Conflitos nos mares China - Jornal de Defesa e Relações
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Conflitos nos mares China - Jornal de Defesa e Relações
2013/12/09 Conflitos nos mares China Alexandre Reis Rodrigues Os conflitos marítimos que presentemente afetam a segurança e estabilidade nos mares do sul da China têm origem numa interpretação unilateral do governo chinês sobre os seus direitos históricos no domínio marítimo, interpretação que tem mais de seis décadas de existência. Na verdade, vem desde 1947, sendo, portanto, anterior à tomada do poder pelo Partido Comunista, que, no entanto, a adotou com pequenas alterações em 1949.1 Pequim tem considerado que estes direitos históricos devem prevalecer sobre os direitos que a Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar confere. Há, no entanto, um aspeto novo nesta questão. É a decisão chinesa de passar a uma fase de imposição prática da sua visão sobre os seus direitos, o que tem dado origem a repetidos incidentes no mar com os países vizinhos, agora alargados ao mar a leste da China, envolvendo o Japão e a Coreia do Sul. Esta situação passou a constituir um risco muito sério para toda a região e, indiretamente, para todo o mundo porque as linhas de navegação que atravessam a área são usadas por cerca de metade do tráfego marítimo mundial. Eis aqui uma das razões de que decorre a prioridade estratégica que os EUA tentam atribuir a toda a área Ásia/Pacífico. A China insiste em direitos de soberania sobre várias ilhas (Paracel e Sprately no mar do sul da China e Senkaka/Diaoyou no mar Leste da China) mas não é igualmente objetiva sobre o resto do domínio marítimo que considera abrangido pelas suas pretensões, como zona económica exclusiva. Presume-se que Pequim queira evitar a clarificação para, por um lado, não entrar em contradição com o seu estatuto de Estado signatário da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar e, por outro lado, não confrontar a visão das correntes de opinião mais nacionalistas que não aceitam cedências. Onde existem disputas, o governo chinês tem sugerido negociar uma exploração conjunta dos recursos que a área em questão possa conter em vez de submeter o assunto às Nações Unidas, mas esta postura não tem sido aceite pelas outras partes que receiam ficar assim explícito o reconhecimento da soberania chinesa.2 1 Trata-se de uma área que cobre 90% dos 3,5 milhões de quilómetros quadrados do mar do Sul da China e cuja delimitação, submetida às Nações Unidas em maio de 2007, é conhecida internacionalmente como “the nine-dotted line”. A interpretação chinesa foi, de imediato, formalmente contestada pelos países vizinhos, nomeadamente, as Filipinas, Vietname, Malásia, Brunei e Indonésia. Destes cinco Países só a Indonésia não tem pretensões territoriais na região em questão. Mas nem mesmo nestas circunstâncias tem conseguido manter-se livre de conflitos com a China, como se poderá ver na próxima nota de roda pé. 2 A Indonésia, por exemplo, tem procurado obter uma clarificação da posição chinesa sobre a forma de demarcar as suas águas de jurisdição, nomeadamente em relação à ilha indonésia “Natuna”, onde em 26 de março de 2013 ocorreu um grave incidente, mas Pequim em vez de responder diretamente insiste Página 1 de 3 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt Segundo Peter Dutton, diretor do Departamento “China Maritime Studies” no Naval War College, Pequim segue uma estratégia específica que visa proteger e permitir a concretização da sua visão sobre os seus interesses no mar. O objetivo final é levar os vizinhos a aceitar os seus “direitos históricos”. Poderá ter começado por ter sido uma estratégia centrada no emprego de meios não militares («non-militarized coercion»), conforme a caracterizou Dutton, mas, entretanto, a militarização da postura adotada é hoje perfeitamente patente, em especial no mar a Leste da China. A declaração unilateral feita a 23 de novembro de uma zona de identificação aérea centrada no arquipélago “Sensaka/Diaoyu” (“Air Defense Identification Zone”), que constitui uma disputa territorial com o Japão, é precisamente uma evidência de que Pequim quer mostrar-se firme nas suas pretensões. Até que patamar de conflitualidade pretende a China deixar evoluir os conflitos em que tem estado envolvida, quer a sul, quer a leste, é a questão que se põe de imediato a vizinhos e aos EUA. A incógnita não será desfeita brevemente porque Pequim tentará manter tanta ambiguidade quanto possível mas pode-se, certamente, contar com o reconhecimento de Pequim de que um conflito aberto não faria qualquer sentido; qualquer eventual ganho que daí pudesse resultar nunca justificaria o impacto negativo que iria cair sobre as suas relações comerciais e, em geral, sobre o funcionamento da sua economia. Calcula-se, portanto, que existe, entre a liderança chinesa, a perceção que há limites que não devem ser ultrapassados. Primeiro, para não desencadear uma resposta dos EUA. Segundo, porque, malgrado o esforço de reequipamento militar que tem sido feito, ainda existem limitações significativas, em especial para operar a maiores distâncias de costa.3 Isso comprova-se, de momento, pelo facto de, não obstante a imposição da zona de identificação aérea obrigatória atrás referida, Pequim estar a reagir militarmente com o maior cuidado aos diversos desafios que, em especial, o Japão lhe tem criado com voos na zona a ignorar os procedimentos exigidos.4 Os EUA também realizaram um sobrevoo de dois B-52, dois dias depois da zona entrar em vigor, mas as autoridades chinesas preferiram alegar que não chegaram a entrar no espaço em causa. Espera-se que as circunstâncias acima referidas impeçam a evolução da situação para o nível do confronto aberto, mas os incidentes, se não se acentuarem – o provável –, irão, pelo menos, persistir. Pequim quer passar uma imagem de determinação em afirmar-se como uma potência marítima capaz de defender os seus interesses e tomou medidas recentes que lhe garantem um controlo político estreito da situação. São disso testemunha vários ajustamentos recentes na em que os dois Estados devem negociar a delimitação das respetivas áreas marítimas. In “China’s claims and strategic intent in the South China sea, by Scott Bentley, 18 November 2013 e “China’s nine-dashed line in South China Sea, by David Lague. 3 Esta situação ir-se-á alterando com o tempo, embora lentamente. De momento, as Forças Armadas chinesas ainda não conseguem ser proficientes na condução de operações Aéreas sobre o mar e a grandes distâncias da costa mas a eventual concretização da aquisição de aviões SU-35 à Rússia, juntamente com a futura disponibilidade operacional do porta-aviões “Liaoming” para entrar em operações (o que ainda demorará alguns anos) alterará este quadro. 4 Trata-se de uma medida unilateral através da qual a China passou a exigir a identificação prévia dos aéreos que se aproximem da zona. Embora não se trate, exatamente, de uma medida impondo restrições de voo/passagem, assume-se que a falta de resposta aos procedimentos postos em vigor podem levar o País em causa a considerar que se trata de uma incursão que justifica uma resposta militar. Página 2 de 3 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt organização do Estado para lidar com estas questões, nomeadamente com a criação, em 2012, do “Maritime Rights Office” e, mais recentemente, do “Office to respond to Diaoyu crisis”, ambos liderados pessoalmente por Xi Jinping. Em qualquer caso, o risco de uma agudização do conflito vai continuar elevado, pelo menos nos tempos mais próximos. Tirando a Indonésia que tem procurado manter uma atitude de diálogo (talvez porque não tem territórios sob disputa, apenas diferentes interpretações sobre demarcações de áreas marítimas) todos os outros, com destaque para o Japão, estão numa postura que dão à China a oportunidade de invocar que se está a limitar a reagir ou defender os seus interesses. Independentemente dos direitos que assistam às partes nestas disputas, vertente que este artigo não pretendeu cobrir, de facto, a ativação por Pequim da zona de identificação aérea pode ser interpretada como retaliação a uma medida semelhante adotada por Tóquio em 1969 e cuja delimitação se tem vindo sucessivamente a alargar (foi estendida 22 quilómetros para Oeste em junho). Ou, então, como resposta à zona criada anteriormente por Seul e que agora está precisamente em vias de alargamento para cobrir ilhas a sul (Marado e Hongo) e uma estação de investigação construída sobre um recife que a Coreia do Sul reclama como seu território, não obstante tratar-se apenas de uma rocha submersa (“Socotra rock”, a 4,6 metros abaixo do nível do mar na maré baixa) sobre a qual foi construída um heliporto para apoio de atividades de investigação (Iedo Ocean Research Station).5 Aliás, o atual momento de crise decorre exatamente da decisão do Governo japonês em adquirir as ilhas do arquipélago Senkaku/Diaoyu ao seu proprietário privado para a seguir as nacionalizar, contra as recomendações dos EUA e vários sinais de Pequim a tornar claro que a decisão não seria aceite. A manter-se este ambiente, qualquer novo passo, quer a parte da China, quer da parte dos seus vizinhos, acarretará, com elevada probabilidade, preocupantes riscos de escalada que poderá ser cada vez mais difícil controlar. 5 Quer a China, quer a Coreia do Sul, consideram que este recife submerso encontra-se localizado dentro da respetiva zona económica exclusiva Página 3 de 3
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