reformulação de programas de tradução: relato de uma experiência
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reformulação de programas de tradução: relato de uma experiência
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. ReFormulação de Programas de Tradução: relato de uma experiência de team teaching na gestão de Exercícios de Tradução Português-Croata-Português, na Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb SARIĆ, Daliborka 1 SOARES, Sofia Campos 2 RESUMO PALAVRAS-CHAVE: Team Teaching; Prática Pedagógica, Português Língua Estrangeira; Tradução O objectivo deste trabalho é apresentar uma proposta metodológica aplicada ao ensino de PLE a nível universitário. Trata-se de uma experiência que surgiu durante o passado ano lectivo, enquadrada no conceito de team teaching, na gestão da cadeira Exercícios de Tradução Português-Croata-Português, (2º Ciclo de Bolonha, 7º e 8º semestres do curso de Língua e Literatura Portuguesas), repartida por um leitor local e um leitor nativo, na Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb. Apesar de o conceito de team teaching ser, por vezes, negligenciado na prática universitária e investigação académica, e de os relatos de experiências destacarem mais as desvantagens do que as vantagens de tal opção pedagógica, o facto é que os resultados provenientes desta experiência permitiram conduzir o conceito de team teaching a um modelo menos tradicional e mais flexível, no que diz respeito ao ensino de PLE em contexto universitário. Tratando-se da apresentação e análise de um caso de estudo profissional, o presente trabalho não pretende contemplar os frequentemente referidos atritos, incompatibilidades de perfis, noções de confiança e liderança, normalmente associados ao conceito de team teaching em textos da especialidade, mas sim, fazer o relato de uma experiência, analisá-la, mostrar os resultados obtidos e, por fim, propor uma reformulação dos programas de Tradução de PLE, centrada na resolução de tarefas, reveladora de níveis de motivação, interesse e empenho muito elevado por parte dos estudantes. 1 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. Contexto Educativo As cadeiras de Exercícios de Tradução Português-Croata-Português III & IV fazem parte do 7º e 8º semestres do plano de estudos do curso de Língua e Literatura Portuguesas (1º ano do 2º Ciclo de Bolonha) ministrado na Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb. Não se trata, portanto, de uma licenciatura ou mestrado em Estudos de Tradução ou Tradução Especializada, mas apenas de duas das seis cadeiras de opção em Tradução (Exercícios de Tradução I, II, III, IV, Tradução de Textos Literários I e II) oferecidas ao longo dos 10 semestres do curso, podendo os alunos inscrever-se numa ou outra sem obrigatoriedade de as frequentarem todas. Não obstante não se tratar de um curso de especialização em Tradução, não significa que ao longo do seu percurso académico, os alunos não recebam alguma formação no âmbito da tradução direccionado para o mercado de trabalho, que embora escasso, tem vindo a crescer. Foi nesse sentido que o programa de Exercícios de Tradução III & IV foi concebido, paralelamente com o desejo de pôr os alunos em contacto com uma tipologia de registos mais contemporâneos, quotidianos, com uma marcada carga estilística, ministrado por um leitor português, à partida mais confortável com as implicações semânticas e culturais associadas a este tipo de textos. Neste caso específico, o leitor português já tinha conhecimentos suficientes de croata para poder ser responsável por esta cadeira, daí que tenha surgido a ideia de conceber um programa nos moldes do que aqui apresentamos. Não é prática comum leitores estrangeiros ministrarem as cadeiras em Tradução, (no momento, na Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb, a Cátedra de Língua e Literatura Portuguesas é a única a 2 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. oferecer esta possibilidade) porém, em colaboração directa com um leitor local, torna-se possível pôr este programa experimental em prática. O quadro que apresentamos de seguida ilustra o programa da cadeira, como foi inicialmente concebido, para 15 semanas lectivas. Quadro I - Programa de Exercícios de Tradução III e IV, 7º e 8º Semestres do Curso de Língua e Literatura Portuguesas (2008/2009) da Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb Módulo Programa Apresentação do programa, do modo de avaliação, da metodologia e da bibliografia da disciplina. Discussão sobre os tipos de trabalhos de tradução mais solicitados na Croácia. Poesia - Análise e comparação de traduções croatas de poesia portuguesa contemporânea. Análise e discussão das diferentes propostas de tradução. Texto literário – Tradução de um excerto de texto contemporâneo croata com registo marcadamente coloquial. Módulo 1 Análise e discussão das diferentes propostas de tradução. Monografia turística – Tradução de um excerto de uma Monografia Turística em Português sobre Zagreb. Análise e discussão das diferentes propostas de tradução. Apresentação e avaliação dos projectos do 1º Módulo. Simulação de tradução consecutiva 1 – Escritor convidado. Módulo 2 Simulação de tradução consecutiva 2 – Debate sobre Turismo Português na Croácia. Simulação de tradução consecutiva 3 – Músico convidado. Apresentação e avaliação dos projectos do 2º Módulo. Tradução de um sketch humorístico do Gato Fedorento para croata. Análise e discussão das diferentes propostas de tradução. Tradução de um documentário croata sobre o músico Edo Maajka. Análise e discussão das diferentes propostas de tradução. 3 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. Módulo 3 Tradução de uma curta-metragem portuguesa. Análise e discussão das diferentes propostas de tradução. Apresentação e avaliação do projecto final: Tradução e legendagem de curtas-metragens portuguesas. Nos últimos anos, na Croácia, têm surgido muitas solicitações no domínio da tradução de monografias turísticas e também, com o crescente influxo de turistas portugueses, alguns dos nossos alunos e ex-alunos desempenham funções de guias turísticos e operadores de agências de viagens direccionados para o mercado português, solicitando sempre a ajuda dos seus professores na execução das suas funções. Sendo assim, a inclusão de tarefas que os preparem para tais situações pareceu-nos muito pertinente, trabalhando não só com textos de índole turística nos dois idiomas, mas também criando simulação de situações em que tradução consecutiva é necessária. Uma outra situação recorrente é a visita de escritores, músicos, poetas, conferencistas portugueses, tornando necessária a presença de um tradutor em lançamentos de livros/discos, festivais, encontros internacionais, congressos e sessões de leitura – actividades para as quais frequentemente se convoca a colaboração de estudantes deste curso – daí a necessidade premente de os preparar melhor nesse sentido. De referir ainda é o facto de igualmente surgirem solicitações junto dos nossos alunos para traduzirem e legendarem filmes portugueses e brasileiros, integrados em festivais e ciclos de cinema na Croácia. Tratando-se de uma tipologia de textos (de facto, diálogos) de cariz bem diferente do género a que estão mais habilitados a traduzir (textos literários e textos funcionais), acreditámos que seria um desafio extremamente interessante introduzir no programa um módulo dedicado à tradução de sketches, documentários e curtas-metragens. 4 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. No que diz respeito à metodologia, desde o início da concepção deste programa, considerámos que este deveria ser task based, confrontando sempre os alunos com a realização de tarefas que exigissem um constante reequacionar dos seus conhecimentos e competências, problematizando possibilidades e soluções pelo confronto das propostas de tradução originadas em cada tarefa. Desenvolveremos o modo como esta metodologia é aplicada mais adiante. No decorrer do semestre, tornou-se claro que a colaboração do leitor croata era mais e mais importante, levando-nos a questionar o modo como o programa estava a ser conduzido. Faria realmente sentido ser apenas o leitor português a monitorizar as tarefas em contexto de sala de aula, sendo todo o trabalho de preparação, análise e correcção dos textos traduzidos realizada por ambos os leitores? Faria ou não sentido uma reformulação do modo de pensar a gestão repartida das tarefas na sala de aula, sublinhando as práticas de team teaching? Até que ponto lucrariam os nossos alunos com esta reformulação? No sentido de responder a estas dúvidas, passaremos à análise do conceito de team teaching. Considerações Sobre Team Teaching Analisando bibliografia sobre team teaching, surpreende o facto de a maioria se ocupar da filosofia e história por detrás do conceito, assim como também da enumeração exaustiva das vantagens e desvantagens de tal prática, sendo estas últimas as mais mencionadas, elaboradas e defendidas, repletas de relatos sobre as dificuldades, 5 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. desafios, consumo de tempo, atritos profissionais e causa de confusão e frustração nos próprios alunos (BENOIT & HAUGH, 2001). Numa primeira fase, poderíamos definir team teaching como “ o trabalho de equipa conduzido por dois [ou mais] professores qualificados, que, em conjunto, fazem apresentações perante uma turma” (QUINN & KANTER, 1984), mas urge então questionar os papéis que ambos ocupam na fase de planificação, execução e avaliação do trabalho realizado, assim como o modo como essa prática se reflecte no contexto de sala de aula. O seguinte quadro propõe sumarizar muito brevemente aquilo que vários teóricos apontam como parâmetros na definição de categorias e modelos de team teaching, partindo da proposta de Maroney, à qual Robinson & Schaible e Goetz adicionaram alguns elementos e nós, a nossa proposta. Quadro II – Categorias e Modelos de Team Teaching (MARONEY, 1995) Categorias e Modelos de Team Teaching Categoria A Dois ou mais professores trabalham juntos nas fases de planeamento, execução e avaliação dos conteúdos, com os mesmos alunos, na mesma sala de aula, simultaneamente Modelos de Team Teaching (exemplos práticos) Tradicional Enquanto um é responsável pela apresentação dos conteúdos, o outro faz um esquema no quadro ou trabalha com projecções que auxiliam a compreensão. Colaborativo 1 Este modelo segue o Tradicional, porém, ambos discutem os conteúdos durante a apresentação, trocando ideias e revelando perspectivas diversas, em frente da turma. Normalmente os alunos trabalham em pequenos grupos. Complementar Um é responsável pela apresentação dos conteúdos e o outro sugere e 6 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. ou Auxiliar Paralelo desenvolve exercícios práticos. A turma é dividida em dois grupos e cada um é responsável por apresentar os conteúdos e desenvolver os exercícios com o respectivo grupo. Divisão A turma é dividida em dois ou mais grupos de acordo com as suas diferenciada da características e necessidades específicas de aprendizagem. Cada um turma trabalha com o(s) respectivo(s) grupo(s), fornecendo-lhe(s) o input necessário. Monitorizado Um é responsável por toda a dinamização da aula, enquanto que o outro apenas circula pela sala de aula, verificando o trabalho e comportamento dos alunos. Categoria B Dois ou mais professores trabalham juntos nas fases de planeamento e avaliação dos conteúdos, mas não têm necessariamente de trabalhar com os mesmos alunos, nem juntos na sala de aula. Categoria C 2 Um coordenador é responsável pelos conteúdos, por todo o planeamento e avaliação, porém, trabalha isoladamente para uma equipa que será responsável pelas aulas. 1 – (ROBINSON & SCHAIBLE, 1995) 2 – (GOETZ, 2000) Como já referimos anteriormente, não é objectivo deste trabalho analisar as implicações da prática de team teaching nas suas diferentes modalidades, mas sim observar o modo como estes modelos podem vir a ser reformulados e valorizados no contexto de uma prática educativa específica, alicerçada na criação de soluções e condições melhores para a aprendizagem em determinadas áreas, permitindo a criação de novas abordagens de ensino-aprendizagem, como foi o caso da experiência que aqui apresentamos. “Não existe nada de misterioso ou excepcionalmente único nesta abordagem” (SHAFER, 1983), mas sim um modelo de ensino-aprendizagem que em certos casos pode ser óptimo e noutros pode ser desadequado e ter resultados catastróficos. “Não existe um modelo único de team teaching que irá resultar em sucesso automático” (GOETZ, 7 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. 2000), como “não abundam textos da especialidade que ofereçam directrizes práticas passo-a-passo para o sucesso de uma equipa pedagógica, talvez pelo medo existente de seguir fórmulas prescritivas” (BENOIT & HAUGH, 2001), ou, acrescentaríamos nós, pelo perigo de o fazer como tentativa de aplicar fórmulas pré-concebidas onde estas são descabidas. Na nossa óptica, um modelo de team teaching não deveria partir da instituição ou imposto por esta, mas sim dos próprios professores, pela necessidade de o implementar, como aconteceu no nosso caso. Tal opção deve fundamentar-se na procura de novos rumos para a sua prática profissional, fazendo uso das energias da especialização e perfil de cada profissional, com o intuito de assim alargar os horizontes das possibilidades de ensino-aprendizagem que a formação universitária pode oferecer como fonte de investigação e desenvolvimento de metodologias e abordagens. Pode facilmente verificar-se no Quadro II que é na fase de execução que as diferenças se destacam, tendo os professores papéis demarcados, ocupando-se de actividades distintas, dividindo claramente as suas funções. Existem vários relatos precisos (BENOIT & HAUGH, 2001) de como esses papéis são distintos, chegando-se ao extremo, estamos em crer, de definir o estabelecimento de sinais e olhares entre os dois professores, movimentações predefinidas na sala de aula, quem tem melhor dicção (apresenta os conteúdos), quem tem melhor caligrafia (escreve no quadro), que transições vão aplicar no momento de intervir, entre muitos outros detalhes, que acreditamos estarem na origem das reacções negativas que comummente advêm desse tipo de categorização exaustiva de team teaching. É precisamente neste ponto que surge a proposta uma outra categoria, que nasceu espontaneamente no decorrer da gestão do programa de Exercícios de Tradução III & IV, na qual esta divisão distinta de tarefas 8 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. não se verifica, mas se funde, completa e interage: ambos os professores são responsáveis por todas as etapas de planeamento, execução e avaliação, trabalham com o mesmo grupo de alunos, estando ou não em simultâneo na sala de aula dependendo do cariz da tarefa. Reformulação de modelos de Team Teaching Para melhor analisar e contextualizar o surgimento desta Categoria D de team teaching, faz sentido ilustrar como esta foi posta em prática na gestão do programa de Exercícios de Tradução III & IV, pelo que atentemos ao Quadro III, no qual expomos o plano de execução da primeira tarefa do Módulo 3 do programa da cadeira (ver Quadro I) “Tradução de um sketch humorístico do Gato Fedorento para croata”. Quadro III – Modelo de Preparação/Execução/Avaliação de uma tarefa Actividade Preparação 1 Aula 1 Tradução de um sketch humorístico do Gato Fedorento para croata. Escolha e tradução do sketch, feita em conjunto, discutindo várias possibilidades de tradução, anotando possíveis erros de tradução esperados, quer pela natureza do registo do texto, quer pelo conhecimento que já se possui sobre o domínio linguístico dos alunos e características de ambas as línguas. - Os alunos vêem o sketch várias vezes na aula (com a presença do professor português) e discutem vocabulário novo, marcadores estilísticos, nuances do registo humorístico e suas implicações semânticas e culturais. - Os alunos começam a traduzir o texto, que devem concluir em casa e enviar por e-mail a ambos os professores. 9 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. Preparação 2 Juntos, ambos os professores analisam e corrigem as traduções, anotando e comentando os aspectos que irão ser trabalhados nas aulas (desvios muito flagrantes e razões para tal; erros estilísticos; escolha de vocabulário; soluções de excelência; etc.) Aula 2 - Com a presença dos dois professores ou apenas com a presença do professor croata, são destacadas as frases que causaram mais divergências, solicitando a participação dos alunos, apresentando à turma a proposta de tradução que enviaram por e-mail. - Ao analisarem as várias traduções que surgiram, os alunos vão corrigindo, comparando, analisando os pontos fracos e fortes das várias possibilidades que surgem, enquanto o(s) professor(es) monitoriza(m) a discussão. Avaliação Para além da avaliação quantitativa formal das traduções enviadas por e-mail, os alunos são avaliados nas duas aulas (observação directa), pela colaboração na resolução dos problemas e pelas propostas apresentadas durante as discussões. Tendo em consideração que se trata de traduzir um texto (de facto, um vídeo) de português para croata, a aula em que os alunos contactam com o texto pela primeira vez é conduzida pelo professor português. É nesse momento que os alunos vão começar a “entrar” no texto, a compreender o índice de humor transportado na cuidada escolha de vocabulário e estruturas sintácticas, tão típicas do Gato Fedorento (grupo de quatro humoristas portugueses muito populares nos últimos anos, caracterizados por um humor muito próprio, ousaríamos dizer, riquíssimo do ponto de vista linguístico), uso frequente de idiomatismos, marcadores de oralidade, implicações culturais, questões de índole gramatical, tom, entre tantos outros aspectos. Não se trata de uma tarefa fácil, sem dúvida, mas de alto valor motivacional, uma vez que os alunos não só se sentem entusiasmados por trabalharem este tipo de registo, mas também pela possibilidade que lhes é dada de terem de se esforçar por, na sua própria língua, trazer toda a carga humorística e cultural alicerçadas no sketch. Após a discussão e análise de todas essas 10 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. questões, monitorizada pelo professor português, os alunos começam a traduzir o texto, normalmente em pares, e dentro de alguns dias enviam as suas traduções por e-mail para ambos os professores. Uma vez que o trabalho de selecção, análise e tradução do texto já foi realizada em conjunto pelos professores, ao lerem as traduções enviadas pelos alunos, chegou o momento de verificar como as áreas críticas previamente identificadas foram resolvidas, a escolha de vocabulário, os idiomatismos e marcadores de oralidade escolhidos, a qualidade dos textos e soluções oferecidas pelos alunos. Nessa fase, seleccionam-se também os aspectos que serão alvo de análise na próxima aula, uma vez que pretendemos sempre que os alunos confrontem as suas escolhas, verifiquem as várias possibilidades, compreendam os seus erros, contribuindo, desse modo, para a construção de uma (por vezes mais do que uma) tradução de boa qualidade a todos os níveis. Nessa segunda aula, faz sentido que seja o professor croata a monitorizar os trabalhos na sala de aula (mas poderão estar ambos presentes), porque acreditamos que melhor poderá fazer com que os alunos entendam as implicações na sua língua materna e complexidades à tarefa que estão a executar. Dada a natureza do programa de Exercícios de Tradução III & IV, este tipo de ensinoaprendizagem cooperativo revelou-se muito estimulante, distanciando-se da ingestão passiva de soluções que caracteriza outras abordagens profissionais. O papel dos professores é o de ajustar os alunos à realidade e nesta não existe só uma verdade nem uma solução. Os alunos sentem-no porque se vêem construtores do seu próprio saber, pensando por eles mesmos através desta prática, que “permite aos alunos desenvolver as 11 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. suas capacidades de raciocínio crítico independente, uma vez que eles têm a possibilidade de escolher de um leque de alternativas, de um modo intelectualmente responsável […] tomando consciência da natureza [complexa e] paradoxal do conhecimento (SHAFER, 1983). Paralelamente, “a cooperação que os alunos observam nos seus professores serve de modelo para a aprendizagem de atitudes e modelos positivos de trabalho de equipa” (ROBINSON & SCHAIBLE, 1995), muito importantes na sua formação interpessoal. Os alunos têm consciência que os seus professores se propuseram a esta abordagem com o intuito de criar melhores soluções e condições de ensino-aprendizagem, o que lhes transmite confiança e fortalece laços de cooperação, ao contrário do que alguns textos teóricos sobre team teaching observam, insistindo nas frustrações e confusão que tal abordagem provoca nos alunos. Não é demais reforçar que “o projecto de team teaching se pauta por uma abordagem pedagógico-didáctica que considera os alunos como centro e eixo desencadeador e construtor de saber” (GONÇALVES, 2004). Se este trabalho de team teaching não fosse realizado deste modo, nós, enquanto professores, no isolamento que por vezes caracteriza a profissão, não nos aperceberíamos das inúmeras vantagens em jogo, nem conseguiríamos trabalhar aspectos tão complexos e frequentemente abertos a interpretações várias e até contraditórias, como as tarefas em questão nos permitiram observar. Apesar do conhecimento que ambos têm da sua língua materna e da língua alvo que ensina e com que trabalham nos seus percursos profissionais, este modelo de team teaching permitiu aprofundar diversos campos de conhecimento e repensar o processo de ensinoaprendizagem. Isso é conhecimento. E como defende GOETZ, team teaching possibilita 12 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. learning journeys (GOETZ, 2000) não só ao par pedagógico, mas também aos alunos envolvidos. Considerações Finais Dada a natureza e complexidade da matéria que nos desafia como professores de língua estrangeira, torna-se imprescindível a aplicação de abordagens como a que acabámos de descrever, resultante da uma experiência pensada, sujeita a reformulações e aberta a novas possibilidades. Cientes de todo o trabalho e consumo de tempo que uma tarefa assim exige, afirmamos com convicção que nunca nos teria sido possível conceber um programa tão diverso, seleccionar textos de índole tão específica e de registos variados, nem de manter o nível de motivação e empenho dos nossos alunos tão elevado, se não nos tivéssemos aventurado pelos caminhos do team teaching. Poderíamos ter pensado um programa com um professor apenas, mas desse modo, trabalhando isolado, as tarefas propostas e os textos seleccionados adequar-se-iam tanto ao seu nível de fluência, que dificilmente se aproxima de um falante nativo como a capacidade de desvendar todas as nuances subjacentes no acto comunicativo. Desse modo, perderiam os alunos a possibilidade de se verem envolvidos em tarefas tão exigentes do ponto de vista linguístico e cultural, porém de extrema relevância para a sua preparação académica e profissional, como perderíamos nós, professores, por não conduzir a nossa prática de ensino-aprendizagem a este nível. 13 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 37 – Tradução e interpretação na sociedade do conhecimento: III jornadas internacionais de tradução na Universidade de Évora. Referências Bibliográficas BENOIT, R. & HAUGH, B. (2001) Team Teaching Tips of Foreign Language Teachers. The Internet TESL Journal, Vol VII, No 10, Oct 2001 GOETZ, K. (2000) Perspectives on Team Teaching. Egallery, 1 (4) [retrieved 1 Sep 2004, verified 29 Jan 2005] http://www.ucalgary.ca/~egallery/goetz.html GONÇALVES, Mª. Lurdes, (2004) Teamteaching: formação em trabalho colaborativo. Colóquio sobre Formação de Professores: Mudanças educativas e curriculares…e os Educadores/Professores?. Universidade do Minho. Braga, 2004. http://portfolio.alfarod.net/doc/artigos/2.Teamteaching.pdf MARONEY, S. (1995) Team Teaching. [on-line]. Available: http://www.wiu.edu/users/mfsam1/TeamTchg.html (14 Oct 1999) QUINN, S. & KANTER, S. (1984). Team Teaching: An Alternative To Lecture Fatigue. (JC 850 005) Paper in Abstract: Innovation Abstracts (Eric Document Reproductive Service No. ED 251 159) ROBINSON, B. & SCHAIBLE, R. M. (1995) Collaborative Teaching: Reaping the Benefits, College Teaching, 43 (2), 57-60 SHAFER, I. (1983) Team Teaching: Education for the Future. National Meeting of the American Culture Association,Wichita, Kansas. Apr 1983. http://www.usao.edu/~fachsaferi/teamteaching.htm [citações no corpo do texto traduzidas pelas autoras] 14