Volume 2, N.º 1 Ano: Janeiro/Junho 2013
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Volume 2, N.º 1 Ano: Janeiro/Junho 2013
A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce 1 ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA Vol 2 N.º 1 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 2 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA Vol 2 N.º 1 www.ofporto.org Conselho Editorial Director Agostinho Franklim Marques Editores Associados António da Rocha e Costa João Paulo Sena Carneiro José Luís Martins Pedro Barata Coelho Natércia Aurora Teixeira Secretariado Maria Luís Santos Mariana Alves Conselho Científico Bruno Miguel Sepodes Delfim Fernando Santos Félix Dias Carvalho Fernando Fernandez-Llimós Fernando Ramos Franklim Marques Helder Mota-Filipe Isabel Vitória Figueiredo João Carlos Sousa João Luís Machado dos Santos José de Oliveira Fernandes José Miguel Azevedo Pereira Maria de Fátima Cerqueira Maria Margarida Caramona Natércia Aurora Teixeira Pedro Barata Coelho Rita Sanches Oliveira Rui Manuel Pinto Vitor Seabra A Acta Farmacêutica Portuguesa é uma revista de carácter científico que funciona na modalidade de revisão prévia dos textos submetidos ao corpo editorial constituído por peritos em anonimato mútuo (peer review). É essencialmente dirigida a Farmacêuticos e todos os que se interessam pelas Ciências Farmacêuticas. A Acta Farmacêutica Portuguesa abarca um vasto leque de questões relacionadas com as Ciências Farmacêuticas, publicando artigos de diferentes tipos: artigos de revisão, artigos originais, artigos sobre avanços nas Ciências Farmacêuticas, editoriais e opiniões. Periodicamente a Acta Farmacêutica Portuguesa publica números especiais dedicados a uma área em específico das Ciências Farmacêuticas. A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce 3 Editorial Franklim Marques Director A edição de uma Revista de carácter científico resume sempre a vontade de envolvimento de toda uma equipa visando objectivos comuns ao interesse de quem a procura e a quem está destinada. A Acta Farmacêutica Portuguesa é um exemplo desta determinação, deste fim. Antes da edição do 1º Volume da AFP era para nós muito clara a necessidade de preencher um espaço editorial que urgia ocupar, vocacionado para as Ciências Farmacêuticas e os Cuidados Farmacêuticos. O desenvolvimento do então definido como um projecto e que hoje tem continuidade com a edição do 2.º Volume (n.º 1), vem pôr à evidência a justeza das nossas ideias e da certeza de um caminho a prosseguir. Esta nova edição da AFP ocorre num momento temporal particular onde pela primeira vez, após a Declaração de Tóquio, emanada da reunião promovida pela OMS, em 1993, se revêem os conceitos e definição de Cuidados Farmacêuticos. Nos conturbados tempos de hoje, onde factores políticos, económicos e financeiros condicionam o modo de ver e de organizar a Saúde, o exercício farmacêutico adquire uma importância acrescida. Na implementação e/ou no crescimento dos distintos patamares da rede de Cuidados de Saúde (com realce para os Cuidados de Saúde Primários), os conhecimentos e o envolvimento participativo e integrador da actividade farmacêutica, particularmente na área do medicamento e do seguimento farmacoterapêutico junto do doente, constituem por si só uma mais valia em Saúde que não pode ser desperdiçada. Do mesmo modo, o ensino e o desenvolvimento da Investigação científica têm constituído uma linha de continuidade da profissão farmacêutica. Bem documentada, aliás, pelos inúmeros contributos técnicos e científicos que muito concorrem para o progresso da Ciência, estas áreas de exercício profissional constituem-se como ferramentas indispensáveis à evolução de uma actividade perene. Esta revista constitui, e esperamos que continue a ser, o testemunho da actividade e do contributo das Ciências Farmacêuticas para a melhoria e evolução da Ciência e das Ciências da Saúde. Um porto seguro e de encontro obrigatório de todos os que nesta área participam. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 4 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce 5 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce Loreto, Sónia 1 e Azevedo-Pereira, José M. 1, 2 (1) Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa; (2) Unidade dos Retrovírus e Infecções Associadas-Centro de Patogénese Molecular, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa Autor correspondente: José Miguel Azevedo-Pereira; e-mail: [email protected] Resumo A infecção aguda/primária é definida como o período de tempo que vai desde a infecção pelo HIV até ao início da resposta imunitária. Nesta fase ocorre uma intensa replicação viral (com valores de virémia até 108 cópias de RNA/mL de plama), com disseminação visceral e pelos tecidos linfóides, e uma diminuição acentuada dos linfócitos T CD4+. Nos tecidos linfóides associados ao aparelho digestivo – GALT (“gut-associated limphoid tissue”), a perda de células T CD4+ de memória é maioritariamente irreversível e apresenta profundas consequências imunológicas, que eventualmente se manifestam, a médio/longo prazo, na falha das defesas do hospedeiro e na consequente progressão para SIDA. A intervenção terapêutica na fase aguda da infecção por HIV é, face ao exposto, extremamente importante na redução dessa depleção e, consequentemente, no diminuição da taxa de progressão para SIDA. O diagnóstico precoce da infecção primária pelo HIV é fundamental dado os indiscutíveis benefícios do tratamento iniciado nessa fase e que se podem resumir no conceito de que quanto mais cedo o tratamento for iniciado, maior será a eficácia na preservação da imunidade e menor a taxa de progressão para a doença. Além disso, ao permitir a identificação precoce destas infecções, permite, também, que se tomem medidas preventivas afim de evitar a transmissão do vírus numa fase caracterizada por elevadas cargas virais e, portanto, por uma elevada infecciosidade. Palavras-chave: HIV; Infecção primária; Diagnóstico; Terapêutica anti-retroviral Abstract The HIV primary infection is defined as the phase that follows the initial events that leads to an HIV infection and precedes the onset of host immune response. This period is associated with a massive increase in viral load (the viremia could reach 108 copies of viral RNA/mL of plasma), a viral dissemination to several body compartments and lymphoid tissues, and also with a major depletion of T-CD4+ lymphocytes. Particularly in the GALT (gut-associated lymphoid tissue), the massive destruction of memory T-cells is basically irreversible and has major consequences in the immunological and pathogenic outcome of HIV infection and in AIDS progression. Accordingly, a therapeutic intervention during this period, enabling the reduction of viral load and the CD4+ T-cells depletion, is currently assumed as being of paramount importance. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 6 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce This concept could be summarized as follows: the earlier the treatment given after infection, the more beneficial it will be on the preservation of the immune system and in the outcome of the disease. However, in order to accomplish this, is crucial that HIV infection during acute phase could be identified by means of an adequate diagnosis. Furthermore, this early diagnosis is also important to prevent new infections during the acute phase of HIV infection, due to the high levels of viral load characteristically present in all the recently infected patients. Keywords: HIV; Primary infection; Diagnosis; Antiretroviral therapy Introdução O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é o agente causal da Síndrome da Imunodeficiência adquirida (SIDA), e o grande responsável pelo maior flagelo das últimas décadas. Actualmente, existe um potente arsenal terapêutico que prolonga e melhora a qualidade de vida dos doentes; contudo, ainda não existe nenhuma cura ou vacina. A infecção pelo HIV corresponde a uma das mais complexas situações biológicas com que se confrontam os seres humanos, sendo que a detecção da infecção numa fase precoce permite a determinação dos aspectos clínicos, serológicos e imunológicos que a caracterizam. Assim, o primeiro contacto do sistema imunitário com o HIV fornece preciosas informações, tanto sobre a imunopatogénese da infecção como sobre a resposta do hospedeiro ao vírus. A compreensão dos mecanismos iniciais da infecção primária é, pois, fundamental para que se possam desenvolver estratégias e terapêuticas adequadas que impeçam a replicação do vírus e a sua disseminação. Além disso, o diagnóstico precoce dos doentes permite que sejam tomadas medidas preventivas, com o intuito de evitar a propagação do vírus a outros indivíduos da comunidade. Características Gerais do HIV O HIV pertence à família Retroviridae, sub-família Orthoretrovirinae, género Lentivirus e ao sub-género dos Lentivírus dos Primatas. Existem dois tipos, o HIV-1 e o HIV-2, e são ambos os agentes causais do síndroma da imunodeficiência adquirida (SIDA)1,2. A perturbação mais característica no sistema imunitário destes doentes é a alteração, quantitativa e qualitativa, de linfócitos T CD4+ circulantes, que resulta no aparecimento de uma marcada imunodeficiência. Com o agravamento progressivo desta imunodeficiência, o organismo diminui a sua capacidade em produzir uma resposta imune eficaz, possibilitando o desenvolvimento de infecções oportunistas e/ou neoplasias. Os principais alvos atingidos são o aparelho respiratório, principalmente os pulmões, o sistema nervoso, o aparelho digestivo, o sistema hemolinfopoiético, a pele e as mucosas3. Para que o HIV infecte uma célula é necessário que esta possua na sua membrana os receptores CD4 e um dos receptores das quimiocinas, normalmente o CCR5 ou o CXCR4, que funcionam como co-receptor. Assim sendo, o seu tropismo celular resume-se praticamente aos linfócitos T CD4+ (auxiliadores), aos monócitos, aos macrófagos e às células dendríticas4-7. Podemos dizer que o maior reservatório da infecção pelo HIV são os órgãos e tecidos linfáticos, como por exemplo o baço, a medula óssea e os nódulos linfáticos8-10. O maior obstáculo para a erradicação do HIV é a sua capacidade de permanecer latente em subpopulações celulares que o vírus infecta. As células infectadas que se encontram num estado não activado podem escapar à resposta imunitária e persistir por longos períodos de tempo, mesmo na presença de terapêutica adequada; quando devidamente estimuladas, sofrem reactivação e começam a produzir partículas virais10. A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce As principais vias de transmissão do HIV são a via sexual (vaginal, oral e/ou anal), sanguínea e materno-fetal11,12. História Natural da Infecção A infecção pelo HIV é uma infecção dita crónica/persistente uma vez que o hospedeiro infectado é incapaz de eliminar o agente infeccioso. Após a exposição ao HIV, e no caso de ocorrer infecção, o percurso patogénico desta infecção passa por três etapas principais e sequenciais: fase inicial ou primária, fase assintomática ou de latência clínica e fase sintomática (Figura 1)13. A infecção primária, ou síndrome viral agudo, é definida pelo período de tempo entre a infecção inicial e o desenvolvimento da resposta imunológica, e tem uma duração não superior a duas ou três semanas14,15. A infecção evolui com um quadro clínico semelhante ao da gripe ou da mononucleose e reflecte tanto o tropismo linfocitopático como o neurológio do vírus, com o doente a apresentar tipicamente sintomas agudos caracterizados por febre, letargia, mal-estar geral, mialgias, diarreia, vómitos, 7 cefaleias, faringite, linfoadenopatias, rash maculopapular, entre outros2,16. A gravidade e a duração dos sintomas tem implicações prognósticas dado que quanto mais prolongados e graves eles forem, mais rápida é a progressão da doença para SIDA 17,18. Nesta fase ocorre uma intensa replicação viral (com valores de virémia até 108 cópias de RNA/mL de plama), com disseminação visceral e pelos tecidos linfóides, uma diminuição acentuada dos linfócitos T CD4+ e uma ausência de resposta imunológica por parte do hospedeiro2,14. Após a primo-infecção segue-se a fase assintomática onde ocorre a recuperação clínica, com redução da replicação viral, em consequência do desenvolvimento da resposta imunitária. É nesta fase que ocorre a seroconversão, com desenvolvimento de anticorpos que persistem no organismo durante toda a vida. Vários factores podem estar implicados no controlo da replicação viral, incluindo a presença de anticorpos neutralizantes e células T citotóxicas. De uma forma geral pode-se dizer que nesta etapa se atinge um equilíbrio entre a replicação viral e a resposta imunitária do hospedeiro2,3,19. A fase assintomática caracteriza-se, por isso, pela existência Figura 1 – Curso da infecção pelo HIV (adaptado de: Costin, J.M. ; Cytopathic Mechanisms of HIV-1. Virology Journal, 2007; 4:100) Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 8 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce de cargas virais reduzidas, devido à forte resposta dos cerca de 10-12 dias após a infecção4,22. O início imunológica do hospedeiro e pela ausência de sin- da viremia é um ponto critico na história natural da tomas e sinais clínicos da doença. A duração média infecção pelo HIV, não só porque indica que o indi- desta latência clínica pode ir, no caso de infecção víduo adquiriu a capacidade de transmitir a infec- por HIV-1, dos 8 aos 12 anos3. Apesar da latência clí- ção, mas também porque permite o diagnóstico da nica, e tal como foi mencionado anteriormente, não infecção através de uma amostra de sangue. Mesmo existe latência virológica nem imunológica. A viré- nesta fase tão precoce da infecção pode ocorrer a mia é constante e, após atingir um valor basal, que mobilização de granulócitos, macrófagos e linfócitos pode ser preditivo acerca da evolução da infecção, para o local da infecção4,22. vai persistir durante todo o curso evolutivo da doen- Entretanto, o vírus e/ou as células infectadas ça, embora com amplitudes variáveis. Durante esse migram para os nódulos linfáticos, onde se encon- período verifica-se, também, uma destruição de cer- tram os linfócitos T CD4+ activados, que represen- ca de 50 a 100 linfócitos T por ano, mas bem mais tam um dos principais alvos de infecção do HIV. acentuada nos anos que precedem o aparecimento Isto vai permitir ao vírus replicar-se e disseminar- da SIDA . -se para outros tecidos linfáticos, com uma parti- 3 Por fim, na fase sintomática ocorre intensa re- cular predilecção pelo tecido linfático associado plicação viral e diminuição da resposta imunológica, ao intestino (GALT), onde se encontram a maioria devida à diminuição gradual dos linfócitos T CD4+ dos linfócitos T CD4+ de memória22,23. Assim sen- ao longo da fase assintomática, que favorece o apa- do, a fase aguda é acompanhada por uma depleção recimento de neoplasias e infecções oportunistas de massiva dos linfócitos CD4+ de memória, maiori- gravidade e potencial letal crescentes. Este período tariamente ao nível das mucosas; esta situação pode pode durar alguns meses ou vários anos3,20,21. ser explicada tento em conta a abundância de células que expressam os receptores CD4 e CCR5, para os quais o vírus tem tropismo, e o relativo Patogénese da Infecção estado de activação das células T CD4+ nesses locais22-24. O tracto gastrointestinal é por isso A infecção pelo HIV corresponde a uma das mais complexas situações biológicas com que se extremamente afectado pelo vírus na fase inicial da infecção. confrontam os seres humanos, não só porque os A virémia aumenta até atingir um pico por vol- retrovírus apresentam uma elevada capacidade mu- ta dos 21-28 dias de infecção, juntamente com um tagénica mas também porque o alvo celular da infec- pico na diminuição do número de células T CD4+; a ção são os linfócitos T CD4+, elementos fulcrais no quantidade de vírus pode atingir os 100 milhões de auxílio e indução da resposta imunitária T e B. Para cópias/mL de plasma4,22. Como o vírus já se instalou melhor compreendermos a imunologia da infecção, nos vários reservatórios virais, principalmente nos é indispensável compreendermos o processamento tecidos linfáticos, o hospedeiro já não o consegue da infecção primária e as sequências fisiopatológicas eliminar do seu organismo, nem mesmo com o au- que conduzem à infecção crónica. xílio da terapêutica anti-retroviral de alta eficiência Após a transmissão do HIV, normalmente pela (HAART)22. Contudo, os elevados níveis de virémia via sexual, este replica-se localmente na mucosa va- não se prolongam por muito tempo, uma vez que as ginal ou rectal. Numa fase inicial, chamada de “eclip- respostas humoral e celular são desencadeadas pelo se phase”, não se consegue detectar o RNA do vírus hospedeiro com o intuito de controlar a replicação no plasma do doente, situação que se altera passa- viral. A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce 9 Durante as semanas seguintes, a virémia di- estado de inflamação sistémica crónica. Como tal, minui significativamente, atingindo-se o chamado os efeitos patogénicos persistem com a indução de “viral setpoint”, o qual é considerado um medidor uma lenta e progressiva perda de linfócitos T CD4+ da virulência e um forte factor preditivo da taxa de e consequente enfraquecimento do sistema imuni- progressão da doença a longo prazo, isto é, quando tário 4. Existem várias razões que justificam o porquê maior for o valor da virémia nesse ponto, mais do sistema imunitário não ser capaz de erradicar a rápida é a progressão da doença para SIDA . Só infecção. Desde logo destaca-se o facto do vírus per- nos primeiros 4 dias após o pico da virémia, cerca sistir nos compartimentos linfáticos, utilizando-os de 80% das células infectadas são eliminadas como verdadeiros reservatórios, bem como a eleva- 25-27 . 22,24 Vários factores associados à resposta imunitária da frequência mutacional do seu genoma 4. inata e celular podem influenciar a replicação viral A determinada altura ocorre uma acentuada re- e a determinação do “viral setpoint” durante esta plicação na lamina própria e na submucosa do intes- fase da infecção. Contudo, o papel da resposta imu- tino, que leva ao agravamento da depleção local dos nitária mediada por células, mais especificamente a linfócitos T CD4+4,22. A activação do sistema imuni- actividade dos linfócitos T CD8+ citotóxicos, parece tário durante a infecção crónica deveria ser vantajo- ser fulcral no início do controlo da replicação viral, sa, uma vez que permite a reposição de linfócitos T mesmo antes do aparecimento dos anticorpos anti- CD4+ de memória e a restauração da imunocom- -HIV ligantes e neutralizantes petência23. Contudo, existem estudos que garantem . 4,22 O aparecimento dos anticorpos ocorre 3 a 5 se- que esta activação acaba por ser desvantajosa para manas após a infecção . Com a activação da respos- o hospedeiro, sendo a principal razão para ocorrer ta imunitária, para além da descida abrupta da viré- a exaustão imunitária durante a infecção com o ví- mia, verifica-se também um aumento do número de rus. Isto deve-se em parte à estimulação e activação linfócitos T CD4+, embora sem atingir os níveis que dos linfócitos T CD4+, que resulta no aumento do existiam antes da infecção, sugerindo que os efeitos número de células alvo susceptíveis de serem infec- patogénicos associados ao vírus persistem. Embora tadas pelo vírus22. 28 a contagem de células T CD4+ em circulação volte Outro factor importante é a intensa evolução para valores perto do normal, o número destas cé- viral que se verifica nesta fase, como consequência lulas no GALT permanece severamente reduzido4. A de uma sublime taxa de mutação por parte do vírus perda de células T CD4+ de memória no GALT é, e de uma alteração do seu tropismo celular22. por isso, maioritariamente irreversível e apresenta A partir deste ponto a evolução da doença vai profundas consequências imunológicas, que even- depender da capacidade do hospedeiro de conse- tualmente se manifestam como a falha das defesas guir conter a replicação do vírus e de conseguir re- do hospedeiro e na consequente progressão para por a população inicial de células T de memória nos SIDA22,23,29. tecidos linfáticos das mucosas e nos nódulos linfáti- Apesar de se entrar num período da infecção cos. Se o organismo não for capaz de conter o vírus, tipicamente assintomática para a maioria dos doen- a progressão da doença levará a uma destruição do tes, está agora confirmado que a activação maciça tecido linfático, em resultado da replicação viral e da do sistema imunitário e o aumento da renovação ce- activação crónica das células do sistema imunitário, lular ocorre precisamente durante a fase crónica da e a uma sucessiva diminuição de linfócitos T CD4+ infecção. No decorrer desta fase o HIV continua a re- até valores inferiores a 200 células/µL, levando à plicar-se nos vários compartimentos do organismo, exaustão total do Sistema Imunitário (Figura 2)30. contrariando a imunidade anti-viral, e induzindo um Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 10 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce Figura 2 – Curso da infecção pelo HIV (retirada de: Jawetz, Melnick, & Adelberg’s “Medical Microbiology”) Detecção da infecção primária e importância do diagnóstico nesta fase A infecção aguda/primária é definida como o período de tempo que vai desde a infecção pelo HIV até ao início da resposta imunitária. Assim, a formação de anticorpos específicos para o HIV, geralmente detectados 3 a 12 semanas após o contágio, marca o fim da fase aguda da infecção14,15. Durante essa fase, 40 a 80% dos indivíduos desenvolvem um quadro sintomatológico não específico2,16,19. A inespecificidade sintomática torna o diagnóstico improvável nesta fase, a menos que haja um elevado índice de suspeita clínica, muitas das vezes associado à existência de um prévio comportamento de risco, sexual ou sanguíneo14. Os métodos de diagnóstico da infecção pelo HIV dividem-se em dois grupos: os métodos directos e os métodos indirectos. Nos métodos directos põese em evidência a presença da partícula viral ou de componentes dessa partícula viral; neste grupo estão incluídos os métodos de isolamento e cultura viral, detecção do antigénio p24 (Ag p24) e detecção do genoma viral (RNA e DNA) por RT-PCR e PCR, respectivamente. Nos métodos indirectos põe-se em evidência a presença de anticorpos específicos para antigénios virais; deste grupo fazem parte os testes de rastreio e de confirmação31. Como os anticorpos apenas são detectáveis a partir da seroconversão, que ocorre na fase assintomática da infecção, para fazer o diagnóstico de um indivíduo que se encontre na fase aguda da infecção teremos de usar os métodos directos. A forma mais comum e eficaz de proceder ao isolamento e cultura do HIV baseia-se no método de co-cultura. Neste método as células mononucleadas do sangue periférico (CMSP: linfócitos e monócitos) do doente, separadas previamente por centrifugação em gradiente de Ficoll, são co-cultivadas com as CMSP de dadores não infectados, previamente estimuladas com um agente mitogénico 32,33. A cultura é dada como positiva quando ocorre a formação de sincícios, isto é, células gigantes, multinucleares que resultam da fusão de várias A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce células CD4+ não infectadas com uma única célula CD4+ infectada, ou pela detecção, no sobrenadante da cultura, da presença da transcriptase reversa ou da presença do Ag p24, eventos estes que traduzem a existência de replicação viral32,33. O isolamento viral caracteriza-se por ser um método que apresenta uma especificidade elevada e uma sensibilidade que varia conforme a fase da infecção. A sua execução pressupõem a existência de uma equipa de técnicos bem treinados e condições laboratoriais de isolamento e segurança especiais, só sendo permitido a sua realização em laboratórios que apresentem pelo menos nível de segurança três; tudo isto acaba por o tornar bastante dispendioso. Além disso, é um processo moroso, um vez que os resultados só são obtidos após 15-30 dias, ou mais. Como tal, acaba por ser um método não muito utilizado para fins de diagnóstico32,34,35. Alternativamente, estão disponíveis ensaios para a detecção do Ag p24, uma importante proteína da cápside do HIV que se pode encontrar livre na corrente sanguínea ou ligada a um anticorpo contra o p24. Apesar de apresentar uma elevada especificidade, o grande inconveniente deste método é ter uma sensibilidade que depende da fase da infecção em que o indivíduo se encontra. O que acontece é que durante a fase assintomática da infecção a quantidade de vírus no plasma é muito reduzida e, como tal, nesse período este método dá resultados negativos. De qualquer maneira, para optimizarmos a sensibilidade do método impõe-se que se faça sempre a dissociação dos imunocomplexos antigénio-anticorpo que possam existir na amostra; apesar dessa situação não ser provável em infecções recentes o mesmo não acontece no caso de crianças, com menos de 18 meses, filhas de mães portadoras do vírus. A detecção do Ag p24 é feito através de um ELISA, ou seja, um método imunoenzimático com leitura final colorimétrica ou fluorimétrica, é menos dispendioso do que os testes mencionados anteriormente e envolve uma técnica laboratorial mais simples34,35. Hoje em dia existem ainda os testes de rastreio de 4º geração que combinam a detecção de anticorpos 11 para o HIV (tipo 1 e 2) e de Ag p24 numa única reacção, diminuindo o “período de janela”, isto é, reduzindo o tempo após a infecção inicial durante o qual não há resultados reactivos. Assim, mesmo que ainda não existam anticorpos em circulação, sempre conseguimos a detecção do Ag p24 que permite a identificação da infecção nessa amostra. Os métodos de detecção do ácido nucleico, isto é, do genoma viral, podem ser utilizados para detectar o DNA proviral nas células infectadas ou o RNA em circulação. Assim, a reacção em cadeia da polimerase (PCR) é altamente sensível, específica e pode ainda identificar o genótipo e fazer a quantificação viral 36. A PCR do DNA detecta o vírus nas células hospedeiras, sendo considerado um teste qualitativo que serve como marcador da infecção. Actualmente, este é o teste de eleição para fazer o diagnostico precoce de bebés filhos de mães seropositivas, antes dos 18 meses de idade34. Enquanto a PCR do DNA é um teste qualitativo que fornece resultados como sendo positivos ou negativos, os testes de RT-PCR do RNA são quantitativos e, por isso, indicam a concentração do vírus no plasma. Este teste é utilizado como um marcador de prognóstico, para monitorizar a terapêutica e para estimar a infecciosidade32,34,37. A quantificação da carga viral pode ser feita através de outras tecnologias diferentes da RT-PCR, como por exemplo pela branched DNA (bDNA), pela NASBA (Nucleic Acid Sequenced Based Amplification) ou pela reacção de ligação em cadeia (LCR). Os testes de PCR do DNA e RNA são tecnologicamente complexos e, por isso, requerem equipamentos e condições laboratoriais especiais, bem como técnicos devidamente treinados. A isto acresce o facto de serem testes relativamente caros quando comparados com outros testes de rotina32,34. O diagnóstico da infecção aguda deve, portanto, ser feito recorrendo aos métodos directos, principalmente à detecção do Ag p24 e do RNA/DNA viral, com a concomitante detecção de anticorpos, que dará negativa ou indeterminada. Posteriormente, dever-se-á repetir a detecção de anticorpos pelo ELISA e pelo Western blot, como prova da subsequente seroconversão. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 12 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce Apesar dos métodos directos serem os adequados para o diagnóstico precoce das infecções primárias, o certo é que, devido à complexidade de alguns dos procedimentos e ao custo inerente à sua realização, os mesmos não estão disponíveis nem em todos os países nem em todas as circunstâncias34. Por conseguinte, a prática diária em muitos países nos casos de suspeita de infecção, mesmo que na fase primária, é a realização de testes de rastreio de anticorpos, como por exemplo testes rápidos ou um ELISA, uma vez que estes são ferramentas fáceis e económicas para diagnosticar a infecção pelo HIV. Embora estes testes apresentem uma elevada sensibilidade e especificidade, os doentes com infecção recente podem não dar resultados negativos, uma vez que os anticorpos só são detectáveis 6 a 12 semanas após a infecção. Por esse motivo, é preciso repetir o teste em todos os indivíduos cujo resultado seja negativo e haja suspeita de transmissão recente, pois podem-se encontrar no “período de janela”. Se posteriormente um desses testes der positivo, devese fazer um teste de confirmação, normalmente por Western-blot 34. No caso dos bebés, como os anticorpos são transferidos para o feto durante a gravidez, os testes a anticorpos dão todos positivos nos recémnascidos de mães infectadas pelo HIV, quer estejam ou não infectados. Mesmo que um bebé tenha contraído a infecção e comece a produzir os seus próprios anticorpos, os testes de anticorpos não os conseguem distinguir dos anticorpos provenientes da mãe. Como tal, um teste de anticorpos positivo num bebé com menos de 18 meses não indica que este esteja infectado33,34. Durante a primeira fase da infância, devido à complicada interpretação dos testes aos anticorpos, o melhor mesmo é recorrerse aos métodos directos para determinar se o bebé está ou não infectado33,34,38,39. O diagnóstico precoce da infecção primária pelo HIV é fundamental para que os doentes possam ser rapidamente encaminhados e seguidos em centros de referência nessa área, dados os indiscutíveis benefícios do tratamento e prevenção. Assim, não só os profissionais de saúde têm a possibilidade de determinar a melhor altura para se iniciar o tratamento anti-viral, como o doente tem a oportunidade de aceder precocemente aos cuidados e tratamentos adequados contra o vírus. O seguimento destes doentes permite, também, que haja um aconselhamento psicológico, que se tomem medidas preventivas afim de evitar a transmissão do vírus ao parceiro sexual e/ou aos conviventes e que se garanta a segurança do sangue e outros hemoderivados3,34,36. O diagnóstico numa fase inicial da infecção deve ser feita com base nos testes virológicos, isto é, nos métodos directos. Contudo, como se tratam de testes mais dispendiosos, muitas das vezes acaba-se por recorrer aos testes de anticorpos. Felizmente, os testes virológicos estão cada vez mais disponíveis em todo o mundo e desempenham um papel cada vez mais importante na orientação de decisões clínicas precoces34. Importância do Tratamento na fase aguda da infecção Os fármacos usados na terapêutica anti-retroviral encontram-se classificados em diferentes classes, consoante o momento do ciclo de replicação do HIV que interrompem. Temos, por isso, os Inibidores da Transcriptase Reversa (análogos dos nucleósidos: INTR; não análogos dos nucleósidos: INNTR), os Inibidores da Protease, os Inibidores da entrada do vírus e os Inibidores da Integrase40. Actualmente, não é possível a erradicação do HIV com os fármacos disponíveis. O objectivo do tratamento é, pois, prolongar e melhorar a qualidade de vida dos doentes, tentando alcançar e manter a supressão da replicação viral durante o máximo tempo possível, de modo a reduzir as lesões que o vírus pode provocar, com o decorrer do tempo, no sistema imunitário e noutros órgãos vitais do doente. Assim, pretende-se preservar e reconstituir o sistema imunitário, bem como reduzir a morbilidade e mortalidade associadas ao vírus40,41,42. O momento ideal para começar a terapêutica anti-retroviral (TAR) permanece por determinar, não existindo ainda dados clínicos suficientes que permitam formular uma recomendação inequívoca; existem argu- A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce mentos que defendem que esta deve ser começada o mais rapidamente possível, de preferência durante a infecção primária, e outros que defendem o seu início numa fase mais tardia da infecção43-45. A infecção pelo HIV é uma doença que se vai agravando progressivamente. Os actuais regimes terapêuticos, quando administrados precocemente, permitirem uma boa supressão da virémia, uma longa resposta anti-retroviral (≥ 7 anos), um reduzido risco de aparecimento de resistências aos fármacos, um aumento da contagem das células CD4+, bem como da generalidade das funções do sistema imunitário, e uma redução da transmissão do vírus na comunidade43,46. Nos últimos anos têm, pois, surgido vários estudos que apontam para os benefícios de uma TAR numa fase inicial da infecção, conseguindo-se uma longa supressão viral, melhores respostas à terapia, preservação e até mesmo aumento das funções imunitárias e a conservação de uma população viral mais homogénea; esses dados sugerem também que o início precoce pode levar a resultados bastante favoráveis a longo prazo42,45. Num estudo recente, verificou-se um aumento de 69% no risco de morte quando comparados doentes, com contagens de células T CD4+ de 351 a 500 células/µL, a fazer TAR numa fase precoce da infecção com indivíduos sem TAR. O risco de morte foi ainda superior (94%) no ensaio com indivíduos com contagens de células T CD4+ superiores a 500 células/ µL. Com estes resultados podemos inferir que a TAR consegue melhorar significativamente a taxa de sobrevivência dos doentes, principalmente numa fase inicial da infecção, quando as contagens de células T CD4+ são superiores45. De igual modo, outro estudo confirmou a relação entre a contagem inicial de células T CD4+ e o risco de desenvolver SIDA ou morte, chegando-se à conclusão que o risco de morte é 1,4 vezes superior nos indivíduos que iniciaram a TAR mais tardiamente, com contagens de células T CD4+ de 200-350 células/µL, comparado com os que a iniciaram com mais de 350 células CD4+/µL 43,47. Alguns estudos documentaram os benefícios imunológicos conseguidos em doentes que iniciaram a terapêutica nas primeiras horas após a exposição ao VIH e em 13 doentes que iniciaram a TAR antes de haver uma descida da contagem de células T CD4+40,41.Os doentes que iniciaram a TAR com contagens de células T CD4+ superiores a 350 células/ µL demonstraram ter maior probabilidade de ter uma contagem normal de células T, após vários anos de terapêutica, do que os que iniciaram a TAR com contagens de células CD4+ inferiores a 350 células/µL40. Tal como já foi referido anteriormente, durante a infecção aguda ocorre uma depleção maciça e irreversível de células CD4+ de memória no tecido linfóide associado ao intestino (GALT). Algumas investigações comprovaram que a TAR surge nos dias de hoje como a melhor maneira de proteger o GALT levando à supressão da replicação viral, à prevenção da translocação de microrganismos e ao aumento de células T CD4+ no sangue periférico8,23,41,48,49. Curiosamente, nos doentes a fazer a TAR durante a fase primária da infecção, verificou-se também a reposição do número de células T CD4+ no intestino, tecidos linfáticos e sangue periférico. Apesar de alguns dados indicarem uma modesta reconstituição imunológica na mucosa gastrointestinal, a terapêutica na fase aguda da infecção surge como uma oportunidade única para se conseguir obter um beneficio imunológico duradoiro48,50. Contudo, a decisão de iniciar a terapêutica deve ter em conta vários factores que influenciam negativamente essa decisão, como por exemplo o facto da medicação estar associada a uma considerável toxicidade e a vários feitos adversos, muitos deles ainda desconhecidos, o baixo risco de progressão da doença na presença de elevadas contagens de células CD4+, e os elevados custos da medicação e monitorização. A falta de adesão à terapêutica é também um factor problemático que contribui para o aparecimento de resistências aos fármacos, uma vez que assim que se inicia a medicação, esta tem de ser continuada, ininterrupta e diariamente, conforme as indicações. As novas TAR apresentam-se actualmente como sendo mais potentes, com menos efeitos adversos e requerem uma menor frequência de toma, o que faz aumentar a adesão à terapêutica e, consequenActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 14 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce temente, diminuir o risco de desenvolvimento de resistências 45. Os significativos avanços que se têm vindo a sentir nesta área permitem uma maior compreensão do papel da infecção na inflamação e na activação do sistema imunitário. Como os danos que se verificam no sistema imunitário e nos órgãos são potencialmente irreversíveis, nasceu um novo ímpeto para que haja um tratamento precoce do HIV, de modo a evitar que ocorram estes danos permanentes. Essa vontade implica que haja uma mudança no conceito de “terapêutica precoce” de semanas/meses para horas/dias8,23,45. Uma vez que o início da TAR ainda não está definido, a maior parte dos profissionais de saúde baseia-se nas orientações emitidas pelas várias entidades competentes, como por exemplo a OMS, para determinar a altura do início do tratamento. A OMS defende que as decisões sobre o momento de iniciar a TAR devem ser tomadas com base em fundamentos imunológicos ou, na ausência dos testes que permitem as contagens das células T, nos fundamentos clínicos 40,51. A TAR reduz dramaticamente o risco de transmissão vertical da infecção pelo HIV. Como tal, a maioria das guidelines recomenda o seu uso em todas as mulheres grávidas infectadas com o vírus, independentemente da quantidade de células T, numa tentativa de se conseguir atingir níveis indetectáveis de RNA viral no plasma na altura do parto. A continuação da sua administração pode ser proveitosa no sentido de reduzir a transmissão através da amamentação, uma vez que esta é uma prática recorrente em mulheres infectadas pelo HIV em muitas partes do mundo43,52. A maioria dos regimes terapêuticos actuais baseiam-se na combinação de fármacos pertencentes a mais do que um grupo ou classe. Muitas das orientações actualmente em vigor sugerem que se comece com dois INTR, normalmente em combinação com um INNTR ou um IP. Nos adultos, os INTR preferíveis no tratamento de primeira-linha são a Zidoviduna (AZT) ou o Tenofovir (TDF) combinada(o) com a Lamivudina (3TC) ou com a Emtricitabina (FCT). Nas crianças, é a Zidoviduna (AZT) ou o Abacavir combinada(o) com a Lamivudina (3TC). Nas infec- ções pelo HIV-2, como o vírus é resistente a todos os fármacos INNTR, aconselha-se a utilização de um regime triplo de INTR40,51. Conclusões Quase 30 anos após a descoberta do HIV por Luc Montagnier e Roberto Gallo, o vírus continua a assolar a população mundial, que vê com alguma apreensão o aparecimento diário de novos casos e a ausência de terapêuticas capazes de erradicar o vírus. A infecção pelo HIV representa, efectivamente, um grave problema de saúde pública; actualmente, existem mais de 34 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo. Durante a infecção primária pelo HIV, ocorrem várias alterações imunopatogénicas que determinam a evolução da infecção Como tal, a compreensão destes mecanismos é fundamental para podermos desenvolver estratégias eficazes que nos permitam impedir a replicação viral e a disseminação do vírus por todo o organismo, em particular pelo tecido linfático do intestino. As principais barreiras para a cura do HIV é a existência de células infectadas que permanecem em estado latente, a constante replicação viral que se verifica ao longo de toda a infecção e a existência de reservatórios que permitem que o vírus escape ao sistema imunitário. Apesar das terapêuticas disponíveis serem eficazes no combate à replicação viral, estamos longe de alcançar a tão desejada cura para o HIV. Contudo, pensa-se que a instituição precoce da terapêutica anti-retroviral pode trazer sérios benefícios para o doente, uma vez que procura evitar que os danos irreversíveis que se verificam durante essa fase da infecção ocorram. Além disso, como a medicação faz diminuir a carga viral, a probabilidade de transmissão é também menor. Os investimentos no desenvolvimento de vacinas profiláticas e de novos fármacos são cruciais para travar esta epidemia. Enquanto estes não aparecem, há que apostar nas medidas ao nosso alcance, nomeadamente na difusão das medidas de prevenção. 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Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 16 A infecção por HIV – importância das fases iniciais e do diagnóstico precoce 24. Mattapallil, J., et al. Massive infection and loss of memory cd4+ t cells in multiples tissues during acute SIV infection. Nature 2005; 434: 10931097. 25. Mellors, J.W., Munoz, A., Giorgi, J.V., Margolick, J.B., Tassoni, C.J., et al. Plasma viral load and CD4+ lymphocytes as prognostic markers of HIV-1 infection. Ann Intern Med. 1997; 126: 946–954. 26. Mellors, J., Margolik, J B, Phair, J P, et al; Prognostic value of HIV-1 RNA, CD4 cell count, and CD4 Cell count slope for progression to AIDS and death in untreated HIV-1 infection. JAMA. 2007; 297(21):2349-50. 27. Alizon S, von Wyl V, Stadler T, Kouyos RD, Yerly S, et al.; Phylogenetic Approach Reveals That Virus Genotype Largely Determines HIV Set-Point Viral Load, PLoS Pathog. 2010; 6(9). 28.Caetano, M.; Fisiopatologia e imunopatogénese da infecção VIH - Perspecctiva geral. 2002. 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[email protected] Resumen Objetivo: Evaluar los resultados de una acción formativa en indicación farmacéutica, cuantificando mejora de conocimientos y grado de satisfacción. Método: Estudio analítico longitudinal sin grupo control. Participantes: 56 farmacéuticos inscritos en el 1º Curso de Postgrado en Cuidados Farmacéuticos de la Sección Regional de Oporto de la Orden de los Farmacéuticos. Intervención formativa: Módulo III, impartido por el grupo Berbés. Primera fase los alumnos recibieron el contenido teórico, un cuestionario inicial de evaluación de 14 preguntas, cuestionario y casos prácticos de autoevaluación. Segunda fase sesión presencial 12 días después. Se realizaron entrenamientos de casos prácticos mediante simulaciones (role-playing). Al finalizar, los alumnos repitieron el cuestionario inicial de conocimientos, resolvieron cinco casos prácticos y cumplimentaron una encuesta anónima de satisfacción y valoración. Resultados: Edad media de 30,6 (DE= 7,5), años de ejercicio 5,4 (DE= 6,0), 92,2% mujeres. El número de respuestas correctas en el cuestionario de conocimientos aumentó un 13,9% (DE= 14,1%), mejora que resultó significativa (p< 0,001). En la resolución de casos prácticos puntuación media de 6,6 puntos sobre 10 (DE= 1,2). El grado de satisfacción medio fue de 3,6 puntos sobre 4 (DE= 0,3). Preguntas mejor valoradas: “el curso es útil para la actividad profesional diaria” (3,9) y “las simulaciones de casos prácticos le parecen útiles para el aprendizaje” (3,9), menos valorada: “el número de horas lectivas del curso es adecuado” (3,0). No se encontró relación significativa entre las variables puntuación final, mejora de conocimientos, resolución de casos prácticos y sexo, años de ejercicio y edad. Discusión: La mejora de conocimientos, la resolución de casos prácticos y el grado de satisfacción obtenido se pueden considerar satisfactorios. Parece estimarse por los alumnos de manera especialmente positiva la utilidad y metodología del módulo, lo que nos hace suponer que puede tener un impacto importante en el modo de actuar del farmacéutico en esta actividad profesional. Palabras clave: Indicación farmacéutica, evaluación, mejora de conocimientos, casos prácticos, simulaciones. 20 Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos Abstract Purpose: Evaluate the results of a master class of pharmaceutical advice, namely in what concerns knowledge increase and satisfaction. Methodology: Longitudinal analytical study without control group. 56 pharmacists enrolled in the 1st Post-graduation course in Pharmaceutical Care of Secção Regional do Porto da Ordem dos Farmacêuticos. Master class taught by Berbés group. In the first phase the students received the theoretical material, an initial evaluation test of 14 questions and case studies. 12 days afterm following a second class, students were trained with role play cas studies and repeated the initial test, solved 5 case studies and filled a satisfaction questionair. Results: Average Age 30,6 (SD= 7,5), years of practice 5,4 (DW= 6,0), 92,2% women. The number of correct answers in the knowledge test increased 13,9% (SD=14,1%) and was statistically significant (p< 0,001). The average result for the case-studies solving was 6.6/10 (SD=1,2). Satisfaction was 3.6/4 (SD=1,2). The most appreciated question was “the course is usefull for the daily profesional activity” (3,9) and “Role-play is useful for learning” (3,9), while the least apreciated was “the number of class hours of the course is adequate” (3,0). No significant relation was found between the other tested variables. Discussion: Knowledge increase, case study solving and satisfaction level can be considered satisfactory. The students seem to find positive and pleasant the methodology used during the teaching module, therefore it can be inferred that it may have an important impacto on the pharmacist performance in the community pharmacy. Keywords: Pharmaceutical Counseling, Continous Professional development, evaluation, knowledge increase, case studies, role playing. Introducción Para su ejercicio profesional al farmacéutico comunitario (FC) se le plantean hoy nuevas necesidades formativas que no son satisfechas por el contenido curricular del grado en la mayoría de las universidades. La relación con los pacientes en el nuevo modelo de Atención Farmacéutica (AF) (Cuidados Farmacéuticos) definido en diversos consensos profesionales1-3 implica la adquisición de nuevos conocimientos y habilidades derivadas de una mayor participación del farmacéutico en los procesos de cuidado de la salud relacionados con el uso de los medicamentos. Si bien la AF no existe como asignatura troncal en el grado universitario de Farmacia, sí está contemplada como oferta de posgrado en algunas universidades, aunque no de una forma generalizada, por lo que en la actualidad la formación continuada es la vía formativa más común para acceder al conocimiento teórico y práctico en Atención Farmacéutica. La Ley 44/2003 de ordenación de las profesiones sanitarias4 define la formación continuada como:“el proceso de enseñanza y aprendizaje activo y permanente al que tienen derecho y obligación los profesionales sanitarios, que se inicia al finalizar los estudios de pregrado o de especialización y que está destinado a actualizar y mejorar los conocimientos, habilidades y actitudes de los profesionales sanitarios ante la evolución científica y tecnológica, y las demandas y necesidades, tanto sociales como del propio sistema sanitario”. Según la OMS/FIP5, “los farmacéuticos son profesionales sanitarios cuyas responsabilidades profesionales incluyen intentar garantizar que las personas obtengan el beneficio terapéutico máximo de sus tratamientos farmacológicos. Para esto, es necesario que se mantengan actualizados sobre Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos el desarrollo de la práctica y las ciencias farmacéuticas, las normas y los requerimientos profesionales, las leyes que regulan la farmacia y los medicamentos, y los avances en los conocimientos y la tecnología relativos al uso de medicamentos”. Por tanto, el rápido avance de los conocimientos científicos, las mayores exigencias de los usuarios del sistema sanitario, y el deber ético de sus profesionales, convierten a la formación continuada en una herramienta indispensable para garantizar la calidad asistencial. Sin embargo, y a pesar de que este sistema es la base de la actualización profesional, es voluntario2 y por tanto, en España, la actualización de los profesionales sanitarios se debe exclusivamente a sus inquietudes profesionales y/o al cumplimiento de un deber ético con los pacientes. Los farmacéuticos comprometidos con su propia mejora profesional reciben el apoyo de las instituciones corporativas (Colegios de Farmacéuticos, Consejo General6,7, Orden dos Farmacêuticos8,9, Sociedades Científicas, Industria Farmacéutica, etc.) que colaboran mediante la organización de numerosas acciones formativas que siempre despiertan interés y logran elevadas tasas de participación. Entre las actividades básicas de AF se encuentra la consulta de indicación farmacéutica, definida en el documento de Foro de AF en Farmacia Comunitaria como: “servicio profesional prestado ante la demanda de un paciente o usuario que llega a la 21 farmacia sin saber qué medicamento debe adquirir y solicita al farmacéutico el remedio más adecuado para un problema de salud concreto”3. Que podemos resumir en la frase: ¿qué me da para…? (Figura 1)10. El farmacéutico comunitario ayuda al paciente en la toma de decisiones para el autocuidado de su salud. El desarrollo de un proceso metodológico validado, criterios consensuados de derivación y guías farmacoterapéuticas compartidas, son herramientas muy útiles para el abordaje correcto de estas situaciones3. Su objetivo es facilitar la estandarización y homogeneización de las estrategias seguidas por los farmacéuticos comunitarios, en el momento de resolver las demandas de los usuarios, asegurando unos estándares comunes mínimos en el uso racional de los medicamentos que no precisan receta médica10. La intervención del farmacéutico comunitario ante la demanda de solución para un trastorno menor o problema leve de salud implica un procedimiento de actuación estructurado en dos etapas: en primer lugar el farmacéutico debe decidir en qué situaciones tiene que recomendar al paciente que acuda a su médico, y en cuáles puede aconsejar al paciente acerca de las medidas que debe tomar para aliviar sus síntomas; en una segunda etapa indicará al paciente en la farmacia los medicamentos sin receta y/o medidas no farmacológicas más adecuados para la resolución del problema de salud que le ha consultado10. ¿QUÉ ME DA PARA…? ¿DÉME…? EVALUATION MÉDICO INDICACIÓN SEGUIMIENTO Figura 1 – Esquema de la consulta de indicación farmacéutica Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 22 Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos Desde abril hasta octubre de 2012 la Sección Regional do Porto de la Orden de los Farmacéuticos desarrolló el 1º Curso de Postgrado de Cuidados Farmacéuticos, con 120 horas de aulas teóricas y 76 horas de orientación tutorial8, del cual forma parte el Módulo III, dedicado a Cuidados Farmacéuticos e Seguimiento Farmacoterapéutico en Patologías Autolimitadas, impartido por el grupo Berbés de Investigación y Docencia en Atención Farmacéutica y que ha sido objeto de nuestra evaluación. La evaluación de un programa formativo tiene como finalidad determinar en qué medida los objetivos propuestos se han alcanzado11. Mediante el presente trabajo se pretende comprobar la adecuación de la metodología aplicada y el aprovechamiento del esfuerzo formativo por parte de los alumnos. Objetivos Evaluar los resultados de un módulo semipresencial sobre consulta de indicación farmacéutica. Conocer el perfil profesional de los farmacéuticos participantes en el curso. Cuantificar la mejora de conocimientos. Determinar el grado de satisfacción de los participantes en la acción formativa. Intervención formativa Constituye el Módulo III del referido Curso de Postgrado en Cuidados Farmacéuticos, de metodología mixta (semipresencial). Se estructura en dos fases: en una primera fase los alumnos recibieron una guía didáctica del módulo, el contenido teórico, extractado de una publicación coordinada por el equipo docente10, un cuestionario inicial de evaluación de 14 preguntas relacionadas con el contenido del curso, una serie de ejercicios tipo test y casos prácticos de autoevaluación. La carga lectiva se estima en unas 20 horas no presenciales. La segunda fase consistió en una sesión presencial de 8 horas de duración, 12 días después de iniciada la primera fase. En ella se comentaron y debatieron los cuestionarios y casos prácticos, se repasó la base teórica de los protocolos de actuación y se realizaron entrenamientos de los casos prácticos mediante simulaciones con la participación de los alumnos (“role-playing”) representando a farmacéutico y paciente con el fin de fijar actitudes y modos de actuación en el proceso de atención en la consulta de indicación farmacéutica (Figura 2). Al finalizar, los alumnos repitieron el cuestionario inicial de conocimientos, resolvieron cinco casos prácticos (en dos grupos con casos distintos) y cumplimentaron una encuesta anónima de satisfacción y valoración del módulo (Figura 3). Métodos Diseño del estudio Estudio analítico longitudinal sin grupo control, donde se realizó una acción docente desarrollada desde el 23 de junio hasta el 7 de julio de 2012 con farmacéuticos asociados a la Sección Regional de Oporto de la Orden de los Farmacéuticos. Participantes Los 56 farmacéuticos procedentes de distintos ámbitos de ejercicio inscritos en el 1º Curso de Postgrado en Cuidados Farmacéuticos. Figura 2 – Simulación de casos prácticos en el Aula de la Orden de los Farmacéuticos de Porto Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos 23 Figura 3 – Cuestionario de valoración del curso por los participantes Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 24 Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos El idioma utilizado en el material didáctico y las exposiciones por parte del equipo docente fue el español. Los alumnos participantes utilizaron libremente español y portugués, tanto en sus intervenciones verbales como escritas. Metodología evaluativa En el ámbito de la educación médica, y en concreto en la evaluación de la competencia profesional, especialmente en los programas de postgrado y de formación continuada, los modelos más utilizados son los de Kirkpatrik12 y Miller13 modificado por Van der Vleuten14 (Figura 4). La metodología de evaluación que nos hemos planteado utiliza ambos modelos, presentándose aquí los resultados de la satisfacción de los farmacéuticos participantes (nivel 1 de Kirkpatrik) y el aprendizaje o adquisición de competencias (nivel 2 de Kirkpatrik y niveles 1 a 3 de Miller-Van der Vleuten)14-15. Por otro lado, tal como la hemos planteado, la evaluación tiene una finalidad fundamentalmente formativa, orientándose a proporcionar a los alum- Variables e instrumentos de medida El nivel de conocimientos se midió mediante un cuestionario de 14 preguntas sobre los contenidos del módulo, cada pregunta con 4 cuatro posibles respuestas de las que una sola era correcta. Se registró el porcentaje de preguntas acertadas. La mejora de conocimientos se evaluó en función del incremento de preguntas contestadas correctamente en el cuestionario final en relación al inicial. Para evaluar la mejora de conocimientos y la comparación entre variables se tuvo en cuenta tan solo los resultados obtenidos por aquellos farmacéuticos que cumplimentaron los cuestionarios inicial y final. Los 5 casos prácticos se valoraron de 0 a 2 cada uno en función del juicio clínico elaborado y la resolución indicada. El grado de satisfacción se evaluó mediante un cuestionario de 11 preguntas con 4 respuestas: muy de acuerdo (4 puntos), de acuerdo (3 puntos), en desacuerdo (2 puntos) y muy en desacuerdo (1 punto). nos un feed-back sobre su aprendizaje15. Figura 4 – Modelos de evaluación de Kirkpatrik y Miller-Van der Vleuten Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos Análisis de los resultados 25 Nivel de conocimientos inicial y final El tratamiento estadístico de los datos se llevo 46 farmacéuticos respondieron al cuestiona- a cabo mediante el programa estadístico SPSS 15.0 rio inicial de conocimientos, con un resultado me- para Windows®. Las variables cualitativas se expresan dio del 59,5% (DE= 13,4%) de respuestas correctas como porcentajes y las variables cuantitativas como (máx= 85,7%, mín= 28,6%). El cuestionario final media (desviación estándar). Se utilizo la prueba de fue cumplimentado por 39 farmacéuticos, con un Wilcoxon para estudiar las diferencias en los resulta- resultado medio del 74,7% (DE= 12,4) de aciertos dos de conocimiento antes y después del curso. Para (máx= 100,0%, mín= 50,0%). ® comprobar diferencias entre los dos grupos de casos Los cuestionarios para resolución de casos prácticos se utilizó el test de U de Mann Whitney. Se prácticos fueron cumplimentados por 43 participan- utilizo también la correlación de Spearman para de- tes, 18 (41,9%) del grupo de casos A y 25 (58,1%) terminar la relación entre las diferentes variables. La del grupo de casos B. Los participantes del grupo de significación estadística se fijo en p<0.05. cuestionarios A obtuvieron una puntuación media de 6,3 (DE= 1,0) (máx= 8,5, mín= 5,0) y los del Resultados grupo de cuestionarios B 6,8 (DE= 1,2) (máx= 9,0, mín= 4,5). La puntuación media global fue de 6,6 Características demográficas y profesionales de los participantes De los 56 farmacéuticos inscritos, 51 (91,1%) realizaron alguna de las actividades programadas. El puntos sobre 10 (DE= 1,2) (máx= 9,0, mín= 4,5). Dos alumnas obtuvieron una puntuación menor de 5. No se encontró diferencia estadística significativa entre ambos grupos (p= 0,124) número de mujeres fue de 47 (92,2%) y el de hombres de 4 (7,8%). La edad media de 30,6 (DE= 7,5) Mejora de conocimientos años (máx= 53, min= 23). El número de años de Los cuestionarios inicial y final fueron com- ejercicio era de 5,4 (DE= 6,0) años (máx= 30, mín= pletados por 39 de los farmacéuticos participantes. 1). La localidad de trabajo y la modalidad de ejercicio El número de respuestas correctas se incrementó se muestran en la Figura 5. en un 13,9% (DE= 14,1%) (máx= 51,1%, mín= Figura 5 – Localidad y modalidad de ejercicio profesional Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 26 Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos -7,1%), mejora que resultó significativa al aplicar la Comparación entre variables prueba de los rangos con signo de Wilcoxon (p< No se encontró relación entre las variables pun- 0,001). tuación final y sexo (p= 0,712), años de ejercicio (p= 0,265) y edad (p= 0,091); ni entre la puntua- Grado de satisfacción ción obtenida en la resolución de los casos prácti- Se cumplimentaron 43 encuestas anónimas cos y las variables: sexo (p= 0,769), años de ejerci- cuyos resultados se muestran en la Figura 6. El gra- cio (p= 0,398), edad (p= 0,811) y puntuación en do de satisfacción medio fue de 3,6 puntos sobre 4 el cuestionario final de conocimientos (p= 0,631). (90%) (DE= 0,3) (máx= 3,9, mín= 3,0) (Tabla 1). 10 Tampoco resulto significativa la relación entre mejo- alumnos hicieron comentarios o sugerencias que se ra de conocimientos y sexo (p= 0,256), años de ejer- presentan en la tabla 2. cicio (p= 0,291), edad (p= 0,623) y puntuación en el cuestionario final de conocimientos (p= 0,927). MDA: Muy de acuerdo DA: De acuerdo ED: En desacuerdo MED: Muy en desacuerdo Figura 6 – Resultados de la encuesta de satisfacción y valoración del curso Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos 27 Tabela 1– Resultados de la encuesta de satisfacción en Porto y Pontevedra. Pregunta Porto (n= 43) Media (DE) Pontevedra (n= 27) Media (DE) 1. El curso proporciona conocimientos adecuados y actualizados 3,8 (0,4) 3,5 (0,5) 2. El número de horas lectivas del curso es adecuado 3,0 (0,6) 3,1 (0,5) 3. El curso es útil para la actividad profesional diaria 3,9 (0,3) 3,7 (0,5) 4. El material de estudio no presencial le parece apropiado 3,7 (0,5) 3,4 (0,5) 5. Las simulaciones de casos prácticos le parecen útiles para el aprendizaje 3,9 (0,3) 3,6 (0,5) 6. El formato mixto: No presencial+Presencial+ Trabajo práctico es adecuado 3,7 (0,5) 3,4 (0,5) 7. El trabajo práctico realizado en grupo puede ser útil para la práctica diaria 3,8 (0,4) 3,4 (0,7) 8. Las condiciones del local y el material audiovisual le parecieron idóneos 3,2 (0,5) 3,5 (0,5) 9. El nivel de conocimientos sobre el tema impartido por los ponentes fue bueno 3,8 (0,4) 3,4 (0,5) 10. La capacidad para explicar y transmitir esos conocimientos fue la adecuada 3,8 (0,4) 3,4 (0,5) 11. El curso satisface las expectativas del alumno cuando se inscribió Media 3,5 (0,5) 3,4 (0,5) 3,6 (0,3) 3,4 (0,2) Tabela 2 – Sugerencias y comentarios de los alumnos • Formación de grupos de trabajo para práctica, análisis y resolución de casos con técnica de role playing. • Envío del material no presencial con más antelación. • Entrega de más casos clínicos para practicar en casa. • Mayor duración de las horas lectivas presenciales (2). • Dedicar menos tiempo a definir conceptos antes tratados. • Visitar una farmacia comunitaria que ya tenga implantados servicios de cuidados farmacéuticos (3). • Evaluar la implementación de estos protocolos en la práctica profesional. • Hacer el descanso por la tarde más temprano, en medio de las horas de ponencias. • Más silencio en el aula. Discusión investigador realizó acciones formativas similares a la aquí evaluada en Pontevedra y Ourense (España) A pesar de la importancia que se concede hoy en el año 2006, cuyos resultados no han sido publi- en la gestión de la calidad de los programas forma- cados, pero nos van a servir para establecer algunas tivos a la evaluación de la formación15-17, son pocas comparaciones. las referencias a estudios similares al que aquí se El perfil de los participantes podemos definirlo presenta, generalmente orientados a evaluar accio- como: farmacéutica comunitaria de 30,6 años, con nes docentes de pregrado Lucetta, Galato Medina. 5,4 de ejercicio en una localidad urbana. García Corpas et al analizaron en 2006 la mejora en El grado de conocimientos previo se conside- los conocimientos (primer nivel de evaluación de ra de nivel medio, obteniéndose una mejora en las la competencia profesional de Miller-Van der Vleu- respuestas al cuestionario tras la acción formativa ten ) tras un taller sobre asma bronquial con far- (13,9%), alcanzándose un resultado que se puede macéuticos comunitarios en España, orientado a considerar satisfactorio y que resultó estadística- seguimiento farmacoterapéutico y no a indicación mente significativo. Corresponde al primer nivel farmacéutica como es nuestro caso. Nuestro grupo de evaluación de Miller-Van der Vleuten13,14, “saber” 13,14 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 28 Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos (knows-knowledge). Dos alumnas lograron en el segundo cuestionario el 100% de aciertos. En un programa similar que el grupo investigador llevó a cabo en Pontevedra (Galicia) durante el año 2006, con 32 alumnos los resultados fueron del 54,4% al inicio y 87,7% al final. La metodología ligeramente distinta (la parte teórica fue presencial en Pontevedra) y el idioma pueden explicar las diferencias en los resultados. La resolución de casos prácticos equivale al segundo nivel de la pirámide de Miller-Van der Vleuten13,14, el “saber cómo” (knows how-competence), en el que se evalúa el saber contextualizado, incluyendo habilidades de razonamiento clínico y toma de decisiones. En nuestro caso el resultado es igualmente satisfactorio al haber resuelto correctamente los cinco casos planteados más del 95% de los farmacéuticos participantes. La satisfacción, además de un buen indicador de resultados es un índice de calidad y correcto funcionamiento18. Es fundamental si queremos conseguir que la formación tenga impacto, ya que si el profesional que la ha recibido no se encuentra satisfecho con ella, no tendrá consecuencias en el mantenimiento de los efectos o mejoras18. El grado de satisfacción obtenido en la acción formativa que analizamos es alto, del 90%, superando el resultado de la realizada en Pontevedra en 2006, del 85%. Las preguntas mejor valoradas coinciden en ambas acciones formativas: “el curso es útil para la actividad profesional diaria” (3,9 en Porto y 3,7 en Pontevedra) y “las simulaciones de casos prácticos le parecen útiles para el aprendizaje” (3,9 en Porto y 3,6 en Pontevedra). Corresponde esta última dimensión al tercer nivel de la pirámide de Miller-Van der Vleuten13,14, “demostrar” (shows how-performance). Coincide también la menos valorada: “el número de horas lectivas del curso es adecuado” (3,0 en Porto y 3,1 en Pontevedra). Parece, por tanto, estimarse por los alumnos de manera especialmente positiva la utilidad y metodología del módulo, y un cierto deseo de prolongar el aprendizaje (tal como se recoge en las sugerencias), lo que nos hace suponer que puede tener un impacto importante en el modo de actuar del farmacéutico en esta actividad profesional. No se encontró relación entre las variables analizadas, las puntuaciones obtenidas en las evaluaciones resultaron independientes de las variables demográficas y entre sí, lo que puede deberse a la inexistencia de relación o bien al tamaño reducido de la muestra, pese a que éste sí fue suficiente para alcanzar significatividad en la mejora de conocimientos teóricos. Limitaciones Algunas circunstancias en el entorno de la acción docente pueden haber ejercido un papel limitador en cuanto al rendimiento obtenido en el esfuerzo formativo, menor que en nuestra acción formativa en Galicia y en el estudio de García Corpas et al. A pesar de no haber percibido ningún problema por la diferencia en los idiomas, ya que muchos de los alumnos se expresaban en español sin ninguna dificultad, y el equipo docente entendía correctamente el portugués, es posible que el uso de material (textos, cuestionarios, caso prácticos) en aquel idioma haya supuesto para algunos un menor aprovechamiento. El mismo resultado puede haberse derivado del corto plazo transcurrido desde el envío a los alumnos del material docente y la realización de la sesión presencial, tal como se recoge en alguna de las sugerencias. Aplicabilidad práctica de los resultados Se trató de una acción formativa eminentemente práctica, orientada a la adquisición por los farmacéuticos participantes de habilidades que incorporan nuevas formas de actuar, desarrollando una consulta de indicación farmacéutica de alto valor profesional. Teniendo en cuenta los buenos resultados en los diversos niveles evaluativos, consideramos que se han alcanzado los objetivos docentes. Nos planteamos como objetivo para el futuro inmediato la evaluación del cuarto nivel de Miller-Van der Vleuten13,14, el “hacer” (does), es decir, com- Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos probar la transferencia a la práctica habitual, en los lugares de trabajo, de las competencias y habilidades adquiridas, en situaciones o contextos profesionales reales. Referências bibliográficas 1. Panel de Expertos. Documento de Consenso sobre Atención Farmacéutica. Madrid: Ministerio de Sanidad; 2001. 2. Grupo de Expertos de Foro de Atención Farmacéutica. Documento de Consenso. Madrid: Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos; 2008. ISBN 978-84-691-1243-4. 3. Grupo de Expertos de Foro de Atención Farmacéutica en Farmacia Comunitaria. Guía Práctica para los Servicios de Atención Farmacéutica en la Farmacia Comunitaria. Madrid: Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos; 2010. ISBN: 978-84-693-1717-4. 4. Cortes españolas. Ley 44/2003, de 21 de noviembre, de ordenación de las profesiones sanitarias. BOE 2003; 280: 41442-41458. 5. Organización Mundial de la Salud, Federación Internacional Farmacéutica. Directrices conjuntas FIP/OMS sobre Buenas Prácticas en Farmacia: estándares para la calidad de los servicios farmacéuticos. Genève: OMS/FIP; 2012. 6. Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos [Internet]. Cursos del Plan Nacional de Formación Continuada del CGCOF. [acceso 4/8/2012] Disponible en: http://www.portalfarma.com/pfarma/taxonomia/general/gp000010. nsf/vwDocumentos/1ACC81C10F14B8C0C12571 C6003D361E?OpenDocument. 7. Consejo General de Colegios Oficiales de Farmacéuticos [Internet]. Acciones del Plan Estratégico para el Desarrollo de la Atención Farmacéutica. [acceso 4/8/2012]. Disponible en: http:// www.portalfarma.com/pfarma/taxonomia/general/taxonomia.nsf/vwDocumentos/2001F8C7A76 77FE8C12574E900469989?OpenDocument. 8.Orden dos Farmacêuticos, Sección Regional do Porto [Internet]. Pós-Graduação em Cuidados Farmacêuticos 2012. [acceso 4/8/2012]. 29 Disponible en: http://ofporto.org/actividades. php?idCategoria=23. 9. Orden dos Farmacêuticos, Sección Regional do Porto [Internet]. Curso de Pós- Graduação - “O Ataque Viral”. Uma abordagem imunogênica 2012. [acceso 4/8/2012]. Disponible en: http:// ofporto.org/evento-detalhe.php?idEvento=70 10.Andrés Rodríguez NF [coordinador]. La consulta de indicación Farmacéutica. Actuación del farmacéutico comunitario en la resolución de los problemas de salud leves. Vigo: Aulacofano; 2006. ISBN 978-846110939-5. 11.Tyler R. Educational evaluation: new roles, new means. Chicago: The National Society for the Study of Education; 1969. 12.Kirkpatrik DL. Evaluación de acciones formativas: los cuatro niveles. 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Disponible en: http://www. uv.es/RELIEVE/v10n2/RELIEVEv10n2_5.htm 18.Biencinto López Ch. Evaluación del impacto de la formación continua en el ámbito sanitario: diseño y especificación de un modelo casual [Tesis doctoral]. Madrid: Universidad Complutense de Madrid; 2003. ISBN: 84-669-2333-0. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 30 Evaluación de la mejora de conocimientos y grado de satisfacción tras una acción formativa en cuidados farmacéuticos 19.García Corpas JP, Ocaña Arenas A, González García L, López Domínguez E, García Jiménez E, Amariles P, et al. Changes in knowledge after attending a community pharmacists’ asthma workshop. Pharmacy Practice (Internet) 2006; 4(3): 139-42. 20.Medina MS, Stark JE, Vesta KS, Lockhart SM. Evaluating the impact of a pre-rotation workshop on student preparation for clinical advanced pharmacy practice experiences. Pharmacy Practice 2008; 6(4): 219-23. 21.Lucchetta RC, Veiga Capela M, dos Santos JL, de Carvalho Mastroianni P. Evaluación del impacto de una intervención educativa en atención farmacéutica y farmacia clínica. Pharm Care Esp 2012; 14(3): 122-7. 22.Galato D, Alano GM, Trauthman SC, França TF. Pharmacy practice simulations: performance of senior pharmacy students at a University in southern Brazil. Pharmacy Practice (Internet) 2011; 9(3): 136-40. 23.CovingtonTR. Nonprescription Drug Therapy: Issues and Opportunities. Am J Pharm Educ 2006; 70(6): Article 137 24.González Añón D, Acuña Ferradanes A, Fernández Cordeiro M, García Rodríguez P. Mejora de conocimientos en dolor osteomuscular. Farmacéuticos comunitarios 2009; 1(1): 25-26. 25.González Añón D, Acuña Ferradanes A, Castillo Páramo A, Fornos Pérez JA, Andrés Iglesias JC, Andrés Rodríguez NF. Implementación de procedimientos de indicación y dispensación en farmacias comunitarias de la provincia de Pontevedra tras una acción formativa. Técnica del paciente simulado. Pharm Care Esp. 2011; 13(3): 104-15. Agradecimientos Al Profesor Dr. Franklim Marques y la Dra. María Luís Chaves, Presidente y Secretaria de la Sección Regional de Porto de la Orden de los Farmacéuticos, por su decidida apuesta por la formación continuada de sus miembros en actividades de Atención Farmacéutica y por haber confiado en nuestro Grupo Berbés de Investigación y Docencia para impartir el Módulo III. A los alumnos del módulo, por la buena acogida que nos dispensaron, por su esfuerzo en manejar toda la documentación y escuchar a los ponentes en español y por su implicación en las resoluciones de casos prácticos y el desarrollo de las simulaciones durante la sesión presencial. Aspetos hematológicos do envelhecimento Andrade, Rita 1, Costa, Elísio 1,2, Santos-Silva, Alice 1,2 (1) Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Porto, Portugal. (2) Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, Porto, Portugal. Autor correspondente: Alice Santos Silva. [email protected] Resumo Ainda que envelhecer e adoecer não sejam sinónimos, com o aumento da idade ocorrem alterações anatómicas e fisiológicas que tornam os idosos mais vulneráveis ao aparecimento de diversas patologias. A anemia é uma patologia frequente na população idosa, podendo ser subdividida em quatro tipos, anemia por carências nutricionais, anemia da inflamação crónica, anemia da doença renal crónica e anemia de causa inexplicada. A anemia tem diversas consequências adversas nos idosos contribuindo para o aumento da morbilidade e da mortalidade. Assim, o diagnóstico e o tratamento adequados de cada tipo de anemia permitem minimizar estas consequências adversas e melhorar a qualidade de vida dos doentes. As alterações vasculares, renais, hematopoiéticas, o estado pró-inflamatório ligeiro e crónico, decorrentes do processo de envelhecimento, em associação com comorbilidades e a predisposição genética favorecem o desenvolvimento de anemia nesta população. Neste artigo é feita uma revisão das principais etiologias associadas à anemia nos idosos e discutida a sua fisiopatologia. Palavras-chave: anemia, envelhecimento, inflamação, hematopoiese, doença renal Abstract Aging and illness are not synonymous, but with aging, anatomical and physiological changes occur and make elderly most vulnerable to an onset of various diseases. Anaemia is a hematologic disease quite common in the elderly and has been subdivided into four types, anaemia by nutritional deficiencies, anaemia of chronic inflammation, anaemia of chronic kidney disease and unexplained anaemia. Anemia has many adverse consequences in the elderly, increasing morbidity and mortality. Thus, the appropriate diagnosis and treatment of each type of anaemia allows to minimize these adverse consequences and to improve the quality of life in these patients. The vascular, renal and hematopoietic changes, as well as, the wild chronic proinflammatory state, that are associated with the aging process, in combination with comorbidities and a genetic predisposition, favor the development of anaemia in this population. In this paper we performed a review of the main etiologies associated with anaemia in the elderly, and discusse its pathophysiology. Keywords: anaemia, aging, inflammation, hematopoiesis, renal disease. 32 Aspetos hematológicos do envelhecimento Introdução A anemia é a alteração hematológica mais frequente na população idosa1-3, sendo definida como uma redução na concentração de hemoglobina (Hb), desencadeada por diversos mecanismos fisiopatológicos4. Embora exista algum debate sobre quais os valores de Hb que devem ser utilizados para a definição de anemia na população idosa5, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) a anemia é definida por uma concentração de Hb <12 g/dL nas mulheres e Hb <13 g/dL nos homens4, 6. No entanto, segundo o Cardiovascular Health Study7 os valores de Hb para o diagnóstico de anemia nos idosos devem ser redefinidos. A anemia nos idosos não é, por vezes, valorizada pelo facto de ser entendida como uma mera consequência do processo de envelhecimento ou como um marcador de doença crónica. No entanto, estudos recentes têm questionado esta visão, defendendo que a presença de anemia nos idosos reflete um estado de saúde comprometido e um aumento da vulnerabilidade para consequências adversas8-10. Ao contrário da anemia dos adultos jovens, a anemia em idosos não é muitas vezes diagnosticada, nem atribuível a uma única causa, podendo estar associada a uma variedade de causas, incluindo insuficiência renal, inflamação, deficiência de testosterona, diminuição de células estaminais proliferativas e deficiências nutricionais11. Neste artigo é feita uma revisão das principais etiologias associadas à anemia nos idosos e discutida a sua fisiopatologia. ções sobre a prevalência da anemia nos principais subgrupos demográficos, incluindo a população idosa. Este estudo demonstrou que 10,6% dos adultos com mais de 65 anos apresentavam anemia, com uma prevalência de 11,0% e de 10,2% em homens e mulheres, respetivamente. A grande maioria dos casos de anemia era ligeira, com menos de 1% dos idosos com uma concentração de Hb <10 g/dL e menos de 3% com concentração de Hb <11 g/dL. Neste estudo a incidência de anemia nos adultos com idade superior a 85 anos duplicou, apresentando valores superiores a 20%. A prevalência de anemia nos homens é mais baixa entre os 17 e os 49 anos, enquanto para as mulheres, é entre os 50 e os 64 anos. A prevalência de anemia aumenta em função da idade, tanto nos homens como nas mulheres, mas esse aumento é mais evidente nos homens. Nas idades superiores a 75 anos, a anemia é mais comum nos homens do que nas mulheres12. Estes valores de prevalência de anemia no idoso são semelhantes aos referidos no Leiden 85-plus Study13, no Cardiovascular Health Study7 e no Established Population for Epidemiologic Studies of the Elderly (EPESE)14, 15. A população negra apresenta uma prevalência maior de anemia do que a caucasiana e nas faixas etárias mais avançadas (acima de 65 anos) chega a ser três vezes maior (27% versus 9%). Tal deve-se ao facto de a definição de anemia ser a mesma para todas as raças. Provavelmente por razões biológicas, os níveis de Hb nos indivíduos de raça negra são mais baixos e, portanto, a definição de anemia deveria considerar este aspeto5, 12. Etiologia da anemia no idoso Epidemiologia da anemia na população idosa Em Portugal, não existem estudos sobre a prevalência de anemia na população idosa. O Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III 1991-1994)12 é um dos principais estudos publicados nos Estados Unidos da América, cujo principal objectivo era o de recolher informa- Embora a anemia no idoso seja geralmente multifatorial, são quatro os tipos de anemia mais frequentes5, 12, 16: - Anemia por deficiência em nutrientes (vitamina B12, folato e ferro); - Anemia das doenças crónicas (ADC), ou anemia da inflamação crónica (AIC); - Anemia da doença renal crónica (DRC); - Anemia de causa inexplicada (AI). Aspetos hematológicos do envelhecimento Das anemias de causa conhecida, as que mais frequentemente afetam os idosos são a AIC e a anemia por deficiência em ferro; no entanto, mesmo após uma avaliação cuidadosa, o mecanismo subjacente à anemia permanece inexplicado numa grande quantidade de casos – AI3, 12, 17. O estudo NHANES III demonstrou que aproximadamente um terço dos idosos com anemia apresentavam deficiência nutricional, um terço AIC, DRC, ou ambas, e um terço tinha AI12. Anemia por deficiência em nutrientes eritropoiéticos Tal como referido, aproximadamente um terço dos casos de anemia nos idosos são atribuídos às deficiências em ferro, folato e/ou de vitamina B12. A deficiência em ferro, por si só, é responsável por quase metade dos casos das anemias causadas por deficiências nutricionais12. Apenas alguns casos de deficiência em ferro resultam de uma dieta inadequada; a maior parte dos casos deriva de perda sanguínea gastrointestinal crónica16. O diagnóstico de deficiência em ferro em idosos nem sempre é fácil, uma vez que a concentração de ferritina sérica, indicadora das reservas em ferro, aumenta nos processos inflamatórios, frequentemente observados em patologias associadas com a idade5. As deficiências em folato e vitamina B12 são responsáveis por cerca de 14% do total dos casos de anemia no idoso. A identificação de deficiência em vitamina B12 através da determinação da sua concentração sérica pode não detetar casos subclínicos da deficiência em vitamina B1218. O doseamento conjunto com o ácido metilmalónico e a homocisteína permitem detetar estes casos subclínicos5. Anemia da inflamação crónica A AIC é observada em associação com infeções, doenças reumatológicas, patologias malignas e outras patologias crónicas. Em termos bioquímicos, é caracterizada por diminuição dos níveis séricos de ferro e da capacidade total de fixação de 33 ferro (TIBC), com ferritina sérica elevada19. Não é surpreendente que quase um terço dos casos de anemia (19,7%) em idosos seja classificado como AIC, dado que os idosos apresentam frequentemente múltiplas comorbilidades12. É também comum que a AIC ocorra concomitantemente com outras causas de anemia, incluindo deficiência em ferro, o que poderá dificultar a confirmação do diagnóstico etiológico da anemia20, 21. Considerando a enorme extensão de morbilidades clínicas e subclínicas entre os idosos, bem como o aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias que acompanham o envelhecimento, a identificação da patologia subjacente à AIC em idosos é bastante difícil5. Embora a etiologia da AIC tenha sido atribuída a uma redução no tempo de vida dos eritrócitos, a alterações na disponibilidade em ferro para a eritropoiese, a resistência progressiva dos progenitores eritroides à ação da eritropoietina (EPO), a um aumento da apoptose dos precursores eritroides e à produção inadequada de EPO, o papel relativo de cada um destes mecanismos permanece ainda por esclarecer. Estes mecanismos parecem ser mediados pelo aumento de citocinas pró-inflamatórias, tais como a interleucina (IL)-1, IL-6 e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)16. A eritropoiese pode ser afetada por uma patologia subjacente à AIC através da infiltração de células tumorais ou de microrganismos na medula óssea, ou por outras patologias como a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), hepatite C e malária. Nestas patologias há ativação de células T (CD3+) e monócitos com produção de citocinas, tais como interferon-γ, TNF-α, IL-1, IL-6, e IL-10. As células tumorais podem produzir citocinas pró-inflamatórias e radicais livres, capazes de danificar as células progenitoras eritroides21 (Figura 1). A IL-6 e os lipopolissacarídeos (LPS) têm efeitos no metabolismo do ferro, estimulando a expressão hepática de hepcidina, que se liga à ferroportina 1 (Fpn 1), um canal de efluxo de ferro na membrana dos enterócitos, dos macrófagos e dos hepatócitos, induzindo a sua internalização e degradação. A reActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 e respetivas 34 Figuras Aspetos hematológicos do envelhecimentolegendas LPS Microrganismos Células malignas Desregulação autoimune Mecanismos imunológicos Interferon-γ TNF-α IL-1 IL-6 IL-10 Figura 1 - Mecanismos que levam à produção de citocinas pró-inflamatórias pelos linfócitos T e Figura 1 - Mecanismos que levam à produção de citocinas pró-inflamatórias pelos linfócitos T e monócitos. Legenda: monócitos. IL- interleucina; LPS – lipopolissacarídeos; TNF-α – fator de necrose tumoral alfa. Legenda: IL- interleucina; LPS – lipopolissacarídeos; TNF-α – fator de necrose tumoral alfa. dução da ferroportina vai diminuir a absorção intestinal de ferro, a libertação de ferro pelos macrófagos e aumentar a retenção de ferro nos hepatócitos, o que leva a uma queda dos níveis séricos de ferro, que pode condicionar o desenvolvimento de anemia22. A síntese de hepcidina é regulada pelos níveis de ferro sérico, anemia, hipóxia tecidular e pelo grau de inflamação. Em caso de anemia ou de hipóxia, os níveis de hepcidina diminuem havendo, por isso, mais ferro disponível para a eritropoiese. O promotor do gene da hepcidina contém muitos locais de ligação para o fator induzido pela hipóxia (HIF) sendo, provavelmente, este o mecanismo de regulação hipóxica da hepcidina. Uma dieta rica em ferro ou a transfusão sanguínea aumentam a síntese de hepcidina; no entanto, os mecanismos reguladores associados a este aumento de hepcidina são ainda pouco conhecidos23 (Figura 2). Na inflamação crónica, a internalização do ferro pelos macrófagos ocorre predominantemente através de eritrofagocitose e pela importação transmembranar de ferro ferroso pela proteina divalent metal transporter 1 (DMT1). O interferon-γ, LPS, e TNF-α aumentam a expressão de DMT1, aumentando a absorção de ferro em macrófagos ativados. Por outro lado, como se referiu, estes estímulos pró-inflamatórios induzem também a retenção de ferro em macrófagos, por diminuição da expressão de ferroportina 1, bloqueando a libertação de ferro a partir destas células22. Sob condições normais, existe uma relação inversa entre a concentração de Hb e os níveis séricos de EPO, na população idosa. O TNF-α, interferon-γ, e IL-1 inibem diretamente a diferenciação e proliferação de células progenitoras eritroides. Assim, a disponibilidade limitada em ferro, o decréscimo da atividade biológica da EPO e o comprometimento da diferenciação e proliferação das células progenitoras eritroides inibem a eritropoiese e contribuem para o desenvolvimento de anemia (Figura 3). A AIC pode ser tratada recorrendo ao uso de agentes estimuladores da eritropoiese, embora esta opção terapêutica seja controversa16. Aspetos hematológicos do envelhecimento 35 IL-6 e LPS Hipóxia tecidular Elevado ferro sérico + Diminui a mobilizaçãode Fe2+ + - Fpn 1 Fígado Hepcidina Diminui a mobilizaçãode Fe2+ Fpn 1 Diminui a absorção intestinal de Fe2+ Fpn 1 Intestinos Macrófago Figura 2 - Papel da hepcidina na regulação do metabolismo do ferro. Figura 2 – PapelA da hepcidina na regulação do metabolismo doa reciclagem ferro. de ferro pelos hepcidina regula negativamente a absorção intestinal de ferro, macrófagos e a libertação de ferro pelos hepatócitos. A secreção de hepcidina é regulada pelas A hepcidina regula negativamente a absorção intestinal de ferro, a reciclagem de ferro reservas de ferro, oxigenação e pelos marcadores inflamatórios. Legenda: +: aumenta a síntese hepática de hepcidina; -: diminui a síntese hepática de hepcidina; pelos macrófagos e a libertação de ferro pelos hepatócitos. A secreção de hepcidina é Fpn: ferroportina 1; :degradação e internalização da ferroportina nos lisossomas. regulada pelas reservas de ferro, oxigenação e pelos marcadores inflamatórios. Legenda: (+) aumenta a síntese hepática de hepcidina; (-): diminui a síntese hepática de hepcidina; Fpn: ferroportina 1; :degradação e internalização da ferroportina nos lisossomas. IL-6 IL-1 TNF-α IL-10 + Degradação e fagocitose dos eritrócitos + + senescentes Aumento de ferritina + Aumento Fe2+ LPS + Interferon-γ + Macrófago c cDMT1 vv - c cFpn 1 vv Hepcidina - Decréscimo Fe2+ sérico Fémur Medula óssea Inibição da produção de EPO Rim AIC Inibição da eritropoiese Figura 3 - Mecanismos fisiopatológicos subjacentes à AIC: alterações no metabolismo do ferro, na produção renal de eritropoietina e na medula eritropoietica. Figura 3 – Mecanismos fisiopatológicos à AIC: alterações metabolismo do ferro, Legenda: AIC – anemia da subjacentes inflamação crónica; DMT1 - protein divalent metalno transporter 1; EPO – eritropoietina; Fnp 1 – ferroportina 1; IL – interleucina; LPS – lipopolissacarídeos. na produção renal de eritropoietina e na medula eritropoietica. Legenda: AIC – anemia da inflamação crónica; DMT1 - protein divalent metal transporter 1; EPO – eritropoietina; Fpn 1 – ferroportina 1; IL – interleucina; LPS – lipopolissacarídeos. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 36 Aspetos hematológicos do envelhecimento Anemia da doença renal crónica O rim é a maior fonte de EPO e, por consequência a anemia da doença renal deve-se à produção insuficiente de EPO nos doentes renais crónicos e, portanto, esta é uma causa comum de anemia11. Poucos estudos têm avaliado a relação entre a função renal e a anemia associada com o envelhecimento. No entanto, estes estudos indicam que há um limiar de função renal abaixo do qual o risco de anemia aumenta, mas o valor desse limiar varia de estudo para estudo, de 30 mL/min a 60 mL/min24, 25. Este problema é agravado pela utilização de diferentes equações para avaliar a taxa de filtração glomerular (TFG), e de diferentes métodos para avaliação da creatinina sérica5. Várias explicações têm sido propostas para o aumento da AI com o envelhecimento: alterações em progenitores eritroides, células estaminais hematopoiéticas (HSC), e no microambiente da medula óssea30; redução da reserva de HSC totipotentes31, 32; redução da produção de fatores de crescimento hematopoiéticos31, 32; redução da sensibilidade das HSC e dos progenitores aos fatores de crescimento31, 32; estimulação eritropoiética insuficiente em resposta à anemia33, 34; diminuição da produção de EPO35, 36; desregulação da produção de citocinas, que afetam a produção ou a resposta à EPO ou alteram a disponibilidade em ferro37, 38; DRC não reconhecida31, 32; mielodisplasia não diagnosticada31, 32; estado anterior de AIC31, 32; redução dos níveis de androgénios39, 40. Anemia de causa inexplicada Resposta fisiológica à anemia no idoso No estudo NHANES III12, um terço dos idosos com anemia não apresentava critérios que permitiam classificar a anemia sendo, portanto, classificada como AI. Alguns destes casos de AI podem estar associados a síndromes mielodisplásicos (SMD), comum nos idosos5, e que associam neutropenia e trombocitopenia12. O SMD é uma síndrome de falência medular comum em idosos, em que a anemia é uma das manifestações iniciais, podendo evoluir para pancitopenia e sofrer posteriormente transformação celular para leucemia mielóide aguda (LMA)26. No SMD27 não foi identificada nenhuma lesão recorrente no DNA, o que sugere que alterações epigenéticas ou mudanças no microambiente da medula óssea possam estar na origem desta transformação. A biópsia da medula óssea é essencial para avaliar alterações displásicas em múltiplas linhagens de células hematopoiéticas e proceder a um diagnóstico definitivo de SMD28. A fisiopatologia da AI nos idosos permanece por esclarecer e o diagnóstico é feito habitualmente por exclusão. Muitos processos biológicos conhecidos, que ocorrem com a idade, podem contribuir, individualmente ou em combinação, para esta anemia11, 29. O gene EPO é um dos muitos genes regulados pela hipóxia e a sua expressão é controlada pelo fator de transcrição HIF. Os fatores HIF-1 e HIF-2 (cada um composto por dímeros de subunidades α e β) são fatores de transcrição que controlam a regulação transcricional de vários genes envolvidos em diversos processos, incluindo a proliferação e sobrevivência celular eritroide, metabolismo glicolítico, angiogénese e metabolismo do ferro41. Apenas as subunidades α do HIF são reguladas pela hipóxia e a sua expressão é controlada pós-transcricionalmente. Em normóxia, os resíduos de prolil do HIF-1α são hidroxilados pela enzima prolil hidroxilase, que permite que a pVHL se ligue ao HIF-1α. A pVHL faz parte de um complexo multiproteico que atua como uma ligase de ubiquitina. Após a ligação do pVHL ao HIF-1α, uma cauda de poliubiquitina é adicionada ao HIF-1α que é rapidamente degradado no proteossoma41. Sob condições de hipóxia o HIF-1α não é hidroxilado, entra rapidamente no núcleo e liga-se ao HIF-1β. O complexo heterodimérico de HIF-1α e HIF-1β liga-se ao hypoxia response element (HRE), localizado na região enhancer 3` do gene EPO e atua em sinergismo com o promotor para iniciar a transcrição de novo da EPO29 (Figura 4). Aspetos hematológicos do envelhecimento Hipóxia 37 O2 elevado HIF1-α HIF1-β Prolil hidroxílase EpoR - Eritropoiese pVHL OH TfR - Suplemento de ferro VEGF - Angiogénese Enzimas glicolíticas Suplemento de energia Ub Ub HIF1-α Ub Degradação via proteossoma Oxigenação Figura 2 –do Regulação do HIF1-α em condições de e de hipóxia. Figura 4 – Regulação HIF1-α em condições denormóxia normóxia e de hipóxia. Em condições de normóxia o HIF1-α é degradado pela via da ubiquitina no proteossoma. Em Em condições normóxia o liga-se HIF1-α degradado pela vialiga-se da ubiquitina proteossoma. Em concondições de de hipóxia o HIF-1α ao é HIF-1β e este complexo ao hypoxia no response element (HRE) iniciando a transcrição de novo da EPO e consequentemente a estimulação dições de hipóxia o HIF-1α liga-se ao HIF-1β e este complexo liga-se ao hypoxia response element eritropoiética. (HRE) iniciando transcrição de novo daHIF1-α EPO-efator consequentemente a estimulação eritropoiética. Legenda: EpoR a - recetores de eritropoietina; de transcrição 1 alfa induzido pela hipóxia; HIF1-β - fator de transcrição 1 beta induzido pela hipóxia; pVHL - proteína von Hippel Legenda: EpoR - recetores de eritropoietina; HIF1-α - fator de transcrição 1 alfa induzido pela Lindau; TfR – recetores de transferrina; Ub – ubiquitina; VEGF - Vascular endothelial growth hipóxia; factor.HIF1-β - fator de transcrição 1 beta induzido pela hipóxia; pVHL - proteína von Hippel-Lindau; TfR – recetores de transferrina; Ub – ubiquitina; VEGF - Vascular endothelial growth factor. A diminuição da disponibilidade de oxigénio a nível renal desencadeia a produção de EPO pelas células que revestem os capilares peritubulares renais. O fornecimento inadequado de oxigénio aos rins pode ocorrer em diferentes situações, tais como anemia, hipoperfusão devido a arteriosclerose renal, diminuição do fluxo sanguíneo renal, insuficiência cardíaca, ou diminuição da saturação de oxigénio devido a patologias como a doença pulmonar obstrutiva crónica22. Tem sido sugerido que a capacidade do rim para segregar EPO em resposta à hipoxia tecidular diminui com o envelhecimento42. Complicações associadas à anemia no idoso A anemia tem diversas consequências adversas nos idosos, tais como alterações na qualidade de vida, comprometimento cognitivo e da capacidade funcional, aumento do risco de quedas e fraturas, maior incidência de doenças cardiovasculares (DCV) e aumento da mortalidade43. Diagnosticar e corrigir a causa subjacente à anemia é, portanto, um aspeto importante no cuidado do doente idoso44. Mortalidade Diversos estudos têm demonstrado que a anemia, definida pelos critérios da OMS, está associada com um aumento do risco de morte nos idosos7,14. A maioria dos estudos 7,15,45 observou uma associação negativa entre os níveis de Hb e a mortalidade, com risco crescente em função da gravidade da anemia, embora alguns estudos não tenham encontrado associação entre valores de Hb baixos e aumento do risco de morte14, 46. Complicações cardiovasculares A anemia está associada a um aumento da mortalidade em idosos por enfarte agudo do miocárdio47 e é um fator de risco para hipertrofia ventricular esquerda (LVH)48. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 38 Aspetos hematológicos do envelhecimento O organismo apresenta mecanismos que inte- do fluxo sanguíneo cerebral induzido pela anemia ragem para compensar e manter a oxigenação teci- pode resultar num aumento da distribuição de to- dular em caso de anemia. Estes mecanismos podem xinas urémicas para o cérebro, em caso de insufi- ser classificados como mecanismos não-hemodi- ciência renal, ou que o comprometimento da dis- nâmicos (ex. aumento da produção de EPO e do tribuição de oxigénio para o cérebro pode afetar di- turnover de Hb) e mecanismos hemodinâmicos, os ferentes processos metabólicos importantes a nível quais levam ao aumento do output cardíaco . cerebral9. 9 Estes mecanismos são complexos e envolvem uma diminuição da pós-carga devido a vasodilatação, um aumento da pré-carga devido ao aumen- Diagnóstico da anemia no idoso to do retorno venoso, e a um aumento da função ventricular esquerda. Embora estes mecanismos au- Na prática clínica, os idosos com anemia são mentem a oxigenação tecidular, levam a taquipneia, avaliados de modo a detetar e tratar a causa subja- palpitações e celafeia. A longo prazo, o aumento do cente à anemia, o que é por vezes difícil, dado que output cardíaco, causado por mecanismos compen- os idosos apresentam frequentemente múltiplas co- satórios, pode levar a um desenvolvimento gradual morbilidades22. O diagnóstico inclui a anamnese completa e de LVH49. o diagnóstico laboratorial. A anamnese completa, a Alterações motoras história alimentar, particularmente no que diz res- A anemia tem sido indicada como um fator de peito a dietas vegetarianas estritas, que aumentam o risco independente para quedas e fraturas em ido- risco de deficiência em vitamina B12, o consumo de sos . A avaliação retrospetiva de 145 doentes com álcool (aumenta o risco de deficiência em folato), a idades entre 60-97 anos, de lares de idosos e da poli-medicação (especial atenção para os fármacos comunidade, que foram hospitalizados por fratura que aumentam o risco de hemorragia, como os an- do osso ilíaco indicou que este evento foi significa- ti-inflamatórios não esteroides e para aqueles que tivamente mais comum nos indivíduos com anemia podem diminuir a eritropoiese, causando anemia), (30% vs 13%). A análise dos resultados demonstrou a perda de peso e o exame físico detalhado, são ou- ainda uma associação entre a anemia e um aumento tros aspetos a ter em consideração para o despiste do risco de quedas (três vezes maior). Além disso, o das causas subjacentes ao desenvolvimento de ane- aumento de 1 g/dL na concentração de Hb foi asso- mia52, 53. 50 ciado com uma redução de 45% no risco de quedas Uma história de longa data de anemia é sugestiva de etiologia hereditária, como talassemia ou a com fraturas16. esferocitose hereditária. A perda de peso, linfadeAlterações na função cognitiva e neurológica nopatia, localização de dor óssea e hepatoespleno- O comprometimento cognitivo é um problema megalia podem denotar patologias inflamatórias ou extremamente comum na população idosa . Cefa51 neoplásicas54. leia, perda de concentração e depressão, são sinto- Depois do exame físico e avaliação clínica se- mas neurológicos encontrados em doentes idosos gue-se o diagnóstico laboratorial, que inclui o hemo- com anemia9. No entanto, os mecanismos exatos grama completo, que permitirá definir e classificar subjacentes aos efeitos específicos neurológicos morfologicamente a anemia55. O valor de red cell da anemia não estão ainda completamente com- distribution width (RDW), incluído no hemograma, preendidos, mas tem sido indicado que o aumento permite avaliar a presença de anisocitose (variação Aspetos hematológicos do envelhecimento 39 de volume dos eritrócitos). A contagem do número ção, reduzindo a inibição da produção de células absoluto de reticulócitos é também importante para sanguíneas pela medula óssea54. avaliar a produção medular de eritrócitos56. Quando a AIC no idoso é ligeira não requer intervenção terapêutica; no entanto, quando a sintomatologia é severa requer tratamento. A transfusão Tratamento dos diferentes tipos de anemia no idoso sanguínea e a administração de agentes estimuladores da eritropoiese são duas opções terapêuticas para tratar a anemia severa, ambas tendo limitações Anemia por deficiência nutricional significativas. A transfusão sanguínea providencia a eliminação dos sintomas comuns à anemia, incluin- Nos idosos com anemia por deficiência em fer- do dispneia, fadiga e tonturas. Os riscos da transfu- ro o tratamento é feito administrando uma dose de são incluem hipervolémia, aumento das reservas de sulfato de ferro, ou de gluconato de ferro57. A terapia ferro, risco de infeções e de reações agudas54. Os com baixa dose de ferro corrige eficazmente as con- agentes estimuladores da eritropoiese foram apro- centrações de ferritina e de Hb, com menores efei- vados para o tratamento da AIC em algumas situa- tos gastrointestinais adversos, do que a terapia com ções, mas o seu uso permanece controverso. Dois altas doses de ferro . O tratamento é feito durante estudos recentes sobre agentes estimuladores da seis meses, de modo a repor as reservas de ferro do eritropoiese em indivíduos com anemia por DRC organismo. Para os indivíduos que não respondem verificaram que o aumento dos níveis de Hb para de forma adequada à terapêutica oral, pode fazer-se valores de 13,5 g/dL60 ou de 13 g/dL61 resultou num o tratamento por via parenteral, com ferro-dextran aumento da taxa de morte e de eventos cardiovas- ou sacarose de ferro . O tratamento da anemia por culares. 58 59 deficiência em vitamina B12, por via oral, com ciano- Embora alguns estudos tenham mostrado be- cobalamina, é bem tolerado e eficaz . O tratamento nefícios com a terapêutica com agentes estimula- da anemia por deficiência em ácido fólico é feito por dores da eritropoiese em indivíduos com cancro e administração de ácido fólico . anemia, outros referem um decréscimo da sobrevi- 59 54 O tratamento adequado e eficaz das anemias vência destes doentes quando tratados com estes por carência nutricional é confirmado pela reticu- agentes. Em caso de anemia associada à quimiote- locitose ao fim de uma semana de tratamento e por rapia, os agentes estimuladores da eritropoiese são um aumento gradual da concentração de Hb . recomendados para níveis de Hb abaixo de 10 g/dL, 54 para evitar a transfusão de concentrado eritrocitáTratamento da anemia da inflamação crónica, an mia da doença renal crónica e anemia de causa inexplicada rio62. É prudente limitar o tratamento com agentes estimuladores da eritropoiese às anemias severas associadas com DRC e a outras indicações proto- O tratamento da AIC, anemia da DRC e AI apre- coladas (Tabela 1), a menos que os doentes façam senta dificuldades. O tratamento inicial tem como parte de estudos clínicos para avaliar os riscos/bene- objetivo tratar a doença subjacente. O tratamento fícios dos agentes estimuladores da eritropoiese54. adequado da doença crónica minimizará a inflama- Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 40 Aspetos hematológicos do envelhecimento Tabela 1 –Normas para a utilização dos agentes estimuladores da eritropoiese em indivíduos com anemia. [adaptado de Bross MH et al, 2010]54 Normas para o uso dos agentes estimuladores da eritropoiese em doentes com anemia Indicações aprovadas pela U.S. FDA (Food and Drug Administration) • Doentes com anemia por DRC submetidos a diálise, para manter a Hb entre 10 e 12 g/dL; • Doentes neoplásicos sob quimioterapia, com Hb abaixo de 10 g/dL; • Doentes com VIH e anemia secundária à terapia com zidovuline (Retrovir); • Indivíduos com anemia, com cirurgia agendada, em risco de necessitar de transfusão sanguínea (apenas a epoetina alfa). Outras indicações referidas pela Medicare • Doentes com SMD; • Doentes sob tratamento para hepatite C • Doença intestinal crónica; • Artrite reumatoide; • Lúpus eritematoso sistémico. Alterações vasculares associadas ao envelhecimento A idade cronológica de um indivíduo pode ser diferente da idade biológica. Certas variáveis biológicas, como a elasticidade da pele e função arterial (envelhecimento vascular), correlacionam-se de forma linear com a idade cronológica, enquanto outros marcadores biológicos, tais como a capacidade pulmonar, audição e função cognitiva, bem como a acuidade visual, não estão necessariamente associados com a idade cronológica63. A exposição a factores de risco e a predisposição genética influenciam a idade biológica, permitindo a distinção entre idade biológica e cronológica. O sistema arterial consiste numa rede de grandes artérias elásticas, pequenas e médias artérias de alta resistência e arteríolas. Com o aumento da idade, a túnica íntima arterial torna-se menos lisa e apresenta disfunção endotelial. Na túnica média, ocorre proliferação de células musculares lisas, uma redução do teor de elastina e fibrose progressiva da adventícia e da média. Essas mudanças levam a um aumento da espessura da túnica íntima-média, calcificações vasculares da parede, bem como a rigidez, levando à perda de compliance da aorta e artérias principais. O aumento da espessura da túnica íntima pode representar um estadio inicial de aterosclerose e pode ser um preditor de eventos cardiovasculares futuros. Tem vindo a ser demonstrado que há um aumento da espessura da túnica íntima dependente da idade em humanos, na ausência de aterosclerose; assim, o excessivo espessamento da túnica íntima pode não representar aterosclerose precoce, podendo apenas refletir envelhecimento arterial. Por outro lado, o aumento da rigidez e perda de compliance das artérias principais leva a um aumento da pressão arterial sistólica e diminuição da pressão arterial diastólica, o que desempenha um papel fisiopatológico central na hipertensão sistólica em idosos. Uma combinação de alterações vasculares relacionadas com a idade (espessamento da íntima e da média, rigidez da parede, dilatação do lúmen, e compliance diminuída), ocorrendo em diferentes graus, determina o envelhecimento vascular global do indivíduo. Combinações ligeiras podem representar envelhecimento vascular saudável, enquanto combinações graves e progressivas, associadas à exposição a fatores de risco cardiovascular tradicionais, podem levar a envelhecimento patoló- Aspetos hematológicos do envelhecimento gico. As variações individuais que ocorrem nas alterações vasculares relacionadas com a idade, podem ser geneticamente programadas e/ou determinadas durante a vida fetal ou influenciadas por padrões adversos de crescimento na vida precoce pós-natal63. Alterações renais associadas ao envelhecimento Os rins constituem o sistema purificador do organismo, removendo do sangue os produtos de degradação, muitos dos quais apresentam toxicidade64. Ao longo da vida os rins sofrem várias alterações histológicas e fisiológicas que tornam o rim envelhecido diferente do rim jovem e podem conduzir a diversas condições clínicas observadas na população idosa65. O envelhecimento está associado com alterações estruturais renais e declínio funcional. Ainda não está muito claro quanto da perda funcional é devida à idade e quanta está relacionada com DCV e exposição a fatores de risco vasculares (hipertensão, diabetes e tabagismo). As principais características histológicas do envelhecimento renal são a fibrose arterial da túnica íntima, bem como glomeruloesclerose, atrofia tubular e fibrose intersticial66. No córtex renal há uma perda da massa renal com o envelhecimento. Estas alterações estão associadas com um aumento simultâneo da espessura vascular, hialinose arterial e arteriolar, e esclerose. Na medula renal, a glomeruloesclerose é acompanhada pela formação de um canal direto entre as arteríolas aferentes e eferentes, mantendo o fluxo de sangue medular e ignorando o glomérulo, levando a isquemia e redução funcional (circulação aglomerular). Assim, uma combinação de glomerulopenia funcional e glomeruloesclerose estrutural leva a progressiva redução na TFG, com a idade63. Os idosos sofrem frequentemente comorbilidades, que podem ter um efeito aditivo nas alterações da estrutura e função renal, o que pode confundir e amplificar o efeito da idade, por si só, sobre a es- 41 trutura e funcionalidade renal. No entanto, mesmo com DCV, nem todos os idosos apresentam um declínio da função renal63. Patogénese do envelhecimento renal A senescência replicativa e o stress oxidativo são os principais fatores identificados no processo de envelhecimento renal natural. Estes fatores, bem como doenças renais e toxinas, podem levar a alterações no sistema arterial renal, a mais importante das quais é a esclerose arterial renal. Sugere-se que o meio hipóxico/isquémico criado por esta arteriopatia produz as alterações morfológicas renais relacionadas com o envelhecimento de esclerose glomerular, atrofia tubular e fibrose intersticial. A subsequente insuficiência funcional conduz ao retorno do sistema renina-angiotensina-aldosterona para produzir hipertensão, que então cria um ciclo de novos danos arterial e arteriolar e isquemia renal66. Embora o rim envelhecido tenha uma TFG diminuída, difere em vários aspetos do rim dos doentes com DRC, em qualquer idade65. Isto sugere que a idade por si só não causa DRC, uma vez que os indivíduos com DRC, em qualquer idade apresentam mais e mais graves alterações renais comparativamente com o rim simplesmente envelhecido. Alterações nos níveis de eritropoietina As alterações na função renal relacionadas com a idade vieram colocar a hipótese da anemia do idoso estar relacionada com diminuição na produção de EPO. Estudos transversais em indivíduos idosos não anémicos mostraram resultados contraditórios relativamente aos níveis de EPO; alguns estudos referem não haver diferença nos níveis de EPO em comparação com jovens não-anémicos controlos, enquanto outros referem que os níveis de EPO estão aumentados em idosos em comparação com controlos jovens29. No entanto, os níveis de EPO em idosos anémicos são descritos como inapropriadamente baixos para a concentração de Hb. Esta premissa baActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 42 Aspetos hematológicos do envelhecimento seia-se numa comparação dos níveis de EPO séricos de indivíduos idosos com anemia crónica com os de adultos anémicos mais novos e com os de idosos apenas com deficiência em ferro16. A alteração na síntese de EPO pode também estar relacionada com a presença de comorbilidades, como a diabetes e hipertensão, patologias comuns em idosos29. Embora existam resultados contraditórios, uma grande parte das evidências sugerem que a hipertensão e particularmente a diabetes estão associadas com níveis diminuídos de EPO em idosos anémicos67. Num estudo feito em diabéticos anémicos sem doença renal, os níveis de EPO eram significativamente menores quando comparados com os de anémicos não diabéticos, exceto em caso de doenças mieloproliferativas e anemias megaloblásticas68. Os potenciais mecanismos patológicos subjacentes aos níveis reduzidos de EPO em doentes com diabetes e/ou hipertensão incluem a perda de resposta hipóxica, possivelmente devido a alterações funcionais e/ou estruturais no túbulo proximal e no interstício cortical, ao efeito de produtos finais da glicação avançada ou a disfunção anatómica29. Alterações hematopoiéticas associadas ao envelhecimento As HSCs têm capacidade de autorrenovação, originando células do mesmo tipo ou mais diferenciadas e asseguram a homeostasia tecidular ao longo da vida69. O sistema hematopoiético apresenta-se esquematicamente em forma de ramo. As HSCs sofrem proliferação e diferenciação, podendo originar células linfoides ou células mieloides. A série linfoide é composta principalmente por células que compõem o sistema imunitário adquirido, incluindo os linfócitos B e T, enquanto que a série mieloide está relacionada com a imunidade inata, estando envolvida na fagocitose e na resposta inflamatória e, ainda, na resposta hemostática e homeostase celular, uma vez que a HSC mieloide pode diferenciar-se para dar origem a granulócitos, monócitos, plaquetas e eritrócitos30. As HSCs, por terem um papel fundamental na manutenção do sistema hematopoiético ao longo da vida, poderiam estar protegidas dos efeitos que o envelhecimento provoca na diferenciação celular. Todavia, muitos estudos têm sugerido que as HSCs sofrem alterações drásticas na sua função e no seu fenótipo com o envelhecimento, nomeadamente a nível da linha linfoide, diminuindo a sua função imune30. Nos idosos ocorre uma diminuição acentuada da produção de células linfoides e uma maior produção de células mieloides, determinando um ambiente pró-inflamatório69. As alterações no sistema hematopoiético associadas com o envelhecimento são demonstradas pelo aumento da incidência de doenças mieloides proliferativas, como o SMD70, e de cancro, devido a um declínio do sistema imune adaptativo71. Poderia esperar-se que as HSCs fossem uma fonte de juventude, mas Chambers et al30 mostraram que as HSCs envelhecem, com taxas e características semelhantes a qualquer outro tipo de células somáticas. Assim, estimular simplesmente as HSCs existentes não é uma solução para reforçar o sistema hematopoiético. Estes autores pensam que provavelmente o microambiente não é inteiramente responsável pelo envelhecimento das HSCs, uma vez que quando as HSCs envelhecidas são cultivadas em ambiente jovem, a sua resposta inflamatória diminui, mas as outras alterações associadas ao envelhecimento, como a perda de regulação epigenética, não retomam o seu estado juvenil. Conclusão A anemia no idoso está relacionada com alterações fisiológicas mas também é determinada pela exposição a factores de risco e a tóxicos, pela predisposição genética e pelo aparecimento de comorbilidades, frequentes nos idosos. Assim, existe evidência de que a anemia do idoso resulta frequen- Aspetos hematológicos do envelhecimento temente da associação do envelhecimento fisiológico com o envelhecimento determinado pela existência de co-morbilidades. Atualmente não existem dados relativos à prevalência e etiologia da anemia na população idosa portuguesa. Assim, é de extrema importância efetuarem-se estudos neste sentido, para que o diagnóstico da anemia no idoso e a identificação da sua causa se façam mais corretamente, o que permitirá uma intervenção terapêutica atempada e consequente melhoria na qualidade de vida destes doente, com diminuição da morbilidade e mortalidade, contribuindo também para um decréscimo dos custos em saúde no futuro. Referências bibliográficas 1. 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As estratégias terapêuticas actualmente instituídas para o tratamento da doença renal crónica, comorbilidades e complicações associadas implicam frequentemente o uso de um elevado número de medicamentos, condicionando a adesão do doente, e conduzindo ao aumento de hospitalizações, reacções adversas e progressão da doença. Desta forma, a avaliação e a implementação de estratégias são fundamentais. O farmacêutico tem um papel fundamental na promoção da adesão à terapêutica, através de aconselhamento, intervenções comportamentais, entre outras intervenções que demonstraram ser eficazes. O objectivo deste trabalho é a proposta de um modelo de intervenção na adesão à terapêutica na osteodistrofia renal em doentes insuficientes renais crónicos em hemodiálise. O modelo proposto envolve a avaliação da adesão à terapêutica e a promoção através da intervenção de uma equipa multidisciplinar (médico, farmacêutico, enfermeiro, nutricionista, assistente social) e posterior follow-up para avaliação da estratégia implementada. A população seleccionada são doentes renais crónicos em hemodiálise, com sessões e terapêutica para o tratamento da osteodistrofia renal há mais de 6 meses, e com parâmetros analíticos não controlados. Propõem a implementação de um questionário/entrevista para avaliação das variáveis (socio-demográficas, relacionadas com a família, serviços de saúde e com o conhecimento sobre a doença, clínicas). Como metodologia de avaliação da adesão propõem a adaptação da escala simplificada para detecção de problemas de adesão terapêutica. Nos doentes não aderentes e conhecendo os factores envolvidos será delineado um programa de promoção da adesão ao regime terapêutico nos diferentes níveis, com intervenções registadas em formulário. A intervenção pró-activa do farmacêutico na doença renal crónica conduzirá à diminuição do número de hospitalizações e do número de medicamentos instituidos na terapêutica, promovendo a utilização adequada da medicação por parte do doente e a melhoria dos resultados clínicos. Palavras-chave: adesão terapêutica; osteodistrofia renal; intervenção farmacêutica; hemodiálise; doença renal crónica Abstract Medicine adherence is a qualitative indicator in health systems with the aim of providing a safe and effective care; it is particularly relevant in chronic diseases. Therapeutic strategies currently adopted for the treatment of chronic kidney disease, associated co-morbidities and complications often involve the use of a 48 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal large number of drugs which affects the patient’s adherence. In fact, the compliance failures in this pathology lead to increased hospitalizations, adverse reactions and progression of the illness. Therefore, evaluation and implementation of strategies for promoting adherence are essential. Pharmacist has a key role in promoting adherence through counseling, behavioral intervention, among other interventions that have being proven effective. In this article we propose an intervention model in renal osteodystrophy in chronic kidney patients in hemodialysis. It´s a two steps model: evaluation of adherence and intervention of a multidisciplinary team (doctor, pharmacist, nurse, dietitian and social worker) to assess and promote compliance and afterwards follow-up to evaluate the strategy. The target population is chronic kidney disease patients on hemodialysis, with dialysis sessions and on therapy for renal osteodystrophy for more than 6 months and have analytical parameters not controlled. The implementations of a questionnaire/interview allow the assessment of variables (socio-demographic, family-related, with health services and knowledge about the disease, clinical). The methodology to assess adherence proposed is the adaptation of the simplified scale to detect adherence problems. Knowledge of factors allows outlining a program to promoting adherence on non-adherent patients in different levels with interventions recorded in form. The proactive intervention of the pharmacist in chronic kidney patients will lead to a decrease on number of hospitalizations and number of administered drugs, promoting the appropriate use of drugs by the patient and improving clinical outcomes. Keywords: therapeutic compliance; renal osteodystrophy; pharmaceutical intervention, hemodialysis; chronic kidney disease. Introdução A OMS definiu a adesão à terapêutica a longo prazo, como “a extensão em que o comportamento de um indivíduo com a utilização de medicamentos e cuidados de saúde, alimentação e estilos de vida, está de acordo com as recomendações de um profissional de saúde e com as quais concorda”1. A adesão à terapêutica é um indicador de qualidade nos sistemas de saúde que pretendam uma prestação de cuidados segura e eficaz, sendo particularmente relevante nos doentes crónicos. O farmacêutico tem um papel fundamental na promoção da adesão à terapêutica, através de aconselhamento, intervenções comportamentais, entre outras intervenções que demonstraram ser eficazes. A sua integração com os outros profissionais de saúde e a abordagem da adesão de uma forma multifactorial permitiria maximizar os resultados obtidos1. O objectivo deste trabalho é a proposta de um modelo de intervenção na adesão à terapêutica na osteodistrofia renal em doentes insuficientes renais crónicos em hemodiálise. O modelo proposto envolve: a avaliação da adesão à terapêutica e a promoção da mesma através da implementação de um programa de intervenção. Osteodistrofia renal A insuficiência renal crónica conduz a alterações no metabolismo ósseo que progridem com o declínio da função renal. A doença do metabolismo ósseo associada à doença renal crónica tem vários aspectos, podendo apresentar-se somente com alterações laboratoriais, doença óssea estabelecida e calcificações extraesqueléticas. O termo osteodistrofia compreende a descrição histológica das alterações ósseas secundárias às alterações metabólicas. Os doentes são usualmente assintomáticos até aos últimos estádios da doença onde podem ocorrer fracturas, dor (óssea e articular) e deformidades ósseas 2-4. O hiperparatireoidismo secundário é a principal causa da osteodistrofia renal e doença Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal óssea. A homestase do cálcio e do fósforo resulta de um conjunto de relações complexas entre os níveis de cálcio e de fósforo e das diferentes hormonas e factores reguladores: paratormona (PTH), vitamina D, FGF-232-4. Com a progressão do declínio da taxa de filtração glomerular, ocorre diminuição significativa da eliminação renal de fósforo, com consequente hiperfosfatémia e diminuição da produção renal de vitamina D, com consequente hipocalcémia. O padrão laboratorial destas alterações compreende hipocalcémia, hiperfosfatémia (conduzindo aumento do produto cálcio-fósforo) e elevação da PTH (hiperparatireoidismo secundário)2-4. O tratamento é um processo complexo que advoga uma boa comunicação entre todos os profissionais envolvidos e o doente e inclui: dieta pobre em fósforo; captadores de fósforo; Vitamina D e análogos; calcimiméticos e paratiroidectomia2-4. Adesão à terapêutica: Doença Renal Crónica Nas patologias crónicas a adesão à terapêutica adquire particular importância. Usualmente nos doentes crónicos a adesão diminui após os seis primeiros meses de instituição da terapêutica5,6. Na doença renal crónica os doentes necessitam de um regime terapêutico ajustado ao tratamento da doença e das suas comorbilidades. A terapêutica instituida advoga a utilização de várias classes terapêuticas, com tomas distribuidas ao longo do dia, com uso de cerca de 10-12 medicamentos/ doente7-9. No que respeita à adesão na osteodistrofia renal alguns estudos têm sido publicados sobre a adesão ao cinacalcet e captadores de fósforo10,11. Relativamente ao cinacalcet a adesão ao tratamento reportada com base nos registos de dispensa foi de cerca de 56% no primeiro ano, sendo que apenas 29% apresentam uma boa adesão (> 80%)10. Os factores relacionados com a baixa adesão ao tratamento com os captadores de fosforo referidos na literatura são: crenças do doente, o elevado pill burden, preferências do doente relativamente aos fármacos utilizados no tratamento e efeitos secundários entre outros 12-15. 49 É fundamental a utilização de meios de avaliação da adesão à terapêutica por parte dos doentes e a implementação de estratégias de promoção da mesma. Para tal é necessária a implementação de um regime terapêutico que considere a situação individual do doente, a redução dos efeitos secundários, a promoção da motivação do doente através de intervenções educacionais e de aconselhamento acerca da terapia farmacológica implementada15,16. Metodologias de Avaliação da Adesão A monitorização da adesão à terapêutica está descrita desde o tempo de Hipócrates6. Os métodos de análise de adesão podem ser divididos essencialmente em: directos - permitem afirmar com alguma segurança que o doente cumpre regularmente a toma de prescrição através de observação ou de resultados no organismo do doente e indirectos - avaliação através de informação fornecidas pelo doente/profissional de saúde5,6. Linda Fogarty criou outras três categorias: subjectivos (baseados na auto-comunicação do doente ou profissional de saúde); objectivos (contagem comprimidos/registos dispensa/sistemas electrónicos) e fisiológicos (monitorização sérica/ marcadores biológicos)5. Todos os métodos apresentam vantagens e desvantagens na sua implementação, sendo a combinação de métodos descrita como a melhor opção5,6. A entrevista ou o questionário podem ser uma opção na prática clínica na identificação de doentes não aderentes, todavia recomenda-se que o entrevistador a conduza no sentido de não intimidar o doente de forma a obter respostas não condicionadas 5,6.Com base nos registos médicos, registos de dispensa dos serviços farmacêuticos, (com a premissa que o doente adquira os medicamentos apenas por esta via) e se aplicável a monitorização sérica ou de indicadores biológicos, obtém-se informação objectiva de taxas de adesão que permita corroborar as respostas do doente em processos de entrevista/questionário 5,6 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 50 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal Proposta de adaptação da escala simplificada para detecção de problemas de adesão terapêutica na osteodistrofia renal em doentes insuficientes renais crónicos em hemodiálise. A escala simplificada para detecção de problemas de adesão terapêutica foi construída por J. M. Ventura-Cerdá (2006) para detectar problemas de adesão ao tratamento antiretroviral nos doentes com HIV 17. A versão em português da escala simplificada para detecção de problemas de adesão terapêutica, conforme descrito por Ribeiro, C. (2010) realizou-se mediante um processo de tradução e retrotradução, efectuada por especialistas bilingues espanholportuguês de forma independente, utilizada para avaliação da adesão na mesma patologia18. Trata-se de uma escala dicotómica composta por seis itens; cada item com resposta positiva vale um ponto, e resposta negativa vale zero pontos. A pontuação total é obtida pela soma de todos os itens (valor mínimo possível um e máximo seis). As questões 1 e 2 têm que ser necessariamente positivas para considerar um doente como isento de problemas relacionados com adesão. Se qualquer uma das duas for negativa, o grau de adesão é independentemente do resto das pontuações. Considera-se que um doente não tem problemas de adesão se tiver obtido a classificação de 5 ou 6 pontos 17,18. Na Tabela 1 efectua-se a descrição da proposta de adaptação às questões da escala simplificada para detecção de problemas de adesão à terapêutica na osteodistrofia renal em doentes insuficientes renais crónicos em programa de hemodiálise em ambulatório. Tabela 1: Descrição da proposta de adaptação da escala simplificada para detecção de problemas de adesão à terapêutica na osteodistrofia renal em doentes insuficientes renais crónicos em programa de hemodiálise em ambulatório. 1. O doente levanta medicação na data Propõe-se a adaptação à realidade da dispensa em regime de farmácia ambulatório fechada, prevista ou de maneira justificada (15 considerando que o doente levanta medicação na data prevista se apresentar uma percentadias antes ou depois desta data) * gem de adesão da farmácia superior ou igual a 80%. Propõe-se a quantificação deste parâmetro através do cálculo do Índice de Adesão à Terapêutica = (número de dias de terapêutica dispensada no conjunto de dispensas com cobertura de pelo menos 90 dias) / (número de dias decorridos entre a 1ª e a última dispensa seleccionadas).a 2. O doente tem conhecimento da po- Percepção do entrevistador a partir de perguntas abertas acerca do conhecimento do doente. sologia da medicação * Positiva se o doente sabe o horário e a posologia dos medicamentos a tomar para a patologia em análise. 3. O doente conhece o nome comer- Positiva se o doente sabe o nome comercial ou a substância activa dos medicamentos que cial ou genérico dos medicamentos que toma para a patologia em análise. toma 4. O doente toma adequadamente a Resposta positiva, se o doente cumpre as recomendações de administração dos seus medicamedicação segundo a prescrição mé- mentos (difere da questão 2 - ter conhecimento das recomendações não significa que estas dica (horários, alimentos, interacções sejam postas em prática). com álcool ou outras substâncias, ...) 5. Evolução clínica adequada e avalia- Adaptação desta questão à patologia em análise: considera-se a resposta positiva se há uma ção subjectiva satisfatória resposta adequada ao tratamento: parâmetros analíticos fósforo, cálcio, iPTH, produto PxC dentro dos limites de referência para o estadio. 6. A medicação que o doente tem no Adaptação desta questão aos intervalos adequados: Positiva se a medicação que o doente tem domicílio não é superior à quantidade no domicílio não excede os 30 dias de tratamento, ou o correspondente à embalagem dispennecessária para 30 dias de tratamen- sada de acordo com a posologia prescrita. to ou o correspondente à embalagem dispensada de acordo com a posologia prescrita. NOTA: * As questões 1 e 2 devem ser necessariamente ambas positivas para considerar um doente como isento de problemas relacionados com a adesão. Se qualquer uma das duas for negativa, o grau de adesão é 1 independentemente do resto das pontuações. a Cálculo do Índice Adesão Terapêutica proposto adaptado de: ELIAS; F.P el Al Identificação e caracterização do doente com VIH/SIDA relativamente ao seu comportamento de adesão à terapêutica anti-retroviral no Hospital Professor Doutor Fernando Pessoa, EPE. 13º Congresso Nacional da APEF, 18,21.11.2009 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal Factores Condicionantes da adesão à terapêutica| Estratégias de Intervenção A OMS agrupa os diferentes factores que poderão influenciar a adesão ao regime terapêutico em cinco grupos, enfatizando o facto de que estes exercerão uma influência variável19. 51 Para promover o seguimento do regime terapêutico, todas as barreiras à adesão têm que ser consideradas (Tabela 2). É fundamental uma visão alargada, que tenha em consideração os factores sob o controlo do doente e as interacções entre o doente e os profissionais de saúde6 (Tabela 3). Tabela 2: Factores condicionantes da adesão à terapêutica pelo doente Factores Sociais, económicos e culturais -nível de escolaridade e analfabetismo19, 20, 21 - situação profissional19 - apoios e problemas sociais19 - alcoolismo e toxicodependência3 - preço dos medicamentos19 - distância ao local de tratamento19 - raça, crenças culturais, desigualdades sociais19 - idade, sexo, estado civil19 Relacionados com os serviços e profissionais de saúde - falha na explicação dos benefícios e dos efeitos secundários dos medicamentos 6 - falha na relação com os doentes 6 - acesso aos medicamentos 19 - grau de esclarecimento dos doentes face aos cuidados de tratamento 19 - recursos humanos disponíveis nos serviços 19 - horários e duração das consultas 19 - rotatividade de profissionais no atendimento ao doente 3 - gestão da adesão ao tratamento 19 Relacionados com a doença de base e co-morbilidade Relacionados com o tratamento - incapacidade física, psi- -complexidade e duracológica, social e profisção do regime terapêusional 19 tico 19,20 - gravidade dos sintomas -alterações frequentes 19 na terapêutica 19,20 - grau de risco que a pes- - ausência imediata de soa atribui à doença 19 melhoria dos sinto- impacto que a doença mas19 representa na vida do -efeitos secundários da doente 19 medicação - doença aguda/crónia 19 -custo elevado 20,21 - doença sintomática / as- -características organosintomática 19 lépticas dos medica- doenças concomitantes, mentos 21 como a depressão ou consumo de substâncias ilícitas 19 Discussão | Conclusão A não-adesão à terapêutica é um problema subjacente às diferentes áreas da medicina. Nas patologias crónicas a adesão à terapêutica adquire particular importância: estima-se que, nos países desenvolvidos, apenas 50% dos doentes crónicos cumprem o tratamento acordado com o profissional de saúde, condicionando a economia, o bem-estar e a qualidade de vida5,6,19. As estratégias terapêuticas actualmente instituídas para o tratamento da doença renal crónica, comorbilidades e complicações associadas implicam frequentemente o uso de um elevado Relacionados com o doente -conhecimento, atitudes, crenças relativas à doença19 - questões de saúde mental19 -expectativas da própria doença19 -falta de capacidade de motivação, de auto-eficácia para gerir o regime terapêutico19 -intolerância aos medicamentos 21 -erros sistemáticos com a medicação 22 -pouca informação em relação ao medicamento 6 número de medicamentos o que condiciona a adesão à terapêutica por parte do doente. Desta forma, a avaliação e a implementação de estratégias de adesão à terapêutica são fundamentais. A falha na adesão nesta patologia conduz ao aumento de hospitalizações, reacções adversas, e progressão da doença7. A terapêutica implementada na doença mineral óssea compreende não só a sessão de hemodiálise, mas também o tratamento farmacológico e regime dietético. Desta forma a intervenção na adesão terá como premissa a intervenção de uma equipa multidisciplinar (médico, farmacêutico, enfermeiro, nutricionista, assistente social) para avaliação da Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 52 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal Tabela 3: Estratégias de promoção da adesão à terapêutica: plano de implementação pelos profissionais de saúde. ESTRATÉGIAS PARA PROMOÇÃO DA ADESÃO À TERAPÊUTICA 1. Identificar a falta de adesão PLANO DE IMPLEMENTAÇÃO a. Análise da adesão à terapêutica 6 6 b. Obter informação acerca das barreiras de não adesão 6 2. Realçar o valor do regime terapêutico, os objectivos terapêuticos a. Prestar informação sobre a doença e suas causas, justificar a e a importância da adesão necessidade do tratamento e os resultados esperados 6,23 24 3. Captar os sentimentos/crenças do doente em relação à sua capa- a. Verificar o que preocupa o doente e as suas expectativas 24 cidade para seguir o regime terapêutico e desenvolver programas para aumentar a adesão 6 4. Fornecer informações simples e claras em relação aos medica- a. Fornecer ao doente informação oral, escrita, audiovisual, informentos, nomeadamente em termos de efeitos secundários e bene- matizada (panfletos, filmes) fícios dos medicamentos 19 6,19 5. Encorajar o uso de sistemas de dispensa de medicamentos para a. Promover o uso de dispositivos tipo pillbox para organizar as prevenir o esquecimento da toma dos medicamentos 6 doses diárias ou semanais 6 b. Usar embalagens especiais, por exemplo, com o dia da semana inscrito 10 c. Usar alertas para lembrar a toma dos medicamentos ou as consultas médicas 6,19 d. Entregar um cartão com a lista dos medicamentos a tomar, doses, indicações e hora da toma 24 6. Ouvir o doente e adaptar o regime de acordo com os desejos do a. Análise do regime terapêutico e simplificação do mesmo sempre doente e o horário diário do mesmo 6,19 que possível (formas farmacêuticas de libertação prolongada, sistemas transdérmicos, substâncias activas com tempo de semi-vida longo) 25 b. Adaptar a terapêutica ao estilo de vida do doente 26 7. Obter a ajuda dos familiares, amigos e se necessário, dos servi- a. Utilizar o método de toma de medicamentos assistida por profisços da comunidade 6 sionais de saúde qualificados 6 b. Envolvimento do prestador de cuidados 6 8. Reforçar o comportamento desejável e os resultados quando for a. Ajustar a frequência das consultas médicas apropriado e recompensar o doente6,19 9. Envolver os doentes no seu tratamento 19 b. Facilitar a aquisição de equipamentos de auto-monitorização 19 19 a. Promover a auto-monitorização da doença por parte do doente19 b. Manter o doente informado em relação aos progressos da doença adesão, promoção da mesma e conseguinte followup para avaliação da estratégia implementada. No cumprimento do objectivo propõe-se o modelo que tem como população alvo doentes insuficientes renais crónicos em hemodiálise, com sessões de hemodialise há mais de 6 meses e com terapêutica para o tratamento da osteodistrofia renal (vitamina D e análogos, captadores de fósforo, calcimiméticos) instituída há mais de 6 meses e com parâmetros analíticos não controlados (Figura 19 1). De forma a obtermos dados que permitam a avaliação da adesão, é essencial que o doente possua registos de dispensa, pelos serviços farmacêuticos, com histórico de pelo menos 90 dias. É essencial o conhecimento dos factores que influenciam a adesão, e a associação entre variáveis internas e externas ao doente, assim como as variáveis relacionais19. Neste sentido, propõem-se a implementação de um questionário/entrevista (Figura 2) com questões que abordam variáveis socio-demográficas, variáveis Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal relacionadas com a família, com os serviços de saúde e com o conhecimento sobre a doença. É também constituído por um grupo de questões relacionadas com variáveis clínicas de preenchimento pelo profissional de saúde. O conhecimento das variáveis permite delinear um programa de intervenção que promova a adesão ao regime terapêutico nos diferentes níveis19. Na osteodistrofia renal não existem desenvolvidos modelos adaptados à patologia, como acontece noutras áreas. Desta forma, no âmbito do objectivo do trabalho, elaboramos uma proposta de formulário para registo de intervenções na adesão à terapêutica (Figura 3). Não existindo um modelo ideal, as intervenções devem ser adaptadas, mediante as circunstâncias, ao doente com as suas características individuais e considerando igualmente as características do profissional de saúde 19. 53 No âmbito da doença renal crónica diversos estudos referem o papel que o farmacêutico pode desempenhar nestes doentes através do aconselhamento aos mesmos, reconciliação da terapêutica e na redução de problemas relacionados com medicamentos27. A intervenção pró-activa do farmacêutico conduz à diminuição do número de hospitalizações e do número de medicamentos instituidos na terapêutica, promovendo a utilização adequada da medicação por parte do doente e a melhoria dos resultados clínicos27. Como perspectivas futuras advoga-se a aplicação do questionário e do modelo de intervenção a uma população real, de forma a efectuar a validação do modelo proposto e avaliar os beneficios da intervenção do farmacêutico na adesão à terapêutica nesta população. Figura 1: Proposta de modelo de intervenção na adesão à terapêutica na osteodistrofia renal em doentes insuficientes renais crónicos em programa de hemodiálise em ambulatório Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal 54 Figura 2: Proposta para questionário para análise de variáveis 55 Figura 2: Proposta para questionário para análise de variáveis (continuação) Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal 56 Figura 2: Proposta para questionário para análise de variáveis (continuação) 57 Figura 3: Proposta de formulário para registo de intervenções na adesão à terapêutica Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal 58 Figura 3: Proposta de formulário para registo de intervenções na adesão à terapêutica (continuação) Adesão à terapêutica: Osteodistrofia Renal Referências bibliográficas 1. 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Lista de Abreviaturas FGF – Fibroblast Growth Factor PTH – Paratormona iPTH – Paratormona intacta HIV/VIH – Vírus da Imunodeficiência Humana SIDA – Sindrome de Imunodeficiência Adquirida produto PxC – Produto fósforo-cálcio Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade Pereira, Vânia L. *; Fernandes, José O. **, Cunha, Sara C. *** REQUIMTE, Laboratório de Bromatologia e Hidrologia, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Rua Jorge Viterbo Ferreira 228, 4050-313 Porto, Portugal * Farmacêutica, Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, Bolseira de Investigação, REQUIMTE, Laboratório de Bromatologia e Hidrologia, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto ** Professor Auxiliar, Responsável pelo Laboratório de Bromatologia e Hidrologia, REQUIMTE, Laboratório de Bromatologia e Hidrologia, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto *** Investigadora Auxiliar, REQUIMTE, Laboratório de Bromatologia e Hidrologia, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto Resumo A contaminação de alimentos e de rações representa um dos principais problemas de segurança alimentar devido às suas implicações na saúde humana. De entre os diferentes contaminantes de origem natural que podem aparecer nos alimentos, o grupo das micotoxinas tem vindo a ganhar especial relevância nos últimos anos devido aos efeitos nefastos que a sua presença pode provocar. As micotoxinas correspondem a importantes metabolitos secundários produzidos por vários fungos, pertencentes maioritariamente aos géneros Fusarium, Aspergillus e Penicillium, que podem ocorrer numa vasta gama de produtos alimentares com elevada importância, particularmente em cereais e derivados, especiarias, frutos secos, vinho, café, etc. Actualmente, estão já identificadas algumas centenas de micotoxinas, sendo as mais importantes, devido à sua elevada ocorrência e toxicidade, as Aflatoxinas, os Tricotecenos, as Ocratoxinas, a Zearalenona e seus metabolitos e as Fumonisinas. Estas toxinas são responsáveis por uma grande variedade de efeitos tóxicos agudos e crónicos, como carcinogenicidade, neurotoxicidade, toxicidade reprodutiva e atrasos no desenvolvimento. A sua presença nas culturas apresenta, ademais, um forte impacto económico a nível mundial, dada a elevada percentagem de colheitas perdidas. São vários os trabalhos realizados que revelam uma significativa contaminação de várias matrizes alimentares com micotoxinas, por vezes excedendo os limites estabelecidos pela legislação comunitária. Tratase de um pro-blema de saúde pública que exige uma monitorização eficaz da sua presença e a adoção de medidas que impeçam a entrada desses alimentos no circuito comercial. Palavras chave: micotoxinas, contaminação alimentar, saúde pública, tricotecenos, aflatoxinas. Abstract Food and feed contamination represents a major food safety problem due to its implications on human health. Among the various natural contaminants frequently found in food, mycotoxins have gained particular importance in recent years because of their adverse effects. Mycotoxins are secondary metabolites produced by different molds, mainly from Fusarium, Aspergillus and Penicillium genera, which can occur in a wide range of important food commodities, particularly in cereals and derived products, spices, nuts, wine, coffee, 62 Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade etc. Nowadays, hundreds of mycotoxins have been identified, but the most important ones are Aflatoxins, Trichothecenes, Ochratoxins, Zearalenone and its metabolites and Fumonisins, due to their high occurrence and toxicity. These toxins are responsible for a broad range of acute and chronic toxic effects, including carcinogenicity, neurotoxicity as well as reproductive and developmental toxicity. Their presence in crops has, moreover, a strong economic impact worldwide, owing the high percentage of crops lost. Several works revealed a significant contamination degree in a wide variety of matrices, sometimes exceeding the legal established limits. This represents an important public health problem that requires effective monitoring of their presence and the adoption of measures to prevent the entry of these foods in the supply chain. Keywords: mycotoxins, food contamination, public health, Trichothecenes, Aflatoxins. Introdução As Micotoxinas são compostos tóxicos resultantes do metabolismo secundário dos fungos, sendo capazes de lhes conferir uma vantagem competitiva sobre outros fungos e bactérias presentes no ambiente. Regra geral, apresentam actividade citotóxica provocando a ruptura de membranas celulares ou interferindo em processos vitais como a síntese proteica e de ácidos nucleicos, e apresentam grande estabilidade térmica, não sendo destruídas pelo calor mesmo a temperaturas elevadas. Os principais fungos produtores de micotoxinas são os pertencentes aos géneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium, os quais, no seu conjunto são responsáveis pela produção de centenas de micotoxinas diferentes, variáveis no que respeita à sua prevalência e grau de toxicidade. As mais importantes, quanto à sua presença e perigosidade em alimentos, são as Aflatoxinas (AFs), as Fumonisinas (FMs), os Tricotecenos (TRC), a Zearalenona (ZEN) e respectivos metabolitos e as Ocratoxinas (OTs). Existem ainda outras micotoxinas relevantes, tais como os alcalóides da cravagem do centeio (Claviceps purpurea), as Eniatinas (ENs), a Patulina (PAT), a Citrinina (CIT), a Moniliformina (MON), a Fusaproliferina (FUS), a Beauvericina (BEA), o ácido ciclo- piazónico, a roquefortina C, o ácido micofenólico, a griseofulvina, etc1. Todas estas micotoxinas podem ocorrer numa grande variedade de produtos agrícolas, alguns com elevada importância económica como o milho, o trigo e outros cereais, em especiarias, plantas medicinais, frutos secos, café, vinho, etc. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (Food and Agriculture Organization - FAO), estima-se que cerca de 25% das colheitas mundiais de cereais está contaminada com alguma micotoxina. Este valor assume especial relevância económica nos países em que a produção agrícola representa uma percentagem considerável das suas exportações, sendo estimadas perdas globais de cerca de 1000 milhões de toneladas de alimentos por ano2. A contaminação de alimentos e produtos agrícolas por fungos capazes de produzir estas toxinas pode ocorrer no campo, antes e/ou após a colheita, e durante o transporte e armazenamento do produto, dependendo de vários factores, entre eles as condições edafo-climáticas, tais como a temperatura e a humidade. Além disso, pode ocorrer contaminação dos animais através da ração o que pode trazer graves consequências, uma vez que algumas micotoxinas passam para o leite, ovos Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade e carne, colocando diretamente em risco os consumidores. A principal via de exposição do homem e dos animais às micotoxinas é através da ingestão de alimentos contaminados. Uma vez ingeridas, estas toxinas naturais podem causar episódios de doença aguda, sub-aguda ou crónica, sendo estes últimos de difícil determinação visto geralmente exigirem a ingestão moderada por longos períodos de tempo. O grau de toxicidade varia em função das características da micotoxina, podendo mesmo ocorrer alterações durante a sua metabolização no organismo, umas vezes com perda de toxicidade, outras vezes levando à formação de metabolitos ainda mais tóxicos. Por outro lado, a suscetiblidade dos humanos e animais aos seus efeitos está dependente de vários factores, tais como a espécie, a idade, o estado de nutrição, a dose, a duração e via de exposição1,3. A avaliação dos seus efeitos adversos na saúde é uma tarefa complexa, sendo muitas vezes dificultada pela co-ocorrência de várias micotoxinas e pelo facto de uma multi-exposição poder levar a efeitos aditivos, sinérgicos ou antagónicos entre si 4. É possível encontrar ao longo da história diversas referências a intoxicações provocadas pela presença de micotoxinas nos alimentos. Uma das primeiras ocorrências diz respeito ao ergotismo, doença causada pela ingestão de cereais e derivados (pão) contaminados com alcalóides da cravagem do centeio, micotoxinas produzidas por fungos do género Claviceps e que tomou proporções epidémicas em grande parte da Europa durante a Idade Média5,6. Outra referência histórica de micotoxicose, responsável pela morte de cerca de 100000 pessoas na antiga União Soviética durante a 2ª Guerra Mundial, corresponde à “Aleucia Tóxica Alimentar”, que se caracteriza pelo aparecimento de leucopenia, agranulocitose, erupção cutânea (vermelhidão), septicémia, depressão da medula óssea e febre, que parece ter sido causada por uma micotoxina do grupo dos TRC, a toxina T-2, devido à ingestão de pão produzido a partir culturas de trigo infetadas com 63 Fusarium 6,7. A descoberta das AFs, por seu lado, esteve associada a um episódio ocorrido em 1960, de morte de centenas de milhares de perús numa quinta inglesa, que veio posteriormente a descobrir-se estarem a ser alimentados com grãos infetados por Aspergilus flavus 6. As micotoxinas devido à sua toxicidade podem ser usadas em casos de bioterrorismo. Durante a Guerra Fria, é importante referir a possibilidade dos TRC terem sido usados como armas biológicas pela União Soviética, Afeganistão e por países do Sudeste Asiático. Grande parte dos ataques aéreos envolveram a dispersão de um líquido amarelo, designado “chuva amarela”, que se pensa corresponder a uma mistura contendo níveis elevados de TRC. Apesar de existir alguma controvérsia a este respeito, a verdade é que os sintomas descritos coincidem com os efeitos tóxicos característicos dos TRC e, além disso, foram encontrados teores elevados destas toxinas na superfície de plantas, em fragmentos de plásticos e em rochas nas áreas atacadas, o que não se verificou nas amostras controlo provenientes de zonas onde não ocorreram ataques. Portanto, as evidências parecem suportar a hipótese de que os TRC foram usados como armas biológicas8. Actualmente, o panorama existente relativo à contaminação de alimentos, nomeadamente cereais e derivados, por micotoxinas é justificativo de fundadas preocupações por todos os responsáveis pela segurança alimentar. Na Europa, a ocorrência de micotoxinas em produtos alimentares, assim como de outros contaminantes que representam risco para a saúde pública (resíduos de pesticidas, metais pesados, poluentes orgânicos, microrganismos patogénicos, etc.) é alvo de uma monitorização alargada a todos os países, cujos resultados podem ser consultados semanalmente no site do Sistema de Alerta Rápido para Alimentos e Alimentos para Animais (Rapid Alert System for Food and Feed - RASFF) da União Europeia. De 2002 a 2008 o número de notificações RASFF relacionadas com micotoxinas aumentou consideravelmente (302-933), representando durante este período, a categoria de perigo com Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 64 Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade o maior número de notificações. Entre 2009 e 2011 dócrinas e anemia10. Estes compostos são citotóxi- o número de notificações de micotoxinas sofreu cos e potentes inibidores da síntese proteica, DNA e um ligeiro decréscimo (669-635), mas continua a RNA12. corresponder à categoria de “perigo alimentar” As Aflatoxinas constituem um grupo de micoto- com um maior número de notificações. Duran- xinas produzidas pelas espécies Aspergillus flavus, te todos esses anos, as AFs têm sido as micoto- Aspergillus parasiticuse Aspergillus nomius13. Até xinas mais relatadas, seguidas pela Ocratoxina A ao momento, foram identificados mais de 20 tipos (OTA) . diferentes, sendo as Aflatoxinas B1 (AFB1), B2, G1 9 A crescente preocupação dos países quanto à e G2 as mais frequentes em alimentos. As Aflatoxi- presença de micotoxinas nos alimentos tem levado nas M1 (AFM1) e M2 são os principais metabolitos à elaboração de legislações cada vez mais rígidas no da AFB1 e AFB2, respetivamente, encontrando-se que concerne aos níveis máximos de micotoxinas muitas vezes no leite de vacas que tenham comido permitidos. ração contaminada. As AFs encontram-se principalmente em frutos secos, como amendoins, nozes, e amêndoas, no milho e outros cereais, em especia- Diferentes tipos de micotoxinas: ocorrência e toxicidade rias, ovos, leite e derivados10. A AFB1 é a micotoxina com maior carcinogenicidade conhecida, classificada pela Agência Internacional de Investigação Entre o elevado número de micotoxinas conhe- sobre o Cancro (International Agency for Research cidas, cerca de duas centenas pertencem à família on Cancer - IARC) no Grupo 1 de carcinogénicos dos Tricotecenos. Estes são maioritariamente pro- (carcinogénico para humanos)14. Tem sido extensa- duzidos por fungos do género Fusarium e ocor- mente associada à ocorrência de carcinoma hepato- rem nas mais variadas matrizes, principalmente celular em humanos e existe evidência de que atua em cereais e seus derivados . Tal como a maioria sinergicamente com o vírus da hepatite B15. 10 das micotoxinas, os TRC são altamente estáveis ao O grupo das Ocratoxinas inclui a Ocratoxina A aquecimento, não sendo eliminados durante o pro- (OTA), B (OTB), C (OTC) e os seus respetivos metil cessamento dos alimentos; além disso, são estáveis e etil ésteres, que ocorrem em vários produtos agrí- a pH neutro e ácido pelo que, consequentemente, colas, como cereais, cacau, café, especiarias e frutos não são degradados no estômago após ingestão11. secos. A mais estudada é a OTA, devido à sua pre- Esta família de toxinas está dividida em 4 grupos (A, valência e toxicidade, sendo classificada pelo IARC B, C e D), de acordo com as suas semelhanças es- como possível carcinogénico para os humanos (gru- truturais, sendo os mais relevantes os pertencentes po 2B)16. As OTs são primariamente toxinas renais, ao grupo A (que geralmente apresentam maior toxi- sendo o mais provável agente causal no desenvol- cidade), tais como as toxinas T-2 e HT-2 e o Diace- vimento de nefropatias e tumores uroteliais em hu- toxiscirpenol (DAS), e as do tipo B, como o Deoxi- manos.12 Foram também descritas como citotóxicas, nivalenol (DON) e o Nivalenol (NIV)10. A exposição teratogenicas, imunossupressoras e hepatotóxicas aguda a elevadas doses de TRC pode causar uma em ensaios de laboratório e animais domésticos16. série de efeitos tóxicos, tais como vómitos, diar- As Fumonisinas são toxinas produzidas pelo reia e hemorragias, enquanto que uma exposição género Fusarium, frequentemente encontradas em crónica a pequenas quantidades pode resultar em frutos secos, especiarias, cereais e derivados10. Fo- imunossupressão (aumentando a susceptibilidade a ram já isoladas mais de 28 diferentes tipos, divididas doenças infecciosas), anorexia, alterações neuroen- nos grupos A, B, C e P11. A Fumonisina B1 (FB1) é Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade a mais abundante e a mais tóxica, classificada pelo IARC como possível carcinogénio (classe 2B) . 15 65 A contaminação de alimentos pela Citrinina (CIT) é pouco comum, quando comparada com as Estas micotoxinas apresentam uma estrutura restantes micotoxinas. Esta micotoxina possui uma muito semelhante à esfinganina, o que sugere que potente ação antibacteriana, não tendo, porém, che- o seu mecanismo de toxicidade esteja relacionado gado a ser usada como fármaco devido à sua toxici- com a interrupção do metabolismo dos esfingolí- dade, estando associada a doença renal em muitos pidos . Estão implicadas no aparecimento de Leu- animais. É classificada pelo IARC no Grupo 3, por coencefalomalácia em cavalos e no síndrome de falta de evidência da sua carcinogenicidade em hu- edema pulmonar em porcos . Nos humanos, pa- manos e animais21. 11 15 recem estar associadas ao aparecimento de cancro Além das acima referidas,existe ainda um gru- esofágico e hepático, além dos seus efeitos terato- po de micotoxinas designadas como emergentes, génicos, responsáveis por defeitos de tubo neural que foram descritas somente nas últimas décadas e (espinha bífida), devido à interferência na utilização que inclui a Moniliformina (MON), a Beauvericina do ácido fólico . (BEA), as Eniatinas (ENs) e a Fusaproliferina (FUS). 17,18 A Zearalenona e os seus metabolitos perten- A MON foi descrita pela primeira vez em 1973 e re- cem ao grupo das micotoxinas estrogénicas não presenta um importante contaminante de cereais, esteróides, extensamente distribuídas em produtos sendo encontrados níveis mais elevados no milho22. agrícolas. A sua toxicidade está maioritariamente De todas as micotoxinas emergentes esta é a que associada à sua actividade estrogénica, pois atuam apresenta maior toxicidade aguda, responsável por como agonistas que se ligam competitivamente aos sintomas como fraqueza muscular, dificuldades res- recetores de estrogénio, induzindo efeitos estrogé- piratórias e degeneração e necrose do miocárdio 23. nicos e anabólicos, como diminuição da fertilidade, Tem sido também associada ao desenvolvimento vulvovaginites, feminização dos machos, entre ou- da Doença de Keshan, uma insuficiência do mio- tros . Estão também associadas a efeitos hematotó- cárdio reportada em algumas áreas da China e Áfri- xicos e genotóxicos . ca do Sul, assim como à Doença de Kashin-Beck, 12 11 A Patulina é um contaminante comum de fru- uma osteoartropatia deformativa crónica endé- tas e sumos de frutas, como maçã, pêra e marmelo, mica na China10,22,24. Os mecanismos moleculares ocorrendo também em cereais e vegetais (toma- responsáveis por esta toxicidade incluem a ini- tes)6. Os seus teores são muito reduzidos nos pro- bição da oxidação do piruvato e α-cetoglutarato a ní- cessos de fermentação durante a produção de vinho vel mitocondrial, resultando em efeitos citotóxicos e de cidra, sendo também destruída na presença de para os linfócitos, esqueletomiócitos e cardio- sulfitos e de ácido ascórbico, frequentemente usa- miócitos22. dos como conservantes10. Os sintomas agudos re- A BEA e as ENs são micotoxinas estruturalmente sultantes do consumo de produtos contaminados muito semelhantes, apresentando propriedades io- com esta toxina incluem agitação, convulsões, ede- nofóricas, uma vez que atuam como transportado- ma, vómitos e ulceração intestinal, enquanto que res de iões através das membranas, levando a alte- para uma exposição crónica, existem evidências em rações das concentrações fisiológicas dos mesmos25. animais da sua genotoxicidade, imunotoxicidade e Possuem uma ação citotóxica que pode levar à frag- neurotoxicidade19,20. Em humanos, os seus efeitos mentação do DNA e à apoptose, devido ao aumento deletérios não são ainda claros, daí ser classificada intracelular da concentração de cálcio, e são inibido- pelo IARC no Grupo 3 (não considerada carcinogé- res específicos da acil-CoA:Colesterolaciltransferase nica para humanos) . (ACAT)22,26. 6 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 66 Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade A FUS é outra micotoxina emergente, acerca da qual ainda se sabe muito pouco. Apenas resultados de estudos in vitro em plantas, insetos e culturas celulares permitem tirar algumas conclusões acerca da sua possível toxicidade, tendo evidenciado as suas propriedades fitotóxicas27, toxicidade para Artemis salina e células de mamíferos (linfócitos B)28 e ação teratogénica em embriões de galinha29. Porém, existe ainda um número insuficiente de dados de toxicidade, particularmente dos seus efeitos crónicos para avaliar o impacto na saúde humana. Recentemente tem sido dada cada vez mais importância à presença de micotoxinas que se encontram naturalmente conjugadas com outras moléculas como a glicose, glutationa e ácido glucurónico, também designadas por micotoxinas “mascaradas”. As micotoxinas conjugadas podem apresentar considerável toxicidade, em alguns casos superior à da micotoxina precursora, embora grande parte das mesmas se encontre ainda por identificar. Refira-se como exemplos de conjugados glucosídicos o Desoxinivalenol-3-glucosídeo (DON-3-G), a Zearalenona-4-glucosídeo (ZEN-4-G) e o Fusarenon-X-glucosídeo (FUS-X-G), os quais, apesar de apresentarem menor toxicidade, após ingestão sofrem hidrólise no tracto gastrointestinal, libertando a toxina precursora. As formas “mascaradas” podem contribuir significativamente para o teor total de micotoxinas nos alimentos, sendo necessário começar a dar-lhes a devida atenção, nomeadamente através do desenvolvimento de metodologias analíticas que permitam a quantificação da totalidade de micotoxina presente (livre + conjugada)30. sendo os cereais uma importante fonte de alimento para humanos e animais, a contaminação destes e outros produtos com micotoxinas torna-se um sério problema, que necessita de ser alvo de ações abrangentes de monitorização e controlo e, adicionalmente, de legislação que estabeleça limites máximos permitidos. A nível mundial, o Comité Conjunto de Peritos em Aditivos Alimentares (Joint Expert Committee on Food Additives- JECFA) das Nações Unidas (World Health Organisation - WHO) e a FAO são os organismos responsáveis pela avaliação dos riscos associados à contaminação dos alimentos com micotoxinas, enquanto que na União Europeia a entidade responsável é a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (European Food Safety AuthorityEFSA), que emite pareceres à Comissão Europeia. A nível europeu, estão legalmente fixados limites máximos para as AFs, OTA, PAT, DON, ZEN e FMs em vários géneros alimentícios. Para a DON, ZEN e FMs os limites estabelecidos são quase exclusivamente para cereais, enquanto que para as AFs estão regulados também os níveis em frutos secos (amendoins, amêndoas, pistachos, avelãs, entre outros), leite e especiarias e para a OTA também em café e em vinhos. No que diz respeito à PAT, estão fixados limites máximos em derivados de maçã, como sumos e produtos sólidos (compota e puré para lactentes e crianças)31.Também os produtos destinados a alimentação animal possuem níveis máximos estabelecidos para a DON, ZEN, OTA, AFB1 e FMs32,33. Como se pode verificar, grande parte das micotoxinas não possuem ainda limites máximos estabelecidos e, atendendo ao facto destas constituírem um importante problema de saúde pública, são necessários mais estudos de forma a avaliar a sua toxicidade a fim de estabelecer limites de contaminação, de modo a garantir a segurança dos consumidores. Legislação Como referido anteriormente, as micotoxinas surgem nas mais variadas matrizes, mas com particular incidência em cereais e seus derivados, como farinhas, pão, cereais de pequeno-almoço, etc. Ora, Ocorrência em Portugal São vários os autores que têm avaliado a presença das micotoxinas em alimentos à venda no Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade 67 nosso país, na sua maioria cereais e derivados como verificaram a existência de um número considerável se pode observar na Tabela 1. Paíga et al. (2012) , de amostras positivas, o que demonstra o real pro- Bento et al. (2009) e Juan et al. (2008) avaliaram blema que estas micotoxinas representam e acerca a presença da OTA em vários tipos de pão, tendo en- das quais se sabe tão pouco. Por último, tendo em contrado um elevado número de amostras contami- conta os trabalhos realizados em rações de animais, nadas, embora todas elas abaixo do limite estabele- o número de amostras contaminadas é significativo, cido. Já no estudo realizado por Lino et al. (2007) , algumas delas com teores que ultrapassam os níveis relativo à determinação de FMs em broa, o teor má- máximos autorizados. Isto pode colocar em risco a ximo encontrado foi de 550 µg/kg (FB1+FB2), o que saúde dos consumidores, uma vez que as micoto- excede bastante o limite estabelecido pela legislação xinas ingeridas através de rações contaminadas são (200 µg/kg). Do mesmo modo, Silva et al. (2007)38 posteriormente encontradas em vários produtos de ao avaliar o teor de FMs em milho e derivados en- origem animal, como ovos e leite e seus derivados contraram amostras de farinha de milho e de milho (queijo, iogurtes, etc). 34 35 36 37 doce cuja contaminação ultrapassava os teores máximos da legislação. Cunha e Fernandes (2010)39 avaliaram a presença da ZEN e vários TRC em cereais Conclusão de pequeno-almoço e farinhas, tendo encontrado teores de ZEN superiores ao fixado pela legislação A exposição humana a micotoxinas resultante nos cereais de pequeno-almoço. A AFM1 foi deteta- da ingestão de alimentos contaminados pode ser da em leite no trabalho desenvolvido por Duarte et considerada uma questão de saúde pública, tendo al. (2013) em níveis que excedem o limite máxi- em conta a grande quantidade de produtos agríco- mo permitido, assim como em farinhas e fórmulas las que entram na cadeia alimentar animal e humana lácteas (Alvito et al., 2010)41. Também vários outros com níveis excessivos destes contaminantes. O ní- produtos para crianças à base de maçã apresentaram vel actual dos conhecimentos científicos e técnicos, contaminações com PAT, embora dentro dos limites assim como os melhoramentos introduzidos nas estabelecidos pela legislação (Cunha et al., 2009) . técnicas de produção e armazenamento, têm con- A contaminação de alimentos destinados a bebés e tribuído para uma redução das contaminações, não crianças é bastante preocupante, já que as estas re- permitindo, porém, eliminar totalmente a presença presentam uma população mais vulnerável, devido de micotoxinas nos alimentos. Uma vez que não é em parte à sua fisiologia e à sua dieta bastante restri- possível evitar o seu aparecimento ou eliminá-las ta, sendo que qualquer contaminante representa um completamente dos alimentos torna-se imprescin- risco superior para a sua saúde. Quanto às micotoxi- dível a adoção de medidas preventivas adequadas, nas emergentes, são ainda escassos os trabalhos por- que passam por uma efetiva monitorização dos seus tugueses. Blesa et al. (2012)42 estudaram a presença teores, de forma a reduzir o risco para os consumi- de ENs e BEA em produtos derivados de cereais e dores. 40 46 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade 68 Tabela 1. Ocorrência de micotoxinas em produtos portugueses Amostra Micotoxinas avaliadas Amostras positivas / Total Pão: Broa de Avintes; Broa de Avintes: 8/8 Broa de milho; OTA Broa de milho: 3/4 Carcaça Carcaça: 2/8 Gama de concentração das amostras positivas / Média (μg/kg ou μg/L) Broa de Avintes: 0.05-1.93 / 0.89 Broa de milho: <LQ-1.01 / 0.42 Carcaça: <LQ-0.12 / 0.12 Algarve: <LD-0.49 / 0.13 Bragança: <LD-0.43 / 0.16 Pão do Algarve: 24/30 Pão de Bragança: 13/20 Pão branco (regiões do Algarve OTA e Bragança) Referência (34) (35) (36) (37) (40) <LD-448 / 197 (FB1) <LD-207 / 77 (FB2) <LD-550 / 274 (FB1+FB2) Pão de trigo: <LD-0.26 / 0.02 Pão de milho: <LD-5.86 / 0.44 Broa FB1, FB2 24/30 (FB1) 25/30 (FB2) Pão de trigo: 4/31 Pão de milho: 21/30 Pão de trigo e de milho OTA (43) (39) 6.9-69.7 / 23.4 ng/L (AFM1) <LQ-524.6 / 194 (DON) 28.2-66.6 / 42 (ZEN) 110.1-110.1 / 110.1 (15-AcDON) (44) 11/40 (AFM1) 13/18 (DON) 12/18 (ZEN) 1/18 (15-AcDON) 0.017-0.041 / NM (AFM1) 0.009-0.009 / NM (AFB1) 0.034-0.212 / NM (OTA) AFs ZEN, DON, FUS-X, Cereais de pequeno-almoço 15-AcDON, NIV 4/27 (AFM1) 1/27 (AFB1) 10/27 (OTA <LQ-434 / 253 (DON) <LQ – 27 / 21(ZEN) Leite (Pasteurizado e UHT) Alimentos para bebés: farinhas e fórmulas lácteas (leites em pó) AFM1, AFB1, OTA 6/13 (DON) 3/13 (ZEN) Milho Amarelo: NM-1061 / 421 Milho Branco: NM-1162 / 638 Farinha de Milho: NM-2026 / 995 Sémola de Milho: NM-183 / 118 Milho Doce: NM-523 / 64 (38) Snacks de Milho: NM-260 / 16 124-124 / 124 (ZEN) 916-916 / 916 (NIV) Farinhas (milho, trigo, madioca) Milho Amarelo: 6/9 Milho Branco: 2/2 Farinha de Milho: 2/3 Sémola de Milho: 2/3 Amido de Milho: 0/3 Milho Doce: 2/11 Cornflakes:0/16 Outros Cereais: 0/4 Snacks de Milho: 1/16 2.6-71 / 13 (ENA) 3.4-789 / 56 (ENA1) 1.6-491 / 49 (ENB) (42) 2.8-369 / 33 (ENB1) 3.2-3.2 / 3.2 (BEA) DON, NIV, 15AcDON, 1/30 (ZEN e NIV) ZEN, .FUS-X Milho e derivados (farinha, sémola, amido, milho doce, cornflakes e outros cereais, snacks) FMs (FB1 + FB2) 10/61 (ENA) 32/61 (ENA1) 30/61 (ENB) 27/61 (ENB1) 1/61 (BEA) Sumos límpidos: <LD-5.5 / NM Sumos opacos: <LD-42 / NM Purés: <LD-5.7 / NM Milho para pipoca e pipoca Produtos derivados de cereais: ENs (ENA, ENA1, ENB, pasta, cereais pequeno-almoço, ENB1), BEA farinhas, alimentos para crianças, arroz, pão Sumos límpidos: 4/32 Sumos opacos: 24/36 Purés: 5/76 Sumos orgânicos: <LQ-8.9 / NM Sumos convencionais: <LQ-12.6 / NM (46) Alimentos para bebés: 9.1-9.1 / 9.1 Marmelada: 9.74-28.62 / NM (45) (39) Produtos derivados de maçã: sumos (límpidos e opacos) PAT e purés Sumos orgânicos: 6/6 Sumos convencionais: 18/23 Cidra: 0/2 Alimentos para bebés: 1/2 Marmelada: 4/10 ZEN, DON, FUS-X, 15-AcDON, NIV Maçã e derivados (sumos convencionais e orgânicos; PAT cidra, alimentos para bebés) e marmelada 3/4 Uvas (região do Dão e Ilha da Madeira) Vinho do Porto: 0/31 Vinho do Porto adulterado: 3/3 Vinho Verde: 0/30 1/21 (AFB1) Vinho do Porto, vinho do porto OTA adulterado e Vinho Verde Amêndoas Ração de porcos para engorda: 21/277 (OTA) 69/277 (ZEN) 47/277 (DON) e para porcas 38/127 (ZEN) 11/127 (FMs) 436/1584 (AFB1) 36/220 (OTA) 27/361 (DON) 4/80 (ZEN) 6/357 (FB1) Ração de porcos para engorda Ração de porcos para e para porcas engorda: OTA, ZEN, DON Ração para porcas: ZEN, FMs (FB1+FB2) Ração para animais AFB1, OTA, DON, ZEN, FB1 Legenda: LD - Limite de deteção; LQ - Limite de quantificação; NM - Não mencionado Ração para porcos: 31/478 Ração para galinhas poedeiras: 12/186 Ração de animais: para porcos e OTA galinhas poedeiras AFs Vinho tinto: 9/35 Vinho branco: 3/25 Vinho tinto e branco OTA OTA 241/351 (PAT) 14/351 (CIT) Maçãs PAT, CIT (52) (51) (50) (49) (48) (47) 1-80 / NM (AFB1) 2-5 / NM (OTA) 100-1649 / NM (DON) 104-356 / NM (ZEN) 12-34 / NM (FB1) (54) Ração de porcos para engorda: 2-6.8 / 3.9 (OTA) 5-73 / 18.9 (ZEN) 100-864 / 223.2 (DON) (53) e para porcas 5-57.7 / 19.4 (ZEN) 50-391.4 / 163.7 (FMs) Ração para porcos: <LD-130 / NM Ração para galinhas poedeiras: <LD-10.9 / NM 4.97-4.97 / 4.97 Vinho do Porto adulterado: 0.05-0.08 / NM Vinho tinto: <LQ-1.23 / NM Vinho branco: <LQ-2.4 /NM 9.5-115.6 / NM 0.32-0.92 / NM (CIT) 3.06-80.5 / NM (PAT) Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade 69 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 70 Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade Referências bibliográficas 1. 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Lista de Abreviaturas 15AcDON – 15-Acetil-Deoxinivalenol AFB1 – Aflatoxina B1 AFB2 – Aflatoxina B2 AFG1 – Aflatoxina G1 AFG2 – Aflatoxina G2 AFM1 – Aflatoxina M1 AFM2 – Aflatoxina M2 AFs – Aflatoxinas BEA – Beauvericina CIT – Citrinina DAS – Diacetoxiscirpenol DON – Deoxinivalenol EFSA – European Food Safety Authority ENs – Eniatinas FAO – Food and Agriculture Organization FB1 – Fumonisina B1 FB2 – Fumonisina B2 FMs – Fumonisinas FUS – Fusaproliferina FUS-X – Fusarenon-X IARC – International Agency for Research on Cancer JECFA – Joint Expert Committee on Food Additives Micotoxinas em Portugal: Ocorrência e Toxicidade MON – Moniliformina NIV – Nivalenol OTA – Ocratoxina A OTs – Ocratoxinas PAT – Patulina RASFF – Rapid Alert System for Food and Feed TRC – Tricotecenos WHO – World Health Organisation ZEN – Zearalenona 73 Agradecimentos: Trabalho financiado pela FCT projeto “PTDC/ AGR-ALI/101583/2008” e COMPETE FSE/FEDER. S.C.C. agradece “POPH-QREN- Tipologia 4.2, Fundo Social Europeu e Fundo Nacional MCTES”. V.L.P. agradece à FCT pela Bolsa de Investigação do projeto “PTDC/AGR-ALI/101583/2008”. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 O medicamento no doente idoso Mosca, Carolina 1; Correia, Paula 2 (1) Mestre em Ciências Farmacêuticas Pós-Graduação em Cuidados Farmacêuticos Diretora Técnica da Farmácia Central do Sabugal (2) Licenciada em Química Farmacêutica Pós-Graduação em Cuidados Farmacêuticos Diretora Técnica da Farmácia da Prelada – Porto Autor correspondente: [email protected]; [email protected] Resumo O uso de Medicamentos Potencialmente Inapropriados (MPIs) nos doentes idosos é bastante prevalente e está associado a um risco aumentado de Reações Adversas aos Medicamentos (RAMs), de morbilidade e de utilização dos recursos de saúde. Deste modo há necessidade de prestar atenção especial à terapêutica do doente geriátrico para aumentar a sua segurança através da instituição de medidas abrangentes envolvendo diversas instituições e profissionais de saúde. Os critérios de Beers de Medicamentos Inapropriados nos doentes idosos têm sido amplamente usados para documentação desta problemática nos diversos níveis de cuidados de saúde. Palavras-chave: Idosos, Medicamentos Potencialmente Inapropriados, Critérios de Beers. Abstract The use of Potentially Inappropriate Medication (PIMs) affecting elderly patients is quite prevalent and associated with a high risk of Adverse Drug Reactions (ADRs), morbidity and consumption of health resources. Thus, it is essential to pay special attention to the treatment of geriatric patients, to enhance their security through the establishment of comprehensive measures involving various institutions and health professionals. Beers Criteria concerning the Inappropriate Medication have been used to discuss and to document this issue on different levels including those related to medical care. Keywords: Elderly, Potentially Inappropriate Medication, Beers Criteria. Introdução Os enormes progressos alcançados pelas Ciências da Saúde nas últimas décadas têm permitido um aumento substancial na esperança média de vida e uma qualidade de vida superior para a população idosa. Associado ao aumento do número de pessoas idosas, o consumo de medicamentos por esta população também aumentou, principalmente pela elevada prevalência de doenças crónicodegenerativas associadas ao envelhecimento. As doenças não infeciosas ou crónico-degenerativas são dependentes, em parte, das inevitáveis alterações do processo de envelhecimento, mas sobretudo dos estilos de vida adotados por cada indivíduo. Estas patologias – as doenças cérebro-cardiovasculares, neoplasias, demências, acidentes por perda de audição e visão, diabetes, doenças osteoarticulares 76 O medicamento no doente idoso e doenças mentais – constituem, nas pessoas idosas, as principais causas de morbilidade e mortalidade1. Os idosos apresentam, com frequência, múltiplas co-morbilidades e a farmacoterapia nesta população tem as suas particularidades – a redução da massa muscular e da água corporal, alterações no metabolismo hepático, dos mecanismos homeostáticos, bem como da capacidade de filtração e de excreção renal, podem alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica de diversos fármacos, levando à dificuldade de eliminação de metabolitos, à acumulação de substâncias tóxicas no organismo com um risco aumentado de ocorrência de interações medicamentosas e de reações adversas e consequentemente ao abandono do tratamento2,3. Esta situação conduz a um inevitável incremento dos gastos em saúde, consequência, em parte, do grande consumo de medicamentos4. A frequência do uso de medicamentos nesta faixa etária é elevada, com valores entre 60% a 90%, dos quais um terço utiliza cinco ou mais medicamentos em simultâneo5. A complexidade dos esquemas terapêuticos, as alterações neurosensoriais (deficit visual e hipoacúsia) e o declínio cognitivo tornam ainda mais complexo e difícil o uso apropriado dos medicamentos nesta população5,6. É fulcral, portanto, racionalizar os gastos fazendo uma utilização correta dos medicamentos. Alterações associadas ao envelhecimento e suas repercussões na farmacologia clínica. O envelhecimento constitui um período de grandes mudanças a nível biológico, psicológico e social, bem como no plano das relações com o exterior, e é entendido como um processo dinâmico no qual se vão dando alterações morfológicas, fisiológicas, bioquímicas e psicológicas que vão determinando perda progressiva de capacidade de adaptação do individuo ao meio ambiente, ocasionando vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos, tornando-o mais suscetível às agressões intrínsecas e extrínsecas que acabam por conduzir o ser humano à morte. O meio ambiente e os estilos de vida onde se incluem os hábitos alimentares e actividade física, o suporte social e comunitário, constituem fatores de risco do processo de envelhecimento7. As múltiplas possibilidades de inter-relação entre os fatores intrínsecos e extrínsecos explicam a heterogeneidade do envelhecimento humano. A população idosa apresenta, assim, uma grande variabilidade individual, tanto na diminuição de actividade fisiológica e psicossocial, como na incidência de doença, ao contrário do que se verifica na infância e na adolescência, onde o desenvolvimento dos vários órgãos se faz de uma forma mais uniforme e previsível, constituindo por isso os indivíduos com mais de 65 anos um grupo muito heterogéneo8. A alteração mais consistente é a perda de unidades funcionais relacionada com o tempo. Estas unidades são estruturas menores que ainda são capazes de realizar atividades fisiológicas específicas características do órgão do qual fazem parte (ex. alvéolos, neurónios). Outra característica é a roptura de alguns processos reguladores essenciais para o funcionamento de células e órgãos, provocando uma incapacidade para manter a homeostasia em condições de stress fisiológico9. A par do declínio funcional, o envelhecimento produz também importantes alterações fisiológicas (Tabela 1). Razões estas que, em conjunto com a complexidade dos regimes farmacoterapêuticos, tornam os doentes idosos mais vulneráveis aos efeitos adversos da medicação10,11. Estas alterações anatomofisiológicas têm consequências ao nível da farmacocinética e farmacodinâmica dos fármacos determinando uma grande variabilidade interindividual na resposta aos fármacos. A tabela 2 sumaria as principais alterações farmacocinéticas observadas no idoso. Relativamente às alterações farmacodinâmicas são sugeridos quatro mecanismos explicativos destas mudanças: 1) alteração do número de recetores; 2) alteração na afinidade dos recetores; 3) alterações ao nível da transdução do sinal (alteração pósrecetor); e 4) enfraquecimento dos mecanismos de homeostasia devido à idade12. O medicamento no doente idoso 77 Tabela 1 - Principais alterações fisiológicas devidas ao envelhecimento com repercussão na Farmacologia Clínica12 Alterações fisiológicas devidas ao envelhecimento Composição Corporal Água Corporal total Massa corporal total Massa gorda ou albumina sérica α1-Glicoproteína Ácida Cardiovascular Sensibilidade do miocárdio à estimulação β – adrenérgica Actividade dos Barorrecetores Débito cardíaco Resistência periférica total Sistema Nervoso Central e Endócrino Peso e volume do cérebro Alterações em vários aspetos da cognição Atrofia da Glândula Tiroide Incidência de Diabetes Mellitus e doenças da tiroide Gastrointestinal pH gástrico Fluxo sanguíneo gastrointestinal Atraso no esvaziamento gástrico Velocidade do trânsito intestinal Renal Taxa de Filtração Glomerular Fluxo sanguíneo renal Fração de Filtração Secreção Tubular Massa Renal Tabela 2 - Principais alterações farmacocinéticas que determinam alterações na resposta aos fármacos12 Alterações Farmacocinéticas devidas à idade Fase Farmacocinética Parâmetros Farmacocinéticos Absorção Gastrointestinal Transporte ativo e biodisponibilidade de alguns fármacos. Metabolismo de 1ª passagem e biodisponibilidade de alguns fármacos. Distribuição Volume de distribuição e concentração plasmática de fármacos hidrossolúveis. Volume de distribuição e tempo de meia vida de fármacos lipossolúveis. ou Fração livre de fármacos com elevada ligação às proteínas plasmáticas. Metabolismo Hepático Clearance e tempo de meia vida para fármacos com elevada extração hepática. Excreção Renal Clearance e tempo de meia vida para fármacos eliminados por via renal O medicamento no idoso A farmacoterapia moderna muito tem contribuído para o aumento da esperança média de vida, retardando as consequências das doenças crónicas até às últimas décadas de vida. No entanto, a partir dos 80 anos de idade, o peso destas doenças torna-se clinicamente significativo com a administração simultânea de vários fármacos13. Os idosos são os maiores consumidores de medicamentos na maioria dos países industrializados14. Se é verdade que, quando administrados apropriadamente, a maioria dos doentes pode beneficiar da administração de fármacos, o risco de Reações Adversas aos Medicamentos (RAMs) está sempre presente. Nos países ocidentais, as RAMs são um importante problema clínico resultando em 3% a 5% de todas as admissões hospitalares, contribuindo para 5 a 10% dos gastos hospitalares e estando associadas com um aumento substancial na morbilidade e mortalidade15, as quais continuam a ser uma Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 78 O medicamento no doente idoso importante preocupação dos cuidados de saúde contribuindo para milhares de mortos todos os anos e para gastos elevados nos sistemas de saúde13. Os doentes idosos são particularmente vulneráveis a RAMs e outros Problemas Relacionados com Medicamentos (PRMs), não só devido às alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas, como também ao consumo de múltiplos regimes farmacológicos15,16. Muitos dos acontecimentos adversos que ocorrem podem, em larga maioria, ser prevenidos, tendo sido identificados como sendo fatores de risco para RAMs e outros PRMs (ex: falha na terapêutica), no idoso o número de medicamentos tomados (polifarmácia), a prescrição inapropriada (fármacos a evitar) 13,16 e o número de doenças (mais de quatro está associado a um maior risco de RAMs). Medicamentos Potencialmente Inapropriados em Idosos A prescrição de Medicamentos Potencialmente Inapropriados em Idosos (MPIs) é um dos principais fatores que influenciam a possibilidade de ocorrência de Eventos Adversos relacionados com fármacos nos idosos15. Não existe ainda uma definição clara de MPI, mas pode-se definir este conceito como sendo o uso de medicação que introduz um risco significativo de ocorrência de eventos adversos quando existe evidência de que há alternativas igualmente ou mais efetivas para a mesma indicação terapêutica mas que apresentam um risco inferior17. O uso de MPIs tem sido associado a uma performance física diminuída e uma maior taxa de hospitalização18, sendo que esta situação continua a ser um problema significativo na instituição de cuidados de saúde aos idosos19. Investigações prévias mostram que a prevalência do uso de MPIs nos vários níveis de cuidados (comunidade, lares, hospitais, unidades de cuidados continuados) e países varia de 5,8% a 51,5%. Especificamente nos doentes hospitalizados a prevalência do uso de MPIs varia entre 16% e 49%13. Já se referiu a forma como a idade pode condicionar a resposta aos fármacos, sendo ela própria um fator de risco para a prescrição de MPIs a par com as comorbilidades múltiplas. Um outro fator de risco, e que é uma das características mais marcantes e prevalentes da terapêutica medicamentosa no idoso, é a polimedicação17,20, pois constata-se que doentes que tomam mais de 5 ou 6 medicamentos têm uma possibilidade maior de receber um medicamento inapropriado21,22. O termo polifarmácia refere-se não só ao uso de múltiplos fármacos (o número limite diverge entre autores) como também ao uso de mais fármacos do que aqueles que são clinicamente indicados e há indícios de que o principal fator que leva a esta condição são as patologias concomitantes22. Há também indicações de que existem algumas doenças que estão significativamente correlacionadas com a polifarmácia tais como a diabetes e a hipertensão arterial, ambas doenças altamente prevalentes nos idosos22. Critérios de Beers Para identificar os MPIs e, dessa forma, prevenir Resultados Negativos associados ao uso da Medicação, foram desenvolvidos diversos critérios, de entre os quais se destacam os Critérios de Beers por terem sido, até aqui, os mais difundidos. Os critérios de Beers foram desenvolvidos por um conjunto de reconhecidos especialistas em cuidados geriátricos, farmacologia clínica e psicofarmacologia usando o método de Delphi modificado para chegar a um consenso23. Estes critérios foram desenvolvidos com a intenção de fornecer uma ferramenta útil para avaliar a qualidade da prescrição em indivíduos com mais de 65 anos, independentemente do nível de fragilidade ou local de residência24. No início da década de noventa Beers criou a sua primeira escala de medicamentos a evitar no idoso16. Em 1997, Beers e colaboradores publicaram uma revisão mais compreensível deste instrumento desenvolvendo um conjunto de critérios explícitos para MPIs17,24. Aqui os medicamentos foram O medicamento no doente idoso classificados como inapropriados em três categorias: 1) fármacos que devem ser evitados no idoso independentemente da patologia; 2) fármacos que excedem a dose diária máxima recomendada, a posologia ou duração do tratamento; e 3) fármacos que devem ser evitados aquando da presença de determinada doença23. A penúltima atualização foi publicada em 2003 sendo o resultado de uma revisão dos critérios de 1997. Desta revisão surgiram duas tabelas: uma que lista fármacos inapropriados independentemente da doença e outra que considera os fármacos inapropriados atendendo a diagnósticos e condições específicas23. Em abril do corrente ano a Sociedade Americana de Geriatria publicou a última atualização, a qual aplicou o método Delphi modificado na revisão sistemática e avaliação de forma a conseguir um consenso nos AGS Beers Criteria25 de 2012. No final da revisão dos critérios foram abrangidos 53 medicamentos/classes de medicamentos que foram divididos em 3 categorias: 1) medicamentos potencialmente inapropriados a evitar nos idosos; 2) medicamentos potencialmente inapropriados a evitar nos idosos com determinadas patologias e que poderão ser exacerbadas pelo seu uso e 3) medicamentos a serem utilizados com precaução nos idosos25. Esta atualização tem mais força ao incluir o uso de uma abordagem baseada na evidência através dos padrões do Instituto de Medicina e o desenvolvimento de uma parceria para regularmente rever os critérios25. Embora já haja imensos estudos que tenham aplicado estes critérios, uma das suas limitações é a aplicabilidade nos diferentes países atendendo a que existem fármacos e grupos farmacológicos que são comercializados nuns países e noutros não. Atendendo a esta problemática foi desenvolvida a Operacionalização dos Critérios de Beers para Portugal no sentido de identificar os fármacos com Autorização de Introdução no Mercado (AIM) em Portugal que correspondem aos listados por Beers16. Existem situações em que o acompanhamento da terapêutica nos idosos, deve seguir uma metodologia case by case, dada a imprevisibilidade de resposta terapêutica. Os critérios de Beers são 79 apenas uma linha orientadora, e que, por vezes, não os cumprir pode ser mesmo a melhor solução. Outros Critérios Para além dos critérios de Beers existem outras ferramentas, menos difundidas, que permitem identificar medicamentos potencialmente inapropriados em idosos e otimizar, assim, a qualidade da prescrição. Os mais citados são os IPET (Improved Prescribing in the Elderly Tool), também referidos como critérios canadianos26; os critérios STOPP (Screening Tool of Older Persons potentially inappropriate Prescriptions)27; o MAI (Medication Appropriatness Índex)28; os critérios de Zhan, escala desenvolvida a partir dos critérios de Beers29; e os critérios ACOVE (Assessing Care of Vulnerable Elders)30. Apesar de alguma controvérsia acerca de quais os critérios a serem usados, existe uma forte evidência de que a prescrição inapropriada é perturbadoramente comum em doentes idosos. Conclusões É consensual afirmar que a polimorbilidade e a polimedicação são características inerentes à população idosa e que a prevalência de MPIs é elevada. O processo de reconciliação terapêutica e acompanhamento farmacoterapêutico na transição entre níveis de cuidados é fulcral e que, mais do que categorizar os fármacos como potencialmente inapropriados, é necessário verificar se o fármaco é apropriado para um doente com uma condição clínica particular. Há, de facto, necessidade de prestar atenção especial à terapêutica do doente geriátrico para aumentar a sua segurança através da instituição de medidas abrangentes envolvendo diversas instituições e profissionais de saúde. A nível regulamentar, sugere-se a criação de formulários e outras medidas restritivas para a prescrição bem como de sistemas informáticos ligados à prescrição e à dispensa com alertas e indicação de alternativas. Os Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 80 O medicamento no doente idoso ficheiros destes dois sistemas informáticos deveriam ser iguais, criados por equipas multidisciplinares e sujeitos a actualizações regulares. A formação pósgraduada de médicos e farmacêuticos é indispensável, bem como a educação dos estudantes de medicina e farmácia, devendo constituir parte integrante dos planos de estudos de ambas as Faculdades para que os futuros profissionais possuam os conhecimentos básicos para a terapêutica mais segura no doente geriátrico. Os critérios de Beers são uma ferramenta útil no processo de avaliação da farmacoterapia no doente idoso mas a sua aplicação deve constituir apenas uma linha orientadora de auxílio ao julgamento clínico de cada caso individual e uma base para avaliação da qualidade da prescrição. Referências bibliográficas 1 World Health Organization. Healthy ageing. Practical pointers on keeping well. 2005, [Acedido em Outubro 2012]. Disponível na Internet: http:// whqlibdoc.who.int/wpro/2005/9290610611_eng. pdf 2 Bressler R, Bahl J. Principles of Drug Therapy for the Elderly Patient. Mayo Clin Proc. 2003; 78 1564-1577. 3 Nobrega O, Karnikowski M. 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Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal: Limite de decisão (CCα) e capacidade de detecção (CCβ) Freitas, Andreia(a) Barbosa, Jorge(b) e Ramos, Fernando*(c) a) Mestre em Química Analítica Técnica Superior INIAV - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Laboratório de análise de resíduos, Rua General Morais Sarmento, 1500-311 Lisboa, Portugal (b) Doutor em Farmácia – Especialidade de Bromatologia e Hidrologia Director da Unidade Estratégica de Investigação e Serviços de Tecnologia e Segurança Alimentar INIAV - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. Av. da República, Quinta do Marquês, 2784-505 Oeiras, Portugal (c) Doutor em Farmácia – Especialidade de Bromatologia e Hidrologia Professor Associado da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra Centro de Estudos Farmacêuticos, Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Azinhaga de Santa Comba 3000-549 Coimbra, Portugal Autor correspondente: Fernando Ramos Centro de Estudos Farmacêuticos – Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra Azinhaga de Santa Comba – 3000-549 Coimbra - Portugal – Telef. +351 239 488 492 – e-mail: [email protected] Resumo A definição de vários conceitos necessários à avaliação do desempenho dos métodos analíticos usados na pesquisa de resíduos de medicamentos em alimentos, nomeadamente CCα (limite de decisão) e CCβ (capacidade de detecção), bem como a sua forma de cálculo e respectiva interpretação dos resultados obtidos são detalhadamente descritos. A revisão que se apresenta pretende contribuir para melhorar a aplicação da Decisão Nº 2002/617/CE no espaço da língua portuguesa, no campo da segurança alimentar e do comércio internacional de alimentos de origem animal. Palavras-chave:CCα; CCβ; Resíduos de Medicamentos; Segurança Alimentar Abstract The definition of the various concepts needed to assess analytical methods performance used in the evaluation of drug residues in foods, namely CCα (decision limit) and CCβ (detection capability), as well as its calculating and the interpretation of obtained results are described in detail. The present overview aims to improve the implementation of Decision No. 2002/617/EC in the Portuguese speaker countries in the food safety field, as well as at the international trade of food of animal origin. Keywords: CCα; CCβ; Drug Residues; Food Safety 84 Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal Introdução Definições A legislação actual da União Europeia (UE) sobre controlo de resíduos de medicamentos de uso veterinário em alimentos de origem animal não obriga à utilização de métodos normalizados. Porém, não se julgue que qualquer País pode usar as metodologias que bem entender porque, a todos os métodos analíticos que sejam utilizados na análise de amostras colhidas no âmbito dos planos oficiais de controlo de resíduos de medicamentos veterinários, é exigido que demonstrem características de desempenho e que cumpram os limites e critérios que se encontram descritos, sob a forma de linhas orientadoras, na Decisão da Comissão 2002/657/CE1. Desta forma, permite-se uma rápida adaptação de métodos analíticos já existentes aos mais recentes desenvolvimentos tecnológicos, bem como se oferece a possibilidade da rápida utilização de métodos recém-desenvolvidos como resposta a problemas emergentes. Uma vantagem muito significativa deste tipo de comportamento é o elevado grau de flexibilidade possível, que constitui uma enorme mais-valia no sistema de avaliação de risco em vigor na UE, com o consequente aumento de protecção dos consumidores. A referida Decisão[1] introduziu, por outro lado, novos termos relativos ao desempenho analítico, nomeadamente limite de decisão (CCα) e capacidade de deteção (CCβ), incluindo também as redefinições para os métodos de triagem e de confirmação, tendo sido abandonando o conceito de método de referência para este tipo de análise. Assim, este trabalho procura fazer uma revisão dos conceitos associados aos limites analíticos acima referidos e apresentar as aproximações estatísticas aliadas ao seu cálculo. Por outro lado, procura, também, explicitar os conceitos relativos aos procedimentos analíticos de triagem e de confirmação, bem como discutir a influência dos limites CCα e CCβ na interpretação dos resultados obtidos por aqueles métodos no controlo oficial da presença de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal para consumo humano. Um método de triagem é utilizado para detectar a presença de uma substância numa amostra a um nível requerido. Estes métodos têm capacidade para processar um elevado número de amostras num curto espaço de tempo e que possibilitem eleger as amostras potencialmente não conformes. Estes métodos devem evitar a obtenção de falsos resultados conformes (falsos negativos) 1. Um método de confirmação é aquele que fornece indicações completas ou complementares para a identificação inequívoca de uma substância1. Consequentemente os métodos cromatográficos sem deteção espectrométrica não são adequados como métodos de confirmação. No caso dos medicamentos veterinários em que se encontra definido o LMR (limite máximo de resíduo)2,3, a especificidade do método de confirmação pode ser obtida pela combinação de procedimentos analíticos. O limite de decisão (CCα), ou concentração critica com erro α, e a capacidade de deteção (CCβ), ou concentração critica com erro β, são dois parâmetros estatísticos importantes e característicos do desempenho dos métodos analíticos para a pesquisa de resíduos de medicamentos em alimentos. Estas concentrações críticas definem a capacidade de um método detectar e quantificar a presença dos compostos pesquisados tendo em conta a variabilidade do método e os erros estatísticos associados a resultados incorrectos1. O CCα (limite de decisão) é a concentração a partir da qual uma amostra pode ser declarada não conforme com uma probabilidade de erro igual a α (erro de 1% para substâncias não permitidas e de 5% para substâncias com LMR) 1. No caso das substâncias com LMR, o CCα é a concentração a partir da qual, com uma certeza de 95% (1-α), a substância está presente em concentração superior ao seu LMR. A esta concentração está também associado um erro β, que é sempre de 50%, estando este relacionado com a dispersão de resultados e à probabilidade de ocorrência de falsos negativos. Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal O CCβ (capacidade de detecção) de um método é o limite a partir do qual o analito pode ser detectado, identificado e/ou quantificado com uma probabilidade de erro β (erro de 5% para todas as substâncias permitidas ou não) 1. No caso das substâncias com LMR, é a concentração a que o método é capaz de detetar concentrações no limite permitido com certeza estatístico de 1-β. Considera-se que uma amostra tem resultado não conforme (resultado positivo) sempre que contiver o analito pesquisado, no caso de se tratar de uma substância interdita, ou que, no caso de medicamentos permitidos para utilização em animais produtores de alimentos, o contenha em concentração superior ao respectivo LMR estabelecido no Regulamento da Comissão nº 37/20104. De acordo com o disposto na Decisão 2002/657/ [1] CE para métodos de triagem, quer qualitativos, quer quantitativos, apenas é necessária a determinação do CCβ, isto é, a capacidade de detecção do 85 método. Nos métodos de confirmação ambos os limites analíticos, CCα e CCβ, são exigidos. Em resumo, o erro α indica sempre a probabilidade de existência de falsos positivos enquanto o erro β dá indicação da possibilidade de falsos negativos. Na prática o CCα é mais importante em métodos de confirmação pois determina a concentração partir da qual se considera uma amostra não conforme. O CCβ é mais importante em métodos de triagem pois indica a capacidade de deteção de determinado composto com uma certeza de 95%. A representação estatística da dispersão de resultados em compostos cuja presença é proibida pode ser observada na Figura 1. Já na figura 2 representa-se a situação para as substâncias em que o LMR se encontra estabelecido, sendo de realçar que o desvio padrão da reprodutibilidade interlaboratorial é representado por σ em ambas as figuras. Figura1 – Representação estatística do limite de decisão e capacidade de detecção para substâncias de utilização proibida ou sem LMR estabelecido. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 86 Uma das aproximações para determinar os limites analíticos C Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal a Decisão 2002/657/CE[1], consiste em realizar um estudo da v analítica pela razão sinal/ruído (S/R) de amostras brancas repr laboratoriais de rotina. Assim, para medicamentos veterinários destinados à produção de alimentos, ou sem LMR estabelecido vezes a média do S/R de 20 amostras brancas. 7 (equa epresentação estatística da dispersão de resultados em compostos cuja presença é 7 Efetuado este cálculo, o CCβ é obtido após fortificação de 20 a ibida pode ser observada 1. Já figura 2em representa-se a situação A representação estatísticana da figura dispersão de na resultados compostos cuja presençapara é as do CCα determinado. stâncias que LMR se encontra estabelecido, de realçar que o desvio proibida em pode seroobservada na figura 1. Já na figura 2sendo representa-se a situação para as rão da reprodutibilidade é representado por σ emque ambas as figuras. substâncias em que o LMRinterlaboratorial se encontra estabelecido, sendo de realçar o desvio Figura 2 – Representação estatística do limite de decisão e capacidade de detecção padrão da reprodutibilidade interlaboratorial é representado por σ em ambas as figuras. para substâncias com LMR estabelecido. culo de CCα e CCβ Cálculo de CCα e CCβ Na , é o desvio pad Naequação equação2,2, Cálculo de CCα e CCβ o desvio padrão da reprodutibilidade interlaboraa das aproximações para determinar os limites analíticos CCα e éCCβ, de acordo com interlaboratorial 20 amostras ao nível do CCα. P torial de 20 amostras de fortificadas ao fortificadas nível do CCα. Uma das aproximações para determinar os liUma das aproximações para determinar os limites analíticos CCα e CCβ, de acordo com [1] , consiste realizar um estudo variabilidade da resposta ecisão 2002/657/CE Para substâncias com LMR estabelecido as mites analíticos CCα e em CCβ, de acordo com a da DeciLMR estabelecido as determinações sãodetermifeitas tendo por base o [1] 1 nações feitas tendo por base o LMR, conforme é , consiste emem realizar umum estudo da variabilidade dasão resposta a Decisão são 2002/657/CE 2002/657/CE , consiste realizar estudo da lítica pela variabilidade razão sinal/ruído (S/R) de amostras brancas representativas das amostras apresentado nas equações apresentado nas equações 3 e 4.3 e 4. da resposta analítica pela razão sinal/ analítica pela razão sinal/ruído (S/R) de amostras brancas representativas das amostras ruído (S/R) de amostras brancas representativas das oratoriais de rotina. Assim, para medicamentos veterinários proibidos em animais (equação 3) 3) (equação amostras laboratoriais rotina. Assim, para medi(equação 3) laboratoriais de rotina. Assim, parademedicamentos veterinários proibidos em animais camentosde veterinários em animais desti- o CCα corresponde a 3 (equação 3) tinados à produção alimentos,proibidos ou sem LMR estabelecido, destinadosnados à produção de alimentos, ou sem LMR estabelecido, à produção de alimentos, ou sem LMR estabe-o CCα corresponde a 3 (equação 4) 4) es a médialecido, do S/R de 20 amostras brancas. (equação CCα a 3 vezes a média do S/R (equação 4) vezes a média do o S/R de corresponde 20 amostras brancas. de 20 amostras brancas. (equação 4) O procedimento procedimento para para oo cálculo cálculo das das concentrações concentrações críticas críticas de de acordo acordo com com oo apres apres O O para procedimento o cálculo das concentra(equação O procedimento o cálculo daspara concentrações críticas de acordo com o apres (equação 1)1) [5] ções[5] críticas de nas acordo compremissas: o apresentado na de ISO na ISO ISO 11843 11843 baseia-se seguintes a função calibração é line na [5]5baseia-se nas seguintes premissas: a função de calibração é linea (equação 1) na ISO 11843 baseia-se nas seguintes premissas: a função de calibração é linea 11843 baseia-se nas seguintes premissas: a função assume uma uma distribuição desvio padrão residual constante ee independ indepen de distribuição calibração normal, énormal, linearooedesvio assume uma distribuição assume padrão residual éé constante assume umabrancas distribuição normal, o desvio padrão residual é constante e indepen Efetuado cálculo, o CCβ é obtido após fortificação de 20 amostras ao nível tuado esteeste cálculo, o CCβ é obtido após fortificação de 20 amostras brancas ao nível Efetuado este cálculo, o CCβ é obtido após fornormal, o desvio padrão residual é constante e indeconcentração. concentração. tificação de 20 amostras brancas ao nível do CCαconcentração. dependente da concentração. do CCα determinado. CCα determinado. O modelo de éécalibração linear 5: é5: dado pela terminado. O modelo modelo de de calibração calibração linear dado pela pela equação equação O linear dado O modeloequação de calibração linear é dado pela equação 5: 5: (equação 2) (equação 2) (equação 2) Na equação 2, equação 2, (equação 5) (equação 5) 5) (equação (equação 5) , é o desvio padrão da reprodutibilidade Onde da corresponde ao sinal/resposta sinal/resposta obtida obtida para para aa concentração concentração ii ee réplica réplica j,j, Onde corresponde ao , é o desvio padrão reprodutibilidade concentração. concentração. (equação 5) (equação (equação5)5) (equação 9) O modelo de calibração linear é dado pela equação 5: Avaliação do desempenho de métodos 5: analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal 87 O modelo de calibração linear é dado pela equação (equação 5) (equação 5) Aparte dos parâmetros Onde corresponde corresponde ao obtida para a concentração e réplica j, é a anteriormente definiOnde aosinal/resposta sinal/resposta obtida Aparteia dos parâmetros corresponde correspondeaoaosinal/resposta sinal/respostaobtida obtidapara paraa aconcentração concentraçãoi ei eréplica réplicaj, j, é é(equação a 5) refere-se para a concentração i e réplica j, a éanteriormente a ordenada na dos, é a concentração concentraçãoao aonível nível do doLMR LMR e Aparte dos parâmetros definidos, (equação 5) ara a concentração i eordenada réplica j, na éorigem, a a concentração i, e o erro associado à o declive da curva, ordenada na odeclive dadacurva, i, i,e ei, i oeoerro Onde sinal/resposta obtidaapara a concentração réplica j, éaoa àresultado origem, b oao curva, aconcentração concentração refe-re-se obtido na amostra quando ordenadacorresponde naorigem, origem, odeclive decliveda curva, concentração erroassociado associado à Onde Onde LMR e refere-se ao resultado obtido na amostra quando fortificada ao nível doLMR. opreparação erroassociado associado e(assume-se resultado que da é independente fortificada ao nível dodeLMR. concentração i, ee erro à à preparação e resultado da amostra e próximo zero). preparação da amostra (assume-se que é éindependente e epróximo dedezero). ordenada nae origem, o declive da curva, a concentração i, e o erro associado à preparação eresultado resultado da amostra (assume-se que independente próximo zero). Onde corresponde ao sinal/resposta obtida para a concentração i e réplica j, é a limites CCα e CCβ, de amostra (assume-se que obtida é independente e próximo dos Onde corresponde ao sinal/resposta para a concentração i e réplica j, O éestabelecimento a O estabelecimento dos LMR. ue é independente e próximo de zero). O cálculo de CCα e CCβ, para compostos interditos ou cujo LMR não está estabelecido, O cálculo de CCα e CCβ, para compostos interditos ou cujo LMR não está estabelecido, dede acordo com o estabelecido na Decisão 2002/657/CE1, O cálculo CCα e CCβ, para compostos interditos ou cujo aLMR está estabelecido, preparação e zero). resultado da na amostra (assume-se quedaé curva, independente e não próximo de ordenada origem, o declive concentração i, ezero). o erro associado à [1] ordenada na origem, o declive da curva, a concentração i, eintero errodeve associado à sero precedido 2002/657/CE O estabelecimento dos limites CCα e CCβ, de acordo com estabelecido naconfirmação Decisão Oé cálculo de CCα e CCβ, para compostos sempre pela prática , deve s ditos ou cujo LMR não está estabelecido, feito pela aplicação das equações 6 e 7: éOéfeito das 6 6e e7:7:interditos ou cujo LMR não está estabelecido, feitopela pela aplicação dasequações equações cálculo deaplicação CCα ecujo CCβ, para compostos ditos ou LMR está estabelecido, é feito pela dos valoreseobtidos cálculos indicados6,7. preparação e não resultado da amostra (assume-se que é independente próximopelos de zero). preparação e resultado da amostra (assume-se que sempre é independente e próximo zero). pelos cálculos indicado ser precedido peladeconfirmação prática dos valores obtidos 2002/657/CE[1], deve aplicação das equações 66 ee 7: 7: é feito pela aplicação das equações O cálculo de CCα e CCβ, para compostos interditos ou cujo LMR não está estabelecido, [6,7] O cálculo de CCα e CCβ, para compostos cujo . LMR não está estabelecido, pelos cálculos interditos indicadosou (equação 6)6) (equação 6) Interpretação dos resultados é feito pela aplicação das equações 6 e 7: (equação é feito pela aplicação das equações 6 e 7: Interpretação dos resu (equação 6) (equação 6)Tendo em conta as definições e aproximações Tendo em conta as defi estatísticas anteriormente apresentadas, a interpre(equação (equação 7) 6) (equação interpretação (equação 6) tação dos resultados pode seguir o esquema Tendo em conta as definições e aproximações anteriormente apresentadas, a apre- dos result (equação7) 7) estatísticas sentado na Figura 3. (equação 7) Nos métodos de triagem interpretação dos resultados pode (equação seguir o esquema apresentado na figura 3. 7) Nos métodos de triagem, onde apenas é necessáriacom a determinação asasamostras Em é o parâmetro tt-student daonde distribuição t-student associadodo αdoerespetivo graus CCβ, amostras que contenham Nos métodos de triagem, apenas éerro necessária aαerro determinação respetivo CCβ, Em é éoque t da com erro associado e egraus (equação 7) Emque que oparâmetro parâmetro t dadistribuição distribuição t-student com associado α graus (equação 7) que contenham resíduos com concentrações supeo t-student com erro associado α eigual grausque de liberdade a de , a média de concentrações, oresidual desvio padrão residual devem ser sujeitas a mé amostras contenham resíduos com concentrações a esta da concentração, (equação 7)concentrações, riores aα esta concentração, devem ser sujeitas a méde , , a amédia ocom padrão da Em que tmédia da distribuição t-student erro associado esuperiores graus deliberdade liberdadeigual igualéa ao parâmetro deconcentrações, odesvio desvio padrão residual da todos de confirmação, de modo a verificar a conforntrações, o desvio padrão residual daser sujeitas a métodos de confirmação, mesmas. devem deresidual modo adaverificar a conformidade das de liberdade igual aque de concentrações, o desvio padrão 9 Em que , a média parâmetro da distribuição distribuição t-student comdas erromesmas. associado α e graus Em é éo oparâmetro tt da midade Em que é o parâmetro t da distribuição t-student com erro associado α e graus 9 t-student commesmas. erro associado α e graus de liberdade Definidos os limites analíticos característicos 9 de liberdade igual a , a média de concentrações, 9 o desvio padrão residual da igual K a o número média concentrações, o desmétodos , ,a amédia dede concentrações, o σdesvio residual da de confirmação pode dizer-se que esde liberdade regressão linear, de réplicas da concentração real, epadrãodos corresponde regressão linear, K o número de réplicas da concentração real, e corresponde vio padrão residual da regressão linear, K o número tes devem ser capazes de detectar/identificar os anaregressão linear, K oao número de réplicas da concentraçãoque real,é eaproximadamente corresponde uma função estatística qual está associado ear,a K o número réplicasdadaconcentração concentração real,eeo erro α e β ecorresponde dede réplicas real, litos em 50% dos casos ao nível do CCα e em 95% a uma função estatística ao qual está associado o erro α e β ecorque é aproximadamente responde a uma função ao qual estáα assocasos o nível do CCβ. função estatística ao qual estatística está associado o erro e β e quedos é aproximadamente iguala auma estatística ao qual está associado o erro α e β e que é aproximadamente igual a ciado o erro α e β e que é aproximadamente igual a Assim, e de forma prática, as amostras que dea em que existe um LMR estabelecido os cálculos matemáticos monstrem conter algum dos analitos pesquisados Paraigual os casos são os Para os casos emPara queosexiste um LMR estabelecido os cálculos matemáticos são os casos em que existe um LMR estabelecinuma concentração igual ou superior ao CCα estaPara os casos em que existe um LMR estabelecido os cálculos matemáticos são os seguintes (equações 8 e 9): do cálculos são os matemáticos seguintes (equaemseguintes que existe umosLMR os cálculos são os belecido para o método de confirmação, são con(equações 8estabelecido e 9):matemáticos ções 8 e 9): 8 e 9): sideradas amostras não-conformes, desde que seja seguintes (equações uações 8 e 9): possível concluir pela identificação do resíduo em causa pela aplicação dos respetivos critérios de iden(equação 8) tificação (equação 8) espectrométrica8 . Caso contrário a amostra é considerada conforme (negativa) com um grau de (equação 8) (equação 8) (equação 8) confiança de 1-α. Interpretação dos resultados (equação 6) (equação 9) (equação 9) (equação 9) (equação 9) (equação 9) é a concentração ao nível do Aparte dos parâmetros anteriormente definidos, é a concentração ao nível do Aparte dos parâmetros anteriormente definidos, é a concentração nível dos parâmetros anteriormente definidos, refere-se ao resultado obtido na amostra quando fortificada ao ao nível do do LMRAparte e é a concentração ao nível do arâmetros refere-sedefinidos, ao resultado obtido na amostra quando fortificada ao nível do LMR eanteriormente Acta Farmacêutica Portuguesa refere-se ao resultado obtido na amostra quando fortificada ao nível do LMR e LMR. • Vol. 2 N.º 1 88 Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal Amostra CONFORME Amostra NÃO CONFORME Figura 3 – Representação da declaração de conformidade/não conformidade das amostras Conclusões Referências Bibliográficas O processo de validação, de acordo com o disposto na 2002/657/EC1, contempla as flutuações experimentais (dia, operador, equipamentos, matriz) estando estas, também, reflectidas nas concentrações criticas CCα e CCβ determinadas na validação. Consequentemente, estes parâmetros reflectem de modo realista a variabilidade dos métodos. O conhecimento de CCα e CCβ, que caracterizam os métodos utilizados na rotina laboratorial para a pesquisa de medicamentos veterinários proibidos ou com LMR definido em alimentos de origem animal, permite ter a perceção do nível de confiança associado ao resultado analítico. Nesse sentido, a sucinta revisão apresentada sobre CCα e CCβ, a sua forma de cálculo e, sobretudo, como se interpretam os resultados obtidos no controlo oficial da presença de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal para consumo humano, não deixará de contribuir para uma melhor compreensão dos conceitos referidos e da sua aplicação na prática do dia-a-dia, à luz dos regulamentos da União Europeia. 1. Decisão da Comissão (EEC) Nº 2002/657/CE de 12 de Agosto de 2002, Off J Eur Union. 2002; L221: 8-36. 2 Directiva 2001/82/ EC de 6 de Novembro de 2001, revista e actualizada pela Directiva 2004/28/EC de 31 de Março de 2004, Off J Eur Union. 2004; L311: 1-66. 3 Decreto-Lei n.º 314/2009 de 28 de Outubro de 2009, Diário da República, 2009, 1.ª série, 209, 8106-8215. 4 Regulamento da Comissão (EU) Nº 37/2010 de 22 de Dezembro de 2009, Off J Eur Union. 2010; L15: 1-72. 5 International Standard Organization: ISO 11843, Capability of detection – Part 2: Methodology in the linear calibration case. 2000. ISBN: 978-0580-60989-3. 6 Verdon, E., Hurtaud-Pessel, D., Sanders, P., Accred Qual Assur. 2006; 11: 58-62. 7 van Loco, J., Jànosi, A., Impens, S., Fraselle, S., Cornet, V., Degroodt, J. M., Anal Chim Acta. 2007; 586: 8-12. 8 Antignac, J.P., le Bizec, B., Monteau, F., André, F., Anal Chim Acta. 2003; 483: 325-334. Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal Serviços farmacêuticos ou serviços das farmácias? 89 Opinião Fernando Fernandez-Llimos Departamento de Sócio-Farmácia, Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Av. Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa, Portugal. Já antes da promulgação da Portaria n.º 1429/2007 existia na nossa profissão um debate provocado pela polissemia da palavra “farmacêuticos”. Quer seja utilizada como adjetivo ou como nome1, esta palavra pode e está a causar confusão. • Farmacêutico: (adjetivo) relativo a farmácia. • Farmacêutico: (nome) titular de um grau universitário de Farmácia, que está apto a desempenhar várias atividades como a preparação e o fornecimento de medicamentos, o aconselhamento ao doente, etc. Neste caso, o dicionário da língua, como costuma acontecer em muitas outras situações técnico-científicas, é de pouca ajuda. Este problema das polissemias e das suas consequências não é exclusivo da língua portuguesa. Desde há mais de 20 anos, temos vindo a assistir à deterioração do conceito de cuidados farmacêuticos, tanto na língua portuguesa como no termo original inglês de pharmaceutical care. Chegámos a um ponto em que qualquer actividade pode ser considerada ‘cuidados farmacêuticos’. A definição original de 1990, ainda que altamente motivadora para muitos profissionais e académicos da área de farmácia,2 foi pouco esclarecedora no que se refere ao que são exatamente esses cuidados farmacêuticos. “Dispensa responsável da terapêutica farmacológica com o objectivo de alcançar resultados (outcomes) definitivos que contribuam para a melhoria da qualidade de vida do doente”. Naquela altura adorávamos estas coisas de “responsável” e de “melhoria da qualidade de vida do doente”. Recentemente foi publicado um editorial que mostrava algumas das fraquezas desta definição, se a quiséssemos seguir estritamente.3 Será que pharmaceutical care tem que estar associado à dispensa de medicamentos? Será que só se pode focar na melhoria dos resultados em saúde, e não apenas no processo de uso de medicamentos? Deve direcionar-se apenas para a melhoria da qualidade de vida, ou podem também melhorar outros resultados clínicos? E mais básico ainda, será que sempre tem que haver medicamentos envolvidos nesta actividade, deixando de fora os aconselhamentos nutricionais ou outros semelhantes? Neste caso, a polissemia que desencadeia esta confusão é a palavra inglesa ‘pharmaceutical’, que tanto pode ser utilizada como adjetivo (farmacêutico) ou como nome genérico (o conjunto de medicamentos e dispositivos médicos). Daqui que a dúvida sempre permanecesse: pharmaceutical care são os cuidados prestados por farmacêuticos, ou são os cuidados ao redor do medicamento? Com o intuito de alcançar uma definição que unisse todos os que trabalham nesta área, a Rede Europeia de Cuidados Farmacêuticos [PCNE: Pharmaceutical Care European Network] convocou para uma reunião investigadores na área dos cuidados farmacêuticos de todo o Mundo. Celebrou-se no passado 4 de Março de 2013 com a presença de europeus, americanos e australianos. Nesta reunião trabalhou-se com o esquema no fundo representado na Figura 1. A definição final acordada (ainda não publicada) foi “Pharmaceutical care is the contribution of pharmacists to the care of individuals in order to optimise medicines use and to improve health outcomes”, o que poderia traduzirse em Português como “Cuidados farmacêuticos são a contribuição dos farmacêuticos para os cuidados dos indivíduos de forma a optimizar o uso dos medicamentos e melhorar os resultados em saúde”. Ainda que tivéssemos alcançado uma definição unânime para Cuidados Farmacêuticos, não podemos esquecer que existem alguns serviços que Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 90 Serviços farmacêuticos ou serviços das farmácias? ser prestados nas farmácias, e que não têm que ser necessariamente prestados por farmacêuticos. A própria Portaria n.º 1429/2007 diz no seu primeiro artigo, o relativo ao seu objeto, “A presente portaria define os serviços farmacêuticos que podem ser prestados pelas farmácias”; e no seu artigo terceiro diz que os serviços têm que ser prestados “por profissionais legalmente habilitados”, sem confinar estes serviços aos farmacêuticos. Estes serviços foram chamados por alguns cognitive pharmacy services4, mas a tradução da palavra cognitivo para o Português não satisfaz a uma maioria. Mais recentemente foram denominados “professional pharmacy services”, com uma definição5 claramente diferenciadora da mencionada anteriormente para cuidados farmacêuticos. Professional pharmacy services consiste numa acção ou conjunto de acções conduzidos ou organizados por uma farmácia, prestados por um farmacêutico ou outro profissional de saúde, que aplica os seus conhecimentos especializados em saúde pessoalmente ou através de um intermediário, a um doente/utente, população ou outro profissional de saúde, para optimizar o processo de cuidados de saúde, com o objectivo de melhorar os resultados em saúde e o valor do sistema de saúde. A C Ainda que as definições pareçam clarificar-se, fica ainda por resolver a capacidade de avaliação da qualidade dos serviços prestados numa farmácia, e portanto, a responsabilidade sobre eles. A posição de representantes do INFARMED em diversas reuniões parece fundamentar-se em que os serviços, ainda que possam ser prestados por diferentes profissionais (tal como estabelece a Portaria), devem ser sempre prestados sob a responsabilidade do Director Técnico de cada farmácia. Se assim for, os serviços, ainda que prestados por outros, têm que estar sob as áreas de conhecimento e experiência do farmacêutico. Caso contrário não conseguirá avaliar se os serviços estão a ser prestados seguindo standards de boa prática ou não. Para evitar a confusão, parece que o mais apropriado seria utilizar duas denominações diferentes: uma para os ‘serviços do farmacêutico’, e outra para os ‘serviços da farmácia’. Ainda há muito por fazer, quer nos serviços de farmacêuticos quer nos de farmácias. O uso correcto da terminologia deve ajudar a compreender e prestar serviços de maior qualidade que melhorem a saúde dos cidadãos, doentes ou não. B Figura 1: Cenário de discussão para a definição de Cuidados Farmacêuticos [pharmaceutical care] A: Cuidados sobre os medicamentos (incluindo os cuidados fornecidos por outros profissionais da saúde); B: Cuidados fornecidos por farmacêuticos (incluindo outros cuidados como, promoção da saúde, nutrição, etc); C: Cuidados fornecidos por farmacêuticos sobre medicamentos (A∩B). 1 Farmacêutico In Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2013. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa?qsFiltro= 0&qsExpr=farmac%C3%AAutico>. (acesso 25-Abril-2013) 2 Hepler CD, Strand LM. Opportunities and responsibilities in Pharmaceutical Care. Am J Hosp Pharm 1990; 47: 533-543. 3 van Mil JW, Fernandez-Llimos F. What is ‘pharmaceutical care’ in 2013? Int J Clin Pharm. 2013 Feb;35(1):1-2. 4 Roberts AS, Benrimoj SI, Chen TF, Williams KA, Aslani P. Implementing cognitive services in community pharmacy: a review of facilitators used in practice change. Int J Pharm Pract 2006;14:163-170. 5 Moullin JC, Sabater-Hernandez D, Fernandez-Llimos F, Benrimoj SI. Defining professional pharmacy services in community pharmacy. Res Soc Admin Pharm 2013 [epub, ahead of print]. Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal 91 ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA Normas Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 92 Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal 93 NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS À ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA A Acta Farmacêutica Portuguesa, propriedade da Ordem dos Farmacêuticos, Secção Regional do Porto, aceita para publicação artigos originais de investigação, artigos de revisão ou outros que contribuam para o desenvolvimento dos conhecimentos científicos na área das Ciências Farmacêuticas e dos Cuidados Farmacêuticos. A Acta Farmacêutica Portuguesa publica artigos da iniciativa dos autores e solicitados pelos editores. Os artigos podem ser artigos originais e de revisão, em texto dactilografado a 2 espaços, e não devem ultrapassar as 10 000 palavras. Admitem-se ainda, entre quadros, figuras e fotografias, até 10 ilustrações. Qualquer artigo da iniciativa dos autores e os artigos solicitados pelos editores são sujeitos a um processo de revisão por pares Os artigos publicados, cujos conteúdos são da responsabilidade dos autores, ficarão propriedade da Acta Farmacêutica Portuguesa e não poderão ser reproduzidos, sem prévia autorização do seu Director, no seu todo ou em parte. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação, nem ter sido simultaneamente pro postos para publicação noutras revistas ou jornais. Os artigos apresentados à Acta Farmacêutica Portuguesa deverão apresentar um título, um resumo em português e em inglês, seguido pela inclusão de, no máximo, 5 palavras-chave, a descrição dos Autores, um corpo de texto e referências bibliográficas, de acordo com o indicado nas normas internacionais (estilo Vancouver). As ilustrações, a existirem, devem ser incluídas no corpo do texto. Todos os artigos deverão ser redigidos em português, sendo contudo aceites textos em inglês ou espanhol. A Acta Farmacêutica Portuguesa subscreve os requisitos constantes das normas de Vancouver, cuja última revisão publicada se encontra no sítio Internet do International Committee of Medical Journal Editors (ICJME) (http:// www.icmje.org). Normas de apresentação à Acta Farmacêutica Portuguesa Os artigos devem ser dactilografados em qualquer processador de texto e gravados nos formatos Microsoft Word, RTF ou Open Office. As páginas devem ser numeradas. A primeira página deverá incluir apenas o título do artigo, o nome do autor ou autores (devem usar-se apenas dois ou três nomes por autor), o grau, título ou títulos profissionais e/ou académicos do autor ou autores, o serviço, departamento ou instituição onde trabalha(m); a segunda página deverá incluir apenas o me, telefone, endereço de correio electrónico e endereço postal do autor responsável pela correspondência com a revista acerca do manuscrito; a terceira página deverá incluir apenas o título do artigo e um resumo, em Português e em Inglês, que não deve ultrapassar as 300 palavras, e no máximo cinco palavras-chave; as páginas seguintes incluirão o texto do artigo, devendo cada uma das secções, em que este se subdivida, começar no início de uma página; a página a seguir ao texto do artigo deverá conter o início do capítulo Referências Bibliográficas e incluir o capítulo Agradecimentos, quando este exista. As páginas seguintes deverão incluir as ilustrações. Estas devem ser enviadas cada uma em sua página com indicação do respectivo número (algarismo árabe ou numeração romana) e legenda. Gráficos, diagramas, gravuras e fotografias (figuras) deverão ser apresentados com qualidade que permita a sua reprodução directa. As figuras em formato digital devem ser enviadas como ficheiros separados, e não dentro do documento de texto. São aceites os formatos JPEG, TIF e EPS, preferencialmente com uma resolução de 300 pontos por polegada (dpi) ou superior. As Referências Bibliográficas devem ser marcadas no texto utilizando algarismos árabes, pela ordem de primeira citação e incluídas neste capítulo utilizando exactamente a mesma ordem de citação no texto. O numeral da referência deverá ser colocado antes da pontuação (ponto, vírgula, etc.). Se após uma frase houver lugar à citação de mais do que uma referência estas deverão ser separadas por vírgulas, excepto se forem sequenciais, onde deverão ser separadas por hífen. O uso de abreviaturas e símbolos, bem como as unidades de medida, devem estar de acordo com as normas internacionalmente aceites. O uso de negrito está reservado apenas a títulos e o itálico apenas nas referências bibliográficas, palavras estrangeiras e nomes técnicos das classificações científicas. A indicação da casa decimal, quando necessário, deve fazer-se através de uma vírgula. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 1 94 Avaliação do desempenho de métodos analíticos de pesquisa de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal Título Acta Farmacêutica Portuguesa Vol. 2 N.º 1 ISSN 2182-3340 Depósito Legal 335338/11 Execução Gráfica Minhografe – Artes Gráficas, Lda. Braga Tiragem 200 Exemplares Preço 10 Euros