Hedge Funds - Instituto Jurídico

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Hedge Funds - Instituto Jurídico
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PA P E R S
BOLETIM
DE CIÊNCIAS
ECONÓMICAS
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Júlio César de Lima Ribeiro
H E D G E F U N D S , CRISES FINANCEIRAS E
RESP OS TA S REG U L ATÓ RIAS DAS AU TO RIDADES
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SÉRIE BCE
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I NSTITUTO J URÍDICO
F ACULDADE DE D IREITO
U NIVERSIDADE DE C OIMBRA
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WORKING PAPERS
BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS
Júlio César de Lima Ribeiro
Hedge Funds, Crises Financeiras e
Respostas Regulatórias das Autoridades
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EDIÇÃO
Fa c u l d a d e d e D i reit o d a Un iver sid ad e d e C oimbr a
In st it ut o Jur íd ico
DIREÇÃO
Luís Pe dro Cunha
lp c @ fd. u c . pt
REVISÃO EDITORIAL
Isaías Hip ólit o
i h i p ol i to@ fd . uc . p t
CONCEPÇÃO GRÁFICA | INFOGRAFIA
A n a Paula Silva
a p si l v a @ fd . uc . p t
CONTACTOS
bce@f d .uc.p t
P á t i o d a U n i v er sid ad e | 3 0 0 4 -5 4 5 C oimbr a
ISBN
9 7 8 -9 8 9 -9 8 2 5 7 -7 -2
© F EVEREI RO 2014
INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA
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HEDGE FUNDS, CRISES FINANCEIRAS E
RESPOSTAS REGULATÓRIAS DAS AUTORIDADES 1
Júlio César de Lima Ribeiro
RESUMO: O presente artigo tem por objeto a análise da atuação dos
hedge funds no cenário econômico internacional e as atividades (atribuídas
a eles) como de risco para o sistema financeiro. O estudo busca estabelecer a ligação entre esses fundos e as últimas crises de caráter global, bem
como traçar considerações acerca das principais estratégias e medidas
que vêm sendo tomadas pelos diferentes organismos internacionais, no
sentido de tentar regulá-los.
DESCRITORES: hedge funds; fundos de investimento; sistema financeiro; crises financeiras; regulação.
O texto deste artigo corresponde, com algumas alterações, ao relatório
apresentado no Seminário de Sistema Financeiro (Doutoramento em Ciências
Jurídico-Empresariais), no ano de 2013, na Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra – FDUC.
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HEDGE FUNDS, FINANCIAL CRISES AND
REGULATORY ANSWERS FROM THE AUTHORITIES
ABSTRACT: The purpose of this paper is the analysis of the performance of hedge funds in the international economic scenario and the
analysis of the activities assigned to them as activities of risk vis-à-vis
the financial system. The study seeks to establish the link between these
funds and the latest global crisis, as well as to outline the key strategies
and measures that have been taken by various international organizations to regulate and control the activities of the hedge funds.
KEYWORDS: hedge funds; investment funds; financial system; financial crises; regulation.
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
1. Introdução
Ao longo da década de 1990, o sistema financeiro foi alvo
de instabilidades financeiras cujos efeitos atingiram negativamente
agentes econômicos de todo o mundo. Esses episódios alertaram as
autoridades nacionais e internacionais para o fato de que o sistema
financeiro mundial está cada vez mais integrado e que, ainda que
isso seja positivo no que se refere à ascensão econômica, as instabilidades podem gerar efeitos de contágio e se alastrarem a nível mundial. Não obstante, no ano de 2008 deflagrou uma crise financeira
sem precedentes. Embora iniciada nos Estados Unidos, tamanho era
o grau de ligação entre os agentes econômicos envolvidos no colapso,
que a quebra de um deles acabou por desencadear a falência de diversos outros no mundo todo. Os prejuízos foram incalculáveis e os
impactos da crise são percebidos, especialmente no que se refere à
reação regulatória governamental, até os dias atuais.
Em razão disso, as autoridades, que já vinham adotando
determinadas medidas para a prevenção das crises, se alarmaram
para a necessidade, de caráter emergencial, de uma ampliação dos
mecanismos de regulação e supervisão do sistema financeiro. Desde
então, diversas medidas vêm sendo tomadas nesse sentido. Tanto as
autoridades nacionais, quanto as internacionais vêm editando conjuntos normativos e criando mecanismos para tentar manter a estabilidade do sistema financeiro. Entretanto, essa tarefa não é fácil e
diversas são as dificuldades a serem enfrentadas nesse intento.
Dentre esses obstáculos, destaca-se a dificuldade no controle
da atuação dos hedge funds. Tais fundos de investimento, além de se
situarem muitas das vezes à margem das diretivas legislativas obrigatórias para outros fundos, possuem posição de grande importância
no mercado financeiro mundial. Isso porque são responsáveis por um
elevado volume de operações financeiras na atualidade, que, em grande parte, movimentam altos montantes de capital. Logo, possuem
um grande poder de alavancagem e significativa influência nas tendências do mercado a nível mundial. Assim, podem contribuir para o
crescimento do mercado, contudo, podem, por outro lado, participar,
agravar ou até mesmo (ao menos em tese), causar crises financeiras.
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Desse modo, desde a criação desse tipo de fundo de investimento, cada Estado Nacional, à sua maneira, se aparelha em vias
de tentar regulamentar e supervisionar os hedge funds. Por meio das
Autoridades Reguladoras Nacionais (ARN) respectivas, há diversas
diretrizes normativas relacionadas com o registro e o fornecimento
de informações às autoridades por parte desses fundos. Contudo,
com o mercado globalizado, com operações realizadas por meio da
internet em qualquer parte do mundo, bem como em razão da possibilidade de manterem versões ou seu centro estrutural offshore2, o
controle interno e singular de cada Estado Nacional é cada vez mais
difícil e, por vezes, ineficaz. Desse modo, a nível mundial e, especialmente, no caso da União Europeia (UE), em que há cada vez mais
uma maior integração financeira, bem como no caso dos organismos internacionais, que reúnem as principais economias do mundo,
o assunto não poderia deixar de ser tratado.
Por esse motivo, este estudo tem como objetivo reunir informações relativas à atuação dos hedge funds, os fatores de risco3 reOffshore hedge funds são os fundos de hedge registrados em países que
permitem o exercício de atividades financeiras para não residentes e, na maioria
das vezes, possuiu uma regulação mais branda (business-friendly regulation) no que se
refere à constituição e regulação desses fundos. Exemplos dos mais conhecidos
desses “offshore centers” são as ilhas Cayman, a Suíça e as Bahamas, entre muitos
outros. Onshore, por outro lado, é o termo utilizado para designar os hedge funds
devidamente registrados nos países onde realizam a maior parte dos seus investimentos.
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Considerando a existência da dicotomia entre os conceitos de ‘risco’ e
‘incerteza’ (cujas bases foram lançadas por Frank Hyneman Knight e John Maynard Keynes), convém mencionar que este trabalho não tem o intuito de realizar
grandes digressões a respeito dessa divisão. Não obstante, no tópico 6. – “As
principais dificuldades enfrentadas pelas autoridades na regulação e supervisão
dos hedge funds” –, pretende-se fazer menção da influência desta dicotomia nas
estratégias de controle dos hedge funds por parte das autoridades. Ab initio, convém
apenas mencionar que, enquanto o risco está ligado à ideia de previsibilidade de
eventos futuros (a partir de um conjunto de probabilidades), a incerteza corresponde ao oposto; ou seja, à imprevisibilidade de eventos futuros. Esses conceitos
ligados ao sistema financeiro permitem afirmar que, se há risco, as instabilidades
financeiras são previsíveis, enquanto que, se há incerteza, as instabilidades são
imprevisíveis. Tendo em vista que, como observa José Manuel Gonçalvez Santos
Quelhas, a mainstrem economics reduz a incerteza ao risco (José Manuel Gonçalves Santos QUELHAS, Sobre as crises financeiras, o risco sistémico e a incerteza sistemática,
Coimbra, Almedina, 2012, 669), é corrente a utilização da palavra risco, tanto em
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lacionados com sua atividade, sua relação com as crises financeiras,
os meios de regulação e supervisão de sua atuação, bem como o que
já foi e o que vem sendo discutido a título de regulamentação, pelos organismos supranacionais. Por fim, pretende-se apontar quais
as principais dificuldades enfrentadas pelas autoridades nacionais e
internacionais na tarefa de controlar a atuação desses fundos de investimento.
2. Hedge Funds: individualização e principais características
Dentre os diferentes fundos de investimento que movimentam grandes quantias a nível internacional, destacam-se, em razão
do constante crescimento do número de fundos e do volume e
elevada quantia envolvida em suas operações4, os hedge funds. Esses instrumentos, ainda que, em princípio, sejam mais uma espécie
de fundos de investimento, possuem características específicas, que
os diferenciam dos demais organismos de investimento coletivo, de
modo que merecem uma investigação pormenorizada.
Em verdade, a classificação de um fundo de investimento
como hedge, depende, em parte, de seus objetivos e em parte, do
tipo de operações que realiza. De modo geral, o mercado reconhece
como de hedge aqueles fundos que têm como intuito a busca da
maior rentabilidade possível (mesmo que envolvendo elevado
risco) e que, para tanto, se utilizam de todas as possibilidades de
investimento disponíveis no mercado5. São características dos hedge
documentos oficiais quanto por diversos estudiosos e pesquisadores que trabalham com o sistema financeiro e com a atuação de seus agentes. Daí o motivo de
se falar em fatores de risco ligados à atividade dos hedge funds. Assim, tanto neste
trecho, como em outros do trabalho, a utilização da palavra risco estará ligada
apenas à ideia de ‘predisposição a causar instabilidades financeiras’; ou seja, sem
ligação com a sua previsibilidade ou imprevisibilidade.
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De acordo com levantamento realizado pela PERTRAC, empresa especializada em análise e serviços para profissionais de investimentos, publicado
no segundo semestre de 2012, o número de hedge funds em operação chega a mais
de 10 mil e o valor que mantêm em ativos ultrapassa a soma dos 2,3 trilhões de
dólares. Conforme: PERTRAC, Sizing the headge fund universe - First half 2012. Resources. Pertrac Researchs. New York, Agosto, 2012. Disponível em: <http://
www.pertrac.com/resources/pertrac-research/sizing-the-hedge-fund-universe-first-half-2012>. Acesso em 15/12/2012.
5
Lowenstein menciona: (…) unlike mutual funds, they can concentrate their
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funds, investimentos em múltiplos e diferentes ativos de forma
combinada e estratégica, a alta alavancagem6, o uso de derivativos7
e o emprego de táticas sofisticadas de mercado, tal como o short
selling8, o event driven9 e a global strategy10, entre muitas outras. Além
disso, usualmente, os investidores, para serem admitidos nesses
fundos, precisam aportar quantias significativas de capital, que
ficam à disposição do gestor para as aplicações, com diferentes e
complexas técnicas de investimento, na mais variada gama de ativos
disponíveis no mercado.
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portfolios with no thought to diversification. In fact, hedge funds are free to sample any or all of
more exotic species of investment flora, such as options, derivatives, short sales, extremely high
leverage, and so forth. Roger LOWENSTEIN, When genius failed. The rise and fall of LongTerm Capital Management, London: Fourth Estate, 2002, 24.
6
Alavancagem é o termo utilizado no mercado financeiro para designar
as técnicas de ampliação da rentabilidade através do endividamento. Para tanto os
hedge funds se valem, a título de exemplo, de empréstimos bancários e do uso de
derivativos.
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Os derivativos são instrumentos financeiros que envolvem pagamentos
futuros com base no valor de outras variáveis, tal como outro ativo. O valor da
negociação, portanto, depende ou deriva desses valores (daí o nome derivativos).
São vários os tipos de derivativos, mas os mais comuns são o mercado a termo, o
mercado futuro e as opções. Por meio desses diferentes derivativos, os hedge funds praticam alavancagem, pois podem ter altíssima rentabilidade comparada com o valor
efetivamente investido.
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O short selling, conhecido na língua portuguesa por venda a descoberto,
consiste em uma estratégia de investimento que envolve a venda de ativos tomados a título de empréstimo, com a expectativa de que se desvalorizem. Assim,
no momento de devolvê-los à instituição que os emprestou, o investidor pode
comprá-los por um preço menor do que aquele obtido com a venda a descoberto.
Lucra-se, portanto, com a diferença entre o valor adquirido com a venda e o valor
gasto com a recompra dos ativos.
9
No event driven o gestor de hedge fund procura antecipar reações do mercado quando da identificação de movimentos de alteração de ordem corporativa
(tal como fusões, aquisições, insolvência, entre outras). Assim, conforme as suas
expectativas com relação às respostas do mercado quanto à operação, o gestor
combina posições nos ativos das organizações envolvidas no negócio, desinvestindo o capital quando atingidos os patamares expectados.
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Global strategy corresponde às estratégias dos gestores de hedge funds relacionadas com a identificação e antecipação de ineficiências, fragilidades ou alterações dos mercados a nível global. Desse modo, investem de modo a tirar proveito
de cenários em que há variações decorrentes de alterações políticas, sociais e econômicas que influenciam diferentes ativos, taxas de câmbio, inflação, entre outros.
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Por isso, geralmente constam dos instrumentos contratuais
constitutivos dos hedge funds amplos poderes para o gestor, sobre
as iniciativas do fundo. Essa, inclusive, é uma das principais
diferenças entre esses organismos e os demais instrumentos de
investimento coletivo. Por meio dessa arquitetura, permite-se que
o gestor tome decisões rápidas e arrisque de acordo com as suas
percepções do mercado; muitas das vezes sem a necessidade de uma
consulta ou aprovação específica dos investidores envolvidos. Aliás,
é justamente em razão disso que, em grande parte dos fundos de
hedge, as remunerações do gestor estão vinculadas aos rendimentos
obtidos pelo fundo. Assim, o valor das comissões a serem por ele
recebidas varia de acordo com o alcance de determinados limites
pré-estabelecidos nos instrumentos contratuais do fundo11.
Por fim, os hedge funds, ou ao menos a parcela desses
organismos que mais chama atenção das autoridades (quanto à
problemática da regulação e supervisão), contam, também, com
a característica de manterem sua estrutura (ou de versões de sua
organização) offshore. Isso significa que os organismos se registram
ou mantêm parte das corporações em paraísos fiscais. Com isso, os
fundos contam com diversas vantagens, tal como sua manutenção
à margem das regulamentações inerentes aos outros fundos
de investimento, a possibilidade de manterem um número de
investidores maior do que aqueles permitidos pelos países onde atua,
bem como isenções e economia fiscal. A ideia central dos hedge funds
é, portanto, proporcionar o maior lucro possível aos investidores,
independentemente da situação (em alta ou em baixa) do mercado.
Por isso, enquanto a maior parte dos organismos de investimento
coletivo procura seguir as tendências do mercado, os hedge funds se
submetem ao risco do gestor, pois os investimentos têm por base as
suas percepções, convicções e avaliações12.
Em termos jurídicos, entretanto, a conceituação desses
Conforme: Eduardo José MENÉNDEZ ALONSO, «Hedge funds, riesgo bancario y disciplina de mercado», Boletín Económico de ICE, 2939 (1-10 de
Junio de 2008) 51-59. Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/
articulo?codigo=2652631>. Acesso em 18/12/2012.
12
Conforme: Ana Sofia Maia PEDROSA. Regulação e supervisão dos mercados e
valores mobiliários: a propósito do short selling e dos hedge funds. Dissertação de mestrado
em Ciências Jurídico-Empresariais na Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra. Coimbra: Faculdade de Direito, 2011, 108.
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instrumentos de investimento coletivo acabou por se tornar um
desafio e, até então, não há um consenso quanto ao que formalmente
significam. Isso se deve, principalmente, à dificuldade por parte das
autoridades em todo o mundo, no sentido de delimitar o que venha
a ser um hedge fund.
Assim, de modo geral, os ordenamentos jurídicos buscam
criar uma figura para que esse tipo de fundo atue onshore, nos
respectivos territórios nacionais. Entretanto, a definição por eles
proposta não abrange todos os hedge funds que eventualmente venham
a participar do mercado, mas tão-somente aqueles que se submetam
ao registro e à regulamentação respectiva. Desse modo, na maior
parte das vezes, ao invés de uma definição precisa, os regramentos
oferecem fatores que permitem a regularização do fundo junto à
autoridade competente, tais como o capital mínimo investido, seu
âmbito de atuação, o tipo de investimento realizado pelo fundo, a
forma de gestão, o tipo e o número de investidores envolvidos, entre
outros.
A título de exemplo, na Itália (um dos primeiros países a
tentarem regulamentar os fundos de hedge), há determinados critérios
para classificação dos fondi speculativi – designação dada aos fundos
com características dos fundos de hedge, pelo Direito italiano. De
acordo com o Decreto n. 228 de 24 de maio de 1999, tais fundos
se consubstanciam em organismos voltados ao investimento, cujo
patrimônio pode ser investido em outros ativos (diferentes daqueles
permitidos aos fundos de investimento mobiliário em geral), com
um número de participantes máximo de 200 (duzentos) investidores
e capital inicial de subscrição, por cada investidor, de um valor não
inferior a 500.000 (quinhentos mil euros)13. Como se verifica, os
fondi speculativi possuem características dos fundos de hedge, que
permitem a atuação onshore no território italiano. Porém, isso não
significa que todos os hedge funds que atuem no mercado italiano
tenham se registrado e se formatado à estrutura dos fondi speculativi.
O mesmo ocorre em países outros, que buscam regulamentar
Conforme: ITÁLIA. Decreto 24 maggio 1999, n. 228. Regolamento attuativo dell’art. 37 del decreto legislativo 24 febbraio 1998, n.58, concernente la
determinazione dei criteri generali cui devono essere uniformati i fondi comuni
di investimento. Roma, 1999. Disponível em: <http://www.dt.tesoro.it/export/
sites/sitodt/modules/documenti_it/regolamentazione_bancaria_finanziaria/
compendio_tuif/D._2281999_-_11.pdf>. Acesso em: 18.12.2012.
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fundos da mesma natureza em todo o mundo. O principal
problema que se enfrenta se traduz na dificuldade de separação
entre os fundos com as características dos hedge funds, dos outros
instrumentos coletivos de investimento. Em Portugal e no Brasil,
por exemplo, estabeleceram-se formas organizativas em que os
hedge funds podem se encaixar (trata-se dos Organismos Especiais de
Investimento (OEI), em Portugal e dos Fundos Multimercado, no
Brasil)14. Porém, tais estruturas podem vir a ser utilizadas por outros
fundos, até mesmo pelos tradicionais. Desse modo, até então, não
há, para esses e outros países com estruturas jurídicas semelhantes,
uma resposta definitiva quanto ao que venham a ser, juridicamente,
os hedge funds.
Em termos comunitários, é possível notar um esforço no
sentido de se definir de forma mais precisa (ainda que apegada às
suas características de mercado), os hedge funds. Isso já foi possível
verificar na primeira normativa acolhida pelo Parlamento Europeu
sobre o assunto. Trata-se da “Resolução do Parlamento Europeu sobre o
futuro dos fundos hedge e dos instrumentos derivados (2003/2082(INI))”,
publicada no Jornal Oficial da União Europeia, em 15 de janeiro de
2004.
Referida resolução considerou que os hedge funds abrangem
uma vasta gama de produtos financeiros que mais adequadamente
podem ser chamados de veículos de investimento alternativo
sofisticados (VIAS). Considerou, ainda, que os VIAS se traduzem
Os Organismos Especiais de Investimento (OEI) são definidos, entre
os demais Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários (OICVM), pelo Regulamento 15/2003 da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) portuguesa. Conforme: PORTUGAL. CMVM. Regulamento da CMVM n.º
15/2003. Organismos de Investimento Colectivo. Diário da República - II Série
- 21/01/2004. Disponível em: <http://www.cmvm.pt/CMVM/Legislacao_Regulamentos/Regulamentos/Pages>. Acesso em: 18/12/2012. Já os Fundos Multimercado, dentre os demais fundos de investimento regulamentos no Brasil pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), são regulados pela Instrução CVM nº
409, de 18 de agosto de 2004. Conforme: BRASIL. CVM. Instrução CVM n. 306, de 05
de maio de 1999. Dispõe sobre a administração de carteira de valores mobiliários e
revoga as Instruções CVM nos 82, de 19 de setembro de 1988; 94, de 4 de janeiro
de 1989 e 231, de 16 de janeiro de 1995. Publicada no DOU de 10.05.99. Comissão de Valores Mobiliários, legislação e regulamentação. Disponível em: <http://
www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/atos/exiato.asp?file=\inst\inst306.htm>. Acesso em: 18.12.2012.
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por fundos que proporcionam meios autênticos de investimento
alternativo, que empregam técnicas sofisticadas na procura de
remunerações absolutas em todas as condições de mercado, que
operam com um efeito de alavanca variável, por vezes muito elevado,
e que, por fim, estão expostos ao risco de prejuízos substanciais15.
Contudo, como se verifica, a definição acaba por ser menos técnica
ou jurídica e mais voltada para as suas características econômicas.
Além disso, na medida em que mais se discute sobre o assunto, novas
dúvidas surgem quanto às novas perspectivas sobre a delimitação e
definição dos hedge funds.
Não obstante, especialmente em razão da grande liberdade
e flexibilização regulatória que gozaram desde a sua criação (principalmente quando da sua idealização nos Estados Unidos), os fundos de hedge tomaram diversas formas, sendo constituídos em estruturas societárias ou contratuais geralmente complexas e sofisticadas,
sem que se possa individualizá-los por sua forma16. Isso, por certo,
dificulta a respectiva identificação, até aos dias atuais, especialmente
no que atine ao controle da atuação desses fundos.
3. As atividades de risco17 atribuídas aos hedge funds
No que atine à atuação dos hedge funds, atualmente muito
vem sendo discutido acerca dos riscos que podem causar ao funcionamento do sistema financeiro. Aliás, esse é, por certo, o principal
motivo pelo qual vem sendo debatida a necessidade de regulação
16
15
UNIÃO EUROPEIA. PARLAMENTO EUROPEU. Resolução do Parlamento Europeu sobre o futuro dos fundos hedge e dos instrumentos derivados. Fundos hedge e instrumentos
derivados. [2003/2082(INI)]. Jornal Oficial da União Europeia, 16.04.2004. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2004:
092E:0407:0414:PT:PDF.> Acesso em 22/12/2012.
16
Roberto Pitaguari GERMANOS. «Hedge funds e regulação», in Migalhas. Migalhas de peso. Ed. 01.07.2009. Disponível em: <http://www.migalhas.
com.br/dePeso/16,MI87879,71043-Hedge+Funds+e+Regulacao>. Acesso em
19/12/2012.
17
Nos termos outrora mencionados, a palavra risco deve ser interpretada no âmbito deste trabalho como predisposição a causar instabilidades financeiras. Logo, sem ligação com a previsibilidade ou imprevisibilidade das crises
financeiras. A diferenciação com a palavra incerteza e a associação dos termos
com o sistema financeiro e a previsibilidade das crises, será feita no tópico 6: “As
principais dificuldades enfrentadas pelas autoridades na regulação e supervisão
dos hedge funds”
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
e supervisão de sua atuação. Mas quais seriam os riscos que esse
tipo de fundo poderia causar ao mercado? Há possibilidade, de fato,
de contribuírem para uma crise financeira? Como resposta a essas
questões, vários têm sido os fatores que vêm sendo apontados pelos pesquisadores como relacionados à atividade dos hedge funds, que
poderiam gerar instabilidade ao sistema financeiro.
Como outrora mencionado, uma das principais características dos hedge fund é a alta alavancagem de que gozam para a realização de seus investimentos. Para conquistarem os altos níveis de
capitalização, além do valor subscrito pelos investidores ligados ao
fundo, os hedge funds buscam empréstimos junto às principais instituições financeiras ao redor do mundo (que estabelecem linhas de
crédito específicas e altamente significativas para eles)18. Além disso,
é praxe na atuação dos hedge funds o uso excessivo dos mais diferentes derivativos disponíveis no mercado, de modo a potenciar ao
máximo seus investimentos; tudo com o intento de atingirem os
altos retornos almejados por seus gestores e clientes. Contudo, a alta
alavancagem é justamente um dos fatores que podem trazer sérios
riscos à atividade bolsista e ao sistema financeiro.
Uma vez que os investimentos dos hedge funds, por vezes, se
baseiam em meras expectativas quanto às tendências de mercado
dos ativos, não é raro que a aposta, quando deveras arriscada, acabe
por ser frustrada. Nesse sentido, quando as estratégias não são devidamente hedgeadas (ou seja, protegidas por outras aplicações que a
garantem), o hedge fund pode se ver diante de uma falta de liquidez
para o cumprimento dos diferentes instrumentos que proporcionaram sua alavancagem. Essa falta de liquidez pode gerar o inadimplemento e, a depender do montante objeto do negócio, uma reação
em cadeia, percebida por todos aqueles com alguma ligação com o
hedge fund ou com as instituições financeiras ou organismos relacionados com os derivativos utilizados, eventualmente envolvidos.
Agrega-se a isso, no caso da opção pelo endividamento, o
fato de que as instituições financeiras, para concederem o crédito
que permite a alavancagem, podem optar por se cercarem de determinadas garantias, visando a recuperação do capital concedido em
17
R. Lowenstein menciona a respeito dos hedge funds: “They can borrow as
much as they choose (or as much as their bankers will lend them – which often mounts to the
same thing)”. Roger LOWENSTEIN, When genius failed, 24.
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caso de stress do mercado. Há, por exemplo, a possibilidade de imposição de cláusulas resolutivas, em que se exige a amortização antecipada do financiamento, caso o fundo exceda negativamente certos
limites pré-determinados em contrato – geralmente expressos em
valores relativos à redução do patrimônio líquido do fundo19 num
interregno de tempo (chamados de Net Asset Values triggers ou NAV
triggers)20. Caso atingidos esses limites e, portanto, exigida a devolução dos valores objeto do instrumento de concessão de crédito,
enfrenta-se, também, a falta de liquidez e, por conseguinte, todas as
consequências que dela advém.
A mesma situação pode se verificar no caso de grandes investimentos em derivativos, sem uma cobertura suficientemente sólida para garanti-los. Em grande parte das vezes, suas estratégias são
puramente especulativas; o que, a depender das respostas do mercado, pode gerar grandes perdas, iliquidez e, portanto, consequências
negativas que se alastram para todo o sistema financeiro. Veja-se,
por exemplo, o caso da enorme perda de capital do hedge fund Amaranth no ano de 2006. Com base na opinião de um gestor, que em
outra oportunidade havia acertado as tendências do mercado do gás
natural, o fundo investiu, com altíssima alavancagem, na oscilação
de preços do mesmo produto no ano seguinte. Entretanto, a resposta do mercado de gás natural foi justamente contrária ao que havia
sido previsto. Como consequência, o hedge fund, sem liquidez, perdeu
cerca de 65% do seu capital e acabou falindo21. Vale citar, também,
18
19
O patrimônio líquido do fundo é chamado, especialmente nos países
de língua inglesa, de Net Asset Value (NAV). Algumas estratégias de controle utilizam esses valores para mencionar as atividades de risco dos hedge funds.
20
Conforme: Eduardo José MENÉNDEZ ALONSO, «Hedge funds, riesgo
bancario y disciplina de mercado», 51.
21
Tratava-se da estratégia proposta pelo trader canadense Brian Hunter
(com 32 anos à época das perdas do Amaranth). O gestor havia previsto, no ano
anterior, que os preços do gás natural iriam disparar após o furacão Katrina. Com
essa aposta o fundo ganhou grandes quantias e o investidor conquistou destaque
dentro do fundo. No ano seguinte, com base nas ideias do gestor, que acreditou
na mesma tendência, o hedge fund, se valeu de alta alavancagem para investir em
gás natural. Entretanto, a previsão não se confirmou e o fundo se viu diante de
uma resposta oposta por parte do mercado, o que lhe rendeu sérios prejuízos e,
por conseguinte, à sua dissolução em razão do incidente. Conforme: Ann DAVIS;
Henny SENDER; Gregory ZUCKERMAN, “What Went Wrong at Amaranth”, The
Wall Street Journal: Markets, (September 20, 2006). Disponível em: <http://online.
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a quebra do hedge fund Long Term Capital Management (LTCM), que,
como será apontado no tópico seguinte, gerou uma série de consequências negativas para o mercado como um todo.
Também vem sendo apontado como fator de risco relativo
à atividade dos hedge funds a grande liberdade que geralmente é atribuída ao gestor do fundo. Uma vez que o controle por parte dos
próprios investidores se torna mais restrito, não há muitos obstáculos para a tomada de decisões demasiado arriscadas, que tragam
ameaças ao capital investido. Atrelado a isso, como se destacou, em
muitos fundos de hedge, as remunerações do gestor estão associadas
à rentabilidade por ele conquistada. Desse modo, com o intento de
conseguir maiores rendimentos, confere-se ao gestor a possibilidade
de criação de estratégias altamente alavancadas e sem garantias, com
base em expectativas que podem vir a se revelar frustradas. Uma
decisão errada pode resultar em perdas significativas para os investidores, para o fundo e, inclusive, para o mercado.
Ainda no que se refere ao comportamento dos gestores, outro fator que pode ser apontado como de risco é a possibilidade de
ocorrência do chamado herding behaviour (comportamento mimético
ou gregário). Trata-se, nessa conduta, da adoção de uma mesma estratégia por diferentes investidores institucionais, quanto aos ativos
ou à forma de investimento eleita22. Isso pode ocorrer quando o
gestor percebe a tomada de uma determinada posição por outros
fundos e, com o receio de perder uma grande oportunidade, reproduz a mesma estratégia. Ou seja, atua de forma mimética, ignorando
as suas próprias convicções e crenças com relação àquela posição,
num típico comportamento de manada.
Isso também se verifica quando o gestor reproduz estratégias de mercado, por receio de macular sua reputação. Geralmente,
para os gestores de hedge funds chegarem às posições em que se encontram, passaram por diversas etapas até conquistarem notoriedade no mercado. Dessa forma, com a intenção de se manterem
como referência, correspondendo às expectativas dos investidores,
atuam conforme os passos de outros investidores institucionais, em
wsj.com/article/SB115871715733268470.html>. Acesso em: 19/12/2012.
22
Para mais informações acerca do herding behavior, dos motivos porque
ocorrem e as suas consequências, consultar: Júlio LOBÃO, Herding Behavior dos fundos de investimento mobiliário em Portugal, Lisboa: Euronext Lisbon, 2003.
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Working Papers | Boletim de Ciências Económicas
situações de incerteza com relação às tendências do mercado. Esse
comportamento de grupo, na perspectiva da psicologia, pode até
ser considerado racional, tendo em vista a ideia da proteção de seu
prestígio23. Contudo, ainda que confira certa segurança aos gestores,
pode trazer consequências extremamente negativas para o mercado
como um todo. A atuação de diversos fundos em uma mesma direção pode estimular outros investidores, até mesmo bancos e outros
organismos de investimento coletivo, a atuarem no mesmo sentido;
por exemplo, comprando um mesmo ativo financeiro. As consequências negativas para o sistema financeiro se revelam, a posteriori, na hipótese de uma alteração brusca do mercado com relação à
aposta que gerou o comportamento mimético. Se por algum motivo
os investidores se virem obrigados a liquidar os ativos objeto do investimento, verificar-se-á uma corrida de mercado, mais uma vez, na
mesma direção. Isso, por certo, pode provocar uma desvalorização
extremamente acentuada do ativo e consequências que repercutirão
em todos os que tiverem alguma relação com aquele investimento24.
Outro fator que preocupa as autoridades está ligado à importância dos hedge funds no mercado financeiro atual. Como é cediço, esses fundos ganharam grande notoriedade ao longo das últimas décadas. Desse modo, além de crescerem substancialmente em
número, atraíram investidores de grande calibre de todo o mundo.
Ademais, como já destacado, muitos hedge funds mantêm suas estruturas ou versões offshore (em paraísos fiscais), o que lhes permite
manter um número ilimitado de investidores, bem como elevadas
quantias de capital em seus respectivos patrimônios, para investir.
Não obstante, grande parte dos fundos de hedge, em razão dos elevados patamares de lucros conquistados ao longo de seu histórico, detém crédito perante as principais instituições financeiras do
José Manuel Gonçalves Santos Quelhas acrescenta a respeito: “Com
efeito, as decisões dos investidores deixam de reflectir a racionalidade dos agentes
económicos na formação das expectativas e passam a espelhar a psicologia de
grupo e o comportamento mimético. Mas ainda, os modelos de herd behaviour
sustentam que o comportamento imitativo embora socialmente ineficiente, pode
ser racional na óptica da reputação dos decisores”. José Manuel Gonçalves Santos
QUELHAS, Sobre as crises financeiras, o risco sistémico e a incerteza sistemática, 94-95.
24
Para mais detalhes acerca dos efeitos do comportamento mimético
nos mercados consultar: Eduardo José MENÉNDEZ ALONSO, «Hedge funds, riesgo
bancario y disciplina de mercado», 54.
23
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mundo. Isso significa que todo o capital levantado, potencializado
expressivamente pelos métodos de alavancagem, pode atingir montantes astronômicos; que ficam à mercê das arriscadas estratégias de
investimento articuladas pelos gestores dos hedge funds.
Esses fatores, por si só, já permitiriam evidenciar o potencial da sua participação no mercado global. Contudo, convém ainda
destacar que os investimentos dos hedge funds são realizados na mais
variada ordem de ativos e em escala global. A título de exemplo,
muitos desses fundos mantêm como estratégia o investimento no
mercado monetário, em títulos do governo, em mercados emergentes, em participações em sociedades por quotas ao redor do mundo,
entre muitas outras. Logo, a forma como o investimento ou o desinvestimento é realizado (em caso de uma liquidação forçada, por
exemplo), pode causar efeitos excessivamente prejudiciais e de grande amplitude. Tudo o que, a depender da fragilidade do mercado
envolvido, pode contribuir para o início de uma reação em cadeia,
com efeitos de ordem sistêmica.
A esse respeito, atualmente qualquer alteração excessivamente brusca na estrutura do mercado pode gerar efeitos em cadeia, que se disseminam por todo o sistema financeiro, de modo
a gerar prejuízos de ordem global. Com efeito, a globalização e o
consequente fortalecimento, a nível mundial, das relações sociais,
econômicas e políticas, potencializados pelo desenvolvimento dos
meios de comunicações e dos meios de transporte, vêm promovendo cada vez mais uma maior integração do sistema financeiro. Nesse
sentido, as ligações entre os diferentes agentes do mercado estão
cada vez mais sólidas. Logo, uma instabilidade financeira originada
em um determinado mercado, pode produzir o que vem constantemente sendo chamado de efeito de contágio, de modo a se espalhar
pelos diferentes mercados ao redor de todo o mundo.
Por certo, todos os agentes do sistema financeiro podem
contribuir para a criação e a disseminação de efeitos negativos às
finanças mundiais. Tanto os investidores e fundos de investimento
coletivo, como as corporações internacionais, as instituições financeiras, os governos, entre outros, são passíveis de causarem instabilidade e, por consequência, pânico nos mercados. Desse modo todo
o sistema tem sido alvo de estudos no que atine à promoção de
políticas de prevenção e de contenção de instabilidades sistêmicas.
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A Comunidade Européia, inclusive, especialmente em resposta aos
efeitos da crise de 2008, estabeleceu as bases para a criação do Comitê do Risco Sistêmico25, em vias de aumentar o controle relacionado com a prevenção e com as adversidades das grandes atividades
financeiras.
Contudo, os hedge funds, em razão do levantamento pelos estudiosos dos diversos fatores acima apontados (relativos ao risco decorrentes de sua atividade), vêm sendo apontado como seriamente
capazes de desencadear efeitos concatenados prejudiciais a todo o
sistema financeiro. Efeitos sistêmicos que, a depender de suas dimensões, conforme vem sendo afirmado, poderiam provocar crises financeiras de ordem global. Por isso, convém um estudo pormenorizado
da relação entre esses fundos e as políticas de regulação e supervisão
de mercados. Importa destacar, nesse sentido, como os hedge funds se
tornaram alvo dos mecanismos de controle por parte das autoridades;
ou seja, quando chamaram a atenção para suas atividades de risco,
quais as regulamentações a que esses fundos atualmente se submetem
e o que vem sendo discutido em vias de aumentar o controle sobre
sua atividade e quais as principais dificuldades a serem enfrentadas.
4. Instrumentos de controle da atividade dos hedge
funds (Pré-crise financeira de 2008)
A criação do modelo dos hedge funds é atribuída à propagação
de um método de investimento utilizado pelo sociólogo e gestor de
fundos Alfred Winslow Jones, a partir do ano de 1949. Através de
sua companhia de investimento – W. Jones e Co. –, o gestor realizava
operações diferentes e dissociadas, porém em simultâneo, com o
intuito de mitigar os riscos atinentes a cada uma delas26. Por meio
Conforme Regulamento 1092/2010 da União Europeia. UNIÃO EUPARLAMENTO EUROPEU e CONSELHO da UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE)
N.o 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de Novembro de 2010 relativo
à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comité
Europeu do Risco Sistémico. Estrasburgo, 24 de novembro de 2010. Jornal da União
Europeia, 15.12.2010. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/
LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0001:0011:PT:PDF.> Acesso em: 25.01.2012.
26
Ao mesmo tempo em que vendia a descoberto determinadas ações
com perspectivas negativas, comprava outras, com tendências positivas. Podia,
portanto, lucrar com a primeira operação, se a tendência se confirmasse e no
25
ROPEIA.
22
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dessa estratégia, ainda que não totalmente livre dos riscos, permitiase uma espécie de proteção aos investimentos realizados, e se
visualizava a possibilidade de lucro mesmo em momentos negativos
do mercado. Como havia certo grau de garantia, nas operações
realizadas pelo fundo de Alfred W. Jones utilizou-se o termo hedge27,
que em inglês significa cobertura ou proteção, para noticiar os sucessos
do gestor e a proliferação de fundos que passaram a adotar estratégias
semelhantes. Muito embora atualmente muitos desses instrumentos
de investimento não atuem de forma a cobrir todos os seus riscos,
cunhou-se a expressão hedge fund para designá-los.
Importa observar, todavia, que ainda que os hedge funds tenham
sido levados ao conhecimento do público em razão das estratégias
adotadas pelo fundo W. Jones e Co., há registros de que operações
semelhantes (atualmente características dos investimentos realizados
pelos atuais fundos de hedge) tenham sido utilizadas inicialmente
por John Maynard Keynes. De acordo com registros relacionados
com os seus investimentos, o economista, em momentos alternados
de grandes lucros, bem como de perdas significativas (entre os
anos 1924 a 1946), combinava estrategicamente investimento em
ações, em títulos do governo britânico, bem como em moedas e
commodities28.
momento da recompra para devolução à instituição que os havia emprestado, os
ativos objeto da venda a descoberto tivessem desvalorizado. Do mesmo modo,
podia lucrar com a segunda, caso confirmada a valorização almejada. Entretanto,
frustrada alguma das expectativas, uma operação, de certo modo, protegia a chance
de resultado negativo da outra.
27
A criação da expressão hedge fund é atribuída à jornalista Carol J. Loomis, que a utilizou pela primeira vez na reportagem “The Jones Nobody Keeps Up
With”, publicada em abril de 1966 pela revista Fortune, para noticiar o sucesso e
as estratégias do fundo de investimento gerido por Alfred W. Jones. Conforme:
Carol J LOOMIS. “The Jones noboby keeps up with”, Fortune. Personal Investing,
(April, 1966) 237, 240, 242, 247. Disponível em: <http://www.awjones.com/
images/Fortune_-_The_Jones_Nobody_Keeps_Up_With.pdf.> Acesso em:
19/12/2012.
28
Para mais informações acerca dos investimentos de John Maynard
Keynes, ver: Jason ZWEIG, “Keynes: one mean money manager”, The Wall Street
Journal. The inteligent investor, (April, 2, 2012). Disponível em: http://online.wsj.
com/article/SB10001424052702304177104577313810084976558.html. Acesso em 20.12.2012. Ver também: Gavyn DAVIES. “Keynes, the hedge fund pioneer. The great intellectual was also a groundbreaking investor”, Financial Times.
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A partir do final da década de 1960, começaram a surgir os
primeiros fundos com os moldes dos atuais hedge funds29. Aos poucos
a atuação desses organismos foi crescendo e as estratégias utilizadas
pelos seus gestores se desenvolvendo. Na década de 1980, muitos
dos fundos de hedge, com o emprego de novas técnicas de investimento, passaram a conquistar altíssima lucratividade. Atrelado a
isso, nos Estados Unidos, onde a criação de fundos de hedge, especialmente nessa fase inicial, foi mais expressiva, a regulação por parte da
Security and Exchange Commission (SEC) – Autoridade Reguladora do
Mercado de Capitais estadunidense – era praticamente inexistente,
pois referido órgão não exigia o registro destes fundos, tampouco
os supervisionava tal como o fazia com os demais instrumentos de
investimento coletivo.
Desse modo, a partir do início da década de 1990, registrou-se um aumento substancial do número de fundos de investimento criados como de hedge ou que se convertiam à sua estrutura.
Conforme menciona Lowenstein, nesse período, os organismos de
investimento coletivo, especialmente nos Estados Unidos se tornaram extremamente populares30. Assim, grande parte dos investidores, especialmente os mais abastados, buscavam os fundos de hedge
para fazerem suas aplicações; o que aumentou consideravelmente
o número e o potencial desses fundos e contribuiu para torná-los
grandes protagonistas do cenário econômico mundial atual.
Todavia, com o crescimento do potencial dos hedge funds, começaram a aparecer os primeiros indícios da necessidade de se lhes impor
alguma espécie de regulação. Sobretudo, porque, na década de 1990,
24
Markets insights, (August 22, 2012). Disponível em: <http://www.ft.com/intl/
cms/s/0/31f0e3f8-eaba-11e1-984b-00144feab49a.html#axzz2IYDxU9O3.
Acesso em 20.12.2012>.
29
Conforme: Mathieson e Eichengreen: “Hedge funds proliferated in the “gogo” years 1966-68, as the stock Market rose and Jones’s fund gained favorable publicity. A
1968 U.S. SEC survey enumerated 215 investment partnerships, 140 of which were categorized as hedge funds”. Donald MATHIESON; Barry EICHENGREEN. Hedge funds. What Do
We Really Know? Washington D.C.: International Monetary Fund, 1999, 5.
30
Conforme: Lowenstein: “People at barbecues talked of nothing but their mutual funds, but a mutual fund was so–common! For people of means, for people who summered
in the Hamptons and decorated their homes with Warhols, for patrons of the arts and charity
dinners, investing in a hedge fund denoted a certain status, an inclusion among Wall Street
smartest and savviest”. Roger LOWENSTEIN. When genius failed.
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
ocorreram diferentes episódios de instabilidade financeira, que desencadearam repercussões de ordem global ao sistema financeiro
(alguns deles com a participação – ainda que indireta – dos hedge
funds). Instabilidades, essas, que abriram os olhos das autoridades
quanto aos efeitos de abalos financeiros de grande amplitude.
Eis que, no ano de 1992, o sistema financeiro foi cenário
de uma instabilidade financeira envolvendo o Mecanismo de Taxas
de Câmbio europeu – instituído pelos países signatários do Sistema
Monetário Europeu (SME). Justamente nessa ocasião constatou-se,
talvez pela primeira vez, a grande influência que os hedge funds podem
exercer sobre o sistema financeiro. Isso porque um dos principais fatores que contribuíram para a instabilidade financeira (especialmente no
que se refere ao Reino Unido), foi a atividade especulativa de um fundo
de hedge – o Quantum Fund, gerido pelo investidor George Soros.
Acreditando na instabilidade da libra esterlina, o empresário apostou no mercado futuro contra a promessa do governo britânico de
manter a moeda valorizada. Sua jogada, embora benéfica para ele e
seus clientes (seus ganhos somaram aproximadamente 1 bilhão de
dólares), produziu efeitos negativos para o mercado e contribui para
que o banco da Inglaterra desvalorizasse a libra esterlina e saísse do
mecanismo de taxas de câmbio do SME31.
Alguns anos mais tarde, em 1994, o cenário econômico foi
marcado pela crise no México, desencadeada pela fragilidade da
política de controle da inflação do peso mexicano. O colapso financeiro mexicano acabou por atribular a confiança dos mercados
nos demais países emergentes, o que produziu efeitos negativos no
sistema financeiro global. Efeitos esses que ficaram conhecidos por
efeito tequila e repercutiram especialmente nos países na América Latina. Importa observar que, embora nesse episódio não se tenha
estabelecido uma participação direta dos hedge funds, a crise também
contribuiu para a movimentação das autoridades em busca de mecanismos de regulação e supervisão dos mercados, em vista de se
evitar colapsos financeiros de grande amplitude. O que, por via de
consequência, também envolve os fundos de hedge.
Para mais detalhes acerca das operações de George Soros e do modo
como o Banco da Inglaterra reagiu, consultar: Carla Guapo COSTA, Crises financeiras na economia mundial. Algumas reflexões sobre a história recente, Coimbra: Almedina,
2010, 37-43.
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Em 1997, a crise asiática também abalou os mercados a nível
mundial. Com início na Tailândia, a crise foi deflagrada, sobretudo,
em razão da instabilidade da política cambial e das especulações envolvendo a moeda Tailandesa (o thai bhat). O colapso deu origem a
uma onda de desvalorizações, gerou desconfiança nos mercados e
trouxe efeitos negativos a outros países asiáticos, tais como a Malásia, a Indonésia e as Filipinas. Essa crise, dentre as demais ocorridas
na década de 1990 é uma das que mais comumente são relacionadas com a atuação dos hedge funds, tendo em vista a posição desses
fundos em moedas asiáticas em períodos próximos ao colapso. No
entanto, assim como afirma Adriana Vilhena, não há como lhes imputar, com segurança, grande responsabilidade pela deflagração da
crise32.
No ano seguinte, em 1998, a Rússia, que já sofria com a dificuldade relacionada com a alteração de uma economia planificada
para uma economia de mercado, sofreu as repercussões da crise asiática e também passou por momentos de séria instabilidade financeira. Essa crise, especificamente, teve influência direta na quebra de
um hedge fund de grandes proporções, o Long Term Capital Management
(LTCM). O fundo possuía grande credibilidade e exercia potencial
influência na economia estadunidense, pois além de concentrar um
grande número de investidores, possuía redes de contratos com
grandes instituições financeiras e diversos outros mecanismos de
investimento coletivo norte-americanos. A quebra do fundo gerou
repercussões negativas de grande amplitude. Os efeitos só foram
reprimidos, de modo a diminuir os efeitos adversos, pois o Federal
Reserve (FED) – Banco Central estadunidense – organizou um resgate financeiro substancial junto aos principais bancos dos Estados
Adriana Vilhena afirma: “No caso da crise asiática, quando os Hedge
Funds foram literalmente acusados de serem os responsáveis pela crise, não devemos deixar de pensar que para um governo que se encontra enfrentando uma
terrível crise cambial, encontrar um culpado estrangeiro e não regulado por ninguém é muito mais fácil do que assumir culpas e reconhecer erros passados”.
Adriana Marques VILHENA, Hedge funds como potencializadores de ataques especulativos,
Dissertação apresentada à escola brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para obtenção do Grau de Mestre, Rio
de Janeiro, 2003. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/3896>. Acesso em 15/01/2013, 82.
32
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
Unidos, para injetar no LTCM33.
Independentemente das particularidades de cada episódio,
não existem provas contundentes, conforme destaca Vilhena, para
imputar a responsabilidade pela deflagração dessas crises exclusivamente aos hedge funds34. Entretanto, conforme destacam sinteticamente Eichengreen e Mathieson, não se pode negar que esses
fundos tiveram alguma participação – ainda que indireta – em praticamente todas elas35. Assim, os fatores de risco a eles atribuídos,
outrora apontados (quais sejam, a grande liberdade conferida ao
gestor, o uso de alta alavancagem, a problemática do endividamento
(e dos NAV triggers), a aposta em derivativos, as correntes possibilidades de falta de liquidez, a grande importância desses fundos e dos
valores envolvidos em suas operações, a realização de investimentos
33
Em verdade, o Long Term Capital Management (LTCM), precisou da ajuda do governo e dos bancos estadunidenses, para não desencadear uma instabilidade financeira de grandes proporções. Contando com importantes nomes
da economia mundial em sua organização, o fundo possuía grande credibilidade
no mercado e alto poder de alavancagem, o que lhe permitia fazer operações
deveras arriscadas, com o propósito de propiciar altos lucros aos seus investidores. Contudo, a crise russa de 1998 fez com que o fundo, que aplicava grandes
quantias em mercados emergentes, perdesse altos montantes, a ponto de se ver
diante da possibilidade de quebra. Não fosse a operação de resgate organizada
pelo Federal Reserve (FED) – Banco Central dos Estados Unidos –, para que os
bancos norte-americanos injetassem capital no fundo, de modo a recuperar parte
dos investimentos perdidos, as consequências da instabilidade teriam sido muito
maiores. Para os detalhes relativos à ascensão e quebra do LTCM, consultar: Roger LOWENSTEIN, When Genius failed; E Richard BOOKSTABER, A demon of our own design. Markets, hedge funds, and the perils of financial innovation, New Jersey: Wiley, 2007.
34
Embora os hedge funds sejam constantemente acusados- de serem os
responsáveis pelas diversas crises cambiais recentes, ainda não existem provas
contundentes de que isso tenha ocorrido em nenhuma das turbulentas crises dos
anos 90. Adriana Marques VILHENA. Hedge funds como potencializadores de ataques
especulativos, 84.
35
Conforme Eichengreen e Mathieson: “Each episode of volatility in financial markets heightens the attention of government officials and others to the role played by the
hedge fund industry in financial market dynamics. Hedge funds were implicated in the 1992
crisis that led to major exchange rate realignments in the European Monetary System, and again
in 1994 after a period of turbulence in international bond markets. Concerns mounted in 1997
in the wake of the financial upheavals in Asia. And they were amplified in 1998, with allegations of large hedge fund transactions in various Asian currency markets (…) and with the near
collapse of a major hedge fund, Long-Term Management (LTCM).”. Donald MATHIESON;
Barry EICHENGREEN. Hedge funds. What do we really know?, 1.
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a nível mundial, entre outros) ou seja, características que podem
principiar, contribuir ou agravar crises de ordem sistêmica, passaram a ser colocados na balança. Confrontados com realidades tais,
como a de episódios em que o setor financeiro foi de certo modo
abalado, abriram os olhos das autoridades, no sentido de proporcionar mecanismos contra esses efeitos. Por certo, fatores como a
participação dos fundos de hedge ou ao menos da ligação que lhes
é atribuída com as crises de 1990, a influência no fundo gerido por
Soros na política cambial européia e o resgate arquitetado pelo FED,
para amenizar os efeitos da quebra do LTCM, não deixariam de provocar as autoridades no sentido de pensar em estratégias de exercer
um controle sobre a atuação desses fundos.
Não obstante, após as crises da década de 1990, ainda houve
as instabilidades geradas pela Bolha da internet, no ano 2000, a crise
turca em 2001 e a crise da Argentina, em 2002, que reforçaram a
ideia da necessidade de regulamentação dos mercados financeiros e
dos agentes que nele atuam. Desde então, nota-se, a nível mundial,
um esforço por parte dos governos, no sentido de regulamentar
as atividades dos hedge funds. Nessa esteira, vários países tomaram
a iniciativa de estabelecer formas de regulamentação, de modo a
criar instrumentos para que os fundos se registrassem e prestassem algum tipo de informação ao organismo responsável em sede
do respectivo território nacional; de forma a supervisionar e buscar
exercer algum tipo de controle preventivo contra eventuais crises
sistêmicas.
Como outrora mencionado, a Itália foi um dos primeiros países a tomar essa iniciativa com a criação dos fondi speculativi no ano
de 199936. De acordo com o Decreto 24 maggio 1999, n. 228 (artigo 16,
alíneas 4 a 7), as estratégias de regulação desses fundos têm como
base principalmente a obrigatoriedade de inserção de determinadas
informações nos seus respectivos regulamentos. Informações essas
relativas ao risco incorporado nas suas atividades (e em que isso
pode repercutir na estabilidade financeira italiana), aos ativos objeto
de investimento e aos investidores que aportam capital ao fundo (de
modo a especificar as formas como aderem ou retiram seus investimentos do fundo). O Regulamento estabelece, ainda, a possibilidade
de a Banca d’Italia determinar que o fundo seja formado ou opera36
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ITÁLIA. Decreto 24 maggio 1999, n. 228. Acesso em 22/12/2012.
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
do somente por sociedades gestoras de ativos (Società di gestione del
Risparmio – SGR), justamente para mitigar os potenciais efeitos que
suas atividades podem causar à sociedade.
Em Portugal, com o Regulamento nº 9/2003 da CMVM,
criou-se a figura dos fundos especiais de investimento, que posteriormente passaram a se chamar Organismos de Investimento Coletivo (OIC). Tais fundos, atualmente regulados pelo Regulamento
nº 15/200337, além dos organismos com características dos fundos
de hedge, englobam outros fundos de investimento com formatos
diferentes dos convencionais. No que se refere ao controle da sua
atividade, o Regulamento estabelece, nomeadamente nos artigos 51,
52 e 53, critérios para a autorização da constituição do hedge fund pela
Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários – CMVM. São analisados, nesse sentido, fatores como o capital empregue, os tipos de
investidores e a capacidade de gestão de seus dirigentes. Há também
a obrigatoriedade do fornecimento de informação por parte desses
organismos, com base no artigo 55 do Regulamento 15/2003; o que
viabiliza a supervisão de suas atividades.
No Brasil, a figura criada em 2004, para a atuação onshore
dos hedge funds é a dos Fundos de Investimento Multimercado. Regulados pelas Instruções CVM 40938 e Instrução CVM 30639, esses
fundos estão submetidos ao registro junto à Comissão de Valores
Mobiliários – CVM – e à divulgação de informações que permitem
ao órgão regulatório exercer um controle significativo sobre as suas
atividades. Nessa esteira, conforme artigo 68 da Instrução CVM n.º
409, há a necessidade de divulgação diária do valor da quota e do patrimônio líquido e apresentação de informes mensais demonstrando
os ativos do fundo; além de outras normas proibitivas e que permi37
PORTUGAL. CMVM. Regulamento da CMVM n.º 15/2003. Acesso em:
22.12.2012.
38
BRASIL. CVM. Instrução CVM n. 409, de 18 de agosto de 2004. Acesso em:
22.12.2012.
39
BRASIL. CVM. Instrução CVM n. 306, de 05 de maio de 1999. Dispõe sobre
a administração de carteira de valores mobiliários e revoga as Instruções CVM
nos 82, de 19 de setembro de 1988; 94, de 4 de janeiro de 1989 e 231, de 16 de janeiro de 1995. Publicada no DOU de 10.05.99. Comissão de Valores Mobiliários,
legislação e regulamentação. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/atos/exiato.asp?file=\inst\inst306.
htm>. Acesso em: 18.12.2012.
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tem um maior controle, pela Comissão de Valores Mobiliários, de
suas atividades.
Em outros países, do mesmo modo, há legislação interna
com o intuito de exercer uma supervisão dos hedge funds. Cada ordenamento à sua maneira se aparelhou de forma a reger os riscos que,
conforme se apontou, são comumente atribuídos a esses fundos.
No entanto, um grande problema ligado a esse controle se encontra na atuação internacional dos hedge funds. Por certo, um controle
singular de uma autoridade nacional pode não ser suficiente para
evitar comportamentos que provoquem instabilidade ao sistema financeiro, sobretudo por parte de hedge funds que mantenham versões
offshore.
Desse modo, notou-se, também, mais recentemente, uma
movimentação dos organismos supranacionais, no sentido de propiciarem a estabilidade do sistema financeiro e, do mesmo modo,
entre outros objetos, de controle da atividade dos hedge funds. Logo,
como resposta às crises da década de 1990 outrora apontadas, e
em razão do levantamento dos fatores risco ligados a atividade dos
fundos de hedge, a União Europeia também adotou determinadas
medidas. Como já mencionado, houve, no ano de 2003, a aprovação
da Resolução do Parlamento Europeu sobre o futuro dos fundos de
hedge e dos instrumentos derivados. (2003/2082(INI)).
Esse documento trouxe as primeiras perspectivas oficiais do
Parlamento relacionadas com a atividade dos hedge funds. De modo
geral, o documento assume a importância e a crescente proliferação
desses fundos no sistema financeiro e, em razão da possibilidade
de disseminação de riscos de danos sistêmicos40, alerta para a necessidade da promoção de políticas de atração desses fundos para
o espaço onshore41. Assim, direciona suas intenções no sentido de
Conforme consta do documento: “Considerando que existe um risco
de dano sistémico do sistema financeiro global se estas formas de investimento
proliferarem sem quantificação nem controlo (…)”. UNIÃO EUROPEIA. PARLAMENTO
EUROPEU. Resolução do Parlamento Europeu sobre o futuro dos fundos hedge e dos instrumentos derivados. Fundos hedge e instrumentos derivados. [2003/2082(INI)]. Acesso em:
22/12/2012.
41
O documento menciona: “Considerando que o sucesso da tentativa de
atrair os VIAS para o espaço onshore depende do estabelecimento de um regime
regulamentar mais leve do que o dos OICVM convencionais, e que qualquer regime desse tipo deverá concentrar-se na prestação aos investidores de informação
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viabilizar o aumento da transparência de suas atividades e, com isso,
estabelecer algum tipo de controle de sua atuação.
No âmbito internacional, relativamente à regulação do sistema financeiro como um todo, é válido citar, também, o acordo de
Basiléia, assinado no ano de 2004. O documento, firmado pelo Comitê de Basiléia (Comitê constituído por representantes dos bancos
centrais e por autoridades de supervisão bancária dos países com as
maiores economias do mundo) recebeu o nome de Convergência Internacional de Mensuração de Capital e Padrões de Capital: Uma Estrutura Revisada42, e corresponde a uma revisão do primeiro acordo, assinado
em 1988. O Acordo de Basiléia II, como ficou conhecido, estabeleceu três pilares relativos à supervisão bancária por parte dos países
signatários, quais sejam: o fortalecimento da liquidez na estrutura
de concessão de crédito pelas instituições financeiras, a revisão dos
princípios de supervisão bancária e o aumento da transparência para
promoção de políticas de disciplina de mercado. No que se refere
aos hedge funds, essas medidas visam fortalecer as políticas de supervisão por parte das autoridades de cada território nacional, no que
se refere ao aumento da transparência desses fundos e ao controle
de sua alta alavancagem.
Contudo, após a crise de 2008, a temática da supervisão do
sistema financeiro ganhou novo enfoque. Em razão da amplitude e
da gravidade do colapso, a preocupação com a estabilidade financeira e com a criação de mecanismos para prevenir novas crises de
grande amplitude, se tornou muito maior. Desde então, as políticas
de regulação e supervisão do sistema financeiro vêm se intensificando consideravelmente. Importa, portanto, em sequência, destacar
os efeitos da crise de 2008 e a resposta regulatória das autoridades,
especialmente quanto aos hedge funds.
suficiente e inteligível, e não em normas e regulamentos excessivamente rígidos”;
Idem. Acesso em: 22/12/2012.
42
BASEL COMMITTEE. Basel II: International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: a Revised Framework. Basel, June 2004. Disponível em:
<http://www.bis.org/publ/bcbs107.htm>. Acesso em 20.12.2012.
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5. Instrumentos de controle da atividade dos hedge funds
(Pós-crise financeira de 2008)
Ainda que as autoridades internacionais já estivessem se movimentando no sentido de se prevenirem contra os riscos sistêmicos, o sistema financeiro, no ano de 2008, foi alvo de um colapso
financeiro sem precedentes. A crise, conhecida como Grande Recessão, teve origem no sistema de concessão de crédito imobiliário nos
Estados Unidos. Como se constatou, a partir do início do ano 2000,
instituições financeiras estadunidenses, estimuladas pelo governo,
passaram a conceder empréstimos a juros muito baixos, especialmente às famílias norte-americanas, para o investimento no setor
imobiliário.
Entretanto, através do que ficou conhecido como securitização, esses contratos de concessão de crédito passaram a ser
securitizados ou titularizados. Isso significa que eram transformados em ativos negociáveis no mercado e, por conseguinte, vendidos
a investidores de todo o mundo. Isso permitia que as instituições
financeiras envolvidas na concessão e transformação desses títulos
se capitalizassem e, por conseguinte, se habilitassem a fornecer mais
crédito aos seus clientes. Como o risco do crédito era transferido a
terceiros, isso acabou por gerar uma onda de empréstimos sem o
rigor necessário na filtragem dos beneficiários. Assim, os empréstimos eram conseguidos sem grande dificuldade – por isso ficaram
conhecidos por créditos subprime ou empréstimos ninja. Para agravar
a situação, muitos dos títulos originados pela securitização, eram cotados pelas agencias de rating (agências de cotação de risco) com os
melhores índices (alguns até mesmo com o triplo A). Então, eram
negociados em larga escala e a nível mundial.
O problema é que, com a alteração da política ligada às taxas
de juros estadunidenses, bem como em razão da desaceleração do
mercado imobiliário e diminuição do preço dos imóveis no país (o
que inviabilizava o refinanciamento das hipotecas), o sistema foi-se
desestabilizando43. Os contratos de concessão de crédito acabaram
32
Conforme destacam Borça Júnior e Torres Filho: “(…) as possibilidades de manutenção desse ciclo imobiliário expansionista deixaram de existir
na medida em que a taxa básica de juros norte-americana foi sendo gradativamente elevada, saindo do patamar de 1% a.a., em maio de 2004, para 5,25% a.a.,
em junho de 2006. A contraparte desse aperto monetário foi, a partir de 2007,
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43
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por se tornar impossíveis de serem cumpridos por seus tomadores.
Por consequência, os títulos decorrentes desses contratos passaram
a ser praticamente inegociáveis. Isso gerou iliquidez e desconfiança
nos mercados, o que acabou por deflagrar um colapso no sistema
financeiro. Inúmeros investidores perderam enormes quantias de
capital e diversos agentes do mercado, inclusive alguns de grande
de tradição e solidez – tal como, a título de exemplo, o banco de
investimentos Lehman Brothers –, vieram à falência.
Os efeitos da turbulência, uma vez que envolvia instituições
financeiras, organismos de investimento coletivo e agentes financeiros de todo o mundo, provocaram grandes prejuízos e se alastraram
a nível global, gerando a Grande Recessão. A solução para dissipar
os prejuízos e amenizar as consequências da crise veio com a
intervenção das autoridades, que se viram forçadas a planejarem diversos resgates financeiros e aportarem grandes quantias de capital
nas principais instituições financeiras envolvidas. Os efeitos da crise,
apesar de mais intensos nos anos de 2008 e 2009, especialmente no
que atine ao temor de novas instabilidades financeiras, perduram até
aos dias de hoje44.
Portanto, atualmente muito se discute sobre os diferentes
motivos que contribuíram para a Grande Recessão. No que se refere aos hedge funds, embora esses investidores mantivessem posições
nos ativos decorrentes da securitização dos contratos de crédito subprime, não se pode afirmar com segurança que contribuíram para
a propagação da crise45. Em verdade, esses fundos mais perderam
uma sensível queda dos preços dos imóveis, que inviabilizou a continuidade do
processo de refinanciamento das hipotecas e, ao mesmo tempo, provocou uma
ampliação dos inadimplementos e execuções”. Gilberto Rodrigues BORÇA JÚNIOR;
Ernani Teixeira TORRES FILHO, «Analisando a crise subprime», Revista do BNDS,
Rio de Janeiro, 15/30 (Dez. 2008) 129-159. Disponível em:
<http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/
Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3005.pdf>.
Acesso
em
18/01/2013, 139.
44
Mais detalhes da crise de 2008, consultar: Idem. Acesso em
22/01/2012.
45
(…) fue una crisis inmobiliaria que se extendió al sector financeiro através de
empresas financieras no reguladas, que estructuraban el crédito inmobiliario en títulos valores.
Una crisis de garantías colaterales y quienes estructuraron esas garantías en títulos no fueron
HF (hedge funds), propiamente dichos, sino sociedades instrumentales creadas por los bancos e
investment banks para ese fin. No fue una crisis motivada por la falta de regulación de los HF;
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capital do que propriamente contribuíram com o início do colapso
financeiro de 2008. Contudo, independentemente da identificação
dos maiores responsáveis a partir desse episódio, as políticas voltadas para estabilização do mercado financeiro e de prevenção de
novas crises se intensificaram consideravelmente.
Assim, as autoridades supranacionais se alarmaram com todos os componentes do mercado que poderiam gerar algum tipo de
instabilidade sistêmica. Como os hedge funds já estavam em foco desde antes da crise, por episódios outros e em razão da sua potencial
influência no mercado, estes organismos de investimento coletivo,
mesmo não tendo tido participação direta na deflagração da Grande
Recessão, são um dos instrumentos alvo das discussões e dos intentos de regulação e supervisão.
A esse respeito, até mesmo os Estados Unidos, que mantinham uma política mais flexível quanto aos hedge funds, principalmente em razão da crise de 2008, vêm galgando um caminho no
sentido de melhor controlar e supervisionar esses fundos. Nesse
sentido, foi aprovada, no ano de 2010, uma reforma regulatória do
sistema financeiro estadunidense, conhecida por Dodd-Frank Wall
Street Reform and Consumer Protection Act46. Referido documento contém uma seção específica para a regulamentação dos hedge funds e outros organismos de investimento coletivo do gênero – o Private Fund
Investment Advisers Registration Act of 2010. O regramento tem como
intento, principalmente, a criação de mecanismos para aumentar as
informações relacionadas com as atividades desses fundos. De acordo com as secções 404 e 408 do documento, não foi estabelecida
uma obrigatoriedade de registro de todos os hedge funds ou grupos
34
paradójicamente, fue una crisis derivada de una regulación y una supervisión inadecuadas de
bancos y mercados. La regulación llevó a los bancos a sacar activos de sus balances, utilizando sociedades instrumentales, cuando ni los reguladores habían previsto los riesgos fuera de balance que
eso implicaba ni las autoridades supervisoras habían puesto en práctica mecanismos adecuados
de control. Manuel VARELA PARACHE; Felix VARELA PARACHE, «La actual crisis financiera y los hedge funds», Revista de Economía Mundial, Huelva, 18 (2008) 169-182.
Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2603366>.
Acesso em: 03/01/2013, 179.
46
UNITED STATES OF AMERICA. Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act. One hundred eleventh Congress of the United States of America.
Washington D.C. 05 jan. 2010. Disponível em: <http://www.sec.gov/about/
laws/wallstreetreform-cpa.pdf.> Acesso em: 10/01/2013.
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
de hedge funds, perante o SEC, porém, referido órgão pode vir a exigir determinadas informações que considere relevantes ao interesse
público ou para a proteção dos investidores.
Embora a iniciativa do governo estadunidense seja positiva,
há diversas críticas com relação à forma como seriam concretizados
os mecanismos de regulação dos hedge funds. Nesse sentido, conforme destacam Stephen Brown, Anthony Lynch e Antti Petajisto, não
resta claro na normativa quais fundos (cujo registro é dispensado)
estariam sujeitos à interpelação por parte do SEC, para o fornecimento de informações relativas às suas atividades. Outro problema
que deve ser enfrentado é a forma como medir o potencial de risco
do fundo de hedge. A análise do NAV (net asset value) – patrimônio
líquido – do fundo, por certo, não é suficiente para determinar se
suas atividades estão ou não gerando riscos sistêmicos. Desse modo,
determinar os efeitos negativos da atividade de qualquer agente do
mercado é um desafio. Além disso, há outros problemas, nomeadamente porque a regulação tem custos altos, sua efetividade é questionável, as informações na esfera do mercado financeiro e sua disseminação são extremamente valiosas, além do que, a legislação não
é clara no que se refere à extensão da proteção aos investidores dos
hedge funds, entre outros problemas47.
Desse modo, há diversas dificuldades no sentido de se realizar a regulação e supervisão com base nessa normativa. Entretanto,
ao que consta, o SEC vem tomando as primeiras medidas no sentido
de conferir efetividade à nova normativa. Nesse sentido, a imprensa
vem noticiando o pleito de informações e a realização de reuniões do órgão regulatório estadunidense, com o intuito de investigar
eventuais práticas que possam gerar riscos para o mercado48. Resta
verificar, como os principais fundos reagirão a essas iniciativas.
Ainda que o início da crise de 2008 tenha sido nos Estados
Unidos, também houve uma resposta regulatória em prol da estabilidade do sistema financeiro por parte da União Europeia, cujas
estruturas financeiras também acabaram por ser afetadas pelo coConforme: Viral ACHARYA; Thomas F. COOLEY, et. al., Regulating Wall
Street. The Dood-Frank Act and the new architecture of global finance, New Jersey: Wiley,
2010, 360-362.
48
Svea HERBST-BAYLISS, «Former officials tell hedge funds: Be ready for
the regulators», Thomson Reuters. Legal, 23/01/2013. Disponível em: <http://newsandinsight.thomsonreuters.com/Legal/>. Acesso em 25/01.2013.
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lapso financeiro gerado pela crise do subprime. Ademais, como os
países europeus compõem um organismo supranacional, com influência em todo o mundo e concentram operações financeiras a nível
mundial, estão potencialmente sujeitos a efeitos de outras crises de
ordem sistêmica.
Não obstante, como é cediço, atualmente a União Europeia
enfrenta adversidades financeiras ligadas ao endividamento excessivo e ao descontrole do orçamento por parte de alguns países da
zona euro. Como consequência, essa instabilidade tem gerado dúvidas por parte dos investidores quanto às condições de esses países
honrarem suas dívidas. Assim, desenvolveu-se uma desconfiança no
mercado em desfavor dos títulos públicos e privados europeus, o
que tem preocupado a União no sentido de reverter esse quadro
desfavorável.
Diversas medidas vêm sendo tomadas a nível comunitário,
em vias de reestruturar a regulação do sistema financeiro e, de forma pormenorizada de diversos agentes do mercado, tal como dos
hedge funds. Aliás, mesmo durante o período em que os principais
efeitos da crise de 2008 se alastravam, já houve medidas européias
nesse sentido. Ainda no ano de 2008, através da Resolução do Parlamento Europeu, de 23 de Setembro, sobre a transparência dos investidores
institucionais (2007/2239(INI)), o Parlamento Europeu emitiu recomendações à Comissão, relativas aos fundos de retorno absoluto
(hedge funds) e aos fundos de investimento em participações privadas
(private equities).
Neste documento, o Parlamento assevera que há a necessidade de uma intervenção ao nível da UE, dentre os agentes do
mercado financeiro, na questão dos hedge funds e outros instrumentos de investimento coletivo. Nesse sentido, sugere o fortalecimento
de políticas de promoção da estabilidade financeira, do aumento da
transparência desses fundos, bem como de instrumentos de controle
da dívida excessiva e da resolução de conflitos. Após esta resolução,
no mesmo sentido, vários outros documentos foram editados pela
União Européia, dirigidos às políticas de estabilização do sistema
financeiro. Dentre eles, diversos pareceres e comunicações, com
alertas específicos para a necessidade de regulação e da promoção
de medidas de atração dos fundos de hedge para o espaço onshore49.
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Vale citar, entre eles, os que chamam a atenção para a necessidade de
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
Contudo, a grande resposta à crise de 2008 e às adversidades
enfrentadas atualmente pela UE, com medidas mais efetivas quanto
aos mecanismos de estabilização financeira, partiram de um pacote
de regulamentos editado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho,
no ano de 2010. Tratam-se dos Regulamentos (UE) n.º 1092/2010,
1093/2010, 1094/2010 e 1095/2010, que estabelecem uma nova
perspectiva no que se refere à supervisão do sistema financeiro a
nível europeu. Por meio deste pacote, foi criada uma plataforma
comum de supervisão, designada por Sistema Europeu de Supervisão
(SESF). Essa plataforma conta com a atuação em rede das autoridades nacionais de supervisão e tem como intento superar as atuais
deficiências relacionadas ao controle financeiro, bem como proporcionar mecanismos para estabelecer um mercado de serviços financeiros estável e único para toda a União.
O SESF, segundo propugnado pelo Parlamento e pelo Conselho, é formado pelas Autoridades competentes de Supervisão de
cada Estado e por cinco novos órgãos criados pelo mesmo pacote:
o Comitê Conjunto das Autoridades Europeias de Supervisão, o
Comitê Europeu do Risco Sistêmico (ESRB) e três diferentes Autoridades Europeias de Supervisão. A primeira envolvendo o setor
bancário (Autoridade Bancária Europeia – EBA), a segunda ligada aos seguros e pensões complementares de reforma (Autoridade
Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma –
EIOPA) e, por fim, a terceira, abrangendo os valores mobiliários e
mercados (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados – ESMA).
O regulamento relativo à criação e estruturação de cada
Autoridade contém diretivas relacionadas com os setores a serem
objeto de supervisão por cada uma delas, bem como as instruções
atinentes ao recolhimento de informações e intercâmbio com as demais Autoridades. Um dos principais objetivos se consubstancia na
regulação dos hedge funds: a Comunicação dirigida ao Conselho Europeu da Primavera, com
o intuito de Impulsionar a Retoma Europeia [COM(2009) 114 final]; o Parecer do Comité
Económico e Social Europeu sobre «A Estratégia de Lisboa após 2010 [(2010/C 128/02)];
o Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Impacto dos Fundos de Capital de
Risco, dos Fundos de Cobertura de Risco e dos Fundos Soberanos nas Mutações Industriais na
Europa [(2010/C 128/10)]; Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre A crise financeira e o seu impacto na economia real [(2010/C 255/02)]. Entre outros.
Disponíveis em: http://eur-lex.europa.eu/. Acesso em: 20/01/2013.
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identificação pelos diferentes órgãos do SESF de acontecimentos
adversos que possam por em causa o bom funcionamento do sistema financeiro e sua comunicação aos demais órgãos. Assim, com
o alerta das demais autoridades, as medidas necessárias para sanar
as situações de perigo podem ser tomadas, evitando-se situações de
desestabilidade financeira e de propagação de efeitos concatenados
com outros setores do sistema financeiro.
No que se refere aos hedge funds, a principal Autoridade inserida no SESF, responsável por sua supervisão é a ESMA, cujo
objeto é o controle das atividades do Sistema Financeiro que envolvem os mercados e valores mobiliários. Nesse sentido, o órgão
vem tomando variadas medidas com o propósito de melhor regular
esses fundos. Entre elas destacam-se, o desenvolvimento de estudos
voltados a auxiliar a Comissão Europeia na elaboração das futuras
regras a serem impostas aos fundos de investimento alternativo50, a
publicação de orientações relativas à remuneração dos gestores de
hedge funds51, a divulgação de orientações para Autoridades Competentes e para as sociedades gestoras de OICVM52 e a realização de
acordos para regulação transfronteiriça desses fundos53.
Além dessas medidas, em paralelo à atuação do ESMA, o
Parlamento Europeu, após a criação do SESF, editou novos regulamentos relativos ao controle da atuação dos fundos de hedge. Entre
eles, convém mencionar a Diretiva relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos (2011/61/EU)54, o Regulamento relativo às vendas a
UNIÃO EUROPEIA. ESMA. ESMA’s technical advice to the European Commission on possible implementing measures of the Alternative Investment Fund Managers Directive. (ESMA/2011/379). Paris, 16 November 2011. Disponível em: <http://www.
esma.europa.eu/system/files/2011_379.pdf.> Acesso em: 23.12.2012.
51
UNIÃO EUROPEIA. ESMA. Guidelines on sound remuneration policies under the
AIFMD. (ESMA/2012/406). Paris, 28 June 2012. Disponível em: <http://www.
esma.europa.eu/system/files/2012-406.pdf.> Acesso em: 23.12.2012.
52
UNIÃO EUROPEIA. ESMA. Orientações sobre fundos de índices cotados (ETF)
e outras questões relacionadas com os OICVM. (ESMA/2012/832). Paris, 18 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.esma.europa.eu/system/files/
esma_pt_0.pdf>. Acesso em: 23.12.2012.
53
UNIÃO EUROPEIA. ESMA; FINMA. EU and Swiss regulators to co-operate on
cross-border supervision of alternative investment funds. (ESMA/2012/798). Date: 3
December 2012 . Disponível em: <http://www.esma.europa.eu/system/files/
press_release_esma_finma.pdf.> Acesso em 23.12.2012.
54
UNIÃO EUROPEIA. PARLAMENTO EUROPEU e CONSELHO da UNIÃO EURO50
38
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
descoberto e a certos aspetos dos swaps de risco de incumprimento (236/2012)55
e o Regulamento relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes
centrais e aos repositórios de transações (648/2012)56. Esses regulamentos
trazem, sobretudo, regras que visam aumentar a transparência, respectivamente, dos gestores de fundos de investimento alternativo
que operam na UE, das operações a descoberto e dos swaps e do uso
de derivativos pelos investidores. Em verdade, mecanismos como
esses (que aumentam a transparência) compõem um dos pontos
nodais da proposta do sistema integrado de supervisão arquitetado
pela UE. Nesse sentido propicia-se a reunião do máximo de informações possíveis, com o intuito de, em caso de situações de perigo
para o sistema, todas as medidas possíveis para se evitar uma instabilidade, ao menos em tese, possam ser adotadas.
Por fim, convém mencionar também a assinatura de um terceiro acordo de Basileia, conhecido por Basileia III. Na mesma medida do acordo anterior, essa nova versão, com a experiência adquirida após a crise dos subprime, busca reforçar a política de supervisão
bancária a nível global. O pacote de medidas que compõem o acordo foi assinado pelo Comitê em dezembro de 2010, porém revisto
e republicado em junho de 201157, e propõe um quadro global de
PEIA. Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2011
relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Directivas 2003/41/
CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n.o 1060/2009 e (UE) n.o 1095/2010.
Estrasburgo, 08 de junho de 2011. Jornal da União Europeia, 01.07.2011. Disponível
em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2011:174:0
001:0073:PT:PDF>. Acesso em 25.01.2013.
55
UNIÃO EUROPEIA. PARLAMENTO EUROPEU e CONSELHO da UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) N.o 236/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de
março de 2012 relativo às vendas a descoberto e a certos aspetos dos swaps de risco de incumprimento. Estrasburgo, 14 de março de 2012. Jornal da União Europeia, 24.03.2012.
Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L
:2012:086:0001:0024:pt:PDF.> Acesso em: 25.01.2012.
56
UNIÃO EUROPEIA. PARLAMENTO EUROPEU e CONSELHO da UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) N.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4
de julho de 2012 relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos
repositórios de transações. Estrasburgo, 04 de julho de 2012. Jornal da União Europeia,
27.07.2012. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.
do?uri=OJ:L:2012:201:0001:0059:PT:PDF.> Acesso em: 25.01.2012.
57
BASEL COMMITTEE, Basel III: A global regulatory framework for more resilient
banks and banking systems, Basel: December 2010 (rev. Junho 2011). Disponível
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Working Papers | Boletim de Ciências Económicas
regulação mais resistente para o sistema bancário e uma extensão do
monitoramento da liquidez dos agentes do sistema financeiro, com
o intuito de cobrir os riscos sistêmicos. Tudo o que, aplicado aos diferentes agentes do sistema financeiro também se dirige, nas devidas
proporções, aos meios de controle da atividade dos hedge funds.
Como se verifica, diversas têm sido as medidas, tanto por
parte de cada Estado Nacional, quanto das Autoridades Supranacionais, no sentido de se tentar manter a estabilidade do sistema
financeiro. Quanto aos hedge funds, desde a sua popularização nas
décadas de 1980 e 1990, quando a normativa a eles dirigida era praticamente incipiente, muitas providências já foram adotadas e há
diversas perspectivas de que tais fundos serão, em termos de futuro,
melhor regulados. Contudo, ainda há muitas dificuldades a serem
enfrentadas por parte das Autoridades, no que se refere ao controle
da atuação dos hedge funds.
6. As principais dificuldades enfrentadas pelas autoridades
na regulação e supervisão dos hedge funds
40
Vários são os instrumentos, conforme apontado, que visam
propiciar um maior controle sobre as atividades dos hedge funds. Entretanto, paralelamente aos mecanismos de regulação, diversas serão
as dificuldades enfrentadas no sentido de se implementar esses mecanismos, bem como no intuito de colocar em prática as ideias neles
expostas.
A esse respeito, embora as diferentes autoridades de regulação em nível nacional e internacional tenham envidado esforços no
sentido de identificar os hedge funds, ainda não há, como se pautou,
uma definição precisa quanto à efetiva caracterização desses fundos.
E esse é justamente um dos grandes problemas enfrentados no desafio de controlá-los. Sobre essa questão, Bookstaber afirma que até
pode ser proveitoso impor regulações sobre a alavancagem, adicionar regras aos short sales ou discutir abordagens para a regulação dos
offshore hedge funds. Contudo, o caminho para a regulamentação desses
fundos pode falhar antes mesmo de começar, pois estar-se-á tentando
em: <http://www.bis.org/publ/bcbs189.htm. Acesso em 20.01.2013>. Acesso
em 20.12.2012.
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
regular uma entidade que sequer pode ser definida58. Como outrora mencionado, os próprios regulamentos de alguns países não fazem uma discriminação específica nesse sentido, o que permite que
diferentes organismos, entre eles fundos tradicionais e hedge funds, se
registrem sob a mesma formatação. Essa dificuldade na distinção
dos fundos acaba por impor barreiras à criação de regras específicas
para a atuação dos fundos de hedge, sobretudo na principal aposta
das autoridades, ou seja, na busca pelo aumento da transparência
relacionada com as suas atividades.
Outro problema, relacionado com a identificação dos hedge
funds que atuam em determinados mercados, também apontada por
Bookstaber, se refere à atuação offshore de alguns desses organismos.
Aliás, essa é uma grande dificuldade enfrentada pelas autoridades na
busca de uma regulação. Isso porque os fundos de hedge que mantêm registros offshore dispõem de diversos benefícios em razão dessa
estratégia. Assim, não vêem vantagens suficientes para alterarem
suas estruturas para os espaços onshore. Dessa forma, com o intuito
de atraí-los, as autoridades regulatórias se vêem obrigadas a flexibilizarem as regras destinadas a esses fundos. O que, desde logo, acaba
por obstar à estruturação de um controle mais rígido e, portanto,
mais efetivo no que se refere à sua atuação.
Ademais, a dificuldade de identificação dos hedge funds e sua
atuação offshore, acaba por se refletir nas outras estratégias de controle formuladas pelas autoridades. Considerando os fatores de risco
atribuídos aos hedge funds, outrora apontados, os diferentes mecanismos de controle se consubstanciam em supervisionar a atuação
dos gestores, controlar os níveis de alavancagem, impor obstáculos
ao endividamento exacerbado, controlar o uso de derivativos, bem
como apurar dados relativos aos mercados onde esses fundos mantêm investimentos. Para isso, as autoridades apostam no aumento
da transparência desses fundos, o que remete para a necessidade de
registro e para a imposição de regras no fornecimento de informações periódicas relacionadas com suas atividades.
Porém, se há dificuldades para identificar quais são os funO autor menciona: “It may be fruitful to impose regulations on leverage, add to the rules imposed on short sales, or discuss approaches to regulate
offshore entities. But starting down the regulatory path with hedge funds as the
objective is to fail before beginning, because this will be regulating an entity that
cannot be well defined”. Richard BOOKSTABER. A demon of our own design, 248.
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dos de hedge, dentre os diversos organismos de investimento coletivo
e se grande parte desses fundos mantêm versões offshore e muitas
das vezes nem se revelam para o mercado como de hedge, toda essa
estratégia de aumento de transparência torna-se frustrada. Ou seja,
ainda que se imponha a necessidade de fornecimento de informação, essa diretiva será dirigida a quais fundos? Ademais, os fundos
cujas atividades, de fato, transmitem riscos ao mercado, se submeteriam a essas regras? Ou será que buscariam novas estratégias para se
manterem à margem da regulação?
Não obstante, mesmo que isso fosse possível ou seja, que
os hedge funds fossem identificados e se submetessem a uma regulação por parte das autoridades, há-de se ponderar, também, pela forma que os riscos relativos à sua atuação seriam mensurados. Isto é,
mesmo que as autoridades consigam acesso aos dados relacionados
com as atividades desses fundos, de que maneira essas informações
revelariam potenciais riscos para o sistema financeiro? Como mencionado, os hedge funds trabalham com alta alavancagem e com o uso
de diversos derivativos para aplicarem suas estratégias. Esses fatores, sobretudo em razão da volatilidade das informações com eles
relacionadas, dificultam significativamente a análise de informações.
Com isso, a apuração dos riscos fica consideravelmente prejudicada. Joaquin López-Pascual e Daniel Raúl Cuellar, a esse respeito,
chamam a atenção, ainda, para a baixa visibilidade dos verdadeiros
níveis de alavancagem59. Ou seja, mesmo com o devido registro das
posições dos fundos no mercado, a identificação dos riscos envolvidos na atividade do fundo de hedge se revela um desafio.
Contudo, paralelamente a tudo isso, outra problemática relacionada com a dificuldade de se realizar um controle efetivo do
sistema financeiro (como um todo), tem relação com a principal
estratégia adotada pelas autoridades para buscar sua estabilidade,
qual seja, a aposta na transparência e no aumento de informações
relativas aos agentes do mercado. Como se demonstrou, esse é o
López Pascual e Cuellar ponderam: Los modelos de prevención de una crisis
sistémica como resultado de un desapalancamiento de vehículos de inversión como Hedge Funds,
son muy difíciles de desarrollar debido a la baja visibilidad del nivel agregado de apalancamiento realmente existente. Joaquin LÓPEZ-PASCUAL; Daniel RAÚL CUELLAR, «¿Puede la
regulación de Hedge Funds limitar el impacto negativo de una crisis sistémca?»,
Universia Business Review, Madrid, 20 (2008) 42-53. Disponível em: <http://dialnet.
unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2757069>. Acesso em: 28.01.2013.
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principal foco das principais normativas que vêm sendo editadas
atualmente. Entretanto, convém questionar se essa estratégia é a
mais adequada. Ou seja, seria o aumento de informações (às entidades de controle do mercado financeiro) suficiente para se prever
situações de instabilidade financeira?
Para responder a esse questionamento convém traçar considerações acerca da diferença entre o risco e a incerteza no sistema financeiro. Em verdade, foram os economistas Frank Hyneman
Knight e John Maynard Keynes, no mesmo período – ano de 1921
–, porém em trabalhos distintos, que traçaram as bases relativas a
essa distinção60. De modo geral o ‘risco’ transmite a ideia de que os
acontecimentos futuros (a partir da análise de um conjunto de probabilidades) poderiam ser mensurados ou previstos. Por outro lado,
no universo da ‘incerteza’ verifica-se o oposto ou seja, os acontecimentos futuros não poderiam ser medidos, tampouco previstos61.
Como salienta José Manuel Quelhas, o critério de diferenciação entre incerteza e probabilidade assenta na inexistência ou na existência
de bases científicas que possibilitem aos agentes a formulação de
cálculos acerca do futuro62.
Esses conceitos, aplicados ao sistema financeiro, permitem
que se discuta se eventos futuros, tais como períodos de instabilidade financeira, poderiam ou não ser previstos. Nessa linha de raciocínio, se assumido o posicionamento de que o sistema financeiro é
dotado de incerteza, as situações futuras, inclusive as de instabilidades, não poderiam ser antecipadas. Daí o motivo de se questionar
se a estratégia adotada pelas autoridades, baseada na busca de uma
maior transparência por parte dos agentes do mercado, é suficiente.
Ou seja, mesmo acatada essa linha de pensamento (ligada à incerteza inerente ao sistema financeiro e à imprevisibilidade dos acontecimentos futuros), um aumento de informação poderia diminuir
essa incerteza?
A esse respeito, conforme destaca Quelhas, há uma diferen60
Conforme: José Manuel Gonçalves Santos QUELHAS. Sobre as crises financeiras, o risco sistémico e a incerteza sistemática, 669.
61
Há diversos desdobramentos do conceito de incerteza, especialmente
envolvendo o estudo desenvolvido por Keynes e Knight. Porém, de modo geral,
concentram a ideia da impossibilidade de se antecipar reações futuras do mercado.
62
José Manuel Gonçalves Santos QUELHAS. Sobre as crises financeiras, o risco
sistémico e a incerteza sistemática, 177.
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ça significativa entre os pensamentos de Knight e Keynes. Enquanto para Knight o aumento de informação assegura a formulação de
estimativas, o que por força da previsibilidade do comportamento
dos agentes e da ergodicidade da realidade económica, mitiga a incerteza, para Keynes, por força da imprevisibilidade do comportamento dos agentes e da não ergodicidade da realidade econômica,
o aumento da informação não assegura a formulação de estimativas
corretas, tampouco mitiga a incerteza63.
Desse modo, se estabelecida a premissa de que o sistema
financeiro é tomado pela incerteza, no que se refere às instabilidades
e adversidades, bem como à ideia proposta por Keynes de que o
aumento das informações não mitiga essa incerteza, a transparência
que se propõe com as diferentes regulações acima apontadas pode
não ser suficiente. Ou seja, mesmo que se aumente a transparência
e, por via de consequência, as informações relativas à atuação dos
agentes do mercado, a incerteza inerente ao sistema não necessariamente permite que as novas crises sejam previstas.
Assim, ao invés de se apostar no aumento da transparência
e de informações, para tentar prever novas crises, talvez a melhor
alternativa seja considerar a incerteza como um fator possivelmente
inerente ao sistema e investir em mecanismos efetivos no intuito de
manter a estabilidade do sistema. Ou seja, em instrumentos para
prevenir (e não para tentar prever) novas crises financeiras.
Justamente a esse respeito, Charles A.E. Goodhart, a título
de exemplo, ao analisar essa problemática, afirma que, no caso da
crise de 2008, mesmo com mais informações, o colapso financeiro
provavelmente não teria sido evitado. Aliás, para Goodhart, o principal problema relacionado com a contenção das crises, não é a falta
de informações, mas, sim, uma deficiência no rol de instrumentos
disponíveis às autoridades para conter situações de instabilidade do
mercado, bem como a falta de iniciativa para agir nos momentos
adequados64.
Na mesma linha mencionada acima, talvez mais valha o
aparelhamento das autoridades, no sentido de construir mecanismos para tentar conter avanços negativos do mercado (ou seja de se
IDEM, 669.
Charles A. E GOODHART, The regulatory response to the financial crisis, Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2009, 30.
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prevenir contra novos colapsos), do que concentrar toda a problemática das crises na busca por uma maior transparência e na ideia
de que seria possível prever novas instabilidades financeiras. Assim,
por mais extenuante que seja o esforço das autoridades no intuito de
supervisionar o sistema financeiro e controlar seus diferentes agentes, tal como os hedge funds, há diversos desafios envolvidos nessa
tarefa. Dentre eles, alguns relacionados ao modo de operação e de
aplicação dos mecanismos de regulação e supervisão, bem como
outros relacionados com o próprio sistema financeiro e com a problemática da incerteza e da imprevisibilidade a ele inerente.
7. Considerações finais
Conforme exposto ao longo deste estudo, a busca da regulação e supervisão do sistema financeiro ganhou novo enfoque
em razão da amplitude das crises financeiras recentes. A integração
mercadológica, embora seja positiva no sentido de promover a ascensão econômica e a globalização dos mercados, tem seu revés.
Uma instabilidade gerada em um determinado território nacional
pode gerar efeitos em cadeia e atingir negativamente investidores,
instituições financeiras e mercados situados ao redor de todo o
mundo. Assim, os mecanismos de controle do sistema financeiro
criados pelas autoridades não podem se dirigir à regulação e supervisão de um setor ou de uma circunscrição territorial específica.
A atividade regulatória deve ser plural e buscar abranger o sistema
financeiro como um todo.
Entretanto, nessa tarefa enfrentar-se-ão inúmeras dificuldades, dentre elas as relativas à atuação (eivada de fatores capazes de
causarem instabilidades), de organismos como os hedge funds, que se
utilizam das oportunidades oferecidas pelo mercado para buscarem
altíssimos índices de lucro, independentemente de, com isso, enfraquecerem os demais agentes envolvidos e gerarem efeitos negativos
para os demais agentes do sistema financeiro.
Porém, nem por isso há-de se desvalorizar ou recriminar a
atuação desses fundos. Em verdade, a atuação dos hedge funds, embora negativa em determinados pontos, é importante para a atual formatação do sistema financeiro. Além de contribuírem para o
movimento dos mercados, esses fundos propiciam investimentos
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nos mais variados ativos e fomentam iniciativas empreendedoras ao
redor do globo. Ademais, se trata de fundos que estão cada vez mais
integrados com outros organismos de investimento coletivo, com
instituições financeiras, com o mercado monetário e com governos
de todo o mundo. Assim, sua atuação é necessária; porém, não prescinde de um controle por parte das autoridades.
Nesse sentido, as iniciativas de supervisão que vêm sendo
arquitetadas pelas Autoridades são válidas. Porém, talvez não se
consubstanciem na melhor estratégia de manutenção da estabilidade do sistema financeiro. Isso porque os diversos mecanismos de
supervisão que vêm sendo adotados têm como base a transparência
e, por consequência, o aumento das informações relacionadas com
as atividades dos diferentes agentes do mercado.
Contudo, conforme mencionado, o aumento de informações pode não ser suficiente para que se preveja uma crise financeira. Se estabelecidas as premissas indicadas por Keynes, o sistema
financeiro é dotado de incerteza e as instabilidades financeiras não
são previsíveis (mesmo com um amento de informações). Assim,
talvez as melhores estratégias a serem adotadas pelas autoridades,
sobretudo em razão da dificuldade de acesso aos diferentes agentes
do mercado, se consubstanciam na aposta em mecanismos outros,
não de previsão, mas sim de prevenção das crises financeiras. Trata-se de instrumentos a serem desenvolvidos pelas Autoridades que
permitam, assim, evitar (e não necessariamente prever) colapsos financeiros de grandes proporções.
Por certo, na esfera da atuação dos hedge funds essa não há-de ser uma tarefa fácil. Porém, talvez se revele mais factível, e até
mesmo mais efetiva, do que apostar na busca de informações desses
fundos, para especular sobre a possibilidade de causarem instabilidades ao sistema financeiro.
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n.o 1095/2010. Estrasburgo, 08 de junho de 2011. Jornal da União Europeia, 01.07.2011. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2011:174:0001:0073:PT:PDF>. Acesso
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Working Papers | Boletim de Ciências Económicas
em 25.01.2013.
—. Regulamento (UE) N.o 236/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de
março de 2012 relativo às vendas a descoberto e a certos aspetos dos swaps de risco
de incumprimento. Estrasburgo, 14 de março de 2012. Jornal da União Europeia, 24.03.2012. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2012:086:0001:0024:pt:PDF.> Acesso
em: 25.01.2012.
—. Regulamento (UE) N.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de
julho de 2012 relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais
e aos repositórios de transações. Estrasburgo, 04 de julho de 2012. Jornal
da União Europeia, 27.07.2012. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2012:201:0001:0059:PT:P
DF.> Acesso em: 25.01.2012.
—. Regulamento (UE) N.o 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de
Novembro de 2010 relativo à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na
União Europeia e que cria o Comité Europeu do Risco Sistémico. Estrasburgo,
24 de novembro de 2010. Jornal da União Europeia, 15.12.2010. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri
=OJ:L:2010:331:0001:0011:PT:PDF.> Acesso em: 25.01.2012.
—. Regulamento (UE) N.o 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de
Novembro de 2010 que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão
2009/78/CE da Comissão. Estrasburgo, 24 de novembro de 2010. Jornal
da União Europeia, 15.12.2010. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0012:0047:PT:P
DF>. Acesso em: 25.01.2012.
—. Regulamento (UE) N.o 1094/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de
Novembro de 2010 que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade
Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma), altera a Decisão n.o
716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/79/CE da Comissão. Estrasburgo,
24 de novembro de 2010. Jornal da União Europeia, 15.12.2010. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri
=OJ:L:2010:331:0048:0083:PT:PDF.> Acesso em: 25.01.2012.
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—. Regulamento (UE) N.o 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24
de Novembro de 2010 que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados), altera a Decisão n.o
716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/77/CE da Comissão. Estrasburgo,
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Hedge Funds, Crises Financeiras e Respostas Regulatórias das Autoridades
24 de novembro de 2010. Jornal da União Europeia, 15.12.2010. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri
=OJ:L:2010:331:0084:0119:PT:PDF.> Acesso em: 25.01.2012.
UNITED STATES OF AMERICA. Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection
Act. On hundred eleventh congress of the United States of America. Washington
D.C. 05 jan. 2010. Disponível em: <http://www.sec.gov/about/laws/
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VARELA PARACHE, Manuel; VARELA PARACHE, Felix, «La actual crisis financiera y los hedge funds», Revista de Economía Mundial, Huelva, 18
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VILHENA, Adriana Marques, Hedge funds como potencializadores de ataques especulativos.
Dissertação apresentada à escola brasileira de Administração Pública
e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para obtenção do
Grau de Mestre. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/3896>. Acesso em 15/01/2013.
ZWEIG, Jason, «Keynes: one mean money manager», The Wall Street Journal. The
inteligent investor. April, 2, 2012. Disponível em: http://online.wsj.com/
article/SB10001424052702304177104577313810084976558.html.
Acesso em 20.12.2012.
9. Abreviaturas
ARN - Autoridades Reguladoras Nacionais
CMVM - Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
CVM - Comissão de Valores Mobiliários
DOU - Diário Oficial da União
EBA - Autoridade Bancária Europeia
EIOPA - Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma
ESMA - Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos
Mercados
ESRB - Comitê Europeu do Risco Sistêmico
FED - Federal Reserve
FGV - Fundação Getúlio Vargas
LTCM - Long Term Capital Management
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Working Papers | Boletim de Ciências Económicas
NAV - Net Asset Values
OEI - Organismos Especiais de Investimento
OIC - Organismos de Investimento Coletivo
OICVM - Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários
SEC - Security and Exchange Commission
SGR - Società di gestione del Risparmio
SME - Sistema Monetário Europeu
SESF - Sistema Europeu de Supervisão
UE - União Europeia
VIAS - Veículos de Investimento Alternativo Sofisticados
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