações Unidas, em especial sua vontade de ingressar permanentemente no Conselho de Segurança. A Jurisprudência é fonte consagrada do Direito internacional Privado. Com efeito, a escassez de normas positivadas resulta em uma lacuna preenchida pelo Poder Judiciário. Rechsteiner salienta que as decisões de tribunais brasileiros sobre conflito de leis no espaço e direito aplicável ainda é sutil, sua tendência é de ampliação. Na Europa Continental, esse número é bem mais expressivo, pois há um elevado número de relações jurídicas entre os indivíduos de países diversos10. O doutrinador relata que “aos tribunais brasileiros é facultado levar em consideração essa jurisprudência quando a relação jurídica sub judice não pode ser decidida unicamente com base na legislação, na doutrina e na jurisprudência pátrias” 11. Leciona, ainda, que tal jurisprudência foi utilizada por diversos países na elaboração de suas legislações de direito internacional privado. “Esse é o caso, p. ex., da Suíça, cuja legislação de 18 de dezembro de 1987 adotou, em parte, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal daquele país”12. Knoepfler, Schweizer e Othenin-Girard13 lecionam que sua codificação germinou na Assembléia Geral da Société Suisse des Juristes de 10 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 128 11 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 129 12 ibidem 13 KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Droit International Privé Suisse. Berna : Staempfli, 2005, p.37 11 1971, onde foi questionada a Loi Fédérale sur les rapports de droit civil des citoyens établis ou en séjour de 25 de junho de 1891 por não mais atender as necessidades suíças no âmbito de suas relações internacionais privadas. Nos anos seguintes o debate se estendeu ao legislativo e, em 1973, o Conseil Fédéral criou uma comissão extraparlamentar. O anteprojeto, concluído em 1978, culminou com a adoção da Loi Fédérale sur le Droit International Privé de 1987 (LDIP). Ela é uma das legislações nacionais mais completas sobre tema e regula problemas de competência internacional, lei aplicável, condições de reconhecimento e execução de atos estrangeiros. Ora, mesmo dotada de uma legislação de vanguarda, a doutrina permaneceu, na Confederação Helvética, fonte importante do Direito Internacional Privado. Nesse sentido, lecionam os aludidos doutrinadores: “L’entrée en vigueur de la LDIP n’a pas réduit le rôle de la jurisprudence, qui est restée aussi abondante qu’auparavant dans le domaine du droit international privé."14 Dessa forma, a jurisprudência suíça delimitou e clarificou diversos dispositivos, cobriu lacunas, rematou questões incompletas e definiu noções não mencionadas. Outra fonte importante reside na doutrina. Rechsteiner ensina que “os princípios fundamentais do direito internacional privado repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o século XIX” 15, e isso em grande parte dos Estados. Nessa esteira, Knoepfler, Schweizer e OtheninGirard lecionam que sua importância decorre de uma tradicional raridade de disposições legais16. Constitui, dessa forma, um motor importante tanto para a 14 KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Op Cit, p.41 15 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 129 16 KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Op Cit, p.41 12 criação de tais normas, como para diversas decisões judiciais. E acrescentam: “Elle est à l’origine de la loi du 18 décembre 1987 et du nouveau droit de l’arbitrage international. Aux États-Unis, la profonde évolution dans la conception du droit international privé est essentiellement due à la doctrine."17 Nesse diapasão, Rechsteiner identifica que “o grande mérito da doutrina é o de ter elaborado um sistema de regras jurídicas constitutivas da parte geral do direito internacional privado”18. Ora, tais regras raramente são positivadas nas legislações dos Estados, o que contribui para a manutenção de seu alto grau de importância. Quanto ao direito costumeiro, ambos autores citados na leitura das fontes relatam não ter real importância, uma vez que é última opção e inexiste um real conjunto de normas implementado que não seja abrangido pela doutrina. Conceitos O conceito de arbitragem não é estático. Para defini-lo, devese considerar que a arbitragem depende de todo o contexto legal, histórico, social e econômico no qual ela está inserida. Sua tradição é milenar e atravessou diversas fases. Em determinados momentos, quando o nacionalismo reaviva e o Estado “leviatânico” toma para si a exclusividade da tutela dos direitos, até nas relações subjetivas particulares, a autonomia da 17 Ibidem, p. 41/42 18 RECHSTEINER, Beat Walter, Op Cit, p. 129 13 vontade e a possibilidade de sanar a controvérsia por meios extrajudiciais são desfavorecidas causando um recuo na arbitragem. Noutro giro, quando o sistema legal vigente mostra-se insuficiente ou inadequado para tutelar os referidos direitos, a arbitragem ganha terreno. Tal fenômeno pode ocorrer por razões diversas. Enquanto na Idade Média ele se deu pela fragmentação das nações, atualmente ela tem sido privilegiada pela integração e interdependência entre os Estados. Assim, é possível classificar a arbitragem sob diversos prismas. Ela poderá ser obrigatória ou facultativa, em função da determinação legal vigente. Poderá, também, ser interna se diz respeito aos particulares de um mesmo Estado, ou externa, quando envolver uma relação internacional. Ela poderá ser ad hoc (ou avulsa) quando as regras são convencionadas entre as partes, ou institucional, se as regras forem determinadas por determinada entidade arbitral. No tocante à natureza jurídica – importante na determinação dos limites legais da atuação do árbitro – existem duas grandes correntes antagônicas evidenciadas por Pedro Batista Martins: “De um lado, os privatistas que ressaltam a natureza contratual da arbitragem, em objeção aos publicistas, que reconhecem a função jurisdicional do juízo arbitral”19 O referido doutrinador aponta que: “Os privatistas, cuja legião de seguidores cada vez mais sente-se reduzida e isolada, entendem que o árbitro, no exercício de suas funções de julgador, não detém dois dos elementos da jurisdição, i.e., a coertio (direito de fazer respeitar de reprimir ofensa à lei) e 19 MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem através dos tempos – obstáculos e preconceitos à sua implementação no Brasil. in GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 38 14 a executio (direito de tornar obrigatória e coercitiva sua própria ordem ou decisão), configurando o laudo arbitral por ele emitido, mero parecer ou opinião técnica, a necessitar de chancela estatal para que se produza seus efeitos de direito.”20 Quanto à corrente jurisdicionalista, prescreve que possui um número crescente de partidários. Salienta que a jurisprudência e as modificações legais vêm fortalecendo o poder e a autoridade dos árbitros. Assevera, ainda, que se trata de assegurar o próprio interesse do Estado na resolução dos conflitos por meios alternativos de forma a “salvaguardar a ordem jurídica e o equilíbrio nas relações privadas” 21. Nessa esteira, argui que: “Se a investidura nesse cargo tem caráter privado, encarregado de julgar por um cidadão e não pelo Estado, a assunção dessa função e o seu exercício interesse do estatal, consubstanciando verdadeiro publicum; é expressão de caráter público.”22 pois é próprio são do munus Por conseguinte, quando as partes escolhem a “jurisdição privada”, nomeando árbitros, o fazem com o aval do Estado, interessado na efetiva pacificação dos conflitos. As partes derrogam, assim, a justiça estatal, e o árbitro passa “dizer” o direito aplicado ao litígio, resolvendo-o. Pedro Martins assevera que os efeitos dessa decisão são de caráter público e enfatiza que: “Se o Estado ainda remanesce com a exclusividade de exercitar a coertio e a executio, através do Poder Judiciário, ao árbitro é 20 ibidem 21 ibidem 22 ibidem 15 assegurado os demais componentes da jurisdição, a notio – faculdade de conhecer a causa, vocatio – faculdade de fazer intervir em juízo tudo o que se faça útil ao conhecimento da verdade e, principalmente, o judicium – direito de judicar e de pronunciar a sentença, que é a síntese e o componente relevante da jurisdição.”23 Conforme já salientado, tais definições dependem do contexto histórico e social no qual elas estão inseridas. Assim, o saudoso Cláudio Vianna de Lima define a arbitragem contemporânea como: “prática alternativa, extrajudiciária, de pacificação (antes do que da solução) de conflitos de interesse envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis, fundada no consenso (princípio universal da autonomia da vontade), através da atuação de terceiro, ou de terceiros, estranhos ao conflito, mas de confiança e escolha das partes em divergência, por isso denominados árbitros (expressão advinda de arbítrio, ou livre exercício da vontade)”24. Portanto, ainda que intimamente relacionada, a arbitragem diverge da composição e da mediação. Enquanto na primeira o acordo nasce exclusivamente entre as partes, que, sozinhas, negociam para chegar ao denominador comum; na segunda, o mediador auxilia a composição entre elas. A arbitragem diverge no âmbito da forma de resolução do conflito. Não sendo possível a composição, o árbitro redige um laudo solucionando o caso de acordo com suas convicções. Dessa forma, poderá ser redigido um laudo contrariando o interesse de determinada parte. 23 24 ibidem, p. 39 LIMA, Cláudio Vianna. A arbitragem no tempo - O tempo na abitragem in GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 5 16 HISTÓRICO A arbitragem é um instituto que permeia não apenas as civilizações contemporâneas, mas a História desde a Antiguidade. Sua origem está nos costumes. Com efeito, o doutrinador Edgar A. de Jesus salienta haver “notícias de solução amigável no Egito, Assíria, Babilônia, Kheta e entre os povos hebreus que resolviam suas contendas de direito privado com a formação de um Tribunal Arbitral”25. Nesse diapasão, ressalta o professor Antonio Sodré que “vários são os indícios de que existiria, na Antiguidade clássica, meios para a resolução de conflitos privados e públicos, que não o recurso à autotutela ou à manifestação jurídico-estatal. Exemplo muito citado é um caso de arbitragem entre as cidades-Estado da Babilônia, cerca de 3.000 a.C.”26. Revela o ilustre professor Pedro A. Batista Martins que “a arbitragem é instituto tão antigo que seu surgimento ocorre antes mesmo da existência do juiz estatal e do próprio legislador”27. E acrescenta: 25 JESUS, Edgar A. de. Arbitragem – Questionamentos e Perspectivas. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 9 26 SODRÉ, Antonio. Curso de Direito Arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008, p. 106 27 MARTINS, Pedro A. Batista.Op Cit, p. 35/36 17 “Foi ela utilizada pelos povos desde a mais remota antiguidade, quando a desconfiança recíproca e as diferenças de raça e religião tornavam precárias as relações entre os povos. Passada a fase primitiva de autotutela, onde imperava a força nas soluções dos conflitos, a composição dos interesses divergentes passou a ser assegurada ao ancião da tribo. Indivíduo sábio, com vasta experiência, era ele indicado para atuar, como terceiro imparcial, na solução da lide, cabendo às partes acatarem a decisão bona fide. Na ausência de uma legislação positiva, cabia ao anciãoárbitro aplicar à controvérsia, não regras de direito expresso, mas, sim, o costume e os princípios da moral e da ética quer predominavam à época. Daí a afirmativa de a arbitragem ser o instituto que precede o legislador e o juiz estatal, pois, sem dúvida, não estava o Estado, nos seus primórdios, devidamente aparelhado para administrar a justiça.”28 É possível considerar que, ultrapassado o diálogo entre Hobbes e Rousseau acerca da aplicação do contrato social29, a efetivação da proteção dos direitos dele decorrentes não se deu abruptamente. Nessa esteira, mister colher os ensinamentos de José Carlos Moreira Alves que leciona, em sua obra, haver, geralmente, quatro etapas de proteção dos direitos, a partir dos povos primitivos: “a) na primeira, os conflitos entre particulares são, em regra, resolvidos pela força (entre a vítima e o ofensor, ou entre os grupos de que cada um deles faz parte), mas o Estado – então 28 29 ibidem Enquanto o primeiro considera a limitação aos direitos limitava o exercício da liberdade, o segundo defende que as leis geram liberdade ao homem por gerar leis advindas da vontade geral. 18 incipiente – intervém em questões vinculadas à religião; e os costumes vão estabelecendo, paulatinamente, regras para distinguir a violência legítima da ilegítima; b) na segunda, surge o arbitramento facultativo: a vítima, ao invés de usar da vingança individual ou coletiva [obtida com o auxílio do grupo a que a vítima pertence] contra o ofensor, prefere, de acordo com este, receber uma indenização que a ambos pareça justa, ou escolher um terceiro (o árbitro) para fixál a; c) na terceira etapa, nasce o arbitramento obrigatório: o facultativo só era utilizado quando os litigantes o desejassem, e, como esse acordo nem sempre existia, daí resultava que, as mais das vezes, se continuava a empregar a violência para a defesa do interesse violado; por isso, o Estado não só passou a obrigar os litigantes a escolherem árbitro que determinasse a indenização a ser paga pelo ofensor, mas também a assegurar a execução da sentença, se, porventura, o réu não quisesse cumpri-la; e d) finalmente na quarta e última etapa, o Estado afasta o emprego da justiça privada e, por funcionários seus, resolve os conflitos de interesse surgidos entre os indivíduos, executando, à força se necessário, a sentença.”30 O ilustre doutrinador acrescenta, quanto ao afastamento do emprego de justiça privada, ser lícito “dirimir o conflito mediante designação de árbitro”31. Por conseguinte, não se pode pensar na arbitragem apenas como instituto antecessor do sistema jurídico estatal. De fato, trata-se de uma prática antiga que vem sendo mais ou menos utilizada em função do contexto histórico. Nesse sentido, Vianna de Lima ressalta, em sua obra, que: “No comum da vezes, se reapresenta como algo novo, aparentemente inédito, em plena moda. Ilustração enfática do 30 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano – volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 183 31 ALVES, José Carlos Moreira. Ibidem p.183 19 corsi e ricorsi do pensador italiano, do século XVII, João Batista Vico [Princípios da Filosofia da História]. Sabe-se, no entanto, que não há nada de novo na face do sol: Nil novi sub sole.”32 ANTIGUIDADE HELÊNICA Antonio Sodré prescreve que o politeísmo e a estrutura política da Grécia Antiga, com suas cidades-Estado, teriam privilegiado o desenvolvimento da arbitragem, que se encontrava dentro do ideário helênico. Nessa esteira, existem diversos episódios arbitrais na mitologia grega. O referido doutrinador relata que “Zeus foi eleito juiz entre Atené e Posseidon, a propósito de Egina; o mesmo com Foroné, entre Hera e Posseidon, a propósito de Argólita”33. Cumpre destacar que, para a mitologia grega, os deuses gregos escolhiam as cidades humanas que lhes prestavam veneração. Havendo, pois, disputa entre eles por determinada cidade, tal querela era resolvida por meio da arbitragem, geralmente por seus pares. Acerca do procedimento arbitral como solução de conflitos privados, Sodré ensina que ele coexistiu com o processo judicial sendo realizado, por exemplo, pelos diaitetai – árbitros públicos para contendas privadas34. E acrescenta outro exemplo de solução de conflito privado pela arbitragem ocorrido na Atenas de Péricles, onde: 32 LIMA, Cláudio Vianna de. Op Cit, p. 5 33 SODRÉ, Antonio. Ibidem p. 106 34 SODRÉ, Antonio. Ibidem p. 107 20 “existiam as cortes populares – heliaea – compostas por milhares de cidadãos atenienses, que se subdividiam em 10 tribunais, com 600 cidadãos em cada. A partir de determinado momento, as cortes passaram a julgar casos de menor valor pecuniário, somente se antes houvesse uma tentativa de conciliação entre as partes por um árbitro, escolhido por sorteio, dentre os cidadãos maiores de 60 anos”35. Citado por Sodré, Guido Fernando Silva Soares afirma que a “a base jurídica da arbitragem entre particulares ou entre cidades gregas era um compromisso, contrato especial, ou uma cláusula compromissória inserta nos contratos ou tratados de comércio, de aliança ou de paz. O direito aplicável era o direito comum dos helenos”36. O ilustre professor afirma, ainda, que os “juízes arbitrais eram escolhidos pelas partes e poderiam ser tanto um rei, um magistrado, um homem público qualquer; por vezes aparecem instituições religiosas como o Conselho Anfictiônico ou o Oráculo dos Delfos [e adianta que a] sentença arbitral, quando prolatada em assuntos intermunicipais, era, à semelhança dos tratados, gravada em muros de templos, em estelas ou no sopé de estátuas, razões por que há abundantes informações sobre a prática da arbitragem intermunicipal na Grécia antiga”37. Mesmo com o domínio romano, a arbitragem permaneceu em uso na Grécia, aperfeiçoando-se nos termos da tradição grega em razão da possibilidade de os povos dominados manterem seus usos e costumes. Conforme relata a Enciclopédia Barsa, o domínio romano sobre os gregos influiu em ambas as culturas: 35 SODRÉ, Antonio. Ibidem p. 107 36 SOARES, Guido Fernando Silva. Arbitragem Internacional (introdução histórica) in SODRÉ, Antonio. Curso de Direito Arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008, p. 107 37 SOARES, Guido Fernando Silva. Op Cit, p. 107 21 “Domínio romano. O período de 205 a 146 a.C. assinala o avanço dos romanos, que, em 148 a.C., transformaram a Macedônia numa província, esmagando, dois anos depois, as forças da Liga Aquéia. Posteriormente, todas as demais ligas foram abolidas, e a democracia grega substituída por uma oligarquia de Estados sob a égide de Roma. Com o colapso da Liga Aquéia e a derrota de Corinto, principal foco de resistência, a Grécia passou à condição de província do império romano. Alguns Estados, porém, como Atenas e Esparta, continuavam a manter seus direitos, como civitates liberae38. Os distúrbios no império romano passaram, todavia, a repercutir dentro do mundo helênico, como aconteceu quando a primeira guerra contra Mitriades VI Êupator o Grande (88-85 a.C.), que conseguiu a adesão de muitas cidades gregas mediante a promessa de apoio a seus partidos democráticos. Os resultados da guerra foram desastrosos para a Grécia, que, além de punições impostas por Roma, ainda teve sua parte central devastada. No conflito entre César e Pompeu, os gregos contribuíram para a formação da armada de Pompeu, e a batalha cisiva foi travada em solo grego (48 a.C.). Finalmente, as requisições feitas à Grécia por Marco Antônio, em 31 a.C., para sustentar a sua campanha contra Otávio (futuro Augusto), constituíram o golpe de misericórdia para o país. Ao reorganizar as províncias do Império, Augusto incorporou a Tessália à Macedônia e converteu o restante da Grécia em província de Aquéia, sob o controle de um procônsul senatorial romano residente em Corinto. Diversos Estados helênicos, incluindo Atenas e Esparta, mantiveram sua condição de cidades livres. Do ponto de vista econômico, entretanto, a nova província pouco iria lucrar. Sem esperanças no futuro, os gregos contentavam-se em contemplar as passadas glórias, orgulhosos do respeito com que os romanos encaravam a cultura helênica. Para preservar essa cultura, os gregos continuavam a dar grande importância”39. 38 Apesar de soberanas e independentes da República Romana, deviam fornecer soldados à Confederação Romana. 39 Enciclopédia Barsa – volume 8. Rio de Janeiro / São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1994, p. 325 22 Verifica-se, portanto, que a cultura greco-romana passou por uma intensa convergência mútua. Outrossim, como será visto adiante, a prática da arbitragem também foi amplamente difundida no Império Romano, sendo obrigatória até o século III d.C., de modo que não houveram conflitos maiores entre os dois sistemas jurídicos civis. O declínio da influência grega no mundo iniciou em 330 d.C., quando Constantinopla foi elevada à condição de capital do Império Romano. Sua história compreende, ainda, um longo domínio turco, iniciado com a queda de Constantinopla, no ano de 1453. DIREITO MOSAICO Não se pode olvidar, igualmente, que o direito mosaico influiu os direitos romano e canônico, os quais deram inspiração à base do civil law moderno. Conforme lembra o ilustre professor Jacob Dolinger: “Este milenar direito apresenta um rico desenvolvimento das instituições da conciliação e da arbitragem, que vem acompanhando a história do povo judeu desde as narrativas de Pentateuco, 3.800 anos atrás, até os tempos modernos. O Velho Testamento narra como vários conflitos foram resolvidos pela conciliação e faz referência à solução via arbitragem.”40 40 DOLINGER, Jacob / TIBÚRCIO, Carmen. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 6 23 O referido doutrinador destaca existir uma divergência doutrinária acerca do surgimento da arbitragem entre os judeus, se precedeu ou não a organização legal por Moisés, no deserto: “Uma escola entende que a justiça comum, organizada por Moisés no deserto, após o êxodo do Egito, precedeu a arbitragem, que só teria aparecido entre os judeus no século II, ou quiçá pouco antes, no século I. Atualmente, esta escola é capitaneada por Menachem Elon [The Principles of Jewish Law 1975, p.565], professor de direito judaico da Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-vice-presidente da Suprema Corte israelense. O entendimento contrário foi exposto por Boaz Cohen, do Jewish Theological Seminary of America, com sede em Nova York, em seu clássico livro sobre o direito romano e o direito judaico [Jewish and Roman Law – 1966, p.651-709].”41 Tal divergência, contudo, parece traduzir os corsi e ricorsi storici abordados anteriormente. Com efeito, as raízes da civilização judaica se perdem no tempo, de forma que encontram-se as palavras Israel e hebreu em inscrições egípcias datadas do final do segundo milênio a.C. designando uma confederação de tribos nômades vivendo nas regiões montanhosas da Palestina42. Ora, eles reuniram, ao longo do tempo, os mais diversos aspectos da organização social, pois “desenvolveram uma maneira de viver própria, que abrange todos os aspectos da vida individual e coletiva e que é o resultado do processo dinâmico das inter-relações sociais e espirituais dos 41 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 6 42 Enciclopédia Barsa – volume 9. Op Cit, p. 509 24 judeus com os diferentes povos”43. Por conseguinte, a história da cultura judaica não é estática, mas, ao contrário, evoluiu recebendo e exercendo influência no seu meio. Após o Êxodo, o povo judeu se reuniu em um território de onde, com Davi (1055-1015 a.C.), emergiu uma nação unida. Com a morte de Salomão, sucessor de Davi, houve uma cisão que gerou o reino de Israel ao norte e de Judá ao sul. A partir daí, os judeus conheceram novos episódios de dominação. A Assíria, cuja queda ocorreu em 612 a.C., conquistou o reino de Israel em 722 a.C.. Já Babilônia conquistou o reino de Judá por volta de 597587 a.C. e durou até 538 a.C., quando o rei persa Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia permitindo o retorno dos exilados à sua terra originária. No século IV a.C. Alexandre, o Grande, estendeu seu domínio e o helenismo penetrou a Judéia. Posteriormente, quando a prática das tradições judaicas foi proibida sendo imposto o padrão helenístico, os judeus revoltaram-se. Os revoltosos, denominados macabeus, venceram e proclamaram sua independência em 142 a.C., estendendo, à partir daí, as fronteiras de seu Estado. No entanto, o Império Romano se difundiu. Em campanha contra Mitríades VI do Ponto, o General Pompeu estendeu o domínio romano à Jerusalém. Apesar das várias revoltas, os judeus não se libertaram dos romanos e, em 70 d.C., os romanos sitiaram Jerusalém e conquistaram a Judéia. Sem perspectivas político-militares, os judeus atravessaram um renascimento religioso e uma dispersão de sua população originando a Diáspora. A Torah foi estudada em dois grandes centros, a Palestina e a Babilônia, gerando o Thalmud. Cumpre destacar que ambos refletem o essencial da lei mosaica. Em sentido amplo, a Torah designa a lei religiosa judaica. Porém, em sentido estrito, ela recolhe os cinco primeiros livros da Bíblia, ou 43 Enciclopédia Barsa, ibidem. 25 Pentateuco que, por sua vez, é uma das partes da Tanakh, ou Bíblia Judaica, a qual equivale ao Antigo Testamento protestante diferindo quanto à sua organização. Noutro giro, a compilação dos comentários à lei mosaica é denominada Thalmud44. Como a Torah não se mostra suficiente como Código para reger os aspectos sociais, políticos e econômicos, o Thalmud define a organização da vida judaica pelas diversas doutrinas, disposições, normas e tradições carreadas. Transmitido, no princípio, oralmente, ele foi codificado no século II e revisto nos séculos IV e VI, ensejando as duas versões existentes. Da primeira revisão, surgiu a versão da Palestina e, da segunda, a babilônica (considerada a melhor). O referido livro se divide em duas partes. A primeira parte, Mishnah, consolida, no século II d.C., a Lei Oral que fora transmitida entre as gerações por 15 séculos (entre Moisés e seu redator, rabbi Yehuda Hanassi). A segunda parte, Guemarah (séculos IV-VI), reagrupa os comentários à primeira parte. Ao todo, são 12 volumes. Após apontar passagens, no Antigo Testamento, que sugerem a utilização de arbitragem ou conciliação na resolução de conflitos 45, Dolinger faz uma análise do Thalmud. Nele, identifica o instituto da arbitragem na Psharah, ou Bitzuah: “Temos vários significados de psharah: às vezes, a psharah é a conciliação espontânea entre as partes, sem a intervenção de terceiros; há a psharah como o processo de arbitragem por meio de terceiros que julgam entre as partes numa atividade extrajudicial e, finalmente, a psharah também significa uma solução extralegal baseada na eqüidade, a que os tribunais comuns recorrem quando este método possa levar a uma 44 Enciclopédia Barsa – volume 14. Op Cit, p. 454 45 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p.6/13 26 solução mais equitativa e justa, ou quando a lei é lacunosa”46. Seriam, assim, mecanismos de resolução de conflitos alternativos das cortes rabínicas. A psharah não leva em consideração a letra fria da lei, mas observa os princípios da equidade. O ilustre doutrinador acrescenta que ocorreu um grande desenvolvimento da arbitragem “na Judéia, entre os sábios que preparavam o Talmud jerusalemita, em decorrência das restrições impostas pelos romanos ao funcionamento das cortes rabínicas.”47 No âmbito da arbitragem, a Mishnah determina que as questões econômicas se decidam por três. Cada parte escolhe um julgador. Quanto ao terceiro, Rabbi Meier sustenta que ambas as partes escolhem o terceiro, enquanto os sábios (chachamim) alegam que são os dois julgadores quem escolhem o terceiro48. Na Guemarah, concluiu-se que os dois julgadores escolhem um terceiro, sujeito à aprovação das partes49. O renomado professor destaca que o sistema arbitral por meio de três julgadores atravessou os séculos de história judaica “tanto na Judéia, antes da derrota sofrida nas mãos das legiões romanas, como na Diáspora em todos os países onde as populações judaicas organizaram uma vida comunitária”50. 46 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 11 47 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p.13 48 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 13 49 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 14 50 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 14 27 ROMA ANTIGA Os mais de doze séculos de evolução no direito romano renderam um dos maiores legados jurídicos já vistos. José Carlos Moreira Alves salienta estarem presentes, no direito romano, todas as quatro etapas de proteção dos direitos a que se referiu: “da primeira, na pena de talião (vingança privada: olho por olho, dente por dente), estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas; da segunda, durante toda a evolução do direito romano, pois sempre se admitiu que os conflitos individuais fossem resolvidos por árbitros, escolhidos, sem a interferência do Estado, pelos litigiantes; da terceira, nos dois primeiros sistemas de processo civil romano – o das legis actiones e o per formulas; e da quarta, no terceiro desse sistemas – a cognitio extraordinaria”51 Desse modo, a organização judiciária dos romanos passou por grandes evoluções ao longo dos séculos e a tutela dos direitos subjetivos se deu através de três sistemas de processo civil sucessivos: das ações da lei (legis actiones), formulário (per formulas) e extraordinário (cognitio extraodinaria). Conforme leciona o supracitado doutrinador: “O sistema das ações da lei foi utilizado foi utilizado no direito préclássico; o formulário, no direito clássico; e o extraodinário, no direito pós-clássico. Note-se, porém, que – decorrência, aliás, de uma das características do direito romano: ser infenso às 51 ALVES, José Carlos Moreira. Ibidem p. 183/184 28 modificações abruptas – cada um desses sistemas não foi abolido, imediata e radicalmente, pelo que lhe sucedeu. Ao contrário, a substituição foi paulatina: assim, por exemplo, surgido o processo formulário, o sistema das ações da lei continuou a vigorar a seu lado, mas, a pouco e pouco caiu em desuso.”52 Por conseguinte, a arbitragem foi de fundamental importância para o direito romano, constituindo, até o final do século III d.C., o principal meio de solucionar conflitos. Com efeito, leciona Sálvio de Figueiredo Teixeira: “Os romanos, porém, somente no final do século III d.C., já no período pós-clássico, imperial, quando da chamada cognitio extraordinaria (ou extra ordinem), viriam a estabelecer a Justiça oficial, e com ela o juiz estatal, o que se deu no momento em que o magistrado romano, mais alto funcionário, mas até então sem poder jurisdicional, houve por bem chamar a si a responsabilidade de solucionar o litígio entre as partes em nome do Estado, missão que até então era exercida por um terceiro, particular, árbitro portanto, escolhido pelos próprios contendores ou por indicação do magistrado.”53 Nesse sentido, José Carlos Moreira Alves classifica os dois primeiros sistemas (o legis actiones e o per formulas) na terceira fase da evolução traçada, ou seja, a do arbitramento obrigatório54. Neles, vigorou o ordo iudiciorum privatorum, sistema bifásico cujas origens históricas remontam à realeza romana (754 a.C.)55. É assegurado, por um lado, in iure, 52 ALVES, José Carlos Moreira Alves. Op Cit, p. 182/183 53 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro in GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 22 54 ALVES, José Carlos Moreira. Op Cit, p. 184 55 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Op Cit, p. 25 29 desenvolvendo-se diante do magistrado e, por outro, apud iudicem, diante de um iudex, que é um particular e não um funcionário. Imperioso, portanto, trazer à colação os ensinamentos do ilustre professor Pedro A. Batista Martins: “Os romanos criaram o iudicium privatum (lista de nomes de ciadadãos idôneos – judex) que tinha por objeto dirimir, extrajudicialmente, questões resultantes de negócio jurídico entre seus nacionais. O cumprimento da decisão era garantido pelo Estado que a executava, caso o vencido não a acatasse.”56 E acrescenta: “A tutela jurisdicional, em Roma, pois, era dividida entre o magistrado (cônsul, pretor, procônsul, edil etc.) e o judex; aquele, revestido de imperium, e este, cidadão comum, limitava-se a consagrar o direito entre as partes, deixando ao interessado, com apoio estatal, a obrigação de assegurá-lo.” Portanto, o sistema da cognitio extraordinaria reuniu, na pessoa do magistrado, as duas etapas: in iure e in iudice. O processo se desenvolvia integralmente diante dos magistrados que o conduziam e decidiam, ao final, a lide. Esse sistema atravessou os séculos evoluindo para o que se experimenta atualmente. O magistrado, no entanto, devia respeitar a eventual cláusula compromissória que obrigasse, contratualmente, a solução dos conflitos advindos da relação entre as partes por um arbitro escolhido por elas. 56 MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p.36 30 IDADE MÉDIA A queda do Império Romano do Ocidente, por convenção datada de 476 d.C., resulta do declínio econômico, militar e da fragmentação da unidade do Império, favorecendo as invasões bárbaras. Tal situação, contudo, deu novo impulso à arbitragem facultativa, pois, conforme leciona Pedro Martins: “os habitantes das localidades invadidas, para fugir à aplicação compulsória do direito dos invasores, optavam por dirimir suas contendas via arbitragem, onde as regras legais poderiam ser livremente escolhidas, tornando-se esse instituto meio apropriado para adotar normas jurídicas aceitas e conhecidas dos compromitentes”57 Outrossim, a Europa Medieval conheceu uma efervescência na sua organização, resultado da fraqueza dos Estados. Os feudos, unindo suseranos e vassalos, se formaram em prol da defesa contra invasões e pilhagens. Com eles multiplicaram-se as regulamentações jurídicas levando à pluralidade normativa num mesmo território incitando. Ora, com o desenvolvimento das relações comerciais entre os feudos, surgiram os burgos: centros de mercantilismo no seio dos feudos localizados nas intersecções das rotas comerciais. Nesse particular, 57 MARTINS, Pedro A. Batista. Op. Cit, p. 36/37 31 A Igreja, por sua vez, consolidou e fortaleceu sua influência, inclusive no campo da arbitragem obrigatória. Várias partes da Europa possuíam decretos atribuindo aos eclesiásticos o conhecimento de determinados tipos de causas, como partilha, tutela ou questões entre clérigos e leigos58. Sodré salienta, ainda, que a arbitragem eclesiástica recebeu regulamentações do Direito Canônico e foi positivada no Codex Iuris Canonici. Ressalta, também, duas correntes acerca das principais causas de desenvolvimento arbitral da Idade Média 59. A primeira, capitaneada por Carlos Alberto Carmona, aponta a ausência ou excessiva dureza das leis; a falta de garantias jurisdicionais; a variedade de ordenamentos; a fraqueza dos Estados; e os conflitos entre Estado e Igreja. A segunda, dirigida por Guido Fernando Silva Soares, indica a reiterada prática arbitral no seio da Igreja; as arbitragens intermunicipais, como forma de escapar à jurisdição do Sacro-Império Romano Germânico; e a estrutura social estanque e hierarquizada. SOCIEDADE MODERNA A ascensão das monarquias absolutistas e respectiva retomada da força coercitiva estatal selou um período de retomada da tutela das relações interpessoais pelo poder público. Pedro Batista Martins salienta 58 SODRÉ, Antonio. Op. Cit, p. 110 59 SODRÉ, Antonio. Op. Cit, p. 111 32 que o “instituto sofreu um refluxo considerável no transcorrer dos séculos XVI e XVII, tendo sido retomada sua prática a partir do final do século XVIII”60. BRASIL: da independência à lei 9.307/96 Declarada a independência, em 1822, o Brasil iniciou a redação de sua legislação própria. A arbitragem voluntária encontrou, no âmbito do direito privado pátrio, sua primeira previsão legal já na Constituição Imperial de 1824,61 in verbis: “Art. 160 – Nas civeis e nas penaes civilmente intentadas poderão 60 MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p. 37 61 DOLINGER, Jacob. Op Cit, p. 20 33 as partes nomear juizes arbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim convencionarem as mesmas partes” Nesse contexto, a previsão da arbitragem compulsória também avançou. Legislações extravagantes referentes aos seguros e à locação de serviços, editadas nos anos de 1831 e 1837, respectivamente, continham determinação quanto à arbitragem obrigatória62. Nessa esteira, o Código Comercial de 1850 trouxe matérias que também possuíam obrigação de arbitragem: questões resultantes contratos de locação mercantil (art. 245), que envolvesse matéria societária em geral (art. 294), liquidação de sociedades (art. 348), naufrágios (art. 739), avarias (783) e quebras (art. 846)63. No mesmo ano, o decreto 737 estabeleceu as regras de processo e arbitragem envolvendo questões comerciais. Curioso ressaltar que não havia liberdade nem quanto à lei aplicável, nem quanto à utilização do princípio da equidade. Com efeito, dispõe o referido diploma legal que é obrigatória a aplicação da lei pátria: “Art. 1°. Todo o Tribunal ou Juiz que conhecer dos negócios e causas commerciaes, todo o arbitro ou arbitrador, experto ou perito que tiver de decidir sobre objectos, actos, ou obrigações commerciaes, é obrigado a fazer applicação da legislação commercial aos casos occurrentes (art. 21 Tit. único do Código Commercial).” 64 62 MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p.43 63 DOLINGER, Jacob. Op. Cit, p.20/21 64 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103248/decreto-737-50 34 Tal imposição também abrange contratos assinados no estrangeiro, mas executados no Brasil: “Art. 4º. Os contratos commerciaes, ajustados em paiz estrangeiro mas exequiveis no Imperio, serão regulados e julgados pela legislação commercial do Brazil.”65 No entanto, a arbitragem obrigatória foi extinta com a Lei 1.350 de 1866 e, no ano seguinte, o Decreto 3.900 regularizou o juízo arbitral do comércio66. Dolinger leciona que este último diploma legal foi responsável pelo total esvaziamento dos efeitos da cláusula compromissória, na medida em que previu, em seu art. 9° que “a cláusula compromissória, sem a nomeação de árbitros, ou relativa a questões eventuais não vale senão como promessa, e fica dependente para sua perfeição e execução de novo e especial acordo das partes, não só sobre os requisitos do art. 8°, senão também sobre as declarações do art. 10”67, ou seja: sobre os requisitos essenciais e facultativos do compromisso. Assim, o compromisso, firmado após o conflito a ser solucionado, torna-se o único meio de ingressar no juízo arbitral, tolhendo praticamente todo o interesse da cláusula compromissória. Em 1895, a primeira Constituição Brasileira republicana não tratou da arbitragem entre particulares, mas tão somente Estados soberanos como forma de pacificação de conflitos68. 65 ibidem 66 DOLINGER, Jacob, Op. Cit, p. 21 67 DOLINGER, Jacob.Op Cit, p.21 68 MARTINS, Pedro A. Batista. Op Cit, p.43 35 Contudo, a arbitragem foi abordada pelo Código Civil de 1916 (arts. 1.037-1.048) e pelos Códigos de Processo Civil de 1929 (arts. 1.031-1046) e de 1973 (arts. 1.072-1.102). Em seus comentários ao Código de Processo Civil de 1973, Hamilton de Moraes e Barros ilustra a corrente dominante na época: “Sendo o juízo arbitral um dos substitutivos da jurisdição estatal, com força até de estancá-la, se já em exercício, não poderia o Estado deixar ao livre capricho dos particulares e dos árbitros a amplitude, composição, funcionamento, validade e eficácia dessa jurisdição extra-estatal. Vem daí a sua disciplina, onde há um mínimo irrenunciável de normas em proveito da sua segurança e da garantia do direito das partes”69 As normas arbitrais, atualmente regidas pela lei 9.307/96, representam esse mínimo irrenunciável. Porém, antes de sua vigência, não apenas a cláusula arbitral era vista como uma imposição incompatível com o princípio de que a jurisdição estatal não pode ser afastada, como também o laudo arbitral, após o compromisso, ainda necessita da homologação judicial para atingir sua plenitude e poder ser executado (o que ocorria no juízo que homologou o laudo, convertendo-o em título executivo judicial). Conseqüentemente, os mais de cento e vinte anos que separam o Decreto 3.900/1867 da Lei 9.307/96 foram marcados pela adoção, no Brasil, da corrente defensora da natureza privatista da arbitragem. Nesse diapasão, Jacob Dolinger e Carmen Tiburcio salientam que as principais características da arbitragem no plano interno, antes da Lei 9.307/96 são: “1) Distinção entre cláusula compromissória e compromisso; 2) Necessidade de homologação do laudo arbitral pela autoridade 69 BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil – volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 462/463 36 judiciária.” E acrescenta: “Assim, a cláusula compromissória, contida em contrato, prevendo a submissão de qualquer litígio à arbitragem, não configurava garantia de instauração do juízo arbitral. Para tanto, era o compromisso que obrigava sua realização efetiva, representando a manifestação da vontade das partes pela efetiva realização da arbitragem, após o surgimento do litígio. Este critério decorria da imposição legal de ser especificado o objeto do litígio (Decreto n° 3.900, art. 8°; CC de 1916, art. 1.039; CPC, art. 1.074, II) dificultava, quando não impossibilitava, a celebração de compromisso simultaneamente ao contrato.”70 No plano internacional, deve-se considerar que o Brasil foi signatário do Protocolo de Genebra de 1923, ratificado em 1932. O referido protocolo dispõe, dentre outros, sobre a validade da cláusula arbitral nos contratos internacionais. Por conseguinte, as restrições quanto ao uso da cláusula arbitral no ordenamento jurídico interno, não se estendem aos contratos internacionais ou, pelo menos, não deveria. Nesse sentido leciona João Bosco Lee: “No tocante às arbitragens internacionais havia uma lacuna deixada pelo próprio legislador pátrio, lacuna essa que veio a ser suprida pela ratificação do Protocolo de Genebra. Com efeito, o Protocolo integrou-se ao ordenamento jurídico nacional para as arbitragens de caráter internacional. E esse caráter pode ser tanto econômico quanto jurídico. Vale lembrar que para que, o Protocolo seja aplicável, exige-se que a matéria discutida seja de cunho comercial, uma vez que o Brasil fez a reserva de comercialidade, ou seja, que o Protocolo somente seria aplicável às questões comerciais. 70 DOLINGER, Jacob. Op cit, p.22 37 Mas, se, de um lado, a doutrina brasileira defendia unanimemente a validade do Protocolo, no direito interno brasileiro, por outro sua aplicação foi relegada ao ostracismo, seja por desconhecimento das partes que não o invocavam, seja pela conhecida resistência das Cortes brasileiras em reconhecer uma prática arbitral implicando a aceitação de sua incompetência para dirimir determinados conflitos. Destarte, durante quase seis décadas, o Protocolo jamais teve qualquer repercussão na jurisprudência.”71 O doutrinador salienta, ainda, que somente em 1990 o Superior Tribunal de Justiça fundou sua decisão no referido protocolo 72. Com efeito, nos autos do REsp 616/RJ73 fora discutida a legalidade da homologação judicial de laudo decorrente de cláusula arbitral em contrato comercial internacional. Vencido o relator, decidiram os Ministros pela desnecessidade de firmar novo compromisso para instrução arbitral: “CLAUSULA DE ARBITRAGEM EM CONTRATO INTERNACIONAL. REGRAS DO PROTOCOLO DE GENEBRA DE 1923. 1. NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS SUBMETIDOS AO PROTOCOLO, A CLAUSULA ARBITRAL PRESCINDE DO ATO SUBSEQUENTE DO COMPROMISSO E, POR SI SO, E APTA A INSTITUIR O JUIZO ARBITRAL. 2. ESSES CONTRATOS TEM POR FIM ELIMINAR AS INCERTEZAS JURIDICAS, DE MODO QUE OS FIGURANTES SE SUBMETEM, A RESPEITO DO DIREITO, PRETENSÃO, AÇÃO OU EXCEÇÃO, A DECISÃO DOS ARBITROS, APLICANDO-SE AOS MESMOS A REGRA DO ART. 244, DO CPC, SE A FINALIDADE FOR ATINGIDA. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA." 71 FILHO, Cláudio de Melo Valença/ LEE, João Bosco. Estudos de Arbitragem. Curitiba: Juruá, 2009, 72 ibidem p.60 73 REsp 616/RJ. Rel. Claudio Santos, Rel. acórdão Gueiros Leite. Terceira Turma. Julgado em 24/04/1990. Publicado no DJ 13/08/1990 p. 7647. 38 A referida decisão foi um marco importante para o direito internacional privado brasileiro sendo destacada em diversos informativos especializados como a 7ª edição da Revue de Droit des Affaires Internationales74. Em 2005, o Protocolo de Genebra foi citado em outra decisão daquela Colenda Corte75, sedimentando a jurisprudência sobre a força da cláusula arbitral. Porém, a grande revolução ocorreu com a entrada em vigor da Lei de Arbitragem (Lei n° 9.307/96). Contudo, para melhor captar sua dimensão no comércio internacional, é necessário ter em mente, pelo menos, o instituto que inspirou sua criação, a CNUDCI. Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI / UNCITRAL) 74 75 LEE, João Bosco. Op Cit, p.61 REsp 712566/RJ, Rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 18/08/2005, Publicado no DJ 05/09/2005 p. 407. 39 Diversos institutos buscam harmonizar ou unificar, a nível global, as normas, práticas e costumes do Comércio Internacional. Merece menção, por exemplo, a Conferência de Haia de Direito Internacional Privado76 – reunida pela primeira vez em 1896 – se tornou uma organização intergovernamental em 1951. O Brasil promulgou o Estatuto da CHDIP pelo Decreto 3.832/2001. Destaca-se, também, o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado77 (UNIDROIT). Criado em 1926 pela iniciativa do governo italiano e da Sociedade das Nações (SDN), antecessora da Organização das Nações Unidas (ONU), elaborou diversos trabalhos de maior relevância78, incorporados nas práticas das câmaras comerciais e arbitrais internacionais. Contudo, se na década de sessenta já existia certa harmonização e unificação do direito internacional privado em andamento, elas se davam em setores limitados da economia e reuniam um número muito limitado de países. Havia, portanto, uma lacuna. Faltava legitimidade e abrangência. Nesse sentido, lecionam Jacquet, Delebecque e Corneloup: “cette entreprise présentait au moins deux points faibles; d’abord elle avait été limitée à des secteurs spéciaux d’activité et ensuite elle n’avait réuni qu’un nombre restreint de pays ; en étaient trop souvent restés à l’écart les pays à économie planifiée et les pays 76 JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Droit do Commerce International. Paris : Dalloz, 2007, p. 96 77 78 ibidem O UNIDROIT participou, por exemplo, dos trabalhos da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI/UNICITRAL), resultantes na Convenção de Viena sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias (CISG - United Nations Convention on Contracts for International Sale of Goods), de 21 de abril de 1980. Ainda que não haja conflitos de grande magnitude entre os diplomas legais nacionais e a referida Convenção, o Brasil não a subscreveu. 40 en voie de développement. Il apparaissait donc souhaitable qu’un organisme jouissant d’une autorité mondiale puisse prendre en charge les problemes du droit du commerce international."79 Assim, em 17 de dezembro de 1966, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Resolução 2205 que instituiu, com força permanente, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDCI80 ou UNCITRAL81). Os doutrinadores supracitados salientam que, apesar da previsão inicial da CNUDCI sugerir que ela atuasse como coordenadora, a Resolução 2205 insistiu que a Comissão devesse atuar, também, como formuladora do Direito Comercial Internacional82. Por conseguinte, seu objetivo é de melhorar e facilitar o comércio através de trabalhos direcionados à harmonização e à modernização progressiva do Direito Comercial Internacional. O Guia da CNUDCI dispõe que: “Son mandat est d’encourager l’harmonisation et la modernisation progressives du droit commercial international en élaborant des instruments, législatifs ou non, dont la Commission encourage l’utilisation et l’adoption dans un certain nombre de domaines clefs du droit commercial: le règlement des différends, les pratiques en matière de contrats internationaux, les transports, l’insolvabilité, le commerce électronique, les paiements internationaux, les opérations garanties, la passation de marchés et la vente de marchandises." 83 79 JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Op Cit, p. 95 80 Commission des Nations Unies pour le droit commercial international 81 United Nations Commission on International Trade Law 82 JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Op Cit, p. 95 83 Guide de la CNUDCI - L’essentiel sur la Commission des Nations Unies pour le droit commercial international. Viena : Nações Unidas, 2007, p. 1 41 Desse modo, a atividade da Comissão passa pela elaboração de programas de trabalho, coordenação e promoção de trabalhos conjuntos com outras organizações, assistência técnica sobre reforma legal, publicação de material didático e informativo. Contudo, são as técnicas de modernização e harmonização do direito comercial internacional que possuem a maior relevância para a Comissão. Elas se dividem em três categorias: legislativas, contratuais e explicativas. A primeira categoria é formada pelas Convenções; Leis Modelo; Guias legislativos e recomendações; Disposições Modelo; e pelas Interpretações Uniformes dos textos legislativos (apanhado de jurisprudência acerca dos textos da Comissão). Cada qual atende uma necessidade. As Convenções84 representam o meio mais rígido de atuação. Elas afetam diretamente a legislação dos Estados que a ratificam. Por ser o instrumento mais rigoroso e formal do qual dispõe a UNCITRAL, ele envolve questões que necessitam e permitem um elevado nível de coesão. Salvo quando permite o uso de ressalvas, a Convenção deixa pouca margem de manobra aos aderentes. Seu trâmite é o mais complexo, pois envolve toda uma complexa ritualística interna dos países aderentes até que tenha força de aplicação. A Lei Modelo85 é um instrumento mais maleável na homogeneização dos direitos. Trata-se de um texto de recomendações para 84 « La CNUDCI a élaboré les conventions suivantes: la Convention sur la prescription en matière de vente internationale de marchandises (1974); la Convention des Nations Unies sur le transport de marchandises par mer (1978); la Convention des Nations Unies sur les contrats de vente internationale de marchandises (1980); la Convention des Nations Unies sur les lettres de change internationales et les billets à ordre internationaux (1988); la Convention des Nations Unies sur la responsabilité des exploitants de terminaux de transport dans le commerce international (1991); la Convention des Nations Unies sur les garanties indépendantes et les lettres de crédit stand-by (1995); la Convention des Nations Unies sur la cession de créances dans le commerce international (2001); et la Convention des Nations Unies sur l’utilisation de communications électroniques dans les contrats internationaux (2005) » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 14 85 « La Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international (1985) a été la première loi type adoptée par la Commission. Elle a été suivie de la Loi type de la CNUDCI sur les virements internationaux (1992); de la Loi type de la CNUDCI sur la passation des marchés de biens, de travaux et de services avec son guide pourl’incorporation (1994); de la Loi type de la CNUDCI sur le commerce électronique avec son guide 42 que os Estados adaptem-no às suas realidades. Apresentando um modelo de legislação contendo os principais dispositivos que as legislações pátrias deveriam conter ou, ao menos, se espelhar. Ela deve servir de inspiração aos países para que adotem seus preceitos nas legislações. Os Guias Legislativos e Recomendações86 são redigidos quando existe uma resistência maior entre os Estados, seja quanto ao tema discutido, seja quanto à forma como ele é abordado, impossibilitando a adoção de Convenções ou Leis Modelo. Outra vantagem dessa técnica legislativa consiste na possibilidade de se discutir soluções específicas, sem generalizá-las. Poderão, assim, ser elaboradas variações das recomendações gerais, em função das diversas alternativas e abordagens possíveis, avaliando suas vantagens e inconvenientes. Outrossim, os Estados podem solicitar recomendações para avaliar a adequação de suas leis e regulamentos, ou, ainda, para atualizá-las. As Disposições Modelo servem para unificar e modernizar uma matéria objeto de diversas Convenções87. No entanto, podem, igualmente, servir para completar um dispositivo de uma convenção88. pour l’incorporation (1996); de la Loi type de la CNUDCI sur l’insolvabilité internationale avec son guide pour l’incorporation (1997); de la Loi type de la CNUDCI sur les signatures électroniques avec son guide pour l’incorporation (2001); et de la Loi type de la CNUDCI sur la conciliation commerciale internationale avec son guide pour l’incorporation (2002) » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 15/16 86 « La première recommandation législative de la CNUDCI a été adoptée en 1985 pour stimuler l’examen des dispositions législatives relatives à la valeur juridique des enregistrements informatiques. En 2000, la CNUDCI a adopté le Guide législatif sur les projets d’infrastructure à financement privé et le Guide législatif sur le droit de l’insolvabilité en 2004.» Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 16 87 « En 1982, par exemple, la CNUDCI a élaboré une disposition type établissant une unité de compte universelle de valeur constante qui pourrait être utilisée, en particulier, dans les conventions sur le transport international et la responsabilité internationale pour exprimer des quantités en termes monétaires. Dans le même temps, la Commission a adopté deux variantes de dispositions types pour l’ajustement d’un montant fixé dans une convention internationale: une clause modèle d’indice des prix et une procédure de modification modèle pour une limite de responsabilité. » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 17 88 « La Convention des Nations Unies sur la cession de créances dans le commerce international (2001) contient une annexe (de dispositions de droit matériel optionnelles) qui complète les règles de conflit de droit de la Convention traitant des questions de priorité. En 2003, la CNUDCI a adopté les Dispositions législatives types sur les projets d’infrastructure à financement privé qui complètent le guide législatif sur le même sujet. » Guide de la CNUDCI. ibidem 43 A última modalidade de técnica legislativa repousa na Interpretação Uniforme dos Textos Legislativos. Trata-se de um apanhado jurisprudencial sobre os textos da CNUDCI denominado CLOUT (Case Law on UNCITRAL Texts). Introduzido em 1988, ele é fruto de um sistema baseado na coleta e difusão de informações sobre decisões judiciais e laudos arbitrais envolvendo os textos legislativos da Comissão graças à atuação de correspondentes. A segunda categoria de técnicas de harmonização, denominada contratual, é de fundamental importância para o funcionamento da Comissão na análise e elaboração das melhores práticas contratuais. É um processo de normalização das cláusulas modelo ou uniformes, de forma geral. O objetivo é possibilitar a identificação de questões que devem ser abordadas nas cláusulas contratuais e evitar eventuais nulidades: “Il permet d’identifier toutes les questions que les parties devraient aborder dans ces clauses ou règles, de s’assurer que la clause produira des effets et ne sera pas (comme cela arrive parfois dans le cas des conventions d’arbitrage) pathologique et donc nulle ou sans effet, et de fournir des solutions internationalement reconnues et actuelles à des questions spécifiques."89 Nesse sentido, a Comissão adotou, em 28 de abril de 1976, o Regulamento da Arbitragem, o qual apresenta um conjunto detalhado de regras e procedimentos que podem ser adotadas pelas partes na condução de um procedimento arbitral. Essencialmente, propõe um modelo de cláusula compromissória e cobre os aspectos do procedimento arbitral como nomeação dos árbitros, desenvolvimento interpretação da sentença arbitral. 89 Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 18 do procedimento, efeito e 44 O terceiro e último pilar de nivelamento das práticas comerciais, formado pelas técnicas explicativas, se subdivide em Guias Jurídicos e Declarações Interpretativas. Os Guias Jurídicos90 concedem explicações sobre a redação de contratos. Podem, ainda, tratar de assuntos do interesse dos legisladores e autoridades regulamentadoras. Eles se justificam pela desnecessidade ou impossibilidade de criação de um conjunto de regras contratuais modelo. O Guia da CNUDCI indica como exemplo os contratos de trabalho: "Les parties négociant des contrats internationaux complexes, comme les contrats de travaux, rencontrent souvent des difficultés lors de la négociation et de la rédaction de clauses contractuelles appropriées par manque de compétences spécifiques, de moyens ou de documents de référence. Du fait que ces contrats doivent être adaptés aux circonstances de l’affaire, il est normalement impossible d’élaborer un contrat type dont le texte pourrait être utilisé dans un nombre suffisant d’affaires pour justifier le coût de son élaboration. Par contre, les parties peuvent s’aider d’un guide juridique qui aborde différentes questions essentielles pour la rédaction d’un type de contrat particulier, examine différentes solutions à ces questions, décrit les implications, les avantages et les inconvénients de ces solutions et recommande l’utilisation de certaines solutions dans des circonstances particulières. De tels guides juridiques peuvent également contenir des exemples de clauses contractuelles pour illustrer des solutions particulières."91 As Declarações Interpretativas, por sua vez, servem para proporcionar uma interpretação uniforme de algum texto, ou grupo de textos. Geralmente, elas são necessárias quando ocorrem mudanças nas práticas 90 « Le premier a été le Guide juridique de la CNUDCI pour l’établissement de contrats internationaux de construction d’installations industrielles (1987), qui a été suivi du Guide juridique de la CNUDCI pour les opérations d’échanges compensés (1992) et de l’Aide-mémoire de la CNUDCI sur l’organisation des procédures arbitrales (1996). » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 19 91 Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 19 45 comerciais, tecnológicas, ou advento de jurisprudências divergentes. Efetivamente, qualquer fator que tenha incidência sobre a aplicação de um texto é susceptível de ser objeto desta modalidade técnica. Dispõe o Guia da Comissão que: "Un tel instrument pourrait être particulièrement utile lorsque la modification du texte d’une convention risque de poser des problèmes techniques importants. La possibilité d’utiliser cette technique a été examinée dans le contexte de l’exigence d’un écrit énoncée au paragraphe 2 de l’article II de la Convention pour la reconnaissance et l’exécution des sentences arbitrales étrangères (New York, 1958) et plus généralement dans le contexte de l’interprétation du paragraphe 1 de l’article VII de cette convention. Elle a également été discutée dans le cadre du commerce électronique et de l’opportunité d’interpréter un certain nombre d’instruments de droit commercial international en se référant à la Loi type de la CNUDCI sur le commerce électronique. La question de l’interprétation a pu être résolue par l’application d’un instrument différent, à savoir l’article 20 de la Convention des Nations Unies sur l’utilisation de communications électroniques dans les contrats internationaux (2005)." Assim, o texto supracitado, após elencar as razões de sua edição, traz duas recomendações: "1. Recommande qu’on applique le paragraphe 2 de l’article II de la Convention pour la reconnaissance et l’exécution des sentences arbitrales étrangères conclue à New York, le 10 juin 1958, en reconnaissant que les cas s’y trouvant décrits ne sont pas exhaustifs; 2. Recommande également que le paragraphe 1 de l’article VII de la Convention pour la reconnaissance et l’exécution des sentences arbitrales étrangères conclue à New York, le 10 juin 1958, soit appliqué pour permettre à toute partie intéressée de se prévaloir des droits qu’elle pourrait avoir, en vertu de la législation ou des traités du pays où une convention d’arbitrage est invoquée, de demander que soit reconnue la validité de cette convention." 46 Quanto à organização da Comissão, ela possui, atualmente, sessenta Estados Membros, eleitos pela Assembléia Geral por seis anos. A fim de preservar um fluxo de trabalho, as eleições ocorrem para metade das vagas, a cada três anos, intercaladamente92. O Brasil figurou dentre os membros da CNUDCI93 entre 1968 e1989, e entre 1995 e 2007. Ele participou ativamente da elaboração da Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1985. Trata-se de um dos textos mais importantes sobre o tema. Ele surge da discrepância entre as legislações nacionais em matéria arbitral. A disparidade entre elas causa insegurança e incerteza, nocivas ao desenvolvimento comercial entre os povos. Essas legislações, geralmente voltadas apenas para a arbitragem interna, não costumam suprir as necessidades clássicas do comércio internacional e, muito menos, as contemporâneas. Conceitos tradicionais locais são, assim, impostos às partes. Nesse sentido, dispõe a publicação da CNUDCI sobre a referida Lei Modelo que: "Les législations nationales obsolètes comportent souvent des 92 « Conformément à la résolution 2205 (XXI) de l’Assemblée générale en date du 17 décembre 1966, les membres de la Commission sont élus par l’Assemblée générale pour une période de six ans, le mandat de la moitié d’entre eux prenant fin à l’expiration d’une période de trois ans. Par sa résolution 3108 (XXVIII) du 12 décembre 1973, l’Assemblée générale a porté de 29 à 36 le nombre des membres de la Commission. Le mandat des membres élus à la quarante-neuvième session de l’Assemblée générale a pris effet le jour de l’ouverture de la vingt-neuvième session annuelle ordinaire de la Commission en 1996, et a pris fin le jour précédant l’ouverture de la trente-quatrième session annuelle ordinaire en 2001. Le mandat des membres élus à la cinquante-deuxième session de l’Assemblée générale a pris effet le jour de l’ouverture de la trente et unième session annuelle ordinaire de la Commission en 1998, et a pris fin le jour précédant l’ouverture de la trenteseptième session annuelle ordinaire en 2004. Par sa résolution 57/20 du 19 novembre 2002, l’Assemblée générale a porté le nombre des membres de la Commission de 36 à 60 États. Les membres ont été élus à la cinquante-huitième session de l’Assemblée générale en 2003, et leur mandat a pris effet le jour de l’ouverture de la trente-septième session annuelle ordinaire de la Commission en 2004. Afin de maintenir le système d’élection de la moitié des membres tous les trois ans, 13 de ces 24 nouveaux membres ont un mandat d’une durée de trois ans prenant fin le jour précédant l’ouverture de la quarantième session annuelle ordinaire en 2007, et 11 ont un mandat d’une durée de six ans prenant fin le jour précédant l’ouverture de la quarantetroisième session annuelle ordinaire en 2010, de sorte que sur les 60 membres de la Commission, la moitié verra son mandat prendre fin en 2007, et l’autre en 2010. » Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 31 93 Guide de la CNUDCI. Op Cit, p. 31 47 dispositions qui assimilent la procédure arbitrale à la procédure judiciaire et des dispositions fragmentaires qui ne traitent pas toutes les questions de droit matériel pertinentes. Même la plupart des lois qui paraissent à jour et complètes ont été conçues essentiellement, sinon exclusivement, dans l’optique d’un arbitrage national. Cette approche est compréhensible, puisque aujourd’hui encore l’essentiel des litiges régis par le droit de l’arbitrage est de caractère strictement interne; il en résulte malheureusement que des concepts traditionnels locaux sont imposés pour des affaires internationales et que les besoins de la pratique moderne ne sont généralement pas satisfaisants. Les attentes des parties telles que celles-ci les ont exprimées en optant pour un règlement d’arbitrage ou en concluant une convention d’arbitrage “particulière” peuvent être déçues, surtout du fait de dispositions impératives prévues dans la loi applicable. Des restrictions inattendues et indésirables imposées par les lois nationales peuvent empêcher les parties par exemple de soumettre des différends futurs à l’arbitrage, de choisir librement l’arbitrage ou de subordonner la conduite de l’arbitrage à des règles de procédure convenues sans que les tribunaux étatiques interviennent plus qu’il n’est indispensable. Les attentes des parties risquent aussi d’être déçues du fait de dispositions supplétives qui peuvent leur imposer des conditions indésirables si elles n’ont pas eu la vigilance de prévoir des dispositions contraires lors de la rédaction de leur convention d’arbitrage. Même l’absence de disposition législative peut créer des diffi cultés en laissant tout simplement sans réponse certaines des nombreuses questions de procédure qui se posent dans un arbitrage et ne sont pas toujours réglées par la convention d’arbitrage. La Loi type est destinée à réduire le risque de telles déceptions, difficultés ou surprises." 94 No texto, foram previstos, essencialmente, um regime procedimental especial para a arbitragem comercial internacional, a convenção de arbitragem, a composição do tribunal arbitral e sua competência, o procedimento arbitral, o pronunciamento da sentença e 94 Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international : 1985 avec les amendements adoptés en 2006. Viena : Nações Unidas, 2008, p.26/27 48 encerramento do procedimento, o recurso contra a sentença arbitral e, por fim, o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais. Portanto, a Lei Modelo sobre arbitragem vem atingindo seu objetivo, na medida em que serviu como base para a legislação de diversos países95. Curiosamente, os brasileiros não figuram na lista de aderentes, mesmo após a entrada em vigor da nova lei de arbitragem. Cumpre destacar que a referida lei pátria foi diretamente inspirada pela Lei Modelo. Entretanto, somente figuram na aludida lista os países que a incorporam, sem ressalvas, no direito nacional e possibilitam seu fiel cumprimento. Apesar de a lei nacional ser salutar e representar um avanço monumental na mentalidade brasileira, ela não alcançou a exatidão necessária em sua redação a ponto de refletir a Lei Modelo em toda sua extensão. Uma das lacunas mais salientes deixadas pelo dispositivo legal tupiniquim está na omissão acerca de sua aplicação nos litígios internacionais. A lei pátria não aborda os elementos de conexão. De fato, a única menção de internacionalidade está no capítulo que trata da homologação de sentença arbitral estrangeira. Outra omissão é referente à língua utilizada no procedimento arbitral (art. 22 da Lei Modelo). Contudo, os referidos diplomas legais não são antagônicos. Ao contrário, estão praticamente alinhados. A lei pátria atende os litígios arbitrais 95 « Des textes législatifs fondés sur la Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international telle qu’adoptée en 1985 ont été adoptés dans les pays et territoires suivants: Allemagne (1998), Arménie (2006), Australie (1991), Autriche (2005), Azerbaïdjan (1999), Bahreïn (1994), Bangladesh (2001), Bélarus (1999), Bulgarie (2002), Cambodge (2006), Canada (1986), Chili (2004), Chine (Région administrative spéciale de Hong Kong (1996) et Région administrative spéciale de Macao (1998)), Chypre, Croatie (2001), Danemark (2005), Égypte (1996), Espagne (2003), Estonie (2006), États-Unis d’Amérique (États de Californie (1996), Connecticut (2000), Illinois (1998), Louisiane (2006), Oregon et Texas), ex-République yougoslave de Macédoine (2006), Fédération de Russie (1993), Grèce (1999), Guatemala (1995), Hongrie (1994), Inde (1996), Iran (République islamique d’) (1997), Irlande (1998), Japon (2003), Jordanie (2001), Kenya (1995), Lituanie (1996), Madagascar (1998), Malte (1995), Maurice (2008 *), Mexique (1993), Nicaragua (2005), Nigéria (1990), Norvège (2004), Nouvelle-Zélande (1996, 2007*), Oman (1997), Ouganda (2000), Paraguay (2002), Pérou (1996), 2008*), Philippines (2004), Pologne (2005), République de Corée (1999), République dominicaine (2008), Royaume-Uni de Grande-Bretagne et d’Irlande du Nord (Écosse (1990) et Bermudes, territoire d’outremer du Royaume-Uni), Serbie (2006), Singapour (2001), Slovénie (2008 *), Sri Lanka (1995), Thaïlande (2002), Tunisie (1993), Turquie (2001), Ukraine (1994), Venezuela (République bolivarienne du) (1998), Zambie (2000) et Zimbabwe (1996). – * Indique une loi fondée sur le Texte de la loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international avec les amendements adoptés en 2006. » A/CN.9/674 – État des conventions et des lois types – 42è Session de la CNUDCI. Viena : Nações Unidas, 2009, p. 16/17 49 internacionais envolvendo conexão brasileira, principalmente quando interpretada sistematicamente com o Protocolo de Genebra de 1923 e com a Convenção de Nova York de 1958, a qual dispõe sobre a execução de sentença arbitral estrangeira (elaborada pela ONU antes da criação da CNUDCI, passou a ser administrada por esta). Ela foi ratificada e promulgada pelo Brasil em 2002. CONCLUSÃO A arbitragem comercial internacional, apesar de encontrar suas origens na mais remota antiguidade, se expandiu e retraiu diversas vezes ao longo da História. Nesse início de milênio, diante do aumento significativo das relações comerciais entre particulares a nível global, ganhou nova força. O Brasil finalmente se realinhou diante desse instituto após mais de 120 anos de obscuridade quanto à efetividade da autonomia da vontade. 50 Bibliografia RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2009, KNOEPFLER, François / SCHWEIZER, Philippe / OTHENIN-GIRARD, Simon. Droit International Privé Suisse. Berna : Staempfli, 2005 GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999 1 JESUS, Edgar A. de. Arbitragem – Questionamentos e Perspectivas. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 20031 SODRÉ, Antonio. Curso de Direito Arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008 1 MARTINS, Pedro A. Batista.Op Cit, p. 35/36 1 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano – volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1996 1 Enciclopédia Barsa Rio de Janeiro / São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1994 1 DOLINGER, Jacob / TIBÚRCIO, Carmen. Direito internacional privado: arbitragem comercial internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, GARCEZ, josé Maria Rossani. A arbitragem na era da globalização – coletânia de artigos de autores brasileiros e estrangeiros. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 22 1 BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil – volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 1977 1 FILHO, Cláudio de Melo Valença/ LEE, João Bosco. Estudos de Arbitragem. Curitiba: Juruá, 2009 1 JACQUET, Jean-Michel / DELEBECQUE, Philippe / CORNELOUP, Sabine. Droit do Commerce International. Paris : Dalloz, 2007 1 Guide de la CNUDCI - L’essentiel sur la Commission des Nations Unies pour le droit commercial international. Viena : Nações Unidas, 2007 1 Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial international : 1985 avec les amendements adoptés en 2006. Viena : Nações Unidas, 2008