2 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer
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Vol. 18, nº 2, Junho 2009 18| 2 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2009 Volume | XVIII Número | 02 Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, MJDinis - CHP; Carmen Carvalho, MJDinis CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP; Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro, ISCBAS Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – Abílio Reis, CHP; António Marinho, HUC; Fátima Pinto, HS Marta; Maria Ana Sampaio, H Cruz Vermelha; Maria João Baptista, HS João; Paula Martins, H Pediátrico de Coimbra; Rui Anjos, HS Cruz; Sílvia Álvares, H Maria Pia; Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto, IPO; Carla Carvalho, HSMMaior; Conceição Santos Silva, CHPVVC; Fátima Santos, CHVNG-Espinho; Fernanda Manuela Costa, HSAntónio-CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia Aroso, HPHispano; Sónia Carvalho, CHMA; Susana Tavares, HS Sebastião - CHAA Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia - CHP; Margarida Reis Lima, INSRJ-INSA Caso Radiológico – Filipe Macedo, SMIC Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio - CHP Coordenação Técnica | Editorial Coordenation Margarida Lima, HSA - CHP Conselho Técnico | Consultant Gama de Sousa, H Maria Pia - CHP Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board - Agustina Bessa Luís, H Maria Pia - CHP - Almerinda Pereira, HS Marcos - Álvaro Aguiar, FMUP, HS João - Ana Maria Leitão, HSM Maior - Ana Maria Ribeiro, CHEDV - Ana Ramos, H Maria Pia - CHP - António Lima, CHEDV - António Martins da Silva, ICBAS - António Vilarinho, CHVNG - Espinho - Arelo Manso, H Vila Real - CHTMAD - Arlindo Oliveira, HF Zagalo - Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS - Carlos Duarte, H Maria Pia - CHP - Cidade Rodrigues, H Maria Pia - CHP - Clara Barbot, H Maria Pia - CHP - Conceição Casanova, H Póvoa de Varzim - CHPV-VC - Eloi Pereira, H Maria Pia - CHP - Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD - Fátima Praça, CHVNG - Filomena Caldas, H Maria Pia - CHP - Gama Brandão, HS Oliveira - CHAA - Gonçalves Oliveira, H Famalicão - CHMA - Henedina Antunes, HS Marcos - Ines Lopes, CHVNG - Espinho - José Barbot, H Maria Pia - CHP - José Carlos Areias, FMUP, HS João - José Carlos Sarmento, CHVS - José Castanheira, HS Teotónio - José Cidrais Rodrigues, HPHispano - José Pombeiro, MJDinis – CHP - Lopes dos Santos, HPHispano - Lucília Norton, IPO - Luís Januário, H Pediátrico de Coimbra - Luís Lemos, H Pediátrico de Coimbra - Luís Vale, HS António - CHP - Manuel Salgado, H Pediátrico de Coimbra - Manuela Selores, HS António - CHP - Marcelo Fonseca, HPHispano - Margarida Lima, HS António - CHP | ICBAS - Margarida Medina, HS António - CHP - Maria Augusta Areias, MJDinis – CHP - Maria Salomé Gonçalves, H Maria Pia - CHP - Miguel Taveira, H Maria Pia - CHP - Nuno Grande, ICBAS - Octávio Cunha, HS António - CHP - Óscar Vaz, H Mirandela - CHN - Paula Cristina Ferreira, HS António - CHP - Pedro Freitas, HS Oliveira - CHAA - Raquel Alves, H Maria Pia - CHP - Rei Amorim, HS Luzia - CHAM - Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV - Rodrigues Gomes, F Calouste Gulbenkian - Rosa Amorim, H Maria Pia - CHP - Rui Carrapato, HS Sebastião Secretariado Administrativo | Secretary Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board www.hmariapia.min-saude.pt - Allan de Broca (Amiens), Hôpital Nord - Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Debré - D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital - Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital - J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin - José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: 226 089 900; fax: 226 000 841 dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: 226 089 900; telemóvel: 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) – 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2009, vol XVIII, n.º 2 número2.vol.XVIII 71 Editorial 73 Artigos Originais Pedro Lopes Ferreira, Ana Escoval, Constantino Sakellarides Esferocitose Hereditária. Esplenectomia e Colecistectomia. Experiência de um Hospital Pediátrico Susana Soares, Berta Bonet, Ferreira Sousa, Carlos Enes, Cidade Rodrigues, Marika Bini Antunes, José Barbot 78 O Estado da Saúde Oral de Crianças em Idade Pré-Escolar de uma Área Urbana Marta João Silva, Ana Carla Ferreira, Cesarina Santos Silva, Maria Elisa Teixeira, Carlos A. Pratas Valente 85 Casos Clínicos Trombose dos Seios Venosos Cerebrais em Criança com Síndrome Nefrótico: Caso Clínico Filipa Balona, Graça Ferreira, Eduarda Marques, António Vilarinho 89 Síndrome de Apert: Caso Clínico Bernarda Sampaio, Susana Nunes, Eduardo Monteiro, Albina Silva, Almerinda Pereira de Pediatria Inter-Hospitalar 93 Ciclo do Norte Pneumonia com Pneumatocelos: Caso Clínico E. Moreira, L. Machado, C. Costa, C. Xavier, I. Quintal, J. Cunha, C. Garrido 96 Artigo Recomendado 99 101 103 Perspectivas Actuais em Bioética Helena Ferreira Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos A Selecção de Dadores de Gâmetas e o Eugenismo Helena Pereira de Melo NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 106 Pediatria Baseada na Evidência Avaliação Crítica e Implementação Prática de Ensaios – Clínicos Aleatorizados Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira Cardiologia Pediátrica na Prática 120 AClínica Coarctação da Aorta – Detecção Tardia Sílvia Álvares, Conceição Mota, Marisa Carvalho, Marília Loureiro 124 Qual o seu Diagnóstico? Caso Endoscópico Fernando Pereira 126 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 128 Caso Radiologico Filipe Macedo 130 Genes, Crianças e Pediatras Mafalda Barbosa, Jorge Pinto-Basto, Margarida Reis Lima, Ana Maria Fortuna, Gabriela Soares 133 XXI Reunião do Hospital Maria Pia 135 Normas de Publicação Programa NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia summary ano 2009, vol XVIII, n.º 2 number2.vol.XVIII 71 Editorial 73 Original Articles Pedro Lopes Ferreira, Ana Escoval, Constantino Sakellarides Hereditary Spherocytosis. Splenectomy and Colecistectomy. The Experience of an Paediatric Hospital Susana Soares, Berta Bonet, Ferreira Sousa, Carlos Enes, Cidade Rodrigues, Marika Bini Antunes, José Barbot 78 Preschool and School Age Children Oral Health in an Urban Setting Marta João Silva, Ana Carla Ferreira, Cesarina Santos Silva, Maria Elisa Teixeira, Carlos A. Pratas Valente 85 Case Reports Cerebral Sinovenous Thrombosis in a Child with Nephrotic Syndrome: Case Report Filipa Balona, Graça Ferreira, Eduarda Marques, António Vilarinho 89 Apert Syndrome: Case Report Bernarda Sampaio, Susana Nunes, Eduardo Monteiro, Albina Silva, Almerinda Pereira 93 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Pneumonia with Pneumatocele - Case Report E. Moreira, L. Machado, C. Costa, C. Xavier, I. Quintal, J. Cunha, C. Garrido 96 Recommended Article 99 101 103 Current Perspectives in Bioethics Helena Ferreira Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Selection of Gamete Donors and Eugenism Helena Pereira de Melo NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 106 Evidence Based Paediatrics Critical Appraisal and Pratical Implementation of Randomised Controlled Trials Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira Cardiology in Clinical 120 Paediatric Practice Coarctation of the Aorta: Delayed Detection Sílvia Álvares, Conceição Mota, Marisa Carvalho, Marília Loureiro 124 What is your diagnosis? Endoscopic Case Fernando Pereira 126 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 128 Radiological Case Filipe Macedo 130 Genes, Children and Paediatricians Anabela Bandeira, Grabriela Soares, Carla Valongo, Fernanda Manuela, Margarida Reis-Lima, Lígia Almeida, Maria Luís Cardoso, Esmeralda Martins 133 XXI Meeting of Hospital Maria Pia 135 Instructions for Authors Programme NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 editorial RAZÕES PARA CONTINUAR O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), na persecução de realizar anualmente um exercício compreensivo de análisa rigorosa da dinâmica das políticas de saúde e, num sentido mais lato, do sistema de saúde nacional, assume como compromisso a procura de um contributo para o benefício público reforçando princípios de solideriedade, equidade, eficiência, qualidade e transparência Este ano completa-se uma década, sobre a criação do OPSS, o qual seguiu, analisou e relatou anualmente o desenvolvimento do sistema de saúde português e a evolução da qualidade da governação da saúde, através do seu Relatório de Primavera (RP). É também o ano em que se comemoram os 30 anos do Serviço Nacional de Saúde. Está ainda por fazer a análise detalhada desta observação mas, parece ser desde já possível afirmar-se que a aceitação deste processo de análise e comunicação por parte dos agentes políticos e sociais tem melhorado progressivamente no decurso dos últimos anos. Assim, entendeu o OPSS reflectir sobre os dez anos de observação e fazer um balanço da governação em saúde nesta década e avaliar o impacto de algumas das análises e sugestões ao longo deste período. É manifesto que existe um conjunto de questões de saúde, situadas próximas da intersecção da saúde com o conjunto da sociedade, que são cada vez mais aparentes, cuja gestão é particularmente difícil e em relação às quais os progressos observados, apesar de muitas vezes evidentes, são necessariamente lentos. Estão aqui incluídas as questões associadas ao envelhecimento da população e à necessidade de cuidados continuados a pessoas socialmente dependentes, as situações relacionadas com a evolução da tuberculose pulmonar e das questões sociais e sanitárias que lhe estão associadas e a sustentabilidade política, económica e financeira dos sistemas de protecção social, incluindo o da saúde. Sente-se, assim, necessidade de desenvolver modelos de governação que correspondam a essa complexidade. A solução provavelmente passa pela constatação do valor acrescentado que justifique o investimento - criar mais valor e fazer mais e melhor com os recursos consagrados à saúde deve ser a primeira escolha de qualquer Governo. Apesar disto, no decurso dos últimos anos é possível identificar um conjunto de situações que assinalam importantes progressos na governação da saúde em Portugal. De entre elas, podemos referir os progressos na promoção e protecção da saúde, particularmente naquilo que diz respeito (i) à adopção e implementação da “lei do tabaco” na óptica da protecção da saúde, (ii) à evolução observada nas listas de espera cirúrgicas, tendo havido nos últimos anos ganhos substanciais, (iii) à revitalização dos processos de contratualização, e (iv) à reforma dos serviços de saúde, particularmente naquilo que diz respeito aos cuidados de saúde primários e à criação da Rede Nacional dos Cuidados Continuados Integrados. editorial 71 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Embora a situação do sistema de saúde em Portugal seja francamente mais positiva do que há 10 anos, persiste, independentemente de quem governa e das políticas que adopta, uma ausência de um centro tangível de análise e de direcção estratégica na saúde. Algumas das consequências são óbvias, como são os casos, relativamente bem documentados, da “boa utilização do medicamento”, em que alguma evolução e uma melhor e mais racional utilização estão longe de ser satisfatórias. É também a situação das parcerias público-privado (PPP), em que, não ignorando a necessidade de uma boa cooperação entre sectores, se sente a premência de análises das vantagens e inconvenientes das várias modalidades possíveis de PPP e caminhar experimentalmente com acompanhamento de avaliações rigorosas e transparentes. Há também necessidade de se apostar num maior envolvimento do cidadão no sistema de saúde, o que passa por um maior grau de literacia em saúde. As estratégias de saúde têm de estar mais próximas das realidades locais. O RP 2009 foi apresentado em 18 de Junho na Fundação Calouste Gulbenkian e contou com uma conferência proferida pelo Dr. David McDaid do Observatório Europeu dos Sistemas de Saúde, que incidiu sobre a análise de formas de tradução da evidência resultante de investigação económica, em especial, de avaliações de tecnologia em saúde, na política de saúde e na prática clínica, na valoração de cuidados informais e de que forma as avaliações económicas podem ser usadas em áreas mais complexas de bem-estar social, da promoção da saúde e da saúde pública. Todos nós sabemos fazer relatórios e muitos de nós se queixam de que as mensagens contidas nos relatórios nem sempre chegam aos destinatários desejáveis. Normalmente, isto acontece porque há uma linguagem específica, uma forma de comunicação que é desconhecida quer pelos investigadores quer pelos restantes agentes do sistema. Também aqui há que aproximar os produtores da informação dos seus principais destinatários. Importa ressalvar que as mudanças em saúde não acontecem a curto prazo, mas no médio prazo. Assim sendo, a influência do Relatório na saúde em Portugal começa agora a tornar-se visível, daí a importância de um balanço após 10 anos de observações. A coordenação do OPSS Pedro Lopes Ferreira Ana Escoval Constantino Sakellarides 72 editorial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Esferocitose Hereditária Esplenectomia e Colecistectomia Experiência de um Hospital Pediátrico Susana Soares1, Berta Bonet2, Ferreira Sousa2, Carlos Enes2, Cidade Rodrigues2, Marika Bini Antunes3, José Barbot3 RESUMO Objectivos: Avaliar as indicações para a esplenectomia e colecistectomia, os seus resultados e complicações em crianças com esferocitose hereditária. Material e Métodos: Realizou-se uma revisão retrospectiva das crianças com diagnóstico de Esferocitose Hereditária (EH) seguidas na consulta de Hematologia entre Janeiro de 1992 e Agosto de 2007. Os parâmetros avaliados foram: idade actual; sexo; grau de gravidade da EH avaliado de acordo com os critérios publicados pela British Society for Haematology em 2004; co-hereditariedade de síndrome de Gilbert; doentes submetidos a esplenectomia e colecistectomia; idade à data da cirurgia; método cirúrgico usado (laparotomia/laparoscopia; esplenectomia total/parcial); parâmetros relevantes na decisão de esplenectomia e/ou colecistectomia (anemia, reticulocitose, esplenomegalia, dependência transfusional, litíase vesicular, hematopoiese extramedular e outras) ; parâmetros analíticos pré e pós-cirúrgicos (hemograma, contagem de reticulócitos, bilirrubina total e bioquímica do ferro); atitudes profiláticas relativas a complicações de esplenectomia (vacinação prévia, antibioterapia profilática e terapêutica) e registo de possíveis complicações (sépsis, trombose, lítiase vesicular) nos doentes submetidos a esplenectomia. Procedeu-se a análi- __________ 11 Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Guimarães 2 Serviço de Cirurgia Pediátrica da Unidade do Maria Pia, CHP 3 Serviço de Hematologia da Unidade do Maria Pia, CHP se estatística com recurso ao Software SPSS® versão 13. Resultados: O número de doentes com o diagnóstico de EH foi de 52. Destes 19 eram classificados como EH ligeira, 24 como EH moderada e nove como EH grave. Em 15 doentes foi efectuada esplenectomia total (ET) e em três doentes esplenectomia parcial (EP). Os motivos mais relevantes na decisão da esplenectomia foram: anemia com elevada reticulocitose (n=14), esplenomegalia severa (n=14), dependência transfusional (n=4), litíase vesicular (n=5) e pancreatite litiásica (n=2). O incremento médio de hemoglobina pós-esplenectomia foi de 4,95 g/ dl (1,6-10,1). A erradicação de hemólise, entendida como correcção da anemia, reticulocitose e valor de bilirrubina total, após a esplenectomia, verificou-se em 11 casos, três mantiveram reticulocitose moderada (2EP+1ET), dois reticulocitose severa (1ET+1EP). Não foram observadas complicações graves pós-esplenectomia. Em seis doentes observou-se trombocitose sustentada. Cinco das dezoito crianças submetidas a esplenectomia realizaram esplenectomia com colecistectomia concomitante, por lítiase vesicular. Nove doentes realizaram apenas colecistectomia num único tempo cirúrgico. Conclusões: As opções seguidas estão de acordo com as recomendações da literatura, ou seja, a maioria das EH graves foram esplenectomizados precocemente, apenas algumas EH moderadas mais tardiamente, enquanto que os casos ligeiros não foram esplenectomizados. A colecistectomia isolada, realizada em nove doentes, contraria a generalidade da literatura, que recomenda face a indicação para colecistectomia, a reali- zação em simultâneo, de esplenectomia. Esta recomendação fundamenta-se num eventual risco de recorrência de litíase nas vias biliares. Palavras chave: Esferocitose hereditária, esplenectomia, colecistectomia Nascer e Crescer 2009; 18(2): 73-77 INTRODUÇÃO A Esferocitose Hereditária (EH) constitui a causa mais frequente de hemólise e anemia hemolítica não imune(1,2,3). Trata-se de uma patologia que resulta de alterações quantitativas e/ou qualitativas das proteínas da membrana do eritrócito(4) . Apresenta um padrão de transmissão autossómico dominante em 75% dos casos, sendo os restantes 25% recessivos ou associados a mutações de novo(1,2,5). Tradicionalmente esta patologia é classificada como ligeira, moderada ou grave na base de parâmetros clínicos e laboratoriais(1,2,6). A anemia e a litíase vesicular constituem as duas componentes principais da morbilidade da doença(1,2). A co-hereditariedade com o Síndrome de Gilbert aumenta o risco de desenvolvimento de lítiase vesicular nestes pacientes(3). Muito frequentemente a doença manifesta-se no período neonatal com icterícia precoce. No primeiro ano de vida a necessidade de suporte transfusional é mais frequente dada a diminuída capacidade do recém-nascido de compensar a hemólise com resposta eritropoiética adequada(5,7). As formas ligeiras correspondem ao grupo mais numeroso e não necessitam geralmente de nenhum tipo de intervenção terapêutica. O recurso a esplenectomia é de ponderar nas formas artigo original 73 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 moderadas e é obrigatório nas formas graves(1,2,5. Os riscos inerentes a este procedimento podem tornar difícil a sua decisão. A esplenectomia se por um lado erradica/diminui o processo hemolítico, assim como as complicações que lhe são inerentes, está associada a riscos a curto e a longo prazo. A complicação mais temida refere-se ao risco acrescido de sépsis por bactérias capsuladas. A possibilidade de ocorrência de fenónemos de caractér tromboembólico é também de considerar(1,2,5). Neste contexto pode tornar-se difícil estabelecer uma relação risco/ benefício em que seja clara a oportunidade de realização da esplenectomia. A sua indicação será indiscutível mesmo, em grupos etários pré-escolares, nas formas mais graves em que existe dependência transfusional(1,2,5,8). No extremo oposto encontram-se as formas ligeiras ou assintomáticas em que a esplenectomia terá o único objectivo de prevenir a litíase vesicular. Neste contexto os riscos do procedimento poderão exceder os benefícios. Nas formas moderadas sintomáticas a indicação do procedimento poderá ser clara embora possam persistir dúvidas na altura da sua realização(1,5). De referir, contudo, que a mortalidade estimada por sépsis refere-se a estudos retrospectivos realizados antes da introdução sistematizada da vacinação antipneumocócica e da profilaxia antibiótica(2,9). A eficácia destas vacinações tem sido documentada em estudos recentes que referem uma clara diminuição da mortalidade por sépsis pós-esplenectomia quando os doentes são vacinados(2,9).No entanto a emergência de estirpes pneumocócicas penicilino e multi-resistentes traz novas preocupações. Em crianças em idade pré-escolar e com esferocitose hereditária severa uma opção possível poderá ser a esplenectomia parcial (ou quase total) com o objectivo de preservar a função imunológica do baço diminuindo, contudo, o grau de hemólise(10,11,12,13). A cirurgia laparoscópica em relação à cirurgia convencional parece relacionarse com menos dor e desconforto, internamentos hospitalares de menor duração e maior rapidez no regresso à actividade diária(5,14,15). 74 artigo original MATERIAL E MÉTODOS No presente estudo realizamos uma revisão retrospectiva das crianças com diagnóstico de Esferocitose Hereditária (EH) seguidas na consulta de Hematologia entre Janeiro de 1992 e Agosto de 2007. Procedemos a uma análise estatística com recurso ao software SPSS® 13. Avaliamos prioritariamente as indicações que conduziram à esplenectomia e colecistectomia, assim como os seus resultados e complicações. Os parâmetros avaliados foram: idade actual; sexo; grau de gravidade da EH avaliado de acordo com os critérios publicados pela British Society for Haematology em 2004; co-hereditariedade de síndrome de Gilbert; doentes submetidos a esplenectomia e colecistectomia; idade à data da cirurgia; método cirúrgico usado (laparotomia/laparoscopia; esplenectomia total/parcial); parâmetros relevantes na decisão de esplenectomia e/ou colecistectomia (anemia, reticulocitose, esplenomegalia, dependência transfusional, litíase vesicular, hematopoiese extra-medular e outras); parâmetros analíticos pré e pós-cirúrgicos (hemograma, contagem de reticulócitos, bilirrubina total e bioquímica do ferro); atitudes profiláticas relativas a complicações de esplenectomia (vacinação prévia, antibioterapia profilática e terapêutica) e registo de possíveis complicações (sépsis, trombose, lítiase vesicular) nos doentes submetidos a esplenectomia. Procedeu-se a análise estatística com recurso ao Software SPSS® versão 13. RESULTADOS A população em estudo incluiu cinquenta e duas crianças com EH (34 do sexo masculino e 18 do sexo feminino). A idade média à data da última observação era de 11 anos. Dezanove crianças eram classificados como EH ligeira, 24 EH moderada e 9 EH grave segundo os critérios publicados pela British Society for Haematology em 2004 (ver Tabela 1). A esplenectomia foi realizada em 18 crianças. Em 5/18 havia história familiar de EH e em 2/18 Síndrome de Gilbert associada. Quanto à classificação da EH nos esplenectomizados, 10/18 correspondiam a EH moderada e 8/18 a EH grave. A média de idade na data da esplenectomia foi de 8 anos (min. 3 e máx. 18) . Seis doentes com EH grave foram esplenectomizados antes dos seis anos. Nove doentes tinham entre seis a doze anos e três acima de doze anos. Como pode ser observado na Tabela 2, as indicações mais referidas para a esplenectomia foram: anemia com elevada reticulocitose, esplenomegalia severa, dependência transfusional, lítiase vesicular e pancreatite litiásica . Em 15 doentes foi efectuada esplenectomia total (ET) e em 3 doentes esplenectomia parcial (EP). Este último procedimento cirúrgico foi realizado em três crianças com idade inferior ou igual a seis anos com um processo hemolítico exuberante. Quatro realizaram cirurgia por laparoscopia (3ET+1EP) e quatorze por laparotomia (12ET+2EP). Cinco dos dezoito realizaram esplenectomia com colecistectomia concomitante, por lítiase vesicular. De referir que 9/52 doentes realizaram apenas colecistectomia num único tempo cirúrgico, sendo que dois vieram a realizar esplenectomia posteriormente (por anemia grave com elevada reticulocitose caso nº 11 e 13 ) e um já havia realizado esplenectomia total anteriormente (caso nº 6- criança com anemia grave dependente de transfusão). O tempo médio de seguimento pósesplenectomia foi de 5,38 anos . O incremento médio de hemoglobina pós-esplenectomia foi de 4,95 g/dl (intervalo:1,6-10,1). O decréscimo médio do valor de bilirrubina total foi de 13,99 μmol/L. A erradicação de hemólise após esplenectomia entendida como correcção da anemia, reticulocitose e bilirrubinemia, verificou-se em 11 casos. Três mantiveram reticulocitose moderada (2EP + 1ET caso), dois reticulocitose severa (1ET + 1EP caso). Esta informação não estava disponível em dois casos. O doseamento de ferritina média no ano anterior ao da esplenectomia era de 220 ng/ml (intervalo: 54 –1027), com valores mais elevados obtidos nas 4 crianças inicialmente dependentes de transfusões. Ocorreu a normalização deste parâmetro após esplenectomia. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Tabela 1 – Classificação da esferocitose e indicações para esplenectomia Classificação Traço Ligeiro Moderado Severo Hemoglobina (g/dl) Normal 11-15 8-12 6-8 Contagem de reticulócitos % Normal 3-6 >6 >10 Bilirrubina (μmol/l) <17 17-34 > 34 >51 Espectrina por eritrócito (% of normal) 100 80-100 50-80 40-60 Não necessária Geralmente não necessária durante a infância/adolescência Necessária durante a idade escolar antes da puberdade Necessária protelar até aos 6 anos, se possível Esplenectomia Traduzido de: Bolton–Maggs PHB, Stevens RF, Dodd NJ, Lamont G, Tittensor P, King MJ. Guidelines for the diagnosis and management of hereditary spherocytosis. British Journal of Hematology 2004;126:455-474. Tabela 2 Caso número (*Idade esplenectomia) Anemia com elevada reticulocitose Esplenomegalia severa 1 (*4) X X 3 (*6) X X X 4 (*6) X 5 (*4) X X X X X X X Dependência transfusional X/- 2 (*10) X/X 6 (*4) 7 (*13) Lítiase vesicular/ Pancreatite litiásica 8 (*18) X/X 9 (*6) X 10 (*4) X X 11 (*10) X X 12 (*3) X/- X 13 ( *8) X X 14 (*9) X X 15 (*5) X X 16 (*12) X X 17 (*13) X 18 (*11) X X X/- Todos os doentes submetidos a esplenectomia total ou parcial efectuaram vacinação pneumocócica adequada préesplenectomia e profilaxia com penicilina oral após esplenectomia (125 mg, 2 x dia se < 3 anos; 250 mg, 2 x dia se > 3 anos). Relativamente às complicações pós-esplenectomia, não foram observados casos de sépsis. Em seis doentes foi observada trombocitose sustentada, sendo que em nenhum destes foi prescrita profilaxia de tromboembolismo. Em nenhum dos casos foram documentadas complicações tromboembólicas. DISCUSSÃO As formas de EH situadas nos pólos opostos do espectro de gravidade clínica são as que apresentam maior consensualidade em termos de atitude terapêutica. Este facto verifica-se de forma natural no conjunto de doentes analisados: as EH graves foram esplenectomizadas de forma sistemática e precoce em quanto que as formas ligeiras não o foram de todo. É nas formas moderadas que a esplenectomia se torna mais controversa e a percentagem de casos moderados submetidos a esta cirurgia (42%) comprova a dificuldade em ponderar a razão risco/ benefício deste procedimento . No grupo dos esplenectomizados apenas 28% tinha história familiar de EH enquanto que no grupo dos não-esplenectomizados esta estava presente em 74% dos casos, o que está concordante com a literatura (as formas mais graves têm hereditaridade recessiva ou esporádica). Os motivos que conduziram à esplenectomia nos dez doentes com EH moderada pode ser visualizado na tabela 2 (casos 2,4,7,8,9,11,13,16,17,18). Três apresentaram lítiase vesicular como motivo principal para a esplenectomia. Razões como referência a astenia e crescimento inadequado também interferiram na decisão. De referir que se trata de um contexto em que factores de ordem psicossocial podem de alguma maneira interferir na decisão. É o caso de efeitos negativos da icterícia na autoimagem dos doentes, assim como na dificuldade em admitir os riscos a longo prazo da esplenectomia por parte de pais artigo original 75 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 que foram objectos desta intervenção há muitos anos sem qualquer complicação. De salientar que apenas 4 doentes realizaram esplenectomia por via laparoscópica. Esta discrepância relaciona-se sobretudo com a disponibilidade da cirurgia laparoscópica à data da esplenectomia. Em nove doentes foi efectuada colecistectomia isoladamente. Esta atitude contraria a generalidade da literatura que recomenda face a indicação para colecistectomia, a realização em simultâneo, de esplenectomia. Esta recomendação baseia-se num eventual risco de recorrência de litíase nas vias biliares se o processo hemolítico não for erradicado através da esplenectomia. Trata-se, no entanto de uma indicação baseada num baixo grau de evidência científica e que tem um carácter histórico anterior à emergência de cirurgia laparoscópica que veio legitimar de forma clara o eventual recurso às duas cirurgias (colecistectomia e esplenectomia) em tempos diferentes. Na população em estudo nenhum dos doentes que realizou colecistectomia isoladamente apresentou recorrência de litíase. Isso parece confirmar a necessidade de estudos longitudinais e randomizados para comprovar os benefícios desta recomendação. CONCLUSÕES A esferocitose hereditária apresenta uma variabilidade fenotípica e genética sendo importante o seguimento dos doentes em centros especializados. Em termos gerais, as opções seguidas estão de acordo com as recomendações da literatura: a maioria das EH graves foram esplenectomizadas precocemente, 42 % das EH moderadas foram esplenectomizados e, sempre mais tardiamente, enquanto que nenhum caso ligeiro foi objecto de esplenectomia. A colecistectomia isolada efectuada em nove doentes contraria, como já referido, a maioria das recomendações nesta matéria. Estas recomendações defendem a realização em simultâneo da esplenectomia. Fundamentam-se num eventual risco de litíase extravesicular face a um processo hemolítico não erradicado. 76 artigo original Sobre esta questão devemos referir o seguinte: - Trata-se de uma recomendação histórica, elaborada numa época em que a cirurgia laparoscópica não era disponível. O advento deste tipo de cirurgia veio dar maior legitimidade a uma intervenção em dois tempos, já que uma colecistectomia laparoscópica não cria, em princípio, condições adversas a uma esplenectomia em segundo tempo. - Os receios inerentes ao risco de sépsis grave pós-esplenectomia vêm aumentando nos últimos anos dada a emergência de estirpes de pneumococos resistentes à penicilina ou mesmo multi-resistentes. - Não existem estudos longitudinais bem elaborados que demonstrem risco acrescido de lítiase extra-vesicular uma vez removida a vesícula biliar, se o processo hemolítico não tiver sido erradicado através da esplenectomia. A esta recomendação, publicada pela British Society for Haematology em 20041, é atribuído um grau de evidência IV [recomendação fundamentada em opiniões de especialistas e em experiências clínicas de autoridades reconhecidas] e recomendação de grau C [o que indica uma ausência de estudos clínicos de boa qualidade directamente aplicavéis]. Como tal parece-nos, que face a uma criança com processo hemolítico bem compensado que faz lítiase vesicular mesmo que não sintomática, será legítimo proceder à colecistectomia e protelar a esplenectomia, que a iria fragilizar em termos de risco infeccioso. HEREDITARY SPHEROCYTOSIS. SPLENECTOMY AND COLECISTECTOMY. THE EXPERIENCE OF AN PAEDIATRIC HOSPITAL ABSTRACT Objective: To evaluate the indications for splenectomy and cholecystectomy, its results and complications in children with diagnosis of Hereditary spherocytosis (HS). Material and methods: The authors retrospectively reviewed all cases of HS followed in the Haematology Department of our hospital between January of 1992 and August of 2007.The parameters evaluated were: actual age, sex, HS classification accordingly to the criteria published by the British Society for Haematology in 2004, co-inheritance of Gilbert Syndrome, patients submitted to splenectomy and cholecystectomy; age at surgery; surgical method (laparotomy/laparoscopy; total/ partial splenectomy); relevant parameters for splenectomy and cholecystectomy (anemia, reticulocits number, transfusion dependence, splenomegaly, gallstones; extramedullary hematopoiesis and others); analytic results before and after surgery (hemogram, reticulocits count, total bilirrubin, iron bioquimics); prophylactic attitude in respect of complications due to splenectomy (previous vaccination, prophylactic and therapeutic antibiotics); assessment of possible complications (sepsis, thrombosis, gallstones) in patients submitted to splenectomy. It was performed a descriptive analysis recurring to the software SPSS, 13rd version. Results: Fifty-two patients were diagnosed with HS. Nineteen patients were classified as mild HS, 24 as moderate HS and nine as severe HS. Total splenectomy (TS) was performed in 15 patients and partial splenectomy (PS) in three patients. The most relevant motives in the decision to splenectomy were: anaemia with high reticulocyte count (n=14), severe splenomegaly (n=14), transfusion dependence (n=4), gallstones (n=5) and pancreatitis by cholelithiasis (n=2).The median haemoglobin increment after splenectomy was 4.95g/dl (1,6-10,1). The eradication of haemolysis, perceived as anaemia, reticulocitosis and bilirrubinemia correction, after splenectomy, was observed in 11 patients, three maintained moderate reticulocytosis (2PS+1TS) and two maintained severe reticulocytosis (1TS+1PS). We did not observe severe complications after splenectomy. In six patients persistent thrombocytosis was observed. Five from the eighteen children submitted to splenectomy realize both splenectomy and cholecystectomy, because of the presence of gallstones. Nine patients were submitted to cholecystectomy in one surgical time. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Conclusions: The options followed agreed with the recommendations suggested in the literature: the majority of the severe HS were splenectomized early, some of the moderate forms were splenectomized later and the milder forms were not submitted to splenectomy. The isolated cholecystectomy, realized in nine patients, refute the general literature, that recommends at the same time of the cholecystectomy the realization of splenectomy. This recommendation fundaments in the eventual risk of recurrence of gallstones in biliar routes. Key words: Hereditary spherocytosis, splenectomy, colecistectomy. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 73-77 BIBLIOGRAFIA 1- Bolton-Maggs PHB, Stevens RF, Dodd NJ, Lamont G, Tittensor P, King MJ. Guidelines for the diagnosis and management of hereditary spherocytosis. Br J Hematol 2004, 126,455-474. 2- Mentzer WC,MD, Lubin BH, MD. Hereditary spherocytosis: clinical features; diagnosis; and treatment. Official reprint from Uptodate. Disponível em: www.uptodate.com/utd/content/ 3- Giudice EM, Perrota S, Nobili B, Specchia C, Urzo G, Iolascon A. Co-inheritance of Gilbert Syndrome increases the risk for developing gallstones in patients with hereditary spherocytosis. Blood 1999; 94: 2259-2262. 4- Granjo E, Manata P, Torres N, Rodrigues L, Ferreira F, Baurle R, Quintanilha A. Esferocitose hereditáriaPrevalência dos défices proteicos da membrana do eritrócito. Acta médica Portuguesa 2003;16:65-69. 5- Shah S,MD,Vega R, MD. Hereditary spherocytosis. Pediatr Rev 2004;25:168-172. 6- Iolascon A,Giudice EM, Perrotta S, Alloisio N, Morlé L, Delaunay J. 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CORRESPONDÊNCIA Susana Lopes de Araújo Soares Serviço de Pediatria C H Alto Ave, Guimarães Telefone: 961 356 408 [email protected] artigo original 77 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 O Estado de Saúde Oral de Crianças em Idade Pré-Escolar e Escolar de uma Área Urbana Marta João Silva1, Ana Carla Ferreira2, Cesarina Santos Silva2, Maria Elisa Teixeira2, Carlos A. Pratas Valente2 RESUMO Introdução: A cárie dentária e a má oclusão são importantes problemas odontológicos da infância e têm etiologia multifactorial. Objectivos: Determinar a prevalência de cárie dentária e de má oclusão em crianças com idade escolar e pré-escolar e identificar os hábitos de saúde oral de risco. Métodos: Foi avaliado o estado de saúde das peças dentárias e aplicado o índice de estética dentária em crianças da pré-escola e do segundo ano do ensino básico inscritas em escolas públicas de uma área urbana, efectuado inquérito às crianças e seus encarregados de educação acerca dos hábitos de saúde oral e calculado o índice socioeconómico. Resultados: Foram elegíveis 224 das 277 crianças inscritas. A idade média foi de seis anos (variou entre os três e os dez anos) com duas modas, nos cinco e nos sete anos. Foi registada cárie num total de 127 crianças (56,7%), em 52,8% das crianças com idade igual ou inferior a seis anos e em 61,4% das com idade superior a seis anos. Na dentição temporária o índice de cpod foi 1,84 no total das crianças (1,5 cariados, 0,067 perdidos devido a cárie e 0,27 obturados), 1,72 (1,45 cariados, 0,033 perdidos devido a cárie, 0,24 obturados) nas crianças com idade igual ou inferior a seis anos e 1,99 (1,58 cariados, 0,11 perdidos devido a cárie, 0,30 obturados) nas crian- __________ 1 2 Serviço de Pediatria do Hospital de São João, Porto Centro de Saúde de Ermesinde 78 artigo original ças com idade superior a seis anos. Na dentição permanente o índice de CPOd total foi de 0,17 (0,17 dentes cariados), 0,008 (0,008 cariados) nas crianças com idade inferior ou igual a seis anos e 0,38 (0,38 cariados) nas crianças com idade superior a seis anos. A presença de cárie dentária foi mais frequente nas crianças que não escovavam os dentes com ritmo diário (68,9% vs 52%, p < 0,05), nas que consumiam açucares pelo menos uma vez por dia (67% vs 48%, p< 0,05) e nas que pertenciam a classes sociais mais baixas. Má oclusão dentária foi encontrada em 50 crianças (21,1% das crianças com idade inferior ou igual a seis anos e em 23,8% das crianças com idade superior a seis anos) tendo sido mais frequente nas que usavam chupeta (55% vs 19,1%, p< 0,05) ou nas que a usaram para além dos três anos de idade (31,1% vs 10,7%, p<0,05), nas que tinham o hábito de sucção digital (63,6% vs 20,2%, p< 0,05), nas que ingeriam diariamente doces de longa duração (33,3% vs 19,3%, p <0,05) e nas que usavam biberão (34,3% vs 20,1%, p < 0,05). O uso de biberão associou-se ao hábito de sucção na chupeta (25,7% vs 5,8%, p< 0,05) assim como ao hábito de sucção digital (27,3% vs 8,0%, p <0,05). Discussão: Quando comparados os resultados obtidos com os de estudos epidemiológicos nacionais anteriores, verifica-se um aumento da proporção de crianças livres de cárie. Um baixo nível socioeconómico, a ingestão diária de doces e a não escovagem diária dos dentes, são factores que se associam à presença de cárie. A presença de má oclusão relacionou-se com os hábitos de sucção não alimentar (digital e na chupe- ta), principalmente se mantidos após os três anos de idade. Conclusões: A prevalência de cárie e má oclusão dentárias são elevadas, tendem a aumentar com a idade e associam-se a vários factores que podem ser prevenidos. Palavras-chave: Cárie dentária; Má oclusão; Índice estética dentária; Prevalência; Hábitos; Saúde oral. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 78-84 INTRODUÇÃO A cárie dentária é a doença crónica mais frequente em Pediatria(1). É uma doença infecciosa, transmissível e progressiva que resulta de um complexo processo em que vários factores microbiológicos, genéticos, imunológicos, comportamentais e ambientais contribuem para o risco e gravidade da doença1. A cárie constitui uma causa de mal-estar que se pode manifestar na fisionomia, disfunção da mastigação, halitose e focos de infecção que podem repercutir-se no estado geral provocando doenças graves(2). Os principais agentes causais são as bactérias do grupo Streptococcus mutans, estas parecem ter um papel central na iniciação da cárie, colonizando a boca das crianças logo após a erupção do primeiro dente(3-4). O principal substracto necessário para a formação de cáries é obtido através do açucar na dieta, especialmente a sacarose(1-5). A retenção oral prolongada de componentes alimentares cariogénicos, quer pela frequência da ingestão quer pela permanência na boca, leva a períodos mais longos de produção NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 de ácido e desmineralização e períodos mais curtos de remineralização dentária contribuindo para a formação da cárie5. A susceptibilidade anatómica do esmalte dentário, uma higiene oral inadequada, a pobreza, a não utilização de flúor ou de pastas fluoretadas, uma dieta rica em carbohidratos ou a ingestão frequente de açucares são factores de risco para a formação de cáries(1-5). O uso regular de pasta dentífrica fluoretada reduz significativamente a formação das cáries(1). A má oclusão define-se como a alteração do crescimento e desenvolvimento que afecta a oclusão dos dentes. Pode interferir negativamente na qualidade de vida, prejudicando a interacção social e o bem-estar psicológico das crianças afectadas6. Segundo estudos efectuados em vários países, a má oclusão dentária pode atingir 17 a 79,3% dos indivíduos tendo sido considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o terceiro maior problema odontológico e de saúde pública mundial(6-7). A oclusão dentária varia entre indivíduos de acordo com o tamanho e forma dos dentes, posição dentária, época e sequência da erupção, forma e tamanho do arco dentário e padrões de crescimento craniofaciais(7-8). A oclusão resulta da relação entre os factores genéticos e os ambientais que influenciam as modificações no desenvolvimento pré e pós natal(7). A desarmonia de base óssea com protrusão da maxila ou mandíbula, dentes supra-numerários, anomalias na forma e tamanho dos dentes ou discrepâncias ósseo-dentárias são alguns factores hereditários que podem contribuir para a má oclusão(8). Os factores ambientais podem ser pré-natais maternos (nutricionais, doenças, traumas) ou embrionários (nutricionais, doenças, traumas, falta de coalescência, má posição) ou pós-natais intrínsecos (cáries extensas ou perdas precoces) ou extrínsecos (hábitos deletérios como os hábitos de sucção na chupeta, sucção digital, interposição lingual ou uso prolongado de biberão)(7). O conhecimento da situação de saúde oral de diferentes grupos populacionais é fundamental para o desenvolvimento de propostas de acções adequadas às necessidades e riscos, bem como para a possibilidade de comparações que permitam avaliar o impacto destas acções. OBJECTIVOS Determinar a prevalência de cárie e de maloclusão dentária nas crianças em idade pré-escolar e escolar da freguesia de Alfena e identificar os hábitos de saúde oral de risco. MATERIAL E MÉTODOS Estudo transversal com base numa amostra constituída por todas as crianças matriculadas na pré-escola e no 2º ano do ensino básico em três escolas públicas da freguesia de Alfena (Cabeda, Codiceira e Barreiro). Inserido na actividade de rotina de saúde escolar da área foi efectuado, em Junho de 2005, o exame clínico na própria escola, por um único observador, utilizando sempre o mesmo tipo de material (espátulas, espelhos bucais e lanterna portátil com lâmpada de 12 v/20 W). Foi registado o estado de saúde das peças dentárias e a presença de má oclusão segundo os métodos estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)(9). Foram calculados os índices cpod/CPOd (dentes cariados, perdidos por cárie e obturados) referentes à dentição temporária/permanente, respectivamente. A oclusão dentária foi avaliada pelo índice de estética dentário (dental aesthetic index – DAI), que incluiu a avaliação das seguintes condições: ausência de dentes anteriores, apinhamento e espaçamento nos segmentos incisais, diastema, irregularidade maxilar e mandibular nos dentes anteriores, sobressaliência ou overjet maxilar e mandibular, mordida aberta vertical anterior, e relação molar antero-posterior(9). Após a avaliação, realizava-se a equação para o cálculo dos valores obtidos. O DAI fornece quatro possibilidades de desfecho: ausência de anormalidade ou maloclusões leves (DAI < 25); maloclusão definida (DAI = 26-30); maloclusão severa (DAI = 31 a 35) e maloclusão muito severa ou incapacitante (DAI > 36)(9). Foi efectuado o mesmo inquérito a todos os encarregados de educação, na presença das crianças, por entrevis- ta individual. Foram avaliados hábitos de higiene oral (escovagem dos dentes), hábitos alimentares (aleitamento materno, introdução do leite de vaca, ingestão de doces), hábitos de sucção digital ou na chupeta, uso de biberão, seguimento em dentista, suplementação com fluor e índice socioeconómico através do nível de escolaridade mais elevado dos pais ou encarregado de educação, do número do agregado familiar e da classificação social da família segundo a classificação social internacional de Graffar(10)). Foi questionada a frequência de ingestão de doces em geral, que incluía os de curta e longa duração, e, especificamente, a frequência de ingestão de açucares de longa duração (rebuçados, chupa-chupas, gomas ou pastilhas elásticas). Os dados foram tratados estatisticamente utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®, Student version 11.0 for Windows, SPSS Inc. 2001). Foram usadas variáveis dicotómicas e usada regressão logística tendo sido calculado o Odds ratio (OR) como medida de associação directamente estimada devido a tratar-se de um estudo transversal. Foi aplicado o teste do x2 para comparação de proporções, considerando-se como estatisticamente significativo quando p <0,05. RESULTADOS Foram avaliadas 224 das 277 crianças inscritas (53 crianças não se encontravam na escola nos dias do exame). Pertenciam ao sexo feminino 116 crianças (51,8%). Cento e onze crianças (49,6%) estavam na pré-escola. A média e mediana de idade foi de seis anos (variando entre três e dez anos), com moda nos cinco e nos sete anos (Figura 1). Relativamente ao nível de escolaridade, 19,6% dos representantes legais das crianças referiram ter a escolaridade primária, 56,7% a escolaridade básica, 14,3% a escolaridade complementar e 5,4% licenciatura. Cento e dezanove crianças (53,1%) pertenciam à classe social média baixa, 51 (22,8%) à classe média, 32 (14,3%) à classe baixa e 12 (5,4%) à classe média alta. O número médio e mediano de agregado familiar foi de quatro pessoas (variando entre dois e nove). Vinte e sete artigo original 79 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 crianças tinham selantes, tendo referido ter ido ao dentista 21,4% das crianças. A maioria das crianças escovava os dentes (95,5%), com ritmo diário em 76,3% dos casos. Referiram que as crianças efectuaram aleitamento materno 179 encarregados de educação (79,9%), 34,4% até aos primeiros três meses, 36,6% até aos doze meses e 8,9% para além dos doze meses (variando entre os quinze dias e os 36 meses de idade). A idade de introdução do leite de vaca foi mencionada antes do primeiro ano de vida em 54,5% dos casos. Oitenta e três crianças referiram ter deixado o biberão após os três anos ou ainda manter o hábito, a idade média de deixar o biberão foi de 2,4 anos com mediana e moda de dois anos e desvio padrão de 1,34 (variando dos seis meses aos seis anos). Tomavam leite antes de dormir 76,3% das crianças. A ingestão diária de doces foi referida por 43,3% das crianças (foi considerada ingestão diária de doces a todas as crianças que referiram consumir sumos, refrigerantes, chocolates, bolos, doces, rebuçados, chupachupas ou pastilhas elásticas pelo menos uma vez por dia). Não usavam chupeta 84,4% das crianças, tendo sido a idade média de deixar de usar chupeta de 2,5 anos com mediana e moda de dois anos e desvio padrão de 1,28 (variando entre o um e os sete anos). Cerca de 40,2% das crianças mantinham o hábito de sucção na chupeta ou o deixaram após os três anos de idade. O hábito de sucção Idade Figura 1 - Distribuição por idades. 80 artigo original digital foi referido por onze crianças. Problemas de saúde foram mencionados em 52 crianças, a doença mais frequente foi a asma (11,2%) seguida das infecções respiratórias de repetição (5,8%). O uso diário de medicação em xarope foi referido em 5,4% das crianças. A idade média de começar a lavar os dentes foi de 2,2 anos, com mediana e moda de dois anos e desvio padrão de 1,06 (variando entre um e sete anos). Tomavam flúor tópico 71,9% das crianças. Foi registada cárie num total de 127 crianças (56,7%), em 52,8% das crianças com idade igual ou inferior a seis anos e em 61,4% das com idade superior a seis anos. Na dentição temporária o índice de cpod foi 1,84 no total das crianças (1,5 cariados, 0,067 perdidos devido a cárie e 0,27 obturados), 1,72 (1,45 cariados, 0,033 perdidos devido a cárie, 0,24 obturados) nas crianças com idade igual ou inferior a seis anos e 1,99 (1,58 cariados, 0,11 perdidos devido a cárie, 0,30 obturados) nas crianças com idade superior a seis anos. Na dentição permanente o índice de CPOd total foi de 0,17 (0,17 dentes cariados), 0,008 (0,008 cariados) nas crianças com idade inferior ou igual a seis anos e 0,38 (0,38 cariados) nas crianças com idade superior a seis anos. Cárie no primeiro molar definitivo foi observada em 23 crianças (10,3%), 22 delas com idade superior a seis anos. A proporção de crianças que apresentaram cáries foi maior entre aquelas pertencentes às classes mais baixas pela classificação de Graffar adaptada (62,3% das Classes Média Baixa ou Baixa vs 41,3% das Classes Média ou Média Alta, p <0,05), estas crianças baixas apresentaram 2,35 vezes mais frequentemente cáries dentárias dos que as pertencentes a classes mais altas (Quadro I). A proporção de crianças que apresentaram cáries foi maior entre aquelas que ingeriam doces diariamente (67% vs 48%, p <0,05). Estas crianças apresentaram 2,2 vezes maior proporção de cárie dentária do que as que não ingeriam doces com ritmo diário (Quadro I). Das 97 crianças que ingeriam doces diariamente 51 ingeriam diariamente doces de longa duração e 46 ingeriam diariamente apenas doces de curta duração. As crianças que referiam ingerir diariamente doces de longa duração apresentaram mais cárie do que as que não ingeriram doces (66,7% vs 48,0%, p <0,05) , assim como as que ingeriam diariamente doces de curta duração (67,4% vs 48,0%, p <0,05). Não se encontrou diferença significativa da frequência de cárie dentária nestes dois tipos de ingestão de doces (apresentaram cárie 66,7% das crianças que ingeriam diariamente doces de longa duração vs 67,4% das crianças que ingeriam diariamente apenas doces de curta duração, p <0,05). As crianças que referiam ingerir diariamente doces de longa duração apresentaram maior frequência de cárie dentária mas sem significado estatístico (66,7% vs 53,2%, p >0,05). A ingestão diária de doces foi mais frequente nas crianças que pertenciam a classes de Graffar mais baixas (28,6% nas classes baixa ou média baixa vs 51,0% nas classes média ou média alta, p <0,05). A proporção de crianças que apresentaram cárie foi maior entre aquelas que não escovavam diariamente os dentes (68,9% vs 52%, p< 0,05), estas crianças apresentaram 2,04 mais frequentemente cárie dentária do que as que escovavam os dentes com ritmo diário (Quadro I). As crianças que escovavam os dentes, mesmo sem ritmo diário, apresentaram menor frequência de cárie dentária, com uma significância estatística limiar (55,1% vs 87,5%, p = 0,07). Não se encontrou associação significativa entre a presença de cárie dentária e o sexo, o aleitamento materno ou a duração deste, a idade de introdução do leite de vaca inteiro, o uso de biberão, o hábito de beber leite antes de dormir, o hábito de sucção digital ou na chupeta, o uso de xaropes e de flúor. Má oclusão dentária foi encontrada em 22,3% do total das crianças (21,1% das crianças com idade inferior ou igual a seis anos e em 23,8% das crianças com idade superior a seis anos). Má oclusão severa ou muito severa foi encontrada em 5,4% das crianças (8,1% das crianças com idade inferior ou igual a seis anos e 2,0% das crianças com idade superior a seis anos). A má oclusão foi agrupada dicotomicamente em ausente e presente (englobando as formas NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 ligeiras e graves) tendo-se associado, de forma estatisticamente significativa, ao uso de biberão (34,3% vs 20,2%, p < 0,05), ao hábito de sucção na chupeta (55% vs 19,4%, p < 0,05), ao uso de chupeta para além dos três anos (31,1% vs 10,7%, p < 0,05) , ao hábito de sucção digital (63,6% vs 20,2%, p < 0,05) e à ingestão diária de doces de longa duração (33,3% vs 19,3%, p <0,05). O uso de biberão associou-se ao uso de chupeta (25,7% vs 5,8%, p <0,005) assim como ao hábito de sucção digital (27,3% vs 8,0%, p <0,05). As crianças que ainda usavam chupeta ou que abandona- ram esse hábito após os três anos de idade apresentaram, respectivamente, 3,16 e 3,76 vezes mais frequentemente má oclusão (Quadro II). A má oclusão foi 6,92 vezes mais frequente nas crianças com o hábito de sucção digital (Quadro II) e 2,09 vezes mais frequente nas que ingeriam diariamente açucares de longa duração (Quadro II). A presença de cáries dentárias não se associou, de forma significativa, à presença de má oclusão dentária (25,2% vs 18,6%, p >0,05). Apesar da má oclusão ter sido mais frequente entre as crianças que apenas fizeram aleitamento materno até aos três meses de idade, esta diferença não foi estatisticamente significativa (25,3% vs 17,3%, p >0,05). DISCUSSÃO O Estudo Nacional de Prevalência da Cárie Dentária na População Escolarizada (ENPCDPE) realizado em 1999, estudou a prevalência de cárie dentária na população escolarizada aos seis, doze e quinze anos(11). Na nossa amostra, a distribuição etária das crianças estudadas neste estudo foi bimodal nos cinco e nos sete anos com apenas 25 crianças apresentando seis anos de idade. Esta Quadro I - Principais factores de risco para a presença de cárie dentária Factores de risco Cárie dentária Sim Não Total % Cárie Odds Ratio (intervalo de confança 95%) Classificação de Graffar p <0,05 Média baixa/ Baixa 94 57 151 62,3 2,35 (1,30 a 4,26) Média Alta/ Média 26 37 63 41,3 1 Ingestão de doces < 0,05 Diariamente 65 32 97 67,0 2,20 (1,27 a 3,80) Não diariamente 60 65 125 48,0 1 Não diariamente 31 14 45 68,9 2,04 (1,02 a 4,07) Diariamente 89 82 171 52,0 1 Escovagem dos dentes < 0,05 Quadro II - Principais factores de risco para a presença de mal oclusão Factores de risco Mal oclusão Sim Não Total % Mal oclusão Odds Ratio (intervalo de confança 95%) Sucção na chupeta p <0,05 Sim 11 9 20 55,0 3,14 (1,70 a 5,78) Não 39 165 204 19,1 - Idade de deixar a chupeta < 0,05 >= 3 anos 28 62 90 31,1 3,76 (1,71 a 8,28) < 3 anos 9 75 84 10,7 - Sim 7 4 11 63,6 6,92 (2,25 a 18,9) Não 43 170 213 20,2 - Sim 17 34 51 33,3 2,09 (1,05 a 4,16) Não 33 138 171 19,3 Sucção digital < 0,05 Doces de longa duração < 0,05 artigo original 81 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 diferente distribuição etária, associada ao facto da avaliação do estado das peças dentárias ter sido efectuada por um observador diferente do ENPCDPE sem validação inter ou intra observador, dificulta a comparação dos resultados obtidos com os do estudo epidemiológico nacional anteriormente mencionado. No entanto, a prevalência de crianças livres de cárie dentária na nossa amostra foi de 43,3% do total de crianças (47,2% das crianças com idade inferior ou igual a seis anos e 38,6% das crianças com idade superior a sete anos), proporção sempre superior à que foi observada no total de crianças de seis anos estudadas no ENPCDPE (33%), sendo esta diferença ainda maior se comparada apenas com as crianças de seis anos da Região Norte (29,1%)(11). Salvaguardando algum erro na comparação, pelas razões já referidas, estes valores traduzem ganhos em saúde estando porém, aquém da meta dos 50% de crianças livres de cáries preconizada pela OMS para 2000(11,12,13). A prevalência de cárie dentária na dentição temporária das crianças estudadas, representada pelo índice de cpo, foi mais baixa do que a encontrada a nível nacional no ENPCDPE (3,56), sendo ainda maior a diferença quando comparada apenas com as crianças da Região Norte (3,85)(11). A prevalência de cárie dentária na dentição definitiva, representada pelo índice CPOd, foi bastante mais baixa nas crianças com idade igual ou inferior a seis anos do que a encontrada no ENPCDPE (0,23), esta diferença é menor quando comparada apenas com as crianças da Região Norte (0,21)(11). Nas crianças com idade superior a seis anos o índice de CPOd encontrado foi superior ao do referido estudo sustentando o facto referido por vários estudos, que a prevalência da cárie dentária aumenta com a idade(11-13). A cárie dentária na dentição definitiva deveu-se à presença de cárie no primeiro molar definitivo, tendo correspondido a todos os casos de doença na dentição permanente. De modo semelhante a estudos anteriores, a doença na dentição permanente de crianças com seis anos de idade corresponde à doença no primeiro molar definitivo(11). 82 artigo original Outros estudos realizados em Portugal(14), também encontraram um declínio na prevalência de cárie dentária, o que poderá traduzir um melhoramento das práticas de higiene oral e um acesso aos serviços médicos mais facilitado apesar de apenas 21% das crianças das nossa amostra ter referido já ter ido ao dentista, proporção semelhante aos 20,5% encontrados no ENPCDPE em 1999(11). A associação encontrada entre a prevalência de cárie dentária e a classe social não foi consistente. Níveis socioeconómicos mais baixos associaram-se à presença de cárie dentária apenas quando o nível socioeconómico foi avaliado pela classificação de Graffar(10), não se demonstrando quando comparada com outros indicadores como o nível de escolaridade dos pais/ educadores ou o número de agregado familiar. A classificação social internacional de Graffar encontra-se deslocada no tempo pois valoriza aspectos de qualidade de vida hoje ubiquitários em quase todas as faixas sociais tendo perdido boa parte da sua capacidade discriminativa. No entanto, apesar de pouco idónea, continua a ser um instrumento de classificação social da família muito utilizado e o único que permitiu, no presente estudo, encontrar uma associação significativa entre a presença de cárie dentária e níveis socioeconómicos mais baixos, conforme é referido por vários autores(5-10-14). Esta associação sugere que crianças provenientes de níveis sociais mais desfavorecidos devam beneficiar mais de serviços preventivos mais intensivos e mais frequentes devendo ser feito um maior esforço de educação e promoção da saúde oral neste sector da população. A redução do imposto nos produtos de higiene dentária, que são taxados com o escalão mais elevado do Imposto de Valor Acrescentado (IVA), é uma das medidas que pode ser instituída. No estudo apresentado, não foi encontrada qualquer relação estatisticamente significativa entre o aleitamento materno e a presença ou não de cáries dentárias o que está de acordo com outros estudos(13). Também não foi encontrada relação entre a idade de introdução do leite de vaca inteiro e a presença de cárie dentária, o que não confirma os resultados encontrados em alguns estudos animais que mostram que o leite de vaca não só não é cariogénico como tem acção cariostática(15). A proporção de crianças que apresentaram cárie foi maior entre aquelas que referiram ingestão diária de doces em geral. Este resultado confirma o de outros estudos que apontam como um dos mais importantes factores ambientais para a presença de cárie, a ingestão de açucares(5-14). Apesar dos açucares de longa duração serem apontados como tendo maior potencial cariogénico, no presente estudo não se encontrou uma diferença significativa entre a ingestão diária deste tipo de açucares e a de açucares de curta duração(5). Na nossa amostra, as crianças que ingeriam doces diariamente apresentaram maior proporção de cárie dentária, independentemente do tipo de açúcar ingerido. Apesar de não ser encontrada explicação para este resultado, a associação entre a ingestão de todo o tipo de doces e a presença de cárie dentária valoriza a importância de eliminar a sua ingestão na dieta diária, dificultando o seu acesso e promovendo hábitos alimentares saudáveis junto das crianças e seus familiares. O uso de biberão e o hábito de sucção na chupeta ou digital não se associaram a uma maior prevalência de cárie o que está de acordo com estudos anteriores(15). Alguns estudos referem o efeito benéfico do flúor tópico na prevenção de cáries dentárias. O seu uso é recomendado após os seis anos na forma de bochechos fluoretados quinzenais no Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral (PNPSO). Na nossa amostra, não se encontrou associação entre o uso de flúor e a presença de cáries mas encontrou-se uma associação entre o hábito de escovar os dentes e a ausência de cáries o que está de acordo com os resultados encontrados noutros estudos que associam ao hábito de escovar os dentes um efeito preventivo do aparecimento de cáries e suporta as medidas do novo PNPSO que incentiva à escovagem diária dos dentes desde a erupção do primeiro dente(1-4-16-17). Existe uma grande dificuldade em efectuar a análise comparativa de prevalência de má oclusão mediante a heterogeneidade de critérios de classificação adoptados(17). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 A prevalência de má oclusão na nossa amostra foi de 22,3%, este valor não é muito elevado quando comparado com estudos anteriores cujas prevalências variam entre os 17 e os 79,3%(6-18-19-20). A persistência de hábitos deletérios, como a sucção digital ou na chupeta, para além dos três anos, associou-se a um maior risco de má oclusão, pois é nesta fase que se observa o maior potencial para ocasionar anomalias persistentes da oclusão dentária(17-18-19). A presença deste tipo de hábitos, associada ou não ao uso de biberão, envolve os músculos orofaciais de tal forma que faz com que o seu impacto no palato seja o presumível responsável pelo mau alinhamento dentário(19-20). As crianças que referiram ingerir diariamente doces de longa duração apresentaram maior percentagem de má oclusão. Esta relação pode dever-se ao tipo de envolvimento dos músculos orofaciais que este tipo de alimentos requer e que poderão provocar alterações no palato responsáveis pelo mau alinhamento dentário. Outros estudos são necessários para confirmar esta hipótese. Vários estudos apontam o aleitamento materno como preventivo da má oclusão dentária sendo este considerado como o estímulo ideal para o desenvolvimento dos componentes muscular e esquelético do complexo orofacial(20-21). Este dado não foi confirmado no nosso estudo, pois apesar da proporção de má oclusão ter sido menor nas crianças que fizeram aleitamento materno para além dos três meses, esta associação não foi estatisticamente significativa. CONCLUSÕES Estes resultados traduzem ganhos em saúde por apresentarem menor prevalência de cárie dentária do que estudos epidemiológicos anteriores. Porém, mais de metade das crianças estudadas apresentaram cárie dentária não tendo, assim, sido atingida a meta estabelecida pela OMS para o ano 2000. A cárie dentária associa-se a vários factores que têm de ser considerados aquando da concepção de programas de promoção da saúde oral nomeadamente, classes socioeconómicas mais baixas, maus hábitos alimentares (como a ingestão diária de doces) e hábitos de higiene oral deficitá- rios (a não escovagem dos dentes). A má oclusão dentária é também um problema de saúde pública que tem de ser prevenido, associa-se a hábitos deletérios como a sucção não alimentar devendo estes ser desencorajados principalmente após os três anos de idade. O aleitamento materno previne a má oclusão e deve ser encorajado. A prevalência de crianças acompanhadas pelo médico dentista no sentido da prevenção e tratamento da cárie e da má oclusão pouco tem aumentado sendo ainda muito deficitária, o acesso a este tipo de cuidados de saúde deve ser facilitado e estimulado. Existe uma relação causal directa entre o declínio da cárie dentária e a implementação de programas preventivos no entanto, a actual situação da saúde oral ainda requer muitos melhoramentos sendo importante dar mais ênfase à implementação efectiva de programas preventivos dirigidos à promoção de saúde oral nas escolas e na população em geral focando, em especial, as classes socioeconómicas mais desfavorecidas. PRESCHOOL AND SCHOOL AGE CHILDREN ORAL HEALTH IN AN URBAN SETTING ABSTRACT Introduction: Dental caries and malocclusion are important odontologic problems in childhood and have multifactorial etiology. Objectives: To assess the prevalence of dental caries, malocclusion and oral heatlh habits in preschool and school age children. Methods: Dentition status and dental aesthetic index of preschool and second degree children from public schools in an urban area was evaluated. Children and caregivers completed a questionnaire about dental health habits. The socioeconomic status was determined. Results: Among the population of 277 children, 224 were elligible. Mean age was six years old (three to ten years old) with five and seven years old mode ages. Dental caries were registered in 127 children (56.7%), 52.8% among children with six years old or younger and 61.4% of the children older than six years old. In temporary dentition the dmf índex among all children was 1.84 (1.5 decayed, 0.067 missing due to caries and 0.27 filled), 1.72 (1,45 decayed, 0.033 missing due to caries and 0.24 filled) in children with six years old or younger and 1.99 (1.58 decayed, 0.11 missing due to caries and 0,30 filled) in children older than six years old. In permanent dentition the DMF index was 0.17 (0.17 decayed), 0.008 (0.008 decayed) in children with six years old or younger and 0.38 (0.38 decayed) in children older than six years old. A significant higher prevalence of caries was found in children who did not wash their teeth daily, (68.9% vs 52%, p < 0.05), that ingested sugars at least once daily (67% vs 48%, p< 0,05) and that belonged to a lower socioeconomic status. Fifty children presented malocclusion (21.1% among children with six years old or younger and 2.0% of the children older than six years old). The presence of malocclusion was associated with the use of a pacifier (55% vs 19.4%, p< 0.05) and in those children who stopped using a pacifier after the age of three years (31.1% vs 10.7%, p< 0.05), with finger-sucking habit (63.6% vs 20.2%, p< 0.05), with long-lasting sources of sugars daily ingestion (33.3% vs 19.3%, p <0.05) and with the use of bottle-feeding (34.3% vs 20.2%, p< 0.05). Bottle-feeding was associated with the use of a pacifier (25.7% vs 5.8%, p< 0.05) and finger-sucking habit (27.3% vs 8.0%, p <0.05). Discussion: When compared with previous nacional epidemiologic studies a higher proportion of free-caries children were found in this study. Malocclusion was associated with the presence of finger sucking and a pacifier sucking habit beyond three years old. Conclusion: Dental caries and malocclusion prevalence are high, higher in older ages, multifactorial and associated to many preventable factors. Key-words: Dental caries; Malocclusion; Dental aesthetic index; Prevalence; Habits; Oral health. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 78-84 artigo original 83 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 BIBLIOGRAFIA 1. Krol DM. Dental Caries, Oral Health, and Pediatricians. Curr Probl Adolesc Health Care, 2003; 33:253-270. 2. Cabral G. 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CORRESPONDÊNCIA Marta João Silva Rua das Mimosas nº 39 4475-079, Maia E-mail: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Trombose dos Seios Venosos Cerebrais em Criança com Síndrome Nefrótico: Caso Clínico Filipa Balona1, Graça Ferreira1, Eduarda Marques1, António Vilarinho1 RESUMO As crianças com síndrome nefrótico (SN) têm um risco aumentado de complicações tromboembólicas. A trombose dos seios venosos cerebrais (TSVC) é uma complicação rara nesta população, com poucos casos descritos na literatura, mas tem sido diagnosticada cada vez com maior frequência. Descreve-se o caso de uma criança do sexo masculino, de três anos e meio de idade, com síndrome nefrótico corticodependente e cefaleias, a quem foi diagnosticada trombose do seio longitudinal superior e dos componentes laterais dos seios transversos por ressonância magnética (RMN) cerebral com angio-ressonância (angio-RM). Iniciou tratamento com heparina de baixo peso molecular, com resolução da trombose, após três meses e meio de tratamento. A partir do nosso caso e da revisão da literatura, realça-se a importância da RMN cerebral com angio-RM no diagnóstico da TSVC em crianças com SN, que desenvolvam sintomas neurológicos e a necessidade de iniciar, de imediato, o tratamento hipocoagulante, de forma a evitar complicações graves. Palavras-chave: Síndrome nefrótico; Trombose dos seios venosos cerebrais; Ressonância magnética com angio-ressonância; Heparina de baixo peso molecular INTRODUÇÃO O síndrome nefrótico (SN) está associado a um estado de hipercoagulabilidade e risco aumentado de complicações tromboembólicas. A incidência destas complicações em crianças com SN varia entre 2 e 5%(1), sendo mais baixa do que nos adultos(1,2), o que se pode dever ao facto de a nefropatia membranosa ser a causa mais frequente de SN idiopático em adultos, lesão que está mais associada a trombose (2,3). Em crianças, o SN por lesões mínimas é a lesão mais comum e tem o risco mais baixo de trombose(2). No entanto, a verdadeira incidência pode estar subestimada, uma vez que muitos eventos tromboembólicos são assintomáticos(4). A trombose pode ser venosa ou, menos frequentemente, arterial. Os vasos atingidos com maior frequência são a veia renal, a artéria pulmonar, as veias profundas dos membros inferiores, veia cava inferior e artéria femoral/ ilíaca(4,5). A trombose dos seios venosos cerebrais (TSVC) apesar de pouco frequente em crianças com SN, com poucos casos descritos na literatura e na sua maioria publicados isoladamente, pode estar associada a uma maior morbilidade quando comparada com outras localizações(6). Os autores, a propósito do caso descrito, tecem algumas considerações sobre TSVC e SN. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 85-88 __________ 1 Serviço de Pediatria do C H de Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, raça caucasiana, três anos e meio de idade, com SN diagnosticado aos dois anos e oito meses. Vinte dias após suspender a corticoterapia, teve primeira recidiva do SN e um mês e meio depois, quando em fase de redução da corticoterapia (prednisolona oral, 40 mg/m2/dias alternados), recorreu ao serviço de urgência (SU) por cefaleias frontais com três dias de evolução, acompanhadas de fotofobia e vómitos esporádicos. À admissão no SU apresentava-se prostrado, irritado, apirético, normotenso, com sinais meníngeos negativos e exame neurológico normal. Os exames complementares revelaram hemograma, função renal, ionograma e proteína C reactiva normais, proteínas totais 5,0 g/dL (N: 6,0-8,0), albumina 2,6 g/dL (N: 3,8-5,4) e proteinúria de 3,7 mg/m2/h. Tomografia computorizada (TC) cerebral sem contraste e citoquímica do líquor normais. Por persistência das cefaleias, prostração e fotofobia, e para excluir uma TSVC, realizou ressonância magnética (RMN) cerebral com angio-ressonância (angioRM) (Figuras 1, 2, 3 e 4), que revelou “Ausência completa de fluxo no seio longitudinal superior e significativa, embora parcial, nos componentes laterais dos seios transversos, traduzindo a sua oclusão / trombose …”. O estudo da coagulação foi normal, excepto um ligeiro aumento do fibrinogénio (536 mg/dL; N: 200-400). O estudo protrombótico revelou níveis de antitrombina III 127% (N: 80-120), proteína C 135% (N: 70-130), proteína S 63% (N: 64-105) e inibidor lúpico 23,2 seg (N: 31-43). O rastreio de trombofilias hereditárias foi negativo para a mutação do factor V de Leiden e demonstrou heterozigotia para a mutação G20210A do gene da protrombina, homozigotia para a variante termolábil C677T do gene da metilenotetrahidro- casos clínicos 85 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Figuras 1 e 2 – A área de hiperssinal em T2 FLAIR, também identificada em T1 (setas), traduz a presença de trombo. Figuras 3 e 4 – A angio-ressonância mostra ausência completa de fluxo no seio longitudinal superior e significativa, embora parcial, nos componentes laterais dos seios transversos. Figuras 5 e 6 - A ausência de área de hiperssinal em T2 FLAIR e em T1, traduz a resolução do trombo. Figuras 7 e 8 – A angio-ressonância mostra que todos os seios durais estão patentes, embora de calibre irregular. 86 casos clínicos folato reductase (MTHFR), com homocisteína total 6,6 μmol/L (N: 4,2-14,6) e homozigotia para o polimorfismo 4G/5G do gene do inibidor do activador do plasminogénio - tipo 1 (PAI-1). Iniciou tratamento com heparina de baixo peso molecular subcutânea (enoxaparina), 1 mg/Kg/dose de 12/12h, com rápida melhoria clínica. Repetiu RMN cerebral com angio-RM (Figuras 5, 6, 7 e 8), aos três meses e meio de hipocoagulação, que revelou: “Todos os seios durais estão actualmente patentes, embora de calibre irregular, reflectindo recanalização do processo de trombose visível anteriormente”. A enoxaparina foi mantida durante seis meses, seguida de profilaxia com ácido acetilsalicílico, na dose de 5 mg/Kg/dia. Actualmente, a criança encontra-se assintomática e sem qualquer sequela neurológica. DISCUSSÃO A TSVC em crianças é um distúrbio raro, com uma incidência é de 0,67 casos por 100 000 crianças por ano, o que é provavelmente um subestimativa da verdadeira frequência(7). É uma complicação rara do SN, quer seja corticossensível ou corticorresistente(6,8), mas o aumento no número de casos descritos sugere que possa ter sido subdiagnosticada no passado(6). Divekar et al encontraram apenas um caso de TSVC em 700 crianças com SN seguidas durante um período de 17 anos(9). A incidência exacta é desconhecida, mas parece representar entre 4,7 % e 6% de todos os casos de TSVC em crianças, excluindo os recém-nascidos(6). Vários factores contribuem para o estado de hipercoagulabilidade em crianças com SN. Estes incluem aumento da actividade procoagulatória (aumento dos níveis plasmáticos de fibrinogénio, factores V e VIII), perda urinária de antitrombina III, alteração do sistema fibrinolítico (aumento de α2-antiplasmina e diminuição de plasminogénio), trombocitose e aumento da activação e agregação plaquetárias(4,6,10,11). A hemoconcentração, resultado da contracção do volume plasmático, pode contribuir para o estado de hipercoagulabilidade(6,12) e a NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 hiperlipidemia por si só também pode ser protrombótica(6). O uso de diuréticos, infecção, imobilização, desidratação e traumatismos vasculares podem constituir factores predisponentes adicionais(4,6,8). A contribuição dos corticóides permanece controversa(6). No maior estudo de crianças com SN e TSVC, que incluiu um total de 21 casos, o défice de antitrombina foi a anomalia da coagulação encontrada com maior frequência, não tendo sido identificados défices de outros inibidores da coagulação (proteína S, proteína C). No entanto, uma hipoalbuminemia grave (< 2,0 g/dL) foi o factor de risco mais frequente. Esta condiciona hipovolemia, com consequente aumento da viscosidade do sangue. No mesmo estudo, apesar de não estarem disponíveis dados relativos a trombofilias hereditárias na maioria dos casos descritos, foi documentado apenas um caso (mutação do Factor V de Leiden), sugerindo que anomalias da coagulação adquiridas, mais do que genéticas, estão envolvidas no desenvolvimento de trombose(6). Um outro factor importante a considerar é o aumento da lipoproteína (a) [Lp(a)], que está associado a um compromisso da fibrinólise(6) e mostrou ser o factor de risco protrombótico independente mais importante em crianças com TSVC(13). O nosso doente apesar de não apresentar proteinúria no momento do diagnóstico, encontrava-se ainda com dose elevada de corticóide e albumina sérica baixa, por recidiva recente. Tal como ainda não havia normalização dos valores da albumina, é plausível que as alterações da coagulação que acompanham o SN ainda persistissem, o que associado às alterações congénitas encontradas no estudo pró-trombótico seriam factores de risco para trombose. O doente apresentava um nível de fibrinogénio ligeiramente aumentado e heterozigotia para a mutação G20210A do gene da protrombina, que é um factor de risco para trombose venosa cerebral(14). O defeito genético mais comum responsável pela hiperhomocisteinemia, factor de risco para trombose venosa e arterial, é a homozigotia para a variante termolábil da MTHFR(15). Apesar do nosso doente apresentar ho- mozigotia para esta mutação, os níveis séricos de homocisteína eram normais. O polimorfismo 4G/5G no gene do PAI1 pode influenciar a expressão do PAI-1 e, como tal, comprometer a fibrinólise(16). Este polimorfismo parece aumentar o risco de trombose venosa em doentes com trombofilia hereditária(16), mas o seu papel na trombose venosa cerebral precisa de ser esclarecido. O diagnóstico de TSVC permanece difícil devido à sintomatologia neurológica inicial ser subtil e variável, como se verificou no caso descrito, mas um diagnóstico precoce é necessário para prevenir morbilidades graves(6,7). Porque o quadro clínico de TSVC é inespecífico, o diagnóstico é dependente da imagem(11). A TC cerebral é geralmente o primeiro exame de imagem realizado em crianças e adultos com sintomas neurológicos(6). Na maioria dos casos, o diagnóstico de TSVC pode ser feito com base nos achados da TC(10). No entanto, a TC convencional pode não detectar a presença de TSVC em até 40% das crianças e subestimar a extensão do trombo e a presença de enfartes venosos(6,17), sendo a RMN com angio-RM, o método de diagnóstico de escolha da TSVC em crianças(6,7,10,11,18). A combinação de um sinal anormal num seio venoso e a correspondente ausência de fluxo na angio-RM confirma o diagnóstico de trombose(18). Os estudos de imagem de crianças com TSVC e SN constatam uma predilecção pelo envolvimento do seio sagital superior, com envolvimento menos frequente do sistema venoso profundo e raras lesões do parênquima(6), o que está de acordo com os estudos publicados sobre trombose venosa cerebral em crianças(7,14,17) e com o caso descrito. A ausência de anomalias do parênquima cerebral contribui para o bom prognóstico, geralmente, encontrado nesta população(7,17). No nosso doente, a presença de um quadro de cefaleias, irritabilidade e prostração, fez-nos insistir na possibilidade de complicação tromboembólica ao nível do sistema nervoso central pelo que, apesar de uma TC cerebral normal, se procedeu à realização da RMN cerebral com angio-RM, que confirmou o diagnóstico. O tratamento de eleição é a hipocoagulação com heparina não-fraccionada ou heparina de baixo peso molecular (HBPM) durante cinco a sete dias, seguida de HBPM ou antagonistas da vitamina K durante três a seis meses(6,17), ou enquanto o doente tiver proteinúria nefrótica, um nível de albumina inferior a 2,0 g/dL ou ambos(10,11). A hipocoagulação em crianças com TSVC mostrou ser segura e eficaz(7,17,18) e tem como objectivo prevenir a propagação do trombo e diminuir a morbilidade e mortalidade associadas(7). Uma vez que o tratamento com heparina requer níveis adequados de antitrombina, que estão frequentemente reduzidos em doentes com SN, a reposição de antitrombina ou a administração de plasma fresco congelado pode ser necessária(6). A hipocoagulação profilática permanece controversa(6). Ela não é recomendada, a menos que o doente tenha tido um evento tromboembólico(4,6) ou tenha um alto risco de trombose com base numa concentração de albumina inferior a 2,0 g/dL, um nível de fibrinogénio superior a 6 g/L ou um nível de antitrombina III inferior a 70% do valor normal(4,6,19,20). O uso de ácido acetilsalicílico em baixas doses (2-5 mg/Kg/ dose) foi considerado, mas não foram realizados estudos controlados que demonstrem a sua eficácia na prevenção de tromboses(6). Durante uma recaída do SN, o uso prudente de diuréticos, a evicção de infecções e a manutenção do nível de albumina são todas medidas preventivas úteis(5). No caso descrito, dado o episódio de trombose e a presença de trombofilia hereditária optou-se por manter profilaxia com ácido acetilsalicílico. CONCLUSÃO A TSVC é uma complicação conhecida do SN. Como tal, deve ser considerada em qualquer doente com SN que apresente sintomas neurológicos, ainda que inespecíficos. Perante a suspeita de TSVC, deve ser realizada de imediato uma RMN com angio-RM porque um diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais para reduzir a morbilidade. casos clínicos 87 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 CEREBRAL SINOVENOUS THROMBOSIS IN A CHILD WITH NEPHROTIC SYNDROME: ABOUT A CASE REPORT ABSTRACT Children with nephrotic syndrome have an increased risk of thromboembolic complications. Cerebral sinovenous thrombosis is a rare complication in this population, with few cases reported in the literature, but is being increasingly recognised. We report the case of a three and a half years old boy with a steroid dependent nephrotic syndrome and headache, to whom superior sagittal sinus and transverse sinuses thrombosis was diagnosed by brain magnetic resonance imaging with magnetic resonance angiography. Began treatment with low molecular weight heparin, with resolution of the thrombosis after three and a half months of treatment. Through our case and the review of the literature, we emphasize the importance of brain magnetic resonance imaging with magnetic resonance angiography in the diagnosis of cerebral sinovenous thrombosis in children with nephrotic syndrome, who develop neurological symptoms and the need to immediatly start hypocoagulation therapy, to prevent serious complications. Keywords: Nephrotic syndrome; Cerebral sinovenous thrombosis; Magnetic resonance imaging with magnetic resonance angiography; Low molecular weight heparin Nascer e Crescer 2009; 18(2): 85-88 BIBLIOGRAFIA 1. 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O exame objectivo revelou turribraquicefalia, occipital plano, acrocefalia, andar médio da face recuado, pavilhões auriculares de implantação baixa, hipertelorismo, exoftalmia, pirâmide nasal curta e larga, desvio inferior dos ângulos das comissuras labiais, mandíbula proeminente, fenda palatina no palato mole, úvula bífida e sindactilia completa dos pés e dos quatro dedos das mãos com polegares livres. Foi colocada a hipótese de SA. Enquanto não obtivermos correção do defeito molecular, a abordagem desta patologia é multidisciplinar. O tratamento deverá ser individualizado às características clínicas distintas do fenótipo do doente. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 89-92 INTRODUÇÃO O Síndrome de Apert (Acrocefalosindactilia tipo 1) é uma doença genética rara, descrita pela primeira vez em 1906(1,2). A sua incidência é de 1 para 160.000 nascimentos(3), sendo responsável por 4,5% de todas as craniossinostoses(1,4,5). Apesar da transmissão autossómica dominante, 98% das situações surgem por mutações espontâneas (sendo a frequência mais elevada nos casos em que a idade paterna é mais avança- __________ 1 2 Serviço de Pediatria do H de São Marcos Serviço de Cirurgia Plástica do H de São Marcos da)(1,6,7). O diagnóstico é efectuado essencialmente no período neonatal pela observação da tríade, craniossinostose, alterações cranio-faciais e sindactilia das mãos ou pés(1,6). Face à raridade desta patologia, apresentamos o seguinte caso clínico, para reforçar a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para uma correcta orientação terapêutica. CASO CLÍNICO Recém-nascido do sexo feminino, de termo, filha de pais jovens (Mãe com 29 anos, Pai com 27 anos), saudáveis e não consanguíneos. A gestação foi vigiada, sem intercorrências e com serologias maternas: Toxoplasmose IgM (-) IgG (+), Rubéola IgM (-), VDRL (-), Atg HBs (-), anti HIV (-). As ecografias pré-natais foram relatadas como “normais”. Parto eutócico às 38 semanas e 5 dias. Índice de Apgar de 9 ao primeiro minuto e de 10 ao quinto e décimo minutos. Somatometria adequada à idade gestacional: peso: 3050g (P25), comprimento: 48cm (P25) e perímetro cefálico: 33,5cm (P10-25). O exame objectivo revelou turribraquicefalia, occipital plano, acrocefalia, andar médio da face recuado, pavilhões auriculares de implantação baixa, hipertelorismo, exoftalmia, pirâmide nasal curta e larga, desvio inferior dos ângulos das comissuras labiais, mandíbula proeminente, fenda palatina no palato mole, úvula bífida e sindactilia completa dos pés e dos quatro dedos das mãos com polegares livres (Figura 1 e 2). Foi colocada a hipótese de Síndrome de Apert. A radiografia do crânio revelou fusão das suturas coronais, turribraquicefalia, hipertelorismo e hipoplasia maxilar (Figura 3). A radiografia das mãos e dos pés mostrou sindactilia membranosa. A tomografia axial computorizada (TAC) crânio-encefálica confirmou os achados radiológicos. A ecografia abdominal e cardíaca não evidenciaram alterações. A criança teve alta aos 3 dias de vida e foi orientada para as Consultas de Pediatria Geral, Cirurgia Plástica, Genética Médica, Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia. Foi observada por Neurocirugia que manteve atitude conservadora face à evolução favorável do perímetro cefálico. Iniciou correcção cirúrgica da sindactilia aos 21 meses (Figura 4). Aos 2 anos teve diagnóstico de miopia do olho direito (- 4,00 dioptrias). Exame audiológico normal. Crescimento estaturo-ponderal adequado. Actualmente com 3 anos (Figura 5), apresenta um atraso do desenvolvimento psico-motor condicionado pela sua limitação física apesar da correcção da sindactilia, nas vertentes da motricidade fina e comportamento e adaptação social. Na motricidade fina: pega em objectos grosseiramente, não constrói torres de cubos, nem imita a cruz, tem limitação na oponência do polegar e no comportamento e adaptação social: não come com colher e garfo, nem se despe. Na motricidade grosseira não apresenta limitações (sobe escadas alternadamente, desce com os pés no mesmo degrau, tem equilíbrio momentâneo num pé). Na linguagem tem pouco vocabulário, diz o primeiro nome e faz frases com 4 palavras. Encontra-se actualmente em Consultas de Terapia da Fala e Ocupacional. DISCUSSÃO Ao longo das últimas décadas inúmeros estudos foram efectuados com o intuito de prevenir e tratar as alterações casos clínicos 89 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Figura 1 - Turribraquicefalia, acrocefalia, andar médio da face recuado, pavilhões auriculares de implantação baixa, hipertelorismo, exoftalmia, pirâmide nasal curta e larga, extremidades dos lábios desviadas inferiormente, mandíbula proeminente e sindactilia completa dos 4 dedos das mãos com polegares livres Figura 2 - Sindactilia dos pés 90 casos clínicos genéticas, no entanto os síndromes polimalformativos constituem uma importante causa de morbilidade. Mesmo conhecendo-se o modo de transmissão, muitos ocorrem esporadicamente, o que torna a sua erradicação impossível, tornando-se portanto necessário o conhecimento máximo destas situações(7). O defeito genético advém de mutações missense no gene do receptor dois do factor de crescimento do fibroblasto,(FGFR2) mapeado no cromossoma dez(1,5,8). Pensa-se que estas mutações causem uma resposta exagerada dos androgénios nas epífises, ocasionando uma fusão epifisária precoce e as alterações esqueléticas que o caracterizam(2,6). Foram encontradas duas mutações, a Pro253Arg e a Ser252Trp com expressões fenotípicas distintas, sendo a sindactilia mais pronunciada na primeira e as alterações craniofaciais mais marcadas na segunda(1,5). As características clínicas que caracterizam este síndrome são várias, nomeadamente a fusão precoce da sutura coronal, acarretando o aspecto de turricefalia com achatamento do occipital e proeminência da fronte. As fontanelas encerram tardiamente e o andar médio da face é recuado. Os pavilhões auricula- Figura 3 - Fusão das suturas coronais, turribraquicefalia, hipertelorismo e hipoplasia maxilar NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 res são de implantação baixa, por vezes existindo défice auditivo. Hipertelorismo, proptose, exoftalmia, estrabismo, ambliopia e atrofia óptica são as manifestações oculares mais frequentes(1,6,9). A pirâmide nasal é larga e curta, podendo por vezes estar presente a estenose ou a atrésia das coanas. Em 40% dos doentes verifica-se algum compromisso das vias aéreas o que pode originar apneia de sono e problemas anestésicos(1,6). A mandíbula é proeminente, há desvio inferior dos ângulos das comissuras labiais, o palato é arqueado e a úvula é bífida. Poderá ocor- rer dentição supranumerária, má oclusão e atraso na dentição(1,6,9). Sindactilia membranosa ou óssea, incompleta ou completa das mãos ou pés é um achado frequente. Algumas das características clínicas supracitadas estão presentes na nossa doente, no entanto a inexistência de compromisso das vias aéreas é uma mais-valia para o seu prognóstico. As alterações do sistema nervoso central são vastas; ventriculomegalia, agenesia do corpo caloso, malformações das estruturas límbicas e do feixe piramidal. Em situações de aumento súbito da pressão Figura 4 - Correcção cirúrgica da sindactilia Figura 5 - Aspecto actual da doente intracraneana, poderá surgir edema da papila e atrofia óptica com défice visual consequente(1). Um número significativo de doentes apresenta quoeficiente de inteligência (QI) dois desvios padrões abaixo da média(9), no entanto estão descritos casos de doentes com QI normal. Pensase que o atraso mental, esteja directamente relacionado com a presença de malformações cerebrais(1). A nossa doente não apresenta malformações cerebrais e até ao momento apresenta um atraso do desenvolvimento psico-motor, no entanto não podemos ainda estabelecer um QI. As limitações da motricidade fina e do comportamento social que a mesma apresenta estão relacionadas com a patologia a si inerente. As lesões cutâneas características são a hiperhidrose, as lesões acneiformes, a hipopigmentação e a hiperqueratose plantar(1). As lesões dermatológicas não estão presentes no caso relatado. Malformações cardiovasculares (defeitos do septo auricular, ventricular, estenose pulmonar, coarctação da aorta, dextrocardia, Tetralogia de Fallot), genitourinárias (rim poliquístico, hidronefrose, útero bicórnio, atrésia vaginal, clitoromegalia, criptorquidismo), gastro-intestinais (estenose pilórica, atrésia esofágica, ânus imperfurado) e respiratórias (fístula traqueo-esofágica, aplasia pulmonar, ausência do lobo médio pulmonar) apresentam neste Síndrome a frequência 10%, 9,6%, 1,5% e 1,5%, respectivamente(1,6). No caso descrito nenhuma destas malformações foi diagnosticada. O atraso do crescimento é característico deste Síndrome, tornando-se este mais pronunciado na adolescência(4). O diagnóstico é primariamente clínico, comprovando-se a craniossinostose pela realização de radiografias craneanas. A TAC ou ressonância magnética raquidiana cerebrais evidenciam a existência de malformações cerebrais. A realização de radiografias da coluna, das mãos e dos pés comprovam a existência de outras malformações. Será necessário excluir a existência de malformações cardíacas, genito-urinárias, gastro-intestinais e respiratórias através de exames adequados(1). Uma avaliação do défice cognitivo e da condução neurossensorial deverão ser realizadas(10). casos clínicos 91 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 O tratamento médico baseia-se na prevenção das infecções e no tratamento das complicações. O aconselhamento psicológico e genético é imprescindível. O tratamento cirúrgico das malformações craniofaciais poderá iniciar-se aos três meses de idade, no entanto sendo necessárias reconstruções seriadas. Por vezes, será necessário realizar derivações ventriculo-peritoneais para diminuir a pressão intracraneana. A reparação cirúrgica da sindactilia é efectuada para melhorar a capacidade funcional. Enquanto o defeito genético não puder ser corrigido, estes doentes dependerão de uma abordagem multidisciplinar(1,6). O tratamento deverá ser individualizado de acordo com as características fenotípicas presentes(7). No caso supracitado foi efectuada a reparação cirúrgica da sindactilia, que é realizada seriadamente e optou-se por uma abordagem mais conservadora relativamente à craniossinostose, tendose decidido intervir cirurgicamente apenas se ocorrerem sinais ou sintomas de aumento da pressão intracraneana, dado a doente apresentar uma evolução favorável do perímetro cefálico. O prognóstico depende essencialmente das malformações cerebrais associadas, estando as do septo pelúcido directamente relacionadas com uma diminuição no QI. O ambiente familiar em que a criança se enquadra é outro factor determinante da capacidade intelectual, apresentando as institucionalizadas um QI três vezes inferior(1). Na inexistência de história familiar, o diagnóstico pré-natal é dificilmente efectuado por ecografia fetal(8). Várias são as alterações ecográficas inespecíficas durante a gestação que levam ao diagnóstico de Síndrome de Apert, nomeadamente ventriculomegalia, agenesia do corpo caloso e anomalias cardíacas, contudo, à excepção da ventriculomegalia, as restantes apenas são visíveis a partir do segundo trimestre de gestação. A turricefalia e o hipertelorismo, típicos deste Síndrome invulgarmente são observados no segundo trimestre de gestação tornandose evidentes apenas no terceiro trimestre. A avaliação pormenorizada das mãos 92 casos clínicos não consta do protocolo de avaliação ecográfica pré-natal, no entanto há uma descrição de identificação da sindactilia às 17 semanas, num feto com história familiar desta patologia. Quintero-Rivera recomenda que após observação de ventriculomegalia ou agenesia do corpo caloso, seja realizada uma amniocentese e se o cariótipo não revelar alterações, se deva efectuar estudo molecular para o Síndrome de Apert(11). A correcta orientação deste doente através de uma abordagem multidisciplinar permitiu a identificação de todas as malformações subjacentes à sua patologia e consequentemente a prevenção das complicações associadas, proporcionando assim um melhor prognóstico. APERT SYNDROME: CASE REPORT ABSTRACT Apert syndrome is a rare genetic disorder. A term female newborn was born by a euthocic delivery of an uncomplicated pregnancy. The prenatal ultrasound was reported as normal. On examination the girl´s skull appeared turribrachycephaly with a flat occiput. She also presented retruded midface, low-set ears, exophthalmia, slight hypertelorism, short broad nose, prominent mandible, down-turned corners, cleft palate, bifid uvula and symmetric syndactyly of the fourth digits of the hands and all the toes of the feet. A provisional diagnosis of Apert’s Syndrome was established. Until there is a means to correct the molecular defect, management must rely on a strong multidisciplinary approach. Treatment should be tailored to each individual patient’s needs. 2. Mukhopadhyay AK, Mukherjee D. Apert´s Syndrome. Indian J Dermat; Vener and Lep 2004; 70 (2):105-107. 3. Erlanger Health System. Craniofacial dysostosis. Tennessee Craniofacial Center 1997; 1 (800) 418-3223. 4. Hosalkar HS, Shah HH, Gujar PP, Chaudhari AA. Images in Medicine: Apert´s Syndrome. Journal of Postgraduate Medicine 2000; 46(2):129. 5. Ibrahimi OA, Chiu ES, MaCarthy JG, Mohammadi M. Understanding the Molecular basis of Apert Syndrome. Plast Reconstr Surg 2005; 115: 264-269. 6. 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Palavras- chave: Pneumonia, Staphylococcus aureus, pneumatocelo. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 93-95 INTRODUÇÃO Os pneumatocelos são cavidades de paredes finas preenchidas por ar, no parênquima pulmonar. A inflamação e edema dos brônquiolos distais conduz à formação de um fenómeno de válvula que, por sua vez, leva ao aprisionamento de ar e sobredistensão dos espaços alveolares distais com destruição das paredes alveolares e consequente aparecimento de cavidades císticas(1). Geralmente surgem no decurso de uma pneumonia, mas podem ser causados por traumatismo ou ingestão de hidrocarbonetos(2). A incidência dos pneumatocelos após pneumonia é de 2-8%, mas pode __________ 1 Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa - EPE atingir os 45-65% no caso de se tratar de pneumonia estafilocóccica(3). Raramente são visíveis na radiografia inicial, surgindo após o quinto dia de doença. A história clínica e o exame físico são inespecíficos e o diagnóstico é feito pela radiografia pulmonar. A tomografia computorizada pode ser necessária para uma melhor caracterização da lesão, sendo objectivos fundamentais a exclusão de patologia malformativa e a presença de abcesso pulmonar. O tratamento é o da patologia de base e no caso dos pneumatocelos de causa infecciosa a antibioterapia é quase sempre empírica, dada a dificuldade de isolamento de agente. No entanto, a opção terapêutica deve ter em consideração que os agentes mais frequentemente implicados são o Staphylococcus aureus e o Streptococcus pneumoniae. No período neonatal deve ser considerada a possibilidade de infecção por Escherichia coli(4). As complicações são raras e na maioria dos casos a evolução é favorável, com resolução completa sem sequelas. Os autores descrevem um caso de uma lactente com 1 mês de vida, com lesões císticas no parênquima pulmonar. A particularidade deste caso reside na idade da criança, que condiciona um maior leque de hipóteses de diagnóstico. CASO CLÍNICO Lactente com 1 mês e 6 dias, referenciada ao Serviço de Urgência por quadro de obstrução nasal, tosse e recusa alimentar com 2 dias de evolução. Sem febre ou gemido. Trata-se de uma primeira filha de pais não consanguíneos, fruto de gravidez vigiada e sem intercorrências. Foi realizado rastreio de Streptococcus agalac- tiae que foi negativo. Parto por cesariana às 38 semanas com índice de Apgar 9/10 e antropometria adequada à idade gestacional. Fez sempre aleitamento materno exclusivo com boa evolução ponderal. Sem antecedentes familiares patológicos relevantes. Ao exame objectivo apresentava bom aspecto geral, boa perfusão periférica, tiragem subcostal, com uma frequência respiratória de 50 ciclos/ minuto e saturação de oxigénio em ar ambiente de 100%. Na auscultação pulmonar eram audíveis sons respiratórios simétricos com tempo expiratório prolongado e crepitações dispersas. O restante exame era irrelevante. Os exames auxiliares de diagnóstico revelaram anemia (Hbg de 7,8g/dl); leucopenia (3,5x109/L com 44,8% de neutrófilos e 43,1% de linfócitos), Proteína C Reactiva (PCR) negativa e exame virulógico de secreções nasofaríngeas positivo para Vírus Sincicial Respiratório. A radiografia pulmonar evidenciou infiltrado intersticial difuso e imagem de condensação no lobo superior direito (figura 1). Foi internada com o diagnóstico de bronquiolite complicada com atelectasia segmentar do lobo superior direito. No segundo dia de internamento houve um agravamento da dificuldade respiratória com necessidade de oxigenoterapia. Ao quinto dia iniciou febre pelo que repetiu estudo analítico que revelou ligeiro aumento da PCR (2,1mg/dL) com leucograma normal e radiografia pulmonar com imagem de hipotransparência heterogénea de contornos mal definidos na metade inferior do hemitórax esquerdo (figura 2). Por suspeita de sobreinfecção bacteriana iniciou terapêutica antibiótica com ampicilina e gentamicina, tendo ficado ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 93 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 94 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte apirética após 2 dias. A hemocultura foi estéril. Ao 12º dia constatou-se novo agravamento clínico com reaparecimento de febre, gemido e má perfusão periférica. A investigação efectuada mostrou leucocitose com neutrofilia, PCR de 10,8mg/dL e agravamento radiológico (figura 3). Por se tratar de uma pneumonia adquirida em meio hospitalar sob antibioterapia prévia, optou-se por alterar antibioterapia para amicacina, vancomicina e ceftriaxone, com melhoria do quadro nos dias seguintes. Também nesta altura a hemocultura foi estéril. Foi requisitada radiografia pulmonar de controlo ao 20º dia que evidenciou lesões cavitadas na metade inferior do hemitórax esquerdo (figura 4). A Tomografia computorizada torácica confirmou lesões císticas lobuladas no lobo inferior esquerdo (figura 5). Perante o diagnóstico de uma pneumonia nosocomial complicada com a presença de pneumatocelos sem agente identificado foi decidido manter antibioterapia com vancomicina 21 dias. Após a alta hospitalar foi orientada para a Consulta de Pediatria do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa e para a Consulta de Pneumologia Pediátrica do H.S.João. O estudo imunoalergológico e a radiografia torácica ao fim de 6 meses foram normais. Manteve vigilância durante 3 anos sem intercorrências. DISCUSSÃO A pneumonia é uma doença frequente na idade pediátrica, com uma incidência de 1 a 4,5 casos/ 100 crianças/ ano(5). Nos últimos anos tem-se assistido a um acréscimo da incidência de complicações das pneumonias(6), cujo mecanismo ainda não é totalmente conhecido. As hipóteses colocadas são a alteração da virulência ou dos padrões de resistência dos agentes habitualmente implicados e a modificação da resposta imunitária do hospedeiro(6). Os autores apresentam um caso clínico de uma lactente com 1 mês e 6 dias internada, inicialmente, por uma bron- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 quiolite a Vírus Sincicial Respiratório, com sobreinfeção bacteriana posterior e formação de pneumatocelos. Tal como na maioria dos casos descritos(7) os pneumatocelos não eram visíveis nas radiografias iniciais e surgiram ao vigésimo dia de internamento. O exame físico era inespecífico e o diagnóstico foi feito através da radiografia pulmonar, que revelou a presença de lesões radiolucentes com limites bem definidas sem níveis hidroaéreos (Figura 4). Os diagnósticos diferenciais colocados foram os de cisto broncogénico e malformação adenomatoide cística. O cisto broncogénico, apesar de ser uma malformação congénita raramente é diagnosticado ao nascimento, porque só se torna visível quando infecta. A malformação adenomatoide cística (MAC), embora rara, é uma das lesões congénitas pulmonares mais frequentes, com menor prevalência após o primeiro ano de vida. É uma lesão hamartrosa caracterizada pela paragem da maturação bronquiolar(8). O diagnóstico pode ser difícil ao nascimento porque a maioria das lesões são assintomáticas(9). A radiografia de tórax pode ser normal nos doentes com MAC, mas geralmente não existe alteração do seu padrão radiológico e por isso, neste caso, estaria presente na primeira radiografia efectuada. Com a Tomografia computorizada conseguimos uma melhor caracterização das lesões permitindo o diagnóstico mais provável de pneumonia com pneumatocelos. Pela impossibilidade de isolamento de agente através dos exames culturais, o que acontece frequentemente(5), foi decidido instituir antibioterapia empírica para os agentes mais frequentemente envolvidos, nomeadamente Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e bacilos gram negativo. Considerando que a percentagem de Staphylococcus aureus meticilinoresistentes pode atingir os 10%(4) na comunidade e, segundo alguns estudos(10), 29% em meio hospitalar, optou-se por manter vancomicina na dose de 40mg/ kg/dia durante 21 dias. As complicações descritas na literatura(11), como o pneumatocelo de tensão, pneumotórax ou pneumatocelo infectado, são raras, mas potencialmente fatais e podem exigir ventilação assistida com a transferência para uma Unidade de Cuidados Intensivos. Uma vez que uma infecção pulmonar anormalmente grave é a forma mais frequente de apresentação de uma imunodeficiência primária(6), é importante a realização de estudo imunológico para avaliar esta hipóteses diagnóstica. PNEUMONIA WITH PNEUMATOCELE CASE REPORT ABSTRACT Pneumatoceles are air-filled cysts that develop in the pulmonary parenchyma usually during pneumonia. Staphylococcus aureus is the most frequent agent. Treatment of the underlying pneumonia with antibiotics is the first line of therapy. The natural course is slow resolution with no further squeal. The authors report a case of pneumonia with pneumatocele in a one month old infant without identification of the agent with a complete resolution. Key-words: Pneumonia, Staphylococcus aureus, pneumatocele Nascer e Crescer 2009; 18(2): 93-95 BIBLIOGRAFIA 1. Michael J Leinwand. Infections of the lung, pleura and mediastinum: surgical Perspective. eMedicine. Available at: http://www.emedicine.com. Accessed October 21,2008 2. 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Accessed Apr 2, 2008 CORRESPONDÊNCIA Eunice Moreira C H do Tâmega e Sousa, EPE Lugar do Tapadinho 4564-007 Guilhufe- Penafiel E-mail: [email protected] ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 95 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Advancing from immunonutrition to a pharmaconutrition: a gigantic challenge Yves M. Dupertuisa, Michael M. Meguidb and Claude Picharda Current Opinion in Clinical Nutrition and 2009, 12:398-403 Purpose of review: This review presents some difficulties encountered to develop and translate immunonutrition into clinical practice, and sugests moving forward to a pharmaconutrition approach. Recent findings: Immunonutrition suffers from inconclusive and contradictory data due to the design of many of experiments and clinical studies conducted so far. The concept of a single immunonutrient formula applicable to various types of patients has also contributed to leave the medical COMENTÁRIOS O interesse da reflexão sobre este artigo reside no encarar os nutrientes numa outra perspectiva que não a clássica, dando origem à introdução de novos conceitos como os de Imunonutrição, Farmaconutrição, Econutrição. Desde há cerca de duas décadas que nutrientes específicos têm vindo a ser adicionados às fórmulas nutricionais na tentativa de modular a resposta inflamatória, imunológica e status oxidativo associadas à doença(1). De facto, perante a doença aguda, ou seja, perante o stress, dá-se início a um processo inflamatório que tem por objectivo a limitação e reparação da entidade nosológica, qualquer que seja a sua etiologia (trauma, cirurgia, sépsis, queimaduras). Esta resposta inflamatória fisiológica normal ao stress pode tornarse exagerada, superactivada, sendo perdido o controlo local destas reacções conduzindo ao Sindroma da Resposta Inflamatória Sistémica (SRIS), ou seja, uma reacção inflamatória anormal e generalizada, atingindo órgãos à distância e que pode culminar no Sindroma de Dis- 96 artigo recomendado world in a state of uncertainty. We propose to move forward to the concept of pharmaconutrition where a diseasededicated nutrition therapy is developed following a rigorous step-by-step procedure. Nutrients are selected according to their pharmacological properties and after an in-depth evaluation of their biological interactions when mixed together. The optimum administration schedule (i.e. dose, route, timing and duration) of the new formulae is then determined in well conducted projective clinical trials where it is ad- função Multiorgânica e morte(2). Assim, dependendo da gravidade e duração da agressão estarão certamente presentes algum grau de hiperinflamação, disfunção celular imunológica, stress oxidativo e disfunção mitocondrial. Consequentemente, o suporte nutricional, por via entérica ou parentérica, deve ser considerado não só como integrando o tratamento básico destes doentes, mas também como veículos moduladores das respostas inflamatória e imunológica inerentes. Apesar do grande de volume de investigação nesta área e dos numerosos trabalhos publicados não foi possível demonstrar resultados positivos inequívocos do benefício da suplementação de determinados nutrientes com o intuito de obtenção de um efeito que não exclusivamente nutritivo. Porque tem sido difícil obter evidência científica nesta área? Antes de mais, a medicina baseada na evidência é, de facto uma mais-valia. Ela ajuda a eliminar procedimentos e terapêuticas não compatíveis com uma boa prática clínica, mas também cria um paradoxo em que os clínicos se sentem apri- ministered apart from the standard nutrition to ensure full delivery of the expected doses. Summary: This review suggests moving forward to a pharmaconutrition approach where a rigorous step-by-step procedure would allow overcoming of the difficulties encountered to translate immunonutrition into clinical practice. Keywords: ω-3 polyunsaturated fatty acids, arginine, dietary nucleotides, folate, glutamine, immunonutrition, pharmaconutrition sionados, lamentando que, porque não há evidência clínica, nada pode ser feito. Esta noção é de facto preocupante, quer pelo perigo de estagnação da medicina, mas também como uma filosofia emergente no tratamento dos doentes. Segundo Walter B Shelley (dermatologista de renome): “O nilismo terapêutico pode ser a forma correcta de abordar factos, mas não doentes.”. O facto de, até à data não ter sido possível, pelas mais variadas razões, estabelecer uma relação causa efeito entre uma atitude terapêutica e um bom resultado não quer dizer que ela não exista. Neste tema, nos estudos publicados até agora são usadas várias combinações de nutrientes em populações muito heterogéneas e muitas vezes de pequenas dimensões, utilizando metodologias diferentes, e portanto o efeito positivo de determinado nutriente num grupo particular de pacientes pode estar alterado, neutralizado e/ou diluído pelas interacções com outros nutrientes presentes. De facto, neste trabalho são evidenciadas e exemplificadas várias dessas interacções: glutamina/arginina, glutamina/nucleótidos, glutamina/folatos e ácidos gordos poliin- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 saturados/vitamina E. Além disso, como a suplementação se faz integrando as fórmulas de administração entérica ou parentérica usadas como aporte nutricional, e como é sabido que nestes doentes quer o volume do aporte quer a sua tolerância estão geralmente comprometidos, deixará muito a desejar o rigor do cumprimento da suplementação que é proposta. Assim, o conceito de imunonutrição tenderá a dar lugar ao de farmaconutrição, já que os nutrientes parecem dever ser testados, utilizados e manejados à semelhança de quaisquer outros fármacos, no sentido da procura de evidência científica. Portanto, cada um dos nutrientes em questão (dissociados do esquema nutricional do doente) deveriam ser ensaiados do mesmo modo que outros fármacos, ou seja, discernindo uma dose precisa, modo e via de administração numa população seleccionada de doentes, fazendo parte de uma estratégia terapêutica activa. Quais são esses nutrientes? Arginina A arginina é um aminoácido não essencial conhecido por modular a imunofisiologia por aumento da proliferação e citotoxicidade dos linfócitos(3), podendo deste modo ter um papel importante na prevenção de complicações infecciosas, nomeadamente na cirurgia electiva e na sepsis relacionada com cateteres(4,5). No entanto, pode servir de substrato à iNOS (inducible nitric oxide synthase), resultando numa produção aumentada de óxido nítrico que pode prejudicar a microcirculação e a disfunção orgânica nos estados inflamatórios(6). Assim, outros estudos randomizados serão necessários para demonstraram benefício na administração de dieta suplementada com arginina, e em que contextos clínicos particulares esse benefício se evidencia. Glutamina A glutamina é um aminoácido condicionalmente essencial, isto é, perante o stress metabólico as necessidades deste aminoácido podem exceder a sua síntese __________ 1 Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria e aporte através da proteólise, resultando em depleção das reservas. Tem muitas funções metabólicas importantes: (1) é um substrato (fuel) para células de divisão rápida como os enterócitos, colonócitos e linfócitos, (2) é um percursor da glutationa, fazendo esta parte de um dos principais sistemas anti-oxidantes e (3) é o substrato mais importante na amoniogenese renal integrando a função de transporte de nitrogénio pelo organismo. Portanto, a glutamina protege a integridade estrutural e funcional (nomeadamente imunológica celular) da mucosa intestinal3. Numerosos trabalhos recentes têm tentado demonstrar os seus benefícios, quer como suplementação entérica quer como parentérica(7,8,9) embora, sabendo que o mecanismo de acção da glutamina tem lugar no tracto gastrointestinal, parece fazer todo o sentido que a via entérica deva ser preferida. Antioxidantes Os antioxidantes fazem parte de um sistema de defesa endógeno complexo destinado a proteger os tecidos dos efeitos deletérios do stress oxidativo causado por quantidades excessivas de ROS (reactive oxygen species) e RNOS (reactive nitrogen-oxygen species). No doente crítico, as reservas de antioxidantes estão reduzidas, o que tem sido associado a um aumento da formação de radicais livres, um aumento da resposta inflamatória sistémica, um aumento da falência de órgãos e mesmo maior mortalidade3. Os trabalhos publicados têm tentado evidenciar essencialmente os efeitos do selénio, do zinco e das vitaminas A, C e E(10). O selénio tem merecido especial atenção, particularmente quando utilizado em doses elevadas(11). Ácidos gordos n-3 Os ácidos gordos possuem uma grande variedade de efeitos imunomoduladores relacionados com a sua pronta incorporação nos fosfolipídeos das membranas das células inflamatórias. Os ácidos gordos e seus metabolitos também podem influenciar a expressão génica das células imunológicas por activação de factores de transcrição nuclear PPAR (peroxisome proliferator-activanted receptors)(3). A família n-3 (óleos de peixe) antagoniza a produção de eicosanoides proinflamatórios do ácido araquidónico (n-6) como o leucotrieno B4, o tromboxano A2 e a prostaglandina E2, sendo percursora de outro tipo de eicosanoides como o tromboxano A3, a prostaglandina E2 e o leucotrieno B5, resultando num efeito anti-inflamatório. Trabalhos recentes têm tentado demonstrar os seus benefícios, quer como suplementação entérica quer como parentérica(12,13). Então, qual é o desafio? Uma vez que os clínicos apresentam alguma relutância na adesão à imunonutrição enquanto os seus mecanismos de acção e benefícios inequívocos não são claramente conhecidos e o seu impacto no prognóstico completamente demonstrado, a farmaconutrição pode ser a resposta. De facto, o estudo REDOXS (Reducing Deaths due to Oxidative Stress) que está a decorrer abraça um novo desenho metodológico, uma vez que os nutrientes são fornecidos por via entérica ou parentérica, mas dissociados da nutrição. Representa, de facto, o paradigma de estudo que pode dar-nos algumas respostas, uma vez que contempla a translação da Imunonutrição para a Farmaconutrição(14). Especialmente no doente crítico, o suporte nutrimetabólico tem vindo a ser cada vez mais valorizado como factor determinante de um melhor prognóstico. Para além da necessidade em cumprir e ajustar aportes proteico-calóricos ao estado clínico da criança doente (evitando a hipo e a hipernutrição), a qualidade dos nutrientes e o seu uso como fármacos (farmaconutrientes ou nutricêuticos), bem como o seu papel na econutrição (pré e probióticos) são áreas que têm merecido muita atenção por serem, sem dúvida, promissoras(2). Apesar disso e até agora, os resultados da sua eficácia não têm sido animadores, e a sua tradução na prática clínica tem sido negligenciável. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2009; 18(2): 96-98 artigo recomendado 97 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 BIBLIOGRAFIA 1. Jones NE, Heyland DK. Pharmaconutrition : a new emerging paradigm. Curr Opin Gastroenterol 2008; 24(2): 215-22. 2. Garcia de Lorenzo y Mateos A, Rodríguez Montes JA. Fisiologia de la respuesta metabólica. Fisiopatología del estrés. In: Ruza (Eds) Cuidados Intensivos Pediátricos, 3ª ed. 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NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Allergy in day care children: prevalence and environmental risk factors Katija Hatakka, Laura Piirainen, Tuija Poussa, Erkki Savilahti, Riitta Korpela Acta Paediatrica 2009; 98:817-822 ABSTRACT Aim: To investigate the prevalence of atopic disease among Finnish day care children and the relationship between atopy and environmental factors. Methods: A cross-sectional study of 594 day care children aged 1 – 6 years from Helsinki, Finland. Each child’ history of atopic diseases and environmental exposure was collected in a questionnaire completed by the parents. COMENTÁRIOS Este é mais um estudo sobre os benefícios do aleitamento natural e sobre a prevenção das doenças atópicas, doenças cuja prevalência, como sabemos, têm vindo a aumentar nas últimas décadas, embora se tenha a vindo a registar nos últimos um leve declínio(1-4). Os autores apontam alguns factores de risco em investigação como a predisposição genética, a exposição e sensibilização precoces a alergénios, a ocorrência de infecções, obesidade, predisposição imunológica, poluição, exposição a tabaco durante a gestação e pós-parto, ácaros do pó, animais, frequência de infantários e ausência de amamentação. Acrescentam que há muitas controvérsias nos resultados dos estudos destes possíveis factores de risco, incluindo a amamentação pois há trabalhos que referem que esta prática alimentar é um factor de risco para o desenvolvimento da atopia. Citam um estudo que aponta neste sentido, mas em que o período de amamentação foi muito curto e dois outros que, pelo contrário, se registou um período longo. Dizem ainda que na Su- Results: The prevalence of diagnosed asthma was 0.9% for the 1 – 3 years old and 5.5% for the 4 – 6 years old, atopic eczema/dermatitis was 16% in both groups, and allergic rhinitis 5% in the younger group, 9% in the older group. According to multivariable logistic regression models, breastfeeding (exclusive ≥months or partial≥ months) reduced the risk of atopic diseases (OR=0.60; Cl 95 0.39-0.93, p =0.021). Atopic diseases were more common in the oldest age group, 5 – 6 years old, écia, 68% dos lactentes são amamentados em regime de exclusividade, por um período igual ou superior a 4 meses. Amamentam mais, mães mais educadas e menos, as mais jovens. Como possíveis mecanismos a explicar os benefícios da amamentação na prevenção da atopia referem a presença no leite materno de imunomodeladores, como células, citocinas, ácidos gordos de cadeia longa e IgA os quais contribuem para a maturação do sistema imunitário, ser uma fonte de bifidobactérias e lactobacilus, não haver exposição a proteínas do leite de vaca e que o leite de mães atópicas pode conter citocinas que reduzam o desenvolvimento de atopia nos seus filhos. Terminam o artigo referindo que verificaram que períodos de amamentação em regime de exclusividade de quatro meses e parcial de pelo menos seis meses, em crianças urbanas, frequentando o infantário, se associaram a uma redução do risco de atopia e que, apesar da controvérsia gerada por outros estudos, deve considerar-se a amamentação em regime de exclusividade durante quatro a compared to the youngest, 1 – 2 years olds (OR = 2.18; CI 95 1.14 – 4.15, p = 0.018). One parent with atopic disease increased the child’s risk (OR = 1.89; CI 95 1.20 – 2.97, p = 0.006), more so if both parents had a history (OR = 3.17; CI 95 1.48 – 6.78, p = 0.003). Conclusion: Our results support the hypothesis that breastfeeding for at least six months may protect against atopic diseases. The child’s greater age (5 – 6 years) and parental history of atopic diseases increased the risk of atopy. seis meses como a pedra de toque para promoção da saúde. Outros benefícios da amamentação, recentemente comprovados, foram a contribuição para a redução em cerca de 50% da morte súbita, recomendandose incluir a amamentação no primeiro semestre, nas campanhas de prevenção(5), e a protecção contra a negligência e outros maus tratos por parte da mãe, particularmente quando a amamentação se prolonga por quatro ou mais meses(6). Ainda sobre a relação chupeta, redução da amamentação e chupeta redução da morte súbita, havia a ideia que a chupeta contribuiria para uma redução do número de amamentados e da duração da amamentação e que podendo contribuir para a redução da morte súbita, ela deveria ser introduzida depois da amamentação estar estabelecida, aí pelo final do primeiro mês. Mas uma revisão sistemática sobre a contribuição para a redução da amamentação, mostrou não haver suporte para esta ideia. A associação chupeta/ redução da amamentação reflectirá sim outras dificuldades com a amamentação ou intenção de desmamar(7). Para a mãe, artigo recomendado 99 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 amamentar traz igualmente vantagens, como é sabido. E regularmente os estudos vão reafirmando benefícios, como a contribuição para o controlo do peso após a gestação. Para tal é preciso amamentar pelo menos 6 meses(8). A prevenção da atopia / asma tem sido motivo de polémica, particularmente após a formulação da hipótese da higiene, depois de se verificar que viver em ambiente rural constituía uma protecção contra a atopia. Com efeito, os estudos a este respeito têm revelado resultados contraditórios, talvez porque a asma não seja uma doença, mas antes uma síndroma. A exposição precoce a endotoxinas ou a outras exposições microbianas associadas a contactos com animais ou leite não pasteurizado tem dois efeitos opostos: protege contra a atopia, mas constitui um risco para asma não atópica e sibilância(9). A colonização neonatal da orofaringe, isolada ou combinada, com Streptococus Pneuminiae, Haemophilus Influenzae, Moraxella catarhalis leva a um risco aumentado de sibilância recorrente e asma nos primeiros anos de vida, o que está em desacordo com a hipótese da higiene(10). Mais de acordo com esta hipótese está a verificação que quanto mais antibióticos prescrevermos a uma criança, mais lhe aumentamos o risco de asma(11). Talvez seja necessário haver uma exposição pré-natal a agentes ou produtos bacterianos, exposição que deve ser continuada após o nascimento, para que as crianças camponesas estejam mais protegidas da asma, da rinite e do eczema(12). Mas também a alimentação da grávida pode desempenhar um papel importante na prevenção da asma, como parece deduzir-se de um estudo de 16 anos, em que se demonstrou essa protecção, com a ingestão, no final da gestação, de óleo de peixe, rico em n-3 PUFAS(13). Uma outra explicação para o aumento da prevalência das doenças atópicas pode estar no sol, ou melhor, na __________ 1 Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA 100 artigo recomendado ausência dele, ou melhor ainda no défice em vitamina D, como já foi aflorado num artigo anterior(14) e revisto, melhor, é claro, recentemente(15). Do que acabamos de expor, podemos concluir que, ao que parece, e como de resto seria de esperar, cumprir a natureza pode ajudar a haver menos asma: amamentar, apanhar sol e saber comer. E já agora, sabermos quando a criança necessita mesmo de antibióticos: em ambulatório muito poucas vezes. Tojal Monteiro1 Nascer e Crescer 2009; 18(2): 99-100 BIBLIOGRAFIA 1. Braun – Fahrlander C, Gasser M, Grize L. No further increase in asthma, hay fever and atopic sensitization in adolescents in Switzerland: Eur Resp J 2004;23:407-413 2. Ronchetti R. Is the increase in childhood asthma coming to an end? Findings from three surveys in schoolchildren in Rome, Italy. 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It recognises that “Children and young people are individuals with rights that should be respected” (paragraph 7) and that COMENTÁRIOS Neste artigo discutem-se os aspectos a considerar na avaliação da capacidade de um adolescente para poder recusar um tratamento: a idade, a sua experiência de doença, a natureza e eficácia do tratamento, como também os limites à autonomia do adolescente para tomar decisões. O artigo relembra que na publicação 0-18 years guidance for all doctors, pelo General Medical Council, em 2007, “as crianças e jovens são indivíduos com direitos que devem ser respeitados”, incluindo-se aqui a necessidade de se discutir com eles os cuidados de saúde. Podem surgir situações delicadas, como as de jovens que ao recusar tratamento médico, se colocam em perigo de vida ou em risco grave para a sua saúde. Em Inglaterra, tornou-se mediático o caso de Hannah Jones, à altura com 13 anos de idade, que o tribunal reconheceu em Novembro último, como tendo o direito a recusar uma proposta de transplante cardíaco. Esta situação teve aspectos particulares, como a sua idade tão jovem, aliada a uma experiência longa de doença, internamentos múltiplos e tratamentos a uma leucemia, desde os 4 anos de idade. they should be engaged in dialogue about their care. However, a dilemma for both the medical and legal communities is whether a young person’s refusal of medical treatment should be respected where this would put him/her at risk of death or serious harm. The GMC guidance states that “You should seek legal advice if you think treatment As comunidades médica e judicial, têm que avaliar quando é que um adolescente pode decidir sobre estas matérias, quando tem menos de 16 anos, visto que o consentimento informado dos jovens é obrigatório a partir desta idade. A competência de um jovem para aceitar tratamento sem autorização parental, abaixo dos 16 anos, foi reconhecida pela primeira vez em 1985 em Inglaterra, quando Victoria Gillik se insurgiu contra uma determinação de política de saúde que aconselhava os médicos a propor a contracepção aos jovens(1). A partir daí, passou a utilizar-se este conceito no direito médico inglês e em alguns países de língua inglesa, definindo-se que um jovem pode consentir em tratamento médico sem autorização ou conhecimento parental, se mostrar que compreende totalmente o tratamento proposto. Esta capacidade é conhecida como competência de Gillik, e como corolário, assume-se que esta capacidade se pode estender para a recusa de tratamento. A recusa de tratamento tem contudo que ser avaliada num balanço entre a necessidade de respeitar a autonomia do adolescente e a necessidade de o proteger de decisões que podem não servir os seus melhores interesses. É o caso em is in the best interests of a competent young person who refuses” (paragraph 31). The aim of this article is to explain the legal position and to demonstrate the views of professionals involved with young people, gained through interviews, . .] (The first 150 words of the full text) que aquelas determinam consequências graves para a sua saúde ou o colocam em perigo de vida. A autora reconhece que a recusa de medidas que salvam a vida está geralmente associada a jovens (e seus pais) com fortes convicções religiosas. Porém, as situações de não-colaboração com os tratamentos ou o abandono dos serviços de saúde são menos raras e também problemáticas. Neste trabalho, foram exploradas através de entrevista, as opiniões de 8 técnicos (psiquiatra da adolescência, pediatra, técnico de serviço social de psiquiatria, juízes e representantes de instituições de protecção) acerca do equilíbrio a fazer entre as suas responsabilidades e o respeitar das decisões dos adolescentes sobre os cuidados de saúde. Os profissionais de saúde salientam a importância do diálogo com os jovens e famílias., no processo de tomada de decisões. Aspectos como a idade e sobretudo, a experiência prévia de doença, são aceites por todos como determinantes em promover maior capacidade para o jovem decidir. São também unânimes a identificar o papel paternalista da sociedade na defesa do adolescente e a necessidade de “proteger” os jovens dos artigo recomendado 101 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 perigos das suas decisões erradas. Isto significa portanto, que há que colocar limites à autonomia dos adolescentes para decidir sobre questões de saúde. A natureza e eficácia do tratamento também são factores importantes na avaliação da recusa do tratamento. Poucas dúvidas restam de que, em último caso, tratamentos que sustentem a vida, devem ser levados a cabo contra a vontade de um jovem. Mas a aplicabilidade de administrar um tratamento pode tornar-se o factor chave ao determinar-se se um tratamento sem colaboração será do melhor interesse para um jovem. Tratamentos continuados e repetidos como quimioterapia e diálise, ainda que necessários, podem ser impossíveis de impor, pela resistência física e impedimento do jovem. E os participantes dão exemplos em que a ordem de tratamento não é dada, ou em que tendo sido imposta, a ordem não é cumprida pela impossibilidade de a pôr em prática. Os limites à imposição de um tratamento que um jovem recuse podem também apoiar-se no conceito de agir nos seus “melhores interesses”, se este conceito incluir questões médicas, emocionais e outras de bem-estar. __________ 1 Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto 102 artigo recomendado Salienta-se a importância do diálogo e o estabelecimento de uma relação de respeito entre o jovem, família e profissionais de saúde. A aceitação de um tratamento pode ser encarada como um processo, em que o trabalho conjunto que proporcione a explicação, a negociação e a partilha de informação, podem evitar “batalhas” indesejáveis. Os profissionais podem, inadvertidamente, não dar voz aos jovens, aos dar-lhes explicações insuficientes ou ao não perguntar-lhes se têm dúvidas. O artigo procura mostrar que há que ter em conta múltiplos aspectos quando se avalia uma recusa por um adolescente competente, e que por vezes há que nos apoiar no julgamento clínico em vez da lei, para decidir quem é competente para aceitar ou recusar um tratamento. Termina com o exemplo de Hannah Jones, para nos mostrar como uma realidade complexa e única foi entendida pelos meios judiciais, que resultou no reconhecimento do direito ao “Não” por esta jovem. Na comunicação social, enfatizou-se o “direito a morrer em casa junto da família”. Curiosamente, no mês passado, Hannah submeteu-se a um transplante cardíaco(2), e referia que toda a gente tem direito a mudar de opinião. Este exemplo vem justamente mostrar que com adolescentes, a resistência não é intransponível e a determinação transforma-se muitas vezes em insegurança. E estas dificuldades talvez se possam vencer, na maioria dos casos, com uma comunicação clara, disponibilidade e tolerância.dos profissionais. Maria do Carmo Santos Nascer e Crescer 2009; 18(2): 101-102 BIBLIOGRAFIA 1. David H. Children, Gillick competency and consent for involvement in research. Journal of Medical Ethics 2007;33:659-662. 2. h t t p : / / n e w s . s k y. c o m / s k y n e w s / Home/UK-News/Hannah-JonesHeart-Transplant-Right-To-Die-Teenager-Recovering-In-Hospital-AfterOperation NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 A Selecção de Dadores de Gâmetas e o Eugenismo Helena Pereira de Melo* “Que estoy ofendida, ofendida y rebajada hasta lo último, viendo que los trigos apuntan, que las fuentes no cesan de dar agua, y que paren las ovejas cientos de corderos, y las perras, y que parece que todo el campo puesto de pie me enseña sus crías ternas, adormiladas, mientras yo siento dos golpes de martillo aquí, en lugar de la boca de mi niño”. LORCA, García (1994), Yerma, Poema Trágico en Tres Actos y Seis Cuadros (texto original: 1933 – 1934), Madrid: Alianza Editorial, p. 56. RESUMO Embora a inseminação artificial com recurso a dador tenha tido início em finais do século XIX, nos séculos seguintes a procriação medicamente assistida rapidamente se tornou um recurso importante para os casais estéreis que desejem ter filhos, sobretudo aqueles que querem prevenir a transmissão de doença hereditária grave. A dação de gâmetas masculinos e femininos é precedida da selecção de dadores, com vista a excluir os que ofereçam um risco de transmissão elevado, sendo de difícil escolha, em muitas situações práticas, quais os dadores mais “sãos”, que poderão garantir a melhor “qualidade genética”. As decisões a tomar deverão ter em conta a Lei sobre Procriação Medicamente Assistida Portuguesa, nomeadamente o n.º 1 do artigo 10.º, sob pena de serem opções que sejam ofensivas da dignidade humana do nascituro gerado através do recurso a dação de gâmetas masculinos ou femininos. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 103-105 __________ * Professora de Direito da Saúde. Sub-directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. A primeira inseminação artificial com dador de espermatozóides de que se tem conhecimento foi realizada cem anos antes, em 1884, por PANCOAST, em Filadélfia, tendo vindo a ser cada vez mais frequente ao longo dos últimos cento e vinte anos. A procriação medicamente assistida com recurso a selecção de gâmetas tornou-se de tal modo frequente na Europa, ao longo do século XX, que, por exemplo, em França, um recém-nascido em cada trezentos nasce de dação de gâmetas(1). Esta dação com frequência é de espermatozóides embora seja tecnicamente possível, desde 1983, também a dação de ovócitos(2). Recorrem à dação de gâmetas masculinos casais estéreis que desejam ter filhos e casais que embora sejam férteis apresentam um risco grave de transmitirem à descendência uma doença hereditária e 1 De igual modo entre nós esta dação tende a, com o decurso do tempo, ser absorvida pela cultura jurídica familiar. Aludindo a esta realidade e referindo-se em especial à inseminação artificial heteróloga, GUILHERME DE OLIVEIRA prevê que “os filhos aceitarão a ausência do pai quando, para a gravidez da mãe, não tenha havido alternativa melhor do que o fornecimento da substância adequada pela instituição competente”. Vid., na matéria, OLIVEIRA, Guilherme de (1998), Critério Jurídico da Paternidade, reimp., Coimbra: Livraria Almedina, pp. 501 – 502 2 CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL considera que com a possibilidade de várias mulheres participarem na geração de uma criança “revolucionou-se o mundo jurídico neste campo, caindo ‘verdades seculares’ como a afirmação de que mater semper certa”. Cf. CORTE-REAL, Carlos Pamplona (1996), Direito da Família e das Sucessões, Relatório, Lisboa: Lex, p. 95. não desejem recorrer ao diagnóstico préimplantação nem ao diagnóstico pré-natal, com a subsequente selecção embrionária ou interrupção voluntária da gravidez(3). Recorrem também a esta dação as mulheres que desejam ter um filho fora de uma relação heterossexual. Por exemplo o art. 6.º, n.º 1, da Lei Espanhola n.º 14/2006, de 26 de Maio, sobre Técnicas de Reprodução Humana Assistida permite que sejam beneficiárias das mesmas todas as mulheres maiores de dezoito anos e com plena capacidade de exercício de direitos seja qual for o seu estado civil(4). Por sua vez, recorre-se à dação de gâmetas femininos em caso de esterilidade feminina causada, por exemplo, por uma menopausa precoce ou em caso de doença genética transmitida por via mitocondrial. No Reino Unido em Setembro de 2005, a HUMAN FERTILIZATION AND EMBRYO3 Vid., na matéria, MELO, Helena Pereira de (2000), “Problemas Jurídicos Suscitados pela Inseminação Artificial com Recurso a Dador de Gâmetas” in Genética e Reprodução Humana (coord.: Rui Nunes e Helena Melo), Porto: Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto, pp. 159 – 272. 4 De igual modo a Lei da Estónia de 11 de Junho de 1997 sobre inseminação artificial e protecção do embrião reconhece à mulher solteira, no § 22.º, o direito a recorrer à inseminação artificial com esperma de dador. Sobre esta forma de inseminação como “meio de reivindicação emancipatória da mulher” vid. REYS, Lesseps L. (1990), “Aspectos Éticos e Legais Relativos à Reprodução Humana”, in Introdução ao Estudo da Medicina Legal, vol. I, Lisboa: Associação Académia da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 88. perspectivas actuais em bioética 103 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 autorizou a criação in vitro de um embrião com duas “mães” do ponto de vista genético, para prevenir a transmissão à criança a nascer de uma doença geneticamente determinada de que uma delas era portadora. Têm também sido invocados motivos de conveniência pessoal não terapêuticos, como sucedeu por exemplo na Itália (com a equipa de ANTINORI) e nos Estados Unidos da América (com a equipa de SAUER), que recorreram à dação de ovócitos para obter uma gravidez em mulheres pós-menopáusicas. A questão da licitude da gravidez pós-menopáusica é também uma questão de igualdade de tratamento entre os sexos, uma vez que a sociedade admite acriticamente que um homem seja pai depois dos cinquenta anos, apesar de a esperança de vida para os homens ser menor do que para as mulheres. A dação de ovócitos temse tornado mais frequente, por força do avanço da idade de procriar das mulheres e da procura por parte de pacientes cuja esterilidade era antes insolúvel. A dação de gâmetas masculinos e femininos é precedida da prévia selecção de dadores, da responsabilidade de um médico (ou de um biólogo), que a faz à luz de critérios de natureza médica e social. Independentemente do sexo dos dadores, procede-se a uma selecção médica dos mesmos para prevenir a transmissão de doenças e deficiências para a criança que nascerá através do recurso à procriação medicamente assistida. Se o dador for do sexo masculino, o controlo médico incidirá sobre a capacidade fecundante dos espermatozóides e sobre a “qualidade genética” dos mesmos. Será igualmente verificado se não se encontra afectado por doença infectocontagiosa (como a Hepatite), nomeadamente por uma doença sexualmente transmissível (como o HIV/SIDA), o que supõe que se proceda à crio-conservação dos seus espermatozóides(65). Do ponto LOGY AUTHORITY 5 Atento o perigo de transmissão de doenças hereditárias e do SIDA o Decreto-Lei n.º 319/86, de 25 de Dezembro veio, entre nós, proibir a execução da fertilização artificial com sémen fresco de um dador. Esta exigência de criopreservação do sémen do dador foi reafirmada no art. 19.º, n.º 2, da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, sobre Procriação Medicamente Assistida. 104 de vista genético com esta selecção, visa-se evitar a transmissão de doenças de que o dador seja portador e originar um risco acrescido de transmissão de uma doença (por exemplo, de uma doença autossómica recessiva), em resultado da combinação dos patrimónios genéticos do dador e da receptora dos gâmetas. Para que essa combinação do dador com a receptora seja a “melhor” do ponto de vista genético há, pois, que analisar também a constituição genética da receptora dos gâmetas que será, em princípio, a mãe uterina e social. Alguns estabelecimentos onde se praticam as técnicas de procriação medicamente assistida fixam ainda uma idade máxima para a dação de gâmetas e limitam o número de vezes que o sémen de um dador pode ser utilizado para obter uma gravidez evolutiva, para que não seja aumentado o risco de consanguinidade na população em geral(6). Selecção paralela é feita relativamente às dadoras de gâmetas femininos. Procede-se a uma análise viral, hormonal, ecográfica, fisiológica e genética da dadora e da receptora dos ovócitos, bem como a uma análise dos factores de risco de transmissão de doença genética, resul6 O Código da Saúde Pública francês determinava no art. L. 1244-4 que “o recurso aos gâmetas de um mesmo dador não pode deliberadamente conduzir ao nascimento de mais de cinco crianças”. O CONSEIL D’ÉTAT no relatório que elaborou sobre as “Leis da Bioética” francesas (a Lei n.º 94-548, de 1 de Julho de 1994, sobre o tratamento de dados pessoais no âmbito da investigação científica no domínio da saúde; a Lei n.º 94-653, de 29 de Julho de 1994, sobre o respeito devido ao corpo humano; a Lei n.º 94-654, de 29 de Julho de 1994, sobre a dação e a utilização de elementos e produtos do corpo humano, a assistência médica à procriação e o diagnóstico pré-natal, e a Lei n.º 2004-800 de 6 de Agosto de 2004 relativa à bioética) propôs ao legislador que se aumentasse este número atento o facto de “várias crianças poderem nascer no mesmo casal do mesmo dador em resultado de uma gravidez múltipla ou de dações sucessivas sem aumentar o risco de consanguinidade” e de “as estatísticas demográficas demonstrarem que esse risco só é aumentado para mais de vinte crianças por dador”. Esta proposta foi acolhida tendo a Lei n.º 2004-800, de 6 de Agosto relativa à bioética alterado a aludida disposição, substituindo a expressão “cinco crianças” pela “dez crianças”. De igual modo a referida lei da Estónia estabelece um limite na matéria. Fá-lo, no entanto, não em função do número de crianças a nascer por dador, mas sim do número de mães que podem ser inseminadas com gâmetas de um mesmo dador, fixando-o, no § 13.º em seis. Cf. CONSEIL D’ÉTAT (1999), Les Lois de Bioéthique: Cinq Ans Après (coord.: Conseil D’État), Paris: La Documentation Française, p. 48. perspectivas actuais em bioética tantes da combinação do ovócito objecto de dação com os espermatozóides do homem que será o pai biológico da criança. Para além de se procurar evitar a transmissão de uma doença e/ou deficiência, procede-se também a uma escolha do dador(a) de gâmetas em termos sociais, ou seja, em função das características que se quer na criança, como sejam a cor da pele, dos cabelos, dos olhos e o tipo de grupo sanguíneo. O médico procurará, pois, seleccionar um dador cujas características físicas sejam muito próximas das do pai social, no caso da dação de gâmetas masculinas, ou de uma dadora que seja muito parecida com a mãe uterina e social, no caso da dação de gâmetas femininos. Esta selecção de gâmetas pode constituir uma forma de eugenismo negativo, na medida em que se escolherão os gâmetas em função do risco apresentado de transmissão de doença hereditária, excluindo os que ofereçam um risco mais elevado. Com efeito, e pelo menos sempre que a dação é anónima, os dadores são seleccionados em função do risco que apresentam de transmissão de doenças hereditárias. Esse risco pode ser de determinação fácil (por exemplo, nas doenças de transmissão autossómica dominante) ou difícil (por exemplo, no caso das doenças multifactoriais) e pode ser elevado ou reduzido. Sendo impossível excluir todo o dador que apresente qualquer risco de transmissão de doença ou de predisposição para doença, coloca-se o problema de saber a que critérios obedece a sua selecção. A generalidade das equipas que praticam técnicas de procriação medicamente assistida com recurso a dador excluem os dadores que revelem risco de transmissão de doença grave à descendência. Através desta exclusão visa-se reduzir a frequência de genes considerados deletérios na população. Põe-se também o problema de saber o que é uma doença “grave” nem sempre havendo consenso, na matéria, entre os médicos. Porém, onde o problema se faz sentir com mais acuidade é nas situações em que o dador apresenta risco de transmitir uma doença ou uma deficiência cuja severidade é questionável, como é o caso da surdez NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 ou do lábio leporino. Devem ser excluídos da dação de gâmetas os dadores afectados por estas doenças? A que critérios deve obedecer a avaliação da gravidade de uma doença ou deficiência? É exactamente no que concerne a esta avaliação que a selecção genética dos dadores de gâmetas pode derivar para o eugenismo. Acresce ser esta selecção efectuada pelo médico e não pelos progenitores sociais da criança que irá nascer, em resultado da aplicação das técnicas de procriação medicamente assistida, os quais em regra ignoram que essa decisão é tomada. Em relação a este poder de seleccionar os dadores e de, ulteriormente, distribuir os gâmetas segundo critérios biológicos e sociais, de que são detentores os médicos, pode perguntar-se: Até onde pode ser exercitado? Sob o pretexto da prevenção, não irão aqueles empreender uma verdadeira acção de selecção eugénica? Pode ainda questionar-se se a este poder reconhecido ao pessoal de saúde corresponderá a obrigação de seleccionar um dador que corresponda às características fenotípicas desejadas e se podem ser responsabilizados em caso de erro (por exemplo, na etnia) ocorrido nessa selecção(7). Ou, também, se esta escolha e a posterior combinação dos gâmetas de uma mulher e de um homem em função de critérios médicos e sociais não constitui um privilégio estabelecido em favor das pessoas que recorrem a dação de gâmetas, em relação às outras que têm filhos sem interferência médica e que, por isso, não controlam com tanta precisão a transmissão de doenças hereditárias à sua descendência. Este controlo da “qualidade genética” dos dadores de gâmetas no sentido de prevenir a transmissão de doenças e deficiências 7 Sobre o problema de saber se a selecção dos dadores configura uma obrigação de fim ou uma obrigação de meios vid. ANDORNO, Roberto (1996), La Distinction Juridique entre les Personnes et les Choses à L’Épreuve des Procréations Artificielles, Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, pp. 242 - 243. Na mesma linha de ideias AMÉLIA COSTA realça a “pesada responsabilidade” que recai sobre os médicos que procedem à selecção, uma vez que estes podem vir “a ser responsabilizados pelas anomalias e incompatibilidades que podiam ou deviam ter detectado e pela má qualidade do material genético fornecido e aplicado”. Cf. COSTA, Amélia (2000), Perspectiva Jurídica de um Acto de Amor, A Procriação Assistida, Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, p. 139.7 pode ser discriminatório em relação aos candidatos a dador que sejam excluídos em função do seu património genético(8). A selecção de dadores pode igualmente configurar uma forma de eugenismo positivo, na medida em que se escolhem os dadores que sejam não apenas “sãos”, mas também portadores de características físicas ou psicológicas consideradas desejáveis. Escolhem-se, assim, os gâmetas que ofereçam maior probabilidade de a criança vir a apresentar determinadas características fenótipicas. Configura deste modo uma medida de eugenismo positivo a criação de bancos de esperma com selecção de dadores cuja “qualidade genética” se declare ser “garantida”. Esta criação foi nomeadamente sugerida por HERMANN MÜLLER, prémio Nobel em 1946, que propôs, nos anos sessenta, para o melhoramento da espécie humana a criação de um banco de esperma de prémio Nobel e de outros indivíduos considerados intelectualmente superiores. Esta proposta foi concretizada, em 1971, no Sul da Califórnia, por ROBERT GRAHAM, que criou a FOUNDATION FOR GERMINAL CHOICE, tendo já nascido vários “bebés Nobel”. A predeterminação do património genético da criança a nascer em resultado da selecção dos dadores de gâmetas representa portanto, e como refere LUÍS ARCHER, a escolha de “rumos de futuro para um ‘melhoramento’ que dificilmente recolherá um consenso da sociedade e que poderá ser inteiramente contrário aos desejos das gerações futuras” - caso em que estaremos a instrumentalizá-las com “o completo descalabro da liberdade humana e do seu sentido ético”(9). Se a infertilidade for considerada uma doença, o recurso à dação de gâmetas constitui um dos métodos pos8 Poder-se-ia, porém, colocar o problema oposto: o de o dador pretender restringir a utilização do seu esperma às mulheres pertencentes a um certo grupo, por exemplo, às mulheres de raça branca. A Doutrina de uma forma geral temse pronunciado contra a possibilidade de o dador fazer destinações deste tipo. Sobre este problema vid., por todos, OLIVEIRA, Guilherme de (1993) “Procriação com Dador. Tópicos para uma Intervenção” in Procriação Assistida, Colóquio Interdisciplinar (12-13 de Dezembro de 1991), Coimbra: Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 35. síveis de a suprir. A partir do momento em que há selecção destes, esta tem de obedecer a critérios pré-definidos e estes sempre implicam que se venha a considerar a transmissão de determinado tipo de constituição genética desejável e de outra indesejável. É esta, aliás, a solução contida no número 1 do artigo 10.º da Lei sobre Procriação Medicamente Assistida Portuguesa, que permite o recurso à dádiva de ovócitos e de espermatozóides “desde que sejam asseguradas condições eficazes de garantir a qualidade dos gâmetas”. Esta exigência de “garantia da qualidade dos gâmetas” tem de ser criteriosamente interpretada pelas equipas que aplicam as técnicas de procriação medicamente assistida, sob pena de poder configurar uma medida de eugenismo negativo e/ou positivo, ofensiva da dignidade humana do nascituro gerado através do recurso a dação de gâmetas masculinas ou femininas. SELECTION OF GAMETE DONORS AND EUGENISM ABSTRACT Although artificial insemination using donor sperm started at the end of the nineteenth century, in the XXth century medically assisted procriation has rapidly become a vital resource, not only for infertile couples who desire to have children but also for couples who wish to avoid the transmission of some hereditary diseases. Donation of male and female gametes is preceded by selection from potential donors, in order to exclude those donors in which there is an elevated risk of transmission of this type of disease. This may be a difficult choice in many practical situations, to select more “healthy” donors and therefore ensure the best “genetic quality”. These decisions have to take account of the Medically Assisted Procriation Law in Portugal, specifically point number 1 of article 10, as these options may be offensive to the human dignity of the newborn, generated through recourse to donated male or female gametes. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 103-105 9 ARCHER, Luis (2006), Da Genética à Bioética, Porto: Serviço de Bioética e Ética Médica, p. 230. perspectivas actuais em bioética 105 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Avaliação Crítica e Implementação Prática de Ensaios Clínicos Aleatorizados Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1 RESUMO A Medicina Baseada na Evidência (MBE) é genericamente definida como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes. Nesta rubrica de Pediatria Baseada na Evidência têm vindo a ser abordados os aspectos conceptuais, metodológicos e operacionais relativos à prática da MBE no âmbito específico da Pediatria. Neste artigo é apresentado um exemplo prático de aplicação dos conceitos, métodos e competências abordados nos artigos anteriores, debruçando-se especificamente sobre a avaliação crítica e aplicação prática de ensaios clínicos aleatorizados (ECA’s). É apresentado um cenário clínico em que surge a necessidade de encontrar e avaliar a evidência científica existente sobre a eficácia da utilização de antibióticos no tratamento da otite média aguda em crianças com menos de 2 anos. São discutidos os métodos de pesquisa da evidência mais actual e mais apropriada à questão; e é sugerida uma metodologia sistemática para a avaliação crítica de ECA’s incluindo três fases distintas: (1) avaliação da validade ou qualidade metodológica do ECA; (2) avaliação da importância científica e prática dos seus resultados e (3) avaliação da aplicabilidade prática dos mesmos. Palavras-chave: Ensaios clínicos aleatorizados, medicina baseada na evidência, otite média aguda, antibióticos, observação expectante. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 106-119 __________ 1 Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde – CINTESIS. 106 pediatria baseada na evidência INTRODUÇÃO A Pediatria Baseada na Evidência foi genericamente definida, no primeiro artigo desta série(1), como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes pediátricos(2-4). No segundo e terceiro artigos da série(5,6) foram desenvolvidos em maior detalhe os aspectos relacionados com a formulação de questões clínicas, a eficaz pesquisa da evidência científica e a avaliação crítica da mesma (validade ou qualidade metodológica, importância científica e prática dos resultados e aplicabilidade prática dos mesmos). No quarto artigo(7) foi iniciada a apresentação de um conjunto de exemplos e cenários práticos que exemplificam a aplicação dos métodos e competências abordadas, tendo sido o primeiro exemplo dedicado à avaliação crítica e implementação prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise. Neste quinto artigo da série será apresentado um cenário prático no qual se exemplifica a aplicação destes conceitos, métodos e competências no âmbito da avaliação crítica e implementação prática de ensaios clínicos aleatorizados. CENÁRIO CLÍNICO Manuel, de 18 meses de idade, é trazido pelas sua mãe ao consultório do seu pediatra assistente com febre, há cerca de 12 horas, e depois de ter estado acordado, choroso e irritado durante a noite. O Manuel ainda consegue manter uma hidratação adequada e não está prostrado, no entanto, é visível que tanto ele como a sua mãe estão exaustos devido à noite mal dormida. No exame físico a única alteração relevante é a existência de alterações na otoscopia, com rubor e ligeiro abaulamento da membrana timpânica à direita. O Manuel é uma criança sem antecedentes patológicos ou familiares relevantes e sem história de otites prévias. Não apresenta história de alergias a antibióticos ou outros medicamentos. O diagnóstico do seu pediatra assistente é de otite média aguda (OMA). A mãe do Manuel, exausta e ligeiramente preocupada, solicita ao pediatra a prescrição de um antibiótico, referindo que esse é o único tratamento que funciona no seu sobrinho de 5 anos que está constantemente a ter otites. O pediatra do Manuel assistiu recentemente a uma sessão de formação sobre utilização racional de antibióticos e prevenção de resistências, e está consciente da necessidade de evitar, tanto quanto possível, a utilização excessiva de antibióticos. Adicionalmente, lembra-se de um colega pediatra mais experiente lhe ter referido, durante a semana anterior, que não utiliza por rotina antibióticos no tratamento de otites médias agudas (OMA), facto que o deixou algo surpreendido. Neste cenário, o pediatra assistente do Manuel questiona-se sobre a necessidade de instituir terapêutica antibiótica neste caso, e decide procurar evidência científica que lhe permita apoiar a sua decisão. FORMULAÇÃO DA QUESTÃO Neste contexto, coloca-se ao pediatra uma questão relativa à eficácia da terapêutica antibiótica no tratamento da otite média aguda (OMA) numa criança com menos de dois anos. Assim, ao pensar na formulação de questão clínica, dever-se-ão ter em atenção os seus quatro elementos essenciais(5): (1) a população são crianças com menos de dois anos, sem antecedentes relevantes, com NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 um quadro de OMA sem outras complicações; (2) a intervenção a avaliar será a terapêutica antibiótica; (3) a intervenção alternativa será o tratamento placebo e/ ou a observação expectante e (4) as variáveis de resultado clínico relevantes neste caso dizem respeito à resolução clínica e à prevenção de complicações a curto, médio e longo prazo. PESQUISA DA EVIDÊNCIA Tendo em conta que a questão clínica de interesse é a da eficácia de uma intervenção terapêutica, a procura de evidência científica dever-se-á focar, essencialmente, nos ensaios clínicos aleatorizados (ECA), pois estes são os estudos primários com maior nível de evidência científica neste tipo de questões. Neste caso, o pediatra começou então por fazer uma pesquisa bibliográfica utilizando o serviço de acesso à base de dados Medline da PubMed(5), com o objectivo de encontrar ECA’s sobre a eficácia da terapêutica antibiótica no tratamento da OMA, em crianças com menos de dois anos. Para isto, começou por identificar os termos MeSH(5) associados a acute otitis media, tendo verificado que só existe o termo MeSH “otitis media”. Em seguida, decidiu utilizar, para a identificação da patologia, a seguinte query (acute AND "Otitis Media"[Mesh]). Adicionou termos para identificação do grupo etário de interesse (crianças com menos de 2 anos) e exclusão de outros grupos etários, com auxílio dos termos MeSH aplicados através da utilização da funcionalidade Limits do Pubmed. Assim, a segunda parte da query utilizada foi ("Infant"[Mesh:NoExp] NOT ("child"[MeSH Terms:noexp] OR "adolescent"[MeSH Terms] OR "adult"[MeSH Terms:noexp])). Adicionou também um termo para a identificação da intervenção em causa – antib* (a utilização do asterisco – wildcard character – permite incluir na pesquisa todos os possíveis termos que tenham a raiz comum identificada antes do mesmo, neste caso, serão incluídos por exemplo, antibiotic, antibiotics, antibacterial, antibiotherapy, etc). Utilizando estas três partes da query ligadas por operadores booleanos AND, aplicou a funcionalidade clinical queries da Pubmed para adicio- nar filtros de pesquisa metodológicos específicos para questões de tratamento. Esta versão final da query de pesquisa permitiu-lhe, à data de realização da pesquisa, a identificação de 40 artigos. Uma rápida análise dos títulos destes resultados permitiu-lhe identificar pelo menos um artigo altamente relevante, sobre a questão em análise e no grupo etário pretendido. Na posição 17 da lista, encontrou o artigo de Damoiseaux et al., publicado em 2000, no British Medical Journal e intitulado “Primary care based randomised, double blind trial of amoxicillin versus placebo for acute otitis media in children aged under 2 years”(8). O passo seguinte foi aceder à versão integral do artigo e iniciar a sua análise crítica. AVALIAÇÃO CRÍTICA DA EVIDÊNCIA – ENSAIOS CLÍNICOS ALEATORIZADOS Os ensaios clínicos aleatorizados são o exemplo paradigmático de estudos experimentais em investigação clínica. Estes distinguem-se dos estudos observacionais pela existência de um controlo directo da intervenção a avaliar e pela existência de uma atribuição aleatória da mesma pelos participantes no estudo (aleatorização ou randomização). Pela sua natureza controlada e pelo uso da aleatorização, os ECA’s são considerados como o método padrão de avaliação da eficácia de intervenções terapêuticas, sendo hoje uma parte fundamental do processo regulamentar de obtenção da autorização de introdução no mercado de qualquer medicamento ou dispositivo médico, e essenciais para justificar a utilização de qualquer intervenção terapêutica ou preventiva de uma forma geral. Neste âmbito, a discussão será feita em particular sobre os designados ensaios clínicos de fase III. Tendo encontrado o ensaio clínico aleatorizado que pretendia, o desafio seguinte que se coloca ao pediatra assistente do Manuel será, então, definir e aplicar um conjunto de critérios que lhe permitam avaliar este artigo relativamente a três aspectos fundamentais (Tabela 1): (A) a sua validade ou qualidade metodológica; (B) a importância dos seus resultados e (C) a aplicabilidade prática dos mesmos. (A) Avaliação da validade ou qualidade metodológica Apesar dos ECA’s serem o padrão metodológico na resposta a questões sobre a eficácia de intervenções terapêuticas, devido ao seu carácter controlado e à aplicação da aleatorização, a verdade é que a qualidade destes está, tal como qualquer outro tipo de estudo, dependente do controlo de um vasto conjunto de outras importantes fontes de erros sistemáticos e aleatórios que devem ser conhecidas, detectadas e prevenidas. Neste contexto, definem-se habitualmente os seguintes critérios (Tabela 1) para avaliação da validade ou qualidade metodológica de ensaios clínicos aleatorizados(9-15): 1) Houve uma adequada atribuição aleatória das intervenções (aleatorização ou randomização)? O processo de atribuição aleatória das intervenções – aleatorização – é um pilar fundamental dos estudos experimentais em humanos, garantindo o controlo de potenciais erros sistemáticos decorrentes do confundimento e de viéses de selecção(9-12). Esta é a vantagem fundamental dos ECA’s relativamente aos estudos observacionais. Nestes segundos, a potencial existência de confundimento e viéses de selecção, por não haver aleatorização das intervenções ou factores em estudo, são barreiras formais à interpretação causal directa dos efeitos observados(9-12). Num ECA, o processo de atribuição aleatória da intervenção, se adequadamente executado, permite criar grupos (experimental e de controlo) comparáveis e homogéneos quanto às características ou variáveis que podem potencialmente influenciar o resultado clínico subsequente, sendo as diferenças entre estes grupos devidas unicamente ao processo aleatório que os determina. Por este motivo, é lícito interpretar as diferenças observadas prospectivamente entre estes grupos, quanto às variáveis de resultado clínico relevantes, como sendo resultantes do efeito causal da intervenção, desde que essas diferenças estejam para além das que seriam de esperar pelo mero acaso. A decisão sobre se as diferenças estão ou não além das esperadas decorre da pediatria baseada na evidência 107 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 aplicação de testes estatísticos de hipóteses adequados, que permitem decidir, precisamente, se as diferenças são ou não estatisticamente significativas. Do ponto de vista prático, a verificação da existência de um método adequado de atribuição aleatória das intervenções passa pela confirmação de que o processo utilizado foi realmente aleatório. A expressão “atribuição aleatória da intervenção” tem um significado técnico preciso, e implica que cada participante tenha uma probabilidade conhecida de pertencer a um ou outro grupo, definida por um processo aleatório; sendo, no entanto, impossível prever, à partida, a intervenção a que cada participante será submetido. Na generalidade dos casos, hoje em dia, este processo é feito através de aplicações informáticas específicas, que utilizam algoritmos que garantem um processo aleatório de alocação das intervenções. Frequentemente, o processo é coordenado por centros de aleatorização, que remotamente e de forma independente controlam e garantem a qualidade da aleatorização. Continuam a encontrar-se, por vezes, métodos mais simples, mas quando bem usados igualmente eficazes (se bem que são de fácil manipulação e consequente risco de uso inadequado), como por exemplo a utilização de tabelas de números aleatórios ou outros métodos tradicionais de geração de resultados aleatórios (ex: a moeda ao ar)(9-12). A avaliação do processo de aleatorização deverá incluir também a verificação da existência de aleatorização estra- Tabela 1: Critérios de avaliação de ensaios clínicos aleatorizados relativamente a três aspectos fundamentais: (1) validade ou qualidade metodológica, (2) importância dos resultados e (3) aplicabilidade prática dos resultados. (A) Avaliação da validade ou qualidade metodológica: 1. Houve uma adequada atribuição aleatória das intervenções (aleatorização ou randomização)? 2. A lista de atribuições aleatórias foi ocultada aos profissionais de saúde ou investigadores responsáveis pelo recrutamento dos participantes e atribuição das intervenções? 3. Todos os participantes foram analisados nos grupos em que foram inicialmente alocados (análise segundo o princípio da intenção-de-tratar)? 4. Existiu ocultação (blinding ou masking) do grupo de intervenção a que cada participante pertence em todos os parceiros envolvidos na execução do estudo? 5. O seguimento (follow-up) dos participantes foi suficientemente longo e completo? 6. As variáveis de resultado clínico consideradas na análise são adequadas e adequadamente definidas? 7. As intervenções de comparação foram adequadamente seleccionadas? 8. Os grupos experimental e de controlo eram comparáveis, no início do estudo, relativamente a outras variáveis que possam eventualmente influenciar os resultados do mesmo? 9. São apresentados e adequadamente enquadrados e discutidos os resultados de análises de subgrupos? (B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados 10. Qual é a magnitude e consequente importância científica, prática ou clínica do efeito da intervenção em estudo? 11. Qual é a precisão da estimativa de efeito da intervenção apresentada? (C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados 12. Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas características específicas e individuais? Serão os resultados do estudo generalizáveis? 13. No contexto onde me insiro, estarão as intervenções terapêuticas avaliadas disponíveis e serão estas aplicáveis na prática clínica? 14. Quais são os potenciais benefícios e malefícios das intervenções terapêuticas no meu doente em particular? 15. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos resultados clínicos esperados e à intervenção terapêutica proposta? 108 pediatria baseada na evidência tificada e/ou aleatorização permutada em blocos (incluindo o tipo e tamanho dos blocos utilizados)(9). A aleatorização estratificada resulta da aplicação de um processo independente de aleatorização das intervenções em determinados subgrupos de participantes, criados em função de variáveis especialmente relevantes no contexto do estudo(9,16). Por exemplo, fazer uma aleatorização estratificada em função do sexo implica desenvolver o processo de atribuição aleatória da intervenção, independentemente, no subgrupo de participantes do sexo feminino e no subgrupo do sexo masculino (garantindo a comparabilidade dos grupos de intervenção e controlo assim formados em cada um dos subgrupos). Este processo permite ter um controlo adicional (além do garantido pela aleatorização) sobre variáveis de confusão mais importantes ou sobre variáveis que suspeitamos possam ser modificadoras do efeito da intervenção em estudo. Na generalidade, a estratificação só pode ser feita em função de um grupo restrito de variáveis (devido às limitações no tamanho da amostra). Sublinhe-se, no entanto, que no plano formal, só esta estratégia garante a possibilidade de interpretar os resultados das frequentemente usadas análises de subgrupos directamente como efeitos causais (ver abaixo)(16). A aleatorização permutada em blocos é um método utilizado para controlar as flutuações ao acaso dos tamanhos dos grupos a comparar(9). Fazer uma aleatorização permutada em blocos implica não fazer atribuição aleatória da intervenção indivíduo a indivíduo, mas antes em grupos de indivíduos. Por exemplo, tipicamente uma aleatorização permutada em blocos de 10 elementos, num ECA para comparação de duas estratégias alternativas (com distribuição 1:1, isto é, com igual número de participantes nos dois grupos), é feita definindo à partida de forma aleatória, para cada conjunto sequencial de 10 participantes, qual a permutação escolhida com 5 elementos alocados a cada grupo (ex: ECCECEEECC, em que o primeiro participante seria do grupo experimental, o segundo e terceiro do grupo de controlo, e assim sucessivamente). Este método garante NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 uma distribuição aleatória dos participantes pelos grupos, mas simultaneamente controla exactamente o tamanho de cada um dos grupos. Recomenda-se habitualmente a utilização de blocos de grande tamanho e, de preferência, com tamanhos de bloco a variar aleatoriamente. A avaliação do artigo de Damoiseaux et al. [8], em análise neste caso, permite verificar que os autores implementaram, de facto, um processo aleatório de atribuição das intervenções, descrito na subsecção “Assignment and blinding” da secção “Methods”. Da descrição feita parece ter havido uma atribuição aleatória da intervenção, feita centralmente utilizando uma aplicação informática e aplicando um método de aleatorização permutada em blocos. Apesar de satisfatória, os autores poderiam ter sido um pouco mais detalhados na descrição do processo, do tamanho e tipo de blocos utilizados. A expressão usada no artigo “two block randomisation” não permite perceber claramente o que foi feito. 2) A lista de atribuições aleatórias foi ocultada aos profissionais de saúde ou investigadores responsáveis pelo recrutamento dos participantes e atribuição das intervenções? Um processo de atribuição aleatória da intervenção eficaz depende, na prática, de dois aspectos intrinsecamente ligados: a adequada geração de uma sequência imprevisível de atribuições e a ocultação dessa sequência aos responsáveis pelo recrutamento dos participantes, até a alocação da intervenção ter tido lugar(9,17-19). Uma questão fundamental será garantir a imprevisibilidade da sequência de atribuições(20). O método de alocação das intervenções deverá ser implementado de forma a garantir que seja impossível aos responsáveis pelo recrutamento dos participantes saber, prever ou manipular a intervenção a atribuir ao próximo participante recrutado. Esta característica é mais comummente conhecida pela sua designação em inglês – allocation concealment(17,18). Existe evidência empírica que demonstra a importância deste critério, sendo que este impede que a acção consciente ou inconsciente do clínico ou investigador responsável pelo recrutamento e alocação das intervenções possa perturbar a comparabilidade dos grupos criada pelo efeito da aleatorização(18,19,21). Infelizmente, a descrição que é feita nas publicações de ECA’s relativamente a este ponto, não é geralmente muito satisfatória, sendo muitas vezes difícil julgar sobre a existência de um adequado allocation concealment(17-21). Sempre que o processo de aleatorização e alocação das intervenções esteja a cargo de um centro de aleatorização, independente e fisicamente separado do local onde os participantes estão a ser recrutados, este critério estará a ser muito provavelmente cumprido. Outros métodos frequentemente usados para garantir este ponto são, por exemplo, a utilização de envelopes selados e sequencialmente numerados e o uso de embalagens incaracterísticas e sequencialmente numeradas(9,19). No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, na subsecção “Assignment and blinding” da secção “Methods”, que os autores do estudo utilizaram embalagens não identificáveis e uma lista de atribuições que era gerida por um centro independente (farmácia do hospital), garantindo desta forma uma adequada ocultação da lista de atribuições e do processo de alocação das intervenções. 3) Todos os participantes foram analisados nos grupos em que foram inicialmente alocados (análise segundo o princípio da intenção-de-tratar)? A análise de resultados num ECA deverá seguir, em primeira instância e de acordo com as recomendações nesta área(9,22,23), o princípio de intenção-de-tratar (intention-to-treat analysis – ITT). Isto significa que a comparação dos grupos em avaliação, relativamente às variáveis de resultado clínico analisadas, deverá considerar todos os indivíduos alocados a cada um dos grupos, respeitando a atribuição aleatória da intervenção inicial, independentemente do que acontece depois dessa alocação; incluindo todos os participantes independentemente do tratamento de facto realizado, subsequente abandono do estudo ou alteração do pro- tocolo do mesmo(9,22-25). Assim, deverão ser considerados na análise, e nos grupos inicialmente definidos, todos os participantes mesmo que estes: (1) tenham saído do estudo e não tenham seguido a intervenção que lhes foi atribuída (drop-out); (2) tenham, por qualquer razão, saltado do braço de controlo para o braço experimental (drop-in); (3) não tenham, total ou parcialmente, aderido ao tratamento atribuído (noncompliance); (4) tenham, por qualquer razão, deixado de ser seguidos no contexto do estudo (lost to follow-up); (5) tenham abandonado voluntariamente o estudo (withdrawn) ou (6) não tenham, por qualquer razão, seguido o protocolo do estudo (protocol violations). A alternativa a uma análise segundo o princípio da intenção-de-tratar é uma análise em que são só considerados os participantes em função das intervenções de facto realizadas ou do protocolo de facto seguido (on-treatment analysis ou per-protocol analysis)(23,24). Esta análise alternativa poderá complementar a análise segundo o princípio de intenção-detratar mas não deverá substituí-la(9). A análise ITT é mais adequada que as alternativas por três razões essenciais(9,23,25). Em primeiro lugar, a análise ITT é o método mais apropriado para preservar a comparabilidade dos grupos que resulta da aleatorização inicialmente feita num ECA. A consideração unicamente dos participantes que são de facto submetidos às intervenções ou que completam o protocolo do estudo leva a uma avaliação enviesada do efeito da intervenção por romper a aleatorização inicial do estudo. Na generalidade, as violações do protocolo, as saídas do estudo ou a não-adesão estão associadas simultaneamente às intervenções (geralmente são mais frequentes no grupo experimental, devido por exemplo às reacções adversas) e às variáveis de resultado clínico (geralmente os doentes que saem ou abandonam têm pior prognóstico), logo, a sua exclusão leva à não comparabilidade dos grupos e ao enviesamento na avaliação do efeito da intervenção (geralmente sobrestimação). Em segundo lugar, a análise ITT responde à questão essencial e pragmática que tem, na generalidade, mais interesse para o clínico pediatria baseada na evidência 109 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 – será que a decisão de utilizar determinada intervenção e a sua recomendação/ prescrição estão associadas a um melhor resultado clínico? Na verdade, esta questão é mais relevante e diferente daquela que uma análise per-protocol ou on-treatment permite responder. Numa análise per-protocol a questão que é respondida é – será que a utilização de facto da intervenção, caso o indivíduo cumpra escrupulosamente o protocolo do estudo e as recomendações sobre a aplicação da intervenção, está associada a um melhor resultado clínico? Como já foi referido, a resposta que é possível dar neste tipo de análise será sempre potencialmente enviesada, para além de não ser geralmente a resposta mais útil para o clínico. Em terceiro lugar, uma análise ITT proporciona uma metodologia para o tratamento dos casos de quebras de protocolo, desistências e perdas de follow-up mais apropriada, mais segura e menos sujeita a potenciais manipulações(9,22). Estas situações são frequentes e muitas vezes de difícil definição e tratamento, pelo que podem ser alvo fácil de manipulação. A análise ITT (se adequadamente implementada) obriga a um tratamento padronizado e não ambíguo destes casos(9,22). Assim, a apresentação de uma análise ITT é um critério importante e que está associado à qualidade metodológica global do ECA(22,23,25). A verificação deste critério é, no entanto, por vezes difícil, dado que os artigos descrevem muitas vezes de forma incompleta a análise e o percurso de cada um dos participantes no ECA e utilizam de forma inadequada a expressão “análise segundo o princípio de intenção-de-tratar” (referindo-a mas não a aplicando). Na prática, a avaliação do tipo de análise feita implica a verificação dos participantes considerados na mesma, idealmente contemplando todos os indivíduos segundo as alocações iniciais. As únicas situações em que poderá ser lícito excluir participantes da análise são: (1) participantes que, por qualquer razão, são erradamente incluídos no estudo e que não cumprem os critérios de inclusão; (2) participantes que foram prematuramente aleatorizados e a quem lhes foi atribuída uma intervenção que, de facto, nunca chegaram a receber, desde que 110 pediatria baseada na evidência a alocação ao grupo experimental não influencie a probabilidade de se receber a intervenção; (3) participantes para os quais não foi possível obter dados sobre as variáveis de resultado clínico analisadas (note-se que é obrigatório num ECA desenvolver todos os esforços para a obtenção dos dados relativos às variáveis de resultado em todos os participantes, especialmente no caso de abandonos ou perdas de seguimento), dado que naturalmente neste caso é impossível incluílos na análise. No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, no segundo parágrafo da subsecção “Sample size and data analysis” da secção “Methods”, que os autores referem ter utilizado uma análise segundo o princípio de intenção-de-tratar. A avaliação subsequente da secção de resultados permite confirmar que, de facto, a análise feita segue o princípio de intençãode-tratar, dado que é possível verificar o que aconteceu com todos os participantes do ensaio no flow-chart apresentado nesta secção e é possível verificar, na tabela 2, que o cálculo das medidas de efeito consideraram todos os participantes (para os quais existem dados disponíveis) segundo as alocações iniciais. 4) Existiu ocultação (blinding ou masking) do grupo de intervenção a que cada participante pertence em todos os parceiros envolvidos na execução do estudo? O termo ocultação (blinding ou masking) no contexto de um ECA referese à existência de desconhecimento do grupo de intervenção a que cada participante pertence por parte dos próprios participantes e dos investigadores e profissionais de saúde responsáveis pelo seu seguimento, pela recolha de dados, pela avaliação das variáveis de resultados ou pela análise dos resultados, de forma a garantir que este conhecimento não possa afectar o seu comportamento ao longo do ECA e enviesar os resultados do mesmo(26,27). A ocultação é genericamente uma ferramenta metodológica muito importante, mas a sua relevância prática dependente do contexto clínico, do tipo de intervenções e do tipo de variáveis de resultado clínico em análise(26,27). A ocultação dos participantes do estudo é fundamental para evitar a influência que o conhecimento da intervenção pode ter na manifestação e observação do resultado clínico; e visa evitar viéses relacionados com os efeitos não específicos da intervenção. A ocultação ao nível dos participantes e dos investigadores ou profissionais de saúde responsáveis pelo seguimento e recolha de dados visa evitar viéses relacionados com eventuais diferenças no seguimento, tratamento ou cuidados prestados (ou exigidos) aos participantes de diferentes grupos (viéses de desempenho – performance bias). A ocultação ao nível dos investigadores responsáveis pela avaliação das variáveis de resultado clínico é fundamental, pois impede que esta avaliação seja afectada consciente ou inconscientemente pelo conhecimento da intervenção e permite evitar viéses de informação, de observador ou de avaliação (observer, ascertainment ou assessment bias). A ocultação ao nível dos investigadores responsáveis pela análise dos dados é hoje também recomendada; e impede eventuais influências no tipo e profundidade da análise estatística efectuada(26-30). Existe abundante evidência empírica que demonstra a importância da ocultação nos vários níveis referidos, sendo que a não implementação ou inadequada descrição dos métodos de ocultação parecem estar associados a uma avaliação enviesada dos efeitos das intervenções, na generalidade sobrestimando-os(18,21,26,31). É frequente haver descrições incompletas dos métodos de ocultação utilizados e existe grande heterogeneidade no significado dado a expressões como “double blinding”. Por este motivo, recomenda-se que a descrição do processo de ocultação seja o mais completa e explícita possível e que sejam mencionados os vários níveis em que esta foi implementada e os métodos que foram utilizados [27-31]. A avaliação deste critério está dependente da verificação, para cada nível, do tipo e métodos de ocultação que foram implementados, e das garantias que estes dão sobre a eficácia da ocultação. No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, na subsecção “Assignment and blinding” da secção “Methods”, NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 que os autores referem ter feito a ocultação ao nível das crianças participantes, dos seus pais e dos investigadores envolvidos no estudo. Apesar da referência, não são dadas explicações adicionais sobre os métodos de ocultação dos investigadores e sobre a ocultação aquando da avaliação das variáveis de resultado clínico. É referido que o placebo utilizado tinha uma cor e sabor idênticas ao antibiótico aplicado no grupo experimental, garantindo a ocultação das crianças e dos seus pais. É ainda descrito o facto de ter havido ocultação dos pais e investigadores como garantia de um tratamento igual dos participantes nos dois grupos ao longo do estudo. 5) O seguimento (follow-up) dos participantes foi suficientemente longo e completo? O seguimento dos participantes no contexto de um ECA é, muitas vezes, longo e complexo. É de todo o interesse, a bem da qualidade do estudo, que o seguimento dos participantes seja o mais completo possível, uma vez que as características e os resultados clínicos dos participantes perdidos são, na generalidade, diferentes daqueles que são completa e adequadamente seguidos(10,18,21). É recomendada a implementação de métodos que visem maximizar a probabilidade de sucesso no seguimento dos participantes; e no caso de haver perdas, dever-se-á desenvolver esforços para obter o máximo de informação possível sobre o ocorrido e, de preferência, dados sobre as variáveis de resultado clínico. Não existem recomendações estritas sobre o que será um nível aceitável de perda de seguimento, no entanto, alguns autores usam a referência dos 80% de participantes com seguimento completo como o mínimo aceitável(10). A duração do seguimento é também um factor decisivo, já que esta deve garantir a possibilidade teórica e prática de observação, em todos os participantes, de todos os eventos clínicos relevantes relacionados com as variáveis de resultado importantes no contexto clínico em causa (ex: se estamos interessados na avaliação da mortalidade num ensaio sobre eficácia de anti-hipertensores em doentes de 50 anos, um período de se- guimento de 1 mês ou 3 meses será claramente insuficiente)(10). Simultaneamente, no entanto, o seguimento deverá ser o mais curto possível de forma a minimizar as perdas de seguimento e ser o menos intrusivo possível na vida dos participantes. O equilíbrio entre estes dois objectivos antagónicos é difícil mas deverá ser procurado da melhor forma. A verificação da descrição feita sobre a magnitude e causas das perdas de seguimento e sobre a duração média do seguimento são, portanto, critérios fundamentais na avaliação da qualidade de ECA’s(9-11). No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, no flow-chart e no texto da secção “Results”, que os autores descrevem adequada e detalhadamente todos os casos em que existiu perda de seguimento e não foi possível obter informação sobre as variáveis de resultado clínico. Neste estudo existiu uma duração de seguimento adequada às variáveis de resultado clinicamente relevantes e as proporções de perda de seguimento foram muito satisfatórias (as proporções de participantes com seguimento completo foram de 98%, 91% e 88%, respectivamente para os 4 dias, 11 dias e 6 semanas de seguimento). 6) As variáveis de resultado clínico consideradas na análise são adequadas e adequadamente definidas? O desenho e execução de um ECA implica sempre a medição de variáveis de resultado clínico (outcomes) para comparação dos grupos e efectiva avaliação do efeito da intervenção em análise. As variáveis de resultado primárias (primary outcomes) são as variáveis de maior interesse no estudo, deverão ser em número limitado (idealmente só uma) e geralmente são utilizadas para o cálculo do tamanho da amostra. As variáveis de resultado secundárias são complementares relativamente às primárias, sendo importante que incluam, além de variáveis de eficácia, variáveis relativas à segurança das intervenções (ex: eventos ou reacções adversas)(9-11). A escolha de quais as variáveis de resultado clínico a considerar num ECA deverá ter em conta as recomendações existentes na área clínica específica (ex: documentos de consenso de sociedades científicas internacionais) e, idealmente, estas deverão estar devidamente estudadas e validadas, de forma a garantir a qualidade das medições e a comparabilidade com outros estudos. As variáveis de resultado deverão ser descritas de forma detalhada e completa, indicando claramente quais as primárias e quais as secundárias. A descrição deverá incluir a sua definição, demonstração da sua relevância e indicação da metodologia seguida na sua medição. Aspectos importantes são, por exemplo, a indicação de quem fez a observação das variáveis; se houve ou não observadores múltiplos; se a observação foi com ou sem ocultação; se existiu mais que um ponto de avaliação ao longo do tempo (e se sim, qual o momento considerado na definição da variável de resultado) e o protocolo e tecnologia utilizada nas medições (se apropriado)(9-11). Dois problemas importantes relacionados com a definição de variáveis de resultado num ECA são: primeiro, a utilização de variáveis de resultado indirectamente relacionadas com as variáveis clinicamente mais importantes num determinado contexto (surrogate outcomes ou endpoints); segundo, a utilização de variáveis de resultado compostas, que resultam da agregação de vários eventos clinicamente relevantes mas distintos (composite outcomes ou endpoints). Frequentemente num ECA a utilização das variáveis de resultado realmente relevantes do ponto de vista clínico (ex: mortalidade global, mortalidade cardiovascular, mortalidade devido a cancro, incapacidade a longo prazo, perda de acuidade visual ou de outras funções relevantes, etc.) podem implicar longos períodos de seguimento e um grande número de participantes. Por este motivo, e devido à pressão comercial e à necessidade de resultados rápidos e baratos, tem-se tornado cada vez mais frequente a utilização de variáveis de resultado que, apesar de não serem as de maior interesse clínico, se assume estarem directamente relacionadas com as variáveis clinicamente mais importantes (surrogate outcomes), permitindo fazer estudos mais curtos, pediatria baseada na evidência 111 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 pequenos e baratos (ex: reduções de tamanho de tumores, diminuições de níveis de colesterol, diminuições de níveis de pressão arterial, contagens de células CD4+, etc.). Em muitos casos, este aspecto pode ser perfeitamente aceitável, no entanto, convém chamar a atenção para dois factos: primeiro, é fundamental estudar, sempre que possível, as variáveis que são na realidade clinicamente relevantes; segundo, frequentemente a assumpção fundamental de uma relação estrita e linear entre os surrogate outcomes e as variáveis de resultado realmente importantes não é, por razões várias, verdadeira, implicando isto que não seja lícito concluir sobre os segundos na base de resultados sobre os primeiros(14,32). As variáveis de resultado compostas são frequentemente utilizadas e resultam da consideração conjunta de vários eventos potencialmente relevantes numa única variável. Por exemplo, é habitual em ensaios clínicos da área cardiovascular considerar uma variável composta de “eventos cardiovasculares relevantes” que resulta da junção de angina, enfarte do miocárdio não fatal e morte. Neste caso a variável “evento cardiovascular relevante” estará presente se qualquer um dos eventos que a compõem acontecer. A utilização de variáveis de resultado compostas é também uma estratégia que permite aumentar a eficiência estatística dos ensaios clínicos, no entanto, o seu uso reveste-se de vários problemas que devem ser considerados. Primeiro, uma variável composta junta frequentemente eventos com relevâncias muito diversas (ex: angina e morte); segundo, os eventos mais relevantes podem ser bastante mais raros que os restantes (ex: um efeito detectado poderá reflectir maioritariamente reduções na angina e não na mortalidade); terceiro, o efeito da intervenção pode ser diferente nos vários componentes da variável composta (ex: uma intervenção poderá ter um efeito na redução da angina mas não na mortalidade). Assim, se os eventos clinicamente mais relevantes são raros ou se há suspeita da existência de efeitos diferentes nos vários componentes, não será aconselhável olhar só para as variáveis compostas, mas antes verificar o efeito da intervenção 112 pediatria baseada na evidência nos vários componentes isolados, ainda que isto possa implicar algumas perdas na precisão das estimativas dos efeitos (relacionada com a raridade dos eventos mais relevantes)(33). No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, na subsecção “Outcome measures” da secção “Methods”, que existe uma descrição detalhada e completa das variáveis de resultado primárias e secundárias consideradas no estudo. Foram utilizadas as variáveis de resultado clínico geralmente encontradas em estudos desta natureza, são descritos os métodos utilizados na sua medição e, no caso do diagnóstico de derrame no ouvido médio às 6 semanas, apresentadas referências que suportam a validade do método utilizado. A variável de resultado primária aplicada neste estudo foi a persistência de sintomas ao quarto dia, avaliada pelo médico assistente e definida como a persistência de otalgia, febre (≥38ºC), choro ou irritabilidade, este é um exemplo de uma variável de resultado composta, dado que implica a presença, aos 4 dias, de qualquer um dos 4 eventos componentes. Embora clinicamente muito útil, esta variável permite, eventualmente, classificar da mesma forma uma criança unicamente com persistência de otalgia (não muito fácil de avaliar nesta idade) e uma criança com persistência de febre e irritabilidade aos 4 dias. Este exemplo extremo ilustra o problema do uso das variáveis compostas, no entanto neste caso a sua utilização revela-se útil e necessária. A variável de falência terapêutica aos 11 dias utilizada no estudo é também um exemplo de uma variável composta. 7) As intervenções de comparação foram adequadamente seleccionadas? Várias revisões sistemáticas têm demonstrado que ensaios clínicos realizados pela indústria farmacêutica tendem a apresentar efeitos de intervenções mais positivos que os ensaios realizados por entidades sem fins lucrativos(34,35). Uma das aparentes razões deste fenómeno está relacionada com a escolha apropriada das intervenções de comparação(33,35,36). Apesar de ensaios clínicos que utilizam o placebo como comparador serem muito importantes no plano cientifico e regulamentar, clinicamente a comparação mais relevante será, na maioria das vezes, com as outras intervenções já habitualmente utilizadas no contexto clínico em causa; sendo do interesse do clínico a vantagem adicional que a nova intervenção poderá ter relativamente às armas terapêuticas já disponíveis e não relativamente ao placebo. Neste contexto, será importante também considerar a escolha de comparadores adequados e justos, por exemplo, em doses adequadas (ex: será muito fácil demonstrar maior eficácia do que uma intervenção alternativa em doses sub-terapêuticas) e utilizando vias de administração apropriadas (ex: se a intervenção de comparação não tem boa absorção oral, a sua utilização por via oral poderá levar-nos a observar um efeito inexistente)(33). Destaca-se, no entanto, que quando a comparação não pode ser feita com outros tratamentos activos, a utilização do placebo é de extrema importância, uma vez que permite controlar o efeito não específico relacionado unicamente com o facto de os indivíduos estarem a ser submetidos a uma intervenção (mesmo que esta não tenha um efeito activo demonstrado no contexto clínico em causa) – efeito placebo(37-40). Daí a sua importância científica e regulamentar. Um outro efeito não específico comum neste contexto é, por exemplo, o chamado efeito de Hawthorne, que resulta unicamente do facto de os indivíduos estarem a ser seguidos num estudo(37,41). Na avaliação deste critério deverse-á ter em atenção a escolha que foi feita da intervenção de comparação. Deverse-á avaliar o que será mais importante no contexto clínico em causa, se uma comparação com placebo ou uma comparação com um tratamento habitual já disponível. Quando aplicável, dever-se-á ter extremo cuidado na análise da forma farmacêutica, dose e método de administração da intervenção de comparação. No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, na subsecção “Intervention” da secção “Methods”, que as intervenções avaliadas neste caso são o tratamento habitual mais a utilização de NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 placebo (representativo de uma alternativa de observação expectante e tratamento habitual, sem inclusão de antibiótico) versus o tratamento habitual mais a utilização de antibiótico (amoxicilina 40 mg/Kg/dia). No artigo é possível verificar uma cuidadosa e completa descrição das intervenções comparadas e verifica-se também que as doses e vias de administração do antibiótico são as esperadas neste contexto. 8) Os grupos experimental e de controlo eram comparáveis, no início do estudo, relativamente a outras variáveis que possam eventualmente influenciar os resultados do mesmo? Se o processo de atribuição aleatória da intervenção foi eficaz, espera-se que entre os grupos haja uma distribuição homogénea das características mais relevantes na determinação das variáveis de resultado em estudo. Em geral, os artigos que reportam resultados de ECA’s apresentam uma tabela inicial em que são comparados os grupos experimental e de controlo relativamente a um conjunto de variáveis. A avaliação desta tabela e das diferenças encontradas entre os grupos permitirá ter uma noção sobre a eficácia do processo de aleatorização e sobre a necessidade de aplicar ajustamentos estatísticos relacionados com as diferenças detectadas (potenciais variáveis de confusão)(9-11). No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, na secção “Results”, que os autores descrevem, na tabela 1, as características e variáveis clínicas mais importantes neste contexto, permitindo avaliar a comparabilidade dos grupos. Nesta tabela e no texto da secção de resultados é possível observar a descrição de diferenças significativas entre os grupos à partida, relativamente às variáveis antecedentes de recorrência de OMA, frequência de infantário e hábitos tabágicos dos pais. Na subsecção “Sample size and data analysis” da secção “Methods” e na secção “Results”, é possível verificar que os autores descrevem, correctamente, ter complementado a sua análise estatística através da aplicação de uma técnica de modelação que permite ajustar a estimativa do efeito da intervenção para estes desequilíbrios encontrados nestas variáveis (modelo de regressão logística múltipla). A aplicação desta técnica de modelação permitiu verificar que o ajustamento para essas diferenças não alterou minimamente a estimativa de efeito apresentada. 9) São apresentados e adequadamente enquadrados e discutidos os resultados de análises de subgrupos? É muito frequente, especialmente em ensaios com resultados negativos (ausência de efeito da intervenção em análise), encontrar reportados resultados sobre efeitos significativos (portanto aparentes resultados positivos) em determinados subgrupos de doentes. A apresentação e a interpretação de resultados de subgrupos deverão ser feitas com extremo cuidado, pois a comparabilidade dos grupos, que é garantida pelo processo de aleatorização, só é aplicável aos participantes na sua globalidade e não aos subgrupos(42-44). Portanto, na análise de subgrupos a apresentação de resultados estará sempre potencialmente afectada pelo enviesamento relacionado com a quebra da aleatorização inicial(9-11,42-44). As únicas excepções, como referido anteriormente, são os casos em que foi utilizada uma aleatorização estratificada em função da variável que define os subgrupos, estando nesses casos a comparabilidade dos grupos salvaguardada também nos subgrupos(16). A análise de subgrupos está também associada ao aumento da probabilidade de erros devido a fenómenos do acaso, uma vez que, naturalmente, se o investigador olhar para um número suficientemente grande de subgrupos irá, muito provavelmente, encontrar alguns efeitos estatisticamente significativos que são, no entanto, meros achados devidos ao acaso e não efeitos reais(43). Desta forma, os resultados de análises de subgrupos deverão ser avaliados sempre com extremo cuidado(44). Recomenda-se que estas só sejam consideradas hipóteses credíveis quando cumulativamente foram verificadas as seguintes condições: (1) o efeito específico no subgrupo faz sentido do ponto de vista clínico e biológico; (2) o efeito no subgrupo é clínica e estatisticamente significativo; (3) o efeito no subgrupo foi colocado como hipótese inicialmente, sendo referido o seu estudo no protocolo do ECA (não sendo, portanto, produto de análises exploratórias dos dados após a realização do estudo); (4) o efeito no subgrupo foi já verificado por outros estudos independentes(10). No artigo de Damoiseaux et al.(8) não são apresentados quaisquer resultados relativos a análise de subgrupos. (B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados A avaliação da importância dos resultados passa pela adequada interpretação e contextualização das medidas e estatísticas aplicadas na apresentação dos mesmos. Genericamente, a avaliação da importância dos resultados deverá considerar dois aspectos essenciais(3,45): 10) Qual é a magnitude e consequente importância científica, prática ou clínica do efeito da intervenção em estudo? Este ponto implica a avaliação das medidas e magnitude dos efeitos apresentados, a sua adequada interpretação e a sua devida contextualização clínica. A situação mais habitual em ECA’s na área biomédica é a consideração de variáveis de resultado clínico categóricas, geralmente dicotómicas e relacionadas com a ocorrência ou não de um determinado evento clinicamente relevante (ex: morte, enfarte agudo do miocárdio, resolução clínica de sintomas, etc.), ao longo do seguimento prospectivo dos participantes do estudo. Neste contexto, as medidas de efeito mais comummente encontradas, hoje em dia, na apresentação de resultados de ECA’s são o risco relativo (RR), a redução absoluta de risco (RAR), a redução relativa de risco (RRR) e o númeronecessário-para-tratar (NNT)(10). Central ao cálculo destas medidas é o conceito de risco de desenvolvimento de em determinado evento. O risco é definido como a probabilidade de desenvolvimento de um evento ao longo de um determinado tempo de seguimento, este está intimamente associado aos concei- pediatria baseada na evidência 113 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 tos de incidência cumulativa do evento ou da taxa de incidência do mesmo, dependendo do desenho do estudo realizado (a discussão da diferença entre estas duas medidas está fora do âmbito deste artigo). Considere-se, por exemplo, um ECA em doentes internados em unidade de cuidados intensivos (UCI) e em que foram seguidos um grupo experimental submetido a uma nova intervenção, que visa reduzir a mortalidade destes doentes, e um grupo de controlo submetido a um placebo. Imaginemos que cada grupo era constituído por 100 indivíduos que foram seguidos até ao fim do internamento hospitalar, tendo-se verificado que 20 do grupo controlo e 10 do grupo experimental morreram durante esse período. Neste exemplo simples temos duas medidas de risco fundamentais: Risco do evento no grupo de controlo (REC) – Definido como a probabilidade de ocorrência do evento (morte) durante o período de seguimento (neste caso considera-se o período de internamento hospitalar), podendo então afirmar-se que a mortalidade hospitalar (risco de morte) no grupo de controlo é estimada através do cálculo da proporção de participantes deste grupo que morreram durante esse período (REC = 20/100 = 0,2 = 20%). Risco do evento no grupo experimental (REE) – Definido da mesma forma, poderá afirmar-se que a mortalidade hospitalar no grupo experimental é estimada pela proporção de participantes deste grupo que morreram durante esse período (REE = 10/100 = 0,1 = 10%). A partir destas medidas de risco será possível calcular as medidas de efeito (também designadas medidas de associação) atrás referidas: O risco relativo (RR) – É uma medida relativa de efeito, estimada a partir da razão entre o risco no grupo experimental e o risco no grupo de controlo (RR = REE/ REC = 0,1/0,2 = 0,5), dando uma noção relativa da frequência do evento no grupo experimental em comparação com o grupo de controlo. Neste caso, um RR de 0,5 significa que existem 1 evento no grupo experimental para cada 2 no grupo de controlo (1/2), ou seja, o evento é 2 vezes mais frequente no grupo de controlo relativamente ao experimental. 114 pediatria baseada na evidência A redução absoluta de risco (RAR) – É uma medida absoluta de efeito, estimada a partir do valor absoluto da diferença entre o risco no grupo de controlo e o risco no grupo experimental (RAR = REC-REE = 0,2-0,1 = 0,1 = 10%). Esta medida assume uma redução do risco do evento no grupo de controlo e é interpretada como a redução absoluta do risco do evento associada à intervenção, neste caso, poder-se-á afirmar que o efeito da intervenção implica uma redução do risco de morte de 10%. A redução relativa de risco (RRR) – É uma medida de impacto potencial (estritamente não é uma medida de efeito ou de associação), estimada a partir da razão entre a redução absoluta de risco e o risco no grupo de controlo (RRR = RAR/ REC = 0,1/0,2 = 0,5 = 50%). Esta medida estima o impacto da intervenção sobre o risco basal do evento na população a que os participantes pertencem e é interpretada como a proporção desse risco basal que poderá ser potencialmente reduzida pela implementação da intervenção. Neste caso, temos como estimativa do risco basal da população o risco no grupo de controlo (estimativa do risco do evento quando a intervenção não está presente) e assumimos que a intervenção provoca uma redução desse risco basal que é estimada pela RAR. Assim, a proporção de risco basal que é aparentemente reduzida pela intervenção é dada pela razão entre o RAR e o REC, isto é, 50%. Portanto a intervenção parece potencialmente reduzir em 50% o risco do evento. O número-necessário-para-tratar (NNT) – É uma medida absoluta, estimada a partir do inverso aritmético da redução absoluta de risco (NNT = 1/RAR = 1/0,1 = 10). Esta medida estima o número de indivíduos que seria necessário tratar com a intervenção em avaliação de forma a prevenir um único evento (morte). Neste caso, seria necessário tratar 10 indivíduos com a intervenção de forma a prevenir uma morte. Esta é uma medida que tem vindo a ser crescentemente utilizada dada a sua interpretabilidade, a utilidade clínica do seu resultado, e por permitir comparar intervenções de uma forma mais fácil e adequada. A compreensão da utilidade clínica do NNT e das vantagens e desvantagens das medidas relativas atrás mencionadas, poderá ser melhor ilustrada através de um segundo exemplo trivial em que o ECA atrás descrito foi repetido, exactamente da mesma forma, para uma outra intervenção, mas os resultados desta vez indicam a existência de uma morte no grupo experimental e 2 mortes no grupo de controlo. Neste segundo exemplo, teremos que o REC = 0,02 = 2%; o REE = 0,01 = 1%; o RR = 0,01/0,02 = 0,5; a RAR = 0,02-0,01 = 0,01 = 1%; a RRR = 0,01/0,02 = 50% e o NNT = 1/0,01 = 100. Este exemplo ilustra que, apesar de esta intervenção ser muito diferente da anterior, por condicionar uma redução do risco de morte de apenas 1%, portanto, dez vezes inferior à anterior, tem medidas de efeito relativas com o mesmo valor. Para as duas intervenções observase um RR = 0,5 e uma RRR = 50%. Um investigador interessado em apresentar evidência da vantagem da intervenção poderá apresentar selectivamente as medidas relativas e não as restantes, eventualmente induzindo em erro o leitor. Repare-se que, do ponto de vista clínico, será mais fácil perceber as diferenças entre as duas intervenções ao observar e interpretar a RAR = 1% e o NNT = 100. Percebemos claramente que a primeira intervenção é clinicamente mais importante pois condiciona uma redução absoluta do risco de morte 10 vezes maior e é necessário tratar um número muito menor de doentes para prevenir uma morte. Idealmente a apresentação de medidas absolutas de efeito deverá sempre acompanhar a apresentação das medidas relativas. Atente-se ao facto de medidas como a RAR, a RRR e o NNT assumirem intrinsecamente a redução de risco de um evento lesivo ou adverso no grupo experimental relativamente ao controlo. Situações em que sejam considerados aumentos de risco de um evento lesivo ou adverso no grupo experimental relativamente ao controlo poderão levar ao cálculo análogo de medidas como o aumento absoluto de risco (AAR = REEREC), o aumento relativo de risco (ARR = AAR/REE) e o número-necessário-para-lesar (NNL = 1/AAR; do inglês NNH – number-needed-to-harm). Obviamente, existem muitas situações em que num ECA as variáveis NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 de resultado clínico consideradas não são categóricas dicotómicas, mas antes quantitativas contínuas ou discretas ou categóricas ordinais. Nesses casos as medidas atrás referidas não são directamente aplicáveis, no entanto existem medidas específicas para estas outras escalas (ex: diferença entre as médias) que permitem a comparação dos grupos de uma forma análoga; e por vezes há lugar à categorização dessas variáveis permitindo a aplicação indirecta das medidas acima referidas. No artigo de Damoiseaux et al. [8] é possível verificar, na tabela 2 da secção “Results”, que relativamente à variável de resultado primária – persistência de sintomas aos 4 dias – é descrita uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos com uma RAR de 13% (risco no grupo placebo de 72% e no grupo de amoxicilina de 59%), correspondendo a um NNT de 8 crianças. Adicionalmente, foram também encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente à duração da febre (mediana de 2 dias no grupo da amoxicilina e mediana de 3 dias no grupo placebo) e ao consumo de analgésicos durante os primeiros 10 dias (média de 2,3 doses no grupo da amoxicilina e média de 4,1 doses no grupo placebo). Estas diferenças poderão ser vistas eventualmente como relevantes, no entanto, é fundamental sublinhar que os autores não encontraram diferenças significativas entre os grupos estudados relativamente ao exame objectivo da membrana timpânica aos 4 dias, proporção de falência terapêutica aos 11 dias, a duração de sintomas como a dor e o choro e na presença de derrame no ouvido médio, recorrências, uso de antibióticos e referências a especialistas às 6 semanas. 11) Qual é a precisão da estimativa de efeito da intervenção apresentada? Este ponto implica a verificação das medidas de precisão das estimativas dos efeitos apresentados, geralmente na forma de intervalos de confiança. As medidas de efeito apresentadas num ECA são sempre estimativas de um verdadeiro valor desse parâmetro na população em causa, resultantes da análise da amostra de participantes no estudo (subconjunto finito da população, geralmente muito menor que esta). Naturalmente, uma estimativa de efeito resultante do estudo de uma amostra de 1000 participantes será mais precisa (menos sensível aos erros aleatórios relacionados com o processo de amostragem) que uma estimativa proveniente de um estudo com 50 participantes. O tamanho da amostra é um dos mais importantes determinantes da precisão da estimativa de efeito, no entanto, a frequência do evento nos grupos, a variância da variável de resultado considerada e o nível de confiança assumido são factores também relevantes. A forma mais comum de reportar a precisão da estimativa de um efeito é através da apresentação do seu intervalo de confiança, geralmente de 95% (IC 95%). A definição formal mais correcta diz-nos que os IC 95% são intervalos que, construídos na base da metodologia de inferência estatística aplicável, nos dão a garantia que, caso a experiência em causa fosse repetida muitas vezes, 95% dos intervalos assim construídos conteriam dentro de si o verdadeiro valor do parâmetro populacional que pretendemos estimar. Numa simplificação deste conceito, muitas vezes usada por ser mais útil (mas formalmente menos correcta), pode-se pensar nos IC 95% como intervalos onde podemos com 95% de certezas encontrar o valor do parâmetro populacional. Assim, é fundamental perceber qual a qualidade e precisão das estimativas de efeito apresentadas num ECA, através da avaliação dos seus IC 95%, já que disso dependerá a interpretação e potencial aplicação prática que lhes podemos dar. No artigo de Damoiseaux et al. [8] é possível verificar, na tabela 2 da secção “Results”, que relativamente à variável de resultado primária – persistência de sintomas aos 4 dias – é descrita uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos com uma RAR de 13% (com maior risco de persistência de sintomas no grupo placebo), sendo correctamente apresentado também o IC 95% para esta estimativa [1% – 25%]. Deverá ter-se em atenção que os dados apresentados são compatíveis tanto com resultados bastan- te modestos de 1% como com resultados de 25%, pelo que a estimativa não é particularmente precisa. Na tabela 2 do artigo são igualmente reportados os IC 95% para as outras estimativas apresentadas. (C) Avaliação da aplicabilidade prática da evidência A última questão a ser abordada no processo de avaliação crítica da evidência será a questão da aplicabilidade prática da evidência científica encontrada. O objectivo do profissional de saúde será, na maior parte dos casos, a eventual aplicação da evidência científica aos seus problemas clínicos e aos seus doentes, logo, a avaliação da aplicabilidade prática é uma questão fundamental neste contexto(3,13,45). Esta avaliação deverá, idealmente, contemplar três aspectos essenciais – questões biológicas, questões socioeconómicas e questões epidemiológicas(3). O objectivo fundamental será o adequado enquadramento da evidência científica, dadas as características específicas do profissional de saúde, do contexto da sua prática clínica e das características específicas do seu doente. Os critérios fundamentais para avaliação da aplicabilidade prática de evidência científica são os seguintes: 12) Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas características específicas e individuais? Serão os resultados do estudo generalizáveis? A avaliação da aplicabilidade dos resultados de um ECA ao meu doente passa, em primeira instância, pela análise crítica dos critérios de selecção (inclusão e exclusão) dos participantes aplicados no estudo. A utilização de critérios estritos de selecção de participantes num ECA é uma ferramenta metodológica importante, pois permite maximizar a validade interna do estudo; proporcionar condições experimentais mais controladas; diminuir perdas de seguimento e desistências; excluir subgrupos particularmente vulneráveis ou com riscos particulares (ex: grávidas, crianças, etc.). No entanto, o reverso da medalha é que quanto mais estritos forem os critérios de selecção, menor será a va- pediatria baseada na evidência 115 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 lidade externa do estudo e, portanto, menor será a capacidade de generalização dos resultados do estudo para a população em causa, para outras populações e, em última análise, para o meu doente. A avaliação crítica das critérios de selecção de um ECA implica a comparação das características do meu doente (sócio-demográficas, biológicas e patológicas) com as características dos participantes do estudo na tentativa de verificar se as primeiras são de tal forma diferentes das segundas que tornem os resultados não aplicáveis àquele doente em particular. Dever-se-á ter em conta, no entanto, que a maior parte das vezes as diferenças não serão, de facto, tão grandes que justifiquem ignorar por completo os resultados do ECA, e na ausência de melhor evidência, estes poderão constituir o melhor ponto de partida disponível(10). Ao considerar a comparação entre as características individuais do meu doente e as características dos participantes no estudo dever-se-á fazer uma chamada de atenção especial para a utilização de resultados provenientes de análises de subgrupos (uma tentação grande neste contexto). Relembra-se que as análises de subgrupos num ECA devem ser vistas sempre com grande cuidado e a sua consideração deverá ter sempre em conta os critérios que atrás foram referidos. No artigo de Damoiseaux et al.(8) é possível verificar, na subsecção “Study population” da secção “Methods”, que no estudo foram incluídas 240 crianças entre os 6 e os 24 meses de idade, recrutadas no contexto dos cuidados primários de saúde numa região da Holanda, com um quadro de OMA (segundo a definição padrão usada na Holanda e aceite mundialmente); tendo sido considerados como critérios de exclusão o uso de antibióticos nas 4 semanas precedentes, alergia comprovada à amoxicilina, imunodepressão, anomalias cránio-faciais ou Sindrome de Down. Neste caso, parece sensato concluir que os resultados deste estudo são passíveis de serem generalizados, por exemplo, para a população de crianças portuguesas, sendo muito provavelmente aplicáveis a uma qualquer criança portuguesa nesse grupo etário com um quadro de OMA sem outras complicações ou factores de risco. 116 pediatria baseada na evidência 13) No contexto onde me insiro, estarão as intervenções terapêuticas avaliadas disponíveis e serão estas aplicáveis na prática clínica? Um ponto adicional na avaliação da aplicabilidade dos resultados provenientes de um ECA será a verificação de questões práticas relacionadas com a aplicação da intervenção em causa, nomeadamente, a disponibilidade da intervenção no meu contexto clínico específico; a disponibilidade dos meios necessários para a administração e monitorização da intervenção e o eventual seguimento dos doentes; a disponibilidade do sistema de saúde para financiar a intervenção e a sua custo-efectividade(10). No artigo de Damoiseaux et al. são comparados o tratamento com amoxicilina versus placebo, em crianças com OMA e menos de dois anos de idade. Estas duas alternativas são perfeitamente aplicáveis e já em uso em qualquer contexto habitual. Neste caso, deverão adicionalmente ser ponderados os riscos associados à eventual utilização indevida de antibióticos (reacções adversas desnecessárias, o problema das resistências aos antibióticos e os custos desnecessários). 14) Quais são os potenciais benefícios e malefícios das intervenções terapêuticas no meu doente em particular? É fundamental ter em conta na avaliação da evidência e na tomada de decisão tanto os dados relativos à eficácia da intervenção quanto os dados relativos aos potenciais malefícios associados à mesma (risco de reacções ou eventos adversos). Caso tenhamos concluído que a intervenção em causa é aplicável e a evidência da sua eficácia é válida e clinicamente importante, o passo seguinte na decisão será a de considerar as características específicas do meu doente para estimar os seus potenciais benefícios e malefícios. Para isto dever-se-á, de forma mais ou menos quantitativa(10), ajustar as estimativas de efeito da intervenção e as estimativas de probabilidade de reacções ou eventos adversos às características clínicas particulares do doente. No artigo de Damoiseaux et al.(8) são comparados o tratamento com antibiótico versus o placebo (tido como representativo da alternativa de observação expectante sem tratamento antibiótico), em crianças com menos de dois anos com OMA, tendo-se verificado que o benefício do antibiótico é uma redução significativa modesta da persistência de sintomas aos 4 dias, com uma RAR de 13% e um NNT de 8, e uma redução de um dia na mediana de duração da febre. Não foi possível demonstrar diferenças significativas entre os grupos no exame objectivo da membrana timpânica aos 4 dias; na proporção de falência terapêutica aos 11 dias e na presença de derrame no ouvido médio, recorrências, uso de antibióticos e referências a especialistas às 6 semanas. Adicionalmente, neste artigo são reportadas reacções adversas, tendo-se verificado que o potencial malefício do antibiótico passava por um aumento do risco de diarreia aos 4 dias, com um AAR de 7% e um NNL de 14. 15) Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos resultados clínicos esperados e à intervenção terapêutica proposta? Finalmente, a decisão sobre a aplicabilidade dos resultados do ECA ao meu doente deverá ter em conta o equilíbrio entre benefícios e malefícios da intervenção no seu caso particular e incorporar também os seus valores e expectativas. Dever-se-á incorporar a valorização individual que o doente faz sobre os potenciais benefícios e os potenciais malefícios da intervenção como factores de ponderação na comparação entre estes. Para isto, dever-se-ão utilizar métodos mais ou menos quantitativos e mais ou menos explícitos de elicitação e integração das valorizações dos doentes(10). Por exemplo, se um doente atribui um peso grande à valorização das potenciais reacções adversas que podem advir da aplicação da intervenção, isto deverá ser tido em consideração na decisão, mesmo que esta tenha um benefício claro demonstrado. Num caso extremo, e mesmo que a intervenção possa ter um claro benefício, o doente poderá optar por não aderir à intervenção por causa NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 das suas potenciais reacções adversas. Se isto acontecer, é preferível que seja no momento da decisão, com o conhecimento e apoio do médico e integrando-se no próprio processo de decisão, em vez de ser feito depois da decisão do clínico e sem o seu conhecimento. No artigo de Damoiseaux et al.(8) são apresentados resultados que demonstram a existência de potenciais benefícios e malefícios com o uso de antibióticos no tratamento de crianças com menos de dois anos com OMA. Tendo em conta estes resultados, o cenário que deverá ser explicado ao doente, ou neste caso aos seus pais, é que a utilização de antibióticos no tratamento da OMA deverá ser ponderada pensando, por um lado, na valorização de uma modesta redução do risco de persistência de sintomas aos 4 dias de 13% e NNT de 8 crianças e, por outro lado, na valorização de um aumento do risco de diarreia aos 4 dias de 7% e NNL de 14 crianças. Acrescentandose que as avaliações aos 11 dias e às 6 semanas não demonstraram quaisquer vantagens significativas do uso de antibióticos. É perfeitamente plausível pensar que na maioria dos casos a valorização dos potenciais benefícios e dos potenciais malefícios, neste caso, sejam muito próximos. Se aceitarmos este pressuposto, torna-se ainda menos importante o já por si pequeno benefício que o uso de antibióticos parece ter neste caso. CONCLUSÃO Os ensaios clínicos aleatorizados são o tipo de estudos primários considerados como padrão metodológico na resposta a questões sobre a eficácia de intervenções terapêuticas, devido ao seu carácter controlado e à aplicação da aleatorização. Ao longo deste artigo foi possível verificar que a qualidade destes está dependente do controlo de um vasto conjunto de importantes fontes de erros sistemáticos e aleatórios que devem ser conhecidas, prevenidas e detectadas. A aplicação de uma conjunto de critérios básicos para a avaliação da qualidade metodológica de ECA’s e da importância e aplicabilidade dos seus resultados foi discutida e ilustrada através de um exemplo prático. O ensaio clínico de Damoiseaux et al.(8), sobre a eficácia dos antibióticos no tratamento de OMA, em crianças com menos de dois anos, foi apresentado e discutido ao longo deste artigo. Verificouse que este estudo apresenta uma excelente qualidade metodológica, sendo os únicos aspectos a apontar a necessidade de uma descrição um pouco mais clara e completa dos métodos de aleatorização e ocultação. Voltando ao caso específico do pediatra assistente do Manuel, que é uma criança de 18 meses de idade com o diagnóstico de OMA sem complicações ou factores de risco, a decisão a tomar será a de prescrever ou não antibióticos, tendo em atenção os resultados do estudo discutido. Neste contexto, dever-se-á reflectir sobre quais são os objectivos clinicamente mais relevantes no tratamento da OMA numa criança e qual a sua ordem de prioridade. Será eventualmente consensual que os objectivos do tratamento são o alívio sintomático (a curto prazo) e a prevenção de complicações e sequelas que possam advir de um episódio de OMA (a curto, médio e longo prazo). O estudo de Damoiseaux et al. demonstra um efeito significativo moderado dos antibióticos no alívio sintomático (RAR de 13% e NNT de 8), que tem que ser equacionado com um risco de reacções adversas – diarreia – de magnitude comparável (AAR de 7% e NNL de 14), e uma ausência de efeito significativo no que às variáveis relacionadas com a prevenção de complicações ou sequelas diz respeito. Na verdade, os mesmos autores publicaram recentemente um outro estudo(46), onde apresentam os resultados do seguimento de três anos das crianças incluídas no ECA analisado, tendo concluído que, durante estes três anos de seguimento, não foram observadas diferenças significativas entre as crianças nos dois grupos (antibiótico versus placebo) na frequência de referências a especialistas nos cuidados secundários (pediatras ou otorrinolaringologistas) e na frequência de cirurgias do foro de otorrinolaringologia; mas encontraram um aumento estatisticamente significativo de 20% (IC 95% [5% – 35%]) no risco de recorrências de OMA no grupo submetido a antibiótico. Este in- teressante resultado leva os autores a colocar a hipótese de este poder dever-se ao efeito do uso da antibioterapia no aumento da frequência de estirpes resistentes. Embora os resultados do estudo de Damoiseaux et al.(8) sejam adequados e importantes, será sensato verificar os resultados de outros ensaios clínicos para verificar se estes são confirmados. A forma mais eficiente de fazer isto é através da procura e avaliação crítica de revisões sistemáticas e meta-análises que tenham respondido à mesma questão de investigação. Apesar da análise crítica deste tipo de estudos estar fora do âmbito deste artigo (tendo já sido focada no número anterior desta série), verifica-se a existência de pelo menos quatro revisões sistemáticas e meta-análises neste âmbito já publicadas(47-50). As conclusões apontadas nestes estudos são semelhantes às já descritas, ou seja, o antibiótico está associado a uma moderada redução na persistência de sintomas e a um aumento de magnitude comparável no risco de reacções adversas como diarreia, não sendo melhor que o placebo ou a observação expectante na redução falências terapêuticas ou de complicações ou sequelas a curto ou médio prazo. Os estudos incluídos nestas revisões sistemáticas incluem maioritariamente participantes entre os 6 meses e os 12 anos de idade, no entanto, não é apresentada evidência clara que demonstre diferenças destes resultados específicas para o grupo etário abaixo dos 2 anos de idade. Assim, na base da evidência científica apresentada e discutida, a decisão sobre a utilização de antibióticos no tratamento de OMA’s, em crianças com menos de 2 anos de idade, deverá ter em conta que: (1) estes têm um benefício moderado na melhoria sintomática, (2) têm um risco de reacções adversas de nível semelhante, (3) não diminuem o risco de falências terapêuticas, complicações ou sequelas a curto e médio prazo, (4) têm o potencial de agravar o problema das resistências aos antibióticos e (5) têm custos para o sistema de saúde associados. Voltando finalmente ao cenário clínico apresentado, o pediatra assistente do Manuel, depois de uma conversa es- pediatria baseada na evidência 117 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 clarecedora com a mãe e num processo de tomada de decisão partilhada, optou por não prescrever antibióticos, tendo recomendado a utilização de medicação analgésica e antipirética, hidratação adequada e uma reavaliação no caso de persistência ou agravamento dos sintomas. Embora ainda com algumas apreensões, a mãe do Manuel decidiu que seria melhor, atendendo ao bem-estar futuro do seu filho, tentar seguir esta estratégia. CRITICAL APPRAISAL AND PRACTICAL IMPLEMENTATION OF RANDOMISED CONTROLLED TRIALS ABSTRACT Evidence Based Medicine (EBM) is generally defined as the conscientious, explicit and judicious use of current best evidence in making decisions about the care of individual patients. In this section devoted to Evidence Based Paediatrics the conceptual, methodological and operational issues related to the practice of EBM in the field of Paediatrics have been covered. In the present article a practical example is developed allowing the application of concepts, methods and competencies covered in previous articles and specifically devoted to the critical appraisal and practical implementation of randomised controlled trials (RCT’s). A clinical scenario is presented and explored regarding the search and critical appraisal of scientific evidence about the efficacy of antibiotic therapy in children younger than two years with acute otitis media. Methods for searching the current best evidence are discussed and a systematic approach for the critical appraisal of RCT’s is suggested, including: (1) assessment of validity and methodological quality of RCT’s; (2) assessment of scientific and practical impact of study results and (3) assessment of their practical applicability. Key-words: Randomised controlled trials, evidence based medicine, acute otitis media, antibiotic therapy, watchful waiting. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 106-119 118 pediatria baseada na evidência BIBLIOGRAFIA 1. Azevedo LF, Costa Pereira A: Pediatria Baseada na Evidência. Nascer e Crescer Revista do Hospital de Crianças Maria Pia 2007, vol 16:29-31. 2. Group E-BMW: Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. EvidenceBased Medicine Working Group. Jama 1992, 268:2420-2425. 3. Sackett DL, Richardson, W.S., Rosenberg, W., Haynes, R.B.: Evidence Based Medicine. London, U.K.: Churchill-Livingstone; 1997. 4. 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No adolescente e criança mais velha, obesos e com história familiar de hipertensão, a etiologia mais frequente é a hipertensão essencial ou idiopática. Apresenta-se o caso clínico de uma adolescente de 12 anos, referenciada à consulta de Cardiologia Pediátrica para avaliação das repercussões cardíacas de hipertensão arterial de difícil controlo. A hipertensão arterial tinha sido detectada há dois anos e a investigação anterior não revelara causa secundária. De relevante ao exame físico apresentava obesidade, sopro sistólico de ejecção, com irradiação para o dorso, ausência de sopro abdominal, pulsos femorais diminuídos relativamente aos radiais e um gradiente de pressão arterial com diferencial de 50 mmHg entre os membros superiores e inferiores. O ecocardiograma transtorácico mostrou hipertrofia concêntrica ventricular esquerda; o estudo ecocardiografico supraesternal não foi conclusivo; detectou-se fluxo de coarctação da aorta a nível da aorta abdominal. A angiorressonância confirmou a existência de coarctação da aorta após a emergência da artéria subclávia esquerda tendo efectuado tratamento cirúrgico. Este caso é exemplo da importância de um exame físico completo na abordagem da criança com hipertensão arterial, __________ 1 2 Serviço de Cardiologia Pediátrica, H Maria Pia - CHP Serviço de Nefrologia Pediátrica, H Maria Pia - CHP 120 nomeadamente a palpação dos pulsos periféricos e a avaliação da pressão arterial nos 4 membros. Perante a suspeita clínica de coarctação da aorta e um estudo ecocardiográfico/Doppler inadequado, salienta-se que os registos de Doppler pulsado a nível da aorta abdominal revelam informações valiosas relativamente à presença de coarctação. Palavras chave: hipertensão arterial, criança, adolescente, coarctação da aorta to, o estreitamento pode ter outras localizações na aorta torácica ou raramente, na aorta abdominal. Em alguns casos, a coarctação atinge um longo segmento sob a forma de hipoplasia tubular. É responsável por 6 a 8 % de todas as malformações cardíacas congénitas e é 2 a 5 vezes mais frequente no sexo masculino. A maioria dos casos ocorre esporadicamente e a recorrência familiar é rara(2). Os autores descrevem um caso de coarctação da aorta com diagnóstico tardio. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 120-123 INTRODUÇÃO Têm sido registados avanços significativos nas últimas quatro décadas na área da hipertensão arterial (HTA), tais como a identificação genética de algumas formas da HTA, novas técnicas de imagem e o desenvolvimento de fármacos mais selectivos para o tratamento da HTA na criança e adolescente(1). Apesar dos avanços tecnológicos, a história e o exame físico continuam a ser o alicerce na avaliação da criança com HTA Numa primeira avaliação de uma criança com HTA é obrigatório a medição da pressão arterial (TA) em ambos os braços e nos membros inferiores, com braçadeiras adequadas ao tamanho dos membros. Habitualmente a TA nos membros inferiores excede em 10 a 20 mmHg a dos membros superiores. Se a TA é menor nos membros inferiores, se os pulsos femorais são fracos ou atrasados relativamente aos radiais, ou ausentes deve suspeitar-se de coarctação da aorta(2). A coarctação da aorta caracterizase habitualmente por um estreitamento da aorta torácica, imediatamente distal à artéria subclávia esquerda. No entan- a cardiologia pediátrica na prática clínica CASO CLÍNICO Adolescente de 12 anos, sexo feminino, referenciada à Consulta de Cardiologia Pediátrica para avaliação do atingimento cardíaco no contexto de HTA de difícil controlo. Dois anos antes iniciou queixas de cefaleias frequentes que motivaram várias idas ao serviço de urgência do hospital da área e consequente seguimento em consulta por hipertensão arterial (TA sistolica150mmHg e TA diastolica-100mmHg). A investigação foi negativa e o ecocardiograma bidimensional/doppler revelou ligeira hipertrofia ventricular esquerda. Os antecedentes pessoais eram irrelevantes. Na família a avó e tios paternos tinham HTA e o pai tinha sido operado a coarctação da aorta aos 10 anos e a recoarctação aos 18 anos. Ao exame físico apresentava um sopro sistólico de ejecção, com irradiação para o dorso, ausência de sopro abdominal, pulsos femorais menos amplos que os radiais e um gradiente de pressão arterial com diferencial de 50 mmHg entre os membros superiores e inferiores. O ecocardiograma bidimensional/ /Doppler mostrava hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, sem outras mal- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 formações intracardíacas. Na abordagem supraesternal o estudo do arco aórtico por Doppler contínuo não revelou fluxos anormais. A investigação por Doppler pulsado da aorta abdominal foi diagnóstico e está representada na figura 1. Realizou angio-RM que mostrou o local da coartação logo após a emergência da artéria subclávia esquerda (figura 2). A doente foi submetida a correcção cirúrgica que consistiu em aortoplastia com flap de subclávia (figura 3). Actualmente, seis meses após a cirurgia, está medicada com inibidores da enzima de conversão e apresenta TA sistólica no P50-90. A monitorização ambulatória da pressão arterial regista HTA sistólica nocturna (>P95), não dipper. COMENTÁRIOS A HTA na criança e adolescência contribui para a aterosclerose prematura e para o desenvolvimento precoce de doença cardiovascular. Neste contexto a perspectiva clínica da TA em idade pediátrica tem-se alterado nos últimos anos com a sistematização da avaliação da TA introduzida na Fourth Task Force Report de 2004(3). De acordo com essas recomendações a medição da TA deve fazer parte do exame físico na consulta de saúde infantil, a todas as crianças com idade superior a 3 anos. Nas crianças com idade inferior deverá ser avaliada a TA se tiverem história de complicações neonatais requerendo cuidados intensivos, doença cardíaca congénita, infecções do tracto urinário, hematúria, proteinúria, doença renal ou urológica conhecida, história familiar de doença renal congénita, transplante de órgãos sólidos ou medula óssea, malignidade, tratamento com fármacos conhecidos por aumentar a TA, outras doenças sistémicas associadas a HTA ou evidência de hipertensão intracraniana. Apesar destas recomendações, ainda continua a haver detecção tardia de HTA na criança, como no caso descrito, o que nos adverte para a necessidade de uma maior atenção nesta área nas consultas de saúde infantil. A história e exame físico nesta adolescente são compatíveis com o diagnóstico de coarctação da aorta torácica. A hipertensão arterial ou sopro cardíaco Figura 1 - Registos de Doppler pulsado em abordagem subcostal. O fluxo na aorta abdominal mostra um fluxo antegrado continuo, com predomínio sistólico de baixa amplitude; sem retorno à linha de base do traçado em diástole. Figura 2 - Angio-RM que mostra o local da coartação logo após a emergência da artéria subclávia esquerda a cardiologia pediátrica na prática clínica 121 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Figura 3 - Reparação de Coarctação da aorta com retalho de subclavia (adaptado de Waldhausen JA, Surg Nahrwold DA. Repair of coarctation of the aorta with a subclavian flap. J Thorac Cardiovasc 1966;51:532) são formas frequentes de apresentação da coarctação da aorta no adolescente e criança. Algumas crianças podem referir claudicação intermitente dos membros inferiores ou cefaleias frequentes. A idade de diagnóstico pode ser tardia, como no caso presente, dado que a maioria das crianças estão assintomáticas e os sinais físicos podem ser frustres. A média de idade de diagnóstico encontrada por Stratford e col num estudo de revisão (1969-1978) em doentes acima do ano de idade foi de 10 anos; a HTA ou sopro cardíaco foram os motivos de referência mais frequentes e só em 14% dos casos fora estabelecido o diagnóstico de coarctação pelo médico assistente(4). Os sinais físicos patognomónicos de coarctação da aorta são a diminuição, atraso ou ausência de pulsos femorais comparativamente aos pulsos radiais e a diferença de TA nos membros inferiores e superiores. À auscultação cardíaca é habitual um sopro sistólico de ejecção mais audível nos focos da base e audível no dorso, mas depende da existência de lesões cardíacas associadas(2). O ecocardiograma bidimensional/ Doppler é o meio de diagnóstico de eleição, permitindo a avaliação anatómica e 122 fisiológica na grande maioria dos doentes. Para além de possibilitar a detecção de anomalias cardíacas associadas, a abordagem supraesternal visualiza a coarctação típica como um estreitamento localizado abaixo da origem da artéria subclávia esquerda. O estudo por Doppler contínuo estima a gravidade hemodinâmica da coarctação, medindo o gradiente instantâneo através da coarctação. Nos doentes com uma imagem supraesternal inadequada, a investigação por Doppler pulsado a nível da aorta abdominal (abordagem subcostal) é fundamental para o diagnóstico. No caso descrito registou-se um fluxo anterógrado contínuo, confirmando o diagnóstico clínico(5). A ressonância magnética define a localização e severidade da coarctação, permite a avaliação de fluxos e estima gradientes de pressão. A Angio-TC também proporciona um diagnóstico anatómico preciso em doentes com coarctação e anomalias do arco aórtico. O tempo de aquisição de imagens é muito rápido mas tem a desvantagem de exposição a uma dose elevada de radiação(6,7). O cateterismo cardíaco é habitualmente desnecessário perante as novas técnicas imagiológicas menos invasivas. a cardiologia pediátrica na prática clínica O tratamento da coarctação da aorta actualmente é ainda um tema controverso, sendo alternativas a reparação cirúrgica ou o tratamento por cateterismo de intervenção. A mortalidade da cirurgia da coarctação da aorta simples em crianças aproxima-se de 0%. As complicações no pós-operatório incluem HTA paradoxal, isquemia da espinal-medula e paralisia (rara) lesões dos nervos frénico ou laríngeo, quilotórax, hemorragia e infecção(2). A angioplastia por balão é uma alternativa menos invasiva para o tratamento da coarctação localizada. Inicialmente utilizada para o tratamento da recoarctação, tem sido usada desde 1982 no tratamento da coarctação nativa, embora esta estratégia continue a ser polémica. As complicações agudas (lesão da artéria femoral e trombose) estão descritas sobretudo em lactentes. Os resultados com sucesso a curto prazo estão na redução do gradiente e no aumento do diâmetro na região da coarctação da aorta. Ainda controversos são os resultados a longo prazo, nomeadamente reestenose ou recoarctação e a formação de aneurismas no local da dilatação. Na recoarctação a dilatação por balão é considerado o procedimento de eleição, seguro e eficaz a longo prazo(8-12). Também os stents intravasculares representam um tratamento alternativo à cirurgia ou angioplastia na coarctação da aorta (nativa ou recoarctação). A sua utilização está limitada a crianças mais velhas e adolescentes e ainda não há informação suficiente relativa à necessidade de redilatação com o crescimento do doente(13). Após o tratamento da coarctação simples na criança é de esperar um crescimento e desenvolvimento normais. Se o gradiente sistólico é inferior a 10 mmHg em repouso, se a pressão arterial é normal em repouso e em exercício, a criança pode manter uma actividade física normal, limitando-se a prática de exercício isométrico intenso ou com risco de colisão torácica(2). Embora a coarctação da aorta seja uma lesão aparentemente simples, é uma doença que continua a desafiar os investigadores, clínicos e cirurgiões, uma vez que o seguimento a longo prazo dos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 doentes mostra morbilidade e mortalidade significativas. Apesar de uma correcção cirúrgica adequada os doentes têm risco de HTA (70%), recoarctação (8-54%), aneurismas da aorta/pseudoaneurismas e morte súbita. A necessidade de reintervenção por recoarctação estima-se em 15% aos 5 anos e 30% aos 10 anos. O prognóstico a longo prazo pode ser afectado pela presença de alterações fisiológicas importantes, sob a forma de hipertrofia ventricular esquerda, HTA sistémica (independente do sucesso no alívio do obstáculo aórtico e eventualmente relacionada com disfunção dos baroreceptores e/ou alterações primarias da parede arterial) ou doença vascular arteriosclerótica precoce, descritas muitas décadas após o procedimento inicial, pelo que estes doentes devem manter-se em seguimento em consulta de Cardiologia(2,14-16). COARCTATION OF THE AORTA – STILL A MISSED DIAGNOSIS ABSTRACT The causes of arterial hypertension in the pediatric population are related to the age of the child. In the infant and younger children it is usually secondary to cardiac or renal diseases. For the adolescent with mild elevation of blood pressure, overweight and a strong family history of hypertension, primary or essential hypertension is most likely. We present a case report of a 12 year- old girl referred for cardiac evaluation in the setting of hypertension difficult to control. Diagnosis of hypertension was established at the age of ten and former investigation was inconclusive. On physical examination she presented a precordial systolic ejection murmur with irradiation to the back, no abdominal murmur, diminished and delayed pulses in the right femoral artery compared with the right radial artery and an arm-leg pressure gradient of 50 mmHg. Two D/Doppler Echocardiogram showed concentric LV hypertrophy, with no other structural cardiac malformations; Doppler investigation of the aorta from the suprasternal view was not conclusive. Pulsed wave Doppler recordings from the abdominal descending aorta showed a continuous antegrade flow signal, with no evidence of flow reversal or cessation. MR angiography located the coarctation just distal to the left subclavian artery. Surgical repair consisted in the subclavian flap aortoplasty procedure. Aortic coarctation is still a missed and late diagnosis. This case report is an examples of the importance of a complete physical examination in the presence of arterial hypertension in children, namely the palpation of radial and femural pulses and the leg-arm pressure gradient. In the presence of clinical suspicion of coarctation of the aorta, and in those patients with inadequate supraesternal notch echocardiography or Doppler examinations, pulsed Doppler recording from the abdominal descending aorta can supply valuable indications of the presence of a thoracic coarctation Key-words: arterial hypertension, children, adolescents, coarctation of the aorta Nascer e Crescer 2009; 18(2): 120-123 BIBLIOGRAFIA 1. Varda NM, Gregoric A. Diagnostic approach for the child with hypertension. Pediatr Nephrol. 2005; 20(4):499-506. 2. Beekman III R. Coarctation of the aorta In Allen HD, Driscoll DJ,. 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Não referia perdas hemáticas digestivas ou urinárias e as perdas menstruais eram aparentemente normais. Apresentava-se prostrada e pouco colaborante, com palidez cutâneo-mucosa acentuada e tumefacção epigástrica de grandes dimensões, não móvel, dura, sem pulsatilidade e aparentemente sem Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto 124 qual o seu diagnóstico? dor à palpação. O restante exame objectivo não evidenciava alterações. Tratava-se de adolescente sem antecedentes patológicos significativos, filha de pais separados há alguns anos mas sem patologia conhecida e com adequado desenvolvimento e aproveitamento escolar. O estudo analítico que efectuou, revelou hemoglobina de 5,8 g/dl, leucocitose 22900/mmc, com 74% de neutrófilos, trombocitose 683000/mmc e ferropenia. A proteína C reactiva e a velocidade de sedimentação eram normais, bem como a função renal e hepática. A radiografia Figura 2 abdominal simples mostrou a presença de material do tipo sólido, amorfo na cavidade gástrica (figura 1) e a teleradiografia pulmonar era normal. Efectuou endoscopia digestiva alta que permitiu obter a imagem que mostramos na figura 2. Tendo em consideração o quadro clínico da nossa doente e as imagens 1 e 2 qual lhe parece ser o diagnóstico mais provável? 1 – Tumor benigno do estômago 2 – Hamartoma gástrico 3 – Bezoar NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 COMENTÁRIOS A radiografia abdominal simples que apresentamos na fugura 1 mostranos uma câmara gasosa do estômago com bordo inferior convexo, sugerindo a presença de estrutura ocupando espaço na cavidade gástrica. A história de anemia crónica com ferro baixo, associada à presença de tumefação epigástrica e com esta imagem radiológica obrigava à realização de endoscopia digestiva alta para esclarecer a natureza da lesão gástrica. A imagem da figura 2 mostranos o antro gástrico com mucosa ligeiramente granitada, o piloro aberto e uma estrutura, corpo estranho com aspecto fusiforme, constituído por material fibrilar, ocupando parte da cavidade gástrica e ultrapassando o piloro. À observação endoscópica, a cavidade gástrica encontrava-se totalmente preenchida por um corpo estranho com a estrutura que se observa na figura 2 e havia também uma úlcera na parede posterior com cerca de 10mm. Na figura 3 podemos observar o cárdia e a estrutura já descrita. Tratava-se de facto de um tricobezoar volumoso que ocupava todo o estômago e que se estendia para o duodeno. Inquirida sobre a ingestão de cabelo, a doente confessou ter esse hábito de longa data, trincando o seu cabelo que depois ingeria. Tendo em consideração a dimensão e a natureza do material em presença não foi considerada a hipótese de extracção por via endoscópica e a doente foi submetida a laparotomia com gastrotomia e extracção do bezoar, que decorreu sem complicações. A doente recuperou bem, deixou o hábito de ingerir o cabelo e melhorou rapidamente da sua anemia e ganhou peso. Foi orientada para a consulta de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Os tricobezoares são relativamente raros, são mais frequentes em crianças com perturbações comportamentais e ocorrem ao longo de vários anos. A natureza fibrilar do cabelo impede a sua expulsão para o intestino e a sua não digestão gástrica conduz à progressiva acumulação. Os sintomas só aparecem quando o corpo estranho atinge dimensão considerável. O corpo estranho pode estender-se de forma contínua ao longo do intestino delgado constituindo o que se designa por sindroma de Rapunzel. A oclusão ou a rotura visceral podem ocorrer com risco elevado. A sua remoção deve ser cirúrgica. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 124-125 BIBLIOGRAFIA 1. Rabie EM, Arishi AR, Khan A, Ageely H, El-Nasr GAS, Fagihi. “Rapunzel syndrome: The unsuspected culprit”. World Journal of Gastroenterology 2008; 14(7):1141-1143. 2. Levy RM, Komanduri S. “Trichobezoar”. Images in clinical Medicine. NEJM 2007, 357(21) e23. 3. Silva AP, Carvalho J, Pinho R, Fernandes S, Sousa P, Fraga J. “Giant gastric and duodenal tricobezoar”. Endoscopy 2007; 39:E12-E13. Figura 3 qual o seu diagnóstico? 125 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 10 anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia deste hospital, devido a alterações do esmalte dentário, provocadas por ranger dos dentes durante o sono. Estas alterações foram aparecendo progressivamente desde há alguns meses. Apresenta queixas de sensibilidade dentária com a variação da temperatura dos ali- mentos. Ao exame oral não apresentava lesões de cárie mas o esmalte dentário dos dentes molares e caninos decíduos apresentava-se muito desgastado, de acordo com o aspecto que se pode observar na figura 1. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto 126 qual o seu diagnóstico? Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 COMENTÁRIOS Entre todos os hábitos que podem alterar o crescimento do complexo craniofacial, o bruxismo (ou bricismo) devido à sua complexa etiologia e efeitos variados sobre o sistema estomatognático, pode causar danos à ATM, aos músculos, ao periodonto e à oclusão. Este hábito é definido como uma actividade parafuncional do sistema mastigatório que inclui apertar ou ranger os dentes em actividades não funcionais do sistema estomatognático. Ele pode ocorrer durante o dia (bruxismo diurno) ou à noite (bruxismo nocturno), geralmente realizado de maneira inconsciente. O bruxismo pode ser ainda classificado como cêntrico ou excêntrico. O grande aumento das forças oclusais geradas pelo bruxismo resulta em cargas extras para a dentição, o osso alveolar, o periodonto e a articulação temporomandibular. Todas as formas de bruxismo acarretam contacto forçado entre as faces oclusais dos dentes superiores e inferiores, observando-se que, no ranger ou bruxismo excêntrico, esse contacto envolve movimentos mandibulares e sons desagradáveis. Os factores que predispõem ao bruxismo podem ser divididos de forma didáctica em: 1) factores locais (contactos prematuros, interferências oclusais); 2) factores sistémicos (indivíduos portadores de asma ou rinite, pacientes com distúrbios do SNC); 3) factores psicológicos (stress, ansiedade); 4) factores ocupacionais (prática de desportos de competição); 5) factores hereditários. O bruxismo pode ainda estar relacionado com distúrbios do sono ou com parassomias, fenómenos que ocorrem exclusivamente durante o sono, associado a graus diferentes de excitação (enurese nocturna, falar dormindo, sono agitado). As possíveis consequências desse hábito são: - desgaste dental excessivo com perda de dimensão vertical, - sensibilidade e mobilidade dental, - traumatismo de tecidos moles, - dores de cabeça, - sensibilidade dos músculos da mastigação, - progressão da doença periodontal, - distúrbios da ATM. Esse hábito ainda pode estar relacionado com desordens envolvendo a trompa auditiva, como nos casos de otite média crónica; A forma de tratamento mais indicada depende do factor etiológico, bem como dos sinais e sintomas apresentados, sendo portanto fundamental o diagnóstico correcto. Pode-se destacar os tratamentos psicológicos, os medicamentosos, os procedimentos restauradores, o uso de placa de mordida e o ajuste oclusal, que devem ser usados em conjunto e de preferência de forma multidisciplinar, envolvendo profissionais como pediatras, odontopediatras, psicólogos e otorrinolaringologistas. Neste caso procedeu-se à recuperação da altura dentária perdida, pelo fenómeno de ranger os dentes, com compósito fotopolimerizável. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 126-127 BIBLIOGRAFIA Cawson´s Essentials of Oral Pathology and Oral Medicine – R.A. Cawson – seventh edition – Churchill Livingstone, 2002 - Pag.65-66 qual o seu diagnóstico? 127 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Caso Radiológico Filipe Macedo1 Criança de 5 anos de idade, faz RX do tórax na sequência de episódio febril. Devido aos achados decide-se por realização subsequente de TC do tórax. Figura 1 – RX do tórax , face Figura 2 e 3 – TC do tórax, janela pulmonar __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto 128 qual o seu diagnóstico? Qual é o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Figura 4 e 5 – TC do tórax, janela mediastínica COMENTÁRIOS No Rx observa-se opacidade arejada projectada na vertente posterior da base pulmonar esquerda, de contorno superior regular. A imagem gasosa do estômago mantém-se na sua localização intraabdominal habitual. Nas imagens de TC confirma-se que a opacidade corresponde a eventração diafragmática postero-lateral esquerda, contendo o rim esquerdo e o ângulo esplénico do cólon. DIAGNÓSTICO Eventração diafragmática postero-lateral esquerda. DISCUSSÃO A eventração diafragmática distingue-se da hérnia por persistirem fibras de músculo estriado do diafragma, ainda que dispersas e finas, não havendo pois comunicação directa entre as cavidades pleural e peritoneal(1). Esta distinção pode ser muito difícil de fazer mesmo utilizando todos os tipos de imagem disponíveis, dada a dificuldade em observar a integridade do diafragma, sobretudo do lado direito. À esquerda, a presença de contorno superior regular é a favor de eventração. Pequenas eventrações diafragmáticas são geralmente assintomáticas e descobertas de forma casual no RX de tórax realizado por outros motivos. As hérnias diafragmáticas ocorrem por encerramento incompleto do canal peritóneo-vaginal. A hérnia de Bochdalek é a mais importante, sendo causa frequente de dificuldade respiratória no recém-nascido. É postero-lateral, mais frequentemente esquerda. A hérnia de Morgagni é menos frequente, sendo raramente causa de dificuldade respiratória significativa. É antero-medial. As hérnias para-esofágicas e do hiato esofágico associam-se mais frequentemente a vómitos do que a dificuldade respiratória. Localizam-se na região cardiofrénica, a nível mediano ou para-mediano. IMAGIOLOGIA Rx do tórax (face e perfil) É geralmente o primeiro exame, fazendo frequentemente o diagnóstico. As características da lesão dependem das vísceras contidas. Do lado direito observa-se topografia alta do fígado. À esquerda observa-se geralmente imagem arejada/parcialmente arejada na base pulmonar. A incidência de perfil é geralmente necessária para avaliar a topografia da lesão. Fluoroscopia Permite apenas avaliar a mobilidade respiratória do diafragma, ajudando ao diagnóstico diferencial com paralisia do nervo frénico. Utiliza radiação ionizante. Rx esogastroduodenal/intestinal contrastado Pode ser útil nas lesões medianas e do lado esquerdo, para confirmar a topografia do estômago e das ansas intestinais. Utiliza radiação ionizante. Ecografia Tem um papel importante na avaliação da patologia do diafragma, no- meadamente da sua mobilidade e na avaliação de lesões justa-diafragmáticas(2). Contudo, a sua acuidade é elevada apenas no recém-nascido e lactente, tornando-se depois um exame bastante mais difícil. TC do tórax O mais informativo. Permite o diagnóstico diferencial com outras opacidades torácicas e permite caracterizar o conteúdo do saco herniário. Utiliza elevada quantidade de radiação ionizante. RMN torácica Tem todas as vantagens da TC(3), sem o inconveniente da radiação ionizante. Contudo tem o inconveniente da provável necessidade de sedação Nascer e Crescer 2009; 18(2): 128-129 BIBLIOGRAFIA 1. Moccia W, Kandi J., Felman AH. Congenital eventration of the diaphragm. Diagnosis by ultrasound. Pediatr Radiol 1981;10:197-200 2. Merten DF, Bowie JD, Kirks DR, Grossman H. Anteromedial diaphragmatic defects in infancy: current approaches do diagnostic imaging. Radiology 142:361-365 3. Yamashita K, Minemori K, Matsuda H. Takaharu O, Matsunobe S. MR imaging in the diagnosis of partial eventration of the diaphragm. Chest 1993;104:328 qual o seu diagnóstico? 129 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 Genes, Crianças e Pediatras Mafalda Barbosa1, Jorge Pinto-Basto2, Margarida Reis Lima3, Ana Maria Fortuna1, Gabriela Soares1 Criança do sexo masculino, com 4 anos e 4 meses, enviada à consulta de Genética por ADPM e manchas hiperpigmentadas. Trata-se do primeiro filho de um casal jovem e não consanguíneo. A mãe apresentava alterações pigmentares semelhantes às do filho. O pai é saudável. Restante história familiar irrelevante. Gestação vigiada e sem intercorrências. Parto eutócico hospitalar às 36 semanas. Apgar 9/10. Antropometria ao nascimento (percentis corrigidos para a idade gestacional): peso - 2668g (P50-75), comprimento - 45cm (P25) e perímetro cefálico - 33,5cm (P75). No período neonatal foram detectadas manchas tipo café com leite de bordos suaves (Figura1). Nos primeiros 2 anos de vida teve 5 episódios de convulsões tónico-clónicas em períodos de pirexia que foram controladas após tratamento com ácido valpróico. Ao exame físico apresentava boa evolução estaturo-ponderal com macrocefalia relativa: peso no P25, comprimento no P10-25, perímetro cefálico no P75-90. A tensão arterial era 93/67 mm Hg. A postura e a marcha eram normais. Foram observadas mais de 18 manchas café com leite disseminadas (com mais de 0,5 cm de diâmetro) e efélides axilares e inguinais; sem outras alterações cutâneas. A visão, a audição e o exame neurológico eram normais. Restante exame físico normal. A avaliação formal (teste de Griffiths) do desenvolvimento mostrou um QD de 74,6 aos 4 anos e 5 meses. O perfil __________ 1 2 3 Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães - INSA Instituto de Biologia Molecular e Celular – UP Hospital Privado da Boavista 130 qual o seu diagnóstico? psicométrico revelou algumas assimetrias com áreas mais prejudicadas (área da motricidade grosseira-53, motricidade fina–64, raciocínio prático-68) e outras mais adequadas(sociabilidade-86, audição/linguagem-94, realização-83). A RMN cerebral efectuada quando tinha 2 anos de idade mostrava lesão supra e infratentorial na substância branca e cinzenta. O EEG revelou actividade lenta de predomínio no hemisfério direito. Uma vez que a mãe apresentava alterações cutâneas foi também avaliada em consulta. Quando questionada foi perceptível que tinha tido algumas dificuldades escolares, tendo atingido o 8º ano aos 15 anos. Apresentava mais de 6 manchas café-com leite (com mais de 1,5cm de diâmetro), mais de 2 de neurofibromas assim como efélides axilares Figura 1 (Figura 2) e inguinais. A observação oftalmológica permitiu detectar nódulos de Lisch em ambas as íris. Foi realizada RMN cerebral que revelou glioma do nervo óptico. RESUMO Criança do sexo masculino avaliada pela primeira vez na consulta de Genética aos 4 anos e 4 meses, com de manchas café com leite, efélides axilares e inguinais, convulsões e compromisso do desenvolvimento psicomotor A mãe do doente apresenta QI borderline, manchas café com leite, neurofibromas, axilar e inguinal, nódulos de Lisch e glioma do nervo óptico. Qual é o seu diagnóstico? Figura 2 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 COMENTÁRIOS O diagnóstico deste doente é: Neurofibromatose tipo 1 (NF1) ou Doença de Von Recklinghausen, MIM +162200. . A NF1 é uma das doenças genéticas mais comuns, com uma prevalência de 1:3000 indivíduos. De acordo com os critérios desenvolvidos pelos NIH (National Institutes of Health), o diagnóstico clínico de NF1 é estabelecido na presença de 2 ou mais dos seguintes critérios: 6 ou mais manchas café com leite (com mais de 0,5 cm em individuo em idade pré-pubertária ou com mais de 1,5 cm pós-puberdade); 2 ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibroma plexiforme; efélides axilares ou inguinais; glioma óptico; 2 ou mais nódulos de Lisch (hamartomas da íris); lesão óssea específica (ex. displasia esfenoide ou pseudoartorse da tíbia); familiar em 1º grau com diagnóstico clínico de NF1 de acordo com os critérios supracitados. Os critérios de diagnóstico da NIH têm elevada sensibilidade e especificidade para doentes em idade adulta. Contudo, apenas metade das crianças com suspeita de NF1 mas sem história familiar satisfaz os critérios de diagnóstico NIH aos 12 meses de idade. Isto acontece porque muitas das características da NF1 aumentam de frequência com a idade (penetrância dependente da idade), sendo que por volta dos 8 anos, quase todos os doentes já cumprem os critérios. No caso de crianças com história familiar de NF1, o diagnóstico pode ser facilmente estabelecido antes dos 12 meses uma vez que o diagnóstico requer apenas mais um critério além de uma história familiar positiva. Esse sinal clínico é geralmente manchas café com leite múltiplas, que se desenvolvem na infância, em mais de 95% dos indivíduos. A somatometria é habitualmente normal mas cerca de 13% dos doentes têm baixa estatura e 24% dos doentes tem macrocefalia. O ADPM está presente em cerca de um terço dos doentes sendo a maioria (30%) leve a moderado. Nos restantes doentes, apesar de terem um QD/QI normal, é comum a referência a dificuldades de aprendizagem em áreas específicas, nomeadamente nas áreas da motricidade fina e raciocínio prático. A história natural da doença pode incluir múltiplas e diferentes complicações que podem surgir em diferentes faixas etárias cuja revisão está para além do âmbito deste artigo mas cuja detalhada descrição poderá ser consultada nas referências bibliográficas. Apesar de muitas vezes o prognóstico ser favorável, estudos demonstram que a esperança de vida destes doentes está encurtada em cerca de 15 anos estando esta redução substancialmente relacionada com a transformação maligna de tumores do tecido conjuntivo. Há mais de 100 doenças genéticas que cursam com manchas café com leite ou outros sinais clínicos partilhados com a NF1 mas, efectivamente, raramente essas entidades são confundidas com NF1. Entre os diagnósticos diferenciais mais importantes encontram-se: Síndrome de Noonan, Síndrome NF1-like (gene SPRED1), Neurofibromatose tipo 2, Schwanomatose e Sindrome LEOPARD. Na abordagem inicial de um doente é importante avaliar a extensão da doença colhendo cuidadosamente a história familiar, história pessoal e exame físico, focando com particular atenção os sistemas e aparelhos em que reconhecidamente a NF1 pode trazer mais complicações: pele, esquelético, cardiovascular e neurológico. Deverá ser solicitada observação por oftalmologia e feita uma avaliação formal do desenvolvimento. Os restantes exames complementares de diagnóstico deverão ser pedidos consoante a clínica de cada doente. No acompanhamento destes doentes é recomendável a monitorização anual com: exame físico detalhado, exame oftalmológico, avaliação do desenvolvimento psicomotor e pressão arterial. A monitorização de problemas relacionados com o sistema nervoso, esquelético ou cardiovascular deverá ser feito pelos respectivos especialistas e personalizado para cada doente. O doente e a família deverão ser referenciados a uma consulta de Genética Médica para confirmação molecular do diagnóstico e realização de Aconselhamento Genético. A NF1 é causada por mutação do gene NF1 (locus 17q11.2) que é um gene com 60 exões Estão descritas mais de 500 mutações diferentes. A doença resulta de mutação pontual (identificada por sequenciação) em 90% dos doentes, deleções/duplicações (detectável por MLPA-multiplex ligantion-dependent probe amplification) em cerca de 6% dos doentes e de rearranjo cromossómico (detectável em cariótipo com bandas de alta resolução) em menos de 1% dos doentes. Por este motivo a análise molecular deste gene torna-se morosa e complexa. O gene NF1 codifica a proteína Neurofibromina, que é um putativo supressor tumoral/regulador do ciclo celular. A mutação do gene condiciona na maioria dos casos perda de função da proteína. No doente descrito, o diagnóstico clínico foi confirmado molecularmente tendo sido identificada uma mutação patogénica no exão 10c do gene NF1: uma deleção de 2 pares de bases (causando mutação do tipo frameshift): c.15411542delAG. Em cerca de 50% dos doentes verifica-se que um dos progenitores é também afectado. Tratando-se de uma doença autossómica dominante, o risco de recorrência em irmãos é de 50%. Uma vez detectada a alteração genética no probando, pode ser oferecido Diagnóstico Pré-Natal específico. No entanto, deverá ser explicado que esta é uma doença com significativa variabilidade intrafamiliar o que significa que a detecção da mutação num feto permite afirmar que ele será seguramente afectado (penetrância completa) mas não é possível prever a gravidade da doença com base na historia da doença nos indivíduos afectados da família (expressividade variável). Poderá ser também discutido com o casal a possibilidade de Diagnostico Genético Pré-Implantação. Nos restantes doentes, com uma mutação aparentemente de novo, é recomendável que os progenitores sejam observados, com particular atenção ao exame dermatológico e deverá ser sistemicamente solicitada a colaboração de Oftalmologia para exclusão da presença de nódulos de Lisch nos pais. Confirmando-se que efectivamente nenhum qual o seu diagnóstico? 131 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 dos progenitores é clinicamente afectado, o risco de recorrência em irmãos do probando é baixo mas ainda assim superior ao da população geral devido à possibilidade de mosaicismo gonadal. Por esse motivo, se o estudo molecular for conclusivo no probando, deverá também ser oferecido DPN específico a estes casais. Nascer e Crescer 2009; 18(2): 130-132 132 qual o seu diagnóstico? BIBLIOGRAFIA 1. Ferner RE. Practical Geenetics: Neurofibromatosis 1. Eur J Hum Genet. 2007, 15: 131-138. 2. 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Orphanet: www.orpha.net NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia Centro Hospitalar do Porto, EPE Da Infância ao Adulto Jovem 22 a 25 de Novembro de 2009 • Hotel Ipanema Park, Porto ENVIO DOS RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES ORAIS/POSTERS ATÉ 26/10/2009 Programa Definitivo Curso Técnicas de Comunicação de Sucesso Cursos Pré-Congresso | 22 de Novembro | Domingo Curso de Suporte de Vida Pediátrico Curso Creditado pelo CPR e ERC 10 horas de formação | 12 inscrições | Formadores: Grupo de Reanimação Pediátrica 08h00 Recepção dos Candidatos e Introdução 08h30 Reconhecer a Criança Gravemente Doente – Sessão Teórica 09h00 Abertura do Secretariado e Distribuição de Documentação 09h15 Sessão de Abertura 09h30 O orador de sucesso – ultrapasse-se! Cláudia Telles de Freitas 11h00 Coffee Break Café 11h30 Atrair a audiência: dicas e truques Cláudia Telles de Freitas António Miguel Teixeira 09h00 Suporte Básico de Vida – Sessão Teórica 09h15 Suporte Básico de Vida – Sessão Prática 10h15 Intervalo 13h00 Almoço 10h30 Abordagem da Via Aérea e Ventilação – Sessão Teórica 14h30 11h00 Criança Traumatizada – Sessão Teórica O discurso de excelência – técnicas e segredos da comunicação Cláudia Telles de Freitas Isabel Luísa Pinto 11h30 Bancas Práticas (duas rotações de 45’): Via Aérea – sala 1 Acesso Intraósseo- sala 2 16h00 Coffee Café Break 16h15 Audiovisuais para o êxito – seja exímio! Jorge Remondes 18h00 Encerramento 13h00 Almoço 14h00 Paragem Cardíaca na Criança – Sessão Teórica 14h30 Bancas Práticas (duas rotações de 30’): Assistolia e Fibrilhação Ventricular – sala 1 Desfibrilhação – sala 2 15h30 Demonstração de Cenários Clínicos 16h00 Casos Clínicos – Sessão prática (rotações de 30’) 18h00 Teste e Avaliação Prática 19h30 Reunião de Instrutores 19h45 Reunião Final com os Candidatos 20h00 Encerramento Organização: Grupo de Reanimação Pediátrica Coordenador: Ricardo Costa Formadores: Ana Carriço, Dulce Oliveira, Maria João Baptista e Pedro Pina SECRETARIADO Apoio: Hospital de Crianças Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto – Tel: 226 089 988 – Tlm: 925 542 332 [email protected] [email protected] notícias 133 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 23 de Novembro | 2ª feira 08h30 09h00 09h00 09h20 09h40 10h15 10h45 10h45 11h05 11h25 11h45 12h45 13h00 14h30 14h30 14h50 15h10 15h30 16h00 Abertura do Secretariado Controvérsias em Nefro/Urologia Moderadores: Conceição Mota (H Maria Pia - CHP) Armando Reis (H Maria Pia - CHP) Infecções de trato urinário Célia Madalena (CH Póvoa de Varzim/Vila do Conde) Nefrópatia de refluxo Carmen do Carmo (H Maria Pia - CHP) Discussão Comentadores: Isabel Castro (H Dona Estefânia) Clara Gomes (H Pediátrico de Coimbra) Paula Matos (HSA - CHP) Café Mesa Redonda: Criança alérgica Moderadores: Lopes dos Santos (H Pedro Hispano), Helena Falcão (H Maria Pia - CHP) Alergia Alimentar Leonor Bento (H Santa Maria) Alergia a Fármacos Eva Gomes (H Maria Pia - CHP) Discussão Comunicações orais (sala Ipanema) Moderadores: Eurico Gaspar (HS Pedro - Vila Real), Ana Maria Leitão (HS Maria Maior – Barcelos) Posters (sala Coimbra) Moderadores: Rosa Lima (H Maria Pia – CHP) Esmeralda Martins (H Maria Pia – CHP) Sessão de Abertura Almoço Controvérsias: Crio preservação de células do cordão umbilical Moderador: Sérgio Castedo (HS João) A favor Perpétua Pinto do Ó (IBMC) Contra Susana Roncon (IPO Porto) Discussão Café Comunicações orais (sala Ipanema) Moderadores: Almerinda Pereira (HS Marcos) Braga da Cunha (H Pe Américo) Posters (sala Coimbra) Moderadores: Catarina Prior (HSA – CHP) Lurdes Morais Ermelinda Silva(H(HMaria MariaPia Pia––CHP) CHP) 25 de Novembro | 4ª feira 08h30 Comunicações orais (sala Ipanema) Moderadores: Conceição Casanova (HU Póvoa de Varzim) Rei Amorim (HS Luzia) Posters (sala Coimbra) Moderadores: Emília Costa (H Maria Pia – CHP) Alzira Sarmento (H Maria Pia – CHP) 09h15 Mesa Redonda: Adolescência – Desafios Actuais Moderadores: Zulmira Correia (H Maria Pia - CHP) Paula Fonseca (H Maria Pia - CHP) 09h15 Sexualidade na adolescência Luís Pimentel (ARS Norte) 24 de Novembro | 3ª feira 08h30 09h30 10h15 10h45 10h45 11h05 11h25 11h45 12h05 12h30 14h00 14h00 14h20 14h40 15h00 15h30 16h00 Comunicações orais (sala Ipanema) Moderadores: Gonçalves Oliveira (H Famalicão) Pedro Freitas (HS Oliveira) Posters (sala Coimbra) Moderadores: Lurdes Ermelinda Silva(H(HMaria MariaPia Pia– –CHP) CHP) Morais Cristina Rocha (HS Sebastião) Conferência: Alimentação – experiências precoces e impacto futuro Presidente: Margarida Medina (CHP) Convidado: Gonçalo Cordeiro Ferreira (H Santa Maria) Café Mesa Redonda: Actualidades na Alimentação Moderadores: Paula Regina Ferreira (HSA - CHP) Virgílio Senra (H Maria Pia - CHP) Diversificação Alimentar Ricardo Ferreira (H Pediátrico de Coimbra) Alimentação no Prematuro Ana Cristina Braga (Maternidade Júlio Dinis - CHP) Vegetarianismo Leonor Sasseti (H Dona Estefânia) Desporto e Nutrição Carla Rego (HS João) Discussão Almoço Mesa Redonda. Alimentação em situações especiais Moderadores: António Guerra (HS João) Herculano Rocha (H Maria Pia - CHP) Fibrose quística Paula Guerra (HS João) Dislipidémias Helena Ferreira (H Maria Pia - CHP) Doença neurológica Lúcia Gomes (CH Entre Douro e Vouga) Discussão Café Sessão Clínica Interactiva: Moderadores: Ana Ramos (H Maria Pia - CHP) Fernanda Marcelino (H Maria Pia - CHP) • Neonatologia – Sandra Rocha (H Maria Pia – CHP) • Ortopedia Pediátrica – Jorge Seabra (HSA – CHP) • Cirurgia Pediátrica – Mónica Recaman (H Maria Pia – CHP) Cursos Pós-Congresso | 25 de Novembro | 4ª feira A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica 14h00 Abertura 14h10 Mesa Redonda: A criança com suspeita de cardiopatia congénita Moderadores: Sílvia Alvares (H Maria Pia - CHP), José Carlos Areias (HS João) 14h10 Abordagem clínica Maria Ana Sampaio (H Cruz Vermelha) 14h30 Auscultação cardíaca (sessão prática) José Diogo Martins (HS Marta) 09h35 As Tribos Urbanas Helena Sofia (HSA - CHP) 09h55 As Tecno-dependências Justino Gonçalves (CHTMAD, Vila Real) 15h50 Discussão 16h00 Café 10h15 Discussão 16h15 10h35 Café 11h00 Mesa Redonda: Adolescência – Desafios Actuais Moderadores: Otília Queiroz (H Maria Pia - CHP) Susana Pinto (HSA - CHP) Sessão Interactiva I Moderadores: Marília Loureiro (H Maria Pia) Fernando Maymone Martins (HS Cruz) 16h15 Obstáculos ao coração esquerdo Ana Teixeira (HS Cruz) 11h00 “Feeling blue – what can I do” José Garrido (Departamento de Pedopsiquiatria - Coimbra) 16h45 11h20 As novas drogas Raquel Moreira (CAT – Porto) 11h40 Discussão Obstáculos ao coração direito e hipertensão pulmonar Dina Rodrigues (HUC) Sessão Interactiva II Moderadores: Fátima Pinto (HS Marta) Eduardo Castela (H Pediátrico de Coimbra) 12h00 Conferência: Organização de uma Consulta de Adolescentes Presidente: Ana Maria Ribeiro (CH Entre Douro e Vouga) Convidado: Carlos Figueiredo (H Viseu) 17h30 Shunt esquerdo direito Ana Luísa Neves (HS João) Edite Cunha (HS João) 12h45 Sessão de Encerramento 18h00 Dor precordial, síncope Lúcia Ribeiro (H Pediátrico de Coimbra) 18h30 Encerramento Entrega de Prémios Organização: Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Maria Pia | Centro Hospitalar do Porto 134 notícias NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a [email protected] ou secretariado.cg.defi@hgsa.min-saude.pt, como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modificações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conflito de interesses ou financiamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconografia, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/ Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih. gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográficas serão enviadas aos autores normas de publicação 135 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 2 em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to [email protected] or secretariado.cg.defi@hgsa.min-saude.pt and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modifications, - accepted with corrections or modifications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection oro f the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The 136 normas de publicação papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The first page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Key-words: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_ requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for in- formation on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the first three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of figures or tables must not exceed eight for original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conflicts of interest. All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the manuscript. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff.
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