multiletramento do professor de línguas

Transcrição

multiletramento do professor de línguas
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
MULTILETRAMENTO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS:
INTERFACES E PRÁXIS EM COMUNIDADES MÚLTIPLAS
Cristina Arcuri Eluf (UESB)1
[email protected]
Silvana Fernandes de Andrade(UESB)2
[email protected]
RESUMO: Segundo Veiga-Neto(2001), a Modernidade é como um tempo de intolerância às diferenças.
Nessa esteira, tem sido oneroso até mesmo para as agendas de LA, a exploração de temas atinentes à
ideologia e interculturalidade (KUMARAVADIVELU, 2006), bem como sua atuação efetiva em frentes
que contemplem as sociedades minoritárias, entendidas por Cavalcanti e César (2007) como populações
que estão às margens do poder hegemônico. Haja vista a aprendizagem de LI como um direito de todos,
uma prerrogativa do mundo pós-moderno, bem como um instrumento do qual o indivíduo pode se servir
para participar ativamente da sociedade a qual faz parte (RAJAGOPALAN, 2004), objetiva-se repensar a
docência em meio a conceitos como palavra, escola e, sobretudo, o papel da universidade, apresentando o
projeto de extensão Helpers - Comunidades Educacionais de Vitória da Conquista: Comunidade Bem
Querer, como alternativa à práxis do ensino de língua inglesa no ensino fundamental II.
PALAVRAS-CHAVE: Interculturalidade; Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa; Multiletramentos.
ABSTRACT: According to Veiga-Neto (2001), Modernity is like a time of intolerance to differences.
Thus, it has been burdensome even for Applied Linguistics agendas to approach themes with regard to
ideology and interculturality (KUMARAVADIVELU, 2006), as well as its effective action towards
minorities, viewed by Cavalcanti & César (2007) as communities which are at the suburbs of hegemonic
power. Once English learning is a right geared to everyone, prerogative of the postmodern world, as well
as a tool with which an individual may take advantage of to take active part in the society to which he
belongs (RAJAGOPALAN, 2004), it is aimed to rethink teaching in light of concepts such as word,
school and, mainly, the role university has to play, by introducing the Extension Project Helpers –
Educational communities of Vitória da Conquista: Bem-Querer Community, as an alternative to the
praxis of English teaching in Elementary schools.
KEYWORDS: Interculturality; English teaching and learning; Multiliteracy.
1
Doutorado e Mestrado em Letras Modernas – Língua Inglesa – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto de Língua Inglesa na Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia.
2
Especialização em Inglês como Língua Estrangeira pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras: Cultura, Educação e Linguagens
(PPGCEL). Bolsista FAPESB.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
255
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
1 Considerações iniciais
No intuito de fundamentar as bases da discussão empreendida aqui, delineamos
primeiramente, o contexto global em que o ensino e aprendizagem de línguas está
situado, para que então, em um segundo momento, apresentássemos a importância do
ensino de língua inglesa (LI) no tocante à visibilidade de comunidades que lutam por
reconhecimento e espaço, a exemplo da Comunidade do Bem Querer em Vitória da
Conquista, BA.
Dando seguimento, detemo-nos a repensar alguns conceitos primordiais,
respondendo à questão norteadora de como a educação em LI pode ser pensada, levando
em consideração o contexto de fatores de diversidade local e conectividade global cada
vez mais críticos (ROJO, 2013) e os impasses enfrentados até mesmo pela Linguística
Aplicada no tratamento de questões dessa natureza (KUMARAVADIVELU, 2006).
Como parte final da discussão, apresentamos a trajetória de um projeto de
extensão, bem como uma atividade de cunho praxista voltada para a importância do
vozeamento dos sujeitos oriundos de agrupamentos periféricos de Vitória da Conquista,
interior da Bahia.
2 Contextualização
A ideia de movimento e mudança é condição sine qua non para que a
humanidade se transforme. Contudo, conforme sinaliza Santos (2000),a atualidade tem
se revelado um momento singular, ímpar, “uma nova fase da história humana” deveras
divergente de todas as “ondas” e “levas” que a antecederam.
Esse momento histórico a que o teórico político Barber (1996) e o sociólogo
Ritzer (1993) intitulam como escola da homogeneização, tem sérios desdobramentos na
pós-contemporaneidade. Muito embora existam outras correntes de pensamento que
apontem para o recente surgimento de movimentos reversos à colonização, nascidos em
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
256
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
várias partes do mundo (GIDDENS, 2000), ou até mesmo para a confluência da
homogeneização e heterogeneização a um só tempo (APPADURAI, 1996), é possível
dizer que até o presente momento “as práticas culturais e as instituições ocidentais ainda
permanecem na posição de dirigentes do desenvolvimento cultural global”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 133).
Sob a égide da cultura de consumo, os padrões ocidentais norte-americanos
cristalizam-se por meio da hegemonia linguística (KUMARAVADIVELU 2006),
fazendo emergir aquilo que Freire (1987) intitula como “uma cultura tecida com a trama
da dominação”, a pedagogia das classes dominantes:
Nessa ânsia irrefreada de posse, desenvolvem em si a convicção de que lhes é
possível transformar tudo a seu poder de compra. Daí sua concepção
estritamente materialista da existência. O dinheiro é medida de todas as
coisas. E o lucro, seu objetivo principal (FREIRE, 1987, p. 25).
Não obstante, a informação tornou-se mercadoria de grande valia e cobiça,
considerando-se a importância que se atribui para quem se informa e faz bom manejo
das informações que adquire. Segundo Castells (2000) essa competência é cada vez
mais requisitada pelo mercado de trabalho, mais especificamente, que tem recrutado
pessoas com a capacidade de inovar e criar e gerar uma cadeia infinita de
conhecimentos a partir dos conhecimentos que tem.
Ainda no âmbito do trabalho, ao revisitar as teorias de Kalantzis e Cope (2006),
Rojo (2013) aponta para o fato de que a modernidade tardia não mais se organiza como
em outrora, baseando-se na linha de produção e consumo em massa, e requer, como
prerrogativa do pós fordismo, “um trabalhador multicapacitado e autônomo, flexível
para a adaptação à mudança constante”, de modo que novas habilidades lhe são exigidas
(KALANTZIS & COPE, 2006, p. 130 apud ROJO, 2013, p. 14).
Fruto da revolução tecnológica a que se refere Castells (2000), a comunicação
eletrônica, notadamente via Internet, a qual norteia as relações econômicas por meio do
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
257
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
uso do inglês, (KUMARAVADIVELU, 2006) tem, entre outras coisas, salientado a
relevância do conhecimento do idioma em questão.
3 Ensino de língua inglesa no ensino básico: balanços e perspectivas
Os Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental de Língua Estrangeira para
o terceiro e quarto ciclos (1998) ressaltam, entre outras coisas, a obrigatoriedade do
ensino de língua estrangeira a partir da 5ª série, 6º ano, em razão da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Apontam, igualmente, para a perspectiva
pragmática de aprendizagem da língua inglesa, tendo em vista o panorama que já se
revelava na época de sua escrita e a ampliação das possibilidades de se agir
discursivamente no “futuro” que aos jovens aguardava:
Essas características do mundo moderno têm, por certo, implicações
importantes para o processo educacional como um todo, e, particularmente,
para o ensino de línguas na escola. Se essas megatendências forem descrições
exatas do panorama futuro, é importante que se considere como preparar os
jovens para responderem às exigências do novo mundo. No que se refere ao
ensino de línguas, a questão torna-se da maior relevância (BRASIL, 1998, p.
38).
Todavia, o “futuro” vislumbrado pelo documento já assentou suas bases na
contemporaneidade, revelando que muito ainda há de se fazer em prol do ensino de
língua inglesa na preparação plena dos sujeitos, instrumentalizando-os para responder às
exigências da atualidade. A exemplo, é válido ressaltar que os Parâmetros em questão
ainda aludem à aprendizagem de línguas como algo compartimentado, secionado em
habilidades, sendo possível o ensino de uma ou duas delas em detrimento de outras,
vindo a valorizar a habilidade de leitura em detrimento das demais:
No Brasil, tomando-se como exceção o caso do espanhol, e o de algumas
línguas nos espaços das comunidades de imigrantes (polonês, alemão,
italiano etc.) e de grupos nativos, somente uma pequena parcela da população
tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
258
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
comunicação oral, dentro ou fora do país. Deste modo, considerar o
desenvolvimento de habilidades orais como central no ensino de Língua
Estrangeira no Brasil não leva em conta o critério de relevância social para a
sua aprendizagem. (...) o uso de uma língua estrangeira parece estar, em
geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer (BRASIL,
1998, p. 21).
Por razões que os próprios Parâmetros já previam, os cursos de idioma, nessa
esteira, tomaram fortemente a cena no Brasil, impulsionados de igual maneira pela
mercantilização do ensino a que Rajagopalan (2004, p. 12) se refere:
A demanda pelo aprendizado de inglês cresceu em proporções geométricas,
como fica evidenciado pelo estupendo número de escolas de idioma que se
proliferaram por todo o país, quase tão rapidamente quanto as filiais do MC
Donald’s. O conhecimento da língua é simplesmente pressuposto por
corporações multinacionais quando anunciam vagas de trabalho. E o público
em geral resignou-se há bastante tempo ao fato de que o inglês oferece um
passaporte para o sucesso profissional.
No entanto, a mercantilização da educação em línguas, sobretudo da língua
inglesa, traz consigo implicações muito sérias. Segundo o autor, “compreensivelmente,
cada vez mais pessoas ficam preocupadas quando se dão conta da expansão do inglês e
do modo arrogante e agressivo como essa língua é comercializada” (RAJAGOPALAN,
2004, p.12). Isso evidencia que a LI não é objeto de rejeição sumária, em muitos dos
casos, mas a sua imposição colonizadora o é. A comercialização irrefreada de que
também trata Freire, tem avançado sobre os mais variados setores da sociedade, a
exemplo da esfera educacional, portanto.
Por essa razão, educar para a língua inglesa e para o novo panorama que se
revela demanda, segundo Rojo (2013), uma epistemologia intercultural e uma
pedagogia do pluralismo: “Uma maneira particular de aprender e conhecer o mundo em
que a diversidade local e a proximidade global tenham importância crítica”
(KALANTZIS & COPE 2006, p. 130 apud ROJO 2013, p. 14)
Nessa esteira, fica evidente a relevância de uma docência engajada na mudança
social, na diversidade cultural e igualdade econômica através das tecnologias da(s)
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
259
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
escrita(s) e de outros modos de inscrição, cuja raiz está na Pedagogia dos
Multiletramentos.
3.1 Multiletramentos, interculturalidade e epistemes de margem
A noção de multiletramentos data de 1990, tendo surgido nos Estados Unidos,
na cidade de New Hampshire, mais conhecida como Nova Londres (COPE;
KALANTZIS, 2000).
O grupo de teóricos ali formado ficou mundialmente famoso, sob a alcunha de
Grupo de Nova Londres. Dentre as muitas questões abordadas, “a multiplicidade dos
canais de comunicação e a crescente diversidade linguística e cultural da atualidade”
(NEW LONDON GROUP, 1996, p. 60, tradução nossa) era foco de seus estudos e
atenção. Isso implica considerar, respectivamente, tanto o contexto global, a economia
global, quanto os seus desdobramentos, a exemplo das novas tecnologias. Trata-se,
portanto, de um campo atento e sensível às questões sociais e culturais.
No tocante ao ensino de línguas, é importante lembrar, contudo, que uma
abordagem intercultural nas salas de aula ainda é deveras cara às agendas de Linguística
Aplicada (LA) modernista, agarradas ao estruturalismo e modernismo, ao período o
qual se originaram.
Conforme salienta Kumaravadivelu (2006), muito embora hoje a Linguística
Aplicada explore o planejamento linguístico, evita ainda as questões atinentes à
ideologia, se esforçando “para preservar as macroestruturas da dominação linguística e
cultural” expressas também através da linguagem:
Apesar de argumentos persuasivos para apresentar um modo de LA que
“procura conectá-la a questões de gênero, classe social, sexualidade, raça,
etnia, cultura, identidade política, ideologia e discurso” (PENNYCOOK,
2001, p. 10), o campo continua a ignorar a proposição fundamental de que a
investigação em LA deve ser intercultural, interlinguística e interdisciplinar”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 139).
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
260
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Mas o que realmente se entende por Interculturalidade? Segundo Grima
Camilleri (2003, p. 10) compreende-se por interculturalidade “um outro nível de
conhecimento, composto também de habilidades cognitivas, afetivas e comportamentais
que permitem a transferência entre uma cultura e outra”. Conforme adverte a autora, seu
caráter dinâmico não deve ser confundido com os pressupostos do multiculturalismo,
pois este outro campo trata a cultura como um construto histórico e imutável, estático,
que pode ser adquirida por meio de informações a seu respeito.
Ademais, o trabalho no campo da interculturalidade torna-se ainda mais oneroso
quando pensado para as sociedades minoritárias, entendidas, por Cavalcanti e César
(2007, p. 45) como “populações que estão distantes do poder hegemônico”.
De acordo com as autoras, educar para esses contextos cultural e socialmente
complexos é ainda muito caro às agendas de LA no país no tocante a pouca afinação dos
instrumentos com a cultura local e os sujeitos de pesquisa. Mais urgente o é “quando se
trata da educação bilíngue e de seus movimentos por afirmação identitária e
autonomia”. (CAVALCANTI e CÉSAR, 2007, p. 47)
Devido à instabilidade discursiva inaugurada pela Pós Modernidade, Veiga Neto
(2001) salienta a necessidade criada pela própria sociedade de um retorno aos ideais
iluministas de organização social. Um verdadeiro retrocesso que, intitulado episteme de
ordem, faz questão de delimitar um grande abismo entre os arranjos sociais:
(...) a Modernidade é como um tempo de intolerância às diferenças, mesmo
que essa intolerância esteja encoberta e recalcada sob o véu da aceitação e da
possível convivência – nessa forma de racismo que se costuma chamar de
amigável. Vista a partir dessa perspectiva, a Modernidade caracteriza-se
como um tempo marcado pela vontade de ordem, pela busca de ordem
(VEIGA-NETO, 2001, p. 110).
Segundo o autor, ainda que a tentativa seja a de inclusão do outro, incorre-se no
erro da exclusão e no difícil diálogo da diversidade, muitas das vezes. À custa de
oposições, dicotomias, violências, relações de poder se solidificam: de um lado “os
anormais”, a que o autor caracteriza como “os sindrômicos, deficientes, monstros e
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
261
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
psicopatas (...), os surdos, cegos, aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os
estranhos e os GLS, os “outros”, os miseráveis, o refugo”; e do outro, o “normal”, que
“depende do anormal para a sua própria satisfação, tranquilidade e singularidade”
(VEIGA-NETO, 2001, p. 113).
As sociedades minoritárias, entendidas por Cavalcanti e César (2007, p. 45)
como os contextos de surdos, índios, imigrantes, descendentes e afro-brasileiros no
Brasil, podem ser pensadas, por extensão de sentido, como os “anormais”,
caracterizados por Veiga-Neto. Trata-se, é válido lembrar, de “populações que estão
distantes das fontes do poder hegemônico, embora, algumas vezes, sejam
numericamente majoritárias em relação à sociedade ou os grupos dominantes”,a
exemplo dos alunos de escolas públicas oriundos de bairros periféricos em todo o
Brasil.
Desse modo, uma vez que “a aprendizagem de uma língua estrangeira,
principalmente da língua inglesa, passa a ser uma exigência para que as pessoas
enfrentem essa rápida evolução e esse crescente desenvolvimento”, (LIMA, 2009, p. 09)
e torna-se igualmente imprescindível em espaços “onde as comunidades plurais
precisam lutar para serem viabilizadas e aceitas” (CAVALCANTI e CÉSAR, 2007, p.
47), é necessário um retorno à questão basilar que o New London Group (1996) já
empreendia em seus momentos iniciais: “O que (seria) uma educação apropriada para
todos no contexto de fatores de diversidade local e conectividade global cada vez mais
críticos?” (ROJO, 2013, p. 14).
4 Por um novo par de óculos
Levando-se em conta a complexidade do quadro contemporâneo, Moita Lopes
(2008) sugere que a Linguística Aplicada deva utilizar um novo par de óculos,
rediscutindo, trazendo a tona posicionamentos mais críticos, engajados com a realidade
social.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
262
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Desse modo, foram elencados alguns conceitos para revisitação. O papel da
palavra, a priori. Mais do que um mero instrumento na tessitura das relações sociais, ela
carrega consigo a peculiaridade e o exclusivismo humano como condição ao seu acesso,
bem como a possibilidade real de materialidade do enunciado (BAKHTIN, 1986). Meio
pelo qual um indivíduo acessa o outro, ela também é sinônimo de disputa e poder, senão
a própria arena de conflitos. É por ser a representação maior do empoderamento dos
sujeitos é que tem sido apropriada e transformada em veículo de dominação.
Em segundo lugar, o espaço escolar precisa ser repensado. Usualmente
celebrado pelos teóricos como o lugar onde o difícil diálogo da diversidade pode ser
melhor empreendido, a palavra franqueada - quando bem gerida- e as relações de poder,
atenuadas, o âmbito escolar ainda enfrenta muitos desafios. Uma melhor abordagem
acerca da ideologia é um desses impasses, afinal, vale lembrar que tudo “o que acontece
em sala de aula está intimamente ligado a forças sociais e políticas” (CELANI, 2001, p.
21). Urge, portanto, não passar ao largo de questões dessa natureza, mas enfrenta-las
com criticidade.
É Rojo (2013, p. 17) quem salienta o papel negligenciado muitas das vezes pela
escola e o que ainda lhe falta rumo à formação plena dos estudantes:
As escolas precisam ensinar aos alunos novas formas de competências nesses
tempos, em especial “a habilidade de se engajarem em diálogos difíceis que
são parte inevitável da negociação da diversidade” (KALANTZIS & COPE,
1999, p. 39, tradução nossa). (...) Isso implica negociar uma crescente
variedade de linguagens e discursos: interagir com outras línguas e
linguagens, interpretando ou traduzindo, usando interlínguas específicas de
certos contextos, usando o inglês como língua franca: criando sentido da
multidão de dialetos, acentos, discursos, estilos e registros presentes na vida
cotidiana, no mais pleno plurilinguismo bakhtiniano. Ao invés da gramática
como norma para a língua padrão, uma gramática contrastiva que, como
Ártemis, permite atravessar fronteiras”.
Nesse sentido, a responsabilidade que recai sobre a aula de língua(s) está sujeita
a um ônus muito grande, principalmente se pensado o papel do professor que, a um só
tempo, necessita fazer confluir o uso da palavra para a transmissão crítica de
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
263
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
conhecimentos, bem como para ter acesso ao outro, parte constitutiva da docência.
Esses são fatos imprescindíveis ao ensino de LI.
Em terceiro plano, é primordial um retorno à questão basilar que alude à
formação de professores e o papel da universidade nessa esteira. É o docente quem
precisa reinventar o uso da palavra e, juntamente a comunidade escolar, pode e deve
melhor engendrá-la. Para tanto, uma boa formação docente se faz essencial e, nessa
seara, as universidades têm papel de destaque.
Em Que pesquisa? Qual ensino?, Sobral (2013, p. 239) conceitua a
Universidade através de uma concepção moderna: “um espaço de promoção de ciência e
de cidadania em benefício da sociedade de que é parte”, sendo designada a ela, por essa
razão “a promoção de cidadania mediante a produção e disseminação de
conhecimentos”.
Para o autor, o tripé que a define (ensino, pesquisa e extensão) precisa ser
revisitado:
Ensino parece óbvio: ensinam-se saberes julgados relevantes para uma boa
formação. Pesquisa também parece óbvio: pesquisam-se tópicos julgados
relevantes para uma boa formação, o que implica estar a pesquisa atrelada à
produção de saberes que devem ser levados ao conhecimento dos
“discípulos”. Extensão, em contrapartida, não parece óbvio, e tem implícitos
e pressupostos outros. (...) Seriam ensino e pesquisa algo que se passa
“intramuros”, uma função precípua, ao passo que extensão é algo que ocorre
“extramuros”, uma função acessória, mas não fundamental? (SOBRAL,
2013, p. 240).
Assim sendo, que destino teria toda a maciça produção de conhecimentos em
Letras, por exemplo, desenvolvida ano após ano pelos discentes universitários e também
professores em formação? Afinal de contas, que parte o âmbito universitário tem
quando o assunto é extensão e relevância social?
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
264
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
5 Projeto Helpers comunidades múltiplas: ensino e aprendizagem de língua inglesa
para comunidades
5.1 Breve histórico
O projeto Helpers, idealizado em 1996, passou por vários momentos ao longo de
sua trajetória. Foi desenvolvido, inicialmente, com o propósito de minimizar a
dificuldade de aquisição da Língua Inglesa (LI) por parte de alunos ingressantes na
graduação de Letras em universidades da cidade de São Paulo. Embora apresentasse um
caráter “intramuros”, o projeto sempre vislumbrou a possibilidade de viabilizar a
assistência voluntária: do estudante de graduação para outros membros da comunidade.
O objetivo do projeto era oportunizar novos cenários de aprendizagem por meio
de práxis alternativas em ações integradas de extensão e de colaboração a partir do
conhecimento linguístico dos próprios alunos da graduação que apresentassem maior
afinidade e facilidade com a LI. Tais discentes tornavam-se assim, alunos-formadores,
os Helpers, multiplicadores que ministravam aulas de acompanhamento para colegas de
sala inscritos em diferentes módulos oferecidos pelo projeto.
Desse modo, o projeto sobreviveu informalmente até 2005. Naquele ano, foi
autorizado e oficializado pela diretoria de uma instituição de ensino superior de São
Paulo, segundo parâmetros da análise feita pelo MEC. A partir dessa regulamentação
do projeto, os alunos de Letras, alunos-formadores do projeto passaram a receber 20h/s
de regência certificados pela instituição- aspecto que contribuiu para o estágio em LI de
inúmeros alunos desde 2005 até 2011.
Nesse sentido, o projeto cresceu a cada semestre letivo se expandindo para
diferentes campi da universidade, para diversos bairros de São Paulo e inclusive para
cidades do interior e de outros estados do Brasil. O projeto adquiriu, assim, proporções
não esperadas na época de sua implantação.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
265
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Em 2008, a partir de um redimensionamento das propostas, ações pedagógicas
passaram a ser planejadas concomitantemente às reuniões de áreas e de departamentos.
Foi aí criada uma rede de comunicação nacional.
Os módulos foram igualmente reestruturados a partir da Pedagogia de
Multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 1996; COPE & KALANTZIS, 2000;
LANKSHEAR & KNOBEL, 2003; MONTEMÓR, 2013 ROJO, 2012) e das tendências
pedagógicas da Linguística de Corpus(BERBER SARDINHA, 2007; GRANGER,
2002; MEUNIER, 2002; O´KEEFE ET AL, 2007; SEIDLHOFER, 2007; TAGNIN,
2009).A partir de 2008,o projeto começou a se estender para toda a comunidade
discente da universidade.
Tendo registrado avanços significativos, a exemplo da socialização e integração
da comunidade não discente no mesmo ano, a construção conjunta de aulas híbridas
através de ações didático-pedagógicas específicas para diferentes linguagens, o projeto
também abriu espaço para as discussões em torno do que significa ser um sujeito
nacional na contemporaneidade. Segundo Brydon e Tavares (2013), as nossas vidas se
tornam globais de maneiras tais que transformam nossa experiência com relação ao que
significa estar no mundo.
A necessidade de atenção aos movimentos tecnicistas e globalizadores da
sociedade atual abriu caminho para a introdução das TICs (tecnologias de informação e
comunicação) como ferramentas importantes para as aulas do projeto, além de
promover reflexões críticas a respeito das dimensões da LI como língua internacional.
Por meio da inserção das tecnologias digitais e de práticas de (multi)letramentos
críticos de caráter multimodal e multisemiótico (KRESS & VAN LEEUWEN, 2003;
ROJO, 2012), procurava-se trabalhar características multiculturais de nossa sociedade
globalizada.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
266
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
5.2 Projeto Helpers: o contexto global e os desafios locais
Sob a ótica de Rajagopalan (2003), vivemos em um mundo globalizado,
queiramos assim ou não. Entre outras coisas, isso significa que os destinos dos
diferentes povos que habitam a terra se encontram cada vez mais interligados e
imbricados uns nos outros – fenômeno que o autor chama de "transnacionalização" da
nossa vida cultural e econômica. (RAJAGOPALAN, 2003 apud ROBINS, 1997).
Como afirma Santos (1994) a globalização constitui um “estágio supremo da
nacionalização, a amplificação em sistema mundo de todos os lugares e todos
indivíduos”. Conforme salienta o autor, com a instantaneidade da informação
globalizada os lugares se aproximam e torna-se possível uma tomada de conhecimento
imediata, de acontecimentos instantâneos e cria-se, entre lugares e acontecimentos, uma
relação unitária na escala do mundo (SANTOS, 1994, p.49).
Tendo em vista o apelo “extramuros” que o Helpers sempre empreendeu
esforços para desenvolver e, considerando a língua inglesa como a língua globalmente
dominante, possibilidade real e instrumento para que os sujeitos venham a intervir
discursivamente no mundo em que vivem, eis que o projeto Helpers se estendeu para
algumas comunidades de São Paulo, tendo suas ações transformadas.
A partir de então, as intervenções e as práxis das aulas passaram a ser
desenvolvidas a partir do cenário da vida real dos meninos e meninas de diferentes
faixas etárias da rede pública de São Paulo, oriundos de comunidades situadas na Vila
Dalva, divisa entre a cidade de São Paulo com o município de Osasco. Juntos, formaram
o primeiro grupo Helpers EMEF, sob a supervisão de alunos dos cursos de Letras e Pós
Graduação.
A possibilidade de acesso dos alunos a uma variedade de materiais, textos,
ferramentas, corpora online, (filmes e documentários de acesso livre na internet ia,
paulatinamente, redesenhando os caminhos que costumeiramente apontavam para a
abordagem tradicional e monolítica de ensino e aprendizagem de LI. Todos os esforços
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
267
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
empreendidos nessa seara foram levando o projeto a um patamar de força
democratizante, igualitária e transformadora, uma vez que as atividades que passaram a
ser desenvolvidas através dele começaram a ser compartilhadas em rede, ou melhor, em
uma micro rede formada por uma wiki e blog.
As atividades construídas pelos formadores eram fundamentadas em uma
relação de ensino-aprendizagem com potencial para a criação de condições que
conduzissem à aprendizagem plena e equitativa participação social.
Delineava-se, assim, uma abordagem intercultural na qual o global e local eram,
simultaneamente, valorizados e trabalhados em classe, haja vista a possibilidade de
diálogo e entendimento entre grupos de fronteira de variados tipos, premissa elementar
do campo de estudos interculturais (KRAMSCH, 2001).
Partindo desse pressuposto, tornou-se adequado que o projeto Helpers
começasse a pensar sobre como lidar com o papel variante do Inglês como língua
global, considerando previamente os aspectos locais das comunidades, bem como a sua
posição no sistema global, na história, suas necessidades atuais e esperanças,
transpondo essas inquietações para o maior número de espaços.
6 Projeto Helpers comunidades educacionais de Vitória da Conquista – BA:
comunidade do Bem-Querer
A atual fase do Helpers EMEF acontece sob a forma de um Projeto de Extensão
na Universidade do Sudoeste da Bahia, UESB, no Campus de Vitória da Conquista com
o apoio da PROEX (resolução CONSEPE 57/2012). Conta com a parceria da Escola
Municipal do Parque Imperial e da Vila do Bem Querer, localizada dentro do campus da
UESB e atende a meninos e meninas de algumas zonas rurais no entorno da
universidade.
Iniciado em maio de 2012 e em andamento, o Projeto Helpers Comunidade do
Bem Querer: aprendendo inglês com a internet encontra-se ainda em fase inicial.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
268
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Ambientado em uma cidade do sudoeste da Bahia, encontrou diferentes desafios
para sua realização, revelando a todos uma realidade diversa de todas as outras por onde
atuou desde 1996. Entretanto, desde os primeiros momentos, ainda em estudos de
campo, contou com a intensa colaboração voluntária de discentes da graduação de
Letras Modernas, da Especialização em Língua Inglesa como Língua Estrangeira e do
Mestrado em Letras. Esses mesmos alunos seguem atuando nos bastidores e frentes de
trabalho com empenho e energia para que continuem a ampliar seu espaço de atuação
em uma comunidade local, fazendo cumprir a meta primeira do projeto.
Durante os primeiros meses de sua instalação, os alunos-formadores da UESB se
dedicaram intensamente à coleta de dados e à projeção de intervenções pedagógicas,
contrariando, já de início, as crenças de que a educação efetiva acontece no âmago do
espaço escolar.
As instalações do colégio eram, de fato, suficientes para a realização das aulas.
Todavia, como calendário escolar letivo do município e o calendário letivo da
universidade diferiam, foi impossível tocar um projeto dessa natureza dentro da
comunidade escolar em questão. Por outro lado, a disposição da diretoria da escola em
ajudar, oportunizando o espaço do início de aulas e selecionando trinta e sete alunos do
5º ao 9º ano do ensino fundamental, representou um grande ato de cooperação.
Esses meninos e meninas residem na zona rural mais próxima, a vila do Bem
Querer, e independem, portanto, de transporte escolar para chegar ao colégio e, de igual
forma, à universidade.
Durante as pesquisas de campo e análise dos espaços disponíveis para as aulas,
decidiu-se que as mesmas aconteceriam no laboratório de Línguas do Campus
UESB/VC – CAALE – Centro de Aprendizagem Autônoma de Línguas Estrangeiras,
vinculado à área ALEL – Área de Línguas Estrangeiras e Literaturas do Departamento
de Estudos Linguísticos e Literários (DELL). O espaço que, em um primeiro momento,
parecia ideal para a feitura do projeto, tornou-se somente uma das opções disponíveis
que pudesse acomodá-lo.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
269
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Finalmente, em julho do ano seguinte as aulas tiveram início. No espaço do
laboratório CAALE, a disposição física das salas e dos computadores se mostraram
excelentes, atrativas, entretanto os espaços abertos da universidade também passaram a
ser opção, a exemplo dos quiosques do campus. Neles, os meninos e meninas hoje
transitam livremente, começando a posicionar mais confortavelmente dentro da
universidade- lugar que no inicio, parecia pertencer somente aos adultos.
7 Apresentação de uma proposta praxista
As primeiras proposições de atividades surgiram das reflexões acerca da
abordagem
intercultural,
bem
como
das
contribuições
da
pedagogia
dos
Multiletramentos (1996), caracterizando-se como um “braço”, por assim dizer, das
atividades que já haviam sendo desenvolvidas nas comunidades “extramuros” em São
Paulo, mas com uma nova roupagem e um olhar voltado para as peculiaridades da
comunidade em questão.
Distribuídos em duas turmas com duas horas de atividades cada, os alunos foram
motivados, na primeira semana, a debater sobre o lugar do inglês como língua
estrangeira, sendo a eles lançadas questões que aludiam às suas experiências de mundo.
Pretendia-se aplicar, em primeiro lugar, um dos quatro pilares que dão suporte à
Pedagogia dos Multiletramentos, a prática situada (Situated Practice). Muitas perguntas
lhes foram lançadas, baseadas no seu cotidiano, culminando em uma reflexão sobre as
palavras em língua inglesa que se deparavam com frequência, os meios em que
encontravam esses vocábulos, as expressões de que se serviam em LI, etc.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
270
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Imagem 1: Formação de banco de dados com palavras cognatas.
Ainda sob a perspectiva da Pedagogia dos Multiletramentos, em um segundo
momento os alunos receberam imagens de anúncios, folhas de revistas, textos em geral,
retirados de diversos meios, a exemplo de sites da internet, gibis, romances infantis,
dentre outros. Os estudantes retiraram esses materiais sob a instrução de que eles
deveriam agir sobre a linguagem a partir daquele instante (Overt Instruction),
procurando o maior número possível de cognatos que encontrassem e os listando em
folhas de ofício a priori, para que, em um segundo momento, as registrassem nos
computadores do laboratório de línguas da universidade de modo a compor um banco
de dados.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
271
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Imagem 2: listagem de palavras cognatas
Em terceira instância, foi aberto um espaço para que os alunos pudessem
estabelecer relações sociais entre os significados e contexto de uso (Critical Framing),
momento no qual muitas curiosidades e dúvidas acerca dos vocábulos listados e não
listados foram levantadas, a exemplo da origem das palavras “notebook” e “personal
trainer”, pondo em cheque a “nacionalidade” das mesmas: pertencentes à língua inglesa
ou portuguesa, afinal?
O trabalho culminou com uma importante reflexão de cunho intercultural. De
acordo Lima (2008, p. 92), a Cultura pode ser entendida como “um grupo de padrões
comuns de comportamento e de interações, construções cognitivas e compreensão
afetiva que são adquiridos por meio de um processo de socialização”.
De volta ao laboratório, os alunos foram encorajados a digitar no site de busca
Google a seguinte inscrição, tal qual estava na lousa:“Kachru’s circles- images”,
podendo abrir qualquer uma das figuras que lhes fossem apresentadas, até mesmo para
confrontar dados.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
272
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Imagem 3: Círculos de Kachru (1982)
Os círculos de Kachru, (1982) como bem observado por um dos alunos,
possuem um centro em comum e, por essa razão são chamados círculos concêntricos.
Na perspectiva do autor, os três círculos representam a classificação do inglês
como língua mundial. Intitulados como inner, outer e expanding circles, eles revelam,
através dos números que os acompanham, a expansão crescente da língua inglesa, ao
passo que abrem espaço para questionamentos sobre o real pertencimento dessa língua.
Convidados a se posicionarem, os alunos trouxeram muitas dúvidas,
inquietações importantes acerca da pronúncia dita perfeita, associando o que sabiam aos
círculos de Kachru.
Essas elucubrações, por seu turno, foram lançadas naquela manhã, enriquecendo
as discussões sobre o que significa estar no mundo e fazer uso da língua inglesa,
engajando os alunos, de alguma forma, nos difíceis diálogos sobre a diversidade que
são, em grande parte, de responsabilidade dos educadores na contemporaneidade.
Considerações finais
Neste trabalho, defendemos a proposição de que é preciso engajar os grupos
minoritários, a exemplo dos alunos oriundos da comunidade Bem Querer aqui
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
273
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
apresentados, nos difíceis diálogos sobre a diversidade, instrumentalizando-os
adequadamente, tornando- os críticos, preparando-os para agir discursivamente no
mundo em que vivem, em conformidade aos Parâmetros Curriculares de Língua
Estrangeira para o Ensino Fundamental (1998).
Essa tarefa que recai sobre a escola e sobre o professor de línguas, em particular,
haja vista as demandas do contexto global, deve, de fato, ser pensada e melhor
trabalhada nesses espaços, não cabendo ao professor e escola a isenção de posturas e
ações nesse sentido.
Todavia, a universidade, através dos cursos de formação de professores de
línguas, pode e deve corroborar nessa seara, na difícil vestidura do novo par de óculos a
que anseia a Linguística Aplicada Crítica (MOITA LOPES, 2006): seja preparação de
seus alunos para essa prematura, mas necessária atuação, contribuindo e aprimorando o
seu fazer docente; seja no engajamento desses mesmos alunos pelos efetivos
movimentos desconstrução das práticas curriculares que se apresentam (práticas estas
que, por seu turno, ainda estão longe de considerar as transformações advindas das
tecnologias de nosso tempo e que abrem um grande fosso entre professores e alunos).
Cientes de que não existem fórmulas para dirimir as crises instauradas no campo
do ensino e aprendizagem de línguas, mas conscientes das responsabilidades do fazer
professoral que deve incluir o compartilhamento do conhecimento através de escolhas
informadas, responsabilidades assumidas perante a cidadania local e global, levando em
conta a participação plena do alunado na sociedade do conhecimento (BRYDON e
TAVARES, 2013), acreditamos que os projetos de extensão são de importância ímpar.
Nesse contexto educacional, empreendimentos dessa grandeza possuem papel
fundamental para promoção da cidadania, integração, inclusão, interação e trocas de
uma multiplicidade de conhecimentos e de saberes que existem entre a universidade e
suas comunidades sociais locais.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
274
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M./VOLOCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8ª ed. São
Paulo: Hucitec, 1986, 200 p.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira /Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 120 p.
CASTELLS, M. A sociedade em rede.São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CAVALCANTI, M. C; CÉSAR, A. L. Do singular para o multifacetado: o conceito de
língua como caleidoscópio.In: CAVALCANTI, Marilda C, BORTONI-RICARDO,
Stella M. (Orgs). Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas: Mercado das
Letras, 2007. p. 45-66
CELANI, M. A. A relevância da Lingüística Aplicada na formulação de uma política
educacional brasileira. In: TOMITCH, L.B.M. & MOTA FORTKAMP, M. B. Aspectos
da Lingüística Aplicada. Estudos em homenagem ao Professor Hilário Inácio Bohn.
Florianópolis. Editora Insular, 2001.
COPE, B. KALANTZIS, M. Multiliteracies: Literacy learning and the design of social
futures. London: Routledge, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
CAMILLERI GRIMA, A. How Strange! The use of anecdotes in the development of
intercultural competence. (also in French as Comme c’est bizarre! L’utilisation
d’anecdotes dans le developpement de la competence interculturelle). Graz: European
Centre for Modern Languages, Council of Europe, 2007.
KRAMSCH, C. J. Intercultural Communication. In: CARTER, R. and NUNAN, D.
(eds.), The Cambridge Guide to Teaching English to Speakers of Other Languages.
Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 201-206.
KUMARAVADIVELU, B. A linguística aplicada na era da globalização. In: MOITA
LOPES, L. P. M (Org) Por uma linguística aplicada interdisciplinar. São Paulo:
Parábola Editorial, 2006.
LIMA, D. C. de. (Org) Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com
especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
______. Vozes da (re)conquista: o papel da cultura no ensino da língua inglesa.
Polifonia: Revista de Letras (Cuiabá), 2008. p. (?)
MOITA LOPES, L. P. (Org) Por uma linguística aplicada interdisciplinar. São
Paulo: Parábola Editorial, 2006.
______. Inglês e Globalização em uma Epistemologia de Fronteira: Ideologia
Linguística para Tempos Híbridos. D.E.L.T.A, 2008.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
275
Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 13 • julho 2014
RAJAGOPALAN, K. (Org.); SILVA, F. L. L. (Org.). A Lingüística que nos faz
falhar: investigação crítica. São Paulo - SP: Parábola Editorial, 2004. p. 232.
ROJO, R. Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. 1.ed. São Paulo: Parábola,
2013, p.13-36.
SANTOS, M. A. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência
universal. Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 2000.
TAVARES, R.; BRYDON, D. Letramentos Transnacionais: Mobilizando
conhecimento entre Brasil/Canadá. Maceió: Edufal, 2013.
VEIGA-NETO, A. Incluir para excluir. In: Carlos Skliar; Jorge Larrosa. (Org.).
Habitantes de Babel: poéticas e políticas da diferença. Belo Horizonte (MG):
Autêntica, 2001, p. 105-118.
Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2014.
Aprovado Para Publicação em 20 de julho de 2014.
Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014
276

Documentos relacionados

o internetês e o fenômeno da abreviação em chats

o internetês e o fenômeno da abreviação em chats David Crystal, em entrevista à TEIXEIRA (2009), na revista Veja, afirma que ainda é impossível prever a forma e a extensão da mudança que a internet está causando no caráter das línguas. “Leva muit...

Leia mais

possibilidades fonéticas do “o” ortográfico em goiás

possibilidades fonéticas do “o” ortográfico em goiás preconceito, com a linguagem não é diferente. Foi eleita, através de uma convenção social, qual é a forma “correta” de utilizar cada língua, consequentemente, elegendo as formas “erradas” dessa uti...

Leia mais

leitura e construção de sentido: uma

leitura e construção de sentido: uma Bakhtin (2003). Em seguida, a experiência em sala de aula é relatada e por fim fica a constatação de que o professor, ao agir como 5mediador do processo de leitura, contribui de forma decisiva para...

Leia mais

a importância das línguas indígenas no brasil

a importância das línguas indígenas no brasil O Brasil é um país de grande diversidade linguística e é tarefa da sociolinguística estudar essa diversidade, registrar línguas que ainda não foram estudadas, mostrar para a sociedade o valor e imp...

Leia mais

estudo da gramaticalização do termo/expressão tipo assim em

estudo da gramaticalização do termo/expressão tipo assim em funcional da língua, mas também à sua dinamicidade. De acordo com Martellota, Votre e Cezario (1996, p. 26) “A gramaticalização é uma manifestação do aspecto não-estático da

Leia mais

estudo sobre a mulher sob as abordagens histórica, social e religiosa

estudo sobre a mulher sob as abordagens histórica, social e religiosa Dentro do exposto, Ártemis e Héstia seriam sempre virgens, como se isso lhes atribuísse uma força ainda maior frente ao masculino. Louraux8 nos informa que elas são as pathernoi, ou seja, guerreira...

Leia mais

a abordagem comunicativa no processo de aquisição de lingua

a abordagem comunicativa no processo de aquisição de lingua entanto Gouin fez observações pertinentes para o desenvolvimento dos métodos. Gouin resolveu aprender alemão e para isso resolveu morar em Hamburg por um ano. Ele acreditava que para aprender uma l...

Leia mais

SOCIOLINGUÍSTICA: UMA ANÁLISE DE FENÔMENOS

SOCIOLINGUÍSTICA: UMA ANÁLISE DE FENÔMENOS Graduanda do Curso de Letras Licenciatura em Língua Portuguesa/2015 do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará. [email protected].

Leia mais